Origem Dos Grandes Erros Filosoficos

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ORIGEM DOS GRANDES ERROS FILOSFICOS (Erros crtico-ontolgicos) MRIO FERREIRA DOS SANTOS

Direitos autorais dos herdeiros do autor

NDICE Introduo Um ponto de partida Dos conceitos Da verdade Dos conceitos universais Do conceptualismo Uma exposio do realismo Cepticismo, fonte de grandes erros Os erros do idealismo A opinio A verdade material, a verdade formal e os preconceitos Fundamentos para a verdade, oferecidos pela experincia A etiologia dos erros Demonstrao e argumentao Colheita de erros famosos Grandes erros ontolgicos So as essncias cognoscveis? A existncia. Conceito confuso para alguns filsofos modernos Do no-ser Ser, no-ser e privao Princpio de razo suficiente e os erros correspondentes O conceito positivo e o prxico Das propriedades do Ser Da individualidade Da distino Da verdade Do Bem Do finito e do infinito

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Da substncia Novos comentrios sobre o tema da causa e do efeito Exame de temas sobre as causas Da causa material e da formal Palavras finais INTRODUO

inegavelmente de grande perplexidade a emoo que invade o homem moderno, quando perpassa os olhos pelas idias que nos dois ltimos sculos dominaram o campo da criao e do pensamento humanos. espantoso, sem dvida, o nmero imenso de sistemas, de escolas de filosofia, de doutrinas sociais, de hipteses e mais hipteses, que substituem umas s outras, numa sarabanda sem fim. Se passarmos os olhos pelas diversas pocas, verificaremos desde logo que os que mais brilharam, os que receberam o afago dos elogios fceis, os que empolgaram mais facilmente grupos imensos de admiradores no foram os maiores de sua poca, mas os menores, os que encontram um lugar inexpressivo na histria do conhecimento humano. No de espantar que, em Atenas, a democracia grega (que o era apenas de uma minoria de senhores e de uma maioria de escravos) condenasse Scrates morte, porque ele ensinara aos homens serem mais dignos, mais nobres e mais honestos? No de espantar que Plato permanecesse quase annimo ante o seu povo, enquanto um Grgias, um Hipias brilhavam como luminares do saber? E no se acusem os gregos desse defeito. Ele se repete sempre em toda a histria humana. No vimos em pleno sculo XVIII Hegel pontificar na Alemanha como filsofo absoluto, Krause, no fim do sculo passado, empolgar multides de pensadores, Bergson brilhar no princpio deste com uma aurola que empalidecia os grandes luminares do passado, e modernamente um Sartre ser erguido s culminncias, para em muito breve despencar-se, enquanto ainda h literatos da filosofia que ascendem um Russel, um Moritz aos pinculos do conhecimento? No vimos a tremenda propaganda que em nossos dias receberam vultos de medocre valor, a ponto de serem considerados por muitos como definitivos marcos no caminho do saber, aps os quais nada mais cabia para ser feito? Quem passar os olhos pelo campo da cincia, e assiste essa enxurrada de hipteses, que tombam, substitudas por outras que no resistem, para tombarem tambm, a ponto de num ano, haver tantas modificaes no conhecimento cientfico, tantas REFUTAES, tantas substituies de teorias e hipteses, que ningum mais capaz de acompanh-las, verifica que os livros de divulgao cientfica tornam-se obsoletos em alguns meses.

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Teorias que no resistem a uma estao so imediatamente abandonadas, depois de haverem sido saudadas como solues definitivas. No mister alongarmo-nos nos exemplos, porque so tantos e to curiais, que no h quem no se amedronte ante a apavorante marcha do conhecimento humano, e no tem, por sua vez, que a doutrina que hoje segue como verdadeira no seja acoimada, amanh, de erro, e abandonada afinal. Mas o espantoso no apenas este, porque se apenas assim acontecesse, poder-se-ia afirmar que tais fatos revelariam um desenvolvimento da capacidade humana, que tende cada vez mais para uma anlise mais perfeita, tornando-se capaz de captar os erros das diversas posies, substituindo as doutrinas erradas por outras julgadas melhores, que, por sua vez penetre num campo de realizaes extraordinrias, e possa alcanar afirmaes definitivas. Poder-se-ia, assim, afirmar que seria a revelao de uma sade mental, de um vigor criador do homem: um sinal da evoluo criadora do seu esprito. Mas o que espanta a ressurreio de velhos erros j refutados! O que amedronta ver antigas concepes, que foram derrudas pela anlise e confutadas por rigorosas argumentaes, retornarem como fantasmas, para preocuparem outra vez mentes desprovidas, a dos que desconhecem essas refutaes, e se apresentarem, ento, como NOVIDADES, como confeces perfeitssimas, segundo o ltimo modelo intelectual, provocando em mentes no devidamente a par do que j foi realizado, espasmos de satisfao, exaltaes de gozo, como se fora atingida a quintessncia das coisas. Tal espetculo de causar d. E causa d, no porque tais idias surgem em crebros primrios, em pessoas que no tiveram meios de obter melhores conhecimentos, em pensadores improvisados, mas em homens que CURSARAM UNIVERSIDADES, que ostentam como a maior faanha do mundo o seu diploma, como o maior ttulo de glria, existente, e que um atestado irrefutvel (apenas para eles), de que so realmente sbios no assunto, senhores do saber, e que tais atestados lhes garante a AUTORIDADE NA MATRIA, como se algum que j cursou uma escola superior e possui um diploma, intimamente no soubesse como se fabricam diplomados, nem tampouco o real valor de suas escolas e de muitos pseudos-mestres. Mas, por que tais coisas se do? Por que retornam as mesmas idias que os sofistas gregos haviam espalhado, e que receberam a mais cabal das refutaes, para surgirem agora como avatares de velhas formas mortas e ora ressurrectas? Como se compreende que posies como o cepticismo, o relativismo, o agnosticismo, desmontadas eficazmente pelos luminares do pensamento grego, conheam hoje em dia um renascimento inesperado e encontrem cultores entre homens julgados como expoentes do conhecimento humano?

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Por que doutrinas, fundadas em primrios erros de Lgica, que qualquer estudante melhor avisado os evitaria, so, depois, defendidas por filsofos que adquirem renome e se propagam como se propaga a m erva? E o que mais espanta, o que mais contrista, que tais erros perduram, atravessam os anos, penetram pelos sculos, e surgem aos olhos de muitos como esplendorosas realizaes da mente humana. apenas ignorncia que se devem debitar tais coisas, ou aliam-se a ela a m f e segundas intenes? Ser produto de uma deficincia do esprito, ou obedece a uma intencionalidade que no pode ser confessada? Se se pudesse apenas debitar tais erros m f, naturalmente que seriam eles ignominiosos. Mas no apenas a ela que se deve faz-lo, mas, sobretudo, a um descaso no estudo da Lgica, a uma falta de melhor raciocnio, a ignorncia do que j se fez nesse terreno. E quando so estes os motivos que os geram, tais erros so apenas de lamentar. Realmente causa d o espetculo que se assiste. Mas o pior no est apenas na messe de erros, se tais erros no fossem fatores de maiores males para a humanidade. O deplorvel em tudo isso que tais erros se multiplicam, geram atitudes e tomadas de posies, que tm arrastado os homens a srios conflitos, e muitos cadafalsos foram erguidos para liquidar os que no seguem tais posies. Muitos crimes se praticaram em nome de tais erros, e muito sangue se derramou por culpa deles. Esta a razo por que se impe denunci-los. mister que os mostremos luz meridiana, que os escalpelemos com todo o rigor, para que a calva nua transparea plenamente. mister advertir os bem intencionados para que no sejam vtimas de tais erros, para que possam compreender por que a perplexidade avassala o homem moderno, entendendo, ento, por que tais erros se repetem e conquistam adeptos. mister fazer essa obra de denncia, por que no mais possvel deixar que tantos males se repitam e se multipliquem. O que empreendemos nesta obra essa denncia. Queremos apenas contribuir para avisar os bem intencionados para que se livrem da ao malfica daqueles que perturbam a inteligncia humana, obnubilando-a com tantos vcios, a fim de permitir que muitos possam escolher, mas escolher com responsabilidade, entre o que errado e o que certo. No tero amanh o direito de alegar ingenuidade ou ignorncia, porque patenteado o erro, debruar-se sobre ele e segui-lo indcio de mau carter ou de morbidez. Com essa inteno construtiva foi realizada esta obra. Mrio Ferreira dos Santos

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UM PONTO DE PARTIDA

Em relao Filosofia, duas so as principais atitudes que se podem tomar: 1)a daqueles que nela admitem uma capacidade de solucionar os mais agudos problemas e dar respostas s mais insistentes e exigentes perguntas do homem, e 2)a daqueles que a julgam apenas uma diverso, um entretenimento de ociosos, sem capacidade de atingir, nem de leve, ao grau que pretende, no saindo, assim, do campo das opinies, e servindo apenas de terreno para disputas estreis, sem maiores proveitos para o homem, salvo o de servir de exerccio mental, agradvel ou no, sem conseqncias realmente benficas quanto soluo das magnas perguntas, que apenas no campo da cincia podero encontrar uma soluo. Deste modo, ao lado dos que aceitam um progresso filosfico, e que pode o homem alcanar constantemente estgios mais elevados, h os que afirmam que todo esse afanar apenas um jogo ilusrio de idias, que levam, afinal, convico da inutilidade, pois, proporo que se julga haver solucionado um problema, outros surgem exigentes, desafiando a inteligncia humana a prosseguir numa especulao, cujos resultados so sempre inferiores aos esforos despendidos. E em abono dessa tese, argumentam com os exemplos da heterogeneidade de idias e de opinies, que foram expressas e defendidas por tantos filsofos, o emaranhado de doutrinas, teorias e correntes filosficas, controversas, dspares, antagnicas e at contraditrias, que so o escndalo do homem, e que afirmam mais fortemente a nossa incapacidade de encontrar solues por esse caminho, do que propriamente a promessa de um resultado melhor. Sem dvida que tal o espetculo que se assiste no campo das anlises filosficas. E alegam mais: j o mesmo no se verifica no campo da Cincia. Aqui h controvrsias apenas quanto ao ainda no experimentado, ao ainda no comprovado. Mas, o que j passou pelo crivo da prova, estabelece-se como definitivo e universalmente aceito, de modo que os cientistas encontram um campo de atividade comum, campo consentneo e aprovado por todos, onde todos podem encontrar-se, e de onde podem partir para novas investigaes. E proporo que o tempo passa, a proporo que novas experincias se realizam, amplia-se o campo comum, cooperam melhor nas buscas, e todos trabalham para alcanar resultados universais, por todos aceitos, que passam a servir de base para novos exames, novas experincias. A pouco e pouco, vo os cientistas incorporando ao patrimnio comum do conhecimento cientfico novos dados, que passam a servir de elementos para novas especulaes, enquanto no campo da Filosofia, uma nova idia afirmada sempre custa da excluso do que at ento fora aceito. A Filosofia substitui, e a Cincia incorpora. Enquanto aquela um oceano de idias controversas, esta uma concatenao de conquistas obtidas. Deste modo, no de admirar que, pensando assim, muitos afirmem a superioridade da Cincia sobre a Filosofia, e a convenincia at

