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Os 10 Mais Belos Experimentos Científicos - Robert P. Crease

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Listadeilustrações

•Omaisantigocontadordehorasconhecido,OLouvre©FotoRMN , p.18.

•OraciocíniodeEratóstenes,p.22.•AmediçãodeEratóstenes,p.22.•TorreInclinadadePisa,p.32.•Plano inclinadocomsinos,Copyright©IstitutoeMuseodiStoriadellaScienzadiFirenze,p.48.

•Planoinclinadoequedalivre,p.49.•ReconstruçãodademonstraçãodeGalileu.Reimpressocomautorizaçãode Science,n.133 (1961) 20. Copyright © 1961, Associação Norte-AmericanaparaoProgressodaCiência,p.53.

•OexperimentumcrucisdeNewton,p.60.•Luzpassandoatravésdeumprisma,p.65.•Experimentumcrucis,p.68.•EquipamentodeCavendishparamediradensidadedaTerra,p.78.•FeixeeesferasdeCavendish,p.87.•Padrãodeinterferência,p.94.•Padrãodeinterferência,p.100.•PêndulodeFoucaultnoPanthéon,p.108.•PêndulodeFoucaultnoPanthéon,115.•EquipamentodagotadeóleodeRobertMillikan.CortesiadosArquivosdoInstitutodeTecnologiadaCalifórnia,p.124.

•Diagramadoexperimentodagotadeóleo,p.131.•AprimeiraanotaçãodeRutherfordsobreestruturaatômica,p.140.•Detectandodispersãodeânguloobtuso,p.147.•Acúmulogradualdopadrãode interferênciadeelétronsemelétronsisolados.UsadacompermissãodogrupodeBologna,dogrupoHitachi,e da Associação dos Professores de Física, publicada originalmente emAmericanJournalofPhysics,n.44(1976),306;57(1989),120,p.156.

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• Três experimentos de duplas fendas.Usada com a permissão dapropriedadedeHeinzPagels,copyright©1982porHeinzPagels,p.159.

•Prismasduplosópticosedeelétrons,p.162.• Padrão de interferência de elétrons. Usada com permissão de ClausJönsson,publicadaoriginalmentenoAmerican JournalofPhysics,n.42(1974),p.164.

•OprimeiroBNLg-2Squiggle.CortesiadoG-2Collaboration,p.174.

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IntroduçãoOmomentodetransição

Nãoconsigolembraraprimeiravezemqueouvicientistassereferiremaumexperimentocomo“belo”,masconsigolembraraprimeiravezemqueentendidoqueestavamfalando.Hámuitosanos,eumeencontravasentadoemumescritórioacadêmico

mal-iluminado no prédio de ísica da Universidade Harvard, cercado porpilhas desarrumadas de livros e papéis. À minha frente estava SheldonGlashow,um ísicoenérgicocujas feições, incluindoosóculosdegrossuraindustrial,quaseseescondiamportrásdeumvéuoraculardefumaçadecigarro. “Aquele foi um experimento belo”, ele dizia, “um experimentoabsolutamentebelo!”Algoemsuaintensidadeenaênfasemefezentenderqueescolhiapalavrascomcuidado.Aseusolhos,oexperimentoqueestavaadescreverera–literalmente–umacoisabela.Glashownão éumapessoa ignorante. Comomuitos cientistas, ele sabe

muitomaissobreasarteseciênciashumanasdoqueospraticantesdessescampos geralmente sabem sobre o seu: ísica de alta energia. Ele é, alémdisso,umcientista famoso,e receberaoPrêmioNobeldeFísicaem1979,poucosanosantesdenossaconversa.Naquelemomento,emseuescritório,fui forçado a considerar a possibilidade de que alguém realmenteencarasseumexperimento cientí ico comobelo,querendodizeromesmoqueamaioriadenósquandoclassi icamosumapaisagem,umapessoaouumapinturacomobelas.Fiquei curioso para saber mais sobre aquele experimento que

empolgara Glashow, ao qual ele se referira resumidamente comoexperimento de “correntes neutras de Slac”. Era um projeto di ícil ecomplicado que havia consumido os esforços de cientistas, engenheiros etécnicos por muitos anos. Levou nove anos para ser planejado econstruído, e inalmente foi executado na primavera de 1978, em umaceleradordepartículasdetrêsquilômetrosdecomprimentolocalizadonoSlac, ao Sul de São Francisco, nas montanhas de Santa Clara. O

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experimento envolvia a criação de elétrons polarizados – elétronsorientados na mesma direção – para então dispará-los pelo aceleradornumavelocidadequaseigualàdaluz,acertá-losemumamassadeprótonse nêutrons, e observar os resultados. Disso dependia uma nova teoriasobre a matéria em seus níveis mais fundamentais – a participação deGlashow foi decisiva para o desenvolvimento desse experimento. Se ateoriaestivessecorreta,osexperimentadoresdeveriamverumapequenadiferença no modo pelo qual os elétrons polarizados em diferentesdireções ricocheteavam nos prótons, indicando a presença de algochamado “correntes neutrais violadoras de paridade”. A diferença eraextremamente pequena – algo como um em mil elétrons. Observar issoexigia tamanha precisão – e para o experimento ser convincente oscientistasdeveriamobservardezbilhõesdeelétrons–quemuitoscientistasacharamatarefaimpossível,ouqueoresultadoseriainconclusivo.Poucosdiasdepoisdoiníciodoexperimento,porém,tornou-seclaroque

a resposta não era nem um pouco ambígua ou questionável, e que aambiciosa teoria estava correta. (Glashow e dois outros cientistasganharamprêmiosNobelporseuspapéisnacriaçãodessateoria.)Defato,oexperimentoexecutadodemaneiratãomagistralfezaexistênciadeumanova e fundamental propriedade da natureza – as correntes neuraisvioladorasdeparidade– tãovividamenteaparenteparaqualquerpessoacom treinamento em ísica que atémesmo aqueles que não participaramdo projeto o acharam emocionante. Quando um dos cientistas envolvidosdescreveuparaoutros,pelaprimeiravez,o trabalhoexperimental e seusresultados,empalestrarealizadanoauditóriodoacelerador,emjunhode1978,ninguémnaplateiase lembravadeoutraocasiãoemqueopessoaldo laboratório – normalmente um grupo dado a polemizar – não tivessecontestado os resultados. Na verdade, não houve sequer uma pergunta.Todos os presentes também se lembram de que os aplausos que seseguiramàpalestra forammais longos, apreciativos e respeitososdoquehabitualmente.1Aideiadequeumexperimentopudesseserbelomefezpensarnoque

poderia se incluir numa lista de belos experimentos. Isso produziu

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resultados que me intrigaram no âmbito de minha carreira dual: comoilósofo e como historiador da ciência. O que signi ica dizer que umexperimento é belo? E o que signi ica, para a beleza, dizer que ela incluiexperimentos?

Quando falo com não cientistas sobre a beleza de um experimento, elestendemasercéticos.Hátrêsfatoresqueexplicamtalceticismo,naminhaopinião. Um é social: quando os cientistas se apresentam em público –relatandoseutrabalhoformalmenteouconversandocomjornalistas–,elesraramente usam a palavra “beleza”. As convenções sociais parapesquisadores determinam que eles apareçam como pesquisadoresobjetivos da natureza e mascarem sua visão subjetiva e pessoal. Parapassar essa imagem, os cientistasapresentam seus experimentos comoobjetospuramente funcionais, comoameramanipulaçãodeumgrupodeinstrumentosquequaseautomaticamenteproduzainformaçãocorreta.Osegundofatorécultural:omodocomoaciênciaéemgeralensinada

nas escolas. Livros escolares usam experimentos como veículos para oplanejamento de uma aula, como um acessório para que os estudantesadquiram um entendimento mais profundo. Encarando os experimentosapenas como um obstáculo para se completar um curso, os estudantesfacilmentedeixamdepercebersuabeleza.Umterceirofatoréopreconceitodequebelezaverdadeirasópodeser

observada no abstrato. “Apenas Euclides viu a beleza nua”, declarou apoetaEdnaSt.VincentMillay.Poressarazão,discussõessobreabelezanaciência normalmente focalizam seu papel em teorias e explicações.Abstrações, como equações, modelos e teorias, possuem simplicidade,clareza, profundidade, eternidade e outraspropriedadesque tendemos aassociar à beleza. Experimentos – trabalhar com máquinas, hardware,produtos químicos e organismos – não parecem se encaixar nessaclassificação.Em seu cotidiano, os cientistas sabem que o trabalho de laboratório é

extremamentetedioso.Amaiorpartedotrabalhodoquefazemécalibrar,preparar,planejareresolverproblemas,acomeçarcomo inanciamentoe

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oapoioasuaspesquisas.Amaiorpartedaatividadecientí icaconsisteemampliar as possibilidades do que fazemos e do que sabemos. Mas, aqualquermomento,inevitavelmente,ocorreumeventoquecristalizanovasideiasereordenaomodocomopensamosascoisas. Issonoscolocanumaconfusãoquenosmostra–diretamente, semqualquerquestão–oqueéimportante, transformando nossas ideias sobre a natureza. Os cientistastendemachamaressesmomentosde“belos”.A palavra aparece em conversas, memorandos, cartas, entrevistas,

cadernos de anotações e coisas assim. “Beleza. Publicar isto sem falta, ébelíssimo!”, escreveu o ísico ganhador do Prêmio Nobel Robert Millikanemumapáginadeseucadernodelaboratórioem1912–porémnãousoua palavra “beleza” no relatório cientí ico que publicou em seguida. JamesWatson, vendo a agora famosa fotogra ia que Rosalind Franklin fez damolécula de DNA no início de 1953, descreveu-a como “uma hélicesimplesmente bela”. E no primeiro esboço do famoso relatório sobre adescoberta do DNA que escreveu com Francis Crick, ele se referiu ao“belíssimo” trabalhodeFranklin edosoutros cientistasdoKing’sCollege.Diantedainsistênciadeseuscolegas,porém,eleretirouafrasedaversãoinal.Emmomentosespontâneosenãocensurados,oscientistasaplicamapalavra “belo” a resultados, técnicas, equações, teorias – e, talvez omaisintrigante,aospropulsoresdoavançocientífico,osexperimentos.2Quando falam de beleza nesses contextos, os cientistas geralmente

aplicamapalavradeformalivre,equivocada,eàsvezesatécontraditória.É di ícil culpá-los; existirá algum tema mais di ícil de se discutir comprecisão?VictorWeisskopf,umdosgrandes ísicosdoséculoXX,declarouem1980que“obelonaciênciaéamesmacoisaqueébelaemBeethoven”.Mas apenas alguns anos depois ele escreveu que “o que se chama de‘beleza’ na ciência tem pouco em comum com a beleza que vemos naarte”.3Weisskopfviu tantoumasimilaridadequantoumadiferençaentrebelezanaciênciaenaarte,masnãopossuíaosmeiosparaenunciaressadiferençadeformacoerente.Outros cientistas, porém, tentaram falar do problema de forma mais

cuidadosa. Um deles foi o matemático britânico G.H. Hardy, que, em seu

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maravilhoso livroA Mathematician’s Apology, cita várias comprovaçõesmatemáticas como belas e defende tais a irmações. Hardy sugere que ocritérioessencialparaabelezaemseucampodetrabalhoéoinesperado,a inevitabilidade e a economia – e tambémaprofundidade, ou seja, quãofundamental uma demonstração é. Assim, uma comprovação matemáticapodeserchamadadebela,eumproblemadexadreznãopode,dizele.Asolução de um problema de xadrez não podemudar a natureza do jogo,masumanovaafirmaçãomatemáticapodealteraraprópriamatemática.4Michael Faraday, ísico inglês do século XIX, icou famoso por suas

palestras públicas na Royal Institution em Londres. Uma das maispopulares foi “A história química da vela”. No início de sua palestra,Faradaydescreveu as velas como “belas”. Ele explicouquenão estava sereferindo à beleza de cor ou forma; na verdade, Faraday não gostava develasornamentais.Emvezdisso,eleexplicou,belezasigni ica“nãoaquelaque parece mais bela, mas aquela queage de forma mais bela”. A seusolhos, uma vela é bela porque funciona de forma elegante e e iciente emdecorrênciadevárias leisuniversais.O calorda chamaderretea ceraaomesmo tempo que puxa correntes ascendentes de ar para esfriá-la nasbordas,criandoumabaciaparaaceraderretida.Apoçadeceraderretidase mantém horizontal pela “mesma força gravitacional que mantém osmundosemseuslugares”.Aaçãocapilarpuxaaceraderretidapelo ioatéachamanotopo,enquantoocalordachamainiciaumareaçãoquímicanaceraquemantémachamaacesa.Abelezadavela,diziaFaraday, estánointricadojogodeprincípioscientí icosdoqualeladepende,enaeconomiacomaqualessesprincípiosinteragem.5Mas e a beleza de um experimento? Um experimento, ao contrário de

uma pintura ou escultura, é dinâmico. Parece mais uma performancedramática,sendoalgoqueaspessoasplanejam,preparameobservam,nointuitodeproduziralgopeloqualtêmuminteresseespecí ico.Comosabera circunferência daTerra sempassar uma itamétrica ao redorda linhadoEquador?ComosaberqueaTerragirasemvoarparaoespaçosideraleobservar,oucomosaberoquehánointeriordeumátomo?Preparandocuidadosamente um evento em laboratório – às vezes com objetos tão

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simples quanto prismas e pêndulos –, podemos fazer com que respostasparaessasperguntasapareçamdiantedosnossosolhos.A formaemergedo caos – e não magicamente, como um mágico puxando um coelho dacartola, mas em decorrência de eventos orquestrados por nós mesmos.Fazemososmistériosdomundofalarem.6A beleza de um experimento está emcomo ele faz esses elementos

falarem.A comparaçãodeHardy entre uma comprovação cientí ica e umproblema de xadrez sugere que um experimento belo é aquele que nosmostra algo profundo sobre o mundo, de maneira a transformar acompreensão que temos dele. O modo como Faraday evoca a beleza davela sugere que os elementos de um experimento devem ser arranjadosde forma e iciente. E tanto Hardy quanto Faraday sugerem que umexperimento belo deve ser de initivo, revelando seu resultado de formaclara, sem necessidade de inferir ou generalizar coisa alguma. Se o beloexperimentotrazperguntas,elassãomaissobreomundodoquesobreoexperimentoemsi.Cada um dos três elementos da beleza – que o experimento seja

profundo, e iciente e de initivo – aparece de forma consistente nasdescriçõesdebelezaque ilósofoseartistastêmfeitoaolongodosséculos.Alguns, dePlatão aMartinHeidegger, dão ênfase aomodopeloqual algobelo aponta, além de si, para algo verdadeiro e bom; é o surgimento doúnico em meio aos vários, do in inito no inito, do divino no mundano.Outros, como Aristóteles, focalizam mais a composição do objeto belo,enfatizando o papel da simetria e da harmonia ao fazer com que cadaelemento contribua com algo essencial. Outros, por im, incluindo DavidHume e Immanuel Kant, falam da forma particular de satisfação querecebemos de um objeto belo. Às vezes desconhecemos nossasexpectativasatéqueelassejamatendidas,masumobjetobelotrazcomeleumafelizrealização:“Era issooqueeuqueria!”Ofatodeosexperimentospossuírem essas propriedades sugere que eles podem ser chamados de“belos”–enãoapenasdeformametafórica,ampliandoosigni icadoliteraldotermo,masnaformalegítimaetradicionaldapalavra.E mOs inocentes no estrangeiro , Mark Twain conta sua visita ao

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batistério no Duomo de Pisa, onde contemplou o famoso candelabrooscilante que, diz a lenda, inspirou Galileu, aos 17 anos, a consultar seupulso e, em um experimento rústico e improvisado, descobrir que obalanço do pêndulo era isócrono: demorava o mesmo tempo para ir evoltar,nãoimportandoadistânciapercorrida.(Twainsabiaqueaisocroniade um pêndulo é o principio básico da maioria dos relógios mecânicos.)Twainachouopênduloaomesmotempoaristocráticoeproletário;olhandoparaele,encheu-sedeadmiraçãopeladescobertadeGalileu,quepermitiuà humanidade demarcar as horas, e experimentou uma nova intimidadecomomundo.

Pareciaalgomuitoinsigni icante,paraterconferidoumaextensãotãograndeaosdomíniosdosmundos da ciência e damecânica. Ponderando diante de sua presença sugestiva, parecia-mever um universo insano de discos balançando, os ilhos trabalhadores desse pai sedado. Elepareciaterumaexpressãointeligente,comosesoubessequenãoeraumalâmpada,queeraumpêndulo; um pêndulo disfarçado, para propósitos prodigiosos e inescrutáveis de sua própriacriação, e não um pêndulo qualquer, mas o velho, original, patriarcal pêndulo – o pênduloAbraãodomundo.7

No estilo inimitável de Twain, suas palavras ilustram a beleza que atéum rudimentar experimento cientí ico pode ter ao nos revelar algoprofundo sobre omundo, de forma simples e direta, para nos satisfazersemprecisardeprovasadicionais.O balanço do candelabro, os raios de luz através de um arranjo de

prismas, a lenta progressão do plano de oscilação de um pêndulo numcírculo, a descida quase simultânea de objetos de pesos diferentes quecaem,arazãodavelocidadedegotasdeóleo–todosesseseventos,quandopreparadosdecertamaneira,podemrevelaralgosobresimesmosesobreomundo.Elessão,aomesmotempo,comopinturaspaisagísticas,quenosagradam, convencem e iluminam, e como mapas, que nos guiam maisprofundamentenomundo.Umexperimentoéumeventodeabertura:elepodefazerusodeobjetossimplesecomuns,masqueservemcomopontepara um mundo de descoberta e signi icado. A beleza nos conduz a ummundodeideias,aomesmotempoquenosancoraemummundodelógica,como o poeta alemão Friedrich Schiller costumava insistir. “A beleza é omomento de transição, como se a forma estivesse pronta para luir em

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outrasformas”,escreveuonorte-americanoRalphWaldoEmerson.8Abelezadosexperimentospodeassumirváriasformas–assimcomoa

belezadeumapeçadeBachédiferentedeumadeStravinsky.Algunstêmuma beleza sinóptica, resumindo diferentes leis universais, ao passo queoutros possuem a beleza da amplitude, juntando elementos em escalasimensamente desiguais. Alguns têm uma beleza austera, seduzindo nasimplicidadedespojadapelaqual revelama formapura, enquantooutrossão sublimes e nos conquistam ao transmitir sinais do poder terrível,ilimitado, incompreensível e de initivo da natureza. Os mais belosexperimentosenvolvemelementosdosdoistipos.

Vocêpodepensarnestelivrocomoumtipodegaleriadearte.Estagaleriacontém peças de beleza rara, cada uma com design próprio, materiaisdistintoseumapelopeculiar.Talvezvocênãoaprecietodosigualmente,jáque seu passado, experiência, educação e preferências vão incliná-lo apreferiralgumasdaspeçasaoutras.Umadastarefasmaisdi íceisquandosemontaagaleriaédecidiroque

expor. Eu lidei com esse problema da seguinte maneira: em 2002,motivado por outro cientista que falava da beleza de um experimento, elembrando-menão apenasdaspalavrasdeGlashow,masde centenasdeoutras que eu havia observado no decorrer dos anos, realizei umapesquisa.Perguntei aos leitoresda revista internacionalPhysicsWorld , naqual escrevouma coluna, quais experimentos eles pensavam ser osmaisbelos.Paraminhasurpresa,os leitoresenviarammaisde300candidatos.Eles variavam de experimentos históricos a imaginários, experimentospropostos, provas, teoremas, modelos. Abrangiam todos os camposcientí icos,da ísicaàpsicologia.Minhapesquisafoiadotadaporweblogsegrupos de discussão na Internet, provendo-me com centenas de novoscandidatos. Para compilar minha lista dos experimentos mais belos,selecionei os dez mencionados com maior frequência.9 Alguns leitorespodemargumentarquealistaédominadaporexperimentosda ísica,eéverdadequeemminhacolunanaPhysicsWorldeupediraaosleitoresquenomeassem os mais belos experimentos ísicos. Ainda assim, sinto-me

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justi icado ao declarar que esta galeria de retratos históricos contém osdez mais belos experimentos cientí icos. E eu o faço porque a maioriadaqueles que responderam, tanto àPhysicsWorld como a outras mídias,realmente compreendeu que a pesquisa era sobre os dez mais belosexperimentos cientí icos, eporqueatémesmoas sugestõesde leitoresdaPhysicsWorldvariaramentrequímica,engenhariaepsicologia.Enãopodemos esquecerquemaisdametadedos experimentosnesta

listaocorreuantesquea ísicaexistissecomoumadivisãodaciência.Alémdisso, eles aparecem como exemplos clássicos nos livros escolares,frequentementediscutidoserealizadosquandoosexperimentoshistóricossãoensinadosnocolégio,esetornaramemblemáticosdaciênciaemgeral.Nãoésurpresaalgumaquedescriçõesdessesexperimentosapareçamnostrabalhos de artistas tão diversos quanto o dramaturgo Tom Stoppard, omúsico Philip Glass e o romancista Umberto Eco – e frequentementetambémnaculturapopular.10Decidi apresentar os experimentos em ordem cronológica. Isso nos

proporciona um poderoso entendimento da vastidão da jornada que aciência trilhou emmais de 2.500 anos. A lista nos leva de um tempo noqual as questões mais urgentes da ciência incluíam obter estimativassimplesdaspropriedadesmaisbásicasdaTerra–entreelasseutamanhoe posição no Universo – à era em que os cientistas começam a fazermedidas precisas das propriedades do átomo e de suas partículas. Leva-nos do tempo dos instrumentos simples, como discos solares e planosinclinados, para a época dos instrumentos so isticados. Leva-nos de umaépocaemqueoscientistastrabalhavamsozinhos(ou,nomáximo,comumassistente)ao tempopresente,emqueoscientistas trabalhamemgruposde centenas de indivíduos. Essa lista nos oferece uma percepção daspersonalidades e do pensamento criativo de algumas das iguras maisinteressantes da ciência. Muitos experimentosmarcantes na evolução daciência aparecem aqui: o experimento de Galileu com planos inclinadosestabeleceu pela primeira vez a forma matemática para o movimentoacelerado; oexperimentumcrucis de IsaacNewton revelou a natureza daluzedascores;oexperimentodasduasfendasdeThomasYoungrevelou

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anaturezaondulatóriadaluz;eadescobertadonúcleoatômicodeErnestRutherford inaugurou a era nuclear. A lista contém experimentos queilustram poderosamente, ou ajudaram a motivar, algumas das grandesmudanças de paradigma da ciência, da perspectiva de Aristóteles à deGalileu sobre o movimento, da imagem corpuscular da luz até suaconcepçãocomoonda,edamecânicaclássicaàmecânicaquântica.Com uma exceção, estes experimentos foram escolhidos pelo mesmo

número de pessoas. Portanto, eu não os classi ico em ordem deimportância. A exceção, o experimento das duas fendas, ilustrando ainterferênciaquânticadeelétronssimples,foidelongeomaismencionadocomo experimento cientí ico mais belo. Inevitavelmente, os críticos vãodiscutir as minhas escolhas. Mas eles estarão discutindo o processo deseleção,enãootemadagaleria:abelezadosexperimentoscientíficos.

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AmedidadomundoEratóstenesmedeacircunferênciadaTerra

NoséculoIIIa.C.osábiogregoEratóstenes(276-c.195a.C.) fezaprimeiramediçãoconhecidadotamanhodaTerra.Suasferramentaseramsimples:asombraprojetadapeloponteirodeumrelógiodeSol,maisumgrupodemedidas e suposições. Mas essas medidas foram tão engenhosas queseriam citadas com autoridade por centenas de anos. É um cálculo tãosimples e instrutivo que é refeito anualmente, quase 2.500 anos depois,porcriançasdeescolasemtodoomundo.Eoprincípioétãograciosoqueseu simples entendimento nos faz querer medir o comprimento de umasombra.O experimento de Eratóstenes combinou duas ideias de grande

importância.Aprimeirafoiimaginarocosmocomoumgrupodeobjetos(aTerra, o Sol, planetas e estrelas) no espaço tridimensional comum. Issopode parecer óbvio para nós, mas não era uma crença comum naquelaépoca; foi uma contribuição grega para a ciência insistir em que, sob amiríadedemovimentossempreemmutaçãodomundoedocéunoturno,havia uma ordem impessoal e imutável, uma arquitetura cósmica quepoderia ser descoberta e explicada pela geometria. A segunda ideia foiaplicar práticas comuns de medição para entender o escopo e asdimensões da arquitetura cósmica. Ao combinar essas duas ideias,Eratóstenes chegou à audaciosa ideia de que as mesmas técnicasdesenvolvidas para construir casas e pontes, abrir estradas e campos eprever alagamentos e monções poderiam fornecer informações sobre asdimensõesdaTerraedeoutroscorposcelestes.Eratóstenes começou presumindo que a Terra era aproximadamente

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redonda. Porque, apesar da crença generalizada em nossos dias de queColombo decidiu provar que a Terra não era plana, muitos dos gregosantigos que haviam re letido cuidadosamente sobre o cosmo já haviamconcluído que ela não só deveria ser redonda,mas também que deveriaser relativamente pequena se comparada ao restante do Universo. Entreesses sábios estava Aristóteles, que, no livroSobre os céus, escrito umséculoantesdeEratóstenes,propôsvários argumentosdiferentes, algunslógicos, outros empíricos, para explicar por que a Terra deveria seresférica. Aristóteles assinalou por exemplo que, durante os eclipses, asombradaTerranaLua é curva – algoquepoderia ocorrer apenas se aTerrafosseredonda.Eletambémnotouqueviajantesobservamdiferentesestrelasquandovãoparaonorteouparaosul(oqueseriaimprovávelseaTerrafosseplana),quecertasestrelasvisíveisnoEgitoeemChiprenãopodemservistasemterrasaonorte,equecertasoutras, semprevisíveisno norte, surgem e se põem no sul, como se fossem vistas a distância, apartirda super íciedeumobjeto redondo. “Isso indicanãoapenasqueamassa da Terra é esférica em sua forma”, escreveu Aristóteles, “mastambémque,comparadaàsestrelas,nãoégrandeemtamanho.”1

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PrimeirocontadordehorasconhecidoédoséculoIIIa.C.,emqueEratóstenesviveu.

Apeçaestápraticamenteintacta,masperdeuoponteiro,ougnômon,

queprojetavaasombradoSolsobreatigela.

Mas o versátil pensador também ofereceu argumentos mais criativos.Peloscontosdeviajantesestrangeiroseexpediçõesmilitares,elesabiaqueoselefanteseramencontradostantoaleste(África)quantoaoeste(Ásia).Portanto, disse ele, essas terras estariam provavelmente unidas – umadedução esperta, porém incorreta. Outros sábios gregos sugeriramargumentos adicionais para a forma esférica da Terra, inclusive adiferençanotempodonasceraopôrdosolemdiferentespaíseseomodocomo os navios desaparecem gradualmente no horizonte, do casco paracima.Mas nada disso respondia à questão básica: que tamanho tem essa

Terra redonda? Seria possível descobrir isso sem que os pesquisadores

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tivessemdeviajarportodaacircunferência?AtéEratóstenes,conhecíamosapenasestimativasdotamanhodaTerra.

AmaisantigaédeAristóteles,queescreveu: “osmatemáticosque tentamcalcular o tamanho da circunferência terrestre chegam ao resultado de400 mil estádios”. Mas ele não revelou suas fontes nem explicou seuraciocínio.2 Também é impossível converter esse resultado em númerosmodernos.Umestádiosereferiaaocomprimentodeumapistadecorridagrega,quevariavadecidadeparacidade.Usandoaestimativaaproximadade um estádio, os pesquisadores de hoje calcularam o resultado deAristótelesempoucomaisde64.372quilômetros(onúmerorealémaisoumenos40milquilômetros).Arquimedes,queconstruiumodelosdocosmonosquaisoscorposcelestesgiravamumaoredordooutro,chegouaumaestimativa ligeiramentemenorqueAristóteles:300milestádios,oupoucomais de 48 mil quilômetros. Mas ele também não deu qualquer pista arespeitodesuasfontesoudeseuraciocínio.EntraEratóstenes. ContemporâneodeArquimedes, porémmais jovem,

Eratóstenes nasceu na África doNorte e foi educado emAtenas. Era umpolímata, um especialista em várias áreas, desde crítica literária e poesiaaté geogra ia ematemática.Mas não o consideravam capaz de chegar aoprimeiro lugar em nenhuma delas, o que levou seus companheiros a lhedaroapelidosarcásticode“Beta”,asegundaletradoalfabetogrego,umapiada indicando que ele era sempre o segundo melhor. Apesar dasbrincadeiras,suainteligênciaeratãorenomadaque,emmeadosdoséculoIIIa.C.,oreidoEgitooconvidouparaserprofessordeseu ilho,edepoisoindicouparadirigirafamosabibliotecadeAlexandria.Essafoiaprimeiraemaior biblioteca de seu tipo, e havia sido estabelecida pelos Ptolomeu,soberanos do Egito, como parte da elevação de Alexandria ao posto decapital cultural do mundo grego. Essa biblioteca se tornou um ponto deencontroparaossábiosdomundointeiro.EmAlexandria,osbibliotecáriosconseguiramreunirumaenormecoleçãodemanuscritossobreumaamplavariedade de temas que qualquer um com as credenciais necessáriaspoderiautilizar.(AbibliotecadeAlexandriatambémfoiaprimeiradequese tem notícia a organizar os manuscritos por autor e em ordem

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alfabética.)Eratóstenes escreveu dois livros de geogra ia que foram de particular

importâncianomundoantigo.Geográfica,umconjuntodetrêsvolumes,foio primeiro a mapear o mundo usando paralelos (linhas paralelas aoequador) e meridianos (linhas longitudinais, que passam por ambos ospolos e por um determinado local). O seuMedidas do mundo continha aprimeiradescriçãoconhecidadeummétodoparamedirocomprimentodaTerra. Infelizmente, as duas obras se perderam, e temos de reconstituirseu pensamento por meio de comentários de outros autores daAntiguidadequeconheciamseutrabalho.3Felizmente,esteserammuitos.Eratóstenes partiu do raciocínio de que se a Terra fosse um corpo

pequenoeesféricoemumvastouniverso,entãoosoutroscorpos,comooSol,deveriamestarmuitodistantes–tãodistantesqueseusraiosestariamessencialmente em paralelo, não importa onde atingissem a Terra.Tambémsabiaque,àmedidaqueoSolsobenocéu,assombrassetornamprogressivamentemenores–esabia,pormeioderelatosdeviajantes,queno solstício de verão, na cidade de Siena (hoje Assuã), o Sol pairadiretamente sobre a cidade, e as sombras desaparecem ao redor deobjetos verticais, até mesmo colunas, mastros e até nos gnômons, osindicadores verticais ou ponteiros de relógios de Sol, cuja única função éprojetar sombras. As sombras desapareciam até de dentro do poço dacidadequandoa luzobanhavademodouniforme,“comoumatampaqueseencaixaexatamenteemumburaco”,deacordocomuma fonteantiga. 4(Exagero um pouco: elas não desapareciam por completo, apenas seprojetavamdiretamenteabaixodosobjetos,emvezdeseprojetaremparaolado,comoemgeralacontece.)Alémdisso,EratóstenessabiaqueAlexandria icavaaonortedeSienae

mais oumenos nomesmomeridiano. E, graças aos pesquisadores que ofaraóenviavaparaviajarpelorioNiloemapearasterrastodoanodepoisdasenchentesperiódicas,Eratóstenessabiaqueasduascidadesestavamseparadas por cerca de cinco mil estádios (o número foi arredondado,então não podemos usar essa informação para estabelecer o equivalenteprecisodeumestádioemunidadesdemedidamoderna).

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Em termos atuais, Siena estava no trópico de Câncer, uma linhaimagináriaquecortaogloboterrestrepassandopelonortedoMéxico,suldo Egito, da Índia e da China (ela aparece namaioria dosmapas). Todosessespontosnotrópicopossuemumamesmacaracterísticaincomum:oSolseposicionadiretamenteacimadelesapenasumavezporano,nodiamaislongodoano–21dejunho,osolstíciodeverão(paraohemisférionorte).Aqueles que vivem ao norte do trópico de Câncer nunca veem o Soldiretamente acima de suas cabeças, e ele sempre projeta uma sombra.Aquelesquevivemnohemisférionorte,porémaosuldotrópicodeCâncer,veem o Sol diretamente acima de suas cabeças duas vezes por ano, umaantesdosolstícioeoutradepois,eodiaexatovariasegundoolugar.ArazãoparaissotemavercomaposiçãodaTerra,cujoeixoéinclinado

emrelaçãoaoSol.MasissonãopreocupavaEratóstenes.Oqueimportavapara ele era que o Sol, quando estava diretamente acima de Siena, nãoestariadiretamenteacimanemaonortenemaosul–atéemAlexandria–,e um gnômon projetaria uma sombra nesses locais. O comprimento dasombra dependeria da grandeza da curvatura terrestre; se a curvaturafossegrande,asombraemumlugarcomoAlexandriaseriamaiordoqueseacurvaturadaTerrafossepequena.Graças ao seu conhecimento de geometria, Eratóstenes sabia o

su icientepara criarumexperimento inteligenteque lhediria o tamanhoexatodacurvaturae,portanto,dacircunferênciaterrestre.Para apreciar a beleza deste experimento não precisamos saber nada

sobreomodoespecí icopeloqualEratóstenesorealizou.Sortenossa,poisnão temos sequer sua descrição do que fez. Sabemos apenas doexperimento por breves descrições deixadas por seus contemporâneos esucessores,muitosdosquaisevidentementenãoentendiamtodososseusdetalhes.Nãoprecisamossabernadasobreopercursodesuainvestigação–oqueespeci icamentemotivara seu interessepor esseproblema,quaisforamseusprimeirospassos,osretrocessos,sehouvealgum,comochegouàconclusãofinal,eparaqueoutrasdireçõesessaconclusãoapontava.Azaronosso,poisissopodedaraimpressãodequeaideialhechegoucomoumraioemumcéuazul,donada,masnãoéumobstáculoànossacapacidade

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de entender o experimento. Também não precisamos nos engajar emsaltosdelógicaespeculativa,seguirumraciocíniomatemáticocomplexoouempregar argutas adivinhações empíricas baseadas em coisas como ademogra iade elefantes.Abelezadesse experimento estánomodo comopermite descobrir uma dimensão de proporções cósmicas medindo ocomprimentodeumasimplessombra.Sua simplicidade e graciosidade empolgantes podem ser captadas em

doisdiagramas,asFIGURAS1.1e1.2.

Figura1.1.Oângulo(x)projetadopelassombrasemAlexandriaéigualaoângulo(y)criado

pelosdoisraioscujovérticeestáaocentrodaTerraequepassaporAlexandriaeSiena(o

desenhonãoestáemescala).Assim,afraçãoqueoarcodeumasombra(EF)representa,em

Alexandria,umcírculocompletoéigualàfraçãoqueadistância(AE)deSienaaAlexandriamede

nacircunferênciadaTerra.

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Figura1.2.Eratóstenesobteriaomesmoresultadomedindotantoafraçãodocomprimentoda

sombra(EF)comrelaçãoàcircunferênciadocírculodescritopelognômonemtornodorelógiode

Sol,quantoafraçãodoângulodasombra(x)emrelaçãoaocírculocompleto.

Duranteosolstício,quandooSolestádiretamenteacimadeSiena(A),assombras desapareciam – elas se projetavam diretamente na direção docentrodaTerra (linhaAB).Enquanto isso, as sombrasemAlexandria (E)tambémseprojetavamnamesmadireção(CD)porqueosraiosdeSolsãoparalelos;mas,comoaTerraécurva,elescaíamcomumpequenoângulo,que chamaremos dex. Um ângulo estreito ou uma sombra curtasigni icaria que a curvatura da Terra era relativamente plana e que suacircunferência era grande. Um ângulo largo ou uma sombra longasigni icariam uma curvatura pronunciada e uma pequena circunferência.Existiria uma forma de descobrir a circunferência apenas pelocomprimentodeumasombra?Ageometriaproporcionouessemeio.De acordo comEuclides, são iguais os ângulos interiores de uma linha

em interseçãocomduas linhasparalelas.Portanto,oângulo (x) projetadopelassombrasemAlexandriaé igualaoângulo(y)criadopelosdoisraioscujo vértice está no centro da Terra e que passa por Alexandria e Siena(BCeBA). Isso signi icaquea razãoentreo comprimentodoarcodeum

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gnômon(FE)eocírculocompletoaoredordognômon(VERFIGURA1.2)éamesmaquea razãoentreadistânciaentreSienaeAlexandria (AE)eacircunferênciadaTerra.Quemmedisseessafração,percebeuEratóstenes,poderiacalcularacircunferênciaterrestre.EmboraEratóstenespossaterfeitoessamediçãodeváriasmaneiras,os

historiadoresdaciênciatêmbastantecertezadequeelearealizouusandoumcontadordehoras,aversãogregadeumrelógiodeSol,poisoarcodasombradesseobjeto seriaperfeitamentede inido.Umcontadordehoras,ouskaphe, consistia em uma tigela de bronze equipada com um gnômon,cuja sombra deslizava lentamente sobre as linhas de horasmarcadas nasuper íciedatigela.MasEratóstenesempregouesseequipamentodeumanova forma. Ele não estava interessado na posição da sombra sobre aslinhas de horas para medir a passagem do tempo, e sim no ângulo dasombra projetada pelo gnômon ao meio-dia no solstício de verão. Elemediriaafraçãodaqueleânguloemrelaçãoaocírculocompleto(apráticademediroânguloemgrausobtidospeladivisãodocírculoem360partesiguaissósetornariacomummaisdeumséculodepois).Ou,noqueterminasendoamesmacoisa,elepodetermedidoarazãodocomprimentodoarcoprojetadopelognômonnatigelaparaacircunferênciacompletadatigela.Naqueledia,às12horas,Eratóstenesteveacertezadequeoânguloda

sombra era 1/50 de um círculo completo (nós diríamos que tinha 2,2graus). A distância entre Alexandria e Siena era, portanto, umquinquagésimo da distância através de todo o meridiano. Multiplicandocinco mil estádios por 50, ele chegou a 250 mil estádios como acircunferência da Terra; mais tarde, ajustou esse número para 252 milestádios (ambas as medidas equivalem a pouco mais de 40 milquilômetros).Omotivodesseajustenãoéclaro,masprovavelmentetemavercomseudesejodesimpli icarocálculodedistânciasgeográ icas.PoisEratóstenes tinha o hábito de dividir círculos em 60 partes, e umacircunferência de 252 mil estádios forma um número inteiro de 4.200estádios para cada uma das 60 partes do círculo.Mas tanto faz usarmos250 mil ou 252 mil estádios, e, seja qual for a medida empregada paraconverter estádios em unidades modernas de distância, sua estimativa

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estará sempre a poucos por cento do número aceito hoje, de 40 milquilômetros.ArepresentaçãoqueEratóstenesfaziadocosmofoivitalparaosucesso

de seu experimento. Sem essa representação particular, a medida dasombranãodariaacircunferênciaterrestre.Porexemplo,umantigotextocartográ ico chinês, oHuainanzi, ou “Livro do Mestre de Huaianan”,observaquegnômonsdamesmaaltura,masemdiferentesdistâncias (aonorte ou ao sul) um do outro, projetam sombras de comprimentosdiferentesnomesmomomento.5PartindodoprincípiodequeaTerraeraplana, o autor atribuiu essa diferença ao fato de que o gnômon queprojetava a sombramais curva estavamais diretamente abaixo do Sol, esugeriaqueessadiferençanocomprimentodassombraspodiaserusadaparacalcularaalturadocéu!As informações e medidas de Eratóstenes eram aproximações. Ele

provavelmente sabia que Siena não estava precisamente no trópico deCâncernemsesituavaexatamenteaosuldeAlexandria.Adistânciaentreasduascidadesnãoéexatamentedecincomilestádios.EcomooSolnãoéumpontode luz,masumpequenodisco(deaproximadamentemeiograude largura), a luz de um lado do disco não atinge o gnômon no mesmoânguloquealuzdooutrolado,borrandoligeiramenteasombra.Mas com a tecnologia que Eratóstenes tinha à sua disposição, o

experimento foi bem-sucedido o bastante. Seu resultado de 252 milestádios foi aceito, por centenas de anos, pelos gregos antigos como umvalor con iável para a circunferência da Terra. No século I d.C. o autorromano Plínio aclamou Eratóstenes como uma “grande autoridade” arespeito da circunferência da Terra, reputou seu experimento como“audacioso”, seu raciocínio como “sutil” e seu resultado como“universalmenteaceito”.6CercadeumséculodepoisdeEratóstenes,outrosábio grego tentou usar a diferença entre o ângulo do qual a estrelabrilhanteCanopuseravisívelemAlexandriaeoângulodamesmaestrelavista em Rodes (onde, dizia-se, a estrela repousava exatamente nohorizonte) paramedir a circunferência daTerra,mas o resultadonão foimuito con iável. Mesmo um milênio depois, os astrônomos árabes foram

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incapazes de aprimorar o seu trabalho, embora tenham usado métodostais como medir o horizonte visto do topo de uma montanha de alturaconhecidaecalcularadistânciadeumaestrelaemrelaçãoaohorizontededois lugaresdiferentes,simultaneamente.OcálculodeEratóstenesnãofoiaprimorado até os tempos modernos, quando se tornaram possíveismedidasmuitomaisexatasdasposiçõesdoscorposcelestes.Esse experimento transformou a geogra ia e a astronomia. Primeiro,

permitiu a qualquer geógrafo estabelecer a distância entre dois lugaresquaisquer cuja latitude seja conhecida – entre Atenas e Cartago, porexemplo,ouentreCartagoeafozdoNilo.PermitiuaEratóstenesdescobriro tamanhoeaposiçãodomundohabitadoconhecido.Eproporcionouaossucessores um parâmetro para tentar determinar outras dimensõescósmicas como as distâncias da Lua, do Sol e das estrelas. Em resumo, oexperimento de Eratóstenes transformou a visão que os seres humanostinham da Terra, da posição da Terra no Universo (ou pelo menos nosistemasolar),edopapeldahumanidadenissotudo.O experimento de Eratóstenes, como todo tipo de procedimento é

abstrato, no sentido de que não depende de nenhummodo especí ico depercepção e pode ser realizado de várias formas. Seus ingredientes sãosimples e familiares: uma sombra, um instrumento demedida, geometriade ginásio.Nãoprecisamos estar emAlexandria para usar o skaphe; nemprecisamos fazê-lo durante o solstício. Centenas de escolas de todo omundo têm o experimento de Eratóstenes em sua grade curricular.Algumas usam as sombras projetadas por relógios de Sol improvisados,outras usammastros ou torres. Frequentemente essas réplicas são feitasem colaboração com outras escolas, via e-mail, usando uma página degeogra iadaInternetparadeterminarlatitudeselongitudeseoMapQuestparadeterminaradistância.RéplicasdoexperimentodeEratóstenesnãosão como réplicas, digamos, da Batalha de Gettysburg feitas porentusiastas da Guerra Civil dos Estados Unidos, nas quais o objetivo é aprecisão histórica ou pelo menos uma simulação interessante. Osestudantesnãocopiamousimulamoexperimento–elesoexecutam,comopelaprimeiravez, eo resultado icabemvisíveldiantede seusolhos, tão

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diretamentequenãodeixamargemaqualquerdúvida.O experimento de Eratóstenes também ilustra com expressividade a

naturezadaprópriaexperimentação.Comopodemoscientistassaberalgocomo a circunferência da Terra semmedi-la isicamente?Nós não somosincapazes,nemprecisamosdependerdemétodosrudimentarescomo itasmétricas com dezenas de milhares de quilômetros de comprimento. Umprocedimento preparado de forma inteligente, usando os objetos certos,pode induzir até mesmo coisas efêmeras e luidas como as sombras amostrar-nosasdimensões ixaseimutáveisdocéu.Oexperimentomostraomodocomopodemosestabeleceraformaapartirdocaos,ouatémesmodesombras,usandodispositivosdenossaprópriacriação.AbelezadoexperimentodeEratóstenesvemdesuaincrívelamplitude.

