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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS JULIO CESAR MOREIRA LEMOS O ESTILO COMPOSICIONAL DE MARCO PEREIRA PRESENTE NA OBRA SAMBA URBANO. Uma abordagem a partir de suas principais influências: a música popular brasileira, o jazz e a música erudita. Goiânia 2012

Original Julio Cesar Moreira Lemos

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS ESCOLA DE MSICA E ARTES CNICAS

    JULIO CESAR MOREIRA LEMOS

    O ESTILO COMPOSICIONAL DE MARCO PEREIRA PRESENTE NA

    OBRA SAMBA URBANO. Uma abordagem a partir de suas principais influncias: a msica popular brasileira, o jazz e a msica erudita.

    Goinia

    2012

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    JULIO CESAR MOREIRA LEMOS

    O ESTILO COMPOSICIONAL DE MARCO PEREIRA PRESENTE NA

    OBRA SAMBA URBANO. Uma abordagem a partir de suas principais influncias: a msica popular brasileira, o jazz e a msica erudita.

    Artigo de pesquisa apresentado ao Curso Ps-Graduao em Msica stricto senso, Msica na Contemporaneidade da Escola de Msica e Artes Cnicas da Universidade Federal de Gois.

    Orientador: Prof. Dr. Werner Aguiar

    Goinia

    2012

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    Ficha Catalogrfica:

    Lemos, Julio Cesar Moreira O estilo composicional de Marco Pereira presente na obra Samba Urbano. Uma abordagem a partir de suas principais influncias: a msica popular brasileira, o jazz e a msica erudita / Julio Cesar Moreira Lemos. Goinia: UFG/EMAC, 2012. 61f. Orientador: Werner Aguiar Artigo (Mestrado em Msica) Universidade Federal de Gois, Escola de Msica e Artes Cnicas, 2012. 1. Violo Popular Brasileiro. 2. Jazz. 3. Samba. 4. Marco Pereira. I. Ttulo.

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    JULIO CESAR MOREIRA LEMOS

    O ESTILO COMPOSICIONAL DE MARCO PEREIRA PRESENTE NA

    OBRA SAMBA URBANO. Uma abordagem a partir de suas principais influncias: a msica popular brasileira, o jazz e a msica erudita.

    Trabalho defendido e aprovado, como requisito final para obteno do ttulo de Mestre em Msica em Goinia, 30 de maro de 2012, pela Banca Examinadora constituda pelos Professores: BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Werner Aguiar (Presidente da banca)

    Prof. Dr. Marcia Taborda

    Prof. Dr. Eduardo Meirinhos

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    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho todos professores que de alguma forma contriburam para o desenvolvimento do meu conhecimento musical.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a Deus por ter me dado as condies vitais que me permitiram adentrar no universo da msica, um universo surpreendente, intenso, admirvel, contagiante,

    poderoso e infinito.

    Agradeo meus pais, Robson Teixeira e Iza Margareth, pelo constante incentivo e apoio no estudo da msica.

    Agradeo ao meu orientador Dr. Werner Aguiar pelas orientaes, leituras e correes

    criteriosas feitas neste trabalho durante seu desenvolvimento ao longo destes dois anos de curso de mestrado, que proporcionaram o desenvolvimento deste trabalho.

    Agradeo, s contribuies do Prof. Dr. Eduardo Meirinhos e do Prof. Dr. Fabio Oliveira,

    pelas sugestes e correes, que proporcionaram a qualificao deste trabalho.

    Agradeo tambm o professor e colega Dr. Antnio Cardoso, pelas ajudas com as imagens apresentadas neste trabalho a partir da edio de partituras no finale.

    Agradeo ao colega e Prof. Ms. Fabiano Chagas pelo incentivo na escolha deste tema de

    pesquisa deste trabalho.

    Gostaria tambm de agradecer ao compositor Marco Pereira pelas entrevistas e pela a ajuda s minhas solicitaes que possibilitaram o desenvolvimento desta pesquisa. Agradeo tambm

    pelas suas orientaes sobre aspectos tcnicos-interpretativos da performance da msica popular brasileira bem como na concepo criativa para elaborao de arranjos para violo que obtive a partir de mster-class com ele durante os festivais de msica que participei em

    2011.

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    RESUMO Tendo em vista um panorama da msica popular brasileira contempornea este trabalho tem o objetivo de apresentar o estilo composicional de Marco Pereira a partir de um estudo de caso da obra Samba Urbano, composta para violo solo em 1980. Marco Pereira apresenta como suas principais referncias elementos da msica erudita, do jazz, e da msica popular brasileira. bem como o uso de recursos idiomticos do violo, encontra-se em Samba Urbano o uso do paralelismo, sob a influncia de Villa-Lobos e Leo Brouwer. Quanto aos aspectos rtmicos e harmnicos possvel assinalar a influncia de Garoto, Radams Gnattali e Baden Powell. Pode-se constatar em Samba Urbano aspectos do jazz, tais como o carter de improvisao, o uso de harmonias modais e de escalas alteradas. Por fim, a influncia da msica francesa impressionista, de Debussy e Ravel tais como o uso de harmonias sobre escalas de tons inteiros e acordes por quartas. Palavras chave: violo popular brasileiro, jazz, samba, Marco Pereira.

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    ABSTRACT This paper regards Contemporary Brazilian Popular Music and it aims to present the compositional style of Marco Pereira based on a case study of its work Samba Urbano, composed for solo guitar, in 1980. Marco Pereira presents elements of jazz, classical music, and Brazilian popular music, as well as idiomatic features of guitar, as his main references. The use of Parallelism, influenced by Villa-Lobos and Leo Brouwer, is found in Samba Urbano. As far as the rhythmic and harmonic aspects, it is possible to find the influence of Garoto, Radams, Gnattali and Baden Powell. It can be seen in Samba Urbano aspects of jazz, such as the improvisation character, the use of modal harmonies and the changing of scales. Lastly, the influence of French impressionist music, by Debussy and Ravel, such as the use of harmonies over whole tones scales and chords of fourth. Keywords: violo popular brasileiro, jazz, samba, Marco Pereira.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO 10

    2 OBJETIVOS 13

    3 METODOLOGIA 14

    4 INFLUNCIAS PRESENTES NA MSICA DE MARCO PEREIRA. 16

    5 O CHORO E A COMUNIDADE DO CHORO. 17

    5.1 O TRADICIONAL E NO-TRADICIONAL, ABORDAGENS ADVINDAS DA COMUNIDADE DO CHORO. 20

    6. ELEMENTOS CARACTERSTICOS DO CHORO TRADICIONAL 20

    6.1 Aspecto rtmico 20

    6.2 Aspecto meldico 23

    6.3 Aspectos harmnicos 23

    7. CHORO NO TRADICIONAL, CARACTERSTICAS ADVINDAS DO JAZZ E DA

    MSICA ERUDITA. 28

    7.1 Aspectos rtmicos. 28

    7.2 Aspectos Meldicos. 28

    7.2.1 Escala de acorde. 29

    7.3 Aspectos harmnicos 31

    7.4 O carter de improvisao 31

    7.5 Elementos advindos da influncia da msica erudita 33

    8. CONSIDERAES SOBRE OS ASPECTOS TRADICIONAIS E NO TRADICIONAIS DO

    CHORO. 33

    9. ANLISE DE SAMBA URBANO 35

    9.1 INFLUNCIAS DA MSICA BRASILEIRA E ASPECTOS DO CHORO TRADICIONAL 35

    9.2 ASPECTOS JAZZSTICOS E DO CNT 38

    9.3 INFLUNCIA DA MSICA ERUDITA E DO JAZZ. 44

    9.4 INFLUNCIA DE BADEN POWELL. 50

    10. CONSIDERAES FINAIS. 53

    REFERNCIAS 56

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    1 INTRODUO

    O desenvolvimento do violo popular no Brasil foi marcado por transformaes

    estilsticas e composicionais que se fundem com a prpria histria da msica popular

    brasileira. Estas transformaes ocorreram de forma significativa a partir de diferentes fontes

    e matrizes culturais: a msica erudita, a msica popular brasileira, o jazz etc. A utilizao do

    violo na msica popular brasileira foi consolidada com o aproveitamento de aspectos

    peculiares do instrumento tais como a capacidade polifnica, o acompanhamento rtmico-

    harmnico, a paleta de variaes timbrsticas e os efeitos percussivos. Estes fatores

    proporcionaram a difuso do violo como instrumento solo ou de acompanhamento inserido

    em diversos contextos no panorama histrico da msica brasileira, tanto o erudito como o

    popular.

    No incio do sculo XX o violo esteve presente em conjuntos musicais

    empregados nas interpretaes de choro. Alm do violo, a formao instrumental destes

    grupos compreendiam ainda a flauta transversal e o cavaquinho. Nesta organizao o violo

    frequentemente tinha a funo de acompanhamento rtmico-harmnico e a flauta, de

    instrumento solista. Entretanto, a prtica do solo tambm era habitualmente realizada por

    alguns violonistas da poca: Quincas Laranjeiras (1873-1935), Joo Pernambuco (1883-1947)

    e Amrico Jacomino (1889-1928), Dilermando Reis (1916-1977), cujo repertrio era formado

    por choros, valsas, polcas e maxixes.

    A obra de Joo Pernambuco d o passo inicial para a formao do repertrio de choros escritos para o violo no Brasil, compreendendo-se aqui na acepo mais abrangente do termo (valsas, maxixes, tangos e porque no, choros), uma produo at ento inexistente e que se destaca no campo instrumental pelo pioneirismo no casamento de solues extremamente violonsticas a servio de uma elaborao surpreendentemente musical. Sua obra lrica sem ser derramada, vibrante, virtuosstica e explora com muita felicidade as peculiaridades do instrumento. No teria sido por acaso, que tanto se tem divulgado a frase proferida por Heitor Villa-Lobos: "Bach no se envergonharia de assinar seus estudos (TABORDA, 2004, p. 142).

    Alm destes, surgiram outros violonistas como Laurindo de Almeida (1917-1995),

    Anbal Sardinha (1915-1955), conhecido por Garoto, e Luiz Bonf (1922-2001), os quais,

    durante a dcada de 1940, j incorporavam em suas composies e arranjos elementos

    harmnicos oriundos do jazz, da msica impressionista e francesa, sendo que Garoto foi um

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    dos que mais se destacou neste processo. Suas composies apresentavam grande densidade1

    quanto ao uso destes elementos se comparadas s obras de seus contemporneos.

    Numa poca em que a msica popular urbana, a prtica dos regionais de choro e a msica do rdio em geral priorizavam a melodia, notamos que Garoto deixa-se influenciar pelo jazz, cujo contato mais prximo aconteceu durante suas viagens aos Estados Unidos da Amrica. Atravs de sua msica, percebemos uma utilizao de acordes dissonantes, harmonia expandida, cadncias com dominantes estendidas e substitutas. O improviso e a experimentao devem ter imprimido, no msico atento e inquieto, um conceito sonoro que ir se estampar em sua msica, nas composies, onde a liberdade e a tradio podem se encontrar. O conceito de choro moderno fica, ento, adotado para definir um estilo onde o campo harmnico alargado e imprevisvel (DELNERI, 2009, p. 17).