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do abandono desta, pela sua ineficacidade, ou, ento, que fique relegada para os que na falta de uma atividade melhor procuram nela o que jamais encontraro, enquanto, na Cincia, os que pretendem contribuir para maior poder e domnio do homem sobre as coisas e sobre si mesmo, encontraro um campo sem fim para aplicar o melhor da sua inteligncia e da sua vontade. Tais argumentos so aparentemente slidos, mas apenas aparentemente, pois, na verdade, esto eivados de um vcio, porque a sua constante afirmao e proclamao tm servido apenas para perturbar as mentes desprevenidas, incutindo-lhes uma desconfiana infundada e injusta. preciso distinguir na Filosofia dois modo de filosofar: uma filosofia que afirma, fundamentalmente positiva, e uma filosofia que nega ou duvida, fundamentalmente negativa. A filosofia positiva, que vem de Pitgoras atravs de Scrates, Plato, Aristteles e os escolsticos maiores, uma filosofia que afirma, e incorpora as conquistas, constituindo um todo coerente. A filosofia de seus adversrios uma filosofia que nega, que duvida, que estabelece uma falsa problemtica, a qual alcana apenas a resultados inferiores. A primeira tem sido uma solucionadora de erros e uma estabelecedora de postulados apodticos, necessariamente vlidos. A segunda tem apenas contribudo para instalar a dvida nas mentes desprevenidas, aumentar a confuso, ampliar uma problemtica injustificada, ocultar os resultados positivos obtidos, e propor problemas, que so apenas aparentemente novos, quando, na verdade, so velhos problemas j solucionados. No primeiro lado, h uma homogeneidade constante nas idias; enquanto, no segundo, a heterogeneidade cresce desmedidamente. Nesta obra nos propomos a estudar a origem dos grandes erros filosficos e, consequentemente, cabe-nos mostrar: 1)que h verdades filosficas, com base positiva e universalmente vlida; 2)que os erros encontradios surgem de um afastamento dos mtodos seguros ou da penetrao sub-reptcia ou indevida de postulados infundados ou de dvidas mal esboadas, por se basearem em falsidades, que levam controvrsia intil, ao erro evitvel, confuso ilegtima e a conseqncias e ilaes que decorrem de vcios do pensamento. Para realizar o que pretendemos temos de caracterizar o seguinte: 1)se h uma nica origem de todos os erros filosficos, ou 2)se so vrias as origens. E no bastaria apenas apont-las, mas demonstrar de modo rigoroso a sua inanidade, a sua falta de fundamento, para justificar por sua vez, a validez da posio positiva, da posio concreta, que tomamos na Filosofia. Se h um desvio do caminho real mister apontar, pelo menos, a encruzilhada que abre o novo caminho, que permite e facilita o erro, pois impossvel fazer-se a anlise cuidadosa dos

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grandes erros filosficos se no for estabelecida desde incio a sua etiologia, o ponto de partida; em suma, o caminho vicioso, que desviou o investigador da rota verdadeira e real. E aps longas meditaes e anlises, chegamos concluso que o ponto de partida dos maiores erros filosficos est na maneira falsa de considerar a realidade dos conceitos universais, ou seja, partir da negao da sua realidade. Negando-se o fundamento mais slido do filosofar positivo, tudo o mais era possvel atingir. Por essa razo, necessrio retornar a esse problema e reexamin-lo com segurana. preciso, assim, volver prpria filosofia grega, ao momento crucial quando do surgimento dos sofistas, instante em que o filsofo comeou a interrogar sobre a validez dos nossos conceitos, e se no eram eles apenas meros esquemas que a mente humana criou, para poder dar uma ordem mental ao caos dos acontecimentos heterogneos, ou se nesses esquemas havia um contedo real, que lhes daria a necessria base positiva, que permitiria ao homem investigar com segurana. Em suma, em torno do realismo dos conceitos gira a gestao de grandes erros, como tambm se baseia o fundamento da filosofia positiva. o exame desse problema que empreenderemos, ao mesmo tempo que apontaremos a origem dos velhos erros, bem como sua ressonncia nos dias de hoje.

DOS CONCEITOS

A fim de evitar os costumeiros erros praticados por filsofos menores, e que se perpetuam atravs dos tempo, basta salientar um conjunto de idias em torno do conceito, colocadas com clareza e adequao, para que desde logo ressaltem de onde provm as confuses no pensamento humano. No exigvel fazer um estudo psicolgico da gnese do conceito. Basta apenas clarear um conjunto de aspectos para ressaltar logo o que deve ser predominante na boa especulao. Na Filosofia moderna, o termo conceito, por influncia de Descartes e de Port-Royal, foi substitudo pelo termo idia, gerando uma seqncia de confuses que mais serviram para perturbar o pensamento humano que para ilumin-lo. Partamos primeiramente da cognio. Genericamente, a cognio um ato imanente. Ato, porque se d atravs de uma atuao, de uma modificao na potncia subjetiva, psquica; ao imanente, porque se realiza no prprio sujeito, e efetua-se na prpria potncia subjetiva do mesmo. Alm de um ato imanente um ato consciente, porque testemunhado pela conscincia, notado pela conscincia. Mas, nesse ato, a mente tende para o objeto que conhece, intende. por isso tambm intencional. Quando a mente conhece alguma, ou quando quer referir-se a alguma coisa, ou ela tem uma notcia da coisa por meio de uma similitude com aquela, ou por uma imagem que possui do prprio

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objeto. Quando pretendemos, mentalmente referir-nos a um objeto, h em nossa mente uma intencionalidade. Assim, quando queremos nos referir matria, h uma intencionalidade, que imprescindvel considerar, ou seja, algo do que as coisas so feitas. H sempre, no conceito de matria, seja de que modo se construa ele na mente humana, uma intencionalidade: a de referir-se a uma entidade plasmvel, que formaria o estofo (Stoff) das coisas, a subjetividade das coisas, a sua subsistncia no formal, mas apenas individual na sua presena fsica. Da ao conceito de matria outro sentido, mudar a intencionalidade que o termo mater, materies (de onde madeira), hyl, em grego, tem: o de constituir uma entidade plasmvel, que o estofo, o contedo fsico das coisas chamadas materiais. Ora, de mxima importncia considerar-se essa intencionalidade, que damos aos conceitos, pois o seu desvirtuamento foi a causa de inmeros erros e confuses. Tomemos um outro conceito: Deus. Qual a intencionalidade culta que pomos nele? Quer se aceite ou no a sua existncia, o que se entende por Deus um ser infinito, onipotente, senhor de toda a potncia, pois a origem e a fonte de todos os outros que dele provm, e como no possvel admitir-se que uma perfeio possa surgir do nada, esse primeiro ser tem que conter todas as perfeies no seu grau mximo, sendo, pois, infinito e oniperfeito. Consequentemente, quando se fala de Deus, tem-se a inteno de referir-se a tal ser oniperfeito. A ele no se pode atribuir qualquer imperfeio, qualquer ausncia de perfeio. Ora, se um ente corpreo, que um ente limitado por superfcies, um ente finito, carente de certas perfeies, nenhum ente corpreo pode ser Deus. Se Deus existe no pode ser corpreo. E quando o ateu, em seu primarismo filosfico, pede provas corpreas da existncia de Deus, e afirma que s acreditaria nele se o pusssemos sua frente para medi-lo, pes-lo, tate-lo, cheir-lo, tal ser, assim apresentado, no seria Deus, porque, se corpreo, no o ser ao qual com intencionalidade culta chamamos Deus.1 Considerar-se sempre com o mximo cuidado a intencionalidade que h em toda atividade da nossa mente, e no esquecer nunca ao que pretende ela referir-se, evitaria, como veremos, uma grande parte dos erros filosficos. Deste modo, v-se que a cognio um ato imanente, consciente e intencional, pelo qual adquirimos notcias de um objeto por similitude com o mesmo ou por representao do mesmo. Essas notcias ou notas so aspectos que captamos do objeto, e conservamos em nossa mente por semelhana ou por representao. O conjunto dessas notcias ou notas estruturado num esquema mental, que os escolsticos chamavam species expressa, que uma semelhana da

O conceito vulgar e histrico de deus, no sentido de um poder inteligente superior ou no ao homem, e de natureza diferente deste, uma construo primria da idia da divindade.

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cognio, do que realizado pela cognio. Segundo os diversos tipos de cognio, sero, por sua vez, esses esquemas. No ser humano, sabemos, h duas maneiras de processar-se a cognio: a sensitiva e a intelectual. A primeira comum ao homem e aos animais, enquanto a segunda prpria do homem. Para Aristteles e os escolsticos, a primeira a via para alcanar a segunda, conforme, vemos na famosa mxima dos empiristas-racionalistas, exposta pelo estagirita: Nihil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu (nada h no intelecto que no tenha estado primeiramente nos sentidos). A cognio sensitiva consiste no ato imanente, consciente e intencional de captar notcias singulares das coisas, objetos, atravs dos sentidos; portanto, proporcionadas a estes, assimilveis dentro da gama de sua acomodao, como se demonstra na Psicologia uma operao que supera a qualquer outra operao orgnica, menos a intelectual, pois j apresenta uma forma (operao) que no se d pela mera assimilao orgnica, como o verificvel nas funes vegetativas e metablicas. Na sensao, no h incorporao do objeto assimilado, mas apenas de uma imagem do mesmo (phntasma), segundo a capacidade acomodada dos esquemas sensriomotrizes. O que notado do objeto o que corresponde esquemtica prvia (sensrio-motriz), que constitutiva dos sentidos, o que por estes assimilado gradativamente. Os olhos vem as cores que podem ver, no vem, contudo, a cor. O ato cognoscitivo sensvel um ato complexo, que a Psicologia estuda, mas sem dvida mais complexo e mais perfectivo que um ato orgnico qualquer. Segundo os empiristas, sobre esse ato sensitivo, sobre a cognio sensvel, d-se a cognio intelectual. Toda informao material uma informao singular. A matria recebe uma determinada cor, no a cor, recebe uma determinada figura, no a figura, uma determinada proporcionalidade na disposio das suas partes, como a figura triangular, no o tringulo. Toda informao material singular. Tambm singular a cognio sensvel, pois o esquema sensvel, que se forma, o desta coisa. Mas a cognio intelectual ultrapassa a singularidade. Se a matria recebe esta cor, e o intelecto capta a cor (a generalidade), esta no esta cor, mas a cor. H, na cognio cor, o que imprescindvel nesta para ser cor. H uma intencionalidade que se dirige cor como universalidade, cor, que esta, aquela e aquela outra tambm so, o que elas tm em comum. Nessa intencionalidade, h uma referncia ao que necessrio para que uma coisa seja chamada cor. Ora, necessrio (que vem de nec e cedo, de no ceder) o in-cedvel, o que no se pode ceder para que seja cor, o imprescindvel para que seja cor. Esse necessrio que se chama a essncia. A cognio intelectual tem a intencionalidade de referir-se a essa essncia, ao no cedvel, ao necessrio, para que algo seja cor, e no outra coisa.