Algunsexperimentosdãoordemaocaospelaformacomoanalisam,isolame dissecam algo à nossa frente. Esse experimento dirige a nossa atençãopara a direção oposta, medindo a grandeza em pequenas coisas. Eleexpande a nossa percepção, oferecendo-nos novos modos de enfrentarumaperguntaaparentemente simples: “Oque sãoas sombras, e comoseformam?” Faz com que percebamos que a dimensãodessa sombraparticular e efêmera está conectada com o fato de a Terra ser redonda,com o tamanho e a distância do Sol, com as posições constantementemutáveisdessesdoiscorpos,ecomtodasasoutrassombrasnoplaneta.Avasta distância que o Sol está de nós, a progressão cíclica do tempo e aforma arredondada da Terra adquirem uma presença quase palpávelnesseexperimento.Ele,então,afetaaqualidadedaexperiênciaquetemosdomundo.Experimentosnasciências ísicastendemaservistoscomoimpessoais,

parecendominimizaraimportânciadahumanidadenoUniverso.Imagina-se que a ciência remova a humanidade de sua posição privilegiada – emuitoscompensamessaperda imagináriaaoseengajarempensamentosmágicos, fantasiandoqueo Sol, osplanetas e as estrelas têmuma ligaçãomísticacomseusdestinos.MasoexperimentoaparentementeabstratodeEratóstenes nos humaniza de um modo mais genuíno ao dar-nos umasensação mais realística de quem somos e de onde estamos. Enquanto

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quase tudo ao nosso redor celebra a grandeza, o imediatismo e adominação,esteexperimentocriaumavalorizaçãodopoderexplicativodopequeno,do temporaleda formapelaqual coisasde todasasdimensõesestãointimamenteconectadas.

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Interlúdio1

Porqueaciênciaébela?

Temosde chamaroexperimentodeEratóstenesdebelo?Mesmoqueelesatisfaçaostrêscritériosmencionadosnaintrodução–mesmoqueelenosmostre algo fundamental, de modo e iciente e de uma forma que nossatisfaça,edeixe-noscomperguntasnãosobreoexperimento,massobreomundo–,podemosnãoconcordaremchamá-lodebelo.Ouviprotestos,porexemplo, que dizem que falar da beleza dos experimentos é algoirrelevante,elitistaeenganador.Aqueles que dizem que a beleza de um experimento é irrelevante em

geral querem dizer que a beleza é o reino do subjetivo, da opinião e daemoção, enquanto a ciência é o reino do objetivo, do fato e do intelecto.Alguns declaram, por exemplo, que chamar experimentos de “belos”confunde o que as artes e as ciências humanas fazem (isto é, explorar eexpandiravidaeaculturadoshomens)comaquiloqueasciênciasfazem(isto é, descrever o mundo natural). Ou eles podem dizer que se estáincorrendo no erro que o ilósofo Benedetto Croce chamou de “errointelectualista”, a combinação ilegítima de arte e ideias. O pintor e críticoJohn Ruskin manifesta um respeito por essa divisão em seu próprioconceito de beleza: “A qualquer objeto material que nos dê prazer nasimples contemplação de suas qualidades externas, sem qualquer usodiretoede initivodointelecto,chamoemalgumaforma,ouemalgumgrau,belo.”1 Nós não gostamos de ter de pensar para apreciar a beleza. Porexperimentos cientí icos serem coisas do intelecto, diz essa objeção, eles

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nãopertencemàlistadascoisasbelas.Aqueles que a irmam que a beleza dos experimentos é elitista levam

essa objeção ainda mais longe. A beleza, assinalam, pode apenas serintuída e deveser captada diretamente – imagine tentar apreciar umapintura de Van Gogh ou um concerto de Mozart pela leitura de umadescriçãodessasobras.Abelezadeumexperimentocientí ico,portanto,éaparente apenas para cientistas. J. Robert Oppenheimer uma vez disseque, para alguém de fora, tentar entender o nascimento da mecânicaquântica – que ele chamou de “ummomento de terror e de exaltação” –seria como ouvir “relatos de soldados retornando de uma campanha deheroísmo e di iculdade sem par, ou de exploradores do altoHimalaia, ourelatosdedoençasgraves,oudacomunhãodeummísticocomseuDeus”,acrescentandoque“taishistóriasdizempoucodoqueseunarradortemadizer”. As belezas daquele mundo – e dizem que são muitas – sãoacessíveis apenas a seus habitantes. Uma grande parcela da mansão dabeleza, evidentemente,é fechadaparaquemnãoé cientista.Mas,paraassensibilidades democráticas modernas, isso é uma heresia e soa comoelitismo.Uma terceira e mais forte objeção é o argumento da sedução. Os

cientistas podem dizer que seu trabalho é encontrar teorias quefuncionem,eistoé,namelhordashipóteses,umadistração;e,napior,umperigo, se eles icarempreocupadosemcriarbelosobjetos.2Os cientistaspodemacorrentar seus intelectos e “amolecer” aodar atenção à beleza –apenasosesteticamentebrutosestãonaverdadeprontosparaotrabalhoimaginativo e repleto de insights da ciência. Os não cientistas, por outrolado, podem recear que falar da beleza na ciência seja não apenassuper icial e sentimental, mas encubra um plano de relações públicas. Éfácil concordar com eles. As imagens que acompanham a maioria dasconversassobreabelezanaciênciaquetenhovistoseoriginaramnãonolaboratório,masemdepartamentosderelaçõespúblicas.Emumapalestraaqueassisti,oúltimoslidefoiafamosafotodaTerraseelevandoacimadasuper íciedaLua.Essafotoérealmentebela.Mas,emboratenhaservidoàmáquina publicitária da Nasa por décadas, nunca foi usada pelos

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astrônomoscomoinformaçãoparapesquisa.Essas três objeções se baseiam em noções errôneas de beleza. A

primeiraconfundebelezacomornamento.Estetizaraciência–olharparasua aparência externa – é omodomais rápido de perder sua beleza devista. A beleza de um experimento está emcomo seu resultado éapresentado. Como veremos, a beleza do experimentumcrucis de Newtonnadatemavercomascoresproduzidasporseusprismas(defato,eletevedeolharatravésdascoresparacriaroexperimento):elaestáemcomooexperimentonosrevelaoqueacontececomaluz.Abelezadoexperimentoque Cavendish concebeu para pesar o mundo nada tinha a ver com aaparênciaexternadoseuinstrumentomonstruoso,esimcomsuaausteraprecisão. E a beleza do experimento de Young não repousa nos padrõesbanais de listras brancas e pretas, mas em como elas revelam algoessencialsobrealuz.Asegundaobjeção, comoaprimeira, falhaemapreciarquantoanossa

(educada) percepção está intimamente ligada a sentimentos e emoções.Assim como não entramos ingenuamente num laboratório, tampoucoentramos com ingenuidade em um museu de arte. Exercitamos umapercepçãoeducadaaoapreciarabelezadeumapintura,músicaoupoesia,etambémpodemosfalharemreconhecerabelezadecoisasquerequerempouco “uso do intelecto” para ser entendidas. (Por exemplo, um dospoemasdePabloNeruda,“Odeaminhasmeias”,descreveabelezadessaspeças do vestuário.) O esforço necessário para entender a beleza dosexperimentos – e apreciar a beleza dos dez experimentos contidos nestelivronãorequermuito–nãoéumobstáculo.Orealobstáculoéatendênciaa ver tudo ao nosso redor de modo instrumental, em termos de comoservem aos nossos propósitos. Nossa apreciação da beleza pode entãoestar simplesmente sonolenta, precisando se levantar. E, como escreveuWillaCarter,“abelezanãoétãocomumquepossamosnosdaraoluxodenosrecusararecuaralgunspassosparaobservá-la”.3A terceira objeção é a mais forte e mais profunda. É uma versão do

velhocon litoentrerazãoearte,jáantigonotempodePlatão–omedodequeossereshumanossejammais facilmentecomovidospelasaparências

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doqueconvencidospela lógica.ParaPlatão,naRepública,asartesservemà emoção, não à razão, “grati icando a parte tola da alma” e nosdescaminhando.4 Santo Agostinho foi outro que viu perigo na habilidadedos sentidos de superar a razão, e advertiu para os riscos existentes atémesmo na música religiosa, confessando que ele às vezes sentia “que ocanto em si émais emocionantedoque aspalavrasqueo acompanham”.Isso,elecontinua,“éumpecadograve,enessesmomentoseupreferianãoouvir o cantor”.5 Essa terceira objeção é como uma história de terror:cuidadocomopodersedutoremágicodasimagens; iquecomalógicaearazão. Dessa maneira, muitas iloso ias baseadas na razão divorciam, oumesmo opõem, verdade e beleza. “A questão da verdade”, escreveu ológico Gottlob Frege em um de seus trabalhos demaior in luência, “fariacom que abandonássemos o deleite estético por uma atitude deinvestigaçãocientífica.”6Arespostaaessaterceiraobjeçãonosconduzaocoraçãodaciênciaeda

arte. Requer que apelemos para tradições ilosó icas diferentes daquelasdominadas por modelos de lógica e matemática. Essas tradições apelamparaumavisãomaisfundamentaldaverdadecomoarevelaçãodealgo,enão como sua representação exata (como Heidegger insistentementeaponta,aletheia, a palavra grega para verdade, signi ica literalmente“desocultamento”). Tais tradições abrem o caminho para que se veja ainvestigaçãocientí icacomointegralmenteligadaàbeleza.Belezanãoéumpoder mágico além e separado da descoberta da verdade, mas aacompanha: um subproduto da ciência,por assim dizer. A beleza é otalismãparasealcançarumnovopatamarnarealidade,libertandonossosintelectos, aprofundando nosso relacionamento com a natureza. Dessaforma,belezanãodeveserconfundidacomelegância,quenãoatingeessenovopatamar.7 “Beleza”descreveumasintoniaouajusteentreumobjetoque revela um novo patamar e a nossa receptividade para o que érevelado.8OexperimentodeEratóstenesrealmentefazisso?É de fato possível ver esse experimento de forma abstrata, como uma

versãodoséculoIIIa.C.deumsistemadeposicionamentoglobal,comoum

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problema de quanti icação ou um exercício intelectual. Foi assim que amaioria de nossos colegas de sala o viu quando ele nos foi ensinado noginásio, e como nosso professor o apresentou. Mas, para vê-lo dessamaneira, temos de sufocar nossas imaginações – instigados por nossoprincipaldesejo,queéodeconseguirarespostacertacomaajudadeumainstrução cientí ica convencional, e por nossa familiaridade com fotos desatélite. Na maioria das vezes ignoramos as sombras, esses fenômenossecundários da luz, ou pensamos “Que legal!”, e vamos em frente.Mas oexperimento de Eratóstenes nos mostra que cada sombra da Terraensolarada é tecida com todas as outras numa totalidade que evoluicontinuamente.ContemplaroexperimentodeEratóstenesestimulaanossaimaginaçãoemvezdesufocá-la,tirando-nosdenossarotinaefazendo-nosparar e nos tornar mais conscientes de onde estamos no Universo. Esteexperimentoreacendenossodeslumbramentocomomundo.Se formos sérios com relação à beleza, então, sim, o experimento de

Eratóstenesébelo.Comooutrascoisasbelas,eleaomesmotempocolocaomundo a uma distância em que podemos apreciá-lo, e nos envolve nelemaisprofundamente.

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2

Deixeabolacair:AlendadaTorreInclinadadePisa

SuperfíciedaLua,2deagostode1971.

COMANDANTEDAVIDR.SCOTT:Vejam, naminhamão esquerda tenhoumapena, na direita, ummartelo. Acho que um dos motivos para estarmos aqui hoje é um senhor chamado Galileu, queviveu há muito tempo e fez uma descoberta importante sobre a queda de objetos em camposgravitacionais.Eentãopensamos:podehaverumlugarmelhorparaconfirmarasteoriasdelequeaLua?

A câmera focaliza as mãos de Scott, uma das quais segura uma pena, e a outra ummartelo, depoisretrocedeparaabrangerocenárioportrásdele,incluindooveículodetransportedaApolo-15,conhecidocomoFalcão.

SCOTT:Eentãopensamosemfazeraexperiênciaaqui,paravocês.Apenaé,apropriadamente,adeumfalcão.Voudeixá-lacairaomesmotempoqueomarteloe,assimespero,osdoisobjetostocarãoochãojuntos.

SCOTT:Quetalisto?OsenhorGalileuestavacerto!1

Deacordocomahistória,oexperimentonaTorreInclinadadePisaestabeleceudemodoconvincente,pelaprimeiravez,queobjetosdepesosdiferentescaemcomamesmavelocidade,desmentindoassimaautoridadedeAristóteles.Essahistóriaestáligadaaumúnicopersonagem(omatemático,físicoeastrônomoitalianoGalileuGalilei),aumúnicolugar(aTorreInclinadadePisa)eaumúnicoepisódio.Quantodeverdadeexistenessahistória,equemistériosexistememtornodela?

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TorreInclinadadePisa

Galileu(1564-1642)nasceuemPisa,emumafamíliadevotadaàmúsica.Seupai,Vincenzio,eraumconhecidomúsicoalaudista,comumapredileçãopor experimentos polêmicos, e realizou pesquisas sobre entonação,intervalos musicais e a inação, defendendo o privilégio do ouvido emoposição aos antigos sábios. O ilho de Vincenzio tinha a mesmadeterminaçãoqueopai.UmbiógrafodeGalileu,StillmanDrake,descreveuduas características de sua personalidade que foram essenciais para seusucesso cientí ico. A primeira era a “disposição belicosa”, que o levava a

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nãotemer,eatémesmoabuscar,asdisputaspara“derrubaratradiçãoereivindicarsuaposiçãonaciência”.Asegundaeraqueasuapersonalidadese equilibrava entre dois extremos de temperamento: por um lado,“deleitava-se comaobservaçãodas coisas, anotandoas semelhançase asrelações entre elas, concebendo generalizações sem icar excessivamenteperturbadocomexceçõesaparentesouanomalias”;poroutro,“a ligia-seepreocupava-se com qualquer desvio não explicável de uma regra, e atémesmopreferia nenhuma regra a umaquenão funcionasse sempre comprecisãomatemática”.Ambasastendênciassãovaliosasemciência,etodososcientistaspossuemumamisturadelas,emboraemgeralumadasduaspredomine. Mas o temperamento de Galileu – diz Drake – equilibravaperfeitamenteessesdoisextremos.2Tambémfoiessencialparao impactode Galileu no mundo a capacidade literária, graças à qual era capaz defalaratodosàsuavoltaepersuadi-los.GalileuentrouparaaUniversidadedePisaprovavelmentenooutonode

1580, com a intenção de estudar medicina, mas icou fascinado pelamatemática.Chegouàposiçãodeconferencistanauniversidadeem1589ecomeçoua investigaromovimentodos corposemqueda.PermaneceunaUniversidade de Pisa por três anos; se o experimento daTorre Inclinadadefatoaconteceu,devetersidonesseperíodo.Em1592Galileumudou-separa Pádua, cidade em que viveu por 18 anos e onde realizou a maiorpartede seu importante trabalhocientí ico, incluindoa construçãodeumtelescópio astronômico. Esse telescópio permitiu-lhe fazer importantesdescobertas; Galileu foi o primeiro a observar as luas de Júpiter, porexemplo. O instrumento também lhe proporcionou a primeiraoportunidade para estabelecer controvérsias, pois suas descobertasastronômicas contradiziamo sistemaptolomaico (segundooqual o Sol semove em torno da Terra), assim como a descrição de Aristóteles para omovimento,econ irmavamosistemacopernicano(segundooqualaTerrasemove em torno do Sol). Em Pádua, também, ele se tornou famoso porsuas demonstrações elaboradas das leis ísicas, dando suas aulas em umsalãoqueacolhia200pessoas.Em1610,mudou-separaFlorença,paraacorte do grão-duque da Toscana. Em 1616, Galileu foi advertido a não

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“esposarnemdefender”adoutrinadeCopérnico,mas16anosdepois,em1632,publicouum livrobrilhante,Diálogosobredoissistemasmáximos –optolomaicoeocopernicano–,oqual,emboraaprovadopeloscensores, foiconsiderado uma poderosa defesa do sistema de Copérnico. No anoseguinte,1633,GalileufoichamadoaRomapelaIgrejaCatólicaeforçadoadizer que “abjurava e renegava” suas “opiniões equivocadas”. Foisentenciadoàprisãodomiciliarepassouseusúltimosanosemumaaldeiachamada Arcetri, nos arredores de Florença. Pouco antes de morrer,Galileu contratou os serviços de um jovem e promissor matemático,Vincenzo Viviani, que se tornou discípulo e secretário iel do cientista jáquase cego, e que ouvia pacientemente suas recordações, ruminações ediscursos.DedicadoapreservaramemóriadeGalileu,Vivianiacabouporescreveraprimeirabiografiadomestre.Devemosmuitas lendas famosassobreGalileuàbiogra ia fervorosade

Viviani. Uma delas é a história do pêndulo de Abraão: como Galileu, em1581, quando ainda estudava medicina, usou sua própria pulsação paracronometraraoscilaçãodeumcandelabropenduradonotetodobatistériodoDuomodePisaedescobriusuaisocronia.Oshistoriadoressabemqueahistórianãotemumaprecisãoexata:ocandelabroqueestáalipenduradohoje foi instalado em 1587. Mas pode haver um traço de verdade nela,porque o candelabro anterior obedecia àsmesmas leis ísicas. A históriamais famosa de Viviani descreve como Galileu subiu ao alto da TorreInclinada de Pisa e, “diante de outros professores, ilósofos e de todos osestudantes”, e “por meio de experiências repetidas”, mostrou que “avelocidadedecorposemmovimento,damesmacomposiçãomasdepesosdiferentes,deslocando-senomesmomeio,nãoéproporcional a seupeso,comoAristótelesdecretara,mas,emvezdisso,éamesmavelocidade”.3Em seus próprios livros, Galileu fornece argumentos de vários tipos,

usandoa lógica, pormeiode experimentos, e analogiaspara explicarporque dois objetos de pesos desiguais cairão com a mesma velocidade novácuo. Semmencionar explicitamente aTorre Inclinada,Galileu relata ter“feito o teste” ao ar livre, com uma bala de canhão e uma de mosquete,veri icando que, como regra geral, elas chegam ao solo quase aomesmo

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tempo. Sua menção meticulosa desse pequeno desvio daquilo queconsiderava a generalização apropriada, bem como o fato de que Vivianinãomencionaoexperimento–alémdeorelatodeVivianiseraúnicafonteacitaroepisódiodaTorredePisa–,tornamuitoshistoriadoresdaciênciacéticosquantoàsuaveracidade.TenhaGalileu realizado ounão o experimento naTorre de Pisa,muito

maisestavaemjogoquandosedesvioudadoutrinaaristotélicaaoanalisarposteriormenteomovimento.AfilosofianaturaldeAristóteles–queincluíasua explicação domovimento, e o que chamamos de sua ísica – forneceum sistema coerente e bem articulado, com base na ideia de uma Terraestacionária e central, e de um reino celeste no qual os objetos secomportamdeummodomuitodiferentequenaTerra.Aopôremdúvidaedesa iarosistemaaristotélico,Galileupunhaemdúvidaedesa iavaessesdois aspectos – a concepção de Aristóteles de uma Terra estacionária,assimcomosuaexplicaçãodomovimentoterrestre.Uma característica central da visão aristotélica do Universo era que o

céu e a Terra eram reinos distintos, feitos de diferentes tipos desubstâncias e governados por leis distintas. Segundo Aristóteles, osmovimentosnocéueramordenados,precisos,regularesematemáticos,aopasso que os movimentos aqui embaixo eram desorganizados eirregulares,podendoserdescritosapenasqualitativamente.Alémdisso,osmovimentos dos corpos na Terra eram governados por sua tendência abuscar seu “lugar natural”; para os objetos sólidos, isso signi icava umlugar mais baixo, na direção do centro da Terra. Assim Aristótelesdistinguianoscorpospesadosum“movimentoviolento”,nãonaturaleparacima,eseu“movimentonatural”,parabaixo.Aristóteles havia observado o movimento dos corpos em queda e

percebido que suas velocidades pareciam variar em meios diferentes,dependendo de serem esses meios “mais ralos”, como o ar, ou “maisespessos”, como a água. Ele notou que os corpos alcançavam umadeterminada velocidade quando em queda, e que essa velocidade eraproporcional a seu peso. Essas ideias estão de acordo com a nossaexperiência cotidiana. Se jogarmos uma bola de golfe e uma bola de

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pingue-pongue de uma janela, a bola de golfe cairá mais depressa eatingirá o solo primeiro. Se jogarmos a bola de golfe numa piscina, elachegará ao fundomais devagar que no ar, e perderá para uma bola deferro. Da mesma forma, martelos caem mais depressa que penas.Aristóteles codi icou issonummodelo–oqueos ilósofosda ciênciamaistarde chamariamde “paradigma”–orientadopelos fenômenos cotidianosque ele procurava explicar. Por exemplo, um agente (como um cavalo)enfrenta obstáculos (atrito e outros tipos de resistência) aomanter umacarroça em movimento. Nessas situações familiares, o movimento quasesempre representa um equilíbrio entre força e resistência. Aristóteles,portanto, abordao casodos corposemqueda comoum tipoemqueumaforça (uma tendêncianatural, comoelediz, paramover-se emdireçãoaocentrodoUniverso)eraequilibradaporumaresistência(aespessuraouararefação – nós chamaríamos de “viscosidade” – domeio no qual eles semovem;eletambémconcluiuque,naausênciaderesistêncianosmeios,avelocidadedoscorposemquedaseriainfinita).Em termos modernos, a abordagem de Aristóteles peca por não

incorporar adequadamente a aceleração. Os estudiosos começaram asuspeitardealgoassimmuitoantesdeGalileu. JánocomeçodoséculoVIa.C. o sábio bizantino Filoponus escreveu sobre experimentos quecontradiziamAristóteles:“Porque,sedeixarmoscairdamesmaalturadoispesos,dosquaisumémuitasvezesmaispesadodoqueooutro,veremosquea razãoentreos temposnecessáriosparaomovimentonãodependedarazãoentreospesos,masqueadiferençadetempoémuitopequena.”Defato,Filoponusprossegue,seumcorpopesarsóduasvezesmaisqueooutro, “não haverá diferença, ou haverá apenas uma diferençaimperceptível,detempo”.4Em 1586, antes de Galileu ir para Pádua, seu contemporâneo, o

engenheiro lamengo Simon Stevin, escreveu sobre experimentos quemostravam que a descrição de Aristóteles estava errada. Stevin fez duasbolasde ferro caírem, sendoumadezvezesmaispesadaqueaoutra, deumaalturadenovemetros,sobreumatábua,paraque,aoaterrissar,elasproduzissemumsomaudível. “Veremosentão”,eleescreveu, “queamais

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leve não demorará dez vezesmais em seu trajeto do que amais pesada,mas que elas cairão nomesmo tempo no tablado, e tão simultaneamenteque seus dois sons parecerão um só, no mesmo tom.” 5 Em suma,Aristótelesestavaerradonesseponto.DuranteavidadeGalileu,váriossábiositalianosdoséculoXVItambém

escreveram sobre experimentos envolvendo a queda dos corpos quecontradiziam Aristóteles, entre eles um professor chamado GirolamoBorro, que foi professor em Pisa quando Galileu lá estudava. Borrodescreveu como havia repetidamente atirado (o verbo que ele usa éambíguo) objetos de pesos iguais, mas de tamanhos e densidadesdiferentes, e constatado, a cada uma das vezes, um resultado curioso: osobjetosdemaiordensidadecaíammaislentamentequeosoutros.6Comoacontececomo trabalhodeumgrandecientista cujos interesses

sãomuitoamplos,sabia-sequeapesquisadeAristóteleserapontuadadeerros e lacunas. Mas até Galileu aparecer, a maioria dos pensadoreseuropeus não encarava esses pequenos defeitos como importantes. AgrandeconquistadeGalileufoidemonstrarqueadescriçãodomovimentofeita por Aristóteles relacionava-se inextricavelmente à totalidade de ummodelocientí icoqueenvolviamuitomaisqueoscorposemqueda,equeumadescriçãodomovimentoqueexplicasseadequadamenteaquedadoscorpos devia incorporar o fenômeno da aceleração, o que exigia aconstruçãodeummodelototalmentenovo.Aristótelessabiaqueoscorposganhavam velocidade (aceleravam-se) quando caíam, mas pensava queisso não era essencial na queda livre, constituindo apenas um aspectoacidental e sem importânciadomovimento,queocorria entreomomentoem que um corpo se soltava e o momento emque ele adquiria suavelocidadeuniformenatural.Galileu,deinício,compartilhavaessaopinião.Contudo, acabou percebendo não só a importância da aceleração, comotambémqueelanãopodiasersimplesmente“acrescentada”aosistemadeAristóteles. Se Aristóteles estava errado a respeito da queda dos corpos,seutrabalhonãopodiaserremendado,masprecisavasercompletamenterecriado.Entretanto, Galileu não percebeu isso imediatamente, e partiu da

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suposiçãoentãoconsideradanormaldequeAristótelesestavacerto.Enãohouve uma prova única e decisiva que o fez mudar de opinião. Aocontrário,elechegouàsua trajetóriarevolucionáriapormeiodasomadesuaspesquisas – aspesquisas astronômicas, bemcomoasmais terrenas,quediziamrespeitoapêndulosecorposemqueda.Em sua primeira discussão sobre o comportamento dos corpos em

queda,ummanuscritonãopublicadointituladoSobreomovimento (escritoenquantoestavanaUniversidadedePisa),GalileuadotavaaconcepçãodeAristótelesdequeoscorposcaemcomumavelocidadeuniformedeacordocomsuasdensidades–umadas“regrasgeraisquegovernamarazãodasvelocidades domovimento [natural] dos corpos”, nas suas palavras. Umabolafeitadeourodeveriacairtrêsvezesmaisdepressaqueumadepratadeigualtamanho,porqueaprimeiratemquaseduasvezesadensidadedasegunda. Galileu, evidentemente, resolveu veri icar se isso realmenteacontecia – mas, para sua surpresa e desapontamento, icou frustradoporque o experimento não funcionou: “Se pegarmos dois corposdiferentes”,elerelata,“cujaspropriedadessejamtaisqueoprimeirodevacair duas vezesmais depressa que o segundo, e se os deixarmos cair deuma torre, o primeiro não atingirá o solo visivelmentemais depressa, ouduas vezes mais depressa.” 7 Diante disso, os historiadores da ciênciaconcluíram que Galileu, bem cedo em sua carreira, empenhava-se emtestar a teoria por meio da observação. Mas no mesmo livro Galileutambémfaziaaestranhaasserçãodequeocorpomaislevedeiníciomove-se com vantagem sobre o corpo mais pesado, embora este acabealcançando-o.IssolevoualgunscríticosaduvidardasinceridadedeGalileuoudesuahabilidadecomoexperimentador.Poucosanosdepois,Galileumudoudeopiniãoa respeitodaquedados

corpos e abandonou completamente omodelo aristotélico. O processo deinvestigação que o levou a essa postura foi complexo e envolveu muitasformasdecomprovaçãoe re lexão,nãoapenasosmovimentos terrestres.Grandepartedissofoireconstruídapelosestudiososdesuaobrapormeiode uma trabalhosa análise, página por página, de seus cadernos deanotações. Em seus livros,Diálogo sobre os sistemas máximos (1632) e

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Discursos e demonstrações matemáticas sobre duas novas ciências (1638),Galileu apresenta umasérie de explicações sobre o comportamento doscorpos em queda. Estranhamente, para nossos olhos, cada uma consisteem uma conversa que se estende por vários dias entre três homens:Salviati, um substituto de Galileu; Simplício, que expressa a posiçãoaristotélicaeprovavelmenteaposiçãoanteriordeGalileu(e,comoonomeindica, alguémumpouco simplório); e Sagredo, umhomemculto, debomsenso. Esse formato literário garante a Galileu muita liberdade paradiscutir política e teologicamentequestõesdelicadas, sobretudoo sistemacopernicano, sem parecer comprometer-se. Se Salviati apresentava umaargumentação “irreverente”,Galileupodiaobjetarqueeleeraapenasumpersonagem ictício,cujasopiniõesnãoeramnecessariamenteendossadaspelo autor. O formato também lhe permitia explorar diferentesmaneirasde expor suas próprias argumentações. As justi icativas de Salviati nãoenglobavam necessariamente as re lexões de Galileu, mas recapitulavamsuasconclusões.Em ambos os livros, Salviati e Sagredo discutem vários experimentos

que dizem ter realizado com corpos de diferentes pesos e composições.Durante a discussão do primeiro dia emDiscursos e demonstraçõesmatemáticassobreduasnovasciências ,Salviatirefutaaaparentea irmaçãodeAristóteles de que testou que os objetos pesados caemmais depressaqueosleves.Sagredodizentão:

Maseu,…que izoteste,garanto-lhequeumabaladecanhãoquepesa45kg(ou90kg,ouatémais)nãoantecipaachegadaaosolo,nemporumsegundo,deumabalademosquetequenãotemmaisde15g,vindoambasdeumaalturade20braccia[umbracciotemcercade0,6m]…amaiorantecipaamenorpor5cm;ouseja,quandoamaioratingeosolo,aoutraestá5cmatrásdela.

Salviati acrescenta: “Parece-me que podemos acreditar, com grandeprobabilidade de acerto, que no vácuo todas as velocidades sãoabsolutamenteiguais.”Maisadiante,noquartodia,eleobserva:

Aexperiêncianosmostraqueduasbolasdeigualtamanho,umadasquaispesa10ou12vezesmaisqueaoutra(porexemplo,umadechumboeoutrademadeira),ambasdescendodeumaalturade150ou200braccia, chegamao chão comumadiferençamínimade velocidade. Isso

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nosasseguraque[opapeldo]aremdificultarouretardarasduasépequeno.8

Salviati pode ser ictício, mas faz claramente um relato do própriotrabalho de Galileu. Ele a irma ter realizado um experimento que,conformeamaioriadoshistoriadoresacredita,mostraqueGalileude fatoexperimentouobjetos de diferentes pesos para investigar e desa iar adescriçãodomovimentodeAristóteles.Pareceque fezessasexperiênciasdoaltode torres– talvezmesmodaTorre Inclinada–eparadesconfortode seus colegas aristotélicos, que reconheciampor outras argumentaçõesde Galileu que ali havia motivos de inquietação não só para a teoria deAristótelessobreomovimento terrestre,maspara todoorestantedeseusistema também. É verdade que alguns de seus predecessores tambémhaviam demonstrado falhas na argumentação de Aristóteles sobre omovimento, mas Galileu fez muito mais que eles, ao mostrar como essaparte do sistema aristotélico era crucial, desenvolver uma explicaçãoalternativa para o movimento e ilustrar sua importância. Tenha ou nãolançado bolas do alto da Torre Inclinada, Galileu foi a principal igura nodesenvolvimento de uma alternativa para a teoria aristotélica da quedadoscorpos.Viviani ilustrou bem o seu mestre. “Se non è vero” como dizem os

italianos, “èbenetrovato” (“Senãoé verdade, poderiamuitobemser”), eestamos justi icados em atribuir a Galileu o experimento da TorreInclinada.Mas como e por que esse experimento se tornou tão intimamente

entranhadonofolclorecomoumimportantemomentonatransiçãoparaaciênciamoderna?Uma das razões está na força da descrição feita por Viviani, a qual,

embora breve, representa uma cena cativante. Embora Viviani em geralsejacuidadosoepreciso,ele tambémescreviaparaumpúblicoespecial–acadêmicos literatos, iguras do clero e da política, e outros personagensproeminentes não cientistas –, que não se importava tanto com detalhesmatemáticosetécnicos,masquedariaatençãoaumahistóriaemocionante.“É possível queViviani”, escreveu o historiador da ciênciaMichael Segre,“nunca tenha imaginado que alguns de seus leitores, no futuro, seriam

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incréduloshistoriadoresdaciência.”9Uma segunda razão é a tendência da literatura popular, oumesmoda

literatura histórica, de tomar um único episódio para resumir eexempli icarumasérie complexadeacontecimentos importantes.Nocasoda mudança do modelo aristotélico para o moderno, a Torre Inclinadacumpreessafunçãoadmiravelmente,emboratenhaoefeitodesastrosodeobliterar o contexto e dar a entender que o experimento foi a origemdacompreensãodeGalileusobreomovimento,equeasconsideraçõessobreomovimentoforamoprincipalmotivodochoqueentreosdoismodelos.Uma razão está no nosso amor pelas histórias de Davi e Golias (pelo

menos aquelas em que Davi é um dos nossos), nas quais algumaautoridadereinante icaexpostacomoilegítima,éhumilhadaebanidapormeiodeumardil esperto. Tais histórias parecemexaltar a nossaprópriasabedoria.

Osexperimentos,comooutrostiposdeperformances,têmumacriação,ouhistória de nascimento, que culmina na primeira performance, e umahistória de maturação que começa apenas nessa ocasião e cobre tudo oqueacontecedepois–umabiogra ia,porassimdizer.Comoamediçãodacircunferência da Terra por Eratóstenes, a experimentação feita porGalileusobreomovimentodoscorposemquedalivreeraaomesmotempoalgoqueelefeznumadeterminadaocasiãoenumdeterminadolugar,eumexemplo para algo que poderia ser refeito de diferentes maneiras comdiversos objetos, tecnologias e graus de precisão. Ao longo do tempo, oexperimento de Galileu com corpos em queda criou um gênero deexperiênciasedemonstrações–descendentesdiretasdaTorreInclinada.Porexemplo, a invenção, cercade12anosapósamortedeGalileu,da

bombadear–queremoveoardeumacâmaratornandopossívelcriarumvácuo(imperfeito)–,permitiuaoscientistas,entreosquaisoinglêsRobertBoyle e o holandêsWillem Gravesande, testar a a irmação de Galileu dequecorposdepesosdesiguaiscaemsimultaneamentenovácuo.Demonstrações da queda dos corpos no vácuomenos exatas do ponto

devistacientí icocontinuarampopularesmesmonoséculoXVIII,quandoa

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nova ísica pioneira de Galileu já havia substituído a de Aristóteles. O reiGeorgeIIIdaInglaterra,porexemplo,insistiuparaqueseusfabricantesdeinstrumentosencenassemumademonstraçãocomumapenaeumamoedadeumguinéujuntas,dentrodeumtuboavácuo.Umobservadorescreveu:

O sr. Miller … costumava dizer que desejava explicar o experimento da bomba de ar com oguinéueapenaparaGeorgeIII.Aoapresentaroexperimento,ojovemópticoforneceuapena,orei deu a moeda e, ao concluí-la, o monarca cumprimentou o jovem por sua perícia comoexperimentador,masfrugalmentedevolveuamoedaaoseuprópriobolso.10

Aindano séculoXX, alguns cientistas continuarama fazerexperiênciascom corpos em queda livre, medindo o tempo exato da queda a im detestar equações para aceleração de corpos em ummeio resistente. Umadessasexperiênciasfoirealizadaemtemposrecentes,nadécadade1960,na torremeteorológica do LaboratórioNacional deBrookhaven, emLongIsland, Estados Unidos, pelo ísico teórico Gerald Feinberg. “A principalrazãopara levantar essaquestão, há tanto tempoestabelecida”, escreveuFeinberg,“équeosresultadosdateoriasãobemcontráriosàintuição,pelomenosà intuiçãodequemsecriousoba leideGalileu.”Equaçõesemusohá centenasde anos aindaprecisavamde correções.11 O experimentodaTorreInclinada,evidentemente,aindapodenossurpreender.

O experimento da Torre Inclinada trata de uma coisa fundamental: comose comportam os objetos – desde balas de canhão até penas – sob ainfluênciadeumaforçaqueafetaatodosnós.Seuprojetoésimplescomoarespiração,semfatoresmisteriosos–nãoseprecisatersequerumrelógio.E é de initivo, deixando-nos um tipo especial de prazer que poderíamoschamarde“surpresaesperada”.Aomesmotempoquecompreendemosaverdade do modelo galileano, o modelo aristotélico é aquele em quevivemos. Se vivêssemos na Lua, onde não há a resistência do ar, ocomportamento dos corpos em queda no vácuo nos seria familiar, e oexperimento não exerceria esse poder de descoberta. Porém, a nossaexperiência cotidiananos leva a esperar queos corpos se comportemdamaneiraaristotélica,enos recompensaquando fazemosnossosplanosdeacordo com ela. Quando apanhamos objetos pesados, eles puxam nossas

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mãosmaisdoqueosleves,fazendo-nossentirquecairiammaisdepressa,como se desejassem retornar para o lugar a que pertencem. Por essarazão, ainda podemos nos deslumbrar com a visão da violação daquelateoria, uma experiência que reforça aquilo que já sabemosintelectualmente. O prazer envolvido faz lembrar o jogo fort-da descritopor Freud, no qual a criança faz um pequeno objeto desaparecer e emseguidao fazretornaraoalcancedavistanovamente:algo,noretornodoobjeto,produzain initaalegriadacriança,emboraela“soubesse”queeleestavaaliotempotodo.Atérecentemente,algunsmistérioscercavamoexperimentodeGalileu

comcorposemqueda.Umdelesdizrespeitoàsuaobservação,emSobreomovimento, de que um corpo menos denso, quando atirado primeiro,move-sena frentedeumcorpomaisdenso,queacabaporalcançá-lo.Nadécada de 1980, o historiador da ciência Thomas Settle reproduziu oexperimentodeGalileucomaajudadeumpsicólogoexperimentale,paraseuespanto,observouamesmacoisa.PesquisasposterioresconvenceramSettledequeoobjetomaispesado fazamãoqueosegurasentir-semaiscansada, o que leva o experimentador a soltá-lo mais devagar, mesmoquandopensaqueestásoltandoosobjetossimultaneamente.12Outromistériorecentementeesclarecidoenvolveavalidadedorelatode

Viviani, e por que, se o experimento de fato ocorreu na Torre Inclinada,Galileununcamencionouissoemsuasprópriasobras.Nadécadade1970,Stillman Drake, especialista em Galileu, examinou cuidadosamente acorrespondência do ísico dos anos 1641-42. Galileu, cego e sob prisãodomiciliar, fazia Viviani ler sua correspondência e escrever as respostas.No início de 1641, Galileu recebeu várias cartas de seu velho amigo ecolaborador Vincenzio Renieri, que acabava de se tornar professor dematemáticanaUniversidadedePisa, ocupando a cátedra quepertenceraao próprio Galileu. Emuma das cartas, Renieri referiu-se à realização deumexperimentonoqual faziaduasbolascaírem,umademadeiraeoutradechumbo,“doaltodocampanáriodacatedral”– istoé,da famosaTorredePisa.NãohárespostadeGalileu,masacartaseguintedeRenierideixaclaroqueGalileuindicouaeleosseusprópriosexperimentoscomaqueda

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dos corpos emDiscursos e demonstrações matemáticas sobre duas novasciências, e pediu a Renieri que repetisse o experimento com corpos depesos diferentes, mas do mesmo material, para veri icar se o tipo dematerialafetariaosresultados(nãoafetou).AcartadeRenieri,alémdisso,parece ter estimulado a memória de Galileu a respeito de seu próprioexperimentoemPisa,queenvolviaaquedadecorposdomesmomaterialeque ele descrevera para Renieri ou, pelo menos, para Viviani. Isso, seaconteceu,explicariaporqueVivianiestavatãoapardeumahistóriaqueGalileu hámuito esquecera, e por que Viviani, em seu relato, deixa bemclaro que Galileu usou bolas dematerial idêntico. As histórias de Vivianicontêm imprecisões,de fato,porém,emgeral, trata-sedeerrosdemenorimportância:de cronologia, ênfaseoucondensação.Eporquedeveria terGalileu mencionado a Torre Inclinada em seus escritos? Ele mencionou“lugares altos”, e o fato de que umdesses lugares tenha sido a Torre dePisa é apenas um aspecto acidental do experimento, sem qualquerin luênciasobreavalidadedosresultados.Depoisdemuitopensar,Drakeconcluiuque,emsuacartaaRenieri,GalileuprovavelmentedescreveuumexperimentosobreaquedadoscorposrealizadoporelenaTorredePisa–queteriasidoafontedahistóriadeViviani.13O conhecido historiador da ciência I. Bernard Cohen cansou-se de

responder “Não sei” a perguntas como “Alguém já lançou duas bolas depesos diferentes da Torre de Pisa?”, ou “O que aconteceria se alguémizesseisso?”.EmumareuniãodoCongressoInternacionaldeHistóriadasCiências,em1956,realizadoemváriascidadesdaItália,incluindoPisa,elefez uma visita à Torre de Pisa, pediu a alguns colegas e alunos degraduação para afastar quem passava por um local na base e subiu osdegrausdemármoregastoseescorregadios.Aochegaraotopo,estendeuos braços, com alguma di iculdade, sobre a borda do canto sul, e deixoucairduasbolasdepesosdiferentes.Elastocaramochãoquaseaomesmotempo, diante de espectadores surpresos, certamente não por estaremvendo algo inesperado, mas pelo menos em parte porque sabiam queestavam vendo algo de signi icado histórico: o famoso experimento daTorreInclinadadeGalileu,quemsabeencenadodefatopelaprimeiravez.

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Interlúdio2

Experimentosedemonstrações

MichellerecriaoexperimentodeGalileunaTorredePisa

EsseéotítulodeumaesculturaemtamanhonaturalquepodeservistanoMuseu de Ciência de Boston. Michelle é uma afro-americana pré-adolescente vestida emummacacão. Ela empilhouduas gavetas em cimadesuaescrivaninha,escalouatéotopo,eagoraseguraumabolavermelhadesoftball namãoesquerdaeumabola amareladegolfenadireita.Estápreparadaparadeixá-las cair nomomento emque suamãe entra e olhacom desaprovação. A mãe de Michelle está pensando, de acordo com ocartazpenduradosobreasuacabeça,“Oqueéisto?”.Michelle,porsuavez,pensa:“Qualdelasseráquevaibaternochãoprimeiro?”Umalegendadiz:

Comosemovemos corposemqueda?Seráqueaboladesoftball vai chegaraochãoantesdaboladegolfe?Michelle, comoGalileu400anosantesdela, querver comseusprópriosolhos…“Eumesma vou descobrir.” É isso que você diz quando não quer apenas acreditar no que osoutrosdizem.