    A partir de 1958, com a gravao de Chega de Saudade2, a bossa nova

    difundida como um novo gnero musical que ficou conhecido mundialmente como a moderna

    msica popular brasileira3. Neste contexto surgiu uma nova gerao de violonistas dentre os

    quais podemos citar: Baden Powell (1937-200), Joo Gilberto (1931), Paulinho Nogueira

    (1929-2003), Oscar Castro Neves (1940) e Toquinho (1946).

    Entre o final da dcada de 60 e incio da dcada de 70, aps o apogeu da bossa nova,

    desponta uma gerao de msicos que ir delinear um novo gnero da msica popular

    brasileira denominado MPB4, marcado por artistas, compositores e letristas como: Edu Lobo

    (1943), Chico Buarque (1944-), Dorival Caymmi (1914-2008), Gilberto Gil (1942), Joo

    Bosco (1946), Ivan Lins (1945), Djavan (1949), Milton Nascimento (1942), Toninho Horta

    (1948), dentre outros 5 . Em meio as principais caractersticas da MPB encontramos o

    ecletismo quanto variedade de influncias de diferentes gneros musicais. O samba, o frevo,

    o baio, o maracatu, a bossa nova e at mesmo o rock nacional compem este arcabouo.

    Concomitante ao movimento da MPB na dcada de 1970, surgiram no Brasil

    pequenos grupos de msica instrumental trios e quartetos , sendo alguns deles: Tamba Trio

    (1960-1992), Zimbo Trio (1964), Milton Banana Trio (1960) e Quarteto Novo (1967),

    tocando composies prprias e releituras de temas da bossa nova com arranjos inovadores6.

    Tambm podemos incluir os seguintes nomes: Hermeto Pascoal (1936), Flora Purim (1942),

    Airto Moreira (1941) e Egberto Gismonti (1947).

    1 Referimo-nos a densidade considerando o termo quanto ao grau de domnio e de recorrncia do uso de elementos do jazz em aspectos meldicos, harmnicos e fraseolgicos. 2Msica de Tom Jobim (1927-1994), gravada por Joo Gilberto ao violo e Elizeth Cardoso (1920-1990) na voz. 2Msica de Tom Jobim (1927-1994), gravada por Joo Gilberto ao violo e Elizeth Cardoso (1920-1990) na voz. 3 (SEVERIANO, 2008, p. 329-330). 4 MPB (Msica Popular Brasileira) foi uma sigla utilizada para denominar um gnero musical desenvolvido a partir da dcada de 1970 no Brasil. 5(MACGOWAN, PESSANHA, 1998, p.75). 6 Entenda-se por inovador os arranjos que utilizam elementos de ruptura com os arranjos conhecidos atravs das gravaes originais, podendo incluir qualquer tipo de alterao, rtmica, harmnica ou meldica, valendo-se, geralmente, de elementos do jazz.

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    [...] atravs de msicos brasileiros que moravam nos Estados Unidos, como Airto Moreira, Eumir Deodato, Flora Purim, Oscar Castro Neves, entre outros. Atravs da atuao destes msicos e dos expoentes da bossa nova, elementos da msica brasileira foram incorporados msica norte-americana, da se difundindo para o mundo. E, especialmente no caso do jazz, estas leituras e apropriaes acabaram voltando para fertilizar a msica instrumental brasileira, no movimento reflexivo entre duas musicalidades globais (BASTO; PIEDADE, 2006, p. 935).

    Ocorreu, neste perodo, uma revalorizao da msica brasileira instrumental e uma

    intensa prtica do choro que ficou marcada pela atuao de vrios msicos, dentre os quais

    podemos destacar Paulo Moura (1932-2010), Raphael Rabelo (1962-1995), Jac do Bandolim

    (1918-1969), Altamiro Carrilho (1924), Horondino Silva, conhecido por Dino 7 Cordas

    (1918-2006), e, mais recentemente, Hamilton de Holanda (1976), Yamand Costa (1974), Z

    Paulo Becker (1968), Rogrio Caetano (1977) e Marcelo Gonsalves (1972).

    No comeo dos anos 70, o sucesso do grupo Novos Baianos trouxe de volta o interesse por instrumentos como o cavaquinho, o violo de sete cordas e o violo tenor. A associao de um grupo de imagem to contra-cultural com valores tradicionais da msica brasileira era algo impensvel e teve o efeito muito positivo de atrair para aquele instrumental. Aquele tipo de msica, jovens como o autor que vos escreve (CAZES, 1998, p. 141).

    Atualmente, os principais violonistas em atividade que compem para violo solo e

    possuem suas obras editadas e publicadas; se destacam neste panorama: Paulo Belinati (1950),

    Guinga (1950) e Marco Pereira (1950), sendo este o foco da nossa pesquisa.

    Marco Pereira possui formao erudita como violonista, tendo sido aluno do

    uruguaio Isaias Svio (1900-1977). Ganhou dois concursos internacionais de violo, concluiu

    o mestrado sobre a obra de Villa Lobos na Universidade de Sorbonne de Paris. J gravou 14

    discos, sendo solo ou com formao em duos, trios, e tambm orquestrais, contendo msicas

    de sua prpria autoria e releituras de compositores renomados da msica brasileira, tendo

    tambm participado de gravaes de vrios discos de artistas reconhecidos no cenrio da

    MPB. Atualmente professor da Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    No trabalho como performer, Marco Pereira se dedica prtica da msica popular

    brasileira, e apresenta em suas interpretaes elementos tcnicos interpretativos provenientes

    de sua formao consolidada a partir do estudo do violo erudito. Junto destes constituintes,

    Marco Pereira explicita, tambm, em suas performances, componentes tcnico-interpretativos

    prprios da tradio do violo popular brasileiro, tendo como exemplos os sons obtidos pelo

    apoio da mo esquerda sobre as cordas, ao tocar acordes sem pression-las o suficiente,

    promovendo uma sonoridade abafada caracterstica de um som percussivo. Tal prtica

    comumente utilizada no acompanhamento rtmico-harmnico no violo presente no samba e

    no choro. Apresenta tambm em suas composies e arranjos o uso de slaps que promovem

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    uma sonoridade percussiva a partir de um som estalado advindo do impacto da corda contra

    o brao do violo, bem como o uso de rasgueados advindo principalmente de sua influncia

    de Baden Powell. O violonista apropriou-se, tambm, do aspecto improvisativo do jazz,

    devido ao intenso contato que manteve com a linguagem jazzstica. A somatria dos aspectos

    presentes nestas vertentes musicais msica erudita, msica popular brasileira e jazz

    confluem no apenas como caractersticas de suas performances, mas tambm de seu estilo

    composicional.

    A presente pesquisa se justifica mediante a importncia de Marco Pereira para o

    violo no horizonte da msica popular brasileira instrumental. Devido incorporao na

    produo violonstica de Marco Pereira das principais vertentes da tradio da msica popular

    brasileira instrumental bem como devido sua qualidade na performance violonstica. Sem

    menos importncia vale ressaltar a minha identificao como pesquisador com o estilo

    composicional e performtico do compositor.

    Ademais, foi pertinente executar uma breve apurao historiogrfica. E, ao realizar

    um estudo sobre a historiografia do violo popular brasileiro, notamos que o nome de Marco

    Pereira pouco citado. Observa-se uma lacuna quanto ao reconhecimento da importncia de

    sua obra e de seu estilo composicional no Brasil, entretanto encontramos uma dissertao

    escrita por Brent Lee Swanson nos Estados Unidos no ano de 2004 com o seguinte ttulo:

    Marco Pereira: Brazilian Guitar Virtuoso.

    2 OBJETIVOS

    De posse destas informaes, este trabalho tem como objetivo identificar as

    influncias presentes no estilo composicional de Marco Pereira presentes na obra Samba

    Urbano. Pretende-se delinear as particularidades do estilo composicional de Marco Pereira,

    bem como aspectos relacionados performance.

    Samba Urbano foi escolhida para a realizao desta pesquisa pelas seguintes

    razes: 1) a obra encontra-se no primeiro disco autoral do compositor Violo Popular

    Brasileiro Contemporneo, de 1985; 2) a partir da dcada de 60 com o surgimento da bossa

    nova e de compositores e msicos que passam a compor e interpretar msicas aos moldes de

    um novo estilo musical, conhecido internacionalmente por Brazilian Jazz 7 , o que nos

    7 O Brazilian Jazz ficou conhecido como um estilo musical que realizou a fuso dos seguintes ritmos tradicionais da cultura popular brasileira: o baio, o maracatu, o frevo, o samba, a bossa nova, o choro com as harmonias caractersticas do jazz. Entre os principais expoentes deste novo estilo musical podemos elencar: O grupo Quarteto Novo e seus integrantes, Hermeto Pascoal, Arito Moreira, Flora Purim, Sergio Mendes, o grupo

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    impulsiona a averiguar se Samba Urbano, sendo coetnea a esta manifestao, revela

    aspectos oriundos de mesma natureza; 3) o eixo desta pesquisa o estilo composicional para

    violo de Marco Pereira, norteando-nos a investigar caractersticas de elementos musicais

    presentes em suas primeiras composies, e a obra supracitada um dos principais objetos de

    anlise, justamente pelo seu carter de pioneirismo; e 4) a partir da audio da pea,

    percebemos que a obra do violonista dispe de grande bagagem de influncias distintas e que

    apresenta, consequentemente, um estilo nico e particular.

    As informaes sobre as principais influncias musicais do compositor foram

    obtidas atravs de uma entrevista realizada em sua residncia8, no Rio de Janeiro, e atravs de

    dois festivais de msica, tendo Marco Pereira ministrado aulas de violo: o CIVEBRA (Curso

    Internacional de Vero de Braslia), em janeiro de 2011, e o MIMU (Movimento

    Internacional de Msica em Uberlndia), em julho de 2011.

    Em suma, este estudo considera a proposta de pesquisar o trabalho composicional e

    interpretativo do violonista, que fora desenvolvido a partir do espectro histrico do violo

    popular brasileiro; evidenciar a obra de Marco Pereira inserida no atual contexto histrico-

    musical marcado pela fuso de diversos estilos e gneros musicais, e identificar os elementos

    composicionais herdados do processo histrico da tradio do violo popular brasileiro e os

    constituintes que formam a mescla de estilos musicais presentes na obra do compositor.

    3 METODOLOGIA

    A presente pesquisa se pautou nas seguintes etapas metodolgicas: 1) entrevista

    com Marco Pereira no sentido de consubstanciar a pesquisa com depoimentos sobre suas

    concepes estticas, violonsticas e composicionais; 2) apresentao dos elementos

    composicionais oriundos das influncias de Marco Pereira 3) anlise da obra "Samba Urbano"

    com o intuito de comparar as caractersticas da MPB instrumental obtidas na reviso

    bibliogrfica e na entrevista com os elementos identificados na obra em questo; 4) A partir

    desse estudo analtico comparativo, espera-se apontar as principais influncias estilsticas

    presentes na obra Samba Urbano.