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A no compreenso ntida do que acima acabamos de expor foi a causa de inmeros erros filosficos. Quando um adepto do filosofismo diz que no sabe o que cognio intelectual, nem o seu esquema notico (de Nous, esprito), que desconhece esse conhecimento preliminar. Desconhece o que significa a intencionalidade, e qual a sua funo. E quando ele diz que nada sabemos da cor, porque no podemos mostrar aos olhos, aos ouvidos, ao tato a cor, esquece que no s este, o sensvel, o nico modo de conhecimento, pois h o intelectual. E quando, prosseguindo na sua crtica, afirma que no conhecemos como em si a essncia de uma coisa, esquece que no mister ter a viso direta da essncia, para sabermos que ela h. No mister que tenhamos a viso da essncia cor para sabermos que h fundamento real no conceito cor, porque o que consideramos, neste conceito, o que essencial para ser cor, e no outra coisa, o pelo qual a cor cor e no outra coisa. E quando construmos esse conceito, no construmos uma imagem sensvel dela, porque no uma coisa que estimule os nossos sentidos, mas construmos, sim, uma intencionalidade, que se refere ao que imprescindvel para que algo seja chamado cor. E tanto assim que ao vermos um verde, um azul e um amarelo, dizemos que so cores que podem ser classificadas no esquema intencional cor, e no erramos a, pois no as confundimos com o peso ou com o tamanho, nem tampouco os confunde o filosofastro que afirma que nada sabe sobre a cor, o que prova que sabe algo da essncia de uma coisa contra a sua prpria opinio.2 Sua formao processa-se pela captao das notas comuns a determinados objetos semelhantes, e a intelectualidade humana tende a captar as notas imprescindveis, ou que ela julga imprescindveis, pois no conceito, inclui o que necessrio para que uma coisa seja o que ela , sem o qual no o que se afirma que . Ao construirmos o esquema notico do conceito no h nele uma afirmao ou uma negao. Quando dizemos cor, no afirmamos nem negamos, nem tampouco o colocamos no tempo ou no espao. A mente expressa o conceito pura e simplesmente. Tambm em sua intencionalidade, a mente no o confunde com phntasma, o fenomnico. Nenhum filsofo ir confundir o que pretende dizer cor com este verde aqui, desta folha de rvore. H uma diferena fundamental que ele admite e prova com suas palavras, na sua conversao, no seu modo de proceder. De nenhum modo far essa confuso em sua vida prtica, por mais que, na terica, afirme o contrrio. E at em suas afirmaes, nos conceitos que expressar com palavras, ele estar negando o que afirma, e procedendo ao inverso do que diz que pensa. Suas palavras o refutam constantemente. Nenhum filosofastro, que negue a intencionalidade da essncia em nossos conceitos, confundir o que se entende por cavalo com este ou aquele cavalo, aqui e agora. Poder ele afirmar que nada sabemos2

Estudamos em Tratado de Esquematologia a formao desses esquemas, e no h necessidade de reproduzir aqui a sua gestao psicolgica, pois o que nos basta anotar so os aspectos principais desses conceitos.

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sobre a essncia do cavalo, a cavalaridade. Jamais poder negar que quando diz cavalo, intencionalmente no se refere a este nem quele cavalo, mas ao que todos os cavalos tm em comum, ao que lhe permite chamar cavalo e no mesa. Tampouco confundir uma mesa com um cavalo. Sabe que no so a mesma coisa, e no ir nome-los pelo mesmo nome. Se ele no sabe como a essncia de cavalo, sabe, porm, que h, nestes, alguma coisa em comum, que no tm as mesas, as quais tm em comum outras coisas que as no tm os cavalos. No mister que saibamos como a essncia de uma coisa, que tenhamos a sua viso frontal, para sabermos que h nela algo pelo qual o que ela , e no outra coisa. O que o nosso conceito cavalo quer referir-se, a sua intencionalidade, o pelo qual o cavalo cavalo, e no outra coisa. Julgam esses filsofos que desde que no tenhamos a essncia ante os nossos sentidos, no h a essncia. Mas se ela fosse um objeto sensvel no seria mais essncia, mas algo individual, singular e no universal, como aquela. O que eles desejam que seja seria a sua prpria negao, a negao da intencionalidade do que se pretende dizer como essncia, pois esta no algo que se d individualmente, mas algo que comum a muitos, algo formal (eidos, frmulas (eidola), comuns a muitos. A objetividade do conceito est nessa referncia, nessa intencionalidade, nesse tender de nossa mente para o que dizemos haver na coisa, no apenas nesta, mas que esta tem em comum com outras, uma proporcionalidade intrnseca, que a mesma nesta e naquela, que podemos classificar pelo mesmo conceito. No compreender essa verdade elementar, que afirmada pela nossa prpria experincia intelectual, querer tumultuar idias e fazer confuses, quando a vida no confunde, quando espontaneamente no confundimos. Temos a a causa de tantos erros no filosofar. Em sentido lato, diz-se que a cognio uma apreenso, algo que a mente apreende (de aprehendere, tomar, captar, ad, para, em face de algo), o que se capta intencionalmente, nada se afirmando ou negando dele. Assim apreendemos uma noo, uma nota, algo que notamos num objeto, algo que distinguimos num objeto. Nota e noo muitas vezes so tomadas como sinnimos de apreenso. Contudo, nesta, consideramos o ato de captar uma nota. Esta se refere ao que capta a segunda. Tambm o termo conceito tomado como sinnimo de nota e de apreenso; contudo, quando nos referimos ao conceito, nos dirigimos para uma idia universal, o que muitos tm em comum. O esquema mental (notico), que os escolsticos chamavam de species expressa a similitude expressa ou formal-atual da coisa na mente percipiente. E quando internamente realizamos a locuo, que se refere ao que conhecemos, temos, ento, o verbum mentis, como o chamavam os escolsticos, a coisa proposta pela mente. Tambm mister distingui-lo do termo mental que aquele no qual termina a operao da mente. E tambm no se deve confundir com a inteno, que o tender da mente ao objeto.

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Por haverem confundido tais conceitos, e por os haverem tomado sinonimicamente, muitos filsofos contriburam para aumentar a confuso no campo da Filosofia. A intencionalidade mental refere-se a alguma coisa, que se torna o seu objeto. Mas este pode ser algo material ou formal. Diz-se que material o que existe com as suas notas, independentemente da mente humana. Deste modo, as notas captadas na coisa material esto nela, ou h nela, o que, em relao e proporcionalidade mente humana, permite ser notado e classificado, segundo as categorias que o ser humano constri. Formal a nota ou o conjunto das notas, que so representadas pela mente. fcil compreender da que a Lgica, ao falar na compreenso de um conceito, refere-se parte formal do mesmo, e ao falar da extenso, refere-se aos indivduos que podem ser classificados no conceito. Os modernos chamam a compreenso de conotao ou intenso, e a extenso de denotao, como tambm o chamavam os lgicos medievalistas. Se consideramos um conceito em sua compreenso, tomamo-lo segundo as notas que constituem o seu esquema notico; se o tomamos em sua extenso, a mente se refere aos indivduos inclusos na classificao. , portanto, distinto um juzo em que os conceitos so tomados de um ou de outro modo, como distinta uma Lgica apenas da extenso, como em geral a que se aplica Cincia, e uma Lgica de compreenso, que a que se aplica, sobremaneiramente, no campo da Filosofia. Ademais, verifica-se, na Lgica, que proporo que um conceito aumenta de extenso; ou seja, proporo que ele abrange indivduos de vrias espcies, torna-se ele menor em compreenso, e vice-versa. O conceito de animal mais extenso que o de homem, mas, por sua vez, de menor compreenso que este. So estas conquistas elementares da Lgica esquecidas muitas vezes por notrias individualidades da Filosofia.3 A confuso entre cognio sensitiva e cognio intelectual, entre conceito, apreenso, idia, noo, esquema notico (species expressa), verbo mental, termo mental, inteno, e outros, que ainda veremos, tomados muitas vezes sinonimamente, quando apresentam distines evidentes, a causa de inmeros outros erros palmares, proclamados do alto de ctedras. No de admirar que Antstenes dissesse a Plato: Os cavalos eu vejo, mas a cavalaridade eu no vejo. Mas se Antstenes visse a cavalaridade, seria esta objeto de um conhecimento sensvel, e no seria uma forma, mas, sim, algo que estimularia os sentidos, algo que os esquemas do sensrio-motriz acomodados poderiam assimilar, portanto algo sensvel, corpreo.

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Quando sabemos que algum mais velho que outro, esse conhecimento produto de uma operao intelectual, realizado atravs de comparaes, e no captado, direta e imediatamente, pelos sentidos. Uma forma (que muitos notveis filsofos confundem com a figura) no algo que possa ser notado atravs de apreenses sensveis. E todas essas confuses surgem por no haver compreendido bem em que consiste a ao abstratora, que realiza a nossa mente. Analisaremos o que fundamental na abstrao, para que a nossa crtica possa prosseguir com segurana. O ato, pelo qual a nossa mente se dirige a uma coisa entre muitas, e percebe esta especialmente, preferentemente a outras, pois pe sobre ela, em direo a ela, ad, toda sua tenso (ad-tenso) temos, ento, a ateno. Por esta atende-se a algo e desatende-se, ou atende-se, em grau intensistamente menor, ao resto das coisas. E quando o que atendemos tomado isoladamente pela mente, separado pela mente, como uma unidade sem outras coisas, realizamos uma abstrao. Consiste, pois, esta em tomar separadamente, pela mente, o que na coisa est junto com as outras. Em suma, abstrao apenas isto. Tudo o mais que se procura construir, com o intuito de complicar, confundir, lanar sombras a, no mais abstrao, mas qualquer outra coisa, cujo nome genrico confuso. A abstrao no nega, no refuta as coisas no consideradas. Nem tampouco se pode afirmar que seja ela um modo de conhecer perfeito, como alguns julgam ser o pensamento de filsofos positivos e concretos. Absolutamente no. A abstrao um modo de conhecimento imperfeito. Mas nem por isso falsa. Se tomamos parte, pela mente, o verde desta folha de arvore, temos um conhecimento imperfeito da folha, no porm, um conhecimento falso. Um conhecimento pode ser menos perfeito ou mais perfeito. H, nele, escalaridade. Por um conhecimento ser menos perfeito no , por isso, ou apenas por isso, falso. Alm do termo abstrao, usa-se o termo preciso. Diz-se que se toma uma coisa precisivamente, quando ela tomada abstrativamente, quando ela considerada sob um aspecto, separado mentalmente da concreo qual pertence. Com a abstrao, pode-se realizar a anlise do conceito, pode-se desdobrar suas notas, tom-las precisivamente. Tambm, pela abstrao, pode-se fazer uma sntese de conceitos, como a montanha-de-ouro. No temos nenhuma experincia de uma montanha de ouro, mas tomando precisivamente o conceito montanha e o conceito ouro, sintetizamo-lo no conceito de um enteNesta obra presumimos que o leitor j se tenha familiarizado com a Lgica, e possua uma cultura filosfica geral. Por essa razo, apenas salientaremos aqueles pontos nos quais se cometem os grandes erros, que so a fonte dos que so3