Essa escultura mostra a simplicidade do experimento de Galileu naTorreInclinadadePisa,expressacomoelasetornoulegendária,exibeumpouco das simpli icações da lenda e ilustra parte das diferenças entreexperimentosedemonstrações.Michelleestá fazendoumexperimento,oqueéo tipodeprocedimento

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que revela algo pela primeira vez. Encenamos procedimentos quando setornaimportanteparanósesclareceralgumaquestão,seelanãopodeserexplicadacomnovasleiturassobreoassunto,e,assim,paraprosseguiremnossa pesquisa, temos de planejar, executar, observar e interpretar umaação.Numexperimento,nãosabemoscomoascoisasvãosecomportarnoinal.Essa incertezanos fazobservaroprocedimento commuito cuidado.Quando o experimentomostra como elas se comportam, não é a mesmacoisa que aprender a resposta para uma questão de múltipla escolha,porque nós passamos por uma transformação, mesmo quando icamosincertos quanto ao nosso próximo passo. Esta é uma das diferenças queHardy assinalou entre o xadrez e amatemática: jogar um jogode xadreznão muda as regras, mas uma comprovação matemática – ou umexperimento cientí ico – muda a ciência, porque, com ela, alguma coisanovaé inserida.Exatamenteporque issoaconteceéqueanossapesquisanãotermina,massemodificaeaprofunda.Poracaso,Michelleseinteressoupelaquedadoscorpos.Oporquê,não

sabemoseédifícilimaginar;provavelmentealgumacoisaqueelaleusobreGalileua intrigou.Ela levaascoisasasérioobastanteparaexecutarumapequenaação, envolvendo ingredientesbemconhecidos, a serviçode suapesquisa.Tambémpressentimosque,sejaoqueforqueeladescobrir,nãoseráofimdapesquisa,equeelateráoutrasindagações.Um experimento recapitulado se torna uma demonstração. Enquanto

um experimento é um procedimento no qual autores e público são asmesmas pessoas – ele se destina a desvendar algo para aqueles que oempreendem e para a sua comunidade –, uma demonstração é umaperformance-padrão cujos autores e público sãodiferentes. SeGalileudefatodeixoucairbolasdediferentespesosdoaltodaTorredePisa,issofoiumademonstração–seupropósitoseriamenosoderevelarcoisasparasipróprio, e sim o de convencer os outros. Um experimento que hojeconstituiummarcoamanhãseráumademonstração.Umademonstraçãoéuma recapitulação com um propósito, e, dependendo desse propósito(estimular uma turma de alunos, convencer colegas, impressionarrepórteres), a demonstração será encenada diferentemente. A fronteira

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entre experimentos e demonstrações nem sempre é nítida, porque, aopreparar e calibrar um novo experimento, com frequência já se temconhecimento do que será revelado antes que o experimento comece“o icialmente” – e o experimentador inteligente capitaliza esseconhecimento para aprimorar a experimentação. Por sua vez, asdemonstrações nem sempre se desenrolam como foram planejadas: porexemplo, quando sofrem a interferência de forças terrestres, bemconhecidas,oudealgonovoe imprevisto,queoexperimentadornãosabeoqueé.Quandovamosaummuseu cientí ico, encontramosdemonstrações.No

Museu de Ciência de Boston, a demonstração da queda dos corpos, a“DROPSTOP”, temdoiscilindrosdeplexiglasumao ladodooutro.Dentrodos cilindros há duas garras mecânicas que podem segurar objetos depesosdiferentesqueestãoinseridosnofundodoscilindroselevá-losatéaparte de cima, para então soltá-los ao mesmo tempo. Os trajetos dessesobjetossãoacompanhadoseletronicamentedoprincípioaofim.Ascriançascostumam catar no chão do museu objetos para serem inseridos noscilindros, o que encanta os curadores da exposição, mas incomoda opessoal da limpeza.OmuseuExploratorium,de SãoFrancisco, exibeumademonstração diferente, que consiste em um cilindro independente deplexiglasde1,20mmontadosobreumeixo,quepodesergiradopara icardecabeçaparabaixo.Doisobjetossãoinseridosnocilindro–umapenaeum brinquedo qualquer, como uma galinha de borracha –, e em seguidaeleéligadoaumacâmeradevácuoqueovisitantedomuseupodeligaredesligar.Osdoisobjetossãorecolhidosporumapequenagavetaquandoocilindroégirado,ecaemdelaquandoocilindro ica totalmentedecabeçapara baixo. Ao deixarmos o ar entrar no cilindro, a pena se atrasa naqueda e leva vários segundos lutuando até embaixo; mas quandoretiramos o ar, os dois objetos caem quase ao mesmo tempo. Ademonstração é tão popular que o visitante invariavelmente tem de seacotovelar no meio de uma multidão de crianças para brincar com ocilindro.As demonstrações tendem a camu lar a di iculdade inerente à

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concepção,àrealizaçãoeàcompreensãodosexperimentos,criandoentreopúblicoeofenômenoumadistâncianãopresentenosexperimentos.Elastambém podem simpli icar demais o processo experimental por meio dousodeequipamentosmodernos,construídoscomaresposta “correta”emvista, mesmo quando equipados com resultados imperfeitos parapromoveraverossimilhança.Demonstrações,instruções,relatóriosemlivrosesimulaçõespodematé

fornecer uma noção errônea da ciência ao encorajar a ideia de que umexperimentocientíficoéapenasumailustraçãodeumaliçãojáformulada–oqueoreduzaumaobra-primade“crucipixel”,“pintecomosnúmeros”–,emvezdeoapresentarcomoumprocesso.Poressarazão,elespodematémesmo amesquinhar a beleza da ciência. Embora um experimentocientí icopossaapontarumfatosimples,escreveuohistoriadordaciênciaFrederic Holmes, ele foi extraído de uma “matriz de complexidade” einevitavelmente introduz novas dimensões de complexidade.1 Issoaconteceu também com o experimento da Torre de Pisa: os cientistasdemoraram muito tempo para avaliar a importância dos experimentossobreoscorposemqueda,e,emvezdetornaraciênciamaissimples,elesacomplicarammais.A queda lunar da pena daApolo-15 foi, é claro, uma demonstração.

Como experimento, teria sido indesculpavelmente desleixado (exceto nostiposdeexploraçãomais rudimentares).Ninguémmediuaalturadaqualos objetos foram lançados. Ninguém se preocupou em veri icar se osbraçosdeScottestavamparalelosaochão.Nadafoifeitoparagarantirqueele deixasse os objetos caírem simultaneamente. Nenhuma medição dotempo da queda foi feita. Como insinuou o comandante Scott (“Acho queumdosmotivosdeestarmosaquihojefoiumsenhorchamadoGalileu…”),os cientistas já conheciama forçada gravidade lunar eo comportamentode objetos sob efeito da aceleração. Se tivessem a mínima dúvida sobreuma dessas coisas, teria sido insensato, antes de tudo, enviar umaaeronavetripuladaàLua.Mesmo comodemonstração, a queda lunar da pena naApolo-15 quase

foiumdesastre.Numensaio,momentosantesdeaparecerna televisão,o

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comandanteScottdescobriu,paraseuhorror,queaenergiaestáticafaziaapena aderir à sua luva –mas a demonstração funcionoumilagrosamentequando a câmera a focalizou. Por sorte, graças à locação exótica, àcobertura pela TV e ao videoclipe que a Nasa colocou em sua página naInternet,oexperimentodaApolo-15acabousendo,ecertamenteaindaé,ademonstraçãocientíficamaisvistanahistória.

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3

OexperimentoalfaGalileueoplanoinclinado

Os professores de ciência o chamam de experimento “alfa” – ou primal.Com frequência, é o primeiro experimento que os alunos aprendem nasaulas de ísica. Sobmuitos aspectos, foi o primeiro experimento cientí icomoderno, no qual um pesquisador planejou sistematicamente, encenou eobservouumasériedeaçõesafimdedescobrirumaleimatemática.Esse experimento – que Galileu realizou com sucesso em 1604 –

introduziuoconceitodeaceleração:a taxademudançadevelocidadeemrelação ao tempo. Se o experimento da Torre de Pisa foi umademonstração que emergiu dos estudos de Galileu sobre a queda livre,indicandoquecorposdepesosdiferentescaemjuntosquandoencontramuma resistência desprezível, o experimento do plano inclinado foi umademonstração que emergiu dos estudos de Galileu sobre a queda livrepara ilustrar a lei matemática nele envolvida. Algum mistério tambémcercouesseexperimento,jáqueasafirmaçõesqueGalileuproferiusobreoexperimentoparecemprecisasdemais,diantedoequipamentoquetinhaàsuadisposição.Mas,assimcomonocasodoexperimentodaTorredePisa,pesquisas históricas recentes revelaram surpresas que modi icaram aimagemquetínhamosdeGalileucomoexperimentador.

Oqueacontecequandoumobjetoésoltoparacairlivremente?Eleadquirevelocidadedeummodogradual?Pulaimediatamenteparaumavelocidade“natural” uniforme? Ou faz alguma transição para uma velocidadeuniforme?Seessasquestõesnosinteressam,poderíamospensaremolhareveroqueacontecequando,por exemplo,deixamos cairumamoedaou

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umabola de nossasmãos.Mas esses corpos caemdepressa demais paraque possamos acompanhar sua queda. Como conseguir coisas que nosdeixemverissocommaiorprecisão?

Planoinclinadocomsinos,usadonofinaldoséculoXVIIIparademonstração

emaula,hojenoMuseudeHistóriadaCiênciadeFlorença,naItália.Opêndulo

naextremidademaiorfoiconcebidoparaacionarumsininhoaotérminode

cadadeslocamento,marcandointervalosdetempoiguais;umconjuntode

sinosmóveispodiaserarrumadoaolongodoplano,demodoqueumabola

rolandotambémprovocavaumsinalaopassarporeles.Odemonstradorpodia,

poracertoeerro,disporossinosmóveisdemaneiraqueumaboladescendo

peloplanoostocasse,emsincroniacomossonsproduzidospelopêndulo.

Medindoadistânciadesdeocomeçodaquedaeentreasposiçõesdossinos

aolongodoplano,odemonstrador(eopúblico)descobriaqueasdistânciasdo

percursoemintervalossucessivoseiguaisdetempoprogrediamdeacordocom

asequênciadenúmerosímparesapartirde1,ouseja,queasdistânciaseram

proporcionaisaosquadradosdostempostotais.Emboraissoilustrealeide

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Galileu,nãoháprovadequeeletenhaconstruídoessaversão

doexperimentodoplanoinclinado.

Aristóteles,comoobservamosnocapítuloprecedente,examinoucorposemmovimentoeconcluiu,evidentementepelomodocomoosobjetoscaemnaágua,queavelocidadedeumcorpoquecaiéuniforme,proporcionalaseupeso,eseriainfinitanaausênciadeummeioqueofereçaresistência.Galileu, entretanto, acabou se convencendo de que o estudo do

movimento dos corpos em líquidos obscurecia mais do que esclarecia aquestão.ComoAristóteles,eleachoudi ícilmedirdiretamenteotrajetodoscorpos em queda, porque o olho não é rápido o bastante para isso, e osrelógios então existentes não eram su icientemente acurados quando osintervalosde tempoeramcurtos.Emvezderetardaraquedadoscorpostornando mais espesso o meio que eles atravessavam, Galileu procuroudiluir, de certa forma, a in luência da gravidade sobre o movimento dasbolas, fazendo-as rolar sobre planos inclinados. Seu raciocínio foi que,assim,criariaumaaproximaçãodaquedalivredoscorpos.Seainclinaçãodo plano fosse pequena, a bola desceria lentamente; rolando por umainclinaçãomaispronunciada,aboladeslizariamaisdepressa.Quantomaisacentuada fosse a inclinação, mais o trajeto da bola se aproximaria daqueda livre.Medindoa taxa comaqualosobjetos rolavamporumplanoinclinado,ecomoessataxamudavaàmedidaqueainclinaçãoaumentava,Galileuesperavaresolverocasodoscorposemquedalivre(FIGURA3.1).

Figura3.1.Quantomaiorforainclinaçãodoplano,maisomovimentodeumabolase

aproximarádaquedalivre.

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Porvoltade1602,Galileuhaviaconstruídoplanos inclinadosnosquaisfez sulcos e tentoumedir a rapidez comqueasbolas rolavamneles.Masnão conseguiu obter resultados aproveitáveis. Tentou experimentar compêndulos,eaprendeumuitocomeles,porqueomovimentonoarcodeumcírculo vertical tem relação com o movimento sobre um plano inclinado.Mas foi incapazde chegar aos resultadosquedesejava. Começou então aobservar opapel da aceleração –queumcorpo começa a cair devagar evaiganhandovelocidade–,e icoucadavezmaisdeterminadoaencontrarumadescriçãomatemáticaparaela.OscadernosdeanotaçõeseacorrespondênciadeGalileumostramque,

porvoltade1604,eletinha inalmentedescobertoaleidaaceleraçãoquebuscava, como resultado de sua investigação do movimento em planosinclinados.Adistânciapercorridaporumobjetodependedoquadradodotempoemqueeleseacelera.Seotempoaumentaemunidadesregulares(1, 2, 3…), a distância percorrida pelo objeto entre cada batida sucessivaaumentadeacordocomaprogressãodosnúmerosímpares(1,3,5…).Issohoje é conhecido como a lei de Galileu,S T2, a distância que um corpouniformementeaceleradopercorredeseupontodepartidaéproporcionalao quadrado do intervalo de tempo decorrido desde omomento em queeleésolto(aequaçãomodernaéd=½at2,ouseja,adistânciapercorridapor um objeto é igual à metade da aceleração multiplicada pelo tempodecorrido ao quadrado). Galileu também descobriu que amesma lei queexplicava a aceleraçãodos corposdeslizandoporumplano inclinadonãose aplicava apenas aos corpos em queda livre, mas também a qualquercorposobefeitodaaceleração–sejamovendo-separacimaouparabaixo.(Galileu não percebeu que o movimento de uma bola rolando éligeiramente diferente do de um corpo que desliza. Embora ambos seacelerem uniformemente, de acordo com a sua lei, a constante deaceleraçãoédiferente,eelesseaceleramcomumataxadiferente,porqueuma parte da energia do corpo rolando vai para a quantidade demovimentoangular.)Foi uma descoberta importantíssima. Em primeiro lugar, o que Galileu

fezenvolviaumamudançanaquiloqueoscientistasbuscavamaoestudar

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o movimento. Até então, media-se a velocidade em termos de espaço –quantodeterrenoeracoberto.Galileufoioprimeiroacompreenderqueotempo, e não o espaço, era a variável independente que devia serprocurada.Estamostãohabituadosafazerissoquepareceomodonatural,mas não é, ou pelo menos não naquela época. Porém, mais do que isso,Galileu mostrou que não havia diferença entre o “movimento violento”,paracima,dosobjetospesados,eseu“movimentonatural”,parabaixo.Osdoiscasosenvolviamcorposacelerados,daíamesmaleimatemáticaregiaseus movimentos. Em conexão com o outro trabalho de Galileu, issoimplicava, mais uma vez, que o sistema de Aristóteles não podia serconsertadofacilmente,mastinhadesersubstituído.Galileu expôs a sua lei noDiálogo sobre dois sistemasmáximos (1632).

Seubreve relatonãoconvenceualgunsdos seus contemporâneos,que sequeixaram de não ter obtido os mesmos resultados. Em resposta a seuscríticos, Galileu elaborou seu livro seguinte,Discursos e demonstraçõesmatemáticas sobre duas novas ciências (1638). No terceiro dia, depois deouvir Salviati, opersonagem que representa Galileu, mencionar a lei deGalileu,opersonagemSimplício,queéaristotélico,objeta:

Masaindaestouemdúvidaseestaéaaceleraçãoempregadapelanaturezanomovimentodeseuscorpospesados.Então,parameuentendimento,eparaodaquelasoutraspessoascomoeu,penso que agora seria adequado [para você] apresentar alguns experimentos entre aqueles(quevocêdissequesãomuitos)quecomprovememvárioscasosasconclusõesdemonstradas.

Salviatiachaqueessepedidoérazoável.Depoisdedizerquesim,quejáfez vários experimentos, e que eles comprovam a lei em questão, eledescreveparaSimplícioosapetrechos:

Numavigaou caibrodemadeira, comcercade12braccia de comprimento,meiade largura e7,62cmdeespessura,umsulcofoicavadoaolongodadimensãomaisestreita,compoucomaisde2,50cmdelargura,bemreto;paraqueasuper ície iquebemlisaesuave,foicoladodentrodeleumpedaçodevelino,omaismacioelisopossível.Poressesulcofoipostaparadescerumabolapesadadebronze,bemarredondadaepolida,eaviga foi inclinadaelevando-seumadasextremidadesacimadoplanohorizontalaumaalturadeumaaduasbraccia, àvontade.Comodisse,abola foipostaparadescerao longodomencionadosulco,eanotamos(damaneiraqueagoramostrareiavocê)otempoqueelalevouparapercorrertodootrajeto,repetindoomesmoprocedimento muitas vezes, a im de ter certeza da quantidade de tempo, na qual nuncaencontramosumadiferençadesequeradécimapartedabatidadopulso.

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Salviati diz a Simplício que, por exemplo, rolou a bola por uma quartaparte do comprimento do sulco e veri icou que ela levara exatamente ametadedotempoatéali;emoutrasdistâncias,otempodecorriadeacordocomamesmaproporção.“Nosexperimentosrepetidosmaisdecemvezes”,dizele,“osespaçosencontradosestavamsempreumparaooutrocomoosquadrados dos tempos. E isso se mantinha para todas as inclinações doplano,istoé,dosulconoqualabolaeracolocadaparadescer.”Éaissoquehojechamamosdeleidomovimentouniformementeacelerado.Simplícioseconvence:“Teria icadomuitosatisfeitodeestarpresentea

essesexperimentos.Mas,porestar certoda suadeterminaçãoao realizá-los e da sua idelidade ao descrevê-los, ico contente em considerá-loscorretoseverdadeiros.”1OexperimentodeGalileu foidiferentedodeEratóstenesparamedira

circunferência da Terra, e de seu próprio experimento da Torre de Pisa.Essesdoisutilizavamequipamentosconstruídosparaoutras inalidades.Oexperimentodoplanoinclinado,aocontrário,necessitoudoplanejamentoedaconstruçãodeumaparatocomumafunçãoespecí ica.Aengenhosidadede Galileu se aplicou não só à realização do próprio experimento, comotambémaodesenhodo “palco”queo tornoupossível. Essepalco criaumespaçoperformáticonoqualumfenômeno–nocaso,aaceleração–podeaparecereserexaminado.Mesmoquandosetratadeumfenômenonovoeinesperado: omanuscritoSobreomovimento , deGalileu,mostra comoelecomeçou a usar planos inclinados quando ainda pensava que corpos emqueda ou rolando tinham um movimento uniforme. Uma vez que eleconstruiu esse palco, outros puderam reproduzi-lo para tentar seuspróprios procedimentos, da mesma forma que uma peça teatral étranscritaemumroteiroparaqueoutrosaencenem.Porque,emboraesseexperimento exija a construção de seu próprio palco, ele ainda seassemelhaàmediçãodeEratósteneseaoexperimentodaTorredePisa,nosentidodequepodeserreproduzidodemilharesdemodos.OshistoriadoresdaciênciachegaramaadmitirqueGalileudescobriraa

leidomovimentouniformementeacelerado,mas icarammaiscéticosqueSimplícioquantoàsua idelidadeaodescrevê-lo.Suaprincipalobjeçãoera

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o modo como ele contava o tempo. O dispositivo que usou foi umcronômetrodeágua,noqualmediaaquantidadedelíquidoquecirculavadentro de um tubo durante a descida da bola, a im de deduzir quantotempohaviapassado.Medirintervaloscurtosdetempocomprecisãopodeser di ícil usando esses cronômetros de água. Até há pouco tempo, naverdade, muitos historiadores da ciência não só duvidavam de que issofosse possível, como até ridicularizavam a a irmação de Galileu de queusaraumcronômetrodeáguaparamedir“adécimapartedobatimentodopulso”ou,aproximadamente,umdécimodesegundo.Umdoscríticosmaisveementes foiAlexanderKoyré,daÉcoledesHautesÉtudesdeParis,umespecialista em Galileu. Koyré tinha uma visão platônica da ciência, deacordo com a qual esta procede por meio do raciocínio teórico, e oexperimento era “teoria encarnada”. Ele deixou que o preconceitoorientassesua leituradosescritosdeGalileu, considerandosériosapenasosargumentoslógicosematemáticosdo ísicoitaliano,edesdenhandoseutrabalho experimental. Em 1953, por exemplo, Koyré referiu-se à“surpreendenteelastimávelpobrezadosmeiosexperimentaisàdisposição[de Galileu]”, e menosprezou o experimento do plano inclinado com asseguintespalavras:

Uma bola rolando numa ranhura de madeira “macia e polida”! Um vaso de água com umfurinhoatravésdoqualo líquidoescorreeé coletadonumcopinhopara serdepoispesada, eassimmedirotempodedescida….queacúmulodefontesdeequívocoseinexatidão!…ÉóbvioqueosexperimentosdeGalileusãocompletamentedestituídosdevalor:aprópriaperfeiçãodeseusresultadoséaprovarigorosadesuaincorreção.2

Desa iando Koyré, Thomas Settle, estudante pobre e batalhador dehistória da ciência na Universidade de Cornell, reconstruiu commeticulosidade o experimento em 1961, na sala que compartilhava comoutros alunos de graduação. Settle estava determinado a usar somente“dispositivoseprocedimentosdisponíveisparaGalileuouquenão fossemmelhores que aqueles que ele poderia ter reunido”. Escolheu uma tábuadepinhocomprida,umconjuntodeblocosdemadeira,umvasopara lorescom um pequeno tubo de vidro embutidomais um cilindro graduado (ocronômetrodeágua), edois tiposdebolas:umadebilhar, com5,70cm,e

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uma bola de rolimã, com 2,20cm. Para fazer o experimento funcionar,precisoudecertasinstalações;Settleveri icouqueooperador“necessitavade tempo para sentir o aparato, o ritmo do experimento. Devia tambémtreinarconscienciosamenteassuasreações.Acadadia,ouao inaldecadaparada, ele deveria praticar um pouco para se esquentar”. Como Koyrésugerira,mediro tempodadescidaerade fatooaspecto “maisdi ícil”dotrabalho. Contudo, no inal, Settle percebeu que poderia obter excelentesinformações,deacordocomaleideGalileu,econcluiuqueoexperimentofora “perfeitamente factível para ele”. Mais ainda: descobriu que, com aprática, o cronômetro feito com o vaso de lores poderia marcar comprecisãooquasedécimodesegundoobtidoporGalileu.Settlepublicousuareencenação do experimento na revista Science, incluindo diagramas etabelas de informação (FIGURA 3.2). Embora sua a irmação de que areprodução do experimento, “essencialmente como Galileu o descreveu”,era “simples, direta e fácil de executar” contenha um pouco de bravataestudantil, seu artigo permanece um excelente guia para quem desejarrealizá-lo.3

Figura3.2.DiagramadoaparelhodeThomasSettle,recriandooexperimentodoplanoinclinado

deGalileu.

O trabalho de Settle comprovou que o experimento do plano inclinadopodiarealmentedemonstraraleidomovimentouniformementeacelerado.Entretanto,muitoshistoriadoresda ciênciaainda insistememqueGalileunãofezoexperimentodamaneiraquedescreveu,istoé,queelenãopodia

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ter usado aquele método para estabelecer sua conclusão, em primeirolugar.EsseshistoriadorespresumemqueGalileuprimeirodescobriua leimatemática por alguma forma de raciocínio abstrato, e que só depoisconstruiu,para ilustrá-la,odispositivoquedescreveu.Omotivoparaesseceticismo, mais uma vez, é o cronômetro de água – eles não crêem queGalileutenhaestabelecidoaleicomsuaajuda.Na década de 1970, Stillman Drake, em seus estudos sobre Galileu,

tambémdesa iouessasuposição.Graçasàleituraatentadeumapáginadocaderno de anotações de Galileu, Drake concluiu que ele realmentechegara à sua lei usando o método do plano inclinado, mas marcando otempo de um modo que parece ter se bene iciado de seu longotreinamento musical. Por ser um exímio tocador de alaúde, Galileuconseguiamanterumritmocomprecisão;umbommúsicopodefacilmentemarcar um ritmo com mais exatidão que qualquer cronômetro de água.DrakedescobriuqueGalileuhaviacolocadocordasdetripas,dotipousadonosantigos instrumentosdecordas,dentrodossulcosdoplano inclinado.Quandoabolaerapostapararolarpelosulcoepassavasobreumacorda,eleouviaumligeiroestalo.Galileu,segundoareconstruçãoespeculativadeDrake, entãoajustava as cordasde tripademodoqueabola liberadanaparte superioresbarrassenelesnum intervalode temporegular–oque,para as canções típicas da época, era poucomais quemeio segundo porbatida. Depois de ter marcado os intervalos de tempo com razoávelexatidão, graças a seu ouvido musical, tudo o que Galileu precisava eramedirasdistânciasentreascordas.Estassetornavamregularmentemaislongasàmedidaqueabolaganhavavelocidade,ilustrandoaprogressão1,3, 5 etc. e permitindo que ele concebesse o experimentomais elaboradodescrito emDiscursos e demonstrações matemáticas sobre duas novasciênciasereconstruídoporSettle.4Galileu, em suma, foi mais habilidoso e mais engenhoso como

experimentadordoqueoshistoriadoresdaciênciaoconsideraram.

O experimento do plano inclinado de Galileu tem seu tipo especial debeleza. Falta-lhe a grandeza do experimento de Eratóstenes, no qual as

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dimensõescósmicassurgememumapequenasombra.TambémnãotemadramáticasimplicidadedoexperimentodaTorredePisa,noqualumtesteentre duas visões de mundo radicalmente diferentes se cristaliza numademonstração que pode ser vista a olho nu. E, é claro, a beleza doexperimentodoplanoinclinadonãoestána leimatemáticadomovimentoaceleradoquedescobrimosgraçasaelemaisdoqueabelezadeumMonetoudeumCézanneestánomontede fenoounamontanhaquepintaram.DiríamosqueoexperimentodoplanoinclinadodeGalileutemabelezada“emergência de um padrão”. Sua beleza está namaneira dramática pelaqual um dispositivo relativamente simples permite que um princípiofundamental da natureza surja naquilo que à primeira vista parece serapenas um arranjo de eventos arbitrários e caóticos – bolas rolando poruma rampa. Foi assim que a primeira lei surgiu para Galileu, e é este omodocomoelaédemonstradahojeaosestudantes.Comoumdosqueresponderamàminhaconsultaescreveusobreoque

sentiuaoreproduzirosexperimentosdeGalileu, “abelezanãoestavaemaprender que a gravidade é igual a 9,8m/s 2, mas em nos mostrar quepodíamos medir quantitativamente algo importante para a ísica comcoisastãosimples”.

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Interlúdio3

AcomparaçãoNewton-Beethoven

Umavez,depoisdetocarparaalgunsamigosemumafestaaúltimasonataparapianodeBeethoven, aOpus111,WernerHeisenbergdeclarou a seudeslumbrado público: “Se eu nunca tivesse existido, outra pessoaprovavelmente teria formulado o princípio da incerteza. Se Beethovennuncativesseexistido,outrapessoateriacompostoaOpus111.”1E o historiador da ciência I. Bernard Cohen cita uma observação

atribuída a Einstein: “Se Newton ou Leibniz nunca tivessem existido, omundopossuiriaocálculo,masseBeethovennuncativesseexistido,nuncateríamosaSinfoniaemdómenor[aQuintasinfonia].”2A comparação Newton-Beethoven, como é chamada com frequência,

traça uma elegante relação entre as ciências e as artes com profundasimplicaçõesparaapossibilidadedebelezanaciência.Apolêmicausualpõeos dois campos em contraste, clamando que os produtos da ciência sãoinevitáveis,masosdaartenão.Oargumentosubjacenteéqueaestruturado mundo investigada pela ciência é pre igurada, e que o trabalho doscientistasévoltadopararevelaressaestruturapreexistente.Ossociólogosdaciênciachamama issode técnica“crucipixel”. Imaginação,criatividade,interesses governamentais e fatores sociais podem afetar omomento emqueaciência icapronta–comquerapidezeemqueordemascoressãocolocadas–,masnãopodemafetaraestruturadapintura inal.Osartistas,por outro lado, são totalmente responsáveis pela estrutura total de suasobras.

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O ilósofo Immanuel Kant também comparou cientistas e artistas, masseguindoumalinhadiferente.DeacordocomKant,o“gênio”,adespeitodaromantizaçãoque se faz habitualmente de cientistas comoNewton, não éencontrado entre os cientistas, que são capazes de explicar para sipróprioseparaosoutrosporquefazemoquefazem,masapenasentreosartistas. Embora os cientistas possamensinar seu trabalho aos outros, osartistas produzem obras originais. O segredo da criação dessas obras édesconhecido e intransmissível. “Newton podia mostrar como dava cadaumdospassosqueprecisavadarparapartirdosprimeiroselementosdageometria e chegar a suas grandes e profundas descobertas”, escreveuKant,“nãosóparasiprópriocomoparatodasaspessoastambém,deumaforma tão intuitiva[mente clara], permitindoque todos o seguissem.”NãoeraassimcomHomeroeoutrosgrandespoetas.“Nãosepodeaprenderaescrever poesia inspirada, por mais elaborados que estejam todos ospreceitosdessaarteepormaissoberbosquesejamseusmodelos.”3OcientistaOwenGingerichopôs-seaessacomparaçãoefezumadefesa

fascinantedeumaanalogia,usandoumestudode casoparamostrarqueoscientistassãoparcialmenteresponsáveispelaestruturadesuasteorias,o que signi ica que o quadro geral não é de todo predeterminado pelanatureza.Osistemademundonewtonianonãoéinevitável,eleargumenta,porque explicações alternativas para os fenômenos celestes, sob a formadas leisdeKepler, podemser extraídasdeoutras fontes, comoas leisdeconservação. A a irmação de Gingerich de que existem alternativasenfatiza o papel da imaginação e da criatividade no feito de Newton, eportanto sua singularidade. “OsPrincipia de Newton são uma conquistapessoal que o coloca no mesmo nível criativo que Beethoven ouShakespeare.”Mas Gingerich advertiu contra uma interpretação muito literal dessa

analogia: “A síntese de conhecimento adquirida numa teoria cientí icaimportantenãoé totalmenteamesmaqueaordenaçãodos componentesem uma composição artística.” A teoria cientí ica tem um referencial nanatureza e está sujeita a “experimentação, extensão, falsi icação”. Asconquistas cientí icas podem ser parafraseadas legítima e até

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inevitavelmente(quemlêhojeosPrincipiaalémdoshistoriadores?),oquenãopode acontecer comas obras artísticas. E omodopeloqual a ciênciaprogride é diferente do progresso na arte. Entretanto, Gingerich conclui:umaanálisecuidadosadacomparaçãoNewton-Beethoven–daanalogiaedoscontrastes–nospermite“terumavisãomaissensíveldanaturezadacriatividade cientí ica”. Embora o argumento de Kant e a comparaçãotradicional pareçam refutar a possibilidade de beleza nas teoriascientí icas,oargumentodeGingerichparecerestauraroseu lugarnelas. 4Eo ilósofofrancêsJean-MarcLévy-Leblondimaginou,emumexperimentomental, como seria a teoria da relatividade se Einstein nunca tivesseexistido. O resultado foi bem diferente daquele que temos hoje, empalavras,símboloseideias.5Seo que está emquestãonão é a teoria e simuma experimentação, a

comparação Newton-Beethoven assume ainda outra dimensão. Aexperimentação é muitas vezes vista pelos que estão de fora como umprocesso automático que envolve o mínimo de contribuição criativa. Deacordo com essa visão, a experimentação se assemelha ao programaConcentration,queatelevisãodosEstadosUnidostransmitiuentre1958e1973.Osconcorrentestinhamdedescobrireinterpretaroqueestavaportrás das faces ocultas de um grupo de blocos montado no cenário. Àmedida que o jogo prosseguia, os blocos eram girados, um de cada vez,revelandoporçõesdeumaimagemcompostaporpalavrasesímbolosqueosparticipantesdeviamdecifrar.Osblocoseramgiradosportrásdopalcopelos técnicos – os “experimentadores” –, que acionavam mecanismosocultos. O processo mecânico não tinha interesse para os competidores,que apenas prestavam atenção aos dados expostos na super ície dosblocos.Comoqualquer experimentadorpode atestar, essa visão é equivocada.

Nada é automático ou inevitável num experimento bem planejado.Contudo, para apreciar isso, devemos encarar os experimentos como umprocesso e tambémcomoum resultado.Mas comoo experimento chegouao resultado?Compreender isso exigeumahistória, quaseumabiogra ia.Eletemcomeço,gestação,crescimentoe–comsorte–maturidade,seguida

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dadecadência.EsseprocessocertamentepodeenvolveroqueKantchamadegênio,paraoqualnãoexisteumaregraprévia.Kant de fato estava certo ao dizer que estilo e tradição funcionam de

modo diferente na ciência e na arte. Experimentos com prismas podemremeter historicamente a Newton; medidas com precisão, a Cavendish;experimentos de interferência da luz, a Young; e experimentos dedispersão de partículas, a Rutherford. Um historiador que estuda longasséries de experimentos feitos pelo mesmo experimentador – comoFaraday,Volta,NewtoneFranklin–podeidenti icardiferentespadrõesnomodo pelo qual esses cientistas exploravam um fenômeno e concebiamnovosexperimentosparacompreendê-lo.Apesardisso,ninguémserefereaumexperimentodizendoqueé“àlaNewton”domodocomoumapinturapode ser reconhecida como “à la Caravaggio”. O trabalho experimentalenvolve um outro tipo de engenhosidade, igualmente dependente daimaginação e da criatividade, quenão é inevitável e cria seupróprio tipodetradiçãode igurasexemplaresgraçasàaberturadenovosdomíniosdepesquisa.A imaginação cientí ica, como a imaginação artística, é disciplinada. Ela

funciona de acordo com um conjunto de recursos existentes, teorias,produtos, orçamento e pessoal, modelando esses elementos em umaperformance que permite que algo de novo apareça. Claro que émelhordispor de umorçamentomaior e demateriaismais aperfeiçoados.Mas aimaginação experimental vê o estoque de recursos existentes não comolimitador ou facilitador. Como disse Goethe, “só na limitação a mestria érevelada”. Sob esse aspecto, a analogia Newton-Beethoven é maiscomparaçãoquecontraste–ede ineumlugarinequívocoparaabelezanaciência.

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DesenhodeIsaacNewtonparaseuexperimentumcrucis.

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OexperimentumcrucisNewtondecompõealuzdoSolcomprismas

Em janeiro de 1672, Isaac Newton (1642-1727) enviou uma mensagemcurtaparaHenryOldenburg,osecretáriodorecém-estabelecidogrupodecientistaseminentes(ou“filósofos”,comoeramentãoconhecidos)chamadode Royal Society de Londres. A sociedade admitira Newton havia apenasumasemana,depoisqueseusintegrantes icaramimpressionadoscomsuainvençãodeumnovoeengenhosotipodetelescópiore letor.Newtonfaziauma audaciosa a irmação a Oldenburg. “Fiz uma descoberta ilosó ica”,dizia ele, “que na minha avaliação é a mais estranha, se não a maisimportante observação que até hoje foi feita a respeito das operações danatureza.”1 Oldenburg merece ser desculpado por considerar essaa irmação absurda e arrogante, própria de um jovem superambicioso. ENewton de fato era uma pessoa di ícil – combativo, hipersensível eobsessivamentesigiloso.Masnãosetratavadeumahipérbole.Algumassemanasdepois,NewtonenviouaosmembrosdaRoyalSociety

a descrição de um experimento que mostrava de forma de initiva – eledizia–comoaluzsolar,ouluzbranca,nãoerapuracomoseacreditava,esim composta por uma mistura de raios de diferentes cores. Newton sereferiaaissocomoseuexperimentumcrucis,ou“experimentocrucial”.Suadecomposição da luz tornou-se imediatamente um marco na história daciência e uma demonstração sensacional do método experimental. Esseexperimento,comoescreveuumdosmuitosbiógrafosdeNewton,“eratãobelo em sua simplicidade quanto e iciente na síntese da teorianewtoniana”.2IsaacNewtonnasceuemLincolnshire, Inglaterra,em1642,mesmoano

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emqueGalileumorreu.Veioaomundo, talvezde formarelevante,nodiade Natal. De 1661 até 1665 Newton estudou no Trinity College, daUniversidade de Cambridge. Seu desempenho ali, como outro biógrafoassinalou, “foi omais extraordinário para umestudante de graduaçãonahistória daquela universidade”,3 pois Newton descobriu por sua própriacontaedominouperfeitamente,isoladocomseuscadernosdeanotações,oque havia de mais novo em iloso ia, ísica e matemática e – que estavasendo lenta e arduamente forjado pelos mais eminentes cientistas daEuropa. Em 1665, quando Newton se graduou, mas continuou nauniversidade para aprofundar seus estudos, a Grande Peste (pestebubônica) atingiu a Europa, e a Universidade de Cambridge fechou asportaspordoisanos,mandandoNewtondevoltaaLincolnshire.Operíodoforçadodeociosidadeentrecamposepomaresdapropriedadedesuamãenão constituiu um retrocesso em sua educação, e sim uma bênçãoinesperada. Permitiu aNewton, então em seu alvorecer cientí ico, re letirsem interrupções sobre numerosos temas cientí icos sobre os quais jávinha trabalhando. Os historiadores chamam a esse período da vida deNewton de seu “ano miraculoso”, porque foi nessa época que lançou asbases de muitas de suas ideias seminais: na ísica, a ideia da gravitaçãouniversal (a história da maçã, cuja queda o inspirou, nos chegou porintermédio de uma prima distante de Newton e de Voltaire, esupostamente ocorreu nessa ocasião); em astronomia, as leis domovimento planetário; em matemática, o cálculo. Durante esse tempo,Newton também começou a trabalhar em sua série de experimentosrevolucionáriosemóptica.A óptica, ou estudo da luz, tinha então uma importância cientí ica

crescente. Desde os tempos antigos os pensadores haviam desenvolvidoumconhecimentobásicosobreare lexãoearefraçãodaluz(comoelasecurvaaopassarporummaterial transparente).MasantesdoséculoXVIIosespelhoseas lenteseramdemáqualidade.Alémdisso,seuestudoeradi icultado pelo preconceito de que as imagens por eles produzidas nãomereciam exame sé rio porque não eramnaturais – como poderiam terimportância imagensdistorcidase ilusórias?Masa invençãodotelescópio

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edomicroscópioincrementouademandapormelhoresespelhoselentes,oque,por suavez, aumentouo interesseemsuamanufaturae estudo.Anova ciência também desenvolveu a noção de que as distorções etransformações ópticas não eram arti iciais (como os movimentos“violentos” da teoria aristotélica), e sim (novamente como o movimentopara Galileu) uma nova arena governada por princípiosmecânicos e leismatemáticas quepoderiam serdescobertaspormeioda experimentação.Mesmo assim, Descartes e outros pioneiros da óptica no século XVIIpartilhavamda opinião, que recuava até Aristóteles, de que a luz brancaerapuraehomogênea, sendoascoresumamodi icaçãoou“manchas”daluzbranca.Con inado na propriedade de sua mãe enquanto a peste assolava as

cidades, Newton transformou um dos quartos da casa em laboratório deóptica,selando-ocontraa luz,excetoporumpequenofuroparao ladodefora.Alipassavadiasseguidosabsortoemsuasexperiências.Umdosseuscolegasescreveu:“Paraaguçarsuasfaculdadese ixaraatenção,durantetodoessetempoelesetrancavacomumapequenaquantidadedepão,umpouco de vinho e de água com que se abastecia, sem qualquerregularidade, quando sentia fome ou sentia-se fraco e cansado.” Aprincipal ferramenta de Newton era um prisma, curiosidade popular naépoca, muito apreciada por sua capacidade de transformar em váriascoresaluzbranca.MasNewtontransformouobrinquedoemumpoderosoinstrumentodeinvestigaçãocientíficadaluz.Um estereótipo comum, in ligido a gerações de colegiais, diz que o

método cientí ico é um empreendimento robótico, que consiste emformular, testar e reformular hipóteses.Umadescriçãomais vaga, porémmais acurada, doque os cientistas fazemdiria que eles “olhampara” umfenômeno–oexaminamdediferentesângulos,entendendo-opormeiodepequenasmodi icações, de um jeito e de outro, para ver o que acontece.Em seu laboratório improvisado, Newton “olhou” a luz, usando váriascon iguraçõesdeprismaselentes,e inalmentechegouàconclusãodequea luzbrancanãoerapura, e simumamisturade luzdediferentes cores.Newton escreveria mais tarde: “O método melhor e mais seguro de

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ilosofar parece ser primeiro investigar diligentemente as propriedadesdas coisas, depois estabelecer essas propriedades por meio deexperimentos, e então passar mais lentamente a hipóteses para explicá-las.”4Mas por vários anos Newton pouco falou a outras pessoas sobre seu

trabalho. Ao voltar para o Trinity College, quando este reabriu em 1667,ele assistiu a aulas de óptica ministradas por Isaac Barrow, o primeiroocupanteda cátedradematemática emCambridge (uma cátedra famosa,que teve como ocupantes em anos mais recentes Paul Dirac e StephenHawking), foi encarregado de revisar as notas de aula de Barrow, e em1670 sucedeu-o como professor de matemática. O posto exigia que eleusasse um manto escarlate para indicar seu alto status em relação aosoutros professores. Também lhe exigia que proferisse uma conferênciapara os alunos pelo menos uma vez por semana, em latim, sobre algumtema pertinente à matemática. Newton escolheu a óptica, o que lhepermitiria misturar matemática e ciência experimental, e “expor osprincípiosdessaciênciaaumexamemaisestrito”.Essasaulasnãotiverammuita frequência. Um colega observou que “eram tão poucos os que oouviam,emenosaindaosqueoentendiam,queàsvezesele,por faltadeaudiência, liaparaasparedes”. 5 Literalmenteparaasparedes–nenhumouvinteassistiuàsuasegundaaula.Em 1671, Newton apresentou aos membros da Royal Society um

telescópio que inventara com base em seus estudos ópticos. A RoyalSociety havia sido criada poucomais de dez anos antes, com o nome deRoyal Society of London for Improving Natural Knowledge ; seu lema,inscritonobrasão,eraaexpressãolatina Nulliusinverba, tradicionalmentetraduzida como “Não aceite a palavra de ninguém como prova”. Asociedade se reunia semanalmente para discutir e analisar os trabalhosescritos por seus integrantes. Essa atividade era fundamental paraestimularapesquisaeaprofissionalizaçãonaciência,porquedinamizavaoprocesso pelo qual a informação cientí ica era disseminada e defendida;uma pessoa podia focalizar um determinado tema e apresentar osresultados de seus estudos por meio de uma carta. Essas cartas eram

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publicadas no que inicialmente se chamouCorrespondência da sociedade,e,maistarde,PhilosophicalTransactions,precursoradasmodernasrevistascientí icas.QuandoNewton se juntouao grupo, poucos associados tinhamouvidofalardele.Entretanto,seutelescópiofoiumasensação.Comapenas15,25cmdecomprimento,foraengenhosamentedesenhadoeconstruído,eequivalia a telescópios muito maiores. Vários integrantes da sociedadepassaramatentarconstruirtelescópiosparasimesmos,elogoconvidaramNewtonparafazerpartedaagremiação.A primeira comunicação formal que Newton dirigiu à sociedade foi a

cartaemqueele cumpreaaudaciosapromessa feitaaOldenburgdedarnotícias sobre a “mais estranha” descoberta ilosó ica já feita sobre asoperaçõesdanatureza.Essedocumentoémuitasvezescitadocomoobra-prima de literatura cientí ica emodelo de escrita em ciência. Ele forneceuma descrição excelente, não só do experimento crucial em si mesmo,comotambémdoprocessomentalqueconduziuaele–eumleitorargutoperceberá, nas entrelinhas, a genuína alegria que Newton sentia aorealizarsuasinvestigações.Começacomasseguintespalavras:6

Pararealizarminharecentepromessaaosenhor,direisemmaiorescerimôniasque,noanode1666,…equipei-mecomumprismatriangulardevidro,para tentar [testar]comeleo famosoFenômeno das cores. E, tendo para isso escurecido meu quarto e feito um pequeno furo navenezianadajanela,paradeixarentrarapenasaquantidadeconvenientedeluzsolar,coloqueimeuprismanessaentrada,paraqueassimessafosserefratadaparaaparedeoposta.Noiníciofoi um divertimentomuito agradável ver as cores vívidas e intensas serem produzidas dessemodo.

Outros poderiam cair na tentação de prestar atenção apenas nointrigantejogodecoressemelhanteaoarco-íris.MasNewtonqueriasaberoqueestavasepassandosobtodososângulospossíveis.Eleviu,alémdascores,asformasqueelasassumiam.”Fiqueisurpresoaovê-lasnumaformaoblonga; as quais, de acordo com as leis recebidas sobre a refração,deveriamsercirculares.”Por que Newton se surpreendeu? Na concepção predominante de

Descarteseoutros,osprismasmodificavamumpoucooumanchavamaluzbrancaparaproduziroespectro.Sendoassim,umraiocomodiâmetrodeum lápis deveria emergir doprisma comomesmo contorno circular com

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quetinhaentradonele.Emvezdisso,comoNewtonviu,a imagemtinhaaforma de uma pista de corrida, com curvas semicirculares em cima eembaixo conectadas por seções estreitas (FIGURA 4.1); as cores seapresentavamem faixashorizontais, comoazulemumaextremidadeeovermelhonaoutra.Newtontambémpercebeuumasegundacaracterísticaintrigante:enquantoasseçõesestreitasdaimagemeramnítidas,ascurvas,nas duas extremidades – azul e vermelha –, eram borradas. Isso,mais a“extravagante” discrepância entre o comprimento e a largura (ocomprimento era cerca de cinco vezesmaior que a largura), “excitou-memais que a curiosidade banal de examinar de onde aquilo poderia seoriginar”.

Figura4.1.DiagramadaformaoblongaproduzidaporumraiodeSoldepoisdepassaratravés

deumprisma,talcomofoivistoporNewton.