    Foram utilizados dois parmetros para a verificao e descrio dos elementos

    composicionais presentes na obra Samba Urbano. O primeiro a classificao dos

    Tamba Trio, e, mais recentemente, o grupo Quinteto Brasilianos, liderado pelo msico e compositor Hamilton de Holanda (PIEDADE, 2003, p. 47). 8 Entrevista realizada em 14/12/1010.

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    elementos musicais presentes no choro tradicional (CT) e no choro no-tradicional (CNT9), no

    qual utilizamos como referncia a dissertao de mestrado de Borges (2008). O segundo

    parmetro so os elementos pertencentes s vertentes musicais que influenciaram o

    compositor: a msica erudita para violo e o jazz.

    Quanto aos elementos musicais presentes em Samba Urbano, observamos

    aspectos harmnicos e meldicos do CT e do CNT, a presena de estruturas rtmicas

    recorrentes do choro e do samba junto aos elementos do jazz. Usamos como referncia para a

    abordagem destes aspectos rtmicos Almada (2006). Sobre o processo de interao meldico-

    harmnico em Samba Urbano, fizemos a anlise a partir dos conceitos apresentados por Ian

    Guest (2006), em Harmonia: mtodo prtico, volumes 1 e 2, e por Pereira (2011), em

    Cadernos de Harmonia, volumes 1, 2 e 3. A escolha destes referenciais se deram

    principalmente devido ao lcus de atuao musical sobre o qual so comumente aplicados, ou

    seja, sobre a perspectiva composicional e de improvisao dos msicos e compositores

    vinculados msica popular brasileira, na qual Marco Pereira tambm encontra-se inserido.

    Para viabilizar o estudo, dividimos o processo nas seguintes etapas: 1

    Fundamentao terica contendo os seguintes tpicos de apresentao: breve biografia de

    Marco Pereira; influncias na msica de Marco Pereira; comunidade do choro; delimitao e

    caracterizao do CT e do CNT; influncias do jazz; influncias da msica erudita e outras

    influncias. 2 Anlise estruturada com base na apresentao dos elementos musicais de

    Samba Urbano que sero selecionados e separados a partir das seguintes caractersticas

    classificatrias: influncias da msica brasileira; aspectos do CT; aspectos jazzsticos e do

    CNT; influncia da msica erudita e outras influncias.

    Aps o processo de anlise apresentamos a concluso deste trabalho. A anlise foi

    utilizada como ferramenta de apoio para levar-nos a concluses contundentes sobre o estilo

    composicional de Marco Pereira. Estas concluses ocorreram a partir das evidncias

    encontradas na relao entre o compositor e o contexto da msica popular brasileira para

    violo.

    9 Preferiu-se utilizar o termo Choro No Tradicional (CNT), em vez de choro moderno, para no ocorrer confuso com o significado do termo moderno que aparece em vrios textos significando um perodo da histria que compreende a produo musical realizada na primeira metade do sculo XX.

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    4 INFLUNCIAS PRESENTES NA MSICA DE MARCO PEREIRA.

    Acreditamos que Marco Pereira est incluso numa vertente composicional para

    violo solo que une trs elementos: 1) elementos de manifestaes tradicionais da cultura

    popular brasileira, como o baio, a chula, o maracatu, o samba, o frevo, o choro, ritmos do

    folclore e outros ritmos brasileiros; 2) a excelncia da sonoridade e de requintes da

    interpretao e da execuo do violo erudito; 3) a influncia da linguagem musical jazzstica

    e erudita.

    Suas influncias como compositor para violo solo surgiram a partir do seu contato

    com obras dos violonistas Dilermando Reis, Garoto, Paulinho Nogueira e Joo Pernambuco,

    ou seja, compositores que pertencem a tradio histrica do violo popular brasileiro. Outra

    forte influncia, principalmente quanto ao aspecto de conduo rtmico-harmnica, foi Baden

    Powell. Marco Pereira afirma que Powell desenvolveu um estilo peculiar no violo quanto ao

    aspecto rtmico nas interpretaes da msica popular brasileira. A partir de seu contato com

    msicas de rituais religiosos praticados especialmente na Bahia como o Candombl, Powell

    desenvolveu um estilo musical por ele denominado Afrosamba10.

    Marco Pereira tambm relata que seu contato com o violonista Isaas Svio foi

    determinante para a sua formao musical, sua definio como msico e como artista, e

    destaca a influncia do uruguaio em relao sua atividade criativa composicional, pois

    presenciou algumas de suas composies para o violo solo. Ele ainda ressalta que Svio

    incentivou com entusiasmo o movimento violonstico e de concertos de violo na cidade de

    So Paulo.

    A partir da influncia de jazz recebida no perodo que morava em Paris, Pereira

    passou a tocar e escutar o gnero com maior frequncia. Nesse perodo, estudou a linguagem

    do estilo de forma intuitiva, aprendendo fraseados jazzsticos de ouvido, somando-se ao

    contato que mantinha com outros msicos. Sua maior influncia no universo do jazz foi o

    estilo bep-bop. Segundo o compositor, o estilo o atraia principalmente devido aos fraseados e

    as acentuaes rtmicas nos tempos fracos geralmente ligadas ao tempo forte, e a recorrncia

    do uso da sncope. Ele ouvia, neste perodo, gravaes de msicos tais como Charlie Parker,

    10 Muito da sua produo criativa se manifestou nesse gnero. Inclusive um grupo fundamental de msicas que comps com Vincius de Moraes, conhecidos como Afrosambas (que podem ser ouvidos nos CDs Os afro-sambas de Baden e Vincius; Os afro-sambas - Baden Powell; e uma verso de Paulo Bellinati e Mnica Salmaso Afrosambas - Baden Powell e Vincius de Moraes). Conjunto de canes que atualizou o gnero quando fundiu, num mesmo cadinho, o samba tradicional com elementos caractersticos da msica dos candombls (SCHROEDER, 2010).

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    John Coltrane e outros grandes msicos de jazz especialistas no estilo supracitado. Marco

    Pereira ainda relata que seu grande desafio era conseguir realizar os fraseados de bep-bop

    com uma sonoridade semelhante que produzia atravs da tcnica utilizada no repertrio do

    violo erudito.

    A partir do momento em que decidiu se dedicar a msica popular, alm de estudar

    jazz, passou a tocar e pesquisar a msica popular brasileira e diversas manifestaes que

    compem o folclore nacional. Foi quando retornou ao Brasil, morando na cidade de Braslia,

    que passou a ter proximidade intensa com o choro e com os msicos pertencentes

    comunidade do choro.

    Marco Pereira sustenta ter iniciado seu processo composicional para o violo desde

    seus primeiros contatos com o instrumento, sempre de uma forma intuitiva, atravs do que ele

    conhecia sobre msica, do seu desenvolvimento tcnico, de acordo com seu conhecimento do

    instrumento e suas possibilidades idiomticas. Ele afirma ter composto sempre com base nas

    suas necessidades e gostos musicais, ou seja, compunha msicas que possuam as estruturas e

    ideias que ele gostaria de tocar.

    5 O CHORO E A COMUNIDADE DO CHORO.

    O choro um gnero musical de fundamental importncia para o desenvolvimento

    da msica popular brasileira do sculo XX, bem como vrios de seus elementos foram

    empregados na msica erudita brasileira. Desta, temos entre os principais representantes,

    Villa Lobos, Francisco Mignone (1897 1986) e Radams Gnattali. O choro, no final do

    sculo XIX, era considerado apenas um modo brasileiro de se tocar msicas europeias, mas

    no incio do sculo XX, tornou-se um gnero musical sendo os compositores de maior

    destaque: Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Ernesto Nazar (1863-1934), Joo Pernambuco e

    Joaquim Antnio Silva Calado (1848-1880).

    O choro foi primeiro uma maneira de tocar. Na dcada de 10, passou a ser uma forma musical definida. O choro como gnero tem normalmente trs partes (mais modernamente duas) e se caracteriza por ser necessariamente modulante. Mais recentemente, Choro voltou a significar uma maneira de frasear, aplicvel a vrios estilos de msica brasileira em obedincia forma rond (em que sempre se retorna primeira parte) aos poucos tem sido flexibilizada (CAZES, 1998, p. 21).

    O choro passou por diferentes momentos e transformaes provenientes de

    influncias de outros gneros e estilos musicais, como o jazz, por exemplo fazendo-se

    notvel nas obras de Garoto ou da msica erudita, como o caso do repertrio do grupo

  • 18

    Camerata Carioca11. O choro apresentou certa decadncia de popularidade a partir da dcada

    de 1930, quando iniciou-se a difuso do samba, nas rdios e nos desfiles de carnaval,

    entretanto os msicos intrpretes de choro continuaram atuando ao acompanhar cantores e

    interpretes de samba.

    Na verdade, os conjuntos regionais nascidos para executar msicas de choro, a partir da dcada de 30 passaram a acompanhadores de cantores e s tocavam choro esporadicamente, em funo da preferncia pelos tipos de msica vocal (TABORDA, 1995, p. 40).

    No final da dcada de 1950, em decorrncia do surgimento de grupos de rock, i-i-

    i e a partir do sucesso internacional da bossa nova, os msicos, cantores e interpretes de

    choro e samba diminuram significante suas atuaes no mercado musical, entretanto a partir

    da dcada de 1980, houve uma revalorizao do choro e do samba. O despontar de novas

    geraes de msicos e compositores favoreceram o choro e o samba a permanecer at os dias

    atuais como um dos principais representantes da msica popular brasileira. Nos dias atuais, o choro ainda ocorre nas rodas de choro. Estas rodas so

    formadas por msicos profissionais e amadores e por ouvintes que juntos constituem a

    comunidade do choro. Esta comunidade formada por msicos de vrias idades que

    apresentam conhecimentos em comum oriundos da transmisso oral. Atualmente, existem

    escolas de choro que formalizaram o conhecimento e o estudo do gnero, dentre as quais

    podemos citar a Escola Porttil de Choro, no Rio de Janeiro e a Escola Rafael Rabelo,

    presente na sede do Clube do Choro em Braslia.

    A comunidade do choro presenciou as transformaes estilsticas sofridas pelo

    choro no decorrer do sculo XX, portanto, a partir de tais transformaes acreditamos que os

    elementos que constituem o choro podem ser classificados como tradicionais e no-

    tradicionais. Borges apresenta esta perspectiva classificatria a partir dos membros da

    comunidade do choro. Utilizaremos as abordagens apresentadas por ele como um dos

    parmetros para o desenvolvimento desta pesquisa. Sobre a forma como foram obtidas as

    informaes deste parmetro, Borges diz:

    11 Grupo instrumental criado em 1979 por ocasio do espetculo "Tributo a Jacob do Bandolim", em homenagem aos dez anos da morte do bandolinista. Com arranjos e direo musical de Radams Gnattali e formao que foi aumentando e se solidificando com o passar do tempo, composta exclusivamente de msicos de choro. Acesso em 13/02/2012, em http://www.samba-choro.com.br/artistas/cameratacarioca.