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meramente ficcional, a montanha-de-ouro, pelo qual compusemos um novo conceito, do qual podemos ter uma representao. A imaginao criadora do homem procede por tais snteses e tais anlises, e obtm, no s a representao de tais conceitos compostos ou separados, mas at a imagem de muitos deles. Quando a mente se pe no exame do prprio sujeito do seu ato, ela realiza um reflectere, flexiona-se outra vez (re) sobre si, reflete, realiza uma reflexo. A reflexo pode ser considerada como psicolgica, quando considera o prprio ato enquanto afeco e modificao de algum sujeito, o ato subjetivo spectatur (espelhado), e ontolgica, quando a mente considera o prprio ato enquanto representao do objeto, quando considera o conceito objetivamente. No se deve assim confundir representao com imagem. H imagem quando h a imago, a presena fenomnica do objeto mentado, e h representao, quando esse objeto considerado em sua forma apenas. H representao com imagem quando ambos se do juntos. Assim ns representamos o tempo, e no temos uma imagem dele, porque o tempo no um objeto de conhecimento sensvel, mas apenas intelectual, mas podemos representar com imagem o cavalo. Se partirmos da considerao de um simples exemplo como a gua, sabemos que um composto quimicamente de hidrognio e oxignio, numa proporo de 2 para 1. Mas revela-se para ns atravs das suas propriedades. No um ser que tem aseidade (de a se, que em latim significa por si mesmo), no um ser que tenha ipseidade (do lat. ipsis si mesmo) porque a gua no simples e absolutamente apenas gua, mas um produto, um composto. Ela essa proporcionalidade entre o oxignio e o hidrognio, segundo determinadas coordenadas, que a Qumica busca descrever. Na verdade, h gua quando elas permitem que aqueles elementos qumicos se combinem, segundo uma lei de proporcionalidade intrnseca, um logos, segundo os pitagricos, ou forma para Aristteles e os escolsticos. A gua isso, e sem isso ela no . Essa forma, esse logos, ou esse arranjamento de proporcionalidades, como dizem alguns, essencial para que a gua seja gua. Nessas condies, h nela uma forma, um logos, uma lei de proporcionalidade intrnseca. Quando nossa mente diz gua, quando conceituamos gua, a intencionalidade da mente refere-se a esse logos, a essa forma, a essa lei de proporcionalidade intrnseca, etc. Pode nossa mente, em seu esquema notico, em sua species expressa, no reproduzir o que a Qumica j sabe. Tambm os antigos, que julgavam que a gua era um elemento simples, que entrava na combinao dos outros seres, no sabiam que era formada de uma determinada proporo de hidrognio e oxignio em dadas condies, mas o que intencionavam dizer como gua, era gua mesmo, e no outra coisa. Deste modo, nossos esquemas mentais podem ser enriquecidos de novas notas que o conhecimento nos ministra, mas nem por isso, quando diz menos, deixa de dizer realmente o que, pois nossaadotados por muitos como luminosas verdades definitivas.

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mente, em qualquer estgio, quando diz gua, refere-se a esta gua. Podemos no saber qual o logos, qual a forma, qual a lei de proporcionalidade intrnseca, qual o arranjamento de correlacionamentos fsicos, do qual resulta gua. Mas quando se diz gua, diz-se que h, nesta, algo pelo qual ela mesmo, e no outra coisa. Nossa intencionalidade uma referncia ao que faz (causa) que a gua seja gua, algo que intrnseco a ela, algo que emergente nela, algo que a forma. Toda vez que nossos esquemas se referem a algo que h nas coisas, nossos esquemas tm um fundamento na coisa, tm o que os escolsticos chamavam de fundamentum in re. Ora, desde Pitgoras todos os filsofos positivos e concretos afirmaram sempre que a metafsica deve trabalhar com conceitos que tenham tais fundamentos, ou seja, com conceitos que se refiram ao que fundamentalmente nas coisas. Esses so meramente entes de razo (entia rationis), so construdos pela nossa razo por meio de abstraes. Mas tais conceitos, contudo, embora entes de razo, tm fundamentum in re, quando se referem ao que h nas coisas. A boa metafsica, a verdadeira, aquela que se fundamenta e trabalha com tais conceitos, o que permite reverter as especulaes metafsicas aos fatos da experincia. Quando a metafsica trabalha com entes de razo, que no tm tal fundamento, trabalha com fices, e recebeu o nome de metaficismo, o que indica a forma viciosa de realiz-la. Tal no o fizeram os grandes filsofos positivos, mas precisamente, em sua maior parte, os que procuram combater toda metafsica. So os metafsicos que emprestam matria, como estofo das coisas, atributos criadores e divinos. Fundados em que? Na experincia? Mas essa no h, nem nunca houve. Nenhuma metafisicista pode afirmar que a matria, enquanto matria, com a intencionalidade que lhe d a nossa mente, o princpio de todas as coisas. No h experincia nenhuma, e muito menos de baixo do rigor que exigvel para uma experincia cientfica, e isso pela simples razo de que tais especulaes ultrapassam ao campo da cincia, e nenhum cientista, enquanto tal, poderia fazer qualquer afirmao aqui nesse sentido, sob pena de afastar-se da Cincia para penetrar na Filosofia, j que tal afirmativa no teria possibilidades de nenhuma prova experimental, fazendo, assim Filosofia da pior espcie. Chama-se na filosofia Etiologia aquela parte da Ontologia Geral que se dedica ao estudo das causas. Precisamos apontar as causas dos grandes erros, mas para faz-lo temos que percorrer vrios estgios que nos mostrem o que fundamenta a nossa posio, e o que invalida a dos que hoje procuramos combater. No nos satisfaz apenas afirmar que esto errados, mas em provar que o esto. Para isso, somos obrigados a examinar as posies cpticas, analisar os falsos critrios da verdade, justificar a posio do realismo moderado na questo dos universais, para que, depois, de posse de material positivo e seguro, possamos fazer a descrio dos principais erros. ...

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O que se pretende estabelecer com o conceito de primeiro grau a intencionalidade da mente dirigida para os muitos entes, que tm em comum um aspecto formal o qual permite classific-los desse modo. Tais conceitos so usados, inclusive pelos que no admitem contedo em nenhum grau de abstrao dos conceitos, mentes super-concretas, que contudo, os empregam constantemente, e o que ainda mais importante: do-lhes a mesma intencionalidade que do os que por eles so combatidos. Se perguntarem a um deles que animal aquele, ele dir que cavalo. E aquele outro? Tambm cavalo, e chamar cavalo, intencionalmente, a todos os animais que apresentam, para ele, a mesma semelhana, os mesmos aspectos, que ele sabe, pertencerem ao cavalo. Quanto s abstraes de segundo grau, os nmeros matemticos no existem. No esto aqui nem ali. Mas, finalmente, quem afirmou que os nmeros so entidades existentes aqui e ali? Quem postulou tal coisa? Por acaso Pitgoras, Scrates e Plato? Nenhum desses pensadores seriam to estpidos que fossem dar aos nmeros a mesma entidade real que se d a um paraleleppedo, ou a uma caveira de asno. So entidades formais, e como formas no so seres espaciais, tridimensionais, limitados por superfcies, com localizao no espao, mais para c ou mais para l. O fundamento dos nmeros est nas coisas numerveis. O da matemtica, quando trabalha com abstraes de segundo grau da quantidade ou mais precisamente, como na lgebra, na matemtica superior, est nas coisas reais, que, por precises permitem se construam as categorias matemticas. O fundamento real est nas coisas, e tanto est que se pode reverter da lgebra para a realidade, pois, do contrrio, a matemtica no seria aplicada a esta, e esta aplicao nos mostra, de modo apodtico e definitivo, a validez das abstraes de segundo e de terceiro graus. O fundamento dos conceitos da metafsica s est em basearem-se as abstraes de terceiro grau na realidade das coisas. Assim, as categorias, enquanto tais, os conceitos de causa e efeito no correspondem a entidades subjetivamente existentes aqui e ali. Ali vai a causa de brao dado com o efeito... Nem tampouco a prioridade est junto daquela rvore, ou a triangularidade est dependurada daquele galho. No essa a realidade que tais conceitos tm. A realidade que tm est em fundarem-se realmente nas coisas, como a anterioridade nas coisas que, de certo modo, tm prioridade a outras, segundo determinada ordem; a causa, nas coisas das quais outras dependem essencial e realmente para serem, etc. A Metafsica correta aquela que se funda em tais realidades. Um exemplo da m metafsica? a daqueles que afirmam que as coisas finitas nunca tiveram um princpio, e que sempre houve coisas finitas, que so a nica razo de ser das subsequentes; que um gnero possa possuir uma perfeio que no possui nenhuma das suas espcies; o que mais possa vir do menos,

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que o todo anteceda, fsica e atualmente, s suas partes... Era a metafsica que se apresentava com poses de cincia, e que afirmava a existncia do homnculo, do flogstico, da anank, do lan vital, do orgnio, do no princpio era a ao, do fado, considerados como entidades de per si subsistentes, a metafsica que transforma a possibilidade num ente subsistente de per si, a que afirma que os tomos, subitamente, e sem porque, comeam a combinar-se, e muitas outras maravilhas do pensamento, que superaram o que o passado havia realizado. Mas o que demonstramos at aqui em favor da filosofia positiva e concreta, a nica que realmente Filosofia, ter ainda outras provas, mais dialticas e construdas com o rigor que exigem as demonstraes rigorosas. o que faremos depois de salientarmos outros erros fundamentais, e mostrar em que bases se podem estabelecer um pensamento positivo e concreto.4 De qualquer modo, todo e qualquer mtodo fundamenta-se na abstrao e, sobretudo nos seus trs graus da abstrao. Quanto operao intelectual so os seguintes: 1)quando o objeto abstrado da sua singularidade. Assim casa, chapu, rvore so abstrados da sua singularidade, e o conceito refere-se a esses entes. So as abstraes de primeiro grau, prprias das Cincias Naturais. 2)Quando o objeto intelectual abstrado da singularidade e das propriedades sensveis, considerando-se apenas enquanto tm extenso contnua ou discreta, como se v nos nmeros matemticos: a abstrao de segundo grau, prpria das matemticas, no sentido em que so comumente consideradas. 3)Quando o objeto intelectual abstrado de toda matria singular, tanto sensvel como inteligvel, como os conceitos de causa, efeito, as categorias, em suma, os entes imateriais, objeto da Metafsica, temos a abstrao de terceiro grau. A abstrao mental a preciso. Em primeiro lugar, h muitos que no concebem outro modo de ser seno o corpreo; ou seja, o tridimensional tpico, espacial, a corporeidade da essncia do ser positivo. Fora da corporeidade no h nada. Dizemos essncia, com o intuito de nos referirmos ao que, sem o qual, uma coisa no o que ela , e por esse algo que uma coisa o que ela . Assim o ser, positivamente considerado, s se for corpreo, se apresentar a tridimensionalidade espacial; caso contrrio ser apenas nada, no ser. Portanto, da sua essncia ser corpreo. So tais pensadores os descendentes daqueles que, no sculo passado consideravam o peso como essncia da matria, ou a resistibilidade, etc. Para eles, outro modo de ser, que no o sensvel, o que seus olhos vem, seus ouvidos ouvem, suas mos tocam, suas narinas cheiram, sua lngua gusta, no nada, no . E, em palavras proferidas em tom professoral e catedrtico, negam realidade a tudo quanto no pode

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ser objeto de assimilao pelos esquemas da sensibilidade. Mas acontece, quer queiram quer no, quer teimem em provar o contrrio, que o ser humano no s sensibilidade, tambm afetividade e intelectualidade e, seja como for, no conseguiro jamais dar um peso ou pesar, nem medir um sentimento, uma afeio, nem tampouco medir ou pesar ou dar uma idade a um conceito, pois tais seres se excluem da tridimensionalidade espacial. Ademais, em face dos atuais conhecimentos da Fsica, e ante o desenvolvimento da Cincia, j se sabe que a corporeidade apenas um modo de ser dos entes fsicos, no o nico modo de ser de tais entes. A Fsica vai alargando cada vez mais o conceito de ser, ultrapassando o campo da matria sensvel, o conceito comum de matria e tambm as dimensionalidades que eram prprias dos entes de nossa experincia sensvel.