Newtonem seguidadescreve suas tentativasdedeterminarporque aimagemadquiriraessecontornoinesperadosimplesmenteporterpassadoatravésdoprisma.Paraversepoderiainterferirnaformadessecontorno,ele usouprismasdediferentes espessuras e procurou fazer a luzpassarpor diferentes partes desses prismas. Girou o prisma em torno do eixoparaafrenteeparatrás.Modi icouotamanhodofuronajanela,etentoucolocar o prisma pelo lado de fora, sob a luz solar, de modo que o raiopassasseatravésdoprismaantesdepassarpelo furoda janela.Veri icouse alguma imperfeiçãonovidrodoprismapoderia sera causa.Nenhumadessas ações afetou a forma do contorno. Sua intrigante forma oblongapermanecia, e cada cor era sempre refratada – enviada em um ângulo

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diferenteaoatravessaroprisma–damesmamaneira.Newtonlembrou-sedasvezesquetinhavisto“umaboladetêniscolidir

com uma raquete em posição oblíqua”, seguindo um arco através do ar.Talvez–começoueleasuspeitar–aformadopontoluminosopudesseserexplicadaseoprisma,dealgummodo, izessecomqueosraiosviajassemem trajetos curvilíneos na direção vertical. Isso o levou a outra série deexperimentos.

A remoção gradativa dessas suspeitas levou-me aoexperimentum crucis, que era o seguinte:pegueiduaspranchasecoloqueiumadelasperto,portrásdoprisma,najanela,demodoquealuz passasse através de um pequeno furo, nela feito com esse propósito, e caísse na outraprancha, que coloquei a cerca de 3,65m de distância, tendo primeiro feito também umaperfuração nela, para que alguma luz incidente passasse através dele. Então coloquei outroprismapor trásdessasegundaprancha,demodoquea luz,atravessandoambasaspranchas,pudesseatravessartambémesseprismaenovamenteserrefratadaantesdechegaràparede.Feitoisso,tomeioprimeiroprismaemminhamãoegirei-olentamente,decimaparabaixo,emtorno do eixo, demodo a fazer com que as várias partes da imagem, captadas pela segundaprancha,passassemsucessivamente atravésdo furo feitonela, paraque eupudesseobservarem que lugares da parede o segundo prisma as refrataria. E vi, pela variação desses lugares,que a luz tendente para aquele im da imagem, em direção do qual a refração do primeiroprisma se processava, fazia com que o segundo prisma sofresse uma refraçãoconsideravelmentemaiorquealuztendenteparaaoutraextremidade.

Opróprio diagrama deNewton para esse experimentum crucis, aqueleque ele desenhou num pedaço de papel em suas primeiras conferênciassobreóptica,estánaFigura4.2.Umraiodeluzsemelhanteaumlápisvemde um furo na janela, passa através do primeiro prisma e se espalhacontraumapranchaa3,60mdedistância.Ao seespalhar, eleprojetaumarranjo de cores – oblongo na dimensão vertical, mas com faixashorizontais de cores, do vermelho até o azul. Qualquer pessoa que tenhausado prismas viu isso, embora não compreenda necessariamente osigni icado dessa forma. Mas o que Newton fez em seguida foi umanovidade: ele acrescentou um segundo prisma à prancha. Cavou umsegundofuronaprancha,fezpassarporelepartedafaixaoblongadeluzaté um segundo prisma colocado do outro lado, e então dirigiu esse raiocontra aoutraprancha.Girandooprimeiroprisma,ele podiamanobrar afaixa oblonga para cima e para baixo, de modo que as luzes de cores

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diferentespassassematravésdo furoeatravésdo segundoprisma, até asegundaprancha.Entãoobservoucuidadosamenteoqueacontecia.Newton percebeu que a luz azul, em grande parte refratada pelo

primeiro prisma, também era grandemente refratada pelo segundo; damesma maneira, a luz vermelha, menos refratada pelo primeiro prisma,era menos refratada pelo segundo. Também percebeu que o modo peloqual o azul e o vermelho eram refratados não dependia do ângulo deincidência (o ângulo em que eles tocam a super ície do prisma). Newtonconcluiuqueograuemqueosraioseramrefratados–sua“refringência”,segundo a palavra latinarefrangere, “refratar-se” – eraumapropriedadedos próprios raios, e não dos prismas. Os raios conservavam suarefringência enquanto passavam através dos dois prismas. Estes nãomodi icavam os raios de luz, apenas se espalhavam de acordo com suarefringência.Agora Newton tinha as respostas para suas perguntas iniciais. A

imagemsemelhanteaumarco-íristomavaaformadeumapistadecorridaporque o prisma espalha o raio de luz de uma maneira ditada pelocomportamento individualdascoresqueocompõem.Seoeixodoprismaestiver na horizontal, o prismamanterá o raio namesma largura,mas oespalhará verticalmente. As extremidades verticais da forma oblongaaparecemborradasporquehámenosraiosnasextremidadesdecimaedebaixo.Newtonescreveu:“Eassim icouconstatadoqueaverdadeiracausadocomprimentodaimagem[daformaoblonga]nãoeraoutrasenãoquealuz consiste em raios diferentemente refratáveis, os quais, sem qualquerrelaçãocomumadiferençaemsuaincidência,sãotransmitidos,deacordocomseusgrausderefrangibilidade,paradiversaspartesdaparede.”O que havia de tão crucial neste experimento, entre as centenas de

outros que Newton realizara, muitos dos quais lhe mostraram efeitossimilares?Suaprópriacon iançaemsuasconclusõesnesteexperimentosebaseianãosónele,masem todasas suasoutras tentativasdeolhara luzcomprismaselentes.MasNewtonnãoviarazãoparainsistiremqueseuscolegasseguissemseulongocaminhodeinvestigação.Tudooquebastavapara colocá-los no caminho certo seria um único experimento. Portanto,

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havia certa teatralidade noexperimentum crucis; ele era umademonstraçãoourecapitulaçãodoqueatéentãohaviaaprendidoa fazer.O objetivo da demonstração era persuadir os colegas, portanto elaprecisavasersimples,cominstrumentos facilmentedisponíveis,eexibiroresultado de forma clara e direta, com o intuito demaximizar o impacto.Como ele escreveria mais tarde para alguém que pelejava para recriarseus experimentos: “Em lugar de uma multiplicidade de coisas, tenteapenas oexperimentum crucis. Porque não é o número de experimentos,masseupesoquedeveserconsiderado;equandoumésu iciente,qualanecessidadedemuitos?”7

Figura4.2.DiagramadoexperimentumcrucisfeitoporNewtonparasuasaulassobreóptica.

Esse experimento deu a Newton não só uma resposta para suaindagaçãoinicialacercadoformatooblongodascores,comotambémabriuoutras possibilidades e levantou novas indagações. Ele estivera ocupadocortando lentesparatelescópios,masentãopercebeuquesuadescobertaimplicavaumaimportantelimitaçãoparaaqualidadedostelescópiosfeitoscom lentes. “Ao compreender isso”, escreveu, “abandonei meusmencionados trabalhos com vidro; porque vi que a perfeição dostelescópios era limitada com eles”, não em virtude de imperfeições novidro,maspelofatodeque“aluzemsiéumamisturaheterogêneaderaiosdiferentementerefratáveis” . As lentes focalizamdobrandoou refratandoaluz; mas como diferentes tipos de luz se refratam por diferentesquantidades,mesmouma lenteperfeitanãopoderia juntar todosos raiosemumponto.Ummeiomaise icazparaumtelescópiofocalizaraluz–ele

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percebeu–seriacomousodeespelhos,emlugardelentes,umavezque,quando os espelhos re letem a luz para focalizá-la, o ângulo em que osdiferentes tiposde luz se re letemé sempre omesmo.Newtondisse queimediatamente tratou de construir um telescópio usando espelhos,mas aconstruçãofoi interrompidapelapeste.Em1671,ele inalmenteterminouumtelescópionoqualtinhacon iançaedoqual icoumuitoorgulhoso–tãoorgulhoso que conseguiu superar sua habitual obsessão com o sigilo emostrou-oàRoyalSociety.Newtonexpôstudoissonaprimeirapartedeseutrabalho.Nasegunda,

discorreusobrevárias implicaçõesdasuadescoberta.Umadasprincipaiseraquea refraçãoda luznãoeraumapropriedade causadapeloprismaatravésdealguma formademodi icação, comoDescarteseamaioriadosestudiososdoassuntoacreditavam:“Ascoresnãosão Quali icaçõesdaLuz,derivadas das refrações, ou re lexões de corpos naturais (como emgeralseacredita), e simpropriedadesoriginaise inerentes ,quesãodiversasnosdiferentes raios…” Uma segunda implicação era que, “aomesmo grau derefraçãosemprepertenceamesmacor,eàmesmacorpertenceomesmograuderefração”.Umaterceiraeraquearefraçãooucordeumraionãoéafetada pela substância que ele atravessa.Newton havia examinado essepontomuitocuidadosamente:

A espécie de cor e o grau de refração próprio a cada espécie particular de raios não sãomodi icáveispelarefração,nempelare lexãodecorposnaturais,nemporqualqueroutracausaqueeupudesseatéagoraobservar.Quandoqualquer tipoderaio foibemseparadodaquelesde outros tipos, ele manteve obstinadamente a sua cor, a despeito das minhas tentativas demudá-la. Eu o refratei com prismas e re leti-o com corpos que, à luz do dia, eram de outrascores; interceptei-os com uma camada colorida de ar, interpondo duas placas de vidro;transmiti-osatravésdemeioscoloridos,eatravésdemeiosirradiadosporoutrostiposderaios,ecortei-osdeváriasmaneiras;e,contudo,nuncapudefazê-losemitirqualquercornova.

Newton chega à surpreendente conclusão de que a luz branca não éoriginal, e sim composta, fato que havia con irmado em alguns de seusexperimentos graças ao uso de prismas adicionais e lentes pararecombinaraluzqueanteriormentehaviaseparado:

Porém,amaissurpreendenteemaravilhosacomposiçãofoiadabrancura.Nãoháumaespéciede raios que possa, sozinho, exibi-la. Ela é sempre composta, e para sua composição são

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requeridas todas as mencionadas cores primárias, misturadas na devida proporção. Muitasvezescontempleicomadmiraçãoquetodasascoresdoprisma,postasparaconvergiredepoismisturadas novamente, como estavam na luz antes de fazê-la incidir sobre o prisma,reproduziamluzinteiraeperfeitamentebranca….Daí,portanto,deduz-sequeaquelabrancuraéacorusualdaluz;porquealuzéumagregadoconfusoderaioscarregadoscomtodosostiposdecores,comosefossempromiscuamentedisparadosdeváriaspartesdoscorposluminosos.

A “surpreendente e maravilhosa” descoberta despertou novaspercepções para questões que antes eram vistas como mistériosprofundos.Norestantedeseuartigo,eleserefereaalgumasdelas,umaauma, solucionando com facilidade enigmas que haviam deixado seuscolegasperplexos.Comoosprismasfuncionam,ecomoproduzemaformaoblonga do ponto luminoso? Eles nãomodi icam a luz, mas espalham-na,separando-a em faixas de igual refringência. Imagine (esta não é umasuposição feita por Newton) um grupode pessoas correndo, cada umadelas capaz de dobrar uma esquina em um ângulo diferente. Embora semantenham juntas quando semovemem linha reta, na primeira esquinafechada vão se espalhar formandouma faixa. Comoo arco-íris se forma?Newtonexplicou isso imaginandoasgotasda chuva comoumanuvemdeprismasminúsculosquerefratavamaluzdoSolportrásdelas.Equantoao“estranho fenômeno”queenvolvevidroscoloridoseoutrosmateriais,nosquaisomesmomaterialproduzcoresdiferentes?Essesfatos“nãomaissãoenigmas”–dizNewton–,porquesãomateriaisquere letemetransmitemdiferentestiposdeluzsobdiferentescondições.Newtonexplicouum“experimento inesperado” feitoporRobertHooke,

ocuradordeexperimentosdaRoyalSociety.Hookeprojetouluzsobreumajarra com líquido vermelho e sobre outra com líquido azul. Ambasdeixavam a luz passar –mas quando ele tentou projetar luz através dasduas juntas, elas bloquearam a luz. Hooke não tinha conseguido explicarisso: por que, se cada jarra individualmente permitia que a luz aatravessasse, a sua combinação bloquearia completamente a luz? Aperplexidade de Hooke – disse Newton – devia-se evidentemente àsuposiçãodequealuzeraumasubstânciauniforme;aocontráriodisso,aluzsecompunhademuitostiposderaios;a jarraazuldeixavapassarumtipo,masbloqueavatodososdemais;a jarravermelhadeixavapassarum

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segundo tipo, mas bloqueava todos os demais. Como as duas jarras nãopermitiamapassagemdomesmotipodeluz,“nenhumraiopoderiapassaratravésdeambas”.Agora,Newtonjáeracapazdeexplicaracordoscorposnaturais–eles

re letem“umaespéciedeluzemquantidademuitomaiordoqueoutra”–,e descreveu seu próprio experimento em um quarto escuro, no quallançara luzdediversascoressobreváriosobjetos,veri icandoque“dessamaneirapode-sefazercomquequalquercorpoapareçadequalquercor”.Será que existem cores no escuro, e será a cor uma propriedade dosobjetos?Não–acoréumapropriedadedaluzquebrilhasobreeles.Newton termina a carta com algumas sugestões de experimentos que

seuscolegaspodiamfazer,emboraadvirtaqueessesexperimentos,comooexperimentumcrucissãoaltamentedelicados.Oprismadeveserdamaisaltaqualidade,oua luz,aoalcançarosegundoprisma,estará impura,eoquartodeveestarabsolutamenteescuro,senãoaluzsemisturaráaoutrascores, o que perturbará a experiência. Este último aspecto torna oexperimentum crucis mais di ícil de ser reproduzido do que parece nasaulasdeciênciasdaescola,emborapossapareceracessívelevividamenteinstrutivo.Newtonconcluiu:

Considero isso su iciente como introdução para experimentos desse tipo; sobre os quais, sealgum membro da Royal Society icar curioso em promovê-los, terei muita satisfação em serinformadodo resultado: pois, se alguma coisa parecer defeituosa, ou se contrariar este relato,poderei ter uma oportunidade de prestarmais informações sobre eles; ou de conhecermeuserros,casotenhacometidoalgum.

OldenburgrecebeuacartadeNewtonnodia8de fevereiro.Porsorte,estavapreparandoumareuniãodaRoyalSocietyparamaistarde,naquelemesmo dia, e teve tempo de incluí-la em sua agenda. Os que estavampresentes examinaram primeiro uma comunicação sobre a possívelin luência da Lua sobre as leituras barométricas e outra sobre os efeitosda picada da tarântula, antes de ouvir a contribuição de Newton. Asociedade icou muito impressionada. Oldenburg escreveu: “A leitura deseudiscurso referente à Luz e àsCores foi praticamenteoúnico assuntoaoqualsededicaramnaquela tarde.Possoassegurar-lhe,senhor,queele

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recebeu tanto uma singular atenção como um aplauso incomum.” 8Oldenburg também mencionou que os associados insistiram em quepublicasseacartaomaisdepressapossívelemPhilosophicalTransactions,eeladefatoapareceunaediçãoseguinte,nomesmomês.

NãosóoexperimentumcrucisdeNewtonébelo,eseurelatosobreeleemPhilosophicalTransactionsummodelodetrabalhocientí ico,comotambémprovocouaquelaquefoicertamenteaprimeira“controvérsia jornalística”,com os cientistas discutindo acalorada e incessantemente um tema. Oexperimento de Newton, ao desa iar, como fez, a ortodoxia da época, deacordo com a qual os prismas criavam cores ao modi icar a luz branca,acendeu uma disputa entre os cientistas da Royal Society e de fora dela,sobretudonaFrança.Sem mesmo tentar reproduzir o experimentum crucis, Robert Hooke

refutou comalguma irritação e críticas incorretas a hipótesequeNewtonpareciaestarlevantando.Estemostrou-seàalturadasituaçãoeexibiucombrilho o seu talento combativo, recapitulando e elaborando seusargumentos na troca de cartas que se seguiu e que inclui uma dasmaissarcásticas rasteiras da história. Ele se aproveitou do fato de que Hookeera tãobaixoeencurvado(oqueemparteseexacerbavapelominuciosotipodetrabalhodebancadaquefazia)quepareciaumanão.Emumacartaeivada de pretensos elogios, Newton louva as contribuições de Hooke aoseutrabalhocomaspalavras: “Seconseguivermais longe, foiporquemeerguisobreosombrosdegigantes.” 9Essaobservaçãofamosaéhojecitadacomogalanteehumilde,quandonaverdaderidicularizavamaldosamenteHooke.Na França, os cientistas levaram mais tempo para se converter. Um

deles foi um antigo professor do Colégio dos Jesuítas Ingleses, em Liège,chamado Francis Hall, embora ele se assinasse Linus em suacorrespondência.Nooutonode1674,Linus–queestavachegandoaos80anos – escreveu a Oldenburg para queixar-se de que, em experimentoscomprismasquehaviafeito30anosantes,nuncaobservaraumcontornoalongadonosdias de sol, e a irmavaque o alongamentoda imagemvista

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por Newton devia-se a efeitos causados pelas nuvens. Newton, queconsiderava Linus incompetente, não se dignou a responder. Oldenburg,porém, ordenou que Hooke encenasse uma demonstração doexperimentumcrucisdeNewtonnareuniãodaRoyalSocietyemmarçode1675.Otempo,infelizmente,nãocooperoue,emvistadasobservaçõesdeLinus, achou-se que era inútil levar o experimento adiante num dianublado. Linus morreu no outono daquele ano, mas a sua causa foihonradaporumalunodevotado,queexpressousuacon iançaemqueseumestre seria vingado na próxima vez que a Royal Society izesse oexperimentoemumdiaensolarado.HookenovamenteplanejouumademonstraçãonaRoyalSociety,eoque

Newton chamava de “o Experimento sob controvérsia” foi marcado para27 de abril de 1676 (um dia de sol, inalmente). Embora Newton nãoestivessepresente–eleemgeralevitavaessesacontecimentospúblicos–,a reunião foi um marco no alvorecer da ciência moderna, pois foi oprimeiroexperimentoplanejadoeexecutadoporumasociedadecientí icaparadarumarespostadecisivaaumacontrovérsiapremente.Aatao icialdaRoyalSocietyregistrou:

O experimento do sr.NEWTON, contestado pelo sr. Linus e seus colegas de Liège, foi testadoperantea sociedade, seguindoas instruçõesdosr.NEWTON,ebemsucedido, comoele semprea irmou que seria; e foi ordenado ao sr. OLDENBURG que transmitisse esse resultado aos deLiège,quehaviamanteriormentecerti icadoque,seosexperimentosfeitosdiantedasociedadefossembem-sucedidosdeacordocomasafirmaçõesdosr.NEWTON,elesoaceitariam.10

Alguns críticos franceses ainda relutaram por alguns anos. Um jesuítafrancês chamado Antoine Lucas tentou fazer oexperimentum, masencontrou raios vermelhos entre os roxos; outro encontrou vermelhos eamarelosentreosvioleta.Newtonparoudedarrespostaseescreveuque“isso é para ser discutido não por palavras,mas por novas tentativas doexperimento”.11 Ele já havia emitido advertências sobre o que podia sairerrado com o experimento. Como qualquer artefato de realizaçãocomplexa, ele pode ser organizadodemaneira incorreta –masquando éfeitocorretamente,mostraoquedeuerradocomastentativas;eleforneceseuspróprioscritériosdesucesso.

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O experimentum crucis de Newton proporcionou aomundomuitas coisasde uma só vez: uma peça de informação, um conjunto de ferramentas etécnicas,e até uma lição moral. Ele deve sua beleza a cada uma dessascoisas.OexperimentodeNewtondesvelouumapartedeverdadesobreomundocomespantosasimplicidadeeengenho.Quemteriapensado,depoisde usar um prisma para quebrar um raio de luz branca e transformá-lonum arco-íris, em pegar uma porção daquilo e enviá-la através de outroprisma? Com essa con iguração, nenhuma outra manipulação foinecessáriaparamostraraosseuscolegasquea luzbrancasecompõederaiosdediferentescores,comdiferentesgrausderefração.O experimento nos permitiu compreender muitos fenômenos

desconcertantesda luzenos forneceu técnicasparaseparar luzdecoresdiferentes e para construir telescópios melhores. A compreensão deNewton irrompeu como uma espoleta, disparando conexões em muitasdireçõesdistintas.Finalmente, oexperimentumcrucisdeNewtonfoiuma liçãomoralpara

oscientistas.Defato,écomoseoexperimentodissesse:“Esteéocaminhoa seguir para que se entenda um fenômeno enigmático. Experimentardemoradamente e esforçar-se. Depois, escolher a demonstração maiseconômicaevívidaquepuderencontrar,indicaroquepodesairerrado,emostrarasnovasconexõesqueelatornapossíveis.”Assim,asuabelezanadatemavercomaaparênciadasprópriascores.

Como Eratóstenes com as suas sombras, Newton buscava, para além dascores, aquilo que fazia comque elas se comportassemda forma como secomportavam. Mas, como o experimento do plano inclinado de Galileu, oexperimentumcrucisdeNewtonreveloualgosobreanaturezadaprópriaexperimentação.Oquedistingueoexperimentumcruciséqueeletemumaespéciedebelezamoral.Em1721,quandoumasegundaediçãofrancesadaÓpticadeNewtonfoi

publicada em Paris (a primeira apareceu em 1704), seu editor francês,Varignon, escreveu a Newton: “Li a Óptica com o maior prazer, e maiorainda porque seu novo sistema de cores está irmemente estabelecidopelos mais belos experimentos.” Varignon pediu a Newton um desenho

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parasercolocadonoaltodaprimeirapágina,umailustraçãoquepudessesimbolizaroconteúdodolivro.Newton escolheu um desenho do seuexperimentum crucis com uma

lacônica legenda: “A luz não muda de cor quando é refratada”. Foi umelegantesímbolodaquiloque,pelasmãosdele,tornou-seaprópriaciênciadaóptica.

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Interlúdio4

Aciênciadestróiabeleza?

Quandoouçoosábioastrônomo,

Quandoasprovas,osnúmeros,sãoarranjadosem[colunasdiantedemim,

Quandomemostrammapasediagramas,parasomar,[dividir,emedir,

Quando,sentado,ouvindoaconferênciadoastrônomo,[comtantosaplausosdaplateia,

Ficoinexplicavelmentecansadoeaborrecido,

[Atéquemelevantoesaio,esozinho

Mergulhonaumidadenoturna,dequandoemquando[Admirandoacima,emperfeitosilêncio,asestrelas.

WaltWhitman

Paraosamantesdabeleza,Newtonnãotrouxepaz,esimumaespada.Os ilósofos, poetas e artistas daAntiguidade viam a luz dotada de um

statusespecialentretodososfenômenosdomundo.PlatãocomparouoSole seus raios ao Bem – em sua formamais elevada –, porque ele não sónutriacomoiluminavatudo.Osseguidoresdatradiçãoplatônica,incluindosanto Agostinho, Dante, Grossteste e são Boaventura, viam uma ligaçãoespecial entre a luz e a beleza, ou o Ser; a luz era o princípio de toda a

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belezavisívelesensorial,eabelezaemsimesma.Ela iluminavaomundofeito por Deus; ela era a epifania. A luz, naturalmente, tinha um statusespecial também para os pintores; por volta da época de Newton, eles atratavamcomo“umatodeamor”,naspalavrasdeKennethClark,porquealuzpareciaespalhar-se,darbrilhoeintensidadeaomundo.1Mas o nascimento da ciência moderna, e especialmente o trabalho de

Newton, colocou uma ameaça a essa visão. De repente, a luz perdeu seustatuscomoprincípiodaepifania.Nãoeramaisomundoqueseiluminavaasimesmo,pormeiodaluz,embene íciodahumanidade;agoraeracomoseamentehumanaseestendesseparailuminaromundo.Aluztornou-seapenasmaisumfenômenogovernadopelasleisracionaisdamecânicaedamatemática.2 Essa reação à nova ciência pode ser medida pelo que ospoetas achavam que Newton tinha feito com aquele baú do tesouro decores,oarco-íris.ParaalgunspoetaseartistasdoséculoXVIIIeiníciodoXIX,Newtonera

o inimigo.Eleparecia ter transformadooarco-íriseoutrasmanifestaçõesda cor em um exercício de matemática. Keats foi um desses. Em 1817,Keats lamentou que “o arco-íris foi roubado de seu mistério”; em umafesta, Keats e o escritor Charles Lamb censuraram seu an itrião, o pintorbritânico B.R. Haydon, por ter incluído a cabeça de Newton em uma dassuas telas, e reclamaram que Newton “tinha destruído toda a poesia doarco-íris,aoreduzi-loàscoresprismáticas”. 3Umanoemeiodepois,aindainquieto, Keats referiu-se ao assunto novamente, em seu poema “Lamia”(1820), usando a prática então comum de referir-se à ciência como“filosofianatural”:

NãoéquetodooencantosomeApenasaotoquefriodafilosofia?Outrorahavianocéuumarco-írisimponente:Conhecemosseutecido,suatextura;eleestánaaborrecidalistadascoisascomuns.

Afilosofiaquercortarasasasdeumanjo,derrubartodososmistérioscomréguaecompasso,

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tiraramagiadoar,aminadosgnomos–desmancharotecidodoarco-íris…

Omesmoanoviutambémapublicaçãodopoema“Aoarco-íris”,deThomasCampbell:

Podetodaessaópticaensinar,desdobraratuaformaparameagradarassim,comoquandosonhodepedrariaseouroescondidosemteuarcoradiante?QuandoaciênciaretirardafaceencantadadaCriaçãoovéu,quantasbelasvisõescederãoseulugaràsfriasleismateriais!

OpoetaWilliamBlakerepresentouNewtonemumdesenho,nu,comoumhomembarbadomedindocoisascomexatidão,usandoumcompasso,eescreveu:

OsátomosdeDemócritoeaspartículasdeluzdeNewtonsãogrãosdeareianaspraiasdomarVermelho:OndeastendasdeIsraelbrilhamtãovivas.

EmsuasobrasTeoriadascoreseContribuiçõesparaaóptica,JohannWolfgangvonGoethechegaapontodetentardesenvolverumaciênciadacorexplicitamenteantinewtoniana,baseadaexclusivamenteemcomoelaépercebida.Goetherealizouumaextraordináriasériedeexperimentos,conseguindodescrevereexplicaraspectosdapercepçãodacorqueNewtonnãotinhapercebido,OtrabalhodeGoetheinfluencioufortementemuitosartistas,inclusiveopintorJ.M.W.Turner.Mas outro grupo de artistas abordou o feito de Newton com um novo

olhar. O próprio Newton não parecia ser grande conhecedor das artes;umavezelesereferiuaesculturascomo“bonecosdepedra”,egostavade

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citar a opinião de Isaac Barrow sobre poesia: “uma espécie denonsenseengenhoso”. Mesmo assim, muitos artistas acharam que ele abriu novosdomíniosdebeleza.UmdelesfoiopoetainglêsJamesThomson,que,comoassinalouMarjorie Nicolson, aprendeu com outros colegas a ver os arco-íriseoscrepúsculoscom“olhosnewtonianos”:4

Aindaagora,osolpoenteeasnuvensdeslizando,vistas,Greenwich,deteusbelosmontes,declaramcomoécerta,ebela,aleidarefração.

ComoM.H.Abramsescreveu,Thomsonpareceacreditarque“ApenasNewtonviuabelezanua”.A divisão entre os poetas românticos do século XVIII e início do XIX

representaumadivisãoqueaindaestápresenteentrenós, entreaquelespara quem pesquisa e investigação destroem a beleza e aqueles paraquem elas aprofundam a beleza. O ísico Richard Feynman uma vez foipostoàprovaporumamigoartista,quea irmavaque,enquantoosartistasveema beleza emuma lor, um cientista a despedaça e a transforma emalgofrioesemvida.Feynman,éclaro,nãosedeixouenganar.Eleretrucouque, como cientista, era capaz de ver não menos, porémmais beleza nalor.Podiaapreciar,porexemplo,asbelasecomplicadasaçõesdentrodascélulasdaflor,emsuaecologia,emseupapelnosprocessosevolucionários.“Oconhecimentocientí ico”,disseFeynman, “apenasaumentaaexcitação,omistérioeamaravilhadeumaflor.”Aprender tais coisas não reduz a apreciação da lor mais do que

aprender acústica reduz a apreciação pelas Quatroestações de Vivaldi. Aconservação do nosso sentido de deslumbramento em relação aomundonão é conquistada pelo nosso afastamento da ciência, mas pelo nossoengajamentonela.Oantídotocontraosábioastrônomoéobomastrônomo–aquelequecontinuaacompartilharessedeslumbramento.

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EquipamentousadoporHenryCavendishparamediradensidadedaTerra.

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5

OpesodomundoOausteroexperimentodeCavendish

OcientistainglêsHenryCavendish,umdosmaioresnomesdaquímicaedaísicanoséculoXVIII,foitambémumdeseusmaisestranhospersonagens.Felizmente, tanto para ele quanto para a ciência, sua formaçãoaristocráticaea riquezaqueherdouproveram-lheosmeiosde satisfazerseus interesses de suaprópriamaneira. Como resultadodisso, conseguiurealizar um experimento cuja precisão não pôde ser aprimorada por umséculo.Cavendish (1731-1810) tinha uma voz nervosa e aguda, vestia roupas

esquisitas,literalmenteforademodahámaisde50anos,eseafastavadaspessoas tanto quanto podia. Seu primeiro biógrafo, um cientista daRoyalSociety chamado George Wilson, escreveu que os colegas diziam queCavendish se vestia como seus avós – o que incluía um tricorne, chapéualto de três pontas – e que era “tímido e acanhado a umnível doentio”. 1Quando tinha de passar pelo sofrimento de ser apresentado a outros,Cavendish olhava silenciosamente sobre suas cabeças, quando não fugiadasalaemdesespero.Àsvezesficavadepé,paralisado,diantedeumasalaabarrotada,literalmenteincapazdeentrar.Quandoandavadecarruagem,encolhia-se em um canto para que não o pudessem ver pelas janelasabertas. Em suas caminhadas diárias sempre fazia o mesmo trajeto, namesma hora, e ia pelo meio da rua para evitar encontros indesejáveis.Quandonotou que seus vizinhos haviampercebido sua rotina diária e sereuniam para observar o excêntrico do bairro, Cavendish mudou dehorárioepassouafazersuascaminhadasànoite.OúnicoretratoexistentedeCavendish tevedeserpintadoemsegredo.Seuscolegas, sabendoque

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eleeratímidodemaisparaconcordar,convidaramsecretamenteumpintorparaumjantardaRoyalSocietyeocolocarampertodeumaextremidadeda mesa para que pudesse dar uma boa olhada no rosto de Cavendish.Cavendo tutus (“Esteja a salvo, sendo prudente”) era o lema da famíliaCavendish,mas com o seu comportamentoHenry levava esse conselho aumexageropatológico.Cavendish, que perdera a mãe aos dois anos de idade, tinha medo

especial demulheres. Para evitar a presença de sua governanta, deixavainstruçõesporescritosobreastarefaserefeiçõesdodiaseguinteantesdeseretirarparadormir.Depoisdeacidentalmenteencontraragovernantanaescada,ele fez instalarumaoutraescadanos fundosdacasaparaqueisso não se repetisse. Um colega da Royal Society assim descreveu outroepisódio:

Umatardeobservávamosumalindajovemque,desuaaltajanelanoladoopostodarua,olhavaos ilósofos a jantar. Ela foi notada, e um a umnos levantamos e nos juntamos embaixo paraadmirá-la.CavendishachouqueestávamosolhandoaLua,aproximou-secomseujeitoestranhoe,quandoviuorealobjetodenossoestudo,virou-secomintensodesgosto,grunhindo“Argh!”.2

Cavendish era totalmente metódico em sua vida e trabalho. Semprecomiaamesmarefeição:pernadecarneiro.Suasrotinasdiárias,deacordocom Wilson, eram executadas segundo uma lei “in lexível e imperativacomoaquelaqueregeomovimentodeestrelas”:

Ele usava a mesma roupa ano após ano, sem dar atenção às mudanças namoda. Calculou avinda de seu alfaiate para fazer suas novas roupas como se fosse a chegada de um cometa….penduravaochapéusemprenomesmocabidequandoiaaencontrosdoClubedaRoyalSociety.Abengalasempreeracolocadaemumadesuasbotas,esemprenamesma…Assimele foiemvida, uma bela peça de engrenagem intelectual. E como viveu pela regra, morreu por ela,predizendosuamortecomose fosseoeclipsedeumgrandeastro(e foimesmo)econtandoomomentoemqueasombradomundoinvisívelviriacobri-loemsuastrevas.3

Wilson,umescritorcuidadosoeperceptivo,eraambivalentesobreseuobjeto biográ ico. Quando forçado a falar de Cavendish como pessoa,Wilson lutou heroicamente para produzir a seguinte descrição daquelehomemestranhoebrilhante:

Moralmente ele era uma página em branco, e pode ser descrito apenas por uma série de

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permutações.Nãoamava;nãoodiava;nãotinhaesperanças;nãotinhamedo;nãotinhafécomoosoutroshomens.Eleseseparoudosoutroshomens,eaparentementetambémdeDeus.Nadahaviadeardente,entusiasta,heroicooucavalheirescoemsuanatureza,assimcomonadahaviademesquinhoou ignóbil. Elequasenão tinhaemoção.Tudooqueexigia, para ser entendido,algomaisdoqueointelectopuro,ouousodaimaginação,afeiçãooufé,eradesagradávelparaCavendish. Uma mente intelectual a pensar, um par de olhos maravilhosamente precisosobservando,umpardemãosmuitohábeisexperimentandoouanotando,é tudooqueeusoucapaz de ver em seus escritos. Seu cérebro parece ter sido apenas ummecanismode cálculo;seus olhos, janelas para a visão, não fontes de lágrimas; suas mãos, instrumentos demanipulação que nunca tremiam com emoção ou se juntavam em adoração, gratidão oudesespero;seucoração,nadamaisdoqueumórgãoanatômico,necessárioparaacirculaçãodesangue. Ainda assim, se um ser como esse, que inverteu o preceito “nihil humani me alienumputo”[“Nadaquesejahumanoéestranhoparamim.”],nãopodeseramado,tampoucopodeserodiadooudesprezado.Eleera,adespeitodaatro iaoufaltadedesenvolvimentodasqualidadesencontradas naqueles em que “os elementos são gentilmente agregados”, um gênio tãoverdadeiro quanto os meros poetas, pintores e músicos, de intelectos e corações pequenos,porémgrandeimaginação,diantedosquaisomundoestádispostoaseajoelhar.4

Esse gênio estava presente em sua visão particular do mundo e seupapel nele como cientista. Wilson prossegue: “Sua teoria do Universoparece ter sido que ele consistia unicamente em múltiplos objetos quepoderiamserpesados,numeradosemedidos;evocaçãoqueeleacreditavaser a sua era pesar, numerar e medir tantos desses objetos quanto seutempodesetentaanospermitisse.”Cavendish usou uma mínima parte de sua residência, em Clapham,

perto de Londres, como moradia, deixando o restante abarrotado deequipamento cientí ico – termômetros, manômetros, instrumentos demedida, aparelhos astronômicos. Ele transformou os andares superioresem um observatório astronômico, e a maior árvore em seu jardimliteralmente sustentava suas observações meteorológicas. Cavendish eraum reconstrutor compulsivo de instrumentos, implementando melhoriassigni icativasabalançasquímicas,equipamentoselétricos,termômetrosdemercúrio, aparelhos geológicos e instrumentos astronômicos. Mas não seimportavacomaaparênciaexternadesuascriações,que foramdescritasporhistoriadoresdaciênciacomfrasescomo“deexteriorgrosseiroporémdeperfeiçãosingular”.(Defato,suagovernantasesurpreendeuumdiaaodescobrirqueelehaviacriadoumaparelhoevaporadorapartirdeváriaspanelasdacasa.)

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Alguns historiadores da ciência escreveram sobre o efeito que apersonalidadedeumcientistaproduzemseutipodetrabalho.NocasodeCavendish,isso é verdade, mas o oposto também o é: a ciência teve umefeito sobre sua personalidade. As medições exatas exigidas por seutrabalhocertamenteajudaramamanteressenotórioneuróticocomoumapessoa funcional. As medições não apenas concentravam sua energia deformaconstrutiva,mastambémlhegarantiramorespeitodaRoyalSociety,permitindo-lhe conservar as poucas ligações sociais que possuía. Elemerecia tal respeito, pois suas realizações eram signi icativas e tinhamvastas implicações.De fato, essas realizações eramaindamaiores do quese sabia, pois Cavendish, que via suas descobertas como propriedadepessoal, nãopublicoumuitas delas, emparteporque eraumeremita, emparte porque considerava seus experimentos ainda em progresso,distantesdaprecisãoadequada.Emumacarreirade50anosde trabalhoobsessivo, ele escreveu menos de 20 artigos, e nenhum livro. Comoresultado disso, a lei de Ohm (que descreve o relacionamento entrevoltagem elétrica, resistência e amperagem) e a lei de Coulomb (quedescreve a força entre dois corpos eletricamente carregados) nãoreceberamonomedohomemqueprimeiroasdescobriu.Comoobrasdearte abandonadas no sótão por um artista perpetuamente descontente,essas descobertas permaneceram ignoradas em seus cadernos pordécadas, e foram encontradas muito depois por perplexos editores ehistoriadores.Wilson,novamente:

OBelo,oSublimeeoEspiritualparecemterdescansadojuntosalémdeseuhorizonte….Muitosdenossos ilósofosnaturais têmum forte ebemcultivado sensodeestética, deleitando-se emuma ou outra, ou em todas as belas-artes. Mas Cavendish não se importava com nenhumadessas.5

Henry Cavendish era atraído, em vez disso, para estéticas maisprofundas, austeras.Ele tinhaumsenso instintivoparaos tipos certosdemediçõesaseremfeitaseparaojeitomaissimplesderealizá-las–eentãotrabalhava sem descanso para aperfeiçoar a precisão de seusequipamentos. Seu primeiro trabalho, publicado em 1766, foi sobre

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medidasquímicas;estavacom35anos.Seuúltimotrabalho,publicadoem1809, um ano antes de sua morte, cobria medidas astronômicas. Nesseínterim, ele pesou e mediu uma multiplicidade de coisas com muitaprecisão.Uma dessas coisas foi o mundo. O experimento de Cavendish, entre

1797 e 1798, para determinar a densidade da Terra foi sua obra-prima,desa iando ao máximo sua busca fanática de precisão. Ele fez muitasdescobertas importantes, mas esta veio a ser conhecida como “OexperimentodeCavendish”.O experimentumcrucisdeNewtonfoioqueoshistoriadoreschamamdeumexperimentodedescoberta,poisrevelouumnovo e inesperado aspecto domundo em uma área na qual a teoria erafraca.Newton tambémoextraiudeuma longa sériedeexperimentoseoapresentou comoumademonstração que validava todo o seu trabalho. OexperimentodeCavendish,poroutrolado,foiumexperimentométricoqueresistiu ao extremo grau de precisão que o tornou possível, e não umaparte de uma série, dependente de uma teoria relativamente bemdesenvolvida.Oexperimentoganhouimportânciaao longodotempo.Pois,embora Cavendish o tenha usado para medir a densidade (de fato, o“peso”)domundo,cientistasquecolocarama leidegravitaçãodeNewtonem sua forma concisa moderna descobriram que o experimento deCavendishéperfeitoparamedirovalordoimportantíssimotermo“G”–aconstanteuniversaldagravitação.

O caminho que levou Cavendish a esse experimento começou, como eracaracterístico dele, com uma questão sobre precisão – a precisão deinstrumentos geográ icos. Em 1763, o astrônomo Charles Mason e oagrimensor Jeremiah Dixon, ambos ingleses, foram enviados às colôniasbritânicas para resolver a antiga disputa de divisas entre Pensilvânia eMaryland.OresultadoseriaafamosalinhaMason-Dixon,importantedivisana história dos Estados Unidos nos anos que levariam à Guerra Civil.Cavendish duvidou da precisão que eles poderiam conseguir em seutrabalho, porque a grande massa das montanhas Allegheny, a nordeste,exerceriauma leve forçagravitacional sobreos instrumentosmétricosde

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Mason e Dixon – uma força que não era compensada por uma massaequivalente a sudeste, pois a água do oceano Atlântico é muito menosdensaqueasrochas.NamentedeCavendish,adiferençaentreasdensidadesdemontanhas

eoceanoslevantouumaquestãosobreadensidadedaprópriaTerra.Essetema era interessante não só para os agrimensores, mas também paramuitosoutrostiposdecientistas,incluindofísicos,astrônomosegeólogos.De acordo com Newton, a atração gravitacional entre dois corpos é

proporcional a suas densidades. A atração gravitacional relativa exercidapor corpos astronômicos entre si torna possível determinar suasdensidades relativas; Newton, por exemplo, estimava que Júpiter possuíaum quarto da densidade da Terra. E, com base na densidade relativa damatéria na super ície da Terra e nas minas, Newton fez uma estimativasurpreendentemente precisa de sua densidade, escrevendo que “éprovável que a quantidade total de matéria na Terra seja cinco ou seisvezes maior do que seria se todo o planeta estivesse coberto de água”. 6Masninguémpossuíaummétodoparamediressaestimativa.Parafazê-lo,seriaprecisomediraatraçãoentredoisobjetosdedensidadesconhecidas.A razão da atração entre esses objetos e suas densidades poderia sercomparada à razão da atração entre esses objetos e a Terra paradeterminaradensidadegeraldoplaneta.Masoscorposquesepoderiammedir em laboratório exerceriam uma atração gravitacional tão pequenaque Newton e outros pensavam que seria impossível medi-la. Umaalternativa seria calcular quanto de uma massa de solo de densidadeconhecida (como uma rocha de forma geométrica e geologicamenteuniforme) arrastaria um pequeno objeto, como um pião de prumosuspenso de forma que seus desvios pudessem ser medidos de formaprecisa.Mas os cálculos deNewton o levaram ao desespero. “Montanhasinteiras não seriam su icientes para produzir qualquer efeito visível”, eleescreveu.7Aindaassim,aquestãodadensidadedaTerraera tãourgenteparaos

astrônomos, ísicos,geólogoseagrimensoresqueem1772aRoyalSocietyindicou um “Comitê da atração” para tentar avaliá-la, o que o astrônomo

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Neville Maskelyne descreveu como um esforço para fazer “a gravitaçãouniversal damatériapalpável”.O comitê, que tinhaCavendish entre seusmembros, decidiu tentar o método do pião de prumo. Em 1775, a RoyalSociety patrocinou uma expedição para realizar esse experimento –planejadoprincipalmenteporCavendish,masexecutadoporMaskelyne–na Escócia, numamontanha grande, porémde formato regular, chamadaSchiehallion (“Tempestade Constante”). O experimento, como eraprevisível,foiatrasadopelomautempo,mas,quandoconcluído,Maskelynedeuumafestatãoagitadaparaosfazendeirosescoceses–comoconsumode um grande barril de uísque e um incêndio, acidentalmente iniciadopelos foliões, quedestruiu a choupanana qual se realizava a festa – queelapassouparaofolcloreeémencionadaemumabaladagaélica.8De volta a Londres, ummatemático calculou, a partir das observações

coletadas,queadensidadedaTerraera4,5vezesadaágua,assumindo-sequearazãoentreadensidadedaTerraeadamontanhaera9/5,equeadensidadedamontanhaera2,5vezesadaágua.Maskelynerecebeuumamedalhaporseufeito;aocondecorá-lo,odiretordaRoyalSocietygabou-sedequeosistemanewtonianoestava“completo”.Cavendish, naturalmente, não havia participado do banquete dos

bêbadosnemestavanamontanhaquandoasobservaçõesforamfeitas.Aocontrário de Maskelyne e de seus colegas da Royal Society, Cavendishpreocupava-se com essas suposições. O que lhes dava certeza de que arazãodadensidadedaTerraedamontanhaerade9/5,equeadensidadedamontanhaera2,5vezesadaágua?Sem ter certezadacomposiçãodamontanhaedesuasdimensõesprecisas,amedidadadensidadedaTerrapermaneceria apenas aproximada. Ele concluiu que uma mediçãorealmenteprecisadadensidadedaTerradeveriaserfeitaemlaboratório,usando-se corposde forma e composição conhecidas.A desvantagem, elesabia, era que a força a ser medida seria extremamente pequena. Se oeminente Newton pensou que nem mesmo uma montanha causaria umefeitomensurável,comoissopoderiaserfeitoemlaboratório?Em seu estilo característico, Cavendish remoeu silenciosamente o

problema ao longo de anos, enquanto trabalhava em outros projetos.