  • 19

    Recorreu-se s entrevistas e s ferramentas analticas aplicveis prpria comunidade do choro (teoria mica12) com vistas a verificar aspectos estilsticos e a compreender como os msicos cultores desse gnero interpretam o seu repertrio. Nesse sentido, propusemos uma possvel sistematizao do estudo do choro mediante consentneas ferramentas analticas ao gnero musical observado, quais sejam: volteios harmnicos, estudo da forma musical (a exemplo da modulao tpica), articulao da curva tonal associada construo frasstica, descries da progresso harmnica aliada harmonia funcional, comparao das escalas modais, nomenclatura dos chores antigos e a rvore Harmnica (Alencar Sete Cordas) (BORGES, 2008, p. 147).

    Um fator decisivo para a escolha da comunidade do choro como referencial para

    este parmetro relaciona-se com o fato do violo estar sempre associado a ela na medida em

    que integra os grupos musicais conhecidos por regionais, grupos que interpretam choro. Os

    regionais tiveram grande importncia em meio ao desenvolvimento do choro no sculo XX.

    Acreditamos que os regionais influenciaram sobre medida nas transformaes estilsticas e

    composicionais do choro tradicional bem como no choro no tradicional e no samba ao

    acompanharem os cantores. Estas transformaes ocorreram mediante as diversas influencias

    advinda dos msicos que integravam os regionais.

    Os regionais acompanharam modinhas que ganharam o nome de seresta e acabaram por incluir os sambas-cano lentos lundus, maxixes, marchas, sambas e quando foi preciso, boleros, foxes, tangos argentinos, rumbas e at rias de pera. Os msicos de ouvido em menos de cinco minutos faziam minuta um arranjo para qualquer tipo de msica, sem partitura e quase sem ensaio. Ningum era responsvel pelo arranjo, ningum fazia o arranjo. Era alinhavado por todos, cada qual dando um palpite, que nem sempre era explicitado em palavras; o msico apenas tocava o trecho de um jeito e o grupo gostava aceitava, seguia e estava feito o acompanhamento, pronto para ser executado ao microfone. Era essa dinmica que possibilitava o funcionamento das emissoras de rdio, onde chegavam e saiam cantores diferente com frequncia, havia programas de calouros que apresentavam todo tipo de musica e no havia possiblidade econmica de fazer pagar ensaios e partituras, nem tempo para tal (TABORDA, 1995, p. 39).

    Outro fator decisivo para esta escolha deve-se a esta comunidade estar presente,

    durante todo o sculo XX, nas transformaes ocorridas na msica popular brasileira, j que o

    choro um de seus primeiros gneros. Os regionais tambm foram os principais

    acompanhadores de cantores de samba e samba-cano at a dcada de 1950. Observamos

    que os msicos e compositores pertencentes comunidade do choro tiveram grande influncia

    sobre o desenvolvimento da msica popular brasileira instrumental e cantada.

    12 Engendrada a partir do pensamento terico que se apreende da comunidade dos chores e demais msicos populares brasileiros. possvel encontrar em trabalhos etnomusicolgicos de lngua inglesa as seguintes terminologias emic, etno-theory, native-informed theory, insider-informed theory. (BORGES, 2008, p. 6)

  • 20

    5.1 O tradicional e no-tradicional, abordagens advindas da comunidade do choro.

    Um dos parmetros desta pesquisa a abordagem dos elementos musicais

    considerados tradicionais bem como elementos no tradicionais do choro. Borges faz uma

    abordagem analtica a partir dos conceitos provenientes da comunidade do choro, dos msicos

    integrantes desta comunidade:

    essencial delimitar questes acerca do que a comunidade do choro entende por estilo tradicional e no-tradicional, bem como observar tendncias estilsticas musicais que influenciam o choro. Tais estilos so separados por uma linha tnue e se correlacionam atravs de elementos musicais e sociais, o que aventa a idia de que o uso de determinada dissonncia no um critrio suficiente para definir se um estilo tradicional no choro. Isso ocorre porque possvel observar recursos harmnicos do CNT que tambm so utilizados no CT (BORGES, 2008, p. 27).

    Com a leitura deste fragmento, podemos observar que Borges teve enfoque sobre os

    aspectos meldicos e harmnicos presentes no choro para realizar a classificao entre os

    estilos de choro tradicional e no-tradicional. Portanto, nesta pesquisa, apresentaremos de

    forma resumida os principais elementos musicais elencados pelo autor em sua dissertao,

    tendo em vista a associao de tais elementos obra Samba Urbano de Marco Pereira.

    Sobre o aspecto rtmico do choro tradicional utilizaremos os modelos apresentados por Carlos

    Almada. Primeiramente apresentaremos as caractersticas do choro tradicional e, logo em

    seguida, as caractersticas do choro no tradicional.

    6. ELEMENTOS CARACTERSTICOS DO CHORO TRADICIONAL

    6.1 Aspecto rtmico

    Almada (2006) apresenta as clulas rtmicas a seguir como sendo de importncia

    fundamental na linguagem do choro. Sendo as menores unidades construtivas possveis, e

    uma vez combinadas a outras, resultam no tecido de uma ideia meldica autnoma. Segundo

    Almada, ex. 1, as clulas sero subdivididas em principais (mais caractersticas) e secundrias

    (de apoio):

  • 21

    Principais:

    Secundrias

    (ALMADA, 2006, p. 10): Exemplo 1:

    Tais clulas, ao serem dispostas duas a duas, ex. 2, formam aglomerados de dois

    tempos (ou um compasso) os quais chamaremos padres rtmicos. As possibilidades so

    inmeras:

    (Ibidem, 2006, p. 10). Exemplo 2:

    Observamos no ex. 3 que podemos ainda obter outras variantes utilizando ligaduras

    de extenso:

    (Ibidem, 2006, p. 10). Exemplo 3:

    Consideremos as combinaes de diferentes clulas (a, b, c, d) por Almada como

    sendo uma forma genrica de caracterizao dos possveis elementos rtmicos presentes no

    choro tradicional e que estas estruturas no pertencem somente ao choro sendo possvel

    encontra-las em diversos outros estilos. Observamos que a juno das clulas [a + a], por ele

    apresentada tambm poderia ser representada ritmicamente por [a + b], considerando-se

    somente os ataques das notas sem a sustentao sonora advinda da ligadura apresentada na

    escrita da partitura. Seguindo este raciocnio: a estrutura [d + a] pode ser representada

    tambm por [d + b], bem como a estrutura [c + c] pode tambm ser representada por [c + d].

    Observamos que Almada realiza uma apresentao de forma genrica das principais

    estruturas rtmicas encontradas em melodias de choro. A partir desta apresentao podemos

    constatar estruturas rtmicas com notas de pouca durao, observa-se uma recorrncia de uso

    das sncope, estrutura que fazem aluso sncope a partir da nfase de notas em partes de

    fracas de tempo, bem como o uso de quilteras de trs, encontradas dentro de um tempo ou

    em uma metade de tempo. No propomos neste trabalho utilizar as apresentaes de Almada

    como sendo um delimitador do aspecto rtmico do choro tradicional, e sim como uma

    apresentao simplificada sobre as principais estruturas rtmicas presentes no choro

  • 22

    tradicional. Devemos considerar tambm que existem diferenas significativas entre a escrita

    e o resultado sonoro, principalmente no caso do violo, isso se torna perceptvel a partir da

    audio de uma performance, como por exemplo notas que na prtica podem durar mais

    tempo ou menos tempo do que a representao da escrita na partitura, sobre este tipo de caso

    comentaremos na anlise da obra.

    Sobre o aspecto rtmico de melodias encontradas em sambas, Faria (1995) apresenta

    no ex. 4, trechos de msicas que utilizam um determinado padro rtmico em suas melodias

    de samba e bossa nova, e o seguinte esquema de desenvolvimento de construo de tal padro

    rtmico: Em melodias do samba voc ir achar a sncope em quase todos os tempos. Esta figura... Se transforma nesta a partir da antecipao da ltima nota.

    Depois nesta a partir da antecipao Depois nesta a partir da antecipao da nota da antepenltima nota. que se encontra na cabea do segundo tempo.

    Finalmente a partir da antecipao da segunda nota, conclui-se a estrutura rtmica com todas as notas apresentadas de forma antecipada.

    (FARIA, 1995, p. 23 ) Exemplo 4:

    Faria, ex. 5, apresenta trechos de melodias com este tipo de padro rtmico: Desafinado (Tom Jobim / Newton Mendona).

    Tempo Feliz (Baden Powell)

    (Idem, 1995, p. 24 ) Exemplo 5:

    Esta representao de Faria exemplifica um dos padres rtmicos que so

    constantemente encontrados em melodias de samba e bossa nova.

  • 23

    6.2 Aspecto meldico

    No choro tradicional comum observarmos melodias desenvolvidas sobre as

    escalas tonais: diatnica maior e menor harmnica, e sobre as escalas modais tais como: jnio,

    e elio (escala menor natural). Alm das notas destas escalas, observa-se tambm, em

    melodias de choro tradicional, a presena de notas de passagem, bordaduras, apogiaturas,

    escapadas, e notas suspensivas. Vemos abaixo, tab. 1, uma tabela de Borges apresentando os

    modos e seus respectivos intervalos caractersticos. Utilizaremos os nmeros arbicos como

    representao dos intervalos das escalas. Este tipo de representao comumente utilizada

    por jazzistas.13

    Tabela 1: Escalas modais comumente aplicados msica popular (BORGES, 2008, p. 52).

    6.3 Aspectos harmnicos

    Sobre os aspectos harmnicos do choro, Borges (2008) utiliza os conceitos de

    harmonia apresentados pelo violonista Alencar Soares 14 (1951-2011). Em relao s

    progresses harmnicas vastamente utilizadas no repertrio do choro tradicional, Carneiro

    relata a nomenclatura dos acordes e encadeamentos utilizados pelos chores antigos que

    tocavam de ouvido:

    Com efeito, a 1, 2 e 3 do tom referem-se aos graus da escala que mais aparecem em choros e sambas tradicionais: tnica (T), dominante (D) e subdominante (S). A utilizao dessa nomenclatura denota um pragmatismo por parte dos chores antigos, os quais, geralmente, no possuam um ensino formalizado de msica e, no entanto, tocavam um vasto repertrio por meio da memria auditiva (CARNEIRO, 2008, p. 38-39).

    Carneiro apresenta como exemplo um encadeamento tpico utilizado normalmente

    no samba e no CT, luz da nomenclatura antiga dos chores: 1 / Preparao / 3m / 2.