DA VERDADE Verdade, como termo verbal, um substantivo abstrato, ao qual, portanto, no corresponde nenhum sujeito. Usavam os gregos a palavra altheia, formada do alfa privativo e de lethes, esquecimento, significando o que des-esquecido, o que no mais oculto, o que se revela, para nomear a verdade. Foi empregado atravs de seus derivados, como verdadeiro, veraz, verdico, etc., em oposio ao amigo falso, que demonstra falsa amizade, ao ouro falso. Quando se fala em palavras verdadeiras, diz-se que so palavras que no contm mentira. Quando se fala num conhecimento verdadeiro, quer-se referir a um conhecimento que no falso, que se ope ao falso. Desde logo se nota que o conceito de verdade implica dois termos extremos e uma conformidade entre eles. Genericamente, verdade significa que h alguma conformidade entre dois extremos. Mas, especificamente, implica que um desses dois termos seja o intelecto. Da haver conformidade entre o que afirma o intelecto e a coisa, o objeto ao qual se refere essa afirmao. Para os antigos, a verdade, no sentido lgico, nada mais que a adequao entre a coisa e o intelecto, a coisa qual aquele se refere, ou na frmula latina adaequatio rei et intellectus. Dizer-se que verdade no isso, negar-se ao termo a intencionalidade que lhe d a nossa mente. Poder-se-ia ter outro conceito de verdade? Absolutamente no, porque fora deste no ser mais o que intencionalmente queremos dizer com tal termo. Poder-se-ia, contudo, em sentido lato, dizer que verdade apenas a conformidade entre dois extremos, nos quais nenhum deles o intelecto, como quando se diz uma noite verdadeira, gua verdadeira, uma dor verdadeira. Mas a verdade lgica, que bsica para a Filosofia, tomada no sentido estrito que acima citamos. No4

Todo e qualquer mtodo da filosofia gira em torno da abstrao-concreo. Assim, a dialtica concreta realiza a concreo aps a anlise abstrativa, conexionando o que implica e exige a sua presena. A concreo comea pela

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estamos, porm, trilhando caminho pacfico. Ao contrrio, h aqui inmeras controvrsias. Muitos escreveram pginas e pginas contra a verdade, e julgam verdadeiras as suas afirmaes. E apontaram-lhe inmeros inconvenientes, como analisaremos a seguir. Antes de faz-lo, mister que precisemos um conjunto de idias para que elas nos sirvam depois, para analisar, as razes apresentadas pelos que lutam contra ela, e que acham que verdadeiramente no h verdade. Diz-se que a verdade ontolgica ou real, quando ela consiste na conformidade entre coisas e o intelecto. Diz-se que lgica, quando a conformidade se d entre o intelecto e a coisa (intellectus cum re). Assim uma verdade ontolgica que o anterior tem prioridade sobre o posterior; uma verdade lgica chamar esta residncia de casa, por que realmente o que conceituamos por casa est conforme com ela. Vejamos o que se entende por conformidade, adequao. Diz-se que conforme o que est de acordo formal com alguma coisa. Adequado o ad aedqualis, o que igual de certo modo a outro. Ao tomarmos um objeto, podemos consider-lo segundo todas as suas notas e propriedades; ou seja, segundo a sua compreenso. Tomamo-lo, assim,,materialmente. Mas se consideramos segundo uma ou mais notas e propriedade, ns o tomamos formalmente. Ora, no conhecemos tudo de uma coisa, e quando falamos em verdade lgica queremos nos referir que h adequao entre o que conhecemos, ou dizemos da coisa, com a coisa. Deste modo, o que conhecemos pode ser verdadeiro, Uma verdade lgica seria perfeita se a conformidade se desse em todas notas. H, assim, verdades lgicas mais perfeitas ou menos perfeitas. Mas a menor no menos verdadeira que a maior, porque a verdade no se refere quantidade do que se sabe, mas qualidade do que se sabe. No mister que o que sabemos seja total para ser verdadeiro, pode ser parcial. Quando filsofos modernos dizem que o conhecimento falso, por que no sabemos tudo, seria o mesmo que dizer que falso afirmar que um ser humano o soldado A do peloto tal, do batalho tal, pelo simples fato de no sabermos tudo sobre ele. Do mesmo modo no iremos dizer que o conhecimento que temos de tal filsofo falso, pelo simples fato de no o conhecermos pessoalmente, no saber sua idade, sua filiao, seu peso, sua altura. Contudo, embora seja de pasmar, h filsofos que afirmam que h falsidade no conhecimento enquanto no ele total. Ora, falsidade o oposto da verdade. Quando se diz falsidade, diz-se que h ausncia de verdade. Uma verdade mais perfeita ou menos perfeita no mais verdadeira que outra, nem mais falsa ou menos falsa que outra. Estaria certa essa afirmao se entre verdade e falsidade fosse possvel inscrever-se um terceiro termo. So extremos, porm, que se excluem.contrao, que uma operao inversa abstratora.

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Mas a conformidade que se exige do intelecto com a coisa uma conformidade intencional. No mister uma identificao, o que seria impossvel. Portanto, a melhor definio da verdade lgica a conformidade ou adequao intencional do intelecto com a coisa. Vejamos quais so as posies contrrias a essa definio, que clara, breve, recproca e no contm negao, o que caracteriza uma boa definio. No que essa definio seja uma novidade na Filosofia. No; ela aceita por todos os filsofos positivos e concretos em todos os tempos. Diz Kant que a verdade consiste na conformidade da cognio consigo mesma; ou seja, na conformidade de todas as cognies com as leis do cogitar, e entre si mesmas. Tambm esta a opinio dos relativistas de toda espcie. Ora, ela falha, porque no recproca. Dizer-se que a verdade a conformidade da cognio consigo mesma no permite a inversa: a conformidade da cognio consigo mesma no a verdade, porque ento bastaria haver essa conformidade para haver verdade, neste caso qualquer cognio falsa seria verdadeira, bastando apenas ter conformidade consigo mesma. Dizer-se que a verdade estar de acordo com as leis do cogitar a definio da retitude, no da verdade. Uma cogitao pode proceder retamente e, contudo, ser falsa. Para os empiristas s verdadeiro o que se verifica, na experincia, como os sensistas, verificado atravs dos sentidos. Tais posies restringem o mbito da verdade. Segundo os pragmatistas a verdade apenas o que til, o que frtil ao conhecimento, o que favorece a vida. Ora, tal posio apenas capta uma nota da verdade. Ademais, h erros que so teis, e nem por isso so eles verdadeiros. Modernamente, alguns cultores da Axiologia (como Rickert, Wildelband, etc.), dizem que a verdade um valor. Mas nunca houve tanta confuso e tanta controvrsia sobre o valor, como houve entre os modernos axiolgicos. Se no do uma definio clara do que valor, como podero dar uma definio clara do que verdadeiro? Querendo esclarecer o que o valor, tornaram esse tema um dos mais obscuros da Filosofia, e no conseguiram resolver nenhum problema, mas obtiveram, isso sim, o aumento da confuso nos espritos, e a multiplicao de uma linguagem filosfica pretensiosa e pernstica, que apenas oculta a vacuidade e o contra-senso. Mas muitas objees posio positiva sobre a verdade foram apresentadas pelos adversrios. Segundo eles: no possvel uma conformidade intencional entre o intelecto e a coisa, porque para que tal se desse seria mister que se referisse a todas as perfeies que esto na coisa. Mas esqueceram que no se trata de uma adequao total, mas apenas parcial e que uma adequao parcial uma contradictio in adjectis, pois quando se diz adequao se diz total e no parcial,

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porque uma adequao parcial uma inadequao. Mas a resposta a tal argumento muito simples: haveria tal inadequao se postulssemos uma adequao meramente quantitativa. Mas a prpria adequao qualitativa por sua vez rejeitada pelos adversrios, porque no admitem nenhuma espcie de adequao entre o intelecto e a coisa conhecida, porque o primeiro um ente mental e o segundo um ente extra-mental. Mas a resposta que merece tal argumento de que no se trata de uma conformidade entitativa, em sentido fsico, mas apenas uma conformidade intencional. E quando queles que afirmam que o objeto mental imaterial, enquanto o objeto conhecido material, o que impede qualquer adequao entre ambos, esquecem que a conformidade afirma uma analogia entre o objeto mental e o extra-mental, e no uma adequao perfeita. Em suma, esses so os argumentos principais dos que negam a definio de verdade lgica. Alguns argumentam ainda com as negaes; pois como poderia haver adequao entre um conceito negativo e a coisa? Mas o conceito negativo no se refere coisa, mas a alguma ausncia na coisa; apenas afirma a recusa da presena de alguma determinada positividade na coisa, sem negar esta. Portanto, tambm este argumento no procede. Qualquer argumento em contrrio tese consiste apenas numa ignoratio elenchi; ou seja, numa ignorncia do tema, pois combate-se a adequao, porque a tomam num sentido diverso daquele que tem para os filsofos positivos e concretos. Nenhum deles jamais afirmou que o esquema notico fosse uma cpia da mesma natureza da coisa conhecida. Nem h necessidade para que haja alguma adequao entre uma coisa e outra, que sejam elas da mesma natureza. O retrato de algum se adeqa fisicamente ao retratado, sem necessidade de que a natureza do retrato seja a mesma daquele. E embora parea incrvel, inmeros e notrios filsofos, fazem afirmaes dessa espcie. Gravssimo erro, e de conseqncias desastrosas, foi julgar-se que o conhecimento parcial, por ser assim, falso. Uma apreenso, que captao de uma notcia de alguma coisa, mais um ato passivo, e no h nela nenhuma afirmao ou negao da notcia; ou seja, no se estabelece um juzo sobre a notcia, mas apenas a simples representao. No juzo, h outra operao, porque nele, a mente afirma ou nega o atributo ao sujeito, toma, portanto, uma atitude, prefere alguma coisa, julga, portanto. Dada uma cognio, podemos verificar que ela conforme com o seu objeto; contudo, no sabemos qual essa conformidade; apenas sabemos que h uma conformidade, sem sabermos qual . Esta verdade lgica imperfeita, e os escolsticos chamavam-na de incoativa. Quando se conhece qual a conformidade, ento a verdade perfeita. E esta pode dar-se de dois modos:

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1)quando se conhece a verdade da prpria cognio (o que os escolsticos chamavam de in actu signato); ou 2) quando, alm desse conhecimento, sabemos que este conforme o que a coisa enquanto em si mesma (chamado pelos escolsticos in actu exercito). Entre os filsofos, h os que admitem a existncia da verdade lgica, e os que a negam. Quanto aos primeiros, mostramos a improcedncia de sua posio, que decorre de uma falha compreenso do que seja verdade lgica. Quanto segunda posio (que a nossa) admitimos que ela se d gradativamente em sentido perfectivo. A simples conformidade da cognio com o seu objeto uma verdade lgica (incoativa), podendo ela alcanar graus perfectivos maiores, como a in actu signato e a in actu exercito. Perfectibiliza-se a verdade lgica, quando ela consistente num ato cognoscitivo, no qual so conotadas as notcias, que correspondem ao objeto no mesmo modo como so elas representadas. Ora, no se deve confundir a imagem (o phantasma), que se tem de uma coisa com as formas eidtico-noticas, os eide, que nosso esprito, nous, constri. Estas afirmam as notas captadas do objeto, mas reduzidas a esquemas noticos. Estamos aqui em face de uma representao notica, que distinta da imagem. Assim podemos compreender, representar o ultravioleta, sem uma imagem correspondente. A representao que fazemos do ultravioleta, como a do infravermelho, no contm, nenhuma imagem (nenhum phantasma), porque no so entes de nossa experincia sensvel, mas entidades que alcanamos atravs de nossos conhecimentos. Quando o enunciado lgico, que fazemos (o juzo, que construmos) representa o objeto com notas adequadas ao que ele na realidade, esse juzo encerra uma verdade formal perfeita. Na mente humana, o esquema eidtico-notico no uma imagem do que est na coisa, mas apenas uma expresso formal, que intencionalmente se refere ao que est na coisa. E se o que est nesta representado adequadamente no esprito, este, quando estabelece um juzo com tais representaes, estabelece uma verdade formal perfeita, uma verdade lgica perfeita. S mesmo muita ingenuidade poderia exigir que, na mente humana, eidticonoticamente, os esquemas correspondessem a cpias fantasmticas das coisas. Mas h quem afirme tal coisa, e queira reduzir os esquemas mentais apenas a meros esboos esquemticos memorizados de imagens, de fantasmas. E entre esses alguns filsofos, cujas obras so matria de estudos demorados em aulas e cursos, e muitas vezes mais apreciados que os filsofos positivos e concretos, que no gozam de tantos favores. Mas, na verdade h outras intenes nisso tudo.55

A finalidade no esclarecer, mas confundir; no dar solues a problemas, mas envolver o homem numa problemtica que lhe parea insolvel, para que o desespero dele se aposse, e mais fcil se torne presa daqueles que

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Volvendo aos esquemas eidtico-noticos, sem dvida que a muitos deles esto unidos esboos memorizados de experincias sensveis. Mas, inegvel a capacidade humana de poder, a pouco e pouco, purificar os esquemas eidtico-noticos at da influncia notica, buscando-se a sua pureza eidtica. A falsidade s se d no juzo e no na simples apreenso, porque a inconformidade se d entre o que intelectualmente afirmamos do objeto e ao qual no se adequa. Pode um juzo ser formalmente verdadeiro, sem que o seja materialmente verdadeiro, pois a prova material outra. Assim Deus existe um juzo logicamente verdadeiro, porque prprio de Deus existir; ou seja, o predicado existir cabe necessariamente a Deus, pois um Deus inexistente no Deus. Mas se h verdade formal no juzo, a verdade material no decorre daquele, mas de uma prova outra que robustea a adequao, a conformidade daquele juzo com a realidade. A afirmao de que Deus existe realmente, independentemente da mente humana, j exige outras provas, que dem as razes materiais de sua existncia. Um juzo lgico pode, pois, ser logicamente verdadeiro e tambm realmente (materialmente verdadeiro), quando, alm da verdade formal cabe-lhe, ainda, a verdade material. Se a verdade formal e a material so provadas, e h ainda a razo ontolgica, alcanamos, ento, ao que chamamos a verdade concreta, que a connexio de todas essas verdades. Quando carecemos da cognio de alguma coisa, ignoramo-la. A ignorncia essa ausncia de cognio, que pode ser negativa, como a nescincia pura e simples, no-cincia, e a privativa, que a ausncia da cognio devida. Muitos confundem a falsidade com a ignorncia, mas a distino simples e clara. Na falsidade, h inconformidade, discrepncia do conhecido com o cognitum, enquanto, na ignorncia, h falta, ausncia de conhecimento. Em face de uma oposio contraditria, quando a mente permanece indecisa, estamos em dvida. H opinio, quando a mente apoia, assenta sobre um juzo, mas teme, contudo, o erro, e que o juzo contrrio seja verdadeiro. H certeza, quando a mente j no teme mais o assentimento que d a um juzo. H suspeita, quando a mente permanece entre a dvida e a opinio. Ora, a certeza pode ser conseguida de dois modos: subjetivamente, pela f, pela adeso firme da mente a um juzo sem temor de erro; ou objetivamente, pela demonstrao rigorosa, que prova a validez e o acerto do juzo, retirando qualquer temor de erro.

desejam destruir o mundo cristo em que vivemos, para substitui-lo por outro, onde, outra vez, o esprito tribal passe a ser uma fora propulsora, e o olho por olho e dente por dente, um direito fundamental dessa sociedade.

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A primeira certeza (f) a da Religio, a segunda a da Filosofia. H, contudo, uma filosofia de opinio, que se funda em juzos assertricos e meramente opinativos. A Filosofia deve ser provada, e a prova filosfica a demonstrao, como a experincia a prova cientfica. H os que alegam e expem seus pontos de vista ao sabor das suas inspiraes. So os estetas, que fazem esttica filosfica. Mas a Filosofia propriamente dita no se submete Esttica, mas segue sua linha e seu mtodo, que lhe genuno: a demonstrao, e esta deve ser a mais apodctica possvel; ou seja, fundada em juzos necessrios. A falta desse rigor e o domnio pouco eficiente da Lgica e da Dialtica favoreceram que muitos filsofos aumentassem o nmero dos erros, em vez do nmero das demonstraes, opinies, suspeitas, pontos de vista, pareceres, afirmativas gratuitas, doutrinas e teorias mal esboadas, e pouco fundadas tornando quase impossvel a digesto de tanta coisa. Por esta razo impe-se uma reviso da Filosofia. Mas essa tem de processar-se pelo apontamento dos erros e das suas origens, da sua etiologia, porque a que est a chave principal do trabalho de seleo, que devero fazer as geraes futuras, por entre o caudal de erros, que livros filosficos insuflaram no pensamento humano. preciso selecionar e, para isso, mister separar. Mas a separao exige um critrio, e este s pode ser o da apoditicidade. O que no vier revestido do carter de apoditicidade deve ser posto de quarentena. necessrio examinar tudo com o mximo cuidado, volver discusso dos pontos fundamentais do filosofar, para de uma vez por todas realizar a colheita benfica e proveitosa. Mas o primeiro passo, sem dvida, tem de ser dado pela denuncia dos erros fundamentais. o que ns, por nossa parte, fazemos nesta obra. Pelo que examinamos, fcil perceber por onde se iniciam os erros. Mas veremos onde eles se fundam, e que h argumentos aparentemente seguros para justific-los. Analisaremos todos os aspectos para mostrar a inanidade fundamental de tudo quanto se apresentou at aqui em contrrio s teses da filosofia positiva e concreta. mister distinguir o juzo provvel de o juzo de probabilidade. O primeiro afirma que o nexo que une o predicado ao sujeito apenas um possvel, como se v no juzo provvel: Joo possivelmente se salvar com esta operao. Mas, no juzo de probabilidade, o nexo que h entre o predicado e o sujeito afirma existir j, no sujeito, motivos, condies, etc., para que se d o que lhe predicado, ou no. Assim o juzo: no tem possibilidades de curar um juzo de probabilidade. A diferena que h entre os dois juzos importantssima no filosofar. E que, enquanto o predicado afirmado do sujeito como algo provvel de acontecer, no segundo juzo, a possibilidade que se afirma do sujeito, fundamentalmente certa porque h naquela, condies para que tal acontea. Deste modo, quando se argumenta com juzos em que o predicado afirmado como possvel, mister distinguir se a predicao provvel ou uma probabilidade. O provvel

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pode ser meramente fortuito, mas a probabilidade, que tambm pode no acontecer, possui, porm, algum elemento seguro, certo, algum motivo ou condio que a afirma como predisponente para o evento, o que distinto do primeiro caso. Ora, a opinio funda-se em geral em tais juzos. E ela prudente ou imprudente, segundo se fundamente em probabilidades ou improbabilidades. A imprudente tambm chamada de temerria. Para haver uma certeza absoluta preciso que se excluam as possibilidades opostas e simultneas ao juzo que se formula. Enquanto tal no se d, havendo uma possibilidade contrria, simultaneamente, no podemos ter uma certeza absoluta. Deste modo, um juzo, para ser absolutamente certo, tem de excluir o opinativo, e no pode ser provvel ou de probabilidade, pois manteria, simultaneamente, a possibilidade contrria. mister afastarem-se as possibilidades contrrias para que se possa afirmar que h certeza absoluta. Quando a possibilidade contrria absurda, por ser contraditria, estamos em face de um juzo verdadeiro pela prova de sua reduo ao impossvel, pois seria impossvel o enunciado contrrio. Essa prova no , contudo, suficiente, alega-se, no que se refere Matemtica e Fsica, pois h casos em que o contraditrio passvel de admitir uma possibilidade ou probabilidade. Contudo, na Ontologia, no h tal possibilidade, e verdadeiramente tambm no o h nem na Matemtica nem na Fsica. Muitas possibilidades o so enquanto subjetivamente fundadas, embora objetivamente no ofeream fundamento. Ademais, em tais juzos, em que o seu contraditrio possvel, nem sempre h clareza na classificao deles. Ora, os que estudaram Lgica sabem que os juzos contraditrios so os juzos universal afirmativo em relao ao particular negativo, e o universal negativo em relao ao particular afirmativo. Um desses juzos verdadeiro, e o seu contraditrio ser necessariamente falso. Dois juzos particulares, um afirmativo e outro negativo, podem ambos ser verdadeiros e podem ser ambos falsos se a matria for contigente. Mas um juzo universal afirmativo, se for verdadeiro o particular negativo que a ele se ope, ser necessariamente falso. O mesmo se d com o universal negativo e o particular afirmativo, quando se opem. Mas, quando se do dois juzos contrrios, ambos podem ser falsos, embora apenas um, poderia ser verdadeiro. Jamais ambos podem ser verdadeiros. Quando se alegava que a Fsica provava a contradio, pois afirmava e provava na teoria atmica a tese corpuscular e ao mesmo tempo a tese vibratria, e que os ltimos entes dos tomos, ou eram corpsculos ou era vibraes, e que eles procediam, ora como corpsculos, ora como vibraes, e que havia a uma prova da contradio e da validez de juzos contraditrios, tais pessoas revelavam apenas desconhecerem totalmente a Lgica Fundamental e nada mais. Primeiro no se tratava de dois juzos contraditrios, mas de dois juzos que predicavam atributos distintos a um mesmo ser: vibratrio e corpuscular. Queriam dizer uns que a natureza do tomo era vibratria,