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Finalmente, discutiu-o com um de seus poucos amigos, o reverendo JohnMichell. Além de sacerdote, Michell era geólogo e estudava a estruturainternadaTerra.ForaadmitidonaRoyalSocietyem1760,nomesmoanoqueCavendish.Em1783, cientedequeMichell estavacomproblemasdesaúde enquanto tentava construir um telescópio ambiciosamente grande,Cavendish escreveu a seu amigo que, “se sua saúde não permitir quecontinuecomisso,esperoqueaomenoslhepermitaatarefamaissimplesemenostrabalhosadepesaromundo”.9Michell, que, como Cavendish, se ocupava de outros experimentos,

passou uma década construindo o aparato para pesar o mundo, masmorreuantesde conseguirutilizá-lo.OequipamentoacabounasmãosdeCavendish,quepassoualgunsanos reconstruindo-o,paramaiorprecisão.Ele inalmentedeuinícioaoexperimentonoverãode1797.Apesardeterentão 67 anos, Cavendish se aplicou ao projeto com incrível energia,fazendo observações por horas a io, procurando obsessivamente porfontes de erro, e constantemente introduzindo aperfeiçoamentos. Seurelatóriode57páginassobreosresultadosfoipublicadonas TransactionsdaRoyalSocietyem junhode1798.10Umaparte tãograndedoartigo foidedicada à descrição de seus esforços para procurar fontes de erro queum comentarista reclamou que “lia uma dissertação sobre erros”. Otrabalhocomeçavadeformamuitosimples:

Hámuitosanos,o inadoreverendoJohnMichell,destasociedade,desenvolveuummétodoparadeterminaradensidadedaTerra, tornandovisívelaatraçãodepequenasporçõesdematéria;mas,comoestavaengajadoemoutrasatividades,elenãocompletouoaparatoatépoucoantesdesuamorte,enãoviveuparacomelerealizarexperimentos.

Oaparatoémuitosimples,consistindoemumbraçodemetalde1,80mdecomprimento,feitodemaneiraaunirgrandeforçaepoucopeso.Essebraçoémantidosuspensoemposiçãohorizontal por um arame lexível de 102cm de comprimento, e em cada extremidade delependura-seumaboladechumbodeaproximadamente5cmdediâmetro;eotododoaparatoécontidonumafinacaixademadeira,queoprotegedovento.

Michellpretendiamediraatraçãoentreessasesferasdemetalde5cm,colocadascomopesosdehalterofilismoemcadapontadobraçodemadeirasuspensodoteto,eduasesferasde20,30cmquesemoveriampróximoàsesferasde5cm.Eleentãotrariaospesosmaioresparamais

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pertodosmenores.Istoé,sevocêseimaginarolhandodoteto,obraçodemadeiraeasbolasmenoresestariamposicionadas,vamosdizer,às12heàs6h,enquantoasbolasmaioresestariamà1heàs7h.Aatraçãoentrecadapar(ummaior,ummenor)deesferaspuxariaobraço,colocando-oemmovimento.Comoo arame que suspendia o feixe era lexível, o movimento tomaria a

forma de uma oscilação do braço de madeira para a frente e para trás.MediraoscilaçãopermitiriaaMichellcalculara forçadeatraçãoentreasesferas.Isso,comaforçadeatraçãoconhecidaentreasesferaseaTerra,proporcionaria a informação necessária para determinar a densidadedesta.MasasegundapáginadorelatóriodeCavendishtrazàluzasprincipais

di iculdades dessa abordagem: a força de atração entre as esferas seriaextremamente pequena, apenas 1/50.000.000 de seu peso. “Está claro”,Cavendishescreveu,“quequalquerforçaquegereomenordistúrbioserásu iciente para destruir o sucesso deste experimento.” Amenor correntede ar, força magnética ou outra força externa tornaria o experimentoimpossível.Porisso,quandooequipamentodeMichellchegouasuasmãos,ele nãoo achou “tão convenientequanto o esperado” e escreveu: “Decidirefazeramaiorpartedele.”“Conveniente” era um eufemismo. Cavendish trabalhou arduamente e

semdescansoparamelhoraraprecisãodoaparato.Aprimeiracoisaquefez foi aumentar as esferas – elas se tornaram esferas de 30,50cm,pesando158,76kgcadauma.Mesmoassim,permaneciaessencialprotegê-las de forças externas – mas isso, felizmente, era algo que Cavendishestava preparado para fazer. A necessidade de reduzir e controlar essasforçastornou-seodesafioperfeitoparasuanaturezaobsessiva.Oproblemamais di ícil e imediato envolvia diferenças de temperatura

na sala. Se uma parte do equipamento estivesse um pouco mais quentequeoambienteaoseuredor,oaràsuavoltasubiria,provocandonasalacorrentesdearquemoveriamobraçodemadeira.Atémesmoocalordeumapessoanasalaseriacompletamenteinaceitável,assimcomoodeumalâmpada.

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Convencidodanecessidadedeevitaressa fontedeerro,resolvicolocaroaparatoemumasalaquepermaneceriaconstantementefechada,eobservaromovimentodobraçodemadeirapeloladodefora,comaajudadeumtelescópio;esuspenderospesosdechumbodetalmaneiraquepudessemovê-lossementrarnasala.

Portanto,Cavendish instalouoaparelhodecaixaeesferadeMichell, járefeito, na sala fechada de uma pequena construção no seu jardim, emClapham.Mas,parapoderoperaroexperimentosementrarnasala, tevedeprojetá-lomelhor.Cavendishremontouopardepesosmaioresemumsistema de roldanas para que eles pudessem ser movidos, gradual elentamente, pelo lado de fora da sala (Figura 5.1). Usando a chamadaescala Vernier, ele ixou em cada ponta do braço ponteiros de mar imcapazes de determinar sua posição em menos de 0,025cm, e instaloutelescópiosnasparedesparaqueessesdadospudessemser lidosdeforadasala.Mas,comopretendiarealizaroexperimentosobretudonoescuro,instalouumalâmpadaacimadecadatelescópiocomlentesparafocalizaraluzatravésdeumapequenajaneladevidroesobreosponteiros.

Figura5.1.DiagramadeCavendishmostrandoumpardeesferaspequenasmontadasemcada

extremidadedeumahasteencaixadanumestojo.Umpardeesferasmaispesadaseraposto

parasemovimentarpertodoprimeiropar.

Para realizar o experimento, elemoveria ospesosmaiorespróximos àcaixacontendoospesosmenoresmontadosnasextremidadesdobraçodemadeira.Aatraçãoentreessespesospuxariaobraço,fazendo-omover-se.Medirapequenaoscilaçãoresultantepoderialevaratéduashorasemeiadeobservaçãocuidadosaecontínua.Ao refazer o equipamento com esse grau extremo de precisão,

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Cavendish enfrentou a chamada “barganha do experimentador”. Cadapeça deveria ser apenas tão resistente e precisa quanto o necessário, enadamais – poismelhorá-las poderia ter efeitos indesejáveis para outrapartedo equipamento.Aumentar o tamanhodas esferaspresas aobraçode madeira, por exemplo, aumentaria o efeito, mas também reduziria aprecisão,aoforçarobraçoeoaramequeosuspendia.Seelereforçasseobraço para compensar, isso colocaria uma tensão maior no arame.Reforçaroarameparacompensarampliariaaforçaexigidaparamoverofeixe, reduzindo a sensibilidade do experimento – e eliminando o efeitocausado por esferas maiores. O gênio de Cavendish estava em saberexatamente que barganha fazer em cada parte para maximizar tanto oefeitoquantoaprecisãodoequipamentocomoumtodo.Embora amaior preocupaçãode Cavendish fosse comas correntes de

ar,eletambémsepreocupavacomacontribuiçãodaatraçãogravitacionaldasvarasdemetalusadasparasuspenderospesosmaioresebalançá-losperto dos menores. Isso fez com que removesse os pesos e medisse aatração das varas por si mesmas, e então as substituísse por varas decobre,paraverseexerciamatraçãomagnética.Cavendishseperguntouseo arame que usava para suspender o braço de madeira erasu icientemente elástico; testou o arame e, mesmo depois que osresultados mostraram que ele era su icientemente elástico, substituiu-oporoutromaisadequado.Preocupadocomqueasesferasdemetalde5cmabsorvessem uma pequena quantidade de magnetismo por seremorientadasdamesmamaneiranocampomagnéticodaTerraporumlongotempo, ele as giroupara contrabalançar esse efeito, e então as recolocou,com ímãs, paramedir qual seria a atração se omagnetismo estivesse defato presente. Esse é um exemplo do que chamamos de “vigilância docientista”: se você suspeitar da presença de um efeito causador dedistúrbiosemseuexperimento,amplie-oatépodermedi-loecompensá-locuidadosamente. Cavendish suspeitou de que havia atração gravitacionalentre a caixa de mogno que cercava o braço de madeira, as esferasmaioreseasesferasmenores,emesmoquandosuasmedições indicaramque a atração era insigni icante, ele dedicou um apêndice inteiro de seu

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relatório a tal aspecto. Tudo isso exigia mais que meticulosidade. Parasaber o que acontecia em cada caso, e ser capaz de isolar, medir ecompensar cada força que afetasse o experimento, Cavendish tinha derecorrer ao seu vasto domínio do conhecimento cientí ico de seu tempo,desdeaeletricidadeeomagnetismoatéaconduçãodecalor,amatemáticaeagravitação.Cavendishconheciaadensidadedosdoisparesdeesferasea forçade

atraçãoentreasbolaseaTerra.Assimqueestabeleceuaforçadeatraçãoentre osdois paresde esferas, pôdeusar a razãoda atração entre essesobjetos e suas densidades para determinar a densidade global da Terra.“Por meio dos experimentos”, Cavendish concluiu, “resulta que adensidade da Terra é 5,48 vezes maior que a da água” – um resultado,como ele acrescenta com evidente satisfação, que é determinado “comgrande exatidão”. Com alguma alegria, ele apontou a discrepância entreesse resultadoeaqueleconcluído25anosantescom tantas fanfarrasemSchiehallion, umachado “que sediferenciamaisdo resultado anteriordoque eu esperava”. Mesmo assim, Cavendish a irmou com cautela emodéstia características que se absteria de julgar “até que tenhaexaminadomaiscuidadosamentequantooresultadoanterioréafetadoporirregularidadescujaquantidadesouincapazdemedir”.

No começo do relatório, Cavendish havia mencionado que uma fontepotencialde correntesdear criara “umdefeitoquepretendocorrigir emexperimentosfuturos”.Evidentemente,eleviaoexperimentointeirocomoumtrabalhoemprogresso,umdescansotemporárionumabuscademaiorprecisão.Estavacheiodeideiasparamelhoramentos.Mas ele jamais realizaria o experimento novamente, embora muitos

outros o tenham feito. No século seguinte, os cientistas recriariam seuexperimentomuitasvezes, comnovas técnicas, sempreprocurandomaiorprecisão – mas commelhorias insigni icantes. Por incrível que pareça, omaiorerroemseuexperimentoacabousendoumerromatemáticobanal,quefoiencontradomuitodepoisporumcientista.Porém, algo estranho aconteceu com o experimento ao longo de uma

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centena de anos: seu propósito evoluiu. O valor da densidade total daTerra se tornoumenos importante cienti icamente do que o valor de umtermo na equação que é a maneira moderna de se formular a lei dagravitaçãouniversaldeNewton.Em termosmodernos,Newtonhaviaditoqueaforçagravitacionaldeatração FentredoiscorposesféricosdemassaM1 eM2 separados por uma distânciaR depende do produto de suasmassasdivididopeladistânciaentreelesaoquadrado–multiplicadopelaconstanteque representaopoderda força gravitacional, conhecida como“G”. Isto é,F= GM1M2/r2. Embora Cavendish não conhecesse as leis deNewton sob essa forma, e a importantíssima constanteG não apareça emseu relatório, cientistas futuros perceberam que G era facilmentemensurável a partir desse experimento maravilhosamente preciso – e oexperimentofoirapidamenterealizadocomessepropósito,enãomaiscomodedeterminaradensidadedaTerra.Comoumcientistaquerealizavaoexperimentoescreveu,em1892:“DiantedocaráteruniversaldaconstanteG, parece-me que descrever o propósito deste experimento como adescoberta da massa da Terra ou da densidade da Terra, ou, menosprecisamente,dopesodaTerra,édescerdosublimeaoridículo.”11Quase50anosdepoisdamortedeCavendish,nadécadade1870,um

laboratório agora famoso portando seu nome foi construído naUniversidade de Cambridge, graças a uma doação do reitor dauniversidade,parentedistantedeCavendish.Hoje, estudantes ainda realizam o experimento de Cavendish com os

mesmos elementos básicos, mas com técnicas métricas mais avançadas,comolasersquericocheteiamdeespelhos ixadosàsesferasouàhastedemadeira, para indicar sua de lexão. Realizado da forma correta, esteexperimentorevelaopoderdaforçaquemantémtodaamatéria–todooUniverso – unida. Com este resultado, podem-se descobrir ocomportamento de objetos na órbita terrestre, omovimento dos planetasdosistemasolareomovimentodasgaláxiasdesdeotempodobig-bang.OsempreambivalenteWilsonescreveunabiografia:

Ele foi um dos benfeitores não recompensados de sua raça, que pacientemente ensinava eservia aos homens enquanto eles se distanciavam de sua frieza, ou gozavam de suas

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peculiaridades.Elenãopodiacantarparaelesumacançãodoce,oucriar “algobelo”queseria“uma alegria eterna”, ou tocar seus corações, ou in lamar seus espíritos, ou aprofundar suareverênciaouseufervor.Nãoerapoeta,padreouprofeta,apenasumainteligênciafriaeclara,projetando sobreomundoumapura luzbranca,que clareava tudooque tocava,masanadaesquentava – uma estrela pelo menos de segunda, se não de primeira magnitude, nofirmamentointelectual.12

AbelezacriadaporHenryCavendisheradeumaordemdiferente.Oinstrumentoqueusoueradeselegante;seuprocesso,tedioso;esuamatemática,complexa.Apesardisso,emvirtudedesuaincansávelseveridademetódica,daformaqueelecontinuouextirpandofontesdeerroesubstituindopeçassupérfluasatéqueoobjetodesuabuscaaparecesse,oexperimentodeCavendishergue-sesozinhoemsuametódica,nuaeausterabeleza.

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Interlúdio5

Integrandociênciaeculturapopular

Na verdade, a balada gaélica que Maskelyne menciona,A BhanLunnainneach Bhuidhe, nada tem a ver com ciência, nem com oexperimentodeSchiehallionparamediradensidadedaTerra,nemcomafesta que aconteceu depois. A balada, escrita por um violinista durante afesta, é sobreoviolinodomúsico (“Minha fortunaeminhaquerida”)quevirou cinza no incêndio iniciado pelos foliões. Maskelyne aparece apenasporquecumpriuapromessadesubstituiroviolino.Emresumo,abaladaémaisumexemplodecomoaciênciaéusadapela

culturapopular.Nos ilmes,porexemplo,aciênciageralmentesurgecomopretextopara algumaoutra coisa –umaperseguição, umcon litodobemcontra o mal –, com a ciência em si recuando para segundo plano.Personagens que são cientistas aparecem em uma pequena palheta depapéissuper iciais,taiscomoointeligente,porémmaligno,vilãoeonerd–umapessoabrilhanteemumcampotécnico,masincompetentenasoutrascoisas, pouco amigável e socialmente inepto. Nos ilmesE.T. eSplash!, osfrios cientistas sem emoções quasematam o vital, mas de alguma formaindefeso,protagonista.Muitoestáemjogonaformacomoaarteeaculturapopularassimilam

aciênciaeasquestõescientí icas,poisambassãoespaçosimportantesemque a sociedade processa suas ambições e ansiedades. Portanto, adi iculdadequeaarteeaculturapopulartêmdeintegrarbemaciênciaeasquestõescientí icaséperturbadora,diantedopapelfundamentalquea

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ciênciarepresentanavida,comaqualformaumtecidoinextricável,desdeostemposdeGalileu.Osestereótiposconstantementerecicladosdaciênciacomo fria e distante fazemcom que ela pareça remota, impessoal –portanto, ameaçadora e potencialmente perigosa. Esses estereótipostambémsabotamqualquertentativadeseapresentarabelezanaciência,porquenos impedemde ver comoela, ciência, permeiaprofundamenteomundoesuasmaravilhas.É di ícil até para os artistas bem-intencionados integrar a ciência em

seus trabalhos. Se você acha que apreciar a beleza de experimentoscientí icosrequerpreparação,deveriavercertaspeçasdearteinspiradaspela ciência. Muitos exemplos estavam à mostra em 2003, noquinquagésimo aniversário da descoberta da estrutura do DNA, quandovárias exposições de arte se dedicaram a esse tema. Essas exposiçõeslevaramacríticadeartedoNewYorkTimes,SarahBoxer,acomentarque,“assimcomooDNA,aartedeDNAprecisaserdecodi icada”.Elacomparousua experiência em algumas galerias de arte a assistir a uma ópera comalguém ao lado constantemente sussurrando em seu ouvido o que cadafrasesigni ica.“SevocêquiserentenderasconexõesdoDNA”,escreveu,“vaiprecisarlermuito.”1O teatro é um bommeio para integrar a ciência, dadas as complexas

situações humanas que pode representar. No entanto, mesmo ali asverdades históricas e cientí icas são alteradas para tornar a situaçãohumanaplausível,oumesmoapresentável.UmexemploéapeçadeHeinarKipphart,In the Matter of J. Robert Oppenheimer . Ela se baseia nastranscriçõesdo famosodepoimentodeOppenheimer, em1954, quandoohomem que foi o maior responsável pelo Projeto Manhattan teve suatentativa de restaurar seu visto negado, principalmente porque haviacriado inimigos com sua oposição inicial à bomba de hidrogênio, mastambém por causa de sua antiga posição política de esquerda. MasKipphart, achou necessário inventar um discurso inal ictício paraOppenheimer e fazer outros ajustes, aos quais Oppenheimer se opôsvigorosamente.(Oppenheimertrabalhoucomumatoreumdiretorfrancêspara modi icar o trabalho de Kipphart, mas o resultado, com toda a

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precisãohistórica,eradesprovidodevida.)Entre os escritores cujo trabalho é cienti icamente sensível – o que

signi icautilizarcome iciênciatermos,imagensouideiascientí icasparaoefeito teatral –, está Tom Stoppard, em peças como Hapgood eArcádia.Entre os cientistas cujo trabalho é teatralmente sensível – o que signi icautilizar come iciência o teatroparadramatizarquestões cientí icas –, umexemplo é Carl Djerassi em sua peçaThe Immaculate Misconception eDjerassieRoaldHoffmannnapeçadeambos,Oxygen.Uma das poucas peças a integrar plenamente ciência e teatro é

Copenhagen,deMichaelFrayin,cujostrêsprotagonistassãodoiscientistas,WernerHeisenbergeNielsBohr,eaesposadeBohr,Margarethe.Muitosefalou dessa peça porque ela coloca pessoas da plateia no palco – elasicavamsentadasempedestais,comoseestivessemnumtribunal,olhandopara a plateia –, sugerindo que cada observador é observado e nenhumobservador pode observar a si mesmo, num equivalente teatral doprincípioda incerteza. Issonãoé,pensoeu,omelhormododesalientaraoriginalidade da peça, pois a consciência do eu em ações teatrais é tãovelhaquantoopróprio teatro.Masoque é admirável e constitui a chaveparaosucessonaintegraçãodaciêncianapeçaéopapeldeMargarethe.Ela desempenha de certa forma a função do antigo coro; ela é a nossarepresentante.Masnãoéapenasumaobservadora,umaleigainteressadaecompreensivaqueexigesemanterinformadadosacontecimentosqueacercam. Ela está comprometida com esses acontecimentos e, literalmente,ajuda a compor alguns deles. Niels Bohr achava que escrever eraextremamente di ícil – a ponto de acharem que ele tinha algum tipo dedislexia–,eamaiorpartedeseu trabalhoecorrespondência foiditadaaterceiros, incluindo Margarethe. Portanto, ela era, pelo menos em parte,umacúmplice, enão tinhaqualquer ilusãode ser capazdedarumpassoatráseobservardelongeosacontecimentosquequestiona.Margarethe serve então para nos lembrar de como estamos

comprometidos com a ciência. Alguns se aproximam dela como se fossenadamaisqueumacorporaçãogigantequefezseuninhonomundosocial.Masaciênciaestátãointimamentemescladaàsociedadecontemporânea–

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é tão essencial para a nossa compreensão de nósmesmos e domundo –queé impossível tomaresse tipodedistânciacomrelaçãoaela.Ciênciaémenoscomoumacorporaçãoemais,porexemplo,comotodoosistemadecomércio: qualquer modi icação desse sistema se espalharia como umaonda pela sociedade humana por intermédio de umamiríade de formasemgeralimprevisíveis.Essaíntimaeinseparávelrelaçãoentreaciência,asociedade humana e seu entendimento sugere queCopenhagen nãoprecisaserumaexceção–quecentenasdepeçascomoessapoderiamserescritas. Também implica que a ciência está mais presente do queimaginamosentreasbelezasquejápossuímos.

DiagramadeYoungdeumpadrãodeinterferência(abaixo)produzido

pelaluz(acima)aoatravessarduasfendasmuitopróximas.

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6

AluzcomoondaAlúcidaanalogiadeYoung

O inglêsThomasYoung (1773-1829)recebeuumaeducaçãobemrestritacomomembrodaSociedadedosAmigos(Quacres).Aocompletar21anos,havia desistido de praticar religião e divertia-se muito com a música, asartes, passeios a cavalo e bailes. Mas muito de sua personalidade foiin luenciado por seu passado quacre, que lhe deu pontos fortes e fracos.Seguindo o ideal quacre, ele era franco, cortês e direto, com umamentalidade independente e tenaz. Essas características ajudaram-no adescobrirocaráterondular(ou“ondulatório”,na linguagemdaépoca)daluz–quedesa ioudemodofundamentalade iniçãodeNewton,segundoaqualaluzécompostadepartículas(ou“corpuscular”).MasYoungtambémtinha a propensão quacre a ser lacônico a ponto de parecer frio. Elefrustrava os outros ao expor uma vaga conclusão sem se importar emexplicarseuraciocínio.Muitasvezesessaatitudeprejudicousuacarreiraeaacolhidaaseutrabalho.Aomesmo tempo, a tendência a ser direto e econômico se re letia em

sua habilidade para criar demonstrações simples, porém irrefutáveis. Amaisfamosafoiseuexperimentodaduplafenda–chamadosimplesmentede “experimentodeYoung”hojeemdia–,umaprovabrilhantee simplesdequealuzsecomporta,adespeitodacrençadeNewton,comoumaonda,emvez de um jato de partículas.O experimentodeYoung é umexemploclássicodesucessodousodeanalogiasnaciência.Aomostrarclaramentequealuzagedeformaondulatória,eleproduziuum“ lashontológico”–odesvelamento de um novo signi icado a partir do qual as coisas surgemdiferentesdecomoeramvistasantes.1

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Young tornou-se conhecido como um prodígio pouco depois de seunascimento,em1773.Aosdoisanosaprendeualer;aosseis,jáhavialidoaBíblia do início ao im – duas vezes – e tinha começado a aprender latimsozinho. Logo aprendeu mais de uma dúzia de línguas. Ele foi um dosprimeiros a decifrar hieroglifos egípcios, e teria um papel crucial nadecifraçãodapedradeRoseta.2De1792 a 1799, Young estudoumedicina,mas no inal não teve êxito

em sua prática, emparte por causa de sua inabilidade para confortar osdoentes. Durante esse período, Young se interessou pela visão eespecialmente pela estrutura do olho humano, uma lente extremamentecomplexaeadaptável.Outrosestudosmédicosdespertaramseu interessepelo som e a voz humana, e ele começou a pensar se o som e a luz nãoseriambasicamente similares. Sabia-sequeo soméproduzidoporondasnoar,eYoungconvenceu-sedequealuztambémconsistiaemondas.Issodesa iava a teoria predominante de que a luz era constituída deminúsculaspartículas–otermousadoporNewtonera“corpúsculos”–queviajavamemlinharetaatéoolho.Alguns aspectos ondulatórios da luz haviam sido apontados por vários

cientistasnadécadade1660.Umdeleseraadifração:o cientista italianoFrancesco Grimaldi percebeu que, quando a luz passa através de umapequena fenda na parede, as extremidades da sua ina faixa brilhanteicam ligeiramente borradas, sugerindo que a luz difrata, ou se curvaligeiramente,emtornodaaberturadafenda.Outroaspectoeraarefração,ouacurvadeumraiode luzaoentraremoutromeio,oqueo inimigodeNewton,RobertHooke,a irmavaquepoderiasermaisbemexplicadocasoa luz consistisse em ondas, em vez de corpúsculos. E o cientistadinamarquês Erasmus Bartholin discutira o estranho fenômeno darefração dupla, observado em um tipo de cristal encontrado numaexpedição à Islândia em 1668. Quando um raio de luz atingia a calcita,como esse cristal viria a ser conhecido, dividia-se em dois raios que secomportavam de forma diferente – um fenômeno que confundia oscientistasdaépocaepareciadifícildeexplicarpelateoriacorpuscular.Mas esses efeitos eram pequenos – tão mínimos que os cientistas

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tentavam ignorá-los – e não estava clara a relação entre eles, se é quehaviaalgumarelação.Newton,emespecial,haviaapresentadoargumentospersuasivos contra a concepção de que a luz era ondular, apontando asmuitas observações que contradiziam essa visão, e esperava que algumaoutraexplicaçãofosseencontradaparaaspequenasanomaliasdedifraçãoerefração.ComoNewtonescreveuemsuaÓ ptica, de1704, as ondasnãoviajamem linhas retas, elas se curvamao redordeobjetosque icamemseucaminho–oquealuznãoparecefazer.

As ondas na super ície da água estagnada, passando ao redor de um obstáculo largo quebloqueiaumapartedelas, curvam-se logo após e dilatam-se gradualmentepara a água calmaatrásdoobstáculo.Asondas,ospulsosouasvibraçõesdoar,emqueosomconsiste,manifestamsuacurvatura,masnão tantoquantoasondasd’água.Poisumsinoouumcanhãopodemserouvidos do outro lado da montanha que interrompe a visão do corpo sonoro; e os sons sepropagamigualmenteporcanostortoseretos.Masnuncaseviualuzseguirpassagenstortas….Poisasestrelasfixas,interpostasporquaisquerdosplanetas,deixamdeservistas…3

ApesardaautoridadedeNewton,Young icoufascinadocomaideiadeque o som e a luz eram fenômenos análogos. Já que sua prática médicaexigia pouco de seu tempo ou de seu interesse, ele pôde se dedicar apesquisascientí icassobreesse tema.Youngcompareciaregularmenteàsreuniões da Royal Institution, organização formada havia pouco tempo,cujopropósitoeradifundir“oconhecimentodemelhoriasmecânicasúteis”e“ensinaraaplicaçãodaciênciaapropósitosúteisnavida”.Eledesistiudamedicina em 1801 para integrar a equipe dessa instituição comoprofessor.Umadassuasprincipaisobrigaçõeseraprepararumasériedepalestras para os integrantes da sociedade sobre “Filoso ia natural e asartesmecânicas”.EssaspalestrasilustramospontosfortesdeYoungcomocientista de carreira. Na verdade, elas são minas de ouro para oshistoriadoresdehoje,poisresumemdeformaexataeconcisaquasetodooespectrodoconhecimentocientí icodeseu tempo.Édi ícilpensaremumramo da ciência no qual Young não fosse tão bem informado quanto umespecialista. Além disso, ele usava as palestras para introduzir muitosnovos conceitos fundamentais. Emumadelas, suaplateia ouviu apalavra“energia” usada pela primeira vez em seu sentido cientí ico moderno.Apesar disso, as palestras devem ter sido ummartírio para os ouvintes,

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poisoestilosucintodeYoung, juntamentecomagrandezadeseustemas,fazia delas um exaustivo e aceleradotour de force . De fato, Young icouapenas dois anos como professor da Royal Institution. Ele encontrou umcargomaisadequadoparaseustalentosem1802,quandoaRoyalSocietyoadmitiucomosecretáriodoExterior.Elemantevepelorestodesuavidaesseposto,noqualpôdetirarproveitodoseudomíniodeváriaslínguas.UmanoantesdeentrarparaaRoyalInstitution,em1800,Younghavia

publicadoseuprimeirogranderelatórioexplorandoaanalogiaentresomeluz,“Resumodeexperimentoseindagaçõessobresomeluz”. 4Muitosanossepassariamantesqueele izesseoexperimentoque levariaseunomeeque con irmaria aquela analogia. Mas o relatório de 1800 foi umimportantepassoinicialeummarcodaliteraturacientí ica,poisdescreveupela primeira vez o conceito de interferência no qual seu famosoexperimento se baseou: omodo como, quando duas ondas se cruzam, osmovimentos resultantes combinamoefeitodosmovimentosdecadaondaseparadamente.”Interferência” é um nome infeliz para esse fenômeno, jáquesugerealgoilegítimo,corrupto,oudegradado,quandooquerealmenteacontece é que as duas ondas se combinampara criar algo novo. Talvez,por reconhecer isso, às vezes ele tenha usado o termo mais elegante“coalescência”.Newton tinhaantecipadoparcialmentea ideiade interferênciaquando

explicou as marés em Batsha, um porto do reino de Tonkin, próximo àHaipungmoderna,noVietnã.BuscandocomérciocomTonkin,mercadoresbritânicosdoséculoXVIIsabiamqueaságuascosteirasaoseuredoreramalgo fora do comum. Em 1684, um viajante inglês que passara bastantetempo em Batsha publicou uma carta noPhilosophical Transactionsdescrevendoocuriosopadrãodasmarés:acada14dias,nãohaviamaréalguma – o nível da água não subia ou descia naquele dia –, e, nesseínterim,apenasumamaré,quelentamentesubiaaseupicodepoisdesetediaseentão recuava.Esseestranhocomportamentoatraiuo interessedecientistas, e Newton propôs uma explicação em sua obra-prima,Principia(1688). Asmarés oceânicas, disse ele, chegavam ao porto vindas de doismaresdiferentes–omardaChinaeooceano Índico–,atravésdecanais

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delargurasdiferentes,oquefaziacomqueumachegasseem6horaseaoutra, em 12. Este efeito combinado – a maré alta de um lado, comfrequênciacompensadapelamarébaixadooutro–eliminavaumamaré,eduas vezes a cadamês lunar eliminava ambas, deixando o nível da águainalterado.5 Mas, embora isso seja visto hoje como um exemplo deinterferência de onda, Newton não generalizou sua ideia, nem viu essefenômeno como uma propriedade das ondas: em vez disso, ele oconsiderou uma superposição de movimentos especiais que apenasocorreriamemumdeterminadolugar.O trabalho escrito por Young em 1800 apenas debate o conceito de

interferência em conexão com ondas sonoras, ainda sem generalizá-loexplicitamente para a luz, embora grande parte do trabalho fosse sobreela.Noentanto, seuachado foi identi icara interferência,vê-la comoumacaracterísticabásicadomovimentoondulatório, e entenderqueaconteciasimultaneamente em muitos lugares nos quais as ondas se cruzavam.Porém,adescriçãoporeleapresentadaofuscouaoriginalidadedoconceitoeatémesmoseupapelnessadescoberta.Youngnãochamouatençãoparaoconceito–eleapenassereferiuaofatodeque,quandoasondassonorasse cruzam, cada partícula do meio (moléculas de água ou de ar, porexemplo) toma parte em ambos os movimentos. Ele não reivindicouprioridade por sua descoberta, fazendo com que ela soasse óbvia e bemestabelecida,emodestamente introduziu-aaocorrigiro trabalhodeoutrocientista.6Noanoseguinte,Youngampliouoconceitodeinterferênciaparaaágua

ealuz.Eleescreveriadepois:

Foiemmaiode1801quedescobri,aore letirsobreosbelosexperimentosdeNewton,umaleique amim parece levar em conta uma variedademaior de fenômenos interessantes do quequalqueroutroprincípioópticodequesetenhaconhecimento.

Vou tentarexplicaressa leiporcomparação. Imaginequeumnúmerodeondasdeáguaiguaismova-sesobreasuper íciedeumlagoestagnado,comalgumavelocidade,eentrememumpequeno canal que levapara forado lago. Suponha agoraqueumaoutra causa similartenha provocado outra série igual de ondas, que chegam ao mesmo canal, com a mesmavelocidadeeaomesmotempoqueaprimeira.Nenhumadasduassériesdeondasirádestruira outra, mas seus efeitos se combinarão: se entrarem no canal de tal maneira que aselevações de uma série coincidam com as da outra, elas devem juntas produzir uma série

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maiordeelevações;masseaselevaçõesdeumasériesituam-sedeformaacorresponderàsdepressões da outra, elas devem cobrir exatamente aquela depressão, e a super ície devecontinuartranquila;pelomenoseunãopossodiscernirnenhumaalternativa,tantopormeiodeteoriacomodoexperimento.

Agora,imaginoqueefeitossimilaresocorramsemprequeduasporçõesdeluzsejuntam,eaissoeuchamodeleigeraldainterferênciadaluz.

Nainterferênciadasondasd’água,ospicos–otermotécnicoé“amplitude”–deondasdiferentespodemsecombinarparareforçarumaàoutra,formandopontosdemaiorelevação,aopassoque,na“interferênciadestrutiva”,osvalesdeondasdiferentespodemsecombinarparadeixarasuperfíciedaáguainalterada.Algosimilarocorrenocasodainterferênciadaluz,naqualaamplitudedeumaondadeluzérelacionadaàsuaintensidade.Semprequeamplitudesdeondasluminosaseminterferênciasecombinamparareforçarumaàoutra,elasformampontosdemaiorintensidadeluminosa;semprequeessasamplitudesestiverememdireçõesopostas,elassecancelameformampontosescuros.Young pôs o conceito de interferência em operação de modo a

esclarecer muitos fenômenos curiosos. O mais dramático desses foi suaexplicação para os anéis de Newton, as séries de anéis concêntricos quesurgemquandoumalenteconvexaépressionadasobreumpratodevidro.YoungestendeuadescriçãodeNewtonsobreessesanéisaomostrarquesuasáreasescuraseramprodutosdeinterferênciadestrutiva.E embora as explicações de Young fossem por vezes obscuras, suas

demonstrações não o eram; elas eram claras, simples e surgiam de seuconhecimento completo do tema. Em 1803, por exemplo, ele leu para aRoyal Society um relatório intitulado “Experimentos e cálculos relativos àfísicaóptica”,quecomeçavadaseguinteforma:

Aofazeralgunsexperimentosnasextremidadesdascoresqueacompanhamassombras,euasvicomoumaprovatãosimplesedemonstrativadaleigeraldeinterferênciadaluz…queachocertoentregaraospésdaRoyalSocietyumacurtaexposiçãodos fatosqueamimparecemtãodecisivos….Os experimentos que estou a relatar…podem ser repetidos commuita facilidadesemprequeoSolbrilhar,esemaparatosquenãoestejamàmãoparatodos.8

Noprimeirodessesexperimentos,Youngusouumaagulhaparafazer

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umfurinhonopapelgrossoquetinhausadoparacobrirajanela,deixandoumpequenoraiodeluzcairsobreaparedeoposta.AointerceptarumraiodeSolcom“umatiradecartolinadecercade1/13de2,50cmdelargura”,criou-seumapequenasombracombordascoloridas,nãoapenasdecadaladodasombra,masdifratadasnaprópriasombra.Nessasombra,eleobservouasériedefaixasparalelasbrancasepretasquesãohojeconhecidascomoamarcatípicadeumpadrãodeinterferência.Em suas palestras na Royal Institution, publicadas em 1807, seus

diagramasedemonstraçõeseramespetaculares.Sua23ªpalestra,“Sobreateoriahidráulica”,aplicaoconceitodeinterferênciaaondasdeágua.Paraacompanhá-la,eleconstruiuumtanquerasocomduasfontesdeondas.Ospicosevalesdedoisparesdeondascriamumgrandepadrãoestacionárioquetornaopadrãodeinterferênciaclaramentevisível.Oequipamentofoioprotótipodotanquedeondasfamiliarparaamaioriadosalunosde ísicadoensinomédio(FIGURA6.1).Eemsua39ªpalestra,“Sobreanaturezadaluz”,Youngaplicaoconceito

de interferência luminosa. Acompanhando essa palestra, ele criou umademonstração que não é apenas o modo mais direto de ilustrar essainterferência, mas também a demonstração clássica da luz agindo comoumaonda.Youngdescreveusuademonstraçãodaseguinteforma:

Figura6.1.DiagramadeYoungdeumpadrãodeinterferênciaproduzidoporumasériede

ondascomduasfontes.

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Umraiohomogêneodeluzpousasobreumatelaquepossuidoispequenosburacosoufendas,que podem ser considerados centros de divergência, de onde a luz é difratada em todas asdireções.

Osdoisburacosoufendassetornam,comefeito,duasfontesdeondas,como as duas fontes no tanque de ondas. Enquanto no tanque de ondasbuscamos o padrão de interferência, vendo na água dois grupos decírculossuperpostos,comlinhasqueseirradiamparaforaapartirdeumpontoentreasduas fontes,nesseexperimentovemosopadrãoquandoaluzcaisobreatela.

Nestecaso,quandodoisraiossãorecebidospelasuper íciepostapara interceptá-los,sua luzédivididapor faixasescurasemporçõesquase iguais,masquese tornammais largasàmedidaqueasuper ícieseafastadaabertura,equecriamângulosquaseiguaisapartirdasaberturaspara todasasdistâncias,osquaisvãosealargando tambémnamesmaproporçãodadistânciaentreasaberturas.9

Opadrãodeinterferênciaagoraconsisteemlinhasparalelasdeluz,comasfaixasclarasquerepresentamáreasondeasondasluminosasreforçamumasàsoutras,easfaixasescuras igurandoasáreasondeelasagemdeformadestrutivaumascomrelaçãoàsoutras.Liemlivrosdeciênciapopularqueesseexperimentopodeserfeitoem

casa – só é necessário ter uma lanterna, um pino, alguns pedaços decartolinaeumasalaescura.Nãoacreditenisso;euleveiumatardeinteiratentando. Esse experimento pode ser reproduzido, mas é preciso muitocuidado para realizá-lo do jeito certo. É fácil não ver as faixas ou ver nomáximo sombras produzidas pela difração – pela luz curvando-se nasextremidades da cartolina, ou ao redor de imperfeições nas fendas quevocêfez,seforumpouquinhodesajeitado.Épossívelrealizá-locompapel,cartolina eumanavalha,mas é importanteque ela esteja a iada – algunsfabricantes dematerial de ensino de ciências fazem quadrados plásticoscom fendasparaestepropósito.Mas fazê-lodamaneira certaé tãodi ícilqueohistoriadordaciênciaNahumKipnis,aolercomcuidadoaspalestrasdeYoung, percebeu, pormeio da prosa em estilo quacre de simplicidadedesarmante, que até o próprio Young havia confundido pelomenos umavezumpadrãodedifraçãocomumpadrãodeinterferência.10

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SeriagentildizerqueademonstraçãodeYoungfoiumeventomarcantepara o triunfo da teoria ondulatória sobre a teoria de partículas, e queconvenceua todos que tinhamolhos para ver.Mas infelizmente esse nãofoiocaso,porváriasrazões.Oprimeiromotivofoi,novamente,oestilodeYoung.Apesardeterfeito

as medidas com precisão e de seus cálculos estarem matematicamentecorretos, ele raramente se dava ao trabalho de explicar seu raciocínio,registrar suasmedidas, oumesmoproporcionardescrições extensivasdeseusexperimentos.Issopareceterimpedidoquemuitosdosseuscolegasoentendessem, ou pelo menos os impediu de serem persuadidos. Alémdisso, omodesto Young costumava se desviar do texto para não parecerqueestavareivindicandooriginalidadecomateoriadaluzondulatóriaeoconceito de interferência. A certo ponto, em 1801, fazendo uma leiturabastante generosa dos escritos de Newton, Young a irmou que seupredecessor “foi na verdade o primeiro a sugerir a teoria que meempenharei em manter”. Isso também prejudicou a apreciação daoriginalidadedesuasideias.Asegundarazão foiqueYoungtevea infelicidadedese tornaralvode

Henry Brougham, um destacado correspondente daEdinburgh Review ,famosa revista literária.Brougham,que idolatravaNewton, atacouYoung,que ousava discordar de seu mestre, num artigo sarcástico e anônimo,divididoemtrêspartes.Umexemplo:

Queremos saber seomundoda ciência, queNewtonumdia iluminou, épara ser tãomutávelemseuscostumesquantoomundodamoda,queédirigidopeloacenodeumamulhertolaoudeumtoloemperiquitado?SeráqueaRoyalSocietydegradousuaspublicaçõesemfolhetinsdeteoriasnovasenamodaparaassenhorasdaRoyalInstitution?Prohpudor![Masquedesgraça!]Deixemqueoprofessorcontinuedivertindosuaplateiacomumavariedadesemfimdegracejosinsigni icantes,mas,emnomedaciência,nãoodeixemseradmitidonessevenerávelrepositóriodostrabalhosdeNewton,Boyle,Cavendish,MaskelyneeHerschel.11

OhabitualmenteinalterávelYoungseenfureceuerespondeu,comoeracomumnoséculoXIX,escrevendoumpan leto.Masoscientistasemgeralnão estão muito bem equipados para realizar esse tipo de embate empúblico–elessãotreinadosparaconvenceroutroscientistas,nãoopúblico–,earespostadeYoung,escritaemestiloirritadoeseco, foimuitomenos

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chamativaqueoataque.Cheiadeclamoresdefensivose tediosos,emboraverdadeiros – como “Que ele faça o experimento, e depois negue oresultado se puder” –, a resposta de Young vendeu exatamente umexemplardeseupanfleto.ComoYoungerapoucoaptoapromoversuasideias,ateoriaondulatória

da luz sedifundiu lentamente.Cercade15anosdepoisdademonstraçãodeYoung,ocientistafrancêsAugustinFresnelredescobriuofenômenodainterferência, desenvolvendo a variação do experimento da dupla fenda,naqualoraiodeluzéseparadoemduasfontesporumprismaachatado,variaçãoestaagorachamadade“PrismaduplodeFresnel”.(Desdeentão,comoveremosnovamentenoCapítulo10,oexperimentodeYoungé feitoem duas variações clássicas – usando-se o método de dupla fenda deYoungeusando-seoprismaduplodeFresnel.)Oentusiasmodecientistasfranceses por este achado inalmente levou a comunidade cientí ica emgeral a aceitar a teoria ondulatória da luz – e a dar a Young omerecidocrédito.O fenômeno de interferência não apenas estabeleceu a teoria

ondulatória da luz, mas proveu uma ferramenta muito útil para ainvestigação cientí ica, já que um padrão de interferência é simples efacilmente reconhecido. Se um fenômeno pode exibir um padrão deinterferência,essefenômenoéondulatório.A teoria ondulatória ainda tinha problemas, pensava a maioria dos

cientistas.Particularmenteconfusaeraaquestãodomeioemqueviajavamasondasdeluz.Ondassonorassãoondasdear,assimcomoondasdeáguasãoondasdeágua.Masqualomeioanálogoàluz?Dequeéaondadeluz?A resposta tradicional era a substância invisível chamada “éter” quesupostamente permeava todo o espaço. Quando o olho humano via umaestrela, respondia na verdade à onda no éter que começou na estrela eondulou pelo espaço, no éter, até desaguar na retina. Então, ao im doséculo XIX, Albert Michelson e Edward Morley demonstraram que opadrão de interferência de raios de luz que viajavam em duas direçõesdiferentespodiaserusadoparamedirquãorapidamenteelesviajavamsecomparadosumaooutro.Suaincapacidadededetectarqualquerdiferença

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foitomadacomoumsinaldequeoéternãoexistiaequeondasdeluz,dealguma forma, não viajavam em meio algum. Seu experimento nãotransformou nossa compreensão da luz – que ainda se entendia comoondulatória–e tambémtransformounossosabera respeitodasondas.Oexperimento de Michelson-Morley logo se tornaria uma peça importantedeevidênciaparaateoriadarelatividadedeEinstein.No século XIX, o experimento de dupla fenda de Young, ao ampliar a

analogia da acústica para a luz, abriu caminho para a mudança doparadigma do entendimento da luz como partícula para o da luz comoonda. No século XX, uma extensão ainda mais impressionante doexperimento de Young seria criada – um terceiro experimento de duplafenda,envolvendonãoondasdeáguaouondasdeluz,maspartículas.Essaaplicação extra da analógica ondulatória seria a demonstração maisconsideravelmente simples do mistério da mecânica quântica – oexperimento inaldestelivro,eaquelequemuitoscientistasconsideramomaisbelo.