    13 Vide em anexo, tabela com os graus representativos do intervalos. 14 Alencar foi um importante representante da comunidade do choro. Alm de sua atuao como violonista, teve intensa atuao didtica na cidade de Braslia e influenciou na formao de vrios violonistas e intrpretes de choro e samba como Rogrio Caetano, Hamilton de Holanda, Fernando Csar entre outros.

  • 24

    Esta sequncia representa o seguinte encadeamento harmnico: I V7/II IIm V7 I .

    Borges demonstra encadeamentos harmnicos recorrentes em grande parte do repertrio do

    choro tradicional. Dentre estes encadeamentos ele se vale do conceito de rvore Harmnica

    por Alencar Soares. A rvore Harmnica no apresenta nenhum tipo de proposta inovadora

    ou mesmo possibilidades de progresses harmnicas inditas que se diferenciam ao que

    comumente se encontra no repertrio do samba e do choro tradicional, pelo contrrio,

    representa uma montagem grfica estrutural de caminhos harmnicos recorrentes nas msicas

    de samba e choro tradicional, mas que tambm vale para representar progresses harmnicas

    presentes em outros estilos musicais que pertencem ao sistema tonal. A partir da estrutura da

    rvore Harmnica podemos visualizar com maior clareza as possibilidades de progresses

    harmnicas que so comuns principalmente no samba e no choro.

    Soares apresenta a rvore Harmnica simplificada no tom maior com os

    seguintes encadeamentos: passagem pelo IIm (Subdominante relativo) do campo harmnico

    da escala maior: I V7/II IIm V7 I e passagem pelo IV grau (Subdominante): I V7/

    IV IV V7 I do campo harmnico da escala maior. E a rvore Harmnica Simplificada

    no tom menor com o seguinte encadeamento: passagem pelo quarto IVm (subdominante

    menor). Com essa frmula harmnica, com efeito, possvel tocar inmeros choros

    tradicionais e compreender quais os caminhos possveis de harmonias simples por meio da

    transposio da harmonia para vrias tonalidades (BORGES 2008, p. 42).

    As ramificaes da rvore Harmnica, desenvolvida por Alencar Soares

    contribuem para a compreenso de caminhos harmnicos encontrados de um modo geral em

    grande parte do repertrio do choro tradicional.

    Na fig. 1, nos quadros a e c observamos caminhos harmnicos mais simples

    e as recorrentes modulaes, os quadros b e d apresentam caminhos harmnicos mais

    complexos. Os caminhos harmnicos que esto apresentados por setas tracejadas so, no

    entanto, pouco recorrentes (apresentada em destaque cinza na figura 3, nos quadros b e d).

    Como exemplo de algumas msicas que compem o repertrio do choro

    tradicional e que apresentam caminhos harmnicos presentes na rvore Harmnica

    apresentamos em seguida: Lamento de Pixinguinha e Vinicius de Moraes, Noites Cariocas

    de Jac do Bandolim e Hermnio Belo de Carvalho e Naquele Tempo de Pixinguinha e

    Benedito Lacerda. Nas msicas a seguir, demonstramos os acordes com suas respectivas

    anlises harmnicas:

  • 25

    Figura 1: rvore Harmnica maior, em sua forma geral simplificada (a) e estendida (b), e menor, tambm em sua forma geral simplificada (c) e estendida (d) (FERNEDA, 2005).

    Observamos a seguir no trecho de Lamento caminhos harmnicos presentes em

    ambas as rvores harmnicas, a simplificada e a expandida. Entre os compassos 18 e 20,

    acontece uma modulao para o terceiro grau maior, Si Maior, uma modulao tpica do

    choro, tal como podemos observar no quadro das modulaes junto a rvore Harmnica.

    Notamos a presena do acorde subV7, F, compasso 12, um acorde de funo de substituto da

    dominante, sem a stima, do dominante secundrio do segundo grau, V7/II. A partir da

    anlise dos encadeamentos de Lamento, percebemos que com exceo do acorde subV7,

    todos acordes apresentam encadeamentos harmnicos que esto presentes na rvore

    harmnica, atribuindo a este choro um carter tradicional.

    I IV I V7/V V7 I

    Sol Maior

  • 26

    I I I SubV7 V7/IIm IIm V7/III

    VIm VIm I IIm V7 I V7/II IIm V7 I

    Exemplo dos caminhos da rvore Harmnica estendida e simplificada presentes choro Exemplo 6:

    Lamento na tonalidade de Sol maior.

    Observa-se em Noites Cariocas encadeamentos da rvore Harmnica

    simplificada e estendida, e modulaes para Sol Maior, na parte B, compasso 33, com

    modulao para Si Maior, estas modulaes so tpicas do choro e esto presentes no quadro

    da rvore harmnica. Comumente a modulao para a tera maior ocorre em pequena durao

    de tempo e em poucos compassos inseridos em alguma das sees da msica, como ocorre em

    Noites Cariocas e tambm no choro Lamento.

    I IIm7(b5) V7(b9) V7/V V7 I6 IIm7 V7

    IIm7 V7 IIm7 V7 I7M IIm7_V7/II IIm7 V7 IIm7 V7 IIm7

    IIm7 V7 /IV IV #IV I subV7/III IIIm7 VIm7 I VIm7

    Si Maior

    Si Maior

    Sol Maior R Maior

  • 27

    IIm7 V7 I V7/VI VIm7 V7 IIm7 V7 IIm7 V7 I7M

    Noites Cariocas, caminhos da rvore harmnica expandida e simplificada na tonalidade de R Exemplo 7:maior, modulao para Sol maior na parte B com modulao passageira para Si maior.

    Nota-se que o choro Naquele Tempo est na tonalidade de R Menor e no

    compasso 18 inicia-se a seo B com modulao para a tonalidade de F Maior, relativa de

    R Menor, um tipo de modulao tpica do choro, presente no quadro das modulaes na

    rvore Harmnica. Os encadeamentos presentes neste choro pertencem rvore

    Harmnica, tanto na seo A, na tonalidade menor quanto aos encadeamentos presentes na

    seo B, na tonalidade maior.

    O uso de escalas maiores, menores naturais e harmnica, o ritmo do choro contendo

    as estruturas apresentadas por Almada (2006) junto aos encadeamentos harmnicos que se

    encontram presentes na rvore Harmnica, so caractersticas que configuram o choro

    Naquele Tempo com aspecto tradicional.

    Im V7 Im V7/IV IVm IIm7(b5)_V7

    Im V7/V V7 Im I V7/VI VIm V7/II IIm

    V7 I V7/V VIm V7/V V7

    Naquele Tempo, encadeamentos da rvore harmnica, expandida e simplificada, na tonalidade Exemplo 8:

    de R menor com modulao para F maior (relativo).

    Atravs da rvore Harmnica, Alencar formalizou a compreenso dos chores

    antigos acerca da harmonia, que se fundamenta na experincia auditiva (BORGES, 2008, p.

    43). Tomaremos por classificao do choro como sendo tradicional aqueles que apresentam

    Sol Maior

    R menor

    F Maior

  • 28

    predominantemente caractersticas comumente encontradas no repertrio do choro tradicional

    e sero classificados como no-tradicional, os choros que apresentam as particularidades

    decorrentes da influncia da harmonia do jazz e da msica erudita.

    7. CHORO NO TRADICIONAL, CARACTERSTICAS ADVINDAS DO JAZZ E DA MSICA ERUDITA.

    Acredita-se que durante o sculo XX as influncias ocorreram de forma mtua, ou

    seja, a msica erudita e o jazz influenciaram em transformaes estilsticas no repertrio

    popular brasileiro, bem como elementos da msica popular interferiram em modificaes

    sofridas pela msica erudita e pelo jazz, tratando-se de um processo reflexivo.

    Apresentaremos, a seguir, caractersticas oriunda do jazz e da msica erudita que

    influenciaram nas composies da msica popular brasileira do sculo XX. Em nossa

    pesquisa teremos o enfoque sobre o choro, com o intuito de elucidarmos estes elementos

    como transformadores da linguagem tradicional para um estilo no tradicional.

    7.1 Aspectos rtmicos.

    Quanto aos aspectos rtmicos, acreditamos que as estruturas rtmicas presentes no

    choro apresentadas por Almada (2006) so caractersticas rtmicas basilares do choro

    tradicional. Como exemplos de estruturas rtmicas no-tradicionais no choro temos a

    utilizao de fusas, quilteras15 de trs ou mais notas sobre dois tempos ou sobre frao de

    tempo, etc.

    7.2 Aspectos Meldicos.

    Dentre os aspectos meldicos considerados no tradicionais do choro podemos citar

    o uso dos seguintes elementos: 1) escala simtrica hexatnica, conhecida por escala de tons

    inteiros; 2) escalas modais provindas da escala menor meldica16, tais como: a escala

    Alterada (stimo modo da menor meldica), tambm conhecida como Superlcrio ,

    Ldio b7 (quarto modo da menor meldica), tambm chamada Ldio Dominante e Lcrio

    9 (sexto modo da menor meldica), tambm como escala Meio Diminuta; 3) escala

    simtrica octatnica dominante diminuta, conhecida por jazzistas como Dom-Dim 4)

    15 Vide p. 71, exemplo 54 e 55, o uso de quiltera de trs notas dentro de dois tempos, na msica Samba Urbano, bem como tambm um exemplo da msica Candombl de Baden Powell. 16 (PEREIRA, 2011, v. 3, p. 40).

  • 29

    escala simtrica Diminuta, formada a partir do acrscimo de notas localizadas um semitom

    abaixo das notas do arpejo diminuto.

    Estas escalas so utilizadas por msicos de jazz nas prticas de improvisao

    (caracterstica marcante do estilo). Sobre a utilizao destas escalas aplicadas na prtica

    composicional, junto influncia advinda da msica erudita, Delneri apresenta as seguintes

    caractersticas presentes no violonista e compositor Garoto:

    A prtica do improviso e o conhecimento terico e tcnico da msica clssica puderam determinar os recursos composicionais utilizados por Garoto, tais como, a construo de melodias e temas, explorao do territrio harmnico, formao dos acordes, a busca por timbres e tessituras e a forma e estrutura no discurso musical de cada composio. Ao longo das peas do repertrio da obra de Garoto, podem-se perceber procedimentos recorrentes e caractersticos, que define um estilo e uma linguagem original e particular (DELNERI, 2009, p.18).

    Apresentaremos, a seguir, estas escalas e os exemplos de suas aplicaes em obras

    do repertrio erudito, do jazz e do choro no tradicional. Quanto forma de aplicao dos

    modos oriundos da escala diatnica maior: jnio, drico, ldio e elio e sua classificao

    como tradicional e no-tradicional quanto sua aplicao no choro, Borges faz as seguintes

    consideraes:

    As escalas modais so bastante utilizadas na msica popular brasileira que possui caractersticas improvisatrias predominantes. Para a comunidade do choro, os modos drico e ldio denotam estilizao harmnica e meldica quando utilizados em vez dos modos elio e jnio, respectivamente. Consideramos que a concepo improvisatria que utiliza predominantemente os modos drico e ldio possui caractersticas no-tradicionais (BORGES, 2008, p. 51, e p. 52).