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e outros que era corpuscular, mas corpuscular no total e absoluta privao do vibratrio, nem vice-versa, o que seria exigvel para haver contradio. Haveria, sim, se se afirmasse que todo tomo vibratrio e que alguns tomos no so vibratrios. A, sim, a estaramos em face de uma contradio. Tanto vibratrio como corpuscular so diferenas acidentais. E haver acidentes distintos num ente no implica contradio. Outra aparente contradio consistia na afirmao das duas leis da Termodinmica, que eram contraditrias. Mas essa contradio no era ontolgica. Referia-se apenas a fatos que eram constitudos de acidentes, que revelavam uma oposio, mas passveis de serem entendidos numa concepo que os conciliasse, como aconteceu, e a pseudo-contradio, que fazia babar de gozo os adversrios da Filosofia Positiva e Concreta, que nega validez e fundamento contradio atual, ruiu, finalmente, ante as novas explicaes da Cincia. Para alcanar-se a certeza perfeita, mister atingir a excluso absoluta da possibilidade da simultaneidade dos contraditrios. Sabemos que em ato so impossveis os contraditrios sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo. Potencialmente, os contraditrios so possveis. Assim estar Joo sentado agora e estar em p ao mesmo tempo impossvel por contraditrio. No so impossveis: estar Joo em p, e estar Joo sentado daqui a pouco, pois so possibilidades, que podero atualizar-se, uma ou outra, no ambas ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. O princpio de identidade, o princpio de razo suficiente, o de no-contradio, o do terceiro excludo e outros tiveram, atravs dos tempos, as mais decisivas demonstraes. Mas tambm houve os que procuraram retirar-lhe a validez ontolgica, lgica e ntica (real-real). E que argumentos apresentaram? Os mesmos de sempre, sempre refutados. Mas h sempre algum na Filosofia que volta a reapresent-los, e a receber a mesma refutao. Mas vem outro, que esquece, ou no sabe o que j foi feito, e volve a apresentar os mesmos argumentos, de onde se originam inmeros erros filosficos. Quando se fala em liberdade no se deve confundi-la com a de exerccio, pois esta at os animais a possuem, mas a de especificao, que decorre da vontade que assente ou dissente. Na verdade, o intelecto no livre na escolha, porque, enquanto tal, ele obedece s suas leis prprias. O que livre a vontade que elege, que prefere ou pretere, que escolhe entre o que conveniente ou no. De per si no livre o intelecto, mas livre a vontade imperante do homem. O juzo no um ato da vontade, mas do intelecto. No h no juzo uma apetncia ao bem ou ao mal, mas apenas afirmao verdadeira. Sabemos que a apreenso a notcia da coisa por parte do intelecto, e este erra quando h discrepncia entre sujeito e predicado, o que surge de o intelecto estender seus assentimentos acima do que foi apreendido, cuja causa remota sempre o influxo da vontade,

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predisposta muitas vezes por condies, como seja a aparncia do verdadeiro, ou pelo afeto, que vicia a vontade ao ato indeliberado. Erra a mente quando assente firmemente sobre o que falso, como se fosse verdadeiro. Para Spinoza e Hegel, o erro consiste na cognio inadequada; o que no expressa bem o seu conceito, h erro quando nosso intelecto estende seu assentimento alm do que apreendeu. A apreenso no realiza erros. Ela nos d o que capta. o intelecto que erra ao apreciar o que capta, alm do que realmente . So os nossos sentidos externos fontes de conhecimentos certos e verdadeiros. Uma afirmativa como esta encontra objetores. Expliquemos, na psicologia, os sentidos so os meios pelos quais percebemos as coisas materiais, singulares. Constituem rgos, que tm uma funo vital determinada, quer vegetativa, quer sensitiva. Assim os olhos para a viso (no os olhos propriamente, mas todo o conjunto do rgo visual, inclusive a parte cerebral). A percepo sensvel distinta das outras potncias (como a vegetativa), ela realiza o ato representativo do objeto por diferenciaes de potencial sensvel. O objeto da sensao a coisa material, singular. Dividem-se os sentidos em internos e externos. A capacidade cognoscitiva dos primeiros reside no rgo, e a sensao realiza-se imediatamente por estmulo dos objetos externos sobre tais rgos. Os internos so fundados tambm em rgos, mas seus atos cognoscitivos se realizam atravs de outra sensao. Assim a memria, a qual depende de sensaes anteriores.6 Diz-se que sensvel o objeto que pode ser percebido pelos sentidos. H o sensvel que cabe apenas a um rgo (que toma o nome de sensvel prprio), como o som, e o que pode ser percebido por vrios rgos, como a extenso, pela viso e pelo tato, chamados sensveis comuns. Costumavam os antigos classificar como sensveis comuns: quantidade, figura, nmero, movimento e quietude. Chamavam de sensvel per acidente o que no sentido propriamente pelo sentido, mas o que incluso ao que sentido, como ao dizer que vemos uma rvore. Propriamente no vemos a rvore (que uma forma), pois esta uma substncia, que se apresenta com determinados acidentes que vemos, e que sabemos por deduo pertencer arvore. Estamos aqui no exame de conceitos que so admitidos por todos, e que perduram no pensamento filosfico. Ademais, todos os conhecimentos da psicologia moderna no modificaram em nada tais conceitos. Surgem diversos problemas e questes de Filosofia, no tocante a saber qual o grau de procedncia e de adequao de nossos sentidos aos objetos; se nossos conhecimentos correspondem e at onde correspondem realidade dos mesmos e se no so estes nada mais que meras6

No vamos aqui examinar o que cabe Psicologia tratar, mas apenas os aspectos que podem interessar aos estudos filosficos.

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construes de nosso sistema sensrio-motriz, etc. Podemos distinguir as diversas posies em duas genricas: 1)a dos que no admitem haver objetos exteriores, realmente, extra mentis, e 2)a dos que afirmam que, realmente, h tais objetos. Examinemos a primeira posio. Leibnitz afirmava no existirem corpos formalmente, mas apenas aparentemente para ns. Assim os corpos so compostos de mnadas, inextensas, portanto no possuem os corpos as trs dimenses, que so da sua essncia, pois no h distncia entre as mnadas, no h movimento entre elas, nem interatuao de umas sobre as outras. De modo que o nosso conhecimento dos corpos no se funda na realidade exterior dos corpos, pois estes no so, na realidade, o que parecem ser para ns. Kant, que tambm toma essa posio genrica, afirma que no conhecemos o que realmente as coisas so em si mesmas, o noumenon. O que conhecemos o fenmeno, o que nos aparece, e que modelado segundo as formas da nossa sensibilidade, que lhes d as caractersticas do tempo e do espao, como se realmente fossem corpos. Berkeley tambm negava a existncia dos corpos e da matria sensvel. Sua posio foi chamada de imaterialista. Os fenmenos so meramente subjetivos, e o ser das coisas o que percebemos que elas so (esse est percipit). Tais sensaes so realizadas por Deus em ns, na mesma posio: Locke, que o que percebemos nas coisas so apenas nossas representaes subjetivas, Malechanche, que eram o que Deus provocava em ns, atravs de representaes, os neo-realistas anglo-americanos, que seguem a linha de Leibnitz, inmeros filsofos idealistas. A segunda posio afirma a existncia de corpos formalmente extensos, como o realismo ingnuo do homem comum, que nenhuma dvida ps quanto aos nossos conhecimentos sensveis, e que est certo que as coisas so realmente como elas so vistas, tateadas, ouvidas, cheiradas, saboreadas. Ao lado dessa posio, h o realismo crtico, que admite a existncia dos corpos, com sua tridimensionalidade, a qual possui poderes que produzem em ns, segundo a relao e a proporcionalidade dos nossos sentidos (ou seja, segundo a acomodao e assimilao dos esquemas sensveis) as representaes subjetivas, que temos das cores, dos sons, dos odores, etc., que so proporcionadas nossa esquemtica, mas fundadas na realidade do corpo. Esta posio a aceita pelos filsofos positivos e concretos de todos os tempos. Temos diretamente a evidncia imediata da existncia do mundo exterior. Em face dos atuais conhecimentos cientficos inadmissvel negar a existncia de tal mundo, embora se reconhea que o conhecimento que dele temos proporcionado nossa esquemtica e na relao em que aquele se encontra ante ns. No h dvida que as cores no so como nos parecem ser, que muitas so, na natureza, diferentes da imagem que temos, etc Mas todas essas diferenas no tornam falsas as

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nossas apreenses, pois um conhecimento parcial no falso pelo simples fato de ser parcial. Este tem sido um dos erros mais freqentes cometidos por medocres filsofos.

DOS CONCEITOS UNIVERSAIS

O ponto fundamental de onde partem os maiores erros na Filosofia e no s nesta, mas em disciplinas, inclusive cientficas, so praticados por aqueles que no se dedicaram cuidadosamente ao estudo da Filosofia e, sobretudo, da Lgica. da experincia em nossa vida terica e prtica, intelectual, etc., constante o uso de conceitos universais, sem os quais se tornaria impossvel a comunicao e a construo dos conhecimentos cientficos, pois desde os antigos sabe-se que a cincia trata dos universais, que seu objeto sempre universalmente tratado. Destacam-se quatro problemas no exame dos conceitos. O primeiro o problema crtico, que procura resolver o valor ou realidade dos conceitos universais. Respondendo a ele estabeleceram-se trs sistemas: o nominalismo, que nega supsito, realidade a tais conceitos; o conceptualismo, que afirma haver algo no conceito universal, mas nas coisas no lhes corresponde nenhuma realidade e, finalmente, o realismo, que afirma terem os conceitos universais um valor objetivo. O segundo o ontolgico ou metafsico, o qual pergunta pela espcie de realidade que h nos conceitos universais; se possuem nas coisas a mesma realidade que tm em nossa mente, ou se so na mente de modo distinto de o que so nas coisas. Em resposta a elas surgem duas solues: o realismo exagerado, que afirma que tm uma existncia real a parte rei, e o realismo moderado, que afirma existirem nas coisas apenas fundamentalmente e no formalmente; ou seja, segundo o que concebemos, no segundo o modo pelo qual so concebidos (quoad in quod concipitur, non quoad modum quo concipiter). O terceiro problema psicolgico. Investiga o modo como feito o universal, como o constri a nossa mente, que responde pela distino entre o universal direto (universale directum), que o universal que afirmamos na coisa, e o universal reflexo, que o universal construdo em nossa mente (universal reflexum). O quarto problema o lgico, que trata da classificao lgica dos conceitos universais. H profundas distines entre a coisa tomada em sua materialidade e o conceito universal, que passam a ser matria de estudo na Filosofia, e que marcam os pontos de divergncia na anlise. Assim, enquanto as coisas materiais so singulares, as idias so essencialmente universais; enquanto as primeiras so contingentes, mutveis, transitrias, as outras so necessrias,