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Interlúdio6

Ciênciaemetáforas

OexperimentodeYoung, cujabelezavemda clareza comqueele fazumfenômeno–aluz–agircomooutro–asondas–,éumexemploclássicodouso bem-sucedido da analogia na ciência. Mas a analogia (do grego“proporcional”) e a metáfora ( igura de retórica pela qual algo é faladocomosedefatofosseoutracoisa,palavragregapara“colocarmaislonge”)podemperturbareinterferirnopensamento.Poressarazão,oscientistastêmduasposições,porassimdizer,sobreseuvalor.1Alguns acham que analogias e metáforas, na melhor das hipóteses,

distraem, e, na pior, confundem. “Quando pensar sobre a natureza”,escreveuobiólogoRichardLewontin,“cuidadocomasmetáforas.”O ísicoErnstMachachouútilsercapazdedizerque“ofatoAaquiconsideradosecomporta… comoumvelho e bem conhecido fatoB”,masnegouque taisa irmativas tivessem um papel estrutural na ciência. Como Mach, PierreDuhem, ísico e historiador da ciência, via metáforas e analogias comoimportantes ferramentas psicológicas, explicativas e educacionais. Mas,Duheminsistia,aciênciadeverdadeacabadescartando-as.Usuários demetáforas e analogias, na sua opinião, agem comoAbraão

agiu comMoisés. Assim como o profeta Moisés extraiu conhecimento dodesconhecido, conhecimento esseque seu irmão e representanteAbraão,que conviviamais intimamente coma comunidade, então transmitiu paraas massas, assim também os cientistas descobrem verdades sobre anatureza que educadores, divulgadores e jornalistas interpretampara os

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leigos e o público usando imagens e linguagem do dia a dia. Osantimetafóricos e antianalogistasas veem desempenhando um papelsecundário, que envolve apenas a disseminação e a transmissão dainformação,masnãoadescobertainicialdoprocessoemsi.Ciência,ciênciadeverdade,tratadealgoqueé,nãodaquilocomquealgoseparece.Outros, contudo, consideram as metáforas e as analogias tão

profundamente mergulhadas no pensamento cientí ico que sãopraticamente indispensáveis. “Provavelmentenãoéexageroalgumdizer”,exclama o ísico JeremyBernstein, “que toda a ísica teórica procede poranalogias.” O ísico John Ziman escreveu: “Não podemos pensar emnadasem serpor analogia emetáfora.”Os favoráveis aousodametáfora e daanalogiaa irmamque,semprequeumcientistadizoqueumacoisaé,eletambémestá, inevitavelmente, dizendo comque ela se parece e o que separececomela.Esse tipo de con lito – no qual exércitos se aglomeram de ambos os

lados de uma fronteira aparentemente de inida e imutável – pode serresolvido pela iloso ia, cujo papel é detectar e expor confusões eambiguidades que, para início de conversa, fazem tais fronteirasparecerem imutáveis. No caso das metáforas na ciência, um ilósofoassinalariainstintivamentequenemsempretodasasmetáforasfuncionamda mesma maneira, ou pelas mesmas razões. De fato, as metáforas naciênciafuncionampelomenosdetrêsmaneirasdiferentes.O primeiro uso da metáfora é como um iltro. Considere metáforas

clássicascomo“ohomeméumlobo”ou“oamoréumarosa”.Nelas,aquiloque se conhece como “objeto secundário” – lobo, rosa – chama a atençãodo leitor para qualidades normalmente associadas com essas imagens(solitárioepredatório,nocasodolobo;bonitamasespinhenta,nocasodarosa). O objetivo em ambos os casos é iluminar aspectos do “objetoprimário”–ohomemouoamor–e iltrardecertaformatodoorestante.Metáforas que iltram permitem captar um entendimento instantâneo einicial sobre o objeto primário. Mas como todos os iltros omitem coisas,elaspodemserenganadorasse forem levadasmuitoaopéda letra.A irade Lewontin, por exemplo, foi incitada pela referência de um colega ao

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DNA como o “programa” básico com o qual, ele a irmava, seria possível“computar”umorganismo.Umorganismo,Lewontinobjetoucorretamente,nãoéumcomputador.Mas aquestãonãoera se a iltragemdametáforafoiinteiramenteverdadeiraemtodosossentidos,masseelaproporcionouum lashrápidoeintuitivodeentendimentosobreoassunto.Oimportanteéseguiremfrente,eoperigoestáemencalharaoencararametáforadeformamuitoliteral.Um segundo uso de metáforas é criativo. Aqui a prioridade dos dois

termoséinvertida,poisoobjetosecundárioéusadoparapôremaçãoumgrupodeequações jábemorganizadassobreoobjetoprimário–eelesetorna o termo mais destacado e tecnicamente correto, cujo signi icadofrequentementese expande durante esse processo, enquanto o objetoprimário permanece apenas uma das suas formas derivadas. QuandoYoungeoutroscomeçaramachamara luz(oobjetoprimário)deonda(oobjeto secundário), tivemos um exemplo desse tipo de analogia. O termo“ondas”originalmentesereferiaaumestadodedistúrbiopropagadoporumgrupodepartículasparaoutrogrupoemummeio,comonasondasdeáguaedesom.QuandoYoungeoutroscomeçaramachamaraluzdeonda,elesadmitiramqueelatambémsemoviaemalgummeio,masnãotinhamamínimaideiadequaleraessemeio(chamado,nafaltadeoutrostermos,de“éter”).No inal do século XIX, os cientistas começaram a pensar que a luz se

propagava na ausência de um meio – mas as mesmas equaçõesgovernavama luz,por issoaindaeracorretodescrevê-lacomoumaonda.“Onda”passouaserotermotécnicocorreto,esetransformounoprocesso,poisoentendimentoqueoscientistaspossuíamde“onda”mudouquandoaplicadoaumaperturbaçãoquepodesepropagarsemummeio(emudouaindamaisquandoasondasapareceramnamecânicaquântica).Esteéotipo de extensão análoga que Bernstein assinalou como procedimentobásico da ísica teórica: procurar compreender aquilo quenão é familiar,comparando-o a coisas conhecidas e adaptando nossas descrições doconhecido ao processo. Costumamos descobrir o que algo é ao descobrircom o que se parece. Os signi icados de nossos antigos termos então

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mudamparasetornar“como”onovo.“Aacepçãoliteral”,frisouparamimum historiador da ciência,”é apenas umametáfora para ametáfora”. Ou,parafraseandoumvelhoditado:quemfazumaanalogiainventa.O ilósofoEugeneGendlin chama issode “assemelhando” [just-as-ing], um processoativo no qual algo novo emerge da transformação do velho, e não de umprocessonoqualalgovelhoéimpostoaalgonovo.Outro exemplo desse uso criativo da analogia na ciência envolve o

conceito de energia. No início, a experiência subjetiva que os indivíduospossuemdesimesmosnocentrodaaçãofoiumfatordecompreensão.2EemsuaoitavapalestraparaaRoyalInstitution–“Sobrecolisões”–,Youngdisseque“otermoenergiapodeseraplicado,comgrandepropriedade,aoprodutodamassaoupesodeumcorpo,comooquadradodonúmeroqueexpressa a sua velocidade”. Uma expressão que é escrita hoje como mv2.Portanto, Young usou a palavra “energia” aparentemente pela primeiravez,emseusentidomoderno.Masa“energia”deYoungnãoéestritamenteanossa.Éapenasoquepodemoschamarde “energiacinética”,enemaomenos é formuladodomodo comonós a concebemos (dizemosque é, naverdade, ½mv 2, nãomv2). Essa evolução se estenderia pelo resto doséculo.Umterceirousodametáforabuscarecriaravisãooriginaldealgo. 3Um

exemploéafamosaobservaçãodo ísicoLewisThomasdequeaTerranãoécomoumorganismo,porém,“comoumaúnicacélula”.OutroexemplodeumametáforaderecriaçãoéoexperimentomentaldobiólogoStephenJayGould para “rever o vídeo da vida”, no qual ele tenta reestruturar nossapercepção da evolução como uma escada de progresso ou um cone decrescentediversidadenumaavaliaçãodesuacontingência.“Vocêapertaobotão ‘rebobinar’, com a certeza de apagar tudo o que realmenteaconteceu,eretornaaqualquertempoelugarnopassado….deixeovídeocorrernovamente,evejasearepetiçãoseparecemesmocomooriginal.”4Essas três formas de usarmetáforas na ciência não são rígidas, e em

geralduasoumaispodemsecombinar.Aindaassim,observá-lasnosajudamuito a compreender a divergência dos cientistas nesse terreno, sobre oqualdizemcoisasaparentementecontraditórias.

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Esclarecer a natureza do uso de metáforas é importante paraentendermosaciênciaesuabeleza.Umarazãoparaissoéqueosobjetossecundáriosdemetáforasestãoenraizadosemnossaculturaehistória.Oscientistas sempre trabalharam com conceitos e práticas transmitidoshistóricaeculturalmente.Esempretransformam,nãotranscendem,oquelhesfoidadopelaculturaepelahistória.5Metáforas e analogias são formas concentradas nas quais os seres

humanosaplicamtudooqueherdaramedesenvolveramparaseprojetarno futuro. Treinamento e experiência enchem nossas mentes commetáforas,quenãopodemosevitardeacrescentaraonovo,transformandoo que sabemos, no processo. Assim, tanto pode ser verdade, como dizZiman, que não podemos pensar sem metáforas, quanto, como PeterGalisondisse em seu livrode1997Imageme lógica – que sedebate comanalogias para explicar a relação pouco entendida entre teoria,experimentoeinstrumentos:“Todasasmetáforaschegamaofim.”Portanto, o usuário da metáfora não pode ser visto como aquele que

desempenha o papel de Abraão, o ouvidor e representante de Moisés,profeta e revelador. Ou, se alguém insistir em colocar as coisas dessamaneira,devereconhecerqueadiferençaentreprofetizareouvir,entreadescobertaprimáriaeatransmissãosecundária,eentredizerquealgoéecom o que algo separece, deixa de existir. Cada ato de pesquisa já épensamentometafórico.PorqueMoisés,pode-sedizer,atuoucomoAbraãoparaDeus.

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PêndulodeFoucaultnoPanthéon,emParis.

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7

ATerragiraOsublimepêndulodeFoucault

O primeiro pêndulo de Foucault que vi foi no Instituto Franklin daFiladél ia,acidadeondenasci.Opêndulo icavapendurado–eainda ica–nopoçodaescadariaprincipal.Seu inocabodearameerapregadoaotetoquatro andares acima, enquanto um peso prateado deslizavasilenciosamente de um lado para o outro, sobre o disco de uma bússola(recentemente substituído por um globo iluminado) embutido no chão.Ainda sei de cor a informação escrita num cartaz no primeiro andar: ocabodopêndulo tem25,9mde comprimentoe seupeso–umaesferade58,42cmdediâmetro repletade chumbo–pesa816,48kg.Opesodeslizade um lado para o outro em linha reta, silenciosa e suntuosamente, umavez a cada dez segundos. O plano da sua oscilação move-se lentamenteparaaesquerda(nosentidodosponteirosdorelógio)aumataxaimutávelaolongododia:9,6grausporhora.Ocartazmeinformavaque,emboraopêndulo parecesse mudar de direção, isso era falso: o pêndulo sempreoscilavaexatamentenamesmadireçãoemrelaçãoàsestrelas.Mas,emvezdisso,oqueovisitantedomuseurealmenteviaeraaTerra–e,comela,ochão do edi ício do instituto e a bússola no chão – girando por baixo dopêndulo.O pêndulo foi instalado em 1934, quando o institutomudou-se para o

prédio atual. Sua instalação foi motivo de um des ile inusitado. O arame,que pesava apenas 4,08kg, não podia ser enrolado, mas tinha de sermantido reto para prevenir torcidas e tensões que pudessem interferircom a oscilação. Portanto, foi transportado, inteiramente esticado, pelasruasdaFiladél ia,desdeo fabricanteatéonovoprédio.A lentaebizarra

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procissãode11homenscarregandoumaramecompridofoiacompanhadapor uma escolta policial e seguida por espectadores divertidos erepórteres.1Opêndulodo InstitutoFranklin assinalava suamudançadedireção ao

derrubar, a cada 20minutos aproximadamente, um dos pinos de aço de10,16cm que marcavam os dois semicírculos no chão demarcando ocontorno do disco. Sempre que eu visitava o instituto, era frequenteabandonaralgumacoisacomqueestivessebrincandoparamemisturaràmultidão que olhava a oscilação do peso prateado e observava os pinos,esperandoverumdeles cair.Primeiroopeso tocariade raspãoumpino,fazendo-o estremecer. Algumas oscilações mais e o pino realmentebalançava. Algumas, ainda, e a ponta do peso colidiria nele com forçasu iciente para fazê-lo balançar para a frente e para trás. Não faltavamuito!Umaouduasoscilaçõesmaiseopinoeraderrubado–plim!–,eopeso recomeçaria a se arrastar emdireção aopróximopino.Às vezes euicavaolhandosóparaopêndulo,tentandoobedeceraoquediziaocartaze obrigando-me a ver que eraeu – e o chão sólido sobmeus pés – queestavasemovendo.Pormotivosquenãoconseguiaentender,nuncatinhamuito sucesso nisso, embora o pêndulo me deixasse uma sensação demistérioeassombro.Omovimentodopênduloestavainteiramenteforadomeucontrole,por

ser,comoeusabia–entãoeagora–,umaperformanceinexorável.Aúnicain luênciahumanasobreeleeraadeumfuncionárioqueofaziabalançarpela manhã na direção norte-sul, pouco antes da abertura do museu às10h.Euchegavaaomuseubemcedoeesperavaasportasseabriremparasubircorrendoaescadaechegaratempodeassistiraessaoperação.Massempre chegava atrasado. Uma vez disseram que um patrocinador domuseutinhaconseguidoque,comopresentedeaniversário,seufilhodessea partida no pêndulo naquele dia. Como invejei aquele menino! Outrascrianças podem ter sonhado em dar a primeira tacada num jogo debeisebol.EusonhavaemdarapartidanopêndulodeFoucault.OcientistafrancêsJean-Bernard-LéonFoucault(1819-1868)nasceuem

Paris. Quando jovem, construiu brinquedos cientí icos e mecânicos, e

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começou a estudar medicina com o intuito de explorar seus talentospráticos,tornando-secirurgião–atédescobrirsuaaversãoaosangueeaosofrimento. Seu interesse voltou-se para os instrumentosmecânicos e asinvenções, e icou fascinadopelosnovosprocessosde imagem fotográ icadesenvolvidos por seu colega também francês Louis Daguerre. Numtrabalho em que explorou com sucesso suas habilidades mecânicas,Foucault se associou a outro ex-estudante demedicina, Hippolyte Fizeau,para aperfeiçoar o que era chamado de daguerreótipo, e que foi oancestral da fotogra ia moderna. Os dois izeram a primeira fotogra ianítida do Sol em 1845, e então – primeiro trabalhando juntos e depoisseparados,por causa de um desentendimento pessoal – mostraram em1850queavelocidadeda luzeramaiornoarquenaágua,prosseguindonatentativademediravelocidadeabsolutadaluznoar.Aindamaistarde,Foucault deu signi icativas contribuições à construção de espelhos paratelescópios.Foucaulttambémtirouasprimeirasfotogra iasdeestrelas,umaproeza

técnicaparaaépoca.Emgeral,fotografavam-seobjetosindistintosabrindoo diafragma da câmera por alguns minutos. Mas, como a Terra gira emtorno do seu eixo, as estrelas parecem mover-se lentamente no céu,tornando impossível deixar simplesmente o diafragma aberto. Em vezdisso, Foucault, revivendo uma ideia abandonada havia muito tempo,construiu um dispositivo semelhante a um relógio de pêndulo quemanteriaacâmeraapontadaparaumaestreladuranteotemposu icienteparaumaexposição–embora,em lugardeumpesopenduradoaum io,ele tenha usado uma barra de metal que vibrava como um pênduloquandozunido. (Já lidezenasdeartigossobrepêndulose faleisobreelescommuitos cientistas, e posso assegurar que o termo técnico para dar apartidaemumpêndulodebarrademetalé“zunir”.)Grande parte desse trabalho foi feita em um laboratório que Foucault

arrumouemsuacasa,narued’Assas,emParis.Umdiaelepôsumavaretaem seu torno, montando-a sobre uma placa que podia girar livremente,assim como as rodas de uma prancha de skate giram livremente em seuencaixe. Quando ele zuniu a vareta e virou o torno lentamente, icou

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surpreso ao ver que a vareta continuava a vibrarparaum lado e para ooutro nomesmo plano. Curioso, ele experimentou com um pêndulomaisconvencional – umpeso esférico suspenso verticalmente a uma corda depiano que podia oscilar livremente. Prendeu a corda ao encaixe de umaperfuratriz e virou a placa do torno. O pêndulo, também, continuou aoscilarnomesmoplano.Se pararmospara pensar, isso não é surpreendente.De acordo coma

lei de Newton, um corpo em movimento livre, assim como um peso depêndulo, move-se na mesma direção a menos que alguma força sejaaplicada para mudá-la. Como a rotação da placa de torno girandolivremente não implicava nenhuma força sobre a barra ou sobre opêndulo,elescontinuavamaoscilarnamesmadireção.Masmesmooquenão surpreende pode ser inesperado. Foucault logo compreendeu queesse efeito, sendo su icientemente ampliado, poderia ser usado parademonstrararotaçãodiáriadaTerraemtornodoseueixo.Mais tarde ele resumiu esse processo de raciocínio de uma maneira

elegante. Vamos imaginar que construímos um pequeno pêndulo e ocolocamossobreumabandejagiratóriaquesemovimentadeformalivreesuave.TemosagoraoqueFoucault chamavade petitthéâtre ,noqualnospreparamos para encenar uma performance. A bandeja giratóriarepresentaaTerra,eoquartoemvoltaécomoorestantedoUniverso.Senóscolocamosopêndulooscilanteemumplano–vamosapontá-loparaaporta, por exemplo –, e então, lentamente, giramos o prato, o queacontecerá? De início, poderíamos esperar que o plano de oscilação dopêndulo se movimentasse com a base.Erreur profonde! O plano deoscilação não é algo material ligado ao prato. Em virtude da inércia dopêndulo, o plano de oscilação é independente do prato – ele agora“pertence”,porassimdizer,aoespaçoemtorno,enãoaoprato.Sejaqualfor o modo como giramos o prato, o pêndulo continua a apontar para aporta.Essa performance no teatrinho demonstra que a bandeja giratória se

move,enquantooplanodeoscilaçãodopêndulonãosealtera.Masimagineque façamos o nosso teatrinho um pouco maior, diz Foucault. Imagine

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mesmoqueestamos–assimcomoorestantedoquartoetudoomaisquevemosemvolta,menosoSol,osplanetaseasestrelas–sobreumabandejagiratória. Agora, vamos ter a impressão de que estamos parados e que adireção da oscilação do pêndulo está mudando. Novamente:Erreurprofonde! Somos nós que giramos. Mas Foucault assinala aqui umacomplicação adicional. Nosso pequeno pêndulo está no centro de umabandeja plana, de forma tal que uma volta completamudaria o plano deoscilação em 360 graus, ou seja, um círculo completo. Mas um pêndulobaseadonaTerra está sobre a super íciedeumaesfera.Dependendodeondeeleesteja localizadoentrepoloeequador,umarotaçãocompletadaesfera fará o plano do pêndulo se mover em distâncias diferentes – e aesfera terá de mover-se em distâncias diferentes para que o plano deoscilação descreva uma rotação completa. Fazendo as contas, Foucaultcalculou que o número de graus pelos quais o plano de oscilação dopêndulosemoveriaem24horasseria360grausvezesosenodalatitude–oqueentãoforneceuummeioparadeterminaralocalizaçãonorte-suldapessoa no globo terrestre. Mas os detalhes desse cálculo não importamtantoquantoademonstraçãovisíveldosefeitosdarotaçãodaTerra.Foucault se perguntou se poderia ver o efeito da rotação da Terra

usandoumpênduloverdadeiro.Elesuspendeuumpêndulonaabóbadadesuacasa,usandoumarame inocom1,98mdecomprimentoeumpesode4,98kg.Nodia3de janeirode1851,uma sexta-feira, eleo experimentoupelaprimeiravez.Paratercertezadequeobalançodopênduloseriaretoeregular,eleatouopesoàparedecomumacordadealgodão,fezcomqueseumovimento cessasse totalmente, e depois queimou a corda com umavela.Emboraoexperimentoparecessefuncionar,oaramesepartiu.Cincodiasdepois,naquarta-feira8dejaneirode1851,às2hdamadrugada,elefeznovatentativaeemmeiahoradescobriuque“odeslocamentoétalquesaltaaosolhos”eque“opêndulovirou-senadireçãodomovimentodiárioda esfera celeste”. 2 Sempre metódico, entretanto, ele achou menosinteressanteobservaro fenômenoemgrandeescalae “mais interessanteacompanhar o fenômenodemais perto, paraperceber a continuidade doefeito”.3Elemontouumponteironochão,demodoaapenastocaraponta

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dopêndulo,everi icouqueemmenosdeumminutoopêndulosedeslocouparaaesquerdadoobservador–oqueindicavaqueoplanodeoscilaçãoestavasemovendocomomovimentoaparentedocéu.Algumassemanasdepois,Foucaultescreveu:

O fenômeno ocorreu tranquilamente; ele é inevitável, irreversível…. Vendo-o nascer e crescercompreendemos que não está no poder do experimentador acelerá-lo ou retardá-lo…. Todoaquele que o presencia… ica pensativo e silencioso durante alguns segundos, e em geral saicomumsentimentomaisprementeeintensodanossaincessantemobilidadenoespaço.4

Pouco tempo depois, o diretor doObservatório de Paris pediu-lhe querepetisse o experimento nasalleméridienne, a sua sala central, localizadasobre omeridiano. Foucault usou omesmo peso, mas conseguiu instalarum arame mais comprido, de 10,97m. Isso era preferível, porque umpêndulo com um aramemais comprido leva mais tempo balançando – émenosafetadopela fricçãocomoarecomosuporteque ligaoarameaoteto –, o que dá mais oportunidade para que se veja a sua aparentemudançadedireção.Em3de fevereirode1851,exatamenteummêsdepoisde ter iniciado

seu experimento, Foucault relatou o icialmente os resultados de seutrabalhoparaaAcademiadeCiênciasdaFrança.Os convitesdistribuídospelaacademiacausaramsensação.Diziam:“Ossenhoresestãoconvidadosa vir ver a Terra girar, na sala central do Observatório de Paris.” Nareunião,Foucaultdisseàmultidãoqueamaioriadoscientistasestudiososdo comportamento pendular havia focalizado o tempo do balanço. Seutrabalho, porém, tinha a ver com oplano desse balanço. Então, enquantoseu pêndulo oscilava, ele pediu aos espectadores que realizassem umaversãomentaldoexperimentoanteriormentedescrito–que imaginassema construção de um pêndulo “da maior simplicidade” no Polo Norte,pusessemseupesoparaoscilar,edepoisodeixassem“entregueàaçãodagravidade”.ComoaTerra“nãoparadegirardeoestepara leste”,oplanodeoscilaçãoparecegirarparaaesquerda,daperspectivadoobservador,comoseaoscilaçãoestivesseligadaaoprópriofirmamento.Poucos experimentos cientí icos tiveram um sucesso tão instantâneo

quantoopêndulodeFoucault.Emboraem1861todososeuropeuscultos

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soubessem que a Terra se movia, as provas desse fato – ainda queinegáveis – se baseavam nas inferências das observações astronômicas.Sem um telescópio e sem o conhecimento necessário para usá-lo, aspessoas não tinham como ver esse movimento por si mesmas. Com opêndulodeFoucault,arotaçãodaTerrapareciasetornarvisível.Trancadanum quarto sem janelas, uma pessoaadequadamente instruída podiaprovar que o quarto estava girando e, medindo com cuidado, podia atédeterminar a latitude do quarto.5 O pêndulo, como Foucault gostava deobservar,fala“diretamenteaosolhos”.Serámesmo?UmadascoisasmaisfascinantesnopêndulodeFoucaulté

queeleexibeasambiguidadesdapercepção.AobservaçãodeFoucaultépouco engenhosa do ponto de vista ilosó ico: nada fala diretamente aosolhos.Éumaobservaçãocartesiana:Foucaultimaginouqueseusolhossãoolhosgeométricos,econvenceu-sedequepodiaveraquiloqueimaginavaideal e geometricamente. Ele re lete: se podemos imaginar a situação dopêndulooscilandocontrao sistemasolar, tambémpodemos “ver”aTerragirar. A percepção, porém, é mais complicada que isso. Até mesmoperceberoqueestáemmovimentoeoqueestáparadodependedoqueconsideramosacomissãodefrenteeoqueconsideramososegundoplano,ou seja, o horizonte. O pêndulo de Foucault parece nos oferecer tanto aexperiênciadopêndulo girandono campogravitacional daTerra, comoadaTerragirandosobosnossospés.Parao ilósofofrancêsMerleau-Ponty,essa incerteza parece assemelhar-se à descrição da experiência rotineiradeestarmosdentrodeumtremqueparaemumaestaçãoaoladodeoutrotrem na linha próxima – e quando esse outro trem começa a se mover,temosoraasensaçãodeestarmoscomeçandoanosmover,oraadequeooutro está começando a se mover na direção oposta. Qualquer dessaspossibilidades–Merleau-Pontyescreve–dependedeondese ixaanossapercepção(nessetremounooutro),edoqueéoseuhorizonteexterior. 6Para ver o plano da oscilação do pêndulo se mover, precisamos apenasfazer o que a percepção habitualmente faz, e considerar o objeto emquestão – o pêndulo – a comissão de frente, e o quarto o horizonte. OpêndulodeFoucault,comoqualquerinstrumento,mostraoquefazapenas

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dentro de um ambiente apropriado. Para “ver” a Terra se mover,precisamos introduzir um horizonte diferente e muito maior, no qual aTerra se mostrará movendo-se, e o plano de oscilação do pêndulo semostrará sempre estacionário. E se o pêndulo fosse montado não nointerior de um edi ício, mas do lado externo? Poderíamos ver a Terragirandonumanoiteestrelada?

Quando as notícias sobre a demonstração tomaram conta de Paris,Foucault foi bombardeado por cartas de cidadãos comuns, outras decientistas, e até mesmo de funcionários do governo interessados. Opríncipe LuísNapoleãoBonaparte – presidente daRepública que logo setornaria Napoleão III, imperador da França – pediu a Foucault queorganizasseumademonstraçãopúblicanoPanthéon,emParis,antesumaigreja que foi transformada em descanso inal para muitos heróis epersonagens nacionais da França. O Panthéon era – Foucault escreveu –uma localizaçãomaravilhosamente adequadapara o experimento, que aliganhavasplendeurmagni ique.7Poisquantomaioropêndulo,mais lentaemajestosamente ele se movia, e mais e icientemente demonstrava omovimento de tudo à sua volta. Numa demonstração surpreendente,Foucault pendurou o pêndulo no centro da imensa cúpula do Panthéon.Constavadeumaramedeaçocom67,05medeumpesofeitodeumabaladecanhãocomumpequenoestilete,semelhanteaumaagulha,presoàsuapartedebaixo.Emtornodacircunferênciaexternadocírculo,porondeopêndulo ia viajar, Foucault e seus assistentes construíram dois montessemicirculares cobertos com areia, que o estilete riscava na extremidadedecadabalanço,marcandoaposiçãodopêndulo.Paraaeventualidadedeoaramesepartirouopesosesoltar,FoucaultprotegeuomosaicodochãodoPanthéonque ica soba cúpula comumacamadademadeiraevárioscentímetros de areia densamente amontoada. Isso foi uma providênciasábia,porquenaprimeiravezqueopêndulofoiinstalado,defatooarameserompeubemembaixodacúpula,assustandoFoucaulteseusassistentesquando o io de mais de 60,9m açoitou a sala, fazendo-a tremer com aenergia do pêndulo. Quando eles o reataram, instalaram também umparaquedas no alto da cúpula, como garantia no caso de um novo

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rompimentodoarame.

Figura7.1.PêndulodeFoucaultnoPanthéon.Podem-seobservarosmontesdeareiapara

marcaçãodaposiçãodopêndulonofinaldecadaoscilação.

Em26demarço,umdosassistentesdeFoucaultamarrouopesoaumaparedecomumacorda,eesperouqueseumovimentocessassetotalmente.Dessavez a corda seriaqueimada comum fósforo em lugardeumavela(os fósforos haviam sido inventados naquele ano). O pêndulo se moveupesadamente, magni icentemente, sombriamente, atravessando 6,09m dechãoemcadabalanço,fazendoumaoscilaçãoparaumladoeparaooutroa cada 16 segundos. Seu arame ino, commenos de 1,5mm de diâmetro,icavapraticamente invisívelnocenárioamplo,eopesobrilhantepareciasuspensonovácuo.Acadavezqueopesoalcançavaosmontesdeareianoimdoseubalanço,oestilete cortavauma ina camadadaareiamolhada,

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cada vez mais à esquerda da anterior. Na latitude de Paris(aproximadamente 49ºN), o pêndulo avançava cerca de umgrau a cadacinco minutos – um pouco mais de 11 graus em uma hora, numavelocidadequefariaavoltacompletadocírculoseconcluiremcercade32horas,desdequeopêndulonãofosseparadoparadescansarantesdisso.A demonstração no Panthéon não foi perfeita; a linha riscada pelo

estilete lentamente se alargava até tomar a forma de um ino “8”, emvirtude, evidentemente,de imperfeiçõesnoarameouno seu suporte.E adistância cobertapelopesoemcadaoscilaçãogradualmentediminuiuemrazãodaresistênciadoar–emboraotemporequeridoparacadabalançofosseomesmo(novamenteoprincípiodaisocronia,descobertoporGalileu,válido para todos os pêndulos com oscilações de pequena amplitude).Mesmo assim, o pêndulo continuou a cumprir a mudança de direçãoaparente durante cinco ou seis horas, durante as quais a direçãomudouparaaesquerda,nadireçãodosponteirosdorelógio(nohemisfériosul,adireção seria contrária à dos ponteiros do relógio) em volta do chão porcercade60a70graus.Encantado,LuísNapoleão recompensouFoucaultnomeando-o para o ambicionado cargo de ísico do Observatório, o quepermitiuqueeletransferisseparaláolaboratóriodoporãodesuacasa.O ano de 1851 foi de maravilhas. Em Londres, foi inaugurada a

exposiçãodoPaláciodeCristal,oquemarcouumanovaeradeexibiçõesevisibilidade, e na administração do espaço e do tempo. Foi a primeiraexposiçãoemque,por exemplo, osbilhetesparaopúblico tinhamahoraimpressa, a im de disciplinar o luxo dos visitantes.Muitos historiadoreschegammesmo a datar o surgimento damoderna sociedade demassa apartirdessaexposição.Oanode1851 foi tambémoAnodoPêndulo.OspêndulosdeFoucault

proliferarampelomundointeiro:Oxford,Dublin,NovaYork,RiodeJaneiro,Ceilão, Roma. As catedrais – com tetos altos e um ar de estabilidade eautoridade–eram locaisperfeitosparasua instalação.Emmaiode1851,um deles foi colocado na catedral de Nôtre-Dame em Reims (arame de40m,pesode19,8kg,maisde1mmdedesvioemcadabalanço),umadasmais belas catedrais góticas na França, onde os reis eram coroados. Em

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junhode1868,umpêndulodeFoucaultfoiinstaladonacatedraldeNôtre-Dame de Amiens, outra obra-prima gótica. E, enquanto a exposição doPaláciodeCristal demorava-semuitonoplanejamentoda exibiçãodeumpêndulodeFoucault, aExposiçãodeParisde1855apresentouumdeles.Para a ocasião, Foucault inventou um dispositivo engenhoso que dava aopesoumpequenoempurrãoeletromagnéticoacadabalanço,paraimpedi-lo de desacelerar. No mesmo ano, seu pêndulo original foi instalado noMuseu de Artes e O ícios, em Paris, uma instituição fundada como“depositóriodenovaseúteisinvenções”,ondeaindapodeservistohoje.MasopêndulodeFoucaulteramaisdoqueapenasumademonstração

pública interessante. Como qualquer descoberta cientí ica, ele ia até opassado e projetava-se para o futuro. Ao examinar minuciosamente osescritos de cientistas precedentes, pesquisadores descobriramevidênciasdequeoutroshaviamobservadoadireçãodopênduloderivarlentamenteparaaesquerda–entreelesViviani,odedicadodiscípulodeGalileu,quefora o primeiro a estudar os pêndulos seriamente. Foucault, porém, foi oprimeiroaassociaressedesvioparaaesquerdaaomovimentoderotaçãoda Terra. Entretanto, Foucault enfatizava que a ideia básica do seutrabalho havia sido antecipada pelo matemático e ísico Siméon-DenisBaronPoisson(1781-1840), jáentão falecido.Poissoncalcularaquebalasde canhão disparadas no ar pareceriam desviar-se ligeiramente para olado enquanto a Terra girava por baixo delas, embora pensasse que ade lexão era muito leve para ser observável. Por isso tambémcompreendeuquearotaçãodaTerradeviaafetarospêndulos–masnãocaptou que esse pequeno efeito sobre cada movimento do peso seampliariaa cadabalanço,permitindoqueomovimento–naspalavrasdeFoucault–acumulasseosefeitose izesse-os“passardodomíniodateoriapara o da observação”. Mais tarde, quando o alcance dos canhõesaumentou, tornou-se necessário para os artilheiros compensar o efeitodescritoporPoisson.ComoobservouofísicoH.R.Crane:

Na Primeira Guerra Mundial, durante as operações navais perto das ilhas Malvinas, osartilheirosbritânicos icaramsurpresosaoverqueseusdisparoscaíamàesquerdadosnaviosalemães.Eleshaviamseguidoastabelas[decorreçãodoalvo]preparadassegundoafórmuladePoisson,masnãoselembraramdemudarosinaldascorreções,a imdetorná-lasválidasparao

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hemisfériosul.8

Foucault aplicou o mesmo princípio em que seu pêndulo se basearapara inventar o giroscópio, termo que ele próprio cunhou. Um giroscópioconsiste em uma roda de iar montada de maneira a poder girarlivremente, independentementedadireçãodesuaestruturadeapoio,eoeixo giratório dessa roda sempre aponta na mesma direção. Foucaultpreviu,corretamente,masdécadasantesdotempo,queogiroscópiopodiaeseriausadocomo instrumentodirecional.Oprincípiodesse instrumentofoi também encontrado na natureza; os cientistas descobriram, porexemplo, que asmoscas-domésticas navegam no ar com a ajuda de suaspequenas zunidoras, que têma formadedurashastes (asasposteriores)conhecidascomo“halteres”.9Hoje existem pêndulos de Foucault no mundo inteiro em museus de

ciência,universidadeseoutras instituições.Duranteoúltimomeio século,muitos deles eram feitos pela loja de instrumentos da Academia deCiências da Califórnia, que – num serviço manufatureiro realmenteespecializado–fezcercadecempêndulosdeFoucaultparainstituiçõesemvolta do globo, incluindo os da Turquia, do Paquistão, Kuwait, Escócia,Japão e Israel. Frequentemente os clientes compram os componentesessenciais e depois os embelezam com suas próprias interpretaçõesestilizadas.10 O pêndulo do Museu de Ciência de Boston move-se para afrente e para trás sobre uma cópia da Pedra do Calendário Astecavivamente colorida, como peso passando sobre a cabeça do deus do Sol,Tonatiuh.NaBibliotecaPúblicadeLexington,emLexington,Kentucky,opêndulo,

inauguradocomumacerimôniaàmeia-noitedodiadeano-novode2000,quando o cabo foi cortado, tem sensores no chão para monitorar seumovimento,emlugardoscostumeirospinos.OHospitalInfantilMonte iore,em Nova York, contratou o artista nova-iorquino Tom Otterniss paradesenhar seupesoe a estrutura circundante.Opeso separece comumacara contente de cabeça para baixo, encimada por um chapéu cônicopontudo que bate nos picos. Ele oscila sobre ummapa-múndi de prata ebronze em relevo centrado no Bronx, onde o hospital está localizado.

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Pequenos personagens em bronze, feitos de sólidos geométricos e emposes cômicas, estão pregados ao peso, ao arame, aos trilhos e à áreacircundante. Quase todos os visitantes do hospital param e pedeminformações sobre ele. EmboraoMonte iore seja apenasumadasmuitasinstituiçõescujopêndulooscilasobreummapacentradonoedi ícioqueoexibe,eledefatoilustraquecadalugarnestemundoquegiratãodepressaestá em movimento – todos eles são, sob esse aspecto, iguais. Muitoapropriadamente, a sede das Nações Unidas em Nova York tem umpêndulo de Foucault na grande escadaria cerimonial de seu saguão, umaesferade90,72kgfolheadaaourocom30,48cmdediâmetroquebalançapenduradaaoteto22,86macima.ASmithsonianInstitution,queéomuseunacional dos Estados Unidos, costumava ter um pêndulo de Foucault emexibição,maselefoiremovidoparadarlugaraoprojetoderestauraçãodabandeiraestrelada,abandeiranacional.Desdeentãoeleestánodepósitodomuseu.11Como o experimento de Young, o pêndulo de Foucault deve ser

executadocommaiscuidadodoqueparecenecessário.Numlocalpúblico,um grande problema é protegê-lo de visitantes que parecem sentir umanecessidadeprementede alcançá-lo e tocá-lo. E emboraumpêndulo sejaumdosdispositivosmais simplesna ciência, nomundo real ele é afetadopelas correntes de ar, pela estrutura interna do arame, o modo como oarame é suspenso, e como o movimento do peso é iniciado; a maioriadessas coisas pode facilmente desarranjar o pêndulo ou guiá-lo para umpadrãoemformade“8”.(Umadicaparaopadrãoemformade“8”équeos pinos derrubados icam com as pontas voltadas para dentro.) NaUniversidade Stony Brook, onde ensino, um ísico, ao demonstrar oprincípiode Foucault parauma turmade introdução à ísica, pediu a umtécnicoquependurasseumaboladebolichenotetodosalãodepalestras,explicou o princípio à classe e calculou quantos graus ele percorreriaduranteosquarentaminutosdeaula.No inaldoperíodo,mediuodesvioe,parasuasatisfação,oresultadoeraexatamenteoquecalculara–porémna direção errada! O equívoco se devia, evidentemente, a algumacombinaçãodemásuspensãodosistemaeacorrentesdearnoauditório

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aberto.UmpêndulodeFoucaultébemdiferentedeoutraspeçasexpostasnum

museu.Bastaveroseutamanho:elenãopode icar fechadonumacabineouvitrinedeparede,requerumespaçoabertoenorme,comoumanaveouescadaria. Ele não produz centelhas, murmúrios ou ruídos: move-se comsolene majestade. E, mais importante, ele não é somente não interativo,comoparece tambémnos ignorar,desvendandoalgo radicalmente contraintuitivo para a experiência humana. Pode ser isso – e também suaconexãocomvastasforças ísicas–queexpliqueporqueaspessoasnuncaseesquecemdaprimeiravezqueviramumpêndulodeFoucault.O meu, cada vez que eu ia ao Franklin Institute, realizava a mesma

performance. Mas nunca deixou de fascinar-me com sua simplicidadeimperturbável.Elesemovia,maspermaneciasempreomesmo.Elegirava,masmediziaqueeraeuqueestavagirando.Euoolhava,eoqueelemere letia de volta era a minha mobilidade e a de tudo o mais em torno –produzindo em mim uma sensação clara e dramática, cujo verdadeirosigni icadonuncapudecompreendertotalmente,decomoaminhaprópriapercepçãoeosmeussentidoseramenganososelimitados.

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Interlúdio7

Aciênciaeosublime

Poisabelezanadamais édoqueo começodo terrorqueainda somosapenascapazes de aguentar, e icamos tão atemorizados porque ela serenamentedesdenhadenosaniquilar.

Rilke

O pêndulo de Foucault tem o que poderíamos chamar de uma belezasublime. Com o tipo de beleza que nos oferece visões claras e que nosintegra à natureza – fazendo-nos sentir mais em casa no mundo –, osublimenosdesconcertaporquenosconfrontacomumpoderterrível.Nosublime,experimentamosnossaexistênciacomodébile insigni icante,eanaturezacomoincompreensíveleesmagadora:anaturezacomoumpoderalienígena.Anaturezadosublime foielaboradanoséculoXVIIIpor ilósofoscomo

Edmund Burke e Immanuel Kant, embora eles tendessem a contrastar obeloeosublime,maisdoqueverosegundocomoummododoprimeiro.Burkeescreveuqueaexperiênciadosublimeéprovocadapelo terror, “oprincípiodominantedosublime”.Oterrível–eparaBurkeoterrívelpodenãoserapenasnatural,mastambémcriadopelohomem,comonocasodoterror político – é a causa das nossas estratégias usuais de enfrentar oestrondodomundoaonosso redor, e inspira “amais forteemoçãoqueamenteécapazdesentir”.Masnumaexperiênciadosublime(comoaqueéacessível por meio da vivência artística), o terrível é mantido a uma

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distânciasegura,demodoquenãonossentimosmaisemperigoiminente.Podemos tirar prazer de tal experiência – continua Burke – porquesentimos a capacidade de existir a despeito do terrível, de aindaconseguirmos encontrar um lugar para nós. Essa constatação não só nosdácertaquantidadedeumprazersemigual,comotambémfaz-nossentirmaisvibrantesevivos.1Kant,queescreveuumpoucodepoisdeBurke,distinguiadois tiposde

sublime.Oprimeiro,ouoqueelechamade“matematicamentesublime”,seassocia a magnitudes inconcebivelmente vastas, tais como a sensaçãodiantedasPirâmidesoudaBasílicadeSãoPedroemRoma,quenosfazemsentir como se as nossas imaginações fossem inadequadas para captar otodo. O outro, o “dinamicamente sublime”, se associa a forçasirresistivelmente poderosas: “Bravas, superiores, assim como rochasameaçadoras, nuvens carregadas se acumulando no céu e movendo-seacompanhadasderaiosetrovões,vulcõescomtodooseupoderdestrutivo,furacões com todas asdevastaçõesquedeixamatrásde si, o oceano semlimitesaparentes,aaltacataratadeumrioviolento.2”Enquanto,paraKant,a nossa razão procura medir e controlar essas e todas as coisas,produzindocategoriasadequadasaelas,nosublimesentimosainutilidadedessatentativa–defato,percebemosqueasnossastentativasdecontrolaressas coisasnunca terão êxito. Nossa sensibilidade nos traiu. Essaexperiênciaédesagradável,masaomesmotemporeveladentrodenósapresença de um poder (a nossa própria subjetividade) que essas coisas,capazes de nos aniquilar isicamente, nunca poderão atingir – umarevelaçãolibertadora.Osentimentodedesprazertemseupróprioprazer–um prazer perverso –, pois ele nos faz conscientes, por intermédio daemoção mais do que da re lexão, da liberdade humana e datranscendênciahumanadanatureza:issomerecerespeito.O pêndulo de Foucault exibe o sublime na ciência. Ele tem pouco em

comumcomoexperimentodeEratóstenes,quemedeumcomprimento(acircunferênciadaTerra),doqualjásesabiaquetinhaalgumamagnitude;oucomoexperimentodoplanoinclinadodeGalileu,quecomprovaumaleimatemática; ou com os experimentos de Newton com prismas, que

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desvendaram um novo aspecto da natureza. E todos os experimentoscientí icostêmumtoquedesublimidade,porquerevelamqueanaturezaéin initamentemaisricadoqueosconceitoseprocedimentoscomosquaisa abordamos. Mas o pêndulo de Foucault enfatiza o sublime pelo mododramáticocomqueexpõea inadequação–ouantes,odesajuste–entreapercepçãohumanaeofuncionamentodanatureza.A conexão entre o pêndulo de Foucault e o sublime, nas várias

manifestaçõesdesdeBurke eKant atéUmbertoEco, ajuda a explicar suacelebridade na época, e por que ele continua a ser instigante. Não o éporquenos ensinaque aTerra gira, ouporque foi umpassono caminhoparauminstrumentoindispensávelànavegação,ogiroscópio.Maisdoqueisso, ele é instigante porque parece resumir verdades inesperadamenteprofundas e até mesmo incompreensíveis a respeito de nossa própriapercepção. Será que “vemos” realmente o pêndulo se mover, mas“sabemos”quedefatoaTerraéqueestá semovendo?Ouseráqueagora,graças ao pêndulo e ao cartaz explicativo perto da escada, realmente“vemos” a Terra se mover? Em qualquer desses dois casos, a ciênciagovernaanossapercepção,sobrepondo-anoprimeirocaso,ecorrigindo-anosegundo.Ou,diantedopêndulodeFoucault,anossapercepçãoestásendoguiada

eretreinada–nãotantopelarudeperformancedopesobalançandoparaa frente e para trás, mas pelas explicações que nos dão para isso, pelaautoridade das pessoas que o constroem, pela compreensibilidade dosmodelosquenossãomostrados,pelomodocomoessesmodelos integramtudoomaisqueconhecemos,eassimpordiante?Eseanossapercepçãopode ser tão radicalmente reeducada como nesse caso, que outrosmistériosestãoporaí?Paraquaisoutrascoisassomoscegosemvirtudedanossaparticulareducaçãoperceptiva?Oquemaisapercepçãopodeestarpreparando para nós? O sentimento de inquietude diante dessasconstataçõeséaexperiênciadosublime.