    Sendo assim, esta alternncia da localizao natural dos modos pode representar

    uma caracterstica no tradicional do choro. Como exemplo, apresentamos o seguinte

    encadeamento harmnico: IIm7 V7 I, comumente no choro tradicional encontramos o

    modo drico sobre o acorde IIm7, o modo mixoldio sobre o acorde V7 e o modo jnio sobre

    o acorde I, entretanto, ao substituirmos estes modos respectivamente pelos modos: elio,

    mixoldio e ldio, demonstraramos este trecho com caracterstica do choro no tradicional,

    desta forma a progresso apresenta uma caracterstica modal muito utilizada na improvisao

    do jazz.

    7.2.1 Escala de acorde.

    A escala de acorde aplicada por grande parte dos msicos de jazz e da msica

    popular em geral no desenvolvimento composicional e em suas improvisaes, podendo

    servir como ferramenta analtica do processo composicional de Samba Urbano, quanto

  • 30

    interao meldico-harmnica. Esta abordagem relaciona a utilizao das escalas e a

    aplicao de suas notas em dois planos: o vertical (usado na elaborao harmnica) e o

    horizontal (usado na composio meldica). As escalas so constitudas a partir da somatria

    das notas de acorde (tnica, tera, quinta e stima) suas notas complementares 17

    (apresentadas no sistema de cifragem alfanumrico18 como: 9, 11 e 13).

    Um dos processos referentes a construo de uma escala de acorde ocorre a partir

    das notas de um determinado modo de alguma escala tonal especfica que acaba por gerar

    determinadas notas complementares. Vejamos, abaixo, um exemplo deste processo, a partir

    do acorde de G7, considerando-se ser originado do quarto grau da escala R Menor Meldica,

    ao sobrepor as teras, este acorde ter os seguintes complementos: 13, #11, 9.

    Formao da ttrade junto a seus complementos (PEREIRA, 2011, v.1, p. 33). Exemplo 9:

    Outro processo de estruturao de uma escala de acorde realizado a partir das

    notas do acorde somado s possveis combinaes de notas complementares para o mesmo,

    tomando-se como exemplo uma estrutura bsica de um acorde dominante (1, 3, 5 e b7)

    acrescentada a possveis notas complementares (b9, 9, #9, 11, #11, b13, 13). So vrios os

    critrios de escolha destas notas complementares (tonalidade da harmonia em que se encontra

    este acorde, funo harmnica do acorde, notas da melodia no momento do acorde em

    questo, etc), que podero resultar diferentes tipos de carter sonoro (sofisticado, tradicional,

    etc). O carter da escala de acorde pode variar de acordo com a intenso do intrprete ou

    arranjador, ou mesmo de acordo com as caractersticas estticas da msica em que ser

    aplicada. A nomenclatura conferida uma escala de acorde comumente ocorre a partir dos

    nomes das escalas modais acrescentados das notas alteradas, por exemplo, a escala de acorde

    Ldio b7, advm do modo ldio com a stima menor (nota alterada do modo ldio).

    17 Os complementos harmnicos so extenses das ttrades criadas pela superposio de teras que ultrapassam o limite da oitava. Os complementos harmnicos so representados pelos intervalos de nona, dcima primeira e dcima terceira. Os complementos harmnicos como o nome j diz, so enfeites aplicados sobre as ttrades conferindo-lhes complexidade e sofisticao (PEREIRA, 2011, p. 33). 18 Sistema de cifragem utilizado na msica popular para designar acordes e suas notas complementares a partir de nmeros e letras do alfabeto. Ex. C7M(9), ttrade de Do maior com a stima maior acrescido da nona como nota complementar.

  • 31

    7.3 Aspectos harmnicos

    Dentre estas influncias harmnicas provindas do jazz e da msica erudita podemos

    citar as seguintes ocorrncias musicais: a) constante uso de caminhos harmnicos no

    possveis de se encontrar na rvore Harmnica, uso de dominantes estendidos, uso

    consecutivo de acordes sub V7, b) uso de acordes formados sobre as escalas de acordes

    originadas a partir da escala menor meldica c) uso de acordes formados a partir da escala de

    tons inteiros, d) modulaes de forma abrupta19 para tons afastados que no se encontram

    presentes no quadro de modulaes da rvore Harmnica, e) constante uso de acordes com

    notas complementares como intervalos de dcima primeira aumentada, dcima terceira menor,

    nona menor, nona aumentada entre outros elementos.

    A partir de um trecho da Brasiliana N13, Borges faz a apresentao de dois

    arpejos, A7(#11) e F7M(#11), considerados pela comunidade do choro como elemento

    harmnico de carter no tradicional devido o intervalo de quarta aumentada, apresentando o

    modo ldio que no foi encontrado no repertrio do CT.

    Brasiliana N 13 de Radams Gnattali. 3 movimento Choro. Trecho Inicial (ESCHIG) Exemplo 10:

    (BORGES, 2008, p 143).

    7.4 O carter de improvisao

    Utilizaremos as abordagens apresentadas por Corra sobre o carter de

    improvisao advindo do jazz presente no Concerto Carioca N 1 de Radams Gnattali. Sobre

    a utilizao da prtica da improvisao Corra faz a seguinte ressalva:

    importante no perder de vista o fato de que sempre houve improvisao em msica em todos os perodos de nossa histria, seja na msica oriental ou ocidental. Nas formas de se compor do ocidente h registros de que a improvisao est presente desde a Grcia antiga. possvel que na idade mdia, na msica eclesistica, o organum livre tenha se dado atravs de experimentos musicais baseados em improvisaes sobre uma vox principalis, sobre um cantocho e o mesmo pode ter acontecido na msica renascentista, nos tecidos polifnicos que eram criados sobre um cantus firmus. No perodo barroco, o baixo contnuo em

    19 Entendemos por modulao de forma abrupta, a passagem de uma tonalidade para outra sem a preparao dominante para ento resolver no acorde da tonalidade subsequente.

  • 32

    geral era improvisado pelo cravista ou organista. Era notria a habilidade de Bach e Haendel em improvisar fugas assim como no perodo seguinte, Mozart e Beethoven improvisavam variaes sobre temas (CORRA, 2007, p. 147).

    Atualmente a prtica improvisatria encontra-se consolidada no lcus de atuao da

    msica popular, especialmente no choro (a partir das baixarias do violo de sete cordas,

    realizando contracantos e contrapontos na regio grave, junto melodia principal, e partir das

    variaes meldicas do solista sobre o tema da msica, sem descaracteriz-lo) e no jazz ( a

    partir de determinada harmonia o solista tem liberdade para criar improvisos que no devem

    apresentar necessariamente semelhanas com o tema da msica).

    Como exemplo do carter de improvisao, Corra apresenta um trecho de Dona

    Lee, tema de jazz de Charlie Parker e faz os seguintes comentrios:

    Fonte: The Real Book20 (Ibidem, 2007, p. 148). Exemplo 11:

    Alguns standarts de jazz j apresentam em seu tema carter de improvisao, como o caso de Dona Lee de Charlie Parker. A melodia desta msica possui grande quantidade de notas, com passagens cromticas e arpejos rpidos, alm de uma tessitura larga, o que dificulta a fcil assimilao que normalmente se espera de um tema musical. Este um tema, que devido aos recursos utilizados possibilitados pelo instrumento musical (saxofone neste caso) no favorece caractersticas cantveis, ou seja, o cantabile menos valorizado para favorecer peculiaridades instrumentais e improvisadoras (idem, 2007, p. 148).

    20 Esta publicao em cinco volumes foi vendida nos Estados Unidos da Amrica de maneira ilegal, sem editora e portanto sem autorizao dos autores das obras que compem o livro. Uma nova edio em trs volumes intitulada The New Real Book foi editada e distribuda pela Sher Music CO, mas a composio aqui ilustrada no consta nesta publicao

  • 33

    7.5 Elementos advindos da influncia da msica erudita

    Alm dos aspectos tcnico-interpretativos advindos da ligao de Marco Pereira

    com a msica erudita para violo, principalmente a partir das aulas que teve com Isaas Svio

    e com Abel Carlevaro, notamos a sua ligao com compositores como Villa Lobos, sobre o

    qual Marco Pereira fez a sua pesquisa de mestrado em Paris.

    Dentre suas obras para violo solo, Villa Lobos utilizou o recurso tcnico

    idiomtico do violo conhecido por paralelismo, um procedimento que se desenvolve a partir

    da repetio de uma mesma frma de mo esquerda ao longo do brao do instrumento

    apresentado sobre uma mesma disposio dos dedos. Esta frma pode se movimentar tanto no

    sentido vertical, horizontal e transversal no brao do violo.

    Outro importante compositor do universo do violo erudito que fez o uso deste

    recurso tcnico-idiomtico foi o cubano Leo Brouwer (1939). Villa Lobos e Leo Brouwer so

    dois importantes compositores que utilizaram o paralelismo em suas composies para

    violo solo.

    Villa-Lobos usa as frmas com um propsito bastante radical, tpico da vanguarda modernista com a qual apresenta afinidade, buscando um efeito caracterstico do instrumento, num universo mais francamente atonal, ou poli-tonal apesar da melodia sugerir arqutipos tonais, e nunca se desligar completamente da tonalidade, muitos dos acordes no podem ser pensados em termos de funes harmnicas. J Guinga trabalha com esses elementos dentro de um limite tonal mais claro, onde podemos facilmente enxergar as relaes harmnicas (CARDOSO, 2006, p. 109).

    8. Consideraes sobre os aspectos tradicionais e no tradicionais do choro.

    Ao realizarmos uma abordagem sobre a classificao de um choro como tradicional

    ou no-tradicional observamos que no possvel realizar tal classificao apenas a partir de

    elementos isolados. Ela deve ser feita partindo da observao dos elementos que constituem a

    obra como um todo. Um dos fatores que permitem a classificao de um estilo de choro com

    carter no tradicional est ligado principalmente recorrncia21 do uso dos elementos

    considerados no-tradicionais pela comunidade do choro presentes na mesma msica. Sobre

    este raciocnio Borges diz:

    21 O segundo registro fonogrfico do grupo de choro Dois de Ouro, conjunto que o bandolinista Hamilton de Holanda comeou antes de seguir sua carreira como solista, intitula-se A Nova Cara do Velho Choro (Laser Records, 1998). Tal intitulao demonstra a relao pacfica do CT com o CNT atravs do repertrio comum e dos arranjos que no descaracterizam o CT. A relao do estilo tradicional e no-tradicional (muitas vezes chamado de moderno) constante entre os msicos da comunidade (BORGES, 2008, p. 24).