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imutveis, eternas; enquanto as primeiras so concretas e determinadas segundo as suas circunstncias, as idias so abstratas e prescindem das circunstncias. Ora, sendo to diversos os conceitos universais das coisas singulares, como poderiam aqueles ser aplicados s coisas? 7 Todas as doutrinas modernas, que se afastam da linha positiva e concreta da Filosofia, como o cepticismo, o relativismo, o subjetivismo, o racionalismo, o irracionalismo, o idealismo, o materialismo, o pragmatismo, o pantesmo, o ontologismo, o fidesmo, o ficcionalismo, o existencialismo, o niilismo, etc., partem da maneira diversa de conceber os universais. E mais: a maneira falsa de conceb-los uma das origens de todos os grandes erros filosficos, pois a outra fonte est no mau uso da Lgica e, sobretudo, da silogstica mal orientada. Entende-se por universal algo que se diz em ordem a muitos, algo que tem ordem em relao a muitos, como tambm indica alguma comunidade, o que muitos tm em comum. Etimologicamente, vem do latim unum et versum, no propriamente de versus, mas do verbo verto, vertere, do que verte em muitos, unidade de muitos. o termo universal tomado em muitos sentidos: Universal no causar (incausando), quando alguma causa produz todos os efeitos; Universal no significar (in significando) quando significa muitos, no, porm, por semelhana, mas porque apto a levar ao conhecimento de muitos outros como uma voz, um sinal, etc.; Universal no predicar (in praedicando), o que apto a predicar de muitos univocamente, e a cada um e segundo toda a sua razo; Universal em ser (in essendo), o que pode ser em muitos, univocamente, e em cada, e segundo toda a sua razo, como uma identidade em muitos; Universal em representar (in repraesentando) por representar muitos, por ser a imagem ou a semelhana deles; assim a idia exemplar na mente do artfice (a forma do vaso, por. ex.). No nos cabe tratar do universal em causar, nem do universal em significar, mas sim do universal em ser, do universal em predicar. O universal em ser o chamado universal metafsico, tambm chamado de direto, de primeira inteno, pelos escolsticos, um por ser indiviso in se, e distinto de qualquer outro. uma unidade precisiva, captada pela mente, que rene as notas de uma determinada natureza, prescinde de sua individuao, e inclui, ademais, a indiviso e a aptido para a diviso em muitos. apta a estar em muitos por identidade, pois a sua natureza, sendo uma em si, contudo pode referir-se e repetir-se em muitas e delas ser predicada por identidade. Esta aptido de

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Esta pergunta, estabelecida pelos escolsticos, parte da apreciao daquelas distines.

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ser em muitos no meramente negativa (indicando mera no repugnncia), mas positiva, verdadeira exigncia de ser em muitos. E univocamente, quer dizer, nem anloga nem equivocadamente tomada. tomada distributivamente em muitos, no por multiplicao atual, numrica, mas por oferecer a multiplicabilidade de ser em muitos sem estar em muitos com sua subjetividade, mas com a sua presena formal, e estar em toda a sua razo, em todo o seu logos, e no com alguma de suas partes. O universal no predicar (in praedicando), tambm chamado lgico, reflexo, de segunda inteno, consiste em um apto a ser predicado de muitos por identidade. A unidade do universal no a unidade do indivduo, pois este algo um, que indivisvel em muitos. No uma unidade formal, porque esta indiviso de alguma essncia em si mesma, e em muitas essncias, porque nem tem notas separadas, nem se identifica com qualquer essncia especificamente distinta. A unidade do indivduo incomunicvel a outro indivduo. Tambm no uma unidade fictcia, nem uma unidade de semelhana, porque esta afirma a diversidade dos indivduos, que convm com outros em alguma nota, o que no prprio da unidade, mas sim da multiplicidade. A unidade propriamente universal aquela que afirma indiviso das notas na mesma natureza e distino de qualquer outra essncia e de todo o indivduo; ou seja, unidade de preciso. O universal pode ser dividido em fundamental, direto e reflexivo. O universal fundamental so as prprias coisas singulares, semelhantes em alguma nota, que levam o intelecto, que no conhece a coisa compreensivamente, a consider-las como universais, pondo de lado as notas individuais. O universal formal direto constitudo das notas individuantes, tomadas em sua universalidade, como cavalo, tomado como quadrpede. O universal formal reflexo a natureza tomada precisivamente, segundo as notas individuantes, considerada como uma unidade de preciso, predicvel de muitos, como so os predicamentos de gnero, espcie, etc., na Lgica. No universal, h a concreo da natureza e da forma de universalidade. Os universais fundamentais so propriamente os indivduos, isolados das notas individuantes. O universal formal direto refere-se natureza e forma de universalidade, como cavalo. O universal formal reflexo a universalidade da universalidade, o universal tomado como referente a muitos outros, como os predicamentos de gnero e espcie, na Lgica. Assim, quanto a um tipo de automvel, em cada unidade h a mesma proporo de partes, segundo um logos, que um em muitos e, univocamente, em cada um, tomado distributivamente, e segundo toda a sua razo de universalidade. E essa universalidade, que se d

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em cada unidade de tal, tipo, na coisa, corresponde mesma esquemtica do logos de proporcionalidade intrnseca, que est expresso nos esquemas grficos de sua construo, e correspondem ao esquema mental do seu tipo, segundo esteve na mente de seu criador. Temos em cada unidade um universal em ser (in essendo, um universal metafsico, direto, de primeira inteno, que no uma unidade de singularidade, porque no exclui a multiplicidade que se d em todas as unidades de automveis de tal tipo, no uma mera semelhana. Portanto, quando falamos do tipo X, ns o tomamos como um universal ao predicar (in praedicando), universal lgico, reflexo, de segunda inteno, que apto a ser predicado de muitos por identidade. Se tudo isso no suficiente para convencer a procedncia do realismo moderado no referente aos universais, h outras provas e outras demonstraes que sintetizados a seguir, dando, assim, ao leitor, o meio de alcanar um conhecimento slido e bem orientado, que lhe permita observar os erros fundamentais daqueles que, ao negarem essa realidade, prepararam o caminho para a enxurrada de erros, que constitui a filosofia no positiva nem concreta, a filosofia dos filosofratos, o filosofismo dos opinadores, dos pontos de vista, dos parece que, dos assim julgamos, dos para ns,,, etc. Como queremos especular sobre as bases fundamentais do que conhecemos, atravs das suas razes, dando solidez s nossas afirmativas, no devemos nos afastar do caminho das demonstraes, que so to necessrias. A concepo pitagrico-platnica do logos analogante exposta (em parte) nos dilogos socrticos, nos permite compreender o sentido da universalidade. H, nas coisas, algo de sua estrutura, pelo qual elas so o que elas so, e no outras. Esse logos encontrado em outras coisas idnticas. Assim, nesta gota dgua, na que est aqui, em sua estrutura, h algo pelo qual ela gua e no outra coisa, e tambm h naquela outra gota dgua, e em todas as outras. H nelas, em sua estrutura, algo pelo qual so elas gotas dgua. H um logos da gua, que se presencia em cada gota, e que no algo subjetivamente individualizado nessa gota, porque tambm est naquela. H algo que est aqui totalmente, e tambm est ali totalmente, sem singularizar-se subjetivamente aqui, nem ali, que tanto aqui como ali, um em muitos, segundo toda a sua razo, o mesmo em todos, universal que se singulariza, singularidade que se universaliza. A grande dificuldade em compreender essa universalidade na singularidade e a singularidade que se universaliza, decorre dos vcios naturais do racionalismo fundamental (no, propriamente, do racionalismo como doutrina), mas do nosso funcionar racional, que, fundando-se

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na abstrao, tende, naturalmente, a manter formalmente separados, o que formalmente distinguimos. O que universal o um que se diz de muitos, uma unidade, que no pode ser unidade de singularidade, porque excluiria a multiplicabilidade, nem unidade essencial, por prescindir aquela tambm. Nessa explicao, a genuna concepo pitagrica-platnica encontra menores dificuldades. As coisas, quando se ordenam ou so ordenadas na estrutura em que so suas partes, tomam uma determinada proportio em relao s outras, so constitudas, segundo uma lei de proporcionalidade intrnseca (logos), que a sua forma, a qual uma imitao do logos pelos elementos componentes. Assim este quadro, na parede, imita, com suas fronteiras, o paralelogramo, como as tbuas desta mesa tambm o imitam, e tambm o forro e o assoalho desta pea imitam o paralelogramo com os elementos componentes que tm, que repetem, em sua proporo intrnseca (e aqui tambm extrnseca) a forma do paralelogramo, com aspectos figurativos vrios. O universal, que est na coisa, no o logos, mas algo que, por meio de outros, dispe-se de modo a imitar o logos. O esquema mental do logos refere-se ao esquema real imitante do logos na coisa, que, por sua vez, imita o eidtico do logos em sua pureza e infinitude, que ultrapassa ao mundo fenomnico, que apenas aquele em que a matria ordenada de modo a repetir, por imitao, os logoi que compe o mundo dos eide. A imitao (mimesis) pitagricoplatnico caracteriza-se pela identificao, conservando as distines formais, entre imitao e participao. A imitao refere-se mais ao material, e a participao mais ao formal. Para termos uma viso concreta, devemos consider-la como sntese de imitao-participao, o que incluiria os dois modos visionais do pensamento pitagrico e do platnico. assim mais fcil entender os universais atravs do pensamento pitagrico-platnico, que pertence ao terceiro grau (grau de teleiotes), que muito distinto de o de primeiro e segundo graus, como surge nas obras de divulgao filosfica e at em autores que se dedicaram ao estudo de tema to importante. tese universal entre os que seguem a filosofia positiva e concreta, desde Pitgoras at os nossos dias, de que o universal reflexo um ente de razo, mas que pode ter fundamento nas coisas, que realismo segundo o que representa (ou seja, segundo a sua referncia intencional), embora no o seja segundo o modo pelo qual o universal representado na mente (ou seja: segundo o esquema mental representado). (Nos termos usados pelos escolsticos real quod id quod representatur = segundo o que representado e non quoad modum quo representatur = no segundo o modo pelo qual representado, para traduzirmos literalmente). Em oposio a esta tese, temos o nominalismo, cuja doutrina a seguinte: o universal no nada, nem nas coisas, nem no supra-sensvel, nem nos conceitos (nominalismo rgido) ou, ento,

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do-se idias de certo modo universais em nossa mente, meras representaes, mas sem qualquer realidade fora daquela (nominalismo mitigado). Para o nominalismo, os conceitos universais so apenas nomes comuns, aos quais no corresponde nenhum ser real nas coisas, nem no sujeito cogitante correspondem a nenhuma representao. Defenderam essa posio Herclito, os sofistas, Protgoras, Crtio, os epicuristas, os esticos, Roscellinus, na Idade Mdia e, na filosofia moderna, Locke, Berkeley, Stuart Mill, Hume, Condillac, Comte, a escola da psicologia experimental, Fries, Wundt, Helmholtz, Unamuno, Ortega y Gasset, positivistas, neo-positivistas, etc. Em suma, os nominalistas afirmam: no se do conceitos universais, mas apenas operaes cognoscitivas por parte do homem, que so sensaes externas ou internas, reproduzidas sem nenhuma, ou com alguma elaborao, combinadas com outra