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8

ObservaçãodoelétronOexperimentodeMillikancomagotadeóleo

Quandoo ísiconorte-americanoRobertMillikan(1868-1953)pronunciouo costumeiro discurso ao receber o Prêmio Nobel em 1923, deixou aplateia convencida de que ele tinha visto de fato os elétronsindividualmente.“Quemviuesseexperimento”,disseMillikan,referindo-seaoexperimentopeloqualconquistouoNobel,“viuliteralmenteoelétron.”1A teimosa insistênciadeMillikandeque seuexperimentopermitia ver

as partículas subatômicas era em parte defensiva – ele fugia de umadisputa com outro cientista que pusera em dúvida o seu trabalho.Mas asuaa irmaçãodequeconseguiaverelétronssebaseavaemalgodiferentedaa irmaçãodeFoucaultdequeconseguiaveromundogirar,emvirtudedoextraordinárioambienteproporcionadopeloequipamentoqueMillikanconstruíraemseulaboratório.

QuandoMillikan iniciou sua longa série de experimentos sobre o elétron,em1907,elehaviapassadomaisdedezanosnaUniversidadedeChicago,se casara, era pai de três ilhos e estava com quase 40 anos. Emborativesse escrito várias obras didáticas conceituadas, produzira poucapesquisa de importância; estava ansioso para dar uma contribuiçãooriginalà ísicaedirigiasuaatençãoparaadeterminaçãodacargaelétricatransportadaporumúnicoelétron.“Todos estavam interessados na magnitude da carga do elétron”,

escreveu em sua autobiogra ia, “porque ele é provavelmente a entidademaisfundamentaleinvariáveldoUniverso,emboraseuvalornuncatenhasidomedidoatéhojecomumaprecisãosequerde100%[istoé,aincerteza

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étãograndequantoacoisaasermedida].”2Assimcomoumdosprincipaisdesa iospara a ciênciaduranteo séculoXVIII foramedir adensidadedaTerra – e depois a constante gravitacional –, um dos principais desa iosparaa ísicadoiníciodoséculoXXeramediraforçadacargadoelétron.Epelamesma razão: essa informação nos diriamuito sobre a estrutura domundo.

AparatousadoporRobertMillikannoexperimentodagotadeóleo.

Em seu discurso ao receber o Nobel, Millikan introduziu o tema daeletricidade pedindo à plateia que considerasse “alguns experimentossimples e rotineiros”. Sevocêesfregarumavaretadevidro contraopelodeumgatoeemseguidatocarcomelaumagotícula,agotapareceráquaseadquirir“umanovaesurpreendentepropriedade”queafazpraticamentepularpara longedavareta. Isso,disseMillikan,éumfenômenoelementardaeletricidade:algochamado“cargaelétrica”passadavaretaparaagotae em consequência a gota e a vareta se repelemmutuamente. BenjaminFranklin havia a irmado que essa carga consistia em muitas partículas

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pequenas ou átomos de eletricidade – que o fenômeno originava-se emgrãosminúsculosoupacotes.Já no inal do século XIX, cientistas provaram, para sua satisfação, que

Franklin estava certo: a carga era transportada por minúsculos corposchamados “elétrons”, que de alguma maneira formavam partesfundamentais dos átomos. Mas eles não sabiam se a carga elétrica doselétrons individuais vinha em pacotes de um tamanho especí ico nem seteria qualquer valor. Essa informação era de vital importância para osísicosinteressadosnaestruturadoátomoeparaosquímicosinteressadosnas barreiras químicas. Mas como seria possível encontrar e medir osmenoresgrãosdeeletricidade?Millikan sabia ser arriscado comprometer-se a medir a carga de um

únicoelétron.Eleestariaabrindomãodeumacarreiraestabelecidacomoautor de livros didáticos por uma aventura incerta na pesquisa ísica.Sabia, graças a suas passagens anteriores pela pesquisa, “quantaprospecçãosepode fazerem ísica sem tocarumaveiaquecontenhaumpouco de ouro”. Suameta –medir o valor da carga elétrica de um únicoelétron – era excepcionalmente di ícil. Isolar uma dessas partículasincomensuravelmente pequenas já era um desa io em qualquercircunstância. Mas não era sequer claro na época qual seria o melhormodo de fazer o experimento. Millikan, por assim dizer, não apenasbuscava escalar umamontanha alta, mas tentava fazer isso só com umavagaideiadequalseriaoladomaisfácil–ouatémesmooladopossível–para subir. Pior ainda, o grande interesse cientí ico pela magnitude dacargadoelétronsigni icavaquemuitosestavamtentandomedi-la.Millikantrabalharianumterrenoapinhadodegenteecompetitivo,eeragrandeoperigo de que outros com mais experiência e equipamentos melhoresconseguissem fazer isso mais depressa e com maior precisão. Eleprecisariaserengenhosoetersorte.Os maiores rivais de Millikan estavam no Laboratório Cavendish, da

UniversidadedeCambridge. Seudiretor, J.J. Thomson, haviadescobertooelétron em 1897 (mais precisamente, Thomson descobriu que todos oselétrons tinham a mesma razão de carga em relação à massa) e sabia

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muitobemaimportânciadadeterminaçãodesuacargaexata;elelideravaumgrupodeestudantes talentosos,empenhadosemencararoproblema.Eleshaviamtestadoinúmerasideias,dasquaisamaispromissoraenvolvia,surpreendentemente, a criação de uma nuvem de gotas de chuva nolaboratório.Alguns anos antes, um dos colaboradores de Thomson inventara um

aparelho chamado câmara de nuvem, que criava nuvens em seu interiorao fazer com que ar supersaturado (ar repleto de vapor d’água) secondensasse em partículas de poeira e em partículas que lutuamlivremente contendo cargas elétricas chamadas íons (íons negativamentecarregados contêm uma oumais cargas de elétrons). O fato de que o arsupersaturado se condensasse em torno de íons tornou o aparelho,inesperadamente, útil para rastrear os trajetos de partículas carregadasem movimento rápido, como aquelas emitidas pelas substânciasradioativas,porquetaispartículasdeixamcordõesdeíonsemseurastro.Em 1898, um ano depois de descobrir o elétron, Thomson usou esse

princípio para fazer uma estimativa aproximada da carga do elétron. Eleusouumafonteradioativaparacriaríonsnegativos(istoé,elétrons)noar,dentrodeumacâmaradenuvem,edepoisfezcomqueoarsupersaturadose condensasse em torno dos íons – criando, de fato, uma nuvem degotículas carregadas – emediu a carga total da nuvem. Calculou então onúmero total de gotas na nuvem. Essa tarefa aparentemente di ícil podiaser realizada, embora pareça estranho, medindo a taxa em que asuper ície superiordanuvemcaíadentroda câmaradenuvem.Graças aumaequaçãoconhecidacomoleideStokes,quedescreveomovimentodepequenas gotas d’água através de um luido, Thomson podia calcular otamanhomédiodas gotas individuais que formavamanuvem,medindo ataxaemqueasgotascaíam.(Parafazerisso,deacordocomaleideStokes,ele precisava conhecer a densidade das gotas – fácil, porque elas eramfeitasdeágua–eaviscosidadedomeiopeloqualpassavam–novamentefácil,porqueomeioeraoar.)Sabendoovolumetotaldovapord’águananuvem e o tamanho de cada gota individual, Thomson pôde calcular onúmerodegotas individuaisnanuvem.Admitindoquecadagotadeágua

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nanuvemsecondensasseemtornodeumúnicoelétron,Thomsondividiua carga de cada nuvem pelo número de gotas para ter um valoraproximativodacargadecadaelétron.Um aluno de Thomson, Harold Wilson, aperfeiçoou esse método,

instalando placas horizontais demetal dentro da câmara de nuvem parapoder criar um campo elétrico no interior do aparelho. Quando elecarregava as placas, qualquer carga na região entre elas seria puxadaparabaixopelocampo.Usandoumcronômetro,Wilsonmediuecomparoua taxa em que as gotas dechuva caíam entre um conjunto de retículas,primeirosobain luênciaapenasdagravidadeedepoissobain luênciadagravidademais a do campo elétrico, quepuxava a nuvempara baixoumpouco mais depressa. Esse foi um aperfeiçoamento signi icativo, porquedeu aWilson ummeio de se assegurar de que a camada de nuvem queestavamedindosecompunhadegotasquecontinhamelétrons,porqueasgotas com elétrons cairiammais rapidamente sob a in luência do campoelétricodoquesobainfluênciaapenasdagravidade.Tambémlhepermitiuselecionargotascomcargasmenores–porquegotascontendomaisdeumelétroncondensadoemtornodesi têmcargamaiorepor issocaemmaisdepressa.MasométododeWilsontambémeraapenasaproximativo,umavezqueasnuvensseevaporamrapidamenteenuvenssucessivassão,comfrequência,muitodiferentesedifíceisdecomparar.Millikan retomou essa questão em 1906 com um aluno de graduação,

Louis Begeman. Eles experimentaram primeiro o método de HaroldWilson, mas não conseguiram fazê-lo funcionar. A inde inição e ainstabilidadedasuper íciedecimadasnuvenstornavamquaseimpossívelparaelesmedirqualquercoisacomprecisão.QuandoMillikanrelatouessetrabalhoemumcongresso cientí ico emChicago, o eminente ísicoErnestRutherfordindicouqueumadasmaioresdi iculdadeseraarápidataxadeevaporação das gotículas de água. Millikan percebeu que devia mudardrasticamenteseumétodopararesolveroproblemadaevaporação,entreváriasoutrasdificuldades.Frustrado,eledecidiuestudarataxadeevaporação,paraquepudesse

compensá-la – outro exemplo da “vigilância do experimentador”, descrita

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em conexão como experimento de Cavendish.Millikan resolveu usar umcampoelétricomais forteereverteracorrente,demodoqueelapuxasseasgotascomcargaparacimaesegurasseanuvem irmementeenquantoele examinava sua taxa de evaporação. Da primeira vez que tentou isso,porém,levouumchoquequeofezpensar(inicialmente,pelomenos)queoquepretendiaeraimpossívelenãohaviaesperançaparaoexperimento.

Quandoeutinhatudopreparado…eanuvemseformara,dispareiocampomagnético,ligandoo interruptor.O que vi acontecer foi a instantânea e completa dissipação da nuvem – em outraspalavras,nãohaviamais“super íciedecima”danuvemparainstalarasretículas,comoWilsontinha

feitoeeuesperavafazer.3

Praticamenteanuveminteira–claroqueformadaporgotasd’águaquecontinham mais de um elétron – tinha sido varrida pelo forte campoelétrico. Isso, Millikan escreveu, “pareceu de início arruinar meuexperimento, e com ele todos os outros experimentos que dependiam demedirataxadequedadeumanuvemionizada”.Ao repetir a tentativa, Millikan viu a mesma coisa acontecer. Mas de

súbito ele percebeu algo que transformou radicalmente sua concepção –percebeu que um punhado de gotas ainda permanecia à vista. “Aquelasgotas poderiam ter exatamente a relação de carga e massa, ou peso,necessária para que a força da gravidade, que puxa a gota para baixo,fosse equilibrada pela força decorrente da ação do campo sobre a cargaelétricacarregadapelagota,queapuxaparacima….Daíseoriginouoquechameide‘métododagotaequilibrada’paradeterminaçãodee [acargadoelétron].”4Millikan encontrara ummodo de trabalhar com gotículas simples, por

assim dizer, em vez de usar nuvens delas. Ajustando a força do campoelétrico na câmara, ele podia fazer com que dentro dela as gotículas semovessemparacimaeparabaixo,eatémesmo icassemparadas.Depoisde repetir o experimento diversas vezes, ele reparou que a carganecessária para equilibrar as gotas era sempre um múltiplo exato damenor carga que observara em uma gota – o que forneceu a primeiraprovainequívocadequeacargaelétricaoriginava-semesmoemgrãos.Millikan então reconstruiu o aparelho com o objetivo de estudar gotas

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separadasemvezdenuvens.Oaparelhoconsistiaemumacâmaranaqualasgotículascarregadascaíamatravésdeumburaquinhosobreumaplacahorizontal, entrando numa área em que seu comportamento podia serobservado com a ajuda de ummicroscópio quando elas subiam e caíamentreduasretículas.5Ele foiextremamente feliznesseexperimento,epercebeu isso.Apenas

umaestreitamargemdeparâmetrostornaraoexperimentopossível;seasgotas fossem muito menores, o movimento browniano (o movimentoaleatório de pequenas partículas suspensas em um luido por causa decolisões com as moléculas do luido) teria tornado sua observaçãoimpossível; se elas fossem muito maiores, Millikan não teria conseguidocriaravoltagemrequeridaparamantê-lasestacionárias.“Anaturezaaquifoi muito benevolente”, ele escreveu mais tarde. “Di icilmente qualqueroutra combinação de dimensões, campos de força e materiais teriapermitidoalcançaressesresultados.”Nooutonode1909,Millikanapresentouseuprimeirotrabalhodevulto

sobreessemétododa“gotaequilibrada”,quefoipublicadoemfevereirodoanoseguinte.Otextoénotávelpelahonestidadedesuaexposição;noqueohistoriadordaciênciaGeraldHoltondescrevecomo“umgestoraramenteencontradonaliteraturacientí ica”,Millikanincluiuseujulgamentopessoalacercada con iabilidade edo valorde cadaumadas38observaçõesdasgotas, classi icando-as.Asque forammarcadas com três estrelas eramasduas “melhores” observações, que haviam sido feitas “sob condiçõesaparentementeperfeitas”–oquesigni icavaqueeleconseguiraveragotapor tempo su iciente para ter certezadeque ela estava estacionária, queconseguira determinar seu tempo de passagem entre as retículas, e quenãoobservarairregularidadesemseumovimento.Deuduasestrelasparaas sete observações “muito boas”, uma estrela para as dez observações“boas”,edeixousemestrelasas13observações“razoáveis”.É também notável que Millikan candidamente tenha dito que havia

descartado três observações “boas” – cuja inclusão não teria afetado oresultado inal – porque alguma coisa na posição delas ou no valor docampotornavasuamediçãoincerta;trêsporcausademudançasnovalor

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docampo;eumasimplesmenteporqueerauma“intrusa”,cujacargatinhaum valor 30% mais baixo do que a das outras, o que o fez crer quehouvera algum erro experimental. Como Holton observa, “o que Millikandisse, evidentemente, é que reconhecia uma boa experiência quando apresenciava, equenão iriadispensaresse conhecimentomesmoquenãofosse óbvio como quanti icá-lo e incluí-lo em seu registro”. 6 Essesjulgamentos humanos sempre fazem parte do processo cientí ico,mas osexperimentadores raramente os divulgam, certamente não em umtrabalhoimpresso.Comopara con irmaroprincípiodequeumaboaaçãonunca ica sem

punição, Millikan logo lamentaria sua honestidade. No mesmo ano, umísico da Universidade de Viena, Felix Ehrenhaft (1879-1952), entrou nodebate. Usando equipamento similar ao de Millikan, mas com pequenaspartículasdemetal em lugarde gotículasde água,Ehrenhaft a irmouem1910 que seus resultados mostravam a existência de “subelétrons” comum valor de carga menor que as encontradas por Millikan. Não só isso:Ehrenhaft havia recalculado os números de Millikan e, usando asobservaçõesqueestehaviadesprezadocomopoucoconfiáveis,fezcomoseos dados do norte-americano de fato con irmassem suas própriasconclusões.PorvoltadadataemqueotrabalhodeEhrenhaftfoipublicado,Millikan

compreendeu como poderia aperfeiçoar signi icativamente o seu próprioexperimento.Emagostode1909,poucoantesdeapresentarseuprimeirotrabalho, Millikan viajara a Winnipeg, no Canadá, para uma reunião daSociedade Britânica para o Progresso da Ciência, presidida naquele anopor J.J. Thomson. EmboraMillikan não estivesse inscrito na programação,ele levou seus resultados, pediu para falar e atraiu muita atenção aoapresentá-los. Logo depois disso, decidiu substituir as gotas d’água poruma substância mais pesada, com uma taxa de evaporação mais baixa,como mercúrio ou óleo – um tipo diferente de gotícula. Em suaautobiogra ia,escrita20anosmaistarde,Millikandescreveuadescobertacomo um momento “eureca”, ocorrido na sua viagem de volta, aocompreender que era bobagem tentar combater a evaporação das gotas

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d’água quando o óleo para relógios já havia sido desenvolvidoexplicitamentepararesistiràevaporação.7Entretanto, como ocorre muitas vezes nesses momentos, a maneira

comotudoaconteceuparece tão indistintaquantoasuper íciedecimadeumanuvem.Emtrabalhosescritosnaépoca,MillikanatribuiuaseucolegaJ.Y. Lee ométodo de atomização usado para produzir as pequenas gotasesféricasnecessáriasparaesseexperimento.EHarveyFletcher,alunodeMillikan na pós-graduação, mais tarde a irmou que havia partido dele aideia de usar as gotículas de óleo. Tudo leva a crer que não houve umaorigem única para o momento “eureca” – o problema de vencer aevaporaçãoestavanamentedetodososenvolvidoscomoexperimento.Em Chicago, ao chegar de Winnipeg, Millikan correu para seu

laboratórionoRyersonHall,situadonocentrodocampusdauniversidade.Olhando pelo lado de fora, ninguém poderia imaginar que aquelaestrutura,umimponenteprédioemestiloneogóticocomameias,tinhasidoconstruído como um dos primeiros laboratórios de ísica do continenteamericanono inaldoséculoXIX.Mesmopelo ladodedentro,asenormesvigas de carvalho e a imensa escada em espiral di icilmente lembrariamum laboratório. Era um prédio maciço, bem isolado e construído commadeira sólida e grandes pedras – sem ferro, para evitar perturbaçõesmagnéticas que pudessem interferir com experimentos envolvendocamposelétricosoumagnéticos.Foraconstruídocomasupervisãodofísiconorte-americano Albert Michelson, que insistiu na obediência a certasespeci icações e no uso de determinados materiais de construção parafacilitarseusprópriosexperimentos.Na entradadoRyerson,Millikan cruzou comMichelson e contou a seu

eminente colega que havia concebido um método que lhe permitiriadeterminaracargadoelétroncomaprecisãode10%,“casocontrário,eusouumincompetente”.Esedirigiuimediatamenteàlojaparaencomendarum novo aparelho adequado ao método da gota equilibrada, mas queusasse óleo. Como antes, ele iria criar cargas elétricas negativas em umacâmararepletadegotas–deóleo,dessavez–,escolheriauma,eadeixariacair por algumas frações de segundo, apenas sob a in luência da

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gravidade. Em seguida calcularia o raio da gota. Depois colocaria umavoltagem nas bandejas e enviaria as gotículas para cima e para baixo, emaisumavezparacima.Eleobservavaasgotasatravésdeumajanelinha,iluminadapelooutroladocomumalâmpada.Medindootempodequedaedesubidadasgotas,calculariaentãoassuascargas.A partir desse momento, Millikan dedicou praticamente todo o seu

tempo disponível, exceto as tarefas como professor, ao experimento. Suaesposa, Greta, habituou-se não só à sua ausência como também a pedirdesculpasaosconvidadospelaausênciadele.Certavez,ele icouintrigadoquando,tendofaltadoaumjantarnoqualeraesperado,encontrou-secomum dos convidados que o cumprimentou por ser tão ativo nas tarefasdomésticas, coisaque de fato ele não era. O que aconteceu foi que Gretaexplicara sua ausência dizendoque ele “tinha observadoum íonduranteuma hora e meia, e precisava terminar o trabalho”. Mas os convivasentenderamque ele “tinha lavadoepassadoa ferroduranteumahora emeia,eprecisavaterminarotrabalho”.*8

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Figura8.1.DiagramafeitoporMillikandeseuexperimentodagotadeóleo,comalegendaoriginal.

Em setembro de 1910, Millikan publicou um segundo e importantetrabalhosobreacargadoelétron–oprimeirobaseadoemgotasdeóleo–na revistaScience. Millikan ainda não lera o trabalho de Ehrenhaft dealguns meses antes, atacando as suas conclusões com o seu própriomaterial.OsegundotrabalhodeMillikanfoiescritonomesmoestiloqueoanterior. Embora ele não classi icasse as gotas, admitiu abertamente quenãohaviaincluídoalgumasdelasemseuscálculosdacargadoelétron.Emalguns casos, explicouele, isso sedeviaaograndeerroexperimentalqueelasapresentaram– “quandoasvelocidadessão lentasdemais, correntesde convecção residual [correntes no ar, causadas pelo calor] introduzemerros, e, quando essas correntes são rápidas demais, a determinação dotempo se torna incerta”. Em outros casos, ele as omitiu porque seu valorera “irregular”, desviando-se da norma por uma grande margem. Ainclusãodessas gotas, porém, não teria afetado signi icativamente o valormédiodacargadoelétron,apenasnoníveldoerroexperimental.Millikanescreveu que “o método usado é tão simples, e a conclusão decorre tãoinevitavelmentedomaterial experimental,quemesmoumhomemda ruadificilmentedeixarádeentenderométodooudeapreciarosresultados”.9Millikan continuou aperfeiçoando o seu equipamento – instalou um

cronômetro mais acurado e melhorou o controle da temperatura, porexemplo – e fazendomais observações ao longo de 1911 e em 1912. Naprimavera de 1912, ele passou várias semanas examinando dezenas degotasdeóleo,observando-asaomicroscópioquehaviacolocadonaparededasuacâmara.Natardede15demarço,umasexta-feira,elepassoucercademeia hora perscrutando aomicroscópio a gota de número 41, e paraisso usava um cronômetro para marcar seu tempo de subida e quedaentreaspequenasretículas.Eleconseguiaveressagotacommuitanitidez,e as fontes comuns de perturbação, como correntes de ar, estavamausentes. A despeito da monotonia do trabalho, ele foi icando cada vezmaisentusiasmado.Quandoacabouderegistrarosdadosemseucadernode anotações do laboratório, acrescentou no canto esquerdo inferior dopapelalinhacitadacomointroduçãonestelivro:“Beleza.Publicaristosem

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falta,ébelíssimo.”10Porvoltadessaépoca,MillikanjásabiadotrabalhodeEhrenhaft–ede

seusaindamaisveementes sucessores–,queoacusavade ter falsi icadosuas conclusões e dizia que os seus próprios dados demonstravam aexistência de subelétrons. Em 1913, Millikan publicou um artigo extensofundamentado no trabalho com seu equipamento aperfeiçoado. Abaladopela acusação de Ehrenhaft, ele relatou, defensivamente, que os dadosvinhamdeumconjuntodeobservaçõescom58gotas,equenãosetratavade “um grupo selecionado de gotas, pois representa todas as gotasexperimentadas durante 60 dias consecutivos”. 11 Esse trabalho – eleescreveu–estabeleceuovalorparaacargadoelétron(4,774±0,009x10 -

10unidadeseletrostáticas,ouesu)a0,5%.Acomunidadecientí icaaceitouosresultadosdeMillikan,combasenão

sóemseuartigo,comotambémemoutrasevidênciasemapoioaocaráteratomístico da eletricidade, e ele recebeu o Prêmio Nobel em 1923, emparteporessetrabalho.Poralgunsanosmais,Ehrenhaftcontinuouafazerpressão a respeito dos subelétrons, mas inalmente acabou desistindo.Mais tarde, Ehrenhaft icou obcecado com outra questão – monopólosmagnéticos, que podem ser imaginados como ímãs com apenas umaextremidade.(Podeserqueelesexistam,masninguémjamaisviuum.)Devezemquando,Ehrenhaftcompareciaacongressoscientí icosaferrando-se ao que ele a irmava ser umaprova da existência dos monopólos. Ummomento pungente aconteceu em 1946, no encontro anual da SociedadeNorte-americanadeFísica,nacidadedeNovaYork.O jovem ísico teóricoAbrahamPaisfaziaumaapresentaçãoquefoiinterrompidaporEhrenhaft,então comcercade60 anos e aindabatalhandopela causadomonopólo.Eleseaproximoudotabladopedindoapalavra,efoipolidamenteretiradodasala.UmjovemfísicochamadoHerbertGoldsteinestavasentadopertodeseu

mentor, Arnold Siegers. “A teoria de Pais é muito mais louca que a deEhrenhaft”, Goldstein disse a Siegers. “Por que dizemos que Pais é umfísicoeEhrenhaftummaluco?”Siegers re letiu por um momento. “Porque”, respondeu, “Ehrenhaft

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acreditanasuateoria.”12O que Siegers queria dizer é que a força da convicção de Ehrenhaft

tinha interferido na atitude normalmente descompromissada que serequer dos cientistas, uma capacidade de arriscar e improvisar. (Aconvicção,disseNietzsche,émaisinimigadaverdadedoqueasmentiras.)

Estaria Ehrenhaft certo ao dizer que Millikan inventara os seus dados?Holton examinou anotações que Millikan deixou em seus cadernos delaboratórioequeserviramdebaseparaseuartigode1913.EleconstatouqueMillikandefatohaviaestudado140gotas–nãoas58quea irmara.AdeclaraçãodeMillikandeque“essenãoéumgrupodegotasselecionadas,pois representa todas as gotas experimentadas durante 60 diasconsecutivos”era,portanto,falsa.Emboraessarevelaçãopossasermotivode espanto, ela não perturbou muito o próprio Holton. Ele sugeriu duasexplicações parciais. Uma era a controvérsia com Ehrenhaft: Millikan,convencidodequeestavacerto,nãoqueriadaraEhrenhaftmaismunição,o que, a seus olhos, poderia apenas confundir a questão. A segundaexplicaçãoparaquetenhaomitidoamençãoàsgotas icaclaraapartirdasfontes de erro experimental que Holton descobriu registradas nospróprios cadernos de anotações: “As voltagens da bateria caíram; omanômetroestábloqueadopeloar;aconvecçãointerferecomfrequência;a distância deve sermantida constante; ocorrem erros no cronômetro; oatomizadorestácomdefeito.”Millikan,emsuma,nãoacreditavaqueas82gotas“quefaltavam”tivessemdefatoimportância.Seuscadernosdenotasassinalamadiferençaentregotasobservadassobcondiçõesperfeitas,queelemuitasvezesdescrevecomo“belas”,egotascujaobservaçãofoiafetadapor vários graus de erro experimental. Eis um exemplo extraído porHoltondocadernodenotasdeMillikannaúltimasemanadoexperimento:

Beleza. Tempo e condições perfeitas, nenhuma convecção. Publicar [8 de abril de 1912].Publicar Beleza [10 de abril de 1912]. Beleza Publicar [riscado e substituído por] Brownianapareceu[10deabrilde1912].PerfeitoPublicar[11deabrilde1912].Entreasmelhores[12de abril de 1912].Melhor ainda para todos os propósitos [13 de abril de 1912]. Beleza paramostrarconcordânciaentredoismétodosparaobterv1+v2Publicarsemdúvida[15deabril

de1912].Bomparamostrardoismétodosdeobterv.Não.Algoerradocomotermo.13

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Millikan, portanto, pegou e escolheu as gotas que publicou e, para nãoalimentarascríticasdeEhrenhaft,deixouderelatarqueashaviaomitido,porconsiderá-lasirrelevantesparaaquestãoconcretadacargadoelétron.Para usar a imagem de Holton, Millikan exerceu seu julgamento aodiscriminar o que deixar na “janela” cientí ica – o que ele aceitava comodados. Ao contrário disso, Holton escreveu, Ehrenhaft e seus assistentes“parecem ter usado tudo o que leram assiduamente, bom, mau ouindiferente!”. Eles deixaram tudo na janela, e trataram tudo com igualvalor.Desde a publicação do artigo de Holton, os historiadores, jornalistas e

cientistas debatem a validade e a ética do procedimento de Millikan. Namaioriadasvezes,elesfazemumpacotedahistóriadeMillikanparaexibi-lacomoumalição,limpandoeaparandoorelatoparadeixaraliçãoclara–criando,defato,demonstraçõeshistóricas.Emcertamedida,esseprocessoocorre em tudo o que se escreve a respeito de relatos históricos,mas nocaso de Millikan isso é particularmente interessante. A historiadora daciênciaUllicaSegersträledescreveusecamenteoqueaconteceuàhistóriadoexperimentodeRobertMillikanqueganhouoPrêmioNobel comoumcaso de “pedagogia enlatada”. 14 O que é notável nesse caso é a oposiçãopolar das opiniões: de um lado,Millikan, o brilhante cientista, e do outroMillikan,oexemplodeumafraudevergonhosa.Por motivos óbvios, alguns jornalistas e divulgadores de ciência, ao

fazerem uma leitura super icial do artigo de Holton, concentraram-se naomissão das gotas por Millikan – especialmente na falsa a irmação notrabalhode1913,emqueelerelatavatodasassuasobservações.Navisãodeles, o laureado com oNobel foi culpado demá conduta cientí ica e atémesmo de fraude.15 Em seu livro publicado em 1983,Betrayers of theTruth:FraudandDeceitintheHallsofScience ,osjornalistasWilliamBroadeNicholasWade,dojornalTheNewYorkTimes ,apregoaramque“Millikancontinuamente procurou fazer com que seus resultados experimentaisparecessem mais convincentes do que de fato eram”. 16 E o médicoAlexanderKohnincluiMillikanentreos“falsosprofetas”daciênciaemseulivroque temessemesmotítulo,emboraoautorpareçamais interessado

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pelasupostanegligênciadeMillikanquantoàscontribuiçõesdeseualunodepós-graduaçãoFletcherdoquepelaomissãodosdados.Poroutro lado,várioshistoriadoresdaciência,concentrando-seno fato

de queMillikan usou o que hoje parece ser um bom julgamento sobre acon iabilidadede seus dados, elogiou-o como exemplo de bom cientista.Essesestudiososassinalamquefrequentementeare lexãocientí icanãoéuma questão de números,mas de julgamento, e destacamdiversos casoshistóricosdecientistasqueinterpretaramcorretamenteexperimentosnosquaisaestritadependênciadosnúmerosteriaconduzidoaoerro.Quandose trata de dados, os números não são todos criados damesmamaneira.Em1984,ohistoriadordaciênciaAllanFranklinanalisouarduamentecadaumadasgotasomitidasporMillikanemseuartigode1913emostrouquequasetodashaviammesmosidoomitidaspormotivosdecorrentesdeerroexperimental–e, talvezaindamais importante,queaindaqueMillikanastivesseincluído,oresultadofinalnãoteriamudadosubstancialmente.17Essas histórias tendem a ser recicladas por aqueles que estão mais

interessados em sua lição favorita do que na exatidão histórica ou noprocesso cientí ico. Cada versão omite a complexidade. A versão de“Millikan como mau cientista” deixa de lado as razões pelas quais nemtodasasinformaçõessãoboas,e,portanto,porquefrequentementeémaissensatodescartaralgumasdelas;aversãode“Millikancomobomcientista”deixadeladoaspressõesparasechegarprimeiroaoresultadoe,portanto,para comprometer o relato dos dados. Como Segersträle enfatizou, ochoquebrotaemgrandemedidadaaplicaçãodeduasperspectivasmuitodiferentes, e em grande parte incompatíveis, do processo cientí ico. Emuma delas, a perspectiva kantiana (ou “deontológica”), o comportamentoético consiste na intenção de aplicar a si próprio as mesmas regras quetodomundoaplicaasi–eMillikanfoimauporquenãoseguiuasregrasarespeitodorelatodosdados.Naoutraperspectiva,autilitária,aquiloqueimporta à ciência, do princípio ao im, é simplesmente obter o resultadocorreto – e foi isso queMillikan fez. De fato, como Segersträle observa, aciênciaétãocompetitivaqueaquelesquenãocorremnafrenteparaobteroresultadocorretorápidaefacilmentetendemadesistir.

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ApolêmicasobreacondutadeMillikantornoudi ícilrecuperarabelezadeseuexperimento–maselavaleoesforçodabusca.Paratanto,devemosnosperguntaroqueMillikanrealmenteviu.Eleperscrutou,atravésdeummicroscópio, o interior de uma câmara que ele próprio havia desenhado.Aquelacâmaraeracomoumpequenopalcoparaumtipopeculiardeaçãodesempenhadaporumtipopeculiardeator.Osatoresqueapareciam,umde cada vez, nessepequenopalco erampequenas gotas de óleo comunspoucos mícrons de diâmetro. Este é um tamanho tão mínimo – seudiâmetro tinhaaproximadamenteo comprimentodeondada luzvisível –que a luz de fato se curvava em volta delas, e você conseguia ver a suadifração. Elas não pareciam sólidas nas retículas, e sim discos borrados,cercadosporanéisdedifração–motivopeloqualMillikannãopodiamediropticamente seustamanhos e precisou recorrer à lei de Stokes paradeterminá-los. Cada gota, quando iluminada por uma lâmpada de arcovoltaico, aparecia para Millikan como uma estrela piscando num céuescuro. As gotículas eram extremamente sensíveis ao meio, e reagiam aqualquer corrente de ar, a colisões com moléculas de ar, e aos camposelétricosqueMillikandeviaajustarparafazê-lassemover.Eleviuasgotasiremparacimaeparabaixoemrespostaàmudançadocampoelétrico.Eleas viuderivar emoutrasdireções emvirtudedas correntesde ar. Ele asviu balançar para trás e para a frente em decorrência do movimentobrowniano. Depois de observar uma gotícula se movendo no campoelétrico, de repente ela pulava ao encontrar outro íon no ar. “Um elétronisoladopulousobreagota.Naverdade,podemosveroexato instanteemque ele pula para dentro ou para fora.” 18 Quando uma gotícula de óleoestava “se movendo para cima, com a menor velocidade que podiaalcançar, pude ter certeza de que apenas um elétron isolado estavapousadonela”.Millikan sabia como fazer as gotas irem para cima ou para baixo, ou

permanecerem absolutamente paradas. Ele se familiarizou com elas apontodereconhecertudooqueestavaacontecendo–equeoqueestavaacontecendo lhemostrava algo novo a respeito demundo.Há umprazersensualemverobjetossecomportarememsituaçõescomplexasdeacordo

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com leis que conhecemos intimamente – como ao olhar uma bola debasquete viajar pelo ar, quicar no aro da cesta contra a tabela, e entãovoltar e entrar na cesta. Só queMillikan via uma ação que lhemostravaalgo importantíssimo– a carga elétrica fundamental. Era o tipodebelezade que Schiller falava, algo que “nos conduz para dentro do mundo dasideiassem,contudo,nostirardomundodossentidos”.Certa tarde, em Chicago, decidi por capricho encontrar o ponto onde

Millikantinharealizadosuafamosasériedeexperimentos,merecedoradoNobel, paramedir a carga do elétron – ummomentode de iniçãopara anossa era eletrônica. Dirigi-me à Universidade de Chicago e descobri ocaminho para o Ryerson Hall, mas não consegui localizar uma placacomemorativa do feito. Também não encontrei ninguém andando peloscorredores que pudesse me dizer em que sala o experimento ocorreu;alguns até perguntaram quem era Robert Millikan. Uma secretária mesugeriuqueprocurasseoserviçoderelaçõespúblicas,masalitambémosfuncionáriosficaramsempalavras.NãoencontreivestígiosdeMillikannemde seu experimento no prédio, que agora é a sede do Departamento deCiência da Computação. Demonstrações de laboratório e empacotamentohistóricasvãopersistir–masoverdadeiroexperimentodeMillikan,comoamaioriadosexperimentosemciência,desvaneceu-sedentrodaestruturadoedifício.

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Interlúdio8

Apercepçãonaciência

Os cientistas costumam dizer que “veem” os objetos com que trabalham,por menores ou mais abstratos que eles possam ser. A bióloga BarbaraMcClintock certa vez comentou, com relação à sua pesquisa sobrecromossomos:“Percebiquequantomaistrabalhavacomeles,maioreselessetornavam,equandoestavamesmotrabalhandocomeles,eunãoestavadoladodefora,euestavaalidentro.Euerapartedosistema.Euestavaalidentrocomeles,etudo icavagrande.Conseguiaatémesmoveraspartesinternas dos cromossomos.” 1 Os astrônomosmuitas vezes falam de “ver”um planeta circulando em torno de um pulsar quando, por exemplo,pegam lutuaçõesnossinaisderádioemitidospelopulsarecausadosporefeitosgravitacionaiscriadospelocorpoemórbita.Elogoqueumanuvemdesódio foidescoberta,saindodeumvulcãona luadeJúpiter(Io)algunsanosatrás,publicou-seadeclaraçãodeumastrônomodizendoqueaqueleera“omaiortraçopermanentementevisívelnosistemasolar”.2Podeparecerquetaisdeclaraçõesestãosóumpoucoacimadonívelda

conversa iada, no mesmo plano que “estou vendo que vai chover”, semenvolver de fato o ato de “ver”. As verdadeiras entidades cientí icas –desde os elétrons até os buracos negros – serão acessíveis apenas porintermédiodealgumaformademediaçãoinstrumental?Queroscientistaspercebamquernão,oqueelesestudaméimportante

para a questão da ciência e da beleza, pois a maioria das descrições dabelezaenfatizaqueelaenvolveapercepçãosensível,aapreensãodealgo

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de modo imediato e intuitivo. Se os cientistas trabalhassem apenas comabstrações, inferências e equações, essa percepção sensível seriaabsolutamenteimpossível.Apercepçãoemciênciaéumtemafascinanteecomplexo,maselanãoé

diferentedapercepçãocomum.3Nesta,a inaldecontas,nãovemosapenasformas ou faixas de cores – peras verdes e lápis amarelos –, e simfenômenos muito mais complexos, até mesmo coisas como exemplos decoragem e e iciência, frustração e vício, logro e ambição. Como isso épossível?Umprincípiofenomenológicobásico,comomencioneinocapítuloanterior, é que aquilo que percebemos não é automático nem pré-organizado, mas depende do que consideramos como primeiro plano ecomo segundo plano ou horizonte. O que percebemos, alguém poderiadizer, é “lido” como um sistema de símbolos contra um horizonte. Napercepção comum, o horizonte é em geral dado – mas na ciência somoscapazesdemudá-lograçasainstrumentosetecnologiascon iáveis,eassimpercebemoscoisasnovas.Issopodesertãosimplesquantoverparaondeoventoestásoprando,ouquetemperaturaestáfazendo,aoobservarumaventoinhaouumtermômetro.Mastambémpodesermaiscomplexo,comono caso de ver elétrons em trilhas de uma câmara de nuvem ou váriosaspectos anatômicos com raios X – o que os cientistas podem e foramensinadosafazer.Nosprimeirosdiasdafísicadealtaenergia,antesqueoscomputadorespredominassem,os cientistas contratavamdonasdecasaeatéestudantesgraduadosemartesliberaisparaidenti icarmúons,príonseoutrostiposdetrilhasdepartículas.Nãosóapercepçãohumanasempreocorrecontraumhorizonte,comotambémdependedainstrução.Sempre que percebemos um objeto, captamos certa regularidade ou

invariâncianasuaaparência(ouper il,comodizemos ilósofos).Paramim,perceberumobjetocomoumamesaenãocomoumailusão,umsuportedepapelãoouumaescultura, é saberque, se eu andar em tornodele, vereioutroladoqueantesnãoeravisívelparamim,equeentãonãovereimaisesselado–equepormeiodetodasessasmudanças,aindaestareivendoo“mesmo” objeto. Esse horizonte implícito de aparências que “vem com” aminhavisãodealgocomoumobjetonãoéumaespeculaçãoouumpalpite

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daminhaparte;éissoquesigni ica“verumobjeto”.Sepensosubitamenteque estou vendo o presidente dos Estados Unidos no meio da calçada,diantedemim,possocaminharparaolado,paraobterumper ilemnovoângulo que me mostre se o objeto é apenas uma fotogra ia sobre umsuporte, caso em que não possomais vê-lo como uma pessoa,mas comoumcartazdepapelão.Perceber um objeto comum ou um objeto cientí ico é captar um per il

particular dele com esse horizonte de per is esperados. Isso é verdademesmo quando vemos algo tão comum quanto uma maçã. A cadaexperiência sucessiva – agarrando-a, virando-a na mão, mordendo-a –,obtemos a realização crescente de seu horizonte de per is. Podemos nossurpreender–amaçãpodea inalser feitademadeiraouvidro,digamos.Maspercebemosqueessaéumaexperiênciaquereformulaohorizontedeperfis,porémnãooelimina.Embora as invariâncias na percepção comum sejam intuições de

regularidades ísicas, as invariâncias nos objetos cientí icos em geral sãodescritas por meio de teorias. Ver um cromossomo, um planeta, umanuvem de sódio ou outro objeto cientí ico é compreender que aqueleobjeto obedece a certas regularidades ou invariâncias – de inidas pelateoria que trata daquele objeto. Se vamos ou não continuar a ver essesfenômenosdessamaneiradependerádecomoseusper ispreencherãoasexpectativaslevantadasporessasinvariâncias.4“Assombro” é o nome que damos para o desejo de explorar os per is

dados e prometidos de um fenômeno apenas por ele mesmo – ao nosengajarmosemumaexperiênciaqueproduzsatisfação–eacontecenãosócomoshumanos,mastambémcomosprimataseoutrascriaturas.Assim,oassombro “certamente não é uma mera construção social”, escreve oilósofoMaxineSheets-Johnstone,masfazpartedalinhagemevolucionária.O temperamento cientí ico persegue essa aventura por meio doexperimento, que produz novos e muitas vezes inesperados per is dosfenômenos.Nocasodamaioriadosobjetos–xícaras,cadeiras,atémesmopessoas–,

sabemosmuito bem o que esperar no horizonte dos per is. A inal, temos

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não só consciência de que surpresas nos aguardam, como também aexpectativa de surpresas. A essas coisas chamamos de “misteriosas”. Otemperamento cientí ico envolve a abertura da possibilidade de sermossurpreendidos.IssoestácertamenteportrásdaobservaçãodeEinsteindeque “a coisa mais bela que podemos experimentar é o sentimento domistério.Essaéafontedetodaaarteedetodaaciênciaverdadeiras”.5Nos laboratórios, podemos criar ambientes especiais de fundo com

instrumentos e tecnologias con iáveis – desde termômetros, raios X eNMRs até complexos detectores de partículas –, graças aos quais novascoisas se apresentam. O aparelho de Millikan foi um exemplo. Em seuinterior havia um mundo particular, e Millikan familiarizou-seperfeitamentecomele.Conheciasuasleisesuasperturbações.Reconheciasituações e comportamentos típicos daquele mundo, e também podiareconhecer situações e comportamentos atípicos, ao perceber que nãocompreendiaoqueestavaacontecendo.Poressarazão,éapropriadodizerqueelepodiavercoisasnaquelemundo.Esse tipo de familiaridade é o que cientistas, desde McClintock a

Millikan, têmcomobjetosde suaspesquisas –– sua capacidadede captartãobemomundoemquetrabalhamapontodeverobjetoséumacondiçãoparaencontraremnelealgumabeleza.

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PrimeirorascunhodeRutherfordsobresuateorianucleardaestrutura

atômica,escritoprovavelmentenoinvernode1910-11.

* A confusão foi entrewatched (observado) ewashed (lavado), e entrean ion (um íon) eandironed(epassadoaferro),palavrascujapronúnciapodesermuitosemelhanteeminglês.(N.T.)