  • 34

    Ressalta-se que a simples utilizao de um volteio harmnico 22 ou de uma determinada harmonia localizada no determina, de forma precisa, um CT ou CNT. Por isso, necessrio analisar todo o contedo da pea a fim de definir qual estilo determinado choro se enquadra. H, porm, outro entrave quanto classificao de estilo: existem compositores situados cronologicamente na tradio ou na consolidao do estilo, que podem ser considerados modernos em virtude de alguns critrios de classificao. Segundo essa perspectiva, destacamos que algumas msicas de Garoto - dentre as quais se destaca Quanto di uma saudade so dotadas de recursos harmnicos complexos e no-usuais para a msica popular de sua poca, tais como a utilizao de sub V7, acordes estendidos23, utilizao de fusa em escalas, cadncias deceptivas24 (BORGES, 2008, p. 52).

    Com o intuito de melhor apresentao dos elementos presentes nesta

    fundamentao terica apresentamos a seguir uma tabela comparativa expondo os elementos

    que podem ser considerados tradicionais e no tradicionais no choro.

    Tabela 2: Apresentao dos elementos tradicionais, e no tradicionais do choro a partir das apresentaes de Borges (2008). Estruturao organizacional da tabela por Julio Lemos.

    22 Volteio harmnico apresentado por Borges (2008), nome dado para o caminho harmnico que passa pelos acordes da rvore Harmnica" simplificada. 23 Acordes com notas complementares. 24 Cadncias deceptivas tambm so chamadas por alguns tericos por cadncia interrompida.

    Elementos tradicionais do choro Elementos no tradicionais do choro

    Volteio harmnico sobre a rvore harmnica simplificada.

    Volteio harmnico estilizado atravs do uso do subV7, substituindo os acordes dominantes.

    Uso de escalas modais oriundos da escala diatnica maior: jnio, drico, frgio, mixoldio, elio e lcrio.

    Uso de escalas de acorde apresentando modos com notas alteradas, a exemplo dos modos oriundos da escala menor meldica: ldio b7: 4 modo; lcrio9, 2 modo: alterada: 7 modo. Uso de escalas simtricas, tons inteiros, diminuta, etc.

    Uso dos modos drico, mixoldio, e jnio respectivamente sobre os acordes IIm,V7, I7M.

    Uso dos modos elio, alterado e ldio respectivamente sobre os acordes IIm,V7, I7M.

    Uso de caminhos harmnicos pertencentes a rvore Harmnica simplificada e estendida.

    Uso de caminhos harmnicos no pertencentes a rvore Harmnica estendida e simplificada. Caminhos harmnicos apresentados pelo recurso do paralelismo.

    Caminhos harmnicos com cadncias perfeitas,

    imperfeita e plagais.

    Cadencias harmnicas com resolues interrompidas, uso de dominantes sem funo dominante.

    Escalas diatnicas maiores e menores, uso da escala menor harmnica (quinto modo) sobre acordes dominantes com resolues em acordes menores.

    Escalas simtricas hexatnica de tons inteiros, escalas dominantes diminutas sobre acordes dominantes com #4.

    Uso de acordes tridicos, com exceo dos acordes dominantes, podendo ser acrescentados de notas complementares tais como a (9,11 e 13).

    Acordes formados por ttrades com constante uso de notas complementares com alteraes como (b9, #9, #11 e b13).

    Ritmo condizente ao samba e ao choro tradicional conforme as possveis combinaes estruturais apresentadas por Almada (2006).

    Clulas rtmicas compostas por oito fusas consecutivas, quilteras: quintina, sextina, em um nico tempo, tercina sobre dois tempos.

  • 35

    9. ANLISE DE SAMBA URBANO

    9.1 Influncias da msica brasileira e aspectos do choro tradicional.

    Dentre as principais influncias da msica brasileira presente na obra Samba

    Urbano podemos apresentar os seguintes elementos: 1) o ritmo do choro tradicional e do

    samba, 2) o uso de elementos que fazem aluso ao aspecto meldico presente no

    acompanhamento do violo de sete cordas no choro e no samba.

    Observa-se na obra Samba Urbano, a presena de estruturas rtmicas caractersticas

    do choro tradicional tais como as apresentadas por Almada (2006). A estrutura rtmica

    apresentada no ex. 12 semelhante estrutura [b / a ]25, somada a uma extenso de

    prolongamento da ltima nota at o tempo subsequente, configura-se uma sncope atravs da

    antecipao desta ltima nota. Padro Rtmico Padro Rtmico

    Samba Urbano (compassos 5 ao 10) Exemplo 12:

    Podemos constatar neste exemplo acima um tipo de antecipao do baixo que

    caracterstico do samba sobre o qual encontramos um exemplo semelhante na obra de

    Radams Gnattali. O acorde de G/D presente na Tocata em Ritmo de Samba N1, ex. 13 tem

    o baixo antecipado ao ser tocado no ltimo quarto do tempo do ltimo tempo do compasso

    anterior a ele. Esta antecipao do baixo (ltimo quarto de tempo), junto ao ataque do acorde

    na parte fraca do tempo (segundo quarto de tempo do primeiro tempo de cada compasso)

    evidencia uma das principais caractersticas rtmicas do samba presente na conduo rtmico-

    harmnica do violo de acompanhamento.

    25 Vide p. 16.

    Padro Rtmico Baixo antecipado

    Baixo antecipado

  • 36

    G/D G/D

    Radams Gnattali, Tocata em Ritmo de Samba N1. Exemplo 13:

    Quanto influncia de Garoto sobre Radams Gnattali na obra Toccata em Ritmo

    de Samba N 1, Delneri faz o seguinte relato:

    Radams Gnattali compe, em 1950, um samba estilizado dedicado a Garoto, que utiliza os desenhos rtmicos e acordes paralelos, como textura em bloco, inspirados no samba de Garoto. [...] extramos 3 fragmentos da Tocata em Ritmo de Samba N. 1, nos quais percebemos a influncia do violonismo de Lamentos do Morro [] O motivo desenhado pelo baixo, com sonoridade do surdo da percusso antecipa o ritmo dos acordes montados em posies geomtricas26 do violo, criam um glissando na montagem de um acorde diminuto. A tonalidade de Sol maior anunciada, sem resoluo (DELNERI, 2009, p. 94).

    No arpejo de Bb7(9), compasso 14, ex. 14, ocorre uma estrutura rtmica muito

    recorrente em melodias de samba e bossa nova semelhantes apresentao de Faria27. Na

    ltima semicolcheia do compasso 14 surge o acorde de Am9 que de forma antecipada se

    estende at o tempo forte do compasso subsequente, esta figura rtmica apresenta utilizao da

    sncope e evidencia o ataque das notas nas partes fracas do tempo em questo.

    Bb7(9) Am9

    Samba Urbano (compasso 10 ao 14). Exemplo 14:

    Neste trecho, ex. 15, entre os compassos 45 e 49, observa-se que a nota mais aguda

    encontra-se antecipada do restante das notas que formam o acorde em quartas justas

    sobrepostas, esta antecipao, caracterstica em melodias do choro, acaba por conjugar uma

    estrutura rtmica com maior complexidade e contribui para destacar a nota mais aguda de cada

    acorde, que se apresenta como fragmento meldico

    26 Geomtricas, se refere ao uso do paralelismo, um recurso idiomtico composicional do violo no qual estruturas de acordes ou de frases meldicas so repetidas em diferentes regies do brao do violo. 27 Vide p. 17 (fundamentao terica).

    Baixo antecipado Baixo antecipado

  • 37

    Samba Urbano (compassos 45 ao 49). Movimento paralelo descendente de quartas sobrepostas. Exemplo 15:

    Observa-se no exemplo 34 que o mesmo padro rtmico se repete nos compassos 39,

    41 e 43, estas clulas rtmicas so caractersticas do choro, semelhante estrutura [b / a]

    somadas uma semimnima do tempo subsequente.

    Samba Urbano (compassos 35 ao 44). Exemplo 16: Quanto ao aspecto harmnico, no ex. 17, a partir do compasso 68 at o compasso

    73 surge um encadeamento harmnico pertencente ao centro tonal L Menor, Im

    Vsus4/3/bIII V7(sus4,9)/bIII V7(9,b13)/7/bIII bIII9 IIm7(b5) V7(#11,#9). Este

    encadeamento est presente na rvore Harmnica menor, que analisados de modo

    simplificado sem as notas complementares apresentam a seguinte anlise: Im V7/bIII bIII

    IIm7(b5) V7 Im, observamos neste encadeamento a passagem pelo acorde relativo

    maior [bIII] que esta presente no quadro de modulaes recorrentes do choro, quadro da

    rvore Harmnica.

    Observamos que este encadeamento configura um elemento harmnico

    caracterstico do choro tradicional. Porm os acordes apresentam notas complementares

    alteradas, como a 11 aumentada, a 9 aumentada e a 13 menor, estas notas alteradas so

    consideradas como elementos no-tradicionais do choro.

    Padro Rtmico

    Padro Rtmico Rtmico

    Padro Rtmico

  • 38

    Im Vsus4/5/bIII Am Gsus4/5

    V7(sus4,9)/bIII V7(9,b13)/7/bIII bIII9 IIm7(b5) V7(#11,#9) G7(sus4, 9) G7(9, b13)/7 C9 Bm7(b5) E7(#11,#9)

    Samba Urbano (compasso 65 ao 73). Exemplo 17:

    9.2 Aspectos jazzsticos e do CNT.

    Sobre o aspecto harmnico, no ex. 18, observamos o um arpejo realizado sobre

    quartas sobrepostas entre as notas Si e D e entre os compassos 39 ao 45, observamos o

    arpejo do acorde F7M junto a presena da nota Si natural que configura um intervalo de #4

    (quarta aumentada) a partir da presena deste intervalo podemos constatar uma caracterstica

    modal, sendo este modo, F Ldio formando o arpejo de F7M(#4). O modo F Ldio

    composto das seguintes notas: F, Sol, La, Si, Do, R, Mi. As notas do acorde so: F, La, D

    e Mi (T, 3, 5, 7) e as notas complementares so: Sol, Si e R (9, #11, 13).

    Quanto ao aspecto meldico-rtmico, no ex. 18, observa-se que o mesmo motivo

    rtmico contendo a 4 aumentada se repete nos compassos 39, 41 e 43, a nica diferena entre

    eles est na ltima nota de cada motivo sendo elas: Mi, Sol e Mi, podemos atribuir a estas

    notas o sentido meldico deste trecho, sendo as demais notas pertencentes ao arpejo de F

    Ldio. A partir da audio da gravao da obra interpretada pelo prprio compositor, fica

    evidente o sentido destas notas como sendo notas meldicas, percebe-se que elas apresentam

    durao de tempo maior do que a representao da escrita na partitura.

  • 39

    Arpejo em quartas D Mixoldio [C7] F Ldio [F7M(#11)]

    F Ldio

    Samba Urbano(compassos 39 ao 45). Exemplo 18:

    No ex. 19 entre os compassos 86 o 88 o compositor apresenta um encadeamento

    harmnico feito por acordes diatnicos ao centro tonal de L Menor, entretanto este

    encadeamento harmnico se conclui com um acorde menor sobre o quinto grau Vm7, o

    acorde Em7. Este trecho se apresenta predominantemente modal, L elio, pois para que este

    tivesse caracterstica tonal28 deveria apresentar um acorde dominante sobre o quinto grau, ou

    seja, E7. Observamos que o acorde de Dm7 tambm pode ser analisado como um acorde de

    segunda inverso do G7(sus4,9), e como este acorde no possui a nota Si, no ocorre a

    resoluo do trtono Si-F, nas notas D-Mi no encadeamento G7(sus4,9) Dm7 C7M,

    caso ocorresse tal resoluo, poderia ser considerado como encadeamento de caracterstica

    tonal.

    bV7(sus,4 9) IVm bIII7M bVI7M IIm7(b5) Vm7 G7(sus4, 9) Dm7 C7M F7M Bm7(b5) Em7

    Samba Urbano (compassos 85 ao 89 ). Exemplo 19:

    No ex. 20 no compasso 5, surge um acorde de forma antecipada, este acorde

    formado pelas notas: L bemol (enarmnica de Sol#), R bemol (enarmnica de Do#) e F

    28 Consideramos como passagem tonal trechos em que possamos encontrar um acorde dominante sobre o quinto grau da escala que d origem ao campo harmnico do trecho musical em questo, juntamente deve ocorrer a resoluo do trtono e a presena da sensvel.

    Padro Rtmico

    Padro Rtmico Padro Rtmico

  • 40

    natural, posteriormente na cabea do primeiro tempo do compasso 5 surge a nota R (quarta

    corda solta) gerando o acorde dominante alterado E7(b9,13)/D, analisado como dominante do

    primeiro grau, V7(b9,13)/7 Im. Apesar da omisso da fundamental no baixo (nota Mi) a

    anlise harmnica pode ser confirmada a partir da presena do trtono e do contexto

    harmnico.

    Nestes compassos do ex. 20 ocorre o seguinte encadeamento harmnico:

    V7(b9,#11,13) Im7(9,11) V7(b9,#11,13). Apesar dos acordes dominantes estarem

    apresentados apenas atravs de pontuaes rtmicas, ocorre um efeito de prolongamento de

    sua sonoridade harmnica para percepo do ouvinte. Este efeito de prolongamento sonoro se

    estende at o momento da entrada do prximo acorde, devido principalmente utilizao das

    notas advindas da escala de acorde aplicvel ao acorde E7(b9,#11,13), neste caso a escala

    de Mi Octatnica Simtrica Dominante29, formada pelas seguintes notas, partindo-se da

    nota Mi: Mi, F, Sol, Lb, Sib, Si, D#, R.

    Samba Urbano (compassos 5 ao 10). Exemplo 20:

    Quanto ao aspecto harmnico, observamos no ex. 21, logo abaixo, o seguinte

    encadeamento harmnico: bIII(#11) V7(13)/bVI V7(9)/bII SubV7(9)/Im Im9. Este

    encadeamento apresenta uma sequncia de trs acordes dominantes estendidos, sendo o

    ltimo acorde de funo de substituto da dominante, subV7(9)/Im, que resolve no primeiro

    grau por movimento do baixo cromtico descendente. Este tipo de encadeamento harmnico

    pode ser considerado como um elemento no tradicional no choro por no estar presente na

    29 (PEREIRA, 2011, v. 3, p. 85)

    E7 (b9,#11,13) Padro Rtmico

    E7(b9,#11,13) Padro Rtmico

    Padro Rtmico

  • 41

    rvore Harmnica, outro elemento de carter no tradicional o uso de 11 aumentada

    sobre a trade de D Maior no compasso 11. bIII(#11) V7(13)/bVI V7(9)/bII subV7(9)/ I Im(9) C(#11) C7(13) F7(9) Bb7(9) Am(9)

    Samba Urbano (compasso 10 ao 14). Exemplo 21:

    Quanto ao aspecto harmnico, ex. 22, acontece o seguinte encadeamento harmnico

    no tom de L menor: Dm7(b6) - Gsus4 - C69. Este encadeamento configura a seguinte anlise

    harmnica: IIm7(b6) Vsus4/bIII bIII69. Este tipo de encadeamento bastante recorrente

    em harmonias de msica popular, em especial no jazz e na bossa nova, conhecido por

    segundo cadencial ou II, V secundrio.30

    A presena da sexta menor, a nota Si bemol, nos compassos 17 e 21, configuram

    carter modal a este trecho do exemplo acima. Neste trecho o compositor utiliza o modo R

    elio sobre o acorde do II grau menor (compassos 17 e 21), o acorde suspenso sobre o V grau

    (compassos 18 e 22) e o modo D Jnico sobre o I grau (compassos 19 e 23).

    Neste caso observamos dois elementos considerados no tradicionais pela

    comunidade do choro: a utilizao do modo elio onde comumente em msicas tonais utiliza-

    se o modo drico e a utilizao de um acorde suspenso onde geralmente utiliza-se o acorde de

    stima dominante. Neste caso o R elio esta presente onde comumente se encontraria em

    uma msica tonal o modo R drico, e o acorde Gsus4 encontra-se onde estaria o acorde G7,

    consequentemente acaba por apresentar carter modal ao trecho.

    Im(9) IIm7(b6) Vsus4/bIII bIII69 Am(9) Dm7(b6) Gsus4/bIII C69

    30 (GUEST, 2006, v. 1, p. 62)

  • 42

    IIm7(b6) Vsus4/bIII bIII69 Dm7(b6) Gsus4/bIII C69

    Samba Urbano (compassos 15 ao 24). Exemplo 22:

    No ex. 23, entre os compassos 50 e 63, inicia-se a seo B de Samba Urbano.

    Quanto ao aspecto harmnico, observamos uma alternncia de arpejos ascendentes e

    descendentes, o centro tonal deste trecho encontra-se em L Menor. Neste trecho existem

    alguns acordes de emprstimo modal31 (AEM), que acabam por configurar uma fuso de

    classificaes harmnicas entre o modal e o tonal.

    O arpejo de Gm, ex. 23, compasso 51, que pode ser considerado como AEM do

    modo L frgio, stimo grau deste modo, analisado como: bVIIm [AEM]. O acorde Bbm7 no

    apresenta uma funo tonal definida e no pode ser classificado como um AEM, portanto,

    este acorde considerado como acorde de aproximao cromtica [a.c.]32, analisado como

    bIIm7 [a.c.]. O acorde Bb7M, compasso 55, um acorde de emprstimo modal tambm do

    modo L frgio, segundo grau deste modo sendo analisado como: bII7M [AEM].

    O trecho entre o compassos 50 ao 54 se repete entre os compassos 58 ao 63.

    Apesar da presena dos acordes de emprstimo modal e de aproximao cromtica, o centro

    tonal do trecho ainda permanece estabelecido em L Menor devido a presena do acorde F7M

    (bVI7M), sexto grau de L Menor natural, e dos acordes Bm7(b5, b13) e E7(b13, b9), que

    juntos formam o segundo cadencial do acorde do primeiro grau, Am9/E, com a seguinte

    anlise harmnica [IIm7(b5,b13) V7(b13,b9) Im9/2], o acorde IIm7(b5,b13) originado

    a partir do segundo grau da escala menor natural e o acorde V7(b13,b9) originado do quinto

    grau de L Menor harmnica.

    31 (GUEST, 2006, v. 2, p. 11)

    32 Um tipo especial de encadeamento paralelo merece ateno e destaque, pois influenciou outras formas de escrita harmnica. o caso dos acordes que se aproximam cromaticamente do acorde de resoluo pelo movimento paralelo ascendente ou descendente de suas vozes. Essa aproximao, feita pelo acorde que se situa exatamente meio tom acima ou meio tom abaixo do acorde de resoluo introduzida no discurso harmnico para reforar os movimentos cadenciais. (PEREIRA, p. 51, 2011).

  • 43

    [AEM] [a.c.] Im9/5 VIIm bIIm7 Im9/5 Im7(9, 11) VII(sus4) bVI7M Am9/E Gm Bbm7 Am9/E Am7(9, 11) G(sus4) F7M

    [AEM] [AEM] [a.c.] Im7 bII7M IIm7(b5, b13) V7(b13, b9) Im9/5 bVIIm bIIm7 Am7 Bb7M Bm7(b5, b13) E7(b13, b9) Am9/E Gm Bbm7

    Im9/5 Im7(9, 11) Gsus4/7 bVI7M Am9/E Am7(9,11) Gsus4/7 F7M

    Samba Urbano (compassos 50 ao 64). Exemplo 23:

    Entre os compassos 67 e 69, ex. 24, ocorre uma sequncia de dominantes

    estendidos que se inicia no compasso 67 no acorde de C7(13) e que finaliza no acorde Eb7(9),

    classificado como bV7. Logo aps ocorrem duas cadncias interrompidas consecutivas no

    seguinte encadeamento: Eb7(9) Bb7(#11) E7(b13) analisado como [bV7(9) bII7(#11)

    V7(b13)]. Podemos analisar os arpejos de Eb7(9) e Bb7(#11) como dominantes sem funo

    dominante.33 Somente aps este encadeamento de dominantes estendidos seguido de acordes

    dominantes sem funo dominante que ocorre uma cadncia perfeita: E7(b13) Am, com a

    anlise: [V7(b13) Im], retorna-se novamente ao centro tonal da pea.

    V7(13) V7(9) V7(#11) V7(9) bV7(9) bII7(#11) V7(b13) Im C7(13) F7(9) F7(#11) Bb7(9) Eb7(9) Bb7(#11) E7(b13) Am

    Samba Urbano (compassos 67 ao 69). Exemplo 24:

    33 (GUEST, 2006, v. 2, p. 20)

  • 44

    9.3 Influncia da msica erudita e do jazz.

    Quanto ao aspecto harmnico, entre os compassos 28 e 30, ex. 25, observa-se o

    movimento paralelo das vozes internas que compem os acordes C7/G, G#7(#11)34 e C7(#11),

    sendo sobrepostas no acorde C7/G trs vozes com as seguintes notas: Mi, Sib e D. O

    movimento paralelo se apresenta como um recurso idiomtico do violo, conforme mostra a

    figura abaixo:

    Samba Urbano (compassos 25 ao 32). Exemplo 25:

    Nota-se no ex. 25 que as vozes internas do acorde de C7/G, Mi, Sib e D, ao se

    deslocarem em movimento paralelo um tom acima passam a apresentar as notas Fa#, Si# (D)

    e R, que formam o acorde G#7(#11), e logo em seguida, dois tons acima, tambm por

    movimento paralelo, as notas Sib, Mi e Fa#, que formam o acorde C7(#11). Estas notas

    acabam por se apresentarem como pertencentes a escala hexatnica35 de tons inteiros,

    formada pelas seguintes notas: Mi, F#, Sol#, L#, D e R.

    34 Estes acordes dominantes que apresentam a nota #11, podem ser analisados tambm como 7(b5). Segundo Pereira, a maneira de cifrar este tipo de dominante alterada uma conveno prtica adotada pelos msicos para cifrar acordes mais complexos de uma maneira simplificada.