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9

BelezanascenteAdescobertadonúcleoatômicoporRutherford

NaprimeiradécadadoséculoXX,umexperimentoengenhosopermitiuaoísico britânico Ernest Rutherford (1871-1937) descobrir a estruturainterna do átomo. Para surpresa dos cientistas, ele compreendeu que osátomos consistem em um centro com carga positiva, ou “núcleo”, quecontémquasetodaamassadoátomo,cercadoporumanuvemdeelétronscom carga negativa. Até então, a última estrutura da matéria era umdaqueles mistérios – como o começo (e o im) do Universo, a origem davida e a existência de vida em outros planetas – que constituíam temasinteressantes para a especulação, mas eram impossíveis para ainvestigação. Os cientistas perguntavam-se como a estrutura interna dosátomos poderia ser estudada se as próprias ferramentas de quedispunhameram,elaspróprias,feitasdeátomos.Seriaomesmoquetentardescobriroquehaviadentrodeumaboladeborrachausandooutraboladeborracha.AconquistadeRutherfordmarcouonascimentodamodernafísicadepartículas.O caminho que Rutherford percorreu para chegar à sua descoberta

nadatevededireto.Elenãocomeçoudecididoaencontraraestruturadoátomo. Levou algum tempo para perceber que tinha em mãos umaferramentaquelhepermitiarealizaroexperimento,paraconceberomodocorretodeusaressaferramenta,eparacompreenderoqueoexperimentolhemostrava.Edemoroumuitoparaqueoutrosseconvencessemdisso.1

Rutherford era um homem alto e con iante, de rosto corado e bigodehirsuto,risadaforteevoztonitruante,quenãoparavadeinsistircomseus

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assistentes e colaboradores para que trabalhassem com a maiorsimplicidade. Para explicar seus êxitos, Rutherford gostava de dizer:“Sempre acredito na simplicidade, pois eu mesmo sou um homemsimples.”2Issonãoerabazó ia.Elecompreendiaovalordosequipamentossimples para convencer a natureza a revelar seus segredos maisprofundos.De fato, os experimentos de Rutherford, por serem simples e

conclusivos,estãoentreosmaisbelosdaciência. J.G.Crowther,seucolegae algumas vezes concorrente, escreveu sobre sua perplexidade ao vercomoasideiassimplesqueRutherfordincorporavaemseusexperimentosainda podiam ser e icazes no século XX: “Poderíamos imaginar que, apóstrês séculos de um intensivo desenvolvimento da ísica, as ideias teriamnecessariamente evoluído para uma sutileza complicada e que todas asideiassimplesteriamsidousadaseseexaurido.”3E,deacordocomoutrocolega,A.S. Russell, “numavisão retrospectiva, podia-se apreciar a belezadométododeinvestigação,assimcomoafacilidadecomaqualsechegavaà verdade. O mínimo de agitação acompanhava o mínimo de chance deerro. Com um movimento a distância, Rutherford en iava a agulha, porassimdizer”.4ParecequeRutherfordnãotinhagrandeapreciaçãopelasartes.Quanto

a seus gostosmusicais, quando irrompia em canções da sua preferência“era em geral uma versão desa inada deOnward Christian Soldiers ,entoadacomgrandeentusiasmo”. 5Masamaneiracomoseempenhouemarrastaraestruturasubjacentedomundoparaaluztevetodasasmarcas–intensaenergia,profundorespeitopelomaterial,forteimaginaçãofísica–dobomartista.De fato,Rutherforda irmoucertavezque “oprocessodadescobertapodeserencaradocomoumaformadearte”.6Mas assim é na arte como na ciência: o processo criativo é

frequentementerepletodemeandros,oretrocessoécomum,eosartistasmuitas vezes só no inal percebemo que estão buscando.Uma ilustraçãoclássica disso é a obra-prima de Rutherford, a descoberta do núcleoatômico.Rutherford nasceu na Nova Zelândia, e na juventude mexia com

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câmeras, relógiosepequenosmodelosderodas-d’águanomoinhodeseupai. Em 1895, ganhou uma bolsa de estudos especial que o levou àInglaterra e ao Laboratório Cavendish, que o historiador da ciência J.L.Heilbron chamou de “berçário dos ísicos nucleares”. 7 Ele chegou láquando se iniciava umperíodo de grande demanda e estímulo à ísica. Oísico alemão Wilhelm Roentgen descobriu os raios X em 1895, o ísicofrancês Henri Becquerel descobriu a radioatividade em 1896, e o ísicobritânico J.J. Thomson – que era diretor do Laboratório Cavendish –descobriuoelétronem1897.Rutherford distinguiu-se rapidamente nessa atmosfera intensa, e em

1898deixouo“berçário”aoaceitaropostodeprofessornaUniversidadeMcGill,emMontreal,ondepermaneceriaaté1907.Poucoantesdedeixarauniversidade, enquanto estudava a radioatividade, ele fez a descobertainesperada e crucial de que o urânio emitia dois tipos diferentes deradiação. Para demonstrar isso, concebeu um experimento simples eextremamente convincente, como era seu hábito: recobriu urânio comcamadasde folhasde alumínio emediu aquantidadede radiaçãoque asatravessava. Uma ou duas camadas diminuíram a quantidade, mas comtrês camadas a radioatividade caía visivelmente. Estranhamente, aradiação remanescentenãoerabloqueadademodosigni icativoporumaquartaouumaquintacamada.Elacontinuavaapassar,atéqueRutherfordcobria o urânio com muitas camadas de alumínio. Para ele, issodemonstrou que o urânio emitia dois tipos de radiação, sendo uma bemmaispoderosaqueaoutra.Elechamouotipomenospenetrantede“raiosalfa”,eomaispenetrante“raiobeta”,seguindoasduasprimeirasletrasdoalfabetogrego.Osraiosalfa–oqueeram,comosecomportavameparaquepoderiam

servir–acabaramsetornandoopontocentraldacarreiradeRutherford.Seus alunos gostavam de dizer que a partícula alfa era uma pequenacriaturaaqueseumentortinhadadovidaporacasoedepoistornadotodasua. Eles dois – Rutherford e sua pequena criatura – fariammaravilhasjuntos. Ela passou a ser a sua ferramenta para destrancar o interior doátomo,emboraeletambémtenhadescobertoissoporacaso.

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Rutherford logocompreendeuquenemosraiosalfanemosraiosbetaeram de fato raios, no mesmo sentido que, digamos, os raios X. Erampedacinhosdematériacarregadadeeletricidadequeosátomosdeurânioexpeliampormotivosatéentãodesconhecidos.Osraiosbetatinhamcarganegativa e logo con irmaram ser elétrons, mas a natureza dos raios alfa,que tinhamcargapositiva, foi inicialmenteumquebra-cabeça.Rutherfordo resolveu. Ele percebeu que a massa desses raios era similar à dosátomosdehélio–masseriamelesátomosdehélio?Concebeuentãooutrademonstração simples e engenhosa para comprovar essa hipótese. Paraisso, encomendou a um soprador de vidro um tubo com paredes inas obastanteparapermitirqueosraiosalfaasatravessassem,porémfortesobastante para que não se partissem sob a pressão atmosférica. Encheuesse tubo com radônio, um elemento gasoso conhecido como emissor deraios alfa, e cercou-o com outro tubo de vidro hermeticamente fechado,deixandoumespaçovazioentreosdoistubos.Emseguida,bombeouparafora todoo ar contidonesse espaço, produzindovácuo; a única coisaquepodia penetrar ali eram os raios alfa, que atravessavam as paredes dotubo interno. Rutherford descobriu que se coletava um gás lentamentenaqueleespaço,numataxaproporcionalàquelacomqueaspartículasalfapassavamatravésdaparedeinterna.Entãotestouogáseverificouqueerahélio.Osraiosalfa–oupartículasalfa,comopassaramcadavezmaisaserchamados – eram átomos de hélio. “Este experimento”, escreveu MarkOliphant, aluno de Rutherford, “despertou grande interesse graças à suasimplicidadeimediataeàsuabeleza.”8Masomistériopermaneceu.Comoaspartículas alfa, de cargapositiva,

podiam se transformar em hélio, que normalmente é eletricamenteneutro?E,alémdisso,oqueosátomosdehélioestavamfazendodentrodeátomosdeurânio? Seriameles comopeças que se lascavamdeumblocoatômico,oualgoassim?Qual a relaçãodeles como restantedonúcleodeumátomo?OcaminhodeRutherfordparachegaràsoluçãodessequebra-cabeça foi indireto. Começou comumapolêmica amistosa comBecquerel,cujosexperimentoscompartículasalfatinhamalgumasdiscrepânciascomosdeRutherford.Depoisdeobservarseusresultadoscon litantes,osdois

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estudaram o assunto mais atentamente, e comprovou-se que Rutherfordestavacerto.Masadisputaestimuloua curiosidadedele.Porqueera tãoterrivelmente di ícil medir as propriedades das partículas alfa? ComoBecquerel,queelesabiasercuidadoso,haviaseequivocado?Omotivoeraa propriedade que as partículas alfa têm de ricochetear espalhandomoléculasdear.Rutherford conhecia bemesse comportamento, que demonstrou, como

decostume,emseuestilosimplesedireto:primeirodisparouumfeixedepartículasalfasobreumaplacafotográ icanovácuo,obtendoumamanchaáspera e brilhante no ponto de impacto. Depois disparou omesmo feixesobreamesmaplaca,destaveznãonovácuo,masatravésdoar.Amanchase espalhou e icou borrada. A propagação da mancha, escreveuRutherford em 1906, devia-se à “dispersão dos raios” quando elessoltavam moléculas no ar. Embora Rutherford ainda não soubesse, adescoberta do papel da dispersão seria um passo fundamental para adescobertadonúcleo.Doisanosmaistarde,RutherfordrecebeuoPrêmioNobel,curiosamente

odequímicaenãoode ísica,porsua“pesquisasobreadesintegraçãodeelementos e sobre a química das substâncias radioativas”. Durante acerimônia, ele comentou jocosamente que tinha visto muitastransformaçõesemseutrabalho,porémamaisrápidaaqueassistiu foiasua transformação de ísico em químico. Por essa época ele havia setransferidoparaaUniversidadedeManchester,naInglaterra.Eàmedidaque se interessava cada vez mais em medir precisamente as váriaspropriedades das partículas alfa, icava também mais frustrado com adispersão.Elaafetavaseriamente,porexemplo,suastentativasdemediracarga das partículas alfa disparando-as, uma a uma, dentro de umdetector. Seus colegas também icavamperturbadospeladispersão, eumdeles, W.H. Bragg, enviou-lhe alguns desenhos de trajetos “com cantos”queaspartículashaviamdeixadoemcâmarasdenuvem.“Adispersãoéodiabo”,queixou-seRutherfordnumacartaaoutrocolega.Exasperado, ele acabou pedindo a seu novo assistente, Hans Geiger,

paramediradispersão. (Anosdepois,Geiger inventouo famosocontador

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Geiger, que detectou a radioatividade eletronicamente em laboratórios eem inúmerosthrillers produzidos após a SegundaGuerraMundial.)Davaassim mais um exemplo da atitude de vigilância do experimentador – omesmo instinto que levou Cavendish a medir a força dos camposmagnéticos em seu aparato da barra de torção, e Millikan a estudar aevaporaçãodasgotasd’água.Sevocêdeparacomumaforçaperturbadoraem seu experimento,meça-a primeiro diretamente, depois desconte-a doresultado. O pedido de Rutherford a Geiger acabou levando a mais umpassofundamentalnocaminhoparaadescobertadonúcleoatômico. Isso,também, Rutherford não percebeu de saída. Segundo ele, pareciasimplesmente que estava sendo forçado a tentar compreender equanti icarumaperturbaçãoqueatrapalhavaaprecisãodesuasmedidasdamassaedacargadaspartículasalfa.Medir as partículas alfa foi uma tarefa árdua. Rutherford e Geiger

haviam aprendido que, quando as partículas alfa tocam certos tipos desubstâncias químicas como o sulfeto fosforescente de zinco, elas criampequenos lashesmomentâneosconhecidoscomo“cintilações”,quepodemser vistos ao microscópio. Era a primeira vez que átomos individuais(partículas alfa sendo contadas como átomos de hélio) eram detectadosvisualmente. Ao olhar para telas pintadas com tais substâncias, oscientistas podiam estabelecer onde as partículas alfa atingiam a tela,proporcionando assim informações sobre suas trajetórias. Mas, paraobservaras fugidiaseefêmerascintilações,Geigerprecisavasentar-senoescuropornomínimo15minutosparaajustarseusolhososu icienteparaenxergarosflashes.Eraumatarefatediosaequedemandavatempo.O equipamento que Geiger usou para medir a dispersão era simples

para os padrões atuais. Uma pequena bolinha de rádio – elementointensamente radioativo que disparava partículas alfa em luxos quasecontínuos – colocada numa latinha de metal. A latinha era provida defendasquedeixavampassarumalinha inadepartículasalfaparadentrodeum tubodevidro comcercade1,20mde comprimento.Todooarerabombeadoparaforadessetubodetiro,deformaqueaspartículasalfanãoeram dispersadas pelas moléculas de ar. Conectado a esse tubo de tiro

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haviaoutro,semelhante,tambémsemar,atravésdoqualaspartículasalfapassavam,antesdeencontrara teladesulfetodezinco.Espiandoatravésde um microscópio ajustado à tela, Geiger podia observar os lashes emedir suas posições. Quase invariavelmente, esses lashes ocorriam nomesmo ponto. Então Geiger colocou pedacinhos defolhametálica entre oprimeirotubodevidroeosegundo.Agoraos lashesnãoincidiamtodosnomesmoponto,ealgunspareciamdançarsobreatela.GeigerexplicouoqueestavaacontecendoempalestranaRoyalSociety

em junho de 1908. A maioria das partículas alfa navegava diretamenteatravés das folhas metálicas, disse ele, mas de vez em quando uma eraespalhadaporelas.Comoacontecequandoumtacodebilharsechocacomuma bola parada, a partícula alfa era jogada para um lado. Além disso,quantomaisespessaafolhametálica,maioronúmerodepartículasalfaase espalhar e maior o ângulo em que elas se desviavam do trajeto.Evidentemente, essas partículas alfa haviam colidido com vários átomosquando passaram através das folhasmais espessas. Emais ainda: folhasfeitasdeelementosmaispesados,comoouro,dispersavammaispartículasalfaquefolhasfeitasdeelementosmaisleves,comoalumínio.Era di ícil para Rutherford e seus colaboradores terem uma ideia do

queestavaacontecendonadispersão.Aspartículasalfa,elessabiam,eramdisparadas do rádio a uma velocidade extrema – da ordem de 16 milquilômetrosporsegundo.Eradi ícilimaginarcomoosátomosna inafolhametálica podiam desviar entidades tão imensamente energéticas.Rutherford e seus colaboradores, na verdade, ainda não dispunham damoderna imagemdaspartículasalfa, representadas comobolasdebilharou balas; tudo o que sabiam era que as partículas alfa eramessencialmente átomos – de hélio –, mas nada conheciam a respeito daestruturadessesátomos.Adescobertadequealgunsátomos,pelomenos,emitiam partículas alfa positivamente carregadas e partículas betanegativamentecarregadastinhainspiradomuitoscientistasapensarsobreaestruturainternadosátomos(incluindopartículasalfa/átomosdehélio).Osátomoscertamentecontinhamelétrons.Umavezqueosátomoscomunssão eletricamente neutros, eles continham também uma carga positiva.

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Mascomo, edeque forma?Em1904, J.J.Thomsonpropôsqueumátomoconsistia em elétronsmantidos juntos pormeio de uma geleia positiva –como as ameixas em um pudim de ameixas, dizia-se, o que fez essarepresentação icar conhecida como modelo do pudim de ameixas. Nomesmoano,umcientista japonêspropôsummodeloplanetário,emqueoátomo consistia em um centro e satélites circundantes. Mas como setratava de meras suposições, era di ícil representar o que aconteciaquandoumapartículaalfa/átomodehélioeradisparadaporoutrotipodeátomo.Prosseguindonatentativadecompreenderadispersão,Geigerpassoua

tercomoassistenteErnestMarsden,umalunodegraduaçãonascido,comoRutherford,naNovaZelândia.Duranteooutonode1908eaprimaverade1909, Geiger e Marsdenmelhoraram o equipamento, inseriram arruelaspara reduzir o número de partículas dispersadas das paredes do tubo eusaram umraio mais intenso, mas ainda assim não conseguiram obtermedidasconsistentes.Oproblemapareciaserqueaspartículasalfaeramdesviadas não só pela folha metálica, mas também pelo ar residual nostubose tambémpelasváriaspartesdo tuboeorestantedaaparelhagemexperimental.Comtantacoisaapipocaremvolta, icavadi ícildizeroqueestavasendodispersadoedeonde.Certo dia, no começo da primavera de 1909, Rutherford, que

acompanhava o trabalho de Geiger e Marsden e via crescerem as suasatribulações, entrou no laboratório dos dois e, como Marsden depoisrelatou,disse:“Vejamseconseguemcaptaralgumefeitodaspartículasalfadiretamentere letidasdeumasuper íciemetálica.”Rutherfordqueriaqueeles re izessem o experimento a im de veri icar se as partículas alfasaltariam diretamente da folha metálica, como bolas de tênis quandobatem em uma parede, em vez de serem dispersadas, como quandopassavamatravésdela.NovamenteGeiger eMarsdendesenvolveramumdispositivo experimental simples. Eles deslocaram a tela para o lado ecobriram-nacomumaplacadechumboparabloqueartodasaspartículasalfa, impedindo-asdealcançara tela, comexceçãodaquelasque tivessemricocheteado na folhametálica (FIGURA 9.1). Eles tinham de aumentar a

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intensidade de sua fonte ainda mais para maximizar o número departículas que se deslocavam em ângulos obtusos. Quase de imediatocompreenderam que algumas partículas erammesmo disparadas para olado. Depois de várias semanas de experimentação, usando diferentestiposdefolhasmetálicascomdiferentesespessuras,elesdescobriramquecercadeumaemoitomilpartículasalfaerare letidaemumângulomaiordo que 90 graus.”De início”, Geiger escreveu dois anos depois,”nãoconseguíamoscompreenderisso[adispersãoemânguloobtuso]demodoalgum.”9Poressaépoca,Rutherfordhaviapercebido,paraseudesgosto,que,se

as partículas alfa fossem dispersadas por um oumais encontros casuaiscom átomos, ele teria de aprender muito mais sobre matemática dasprobabilidades para entender o processo. Assim, no início de 1909,matriculou-senumcursointrodutóriodecálculoprobabilístico.Olaureadocom o Nobel anotou com aplicação as aulas e fez seus exercícios, einalmente conseguiu elaborar uma teoria do que chamou de “dispersãomúltipla”, adequada aos casos em que as partículas se dispersavam porencontrosaleatórioscomváriosátomos, cadaumdosquaisdispersavaaspartículasalfaempequenaquantidade.Masateoriadadispersãomúltiplanão parecia encaixar-se na dispersão em ângulo obtuso que Geiger eMarsdenestavamencontrandonaquelaocasião.

Figura9.1EsboçododispositivoexperimentaldeGeigereMarsdenparamediradispersãoem

ânguloobtuso.

Numa palestra dada no inal de sua vida, Rutherford falou sobre aépocaemqueGeigereMarsdenfizeramoexperimentopelaprimeiravez:

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Entãome lembro de que dois ou três dias depois Geigerme procuroumuito entusiasmado edisse:“Conseguimosobteralgumasdaspartículasalfaquevinhamdetrás...”Erasemdúvidaoacontecimentomais inacreditável que eu jamais testemunhara naminha vida. Era quase tãoinacreditável como se você tivesse disparado uma bala de 38cm num lenço de papel e elativessevoltadoebatidoemvocê.10

A incredulidade de Rutherford é um exemplo da percepção doexperimentador. Em termos de ísica, era inacreditável – uma pesadapartícula alfa disparada a cerca de 16 mil quilômetros por segundo,quicando de uma tira de folha metálica! Mas até mesmo a prodigiosaimaginaçãodeRutherfordparaa ísicanãoconseguiacaptarrapidamentecomoaquiloerainacreditável.Primeiro ele pensou que as dispersões em ângulo obtuso não podiam

seratribuídasàdispersãomúltipla– istoé,queaspartículasalfadeviamtercolididocomumnúmeroextremamentegrandedeátomos–equeissoparecia tê-lasdealgummodochutadopara trás.Mas,nodecorrerdoanoseguinte,enquantotrabalhavacomateoriadasprobabilidadesedigeriaosresultadosdesseexperimento,assimcomoosdealgunsdesenvolvimentosadicionais, sua concepção começou a se modi icar. Um dessesdesenvolvimentos foi sua convicção crescente de que uma partícula alfanãoeraumglóbuloouumpudim,maspodia ser tratada comoumponto.Essefoiumpassoenormeporque,entreoutrascoisas,simpli icoubastanteamatemáticadateoriadadispersão.Tambémoajudouapercebercomoadispersão da partícula alfa era uma excelente ferramenta. Se vocêconhecia o bastante sobre dispersão e aprendesse como ela era afetadapor vários parâmetros, tais como a distribuição de carga e de massa,poderia reverter o processo e descobrir, a partir do modo como aspartículasalfaeramdispersadas,informaçõessobreomeiodispersante.Adispersão passava a ser então não um efeito desagradável com que osexperimentadorestinhamdecoexistir,masumfenômenointeressantequelhespodiadizeralgosobreoutrascoisas.Para Rutherford, especialmente, foi como abrir os olhos para o que a

dispersãodaspartículasalfapoderialherevelarsobreaprópriaestruturado átomo. Segundo Geiger, Rutherford teve uma compreensãofundamentalpoucoantesdoNatalde1910:

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Umdia,Rutherford,obviamentenoseumelhorhumor,veioàminhasalaemedissequeagorasabia comqueo átomo separecia e comoexplicar as amplasde lexõesdaspartículas alfa.Nomesmo dia, iniciei um experimento para testar as relações esperadas por Rutherford entre onúmerodepartículasdispersadaseoângulodedispersão.11

EumdosconvidadosparaosalmoçosdominicaisdeRutherford,CharlesG. Darwin, relembrou Rutherford dizendo exuberantemente naquelaocasião que “era mesmo muito bom ver as coisas que foram vistas nanossaimaginaçãoseremdemonstradasdemodovisível”.12As simpli icações da teoria da dispersão ajudaram Rutherford a

compreender que as partículas alfa não podiam ser explicadas peladispersão múltipla – elas não voltavam atrás por causa das múltiplascolisões,masporumaúnicacolisão.Isso,porsuavez,sópodiaacontecersequase todaamassadoátomoestivesse concentradaemumúniconódulocarregadonoseucentro.OqueRutherfordviuevidentementeemsuaimaginaçãofoiqueoátomo

consistia em um centromaciço e carregado, cercado namaior parte porumespaçovazio –mais vazio aindadoqueo sistema solar. Seumátomofosseampliadoatéo tamanhodeumestádiode futebol,onúcleoseriadotamanhodeumamoscanoseucentro,enquantooselétronsseriamaindamenores e estariam distribuídos pelo restante do campo. Praticamentetodaamassadoestádio,contudo,estariacontidanaquelapequenamosca.MasparaRutherfordaindanãoestavaclaroseessepontotinhaumacargapositivaounegativa.Emmarçode1911,eleescreveuaumcolega:“Geigerestá desenvolvendo a questão da dispersão ampla e até agora osresultados que obteve são muito promissores para a teoria. As leis dadispersãoamplasãototalmentedistintasdasdadispersãomenor. ...Estoucomeçandoapensarqueocentrotemcarganegativa.” 13Aspartículasalfacom carga positiva – evidentemente era o que ele pensava – estariamgirando em tornodesse centrode carganegativa assim comoum cometagiraemtornodoSol.Mas Rutherford hesitava em publicar a sua conclusão. Ummotivo era

que ela contrariava o modelo do pudim de ameixas de seu mentor, J.J.Thomson, que a inal de contas era omaior especialistamundial em ísica

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atômica.MasentãoRutherford teveumgolpedesorte.UmdosalunosdeJ.J. Thomson, J.G. Crowther, publicouumexperimento compartículasbetaquepretendiademonstrarque “aeletricidadepositivadentrodoátomo ...se distribui bem uniformemente por ele”.14 Isso libertou Rutherford dasituação edipiana de ter de atacar seu mentor diretamente; ele podiaentrar na disputa criticando as conclusões de Crowther e, assim,preservandosuasboasrelaçõescomThomson.Numa palestra informal feita em Manchester em março de 1911,

Rutherford referiu-se aos resultados e à conclusão de Crowther – masentãoassinalouqueadescobertafeitaporGeigereMarsdendadispersãoem ângulo obtuso “não pode ser explicada” pela teoria da dispersãomúltipla.Aocontrário,disse,“pareceseguroqueessesdesviosgrandesdaspartículas alfa são produzidos por um único encontro atômico”. Issoimplicava, por sua vez, que um átomo “consiste em uma carga elétricacentral concentrada em um ponto”. Rutherford prosseguiu enterrando aconclusãodeCrowtherinteiramenteaoobservarqueoseuprópriomodelopodia explicar igualmente a maioria dos resultados experimentais deCrowther.15Emmaio,Rutherford submeteu aumapublicação cientí icaum “belo e

famosoartigo”, comodescritoporHeilbron. Seu título era “TheScatteringofαandβParticlesbyMatterandtheStructureoftheAtom”. 16DepoisdedescreverotrabalhodeGeigereMarsden,ateoriadadispersãoisoladaeda dispersãomúltipla, e o experimento de Crowther, Rutherford dedicouumaparteàs“Conclusõesgerais”.Nessaapresentaçãoformaldotrabalho,ele escreveu: “Considerando a evidência como um todo, parece-me maissimples supor que o átomo contémuma carga central distribuída emumvolume muito pequeno.” Um dos artigos cientí icos seminais de todos ostempos acarretou, nas palavras de E.N. da C. Andrade, colaborador deRutherford, “a maior mudança nas nossas ideias da matéria desde ostemposdeDemócrito...400a.C.”Supunha-sequeosátomoseramostijolosbásicos de construção da matéria – a palavraátomo vem do grego“indivisível”–eagoravíamosumadescriçãodesuaspartes internasedesuaestrutura.

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Ao proporcionar uma imagem da estrutura atômica, o modelo deRutherford abriu as portas para a solução de muitos dos problemas daísica atômica. As partículas alfa, por exemplo, eram de fato pedaços donúcleo que, de alguma forma, haviam sido ejetados ou lascados dele – etinham carga positiva, como o restante do núcleo, até desacelerarem obastante para atrair elétrons, quando então se tornavam eletricamenteneutroscomoátomoscomunsdehélio.Entretanto, nem Rutherford nem ninguémmais na ocasião parece ter

vistoessadescobertacomoalgoinacreditávelouquemarcavaumaépoca.Rutherfordnão falavasobresuadescobertaemsuascartas, e fezapenasduasbrevesreferênciasaseuartigonumlivropublicadoquasedoisanosdepois,Radioactive Substances and Their Radiations. O mundo cientí icocomo um todo também não se manifestou. Não há praticamentereferências ao artigo de Rutherford nas principais revistas cientí icas daatualidade,nemnosregistrosdoscongressoscientí icosmaisimportantes,nem em palestras proferidas por cientistas eminentes, incluindo J.J.Thomson.Nós, no séculoXXI, penosamente sabedores da dramática história

subsequente do núcleo, achamos isso espantoso. Mas o modelo deRutherford ainda não estava conectado com a maciça quantidade deinformação que químicos e ísicos tinham sobre o átomo. De fato, seumodelo, estritamente falando, não poderia funcionar porque, de acordocom o que então se sabia, era instável sob o aspecto da mecânica. SóquandoocientistadinamarquêsNielsBohrchegouaManchesterem1912eaplicouaomodelodeRutherfordaideiadoquantum–queaenergianosmenores níveis não vem em nenhuma das velhas unidades, mas apenasempacotesdecertos tamanhosespecí icos–équeomodelosubitamentepareceuestável.Nãosóisso.Bohrmostroutambémcomoomodelorevistoà luzdateoriaquânticaexplicavamuitomais,porexemploasfrequênciascom que os átomos de hidrogênio emitem luz. Mais tarde ainda, outroaluno de Rutherford, Harry Moseley, demonstrou que o átomo deRutherford-Bohr era responsável pelas frequências com as quais oselétrons mais internos dos elementos emitem raios X. Só então o átomo

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nucleartornou-setãoóbvioparaoutroscuja intuiçãona ísicanãoeratãofortequantoadeRutherford.Hoje, é fácil descrever o experimento de Rutherford

retrospectivamente,comoeleodescreveu,comoseasuadescobertafosseummomento“eureca”.Osmanuaisde ísicacompararamoexperimentoàmaneira pela qual os inspetores da alfândega antigamente procuravamcontrabandonumcarregamentodefeno,disparandotirossobreele;seasbalasricocheteassem,osinspetoresdescobriamquedentrodapilhahaviaalgumacoisamuitomaisdensaqueofeno.MasquandoRutherfordeseusassistentes embarcaram nesse experimento, não estava claro que aspartículasalfafossemcomobalas,nemeraclarooqueasfaziaricochetear,ou como. Todas essas coisas emergiram enquanto o experimento estavanascendo, não antes. E sómuito depois da sua conclusão tornou-se óbviocomomarcouépocaadescobertafeitaporRutherfordesuaequipe.

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Interlúdio9

Artesanatonaciência

Certa vez, arquitetei uma forma de repetir o experimento com o qualRutherford descobriu o núcleo atômico. Na prática, isso parecia bemsimples: uma fonte, um alvo, telas de cintilação, pequenos lashes quepodiam ser contados no escuro. Dei-me ao trabalho de juntar iguras ediagramas do experimento, relatos escritos por vários participantes eanálisesfeitasporhistoriadoresdaciência.Atédecoreitodaamatemáticanecessária. Imaginei realizar o experimento diante dos alunos – fazendoumvídeoouumdocumentário, talvez. Parame auxiliar, aproximei-medealguém que eu sabia que havia trabalhado com Rutherford nosexperimentos de dispersão alfa, o ísico Samuel Devons, no BarnageCollege.Fuiaoseuescritórioparaexplicaroesquema.Minha sugestão fez Devons literalmente rolar de rir – durante muito

tempo. Depois que inalmente se acalmou, ele me explicou que hoje épraticamente impossível obter a permissão para trabalhar commateriaisradioativosdapotêncianecessária.Erapossíveltrapacear,efazeroqueoslaboratóriosdasfaculdadesàsvezesfazem–usarfontespermitidas,maisfracas, com equipamento eletrônicomoderno que se pode deixar isoladopor horas ou dias, coletando as informações. Mas não era isso,evidentemente,oqueeutinhaemmente.Entãoeledisse:

Oprincipalproblema,entretanto,équeesseexperimentoéumaespéciedeartesanato,comoafabricaçãodeumviolinoantigamente.Umviolinonãopareceserumobjetomuitocomplicado.Imaginequevocêvaiprocurarumfabricantedeviolinoselhediz:“Osenhorpodemeajudara

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fazerumStradivarius?Estouinteressadonafabricaçãodeviolinosegostariadevercomoesseviolino era feito.” Ele iria rir de você assim como eu. Porque o artesanato constitui umconhecimentoquevocêtemnapontadosdedos,pequenostruquesquevocêaprendeaofazeras coisas, e quando eles não funcionam você faz de novo. Você tem pequenos retrocessos epensa: como vou resolver isso? E então encontra um jeito. Cada vez que seu experimento semodi ica, você esquece todas as técnicas antigas e tem de aprender técnicas novas. E tem desabê-las,porquequandoestálevandoseuexperimentoaolimite,émuitofácilobterresultadosespúrios. Você está arranhando o chão o tempo todo, e não sabe o que perdeu. Todoexperimentador comete erros terríveis num momento ou no outro, e está ciente das muitasvezesemqueseusamigos fracassaramridiculamenteporqueseusresultadoseramespúrioseforam publicados cedo demais. E você tem de levar o que tem ao limite. Se não izer assim,alguém vai fazer primeiro, E isso é horrível, ser derrotado. Todos têm um armário repleto dedescobertas que perderam porque foram cautelosos demais ou porque algum outro cara foimais esperto. Certa vez, uma escola austríaca inteira trabalhou nas mesmas coisas queRutherford,emaisoumenosnamesmaépoca,masninguémsabehojequemerameles.Porquenão?Rutherfordfoiapenasumpoucomaisousadoehabilidoso.1

OtipodesabedoriaartesanalqueDevonsdescreveunãoéencontrado,é claro, somente na ísica. Albert E. Whitford, um in luente astrônomonorte-americano da metade do século passado, comentou que, no seutempo, usar um grande telescópio exigia “alta habilidade artesanal – dotipo ‘faça você mesmo’. Um verdadeiro domínio de um instrumento tãobelo e rabugento, um grande telescópio”. E até mesmo aprender ascomplexidadesdamáquinaeraumdesa io.“Aobservaçãopelotelescópio,mesmonamelhordascondições,étediosa”,observouAllanR.Sandage,umin luentecosmólogoquepassouinúmerasnoitesanotandoas informaçõescom telescópios de grande porte; e ele acrescentou: “Sob as piorescondições, sentimos frio e desconforto.” Entretanto, as longas edesconfortáveis horas sozinho com o telescópio, sob o céu noturno,tambémestimulamoqueohistoriadordaciênciaPatrickMcCraychamoude “uma ligação íntima entre o cientista e amáquina” 2 – a compreensãoprofunda que é necessária ao experimentador para saber o que oinstrumentoestárevelandoeoquenãoestá.Quando essa ligação existe, o resultado é uma performance que pode

ser chamadade artística.3 Performancespodem ser classi icadas em trêsgrupos:repetiçõesmecânicas,performancespadronizadaseperformancesartísticas. A repetiçãomecânica tem um exemplo nos CDs ou nos pianos

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automáticos, que são codi icados com sinais que fazem um dispositivorecriar uma peçamusical.Mas amúsica, não importa quão bela ela seja,não é uma criação; é apenas o eco de uma criação. As performancespadronizadas,porsuavez,envolvemummínimodeartesanato;açõesquepodem ser executadas por apenas algumas pessoas treinadas setransformamnumapráticaqueumgrupomuitomaiordepessoassemtaltreinamento pode executar com sucesso, como a técnica cirúrgica de usodosraioslaserpararestauraravisãodosmíopes.Anteseraoterritóriodeespecialistas caros; hoje é praticada por cadeias de clínicas médicascomerciais.Aperformanceartísticaultrapassaoprogramapadronizado;éaaçãono

limite do que já foi controlado e compreendido; é o risco. Como adescobertadonúcleoatômicoporRutherfordrevela,osobjetoscientí icostêmdesertrazidosparaforadeumpanodefundomuitasvezesconfuso.Oprocessopodesercomparadoàexperiênciaquesetemaoestudarumailusãoópticanaqualocontornodealgumobjetoestáocultonumdesenhocomplexo. À primeira vista as linhas do objeto estão confusamentemisturadas com um emaranhado de linhas e formas que produzem umavaga tensão e certo desconforto, até que de repente nossa visão éreajustada e vemos o objeto – um coelho, digamos – no meio de folhas,galhos e grama. Os objetos cientí icos são frequentemente reconhecidospormeio de um processo análogo. No laboratório, contudo, nunca temoscerteza de que um objeto está realmente presente, para começo deconversa.Alémdisso,nossos instrumentosproduzemodesenho: tantodoobjetocomodopanodefundodoqualtemosderetirá-lo.Comoresultado,omodocomopreparamosocenárioparaoexperimentopodeinterferiremnossa habilidade para reconhecer um novo fenômeno, e podemos ter dealteraroexperimentoantesqueaquiloqueprocuramosapareça.OexperimentodeRutherfordilustrounãosóoartesanatoemação,mas

também como o artesanato se torna padronizado e é transformado emtécnica.Os fenômenos cientí icospodemseguiruma trajetória apartirdeefeitos recém-descobertos (até mesmo de uma contrariedade, como nocaso da dispersão de Rutherford) até as técnicas de laboratório e

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inalmente à tecnologia. Um efeito é alguma consequência característicainstrutivaouútildeumfenômenocientí ico;adispersãodaspartículasalfaéumexemplo.Quandoumefeitoésensívelaalgunsparâmetrosbuscadosdeumsistema–comoadispersãoalfadeRutherforderaàdistribuiçãodecarga e de massa –, ele pode ser transformado em uma técnica porquepode ser usado para alterar, analisar ou medir aqueles parâmetros. Esempreépossívelqueatécnicapossasetransformaremtecnologia–istoé,tornar-sepadronizadaobastanteparaserrealizadaporinstrumentaçãode“caixa-preta”disponívelcomercialmente,cujosprincípiosnãoprecisamser totalmente captados pelo usuário. Por exemplo, a piezeletricidade,fenômeno no qual certos cristais, muitos deles de ocorrência natural,produzem choques momentâneos de dezenas de milhares de volts deeletricidade quando comprimidos da maneira correta. Esse fenômenoapareceu pela primeira vez em laboratório na passagem do século;manifestou-sepelo trabalho artísticodos irmãosCurie, que o produziramcom um equipamento de laboratório muito complicado (um dos irmãos,Pierre,depoissecasoucomMarieCurie,quesetornouaprimeiramulhera ganhar um Prêmio Nobel). Na época da Segunda Guerra Mundial, apiezeletricidade já se tornarapadronizadaobastantepara serusadanosdetonadores de bombas aéreas. Mais padronizado ainda, esse fenômenolaboratorial antes considerado exótico é hoje um lugar-comum nossistemasdeigniçãodecertostiposdeisqueiro.Por que, então, o artesanato do experimento é tantas vezes

menosprezado? Um dos motivos é a atitude dos próprios cientistas, aoexigirem de si mesmos e de seus colegas um padrão de exatidão quaseirrealista, imuneaqualquer sentimentalidade.LeonLederman, ex-diretordoFermilab,o laboratórionacionalemBatavia,noIllinois,e laureadocomo Nobel, com frequência repreendia a si próprio por suas “descobertasperdidas”,eumavezescreveuumtrabalhosobreoquedepoischamoude“osgrandespeixesqueescaparamdoanzol”.Ledermanincluíaentreestesa tentativa feita por sua equipe para localizar uma importante partículaque, seis anos depois, foi descoberta simultaneamente por duas outrasequipes de pesquisadores. “Nossa ideia”, escreveu, “[e] nosso

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conhecimentodoselementoscruciaisdafísica,eramvagos.”MasotrabalhodaequipedeLedermanfoiconsideradodeprimeironívelpeloscolegas;defato, as duas equipes que inalmente descobriram a partícula, hojechamada de “J/psi”, usaram seu primeiro trabalho como guia. Quandoconheci Lederman, perguntei-lhe se realmente acreditava que lhe faltaraumconhecimentoadequadoda ísicanaqueleexperimento.“Eunãoestavaemforma”,elerespondeu.“Masoexperimentofoieaindaévistoporseuscolegas como maravilhoso”, eu disse. “Não maravilhoso o bastante”,corrigiu.“Setivessesidoumpoucomaismaravilhoso,teríamosencontradoa J/psi. Eu devia ter sido esperto o bastante para usar detectores degranulação ina.” Quando lembrei-lhe de que ele havia usado materiaisespessos que excluíam o uso dessa espécie de detector, Ledermanbalançou a cabeça com obstinação. “Eu devia ter sido esperto o bastantepara substituir o material espesso por material mais ino.” “Mas”, euprotestei,“issosigni icariamudartodaametacientí icaeaestrutura ísicado experimento em bases altamente especulativas.” Lederman não seperturbou.“Seeutivessesidomaisesperto”,remoeu-se,“teriarecomeçadooexperimentodoinício.Masnãofui.Fuiburro.”Por que Lederman e outros cientistas adotam de hábito uma atitude

auto-depreciativa a respeito de seus esforços e se recusam a tomarconhecimento do lado artesanal e, portanto, da falibilidade potencialsempre presente? Sua atitude, uma convenção que de ine o que é ter “acoisa certa” na ciência, atribui todo fracasso ao mau planejamento e aomau juízo, e recusa os riscos inerentes e a incerteza nos esforçosexperimentais.Essaatitudeos incitaaumesforçomaioremseu trabalhoarriscadoeexigente.

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Construçãogradualdopadrãodeinterferênciadoelétronapartirdeelétronsisolados,no

experimentodogrupodeBolonha,em1974(àesquerda);enoexperimentodogrupoda

Hitachi,em1989(àdireita).AslinhasnormalmenteverticaisdogrupodeBolonhaforamgiradas

porumalentemagnéticanomicroscópio.

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10

Oúnicomistério:Atransferênciaquânticadeelétronsisolados

Escolhemosexaminarumfenômenoqueéimpossível,absolutamenteimpossível,explicar de qualquer maneira clássica, e que tem dentro de si o coração damecânicaquântica.Naverdade,elecontémoúnicomistério.

RichardFeynman

“Eu o vi durante um curso de óptica na Universidade de Edimburgo”,escreveu uma astrônoma em resposta à minha enquete para a PhysicsWorld, referindo-se ao experimento das duas fendas com elétronssolitários. “O professor não nos contou o que ia acontecer”, elaprosseguiu,”e o impacto foi tremendo. Não consigo mais lembrar dosdetalhesexperimentais–lembro-meapenasdadistribuiçãodepontosquede repente vi arrumados em um padrão de interferência. Eratremendamente cativante, assim como uma obra-prima da pintura ou daescultura é cativante. Ver o experimento de dupla fenda ser realizado écomoolharparaumeclipse totaldoSolpelaprimeiravez:umaexcitaçãoprimitivaatravessaseucorpoeospelosdosseusbraços icamempé.MeuDeus, você pensa,essa coisa de onda de partícula é mesmo verdade, e asbasesdeseusconhecimentosbalançamesãoabaladas.”EmseulivroLiçõesde ísica,o ísiconorte-americanoRichardFeynman,

laureadocomoPrêmioNobel,assinalouque“ocomportamentodascoisasde escala muito pequena não tem nada a ver com qualquer experiênciadiretaquevocêtenhatido”.Aindaassim,comoFeynmansabiamuitobem,é muito fácil até mesmo para o ísico mais bem preparado ignorar ascomplicações da mecânica quântica e, apesar de seu profundo

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conhecimento do assunto,imaginar que elétrons, prótons, neutrons eoutraspartículas“láembaixo”agemcomooscorpos“aquiemcima”– istoé, objetos sólidos e individuais que percorrem trajetos de inidos quandoviajam de um pontoA para um pontoB, e que, se por algum motivoacabamosperdendoasuapistaentreosdoispontos,elesaindaestão“ali”,emumlugareemummomento.Maspodemosmontarexperimentosparamostrar que não é isso o que acontece no domínio do quantum. Issocontraria a crença – irmemente ancorada na ciência desde que oexperimentodeEratóstenesnosajudouaterumaimagemdocéu–dequetemosapossibilidadedeimaginarourepresentarcoisasfundamentais.A única demonstração visível e dramática de que não podemos fazer

isso–queasatividadesdouniversoquânticonãopodemserimaginadas–é uma versão do experimento das duas fendas, realizado por ThomasYoung,masdessavezusandonãoaluz,esimpartículassubatômicascomooselétrons.Porcausadadi iculdadetécnicadasuapreparação,eporquefoi desenvolvido em etapas, ele é o único, entre os dez mais belosexperimentos, que não está ligado ao nome de alguém, especi icamente.Nós nos referimos a ele como o experimento de dupla fenda, ouexperimento da interferência quântica com elétrons isolados. Segundo aminhapesquisa,elefoi,delonge,omaiscitado.Minhaenquete,naverdade,não foi muito cientí ica. Mas não tenham dúvidas de que, por ser tãosimples, incontestávele chocante,oexperimentodedupla fendaocupariauma posição destacada emqualquer lista dos mais belos experimentoscientíficos.

Em suas palestras e em livros, Feynman descreveu com elegância anatureza estranha do comportamento quântico, comparando um trio deexperimentosdasduasfendas–umdelesusandobalas(partículas),outrousando água (ondas) e um terceiro usando elétrons (ambas e nenhumadasduasaomesmo tempo)–paraelaborarprogressivamente, “pormeiodeumamisturadeanalogiaecontraste”,assimilaridadesediferençasemcadacaso.1Primeiro, disse Feynman, imagine um experimento no qual uma

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metralhadora dispare balas aleatoriamente sobre uma parede reforçadacomplacasquetenhadoisfuros.Cadaumdosfurostemumaescotilhaquepode ser usada para fechá-lo totalmente. Cada um deles é grande obastante para deixar uma bala passar e atingir a parede traseira. Comexceçãodeumaspoucasbalas,todasasdemaisatingemaparedetraseiranosmesmosdois lugares;umpequenonúmerodelas ricocheteia foradoslimitesdosfuroseescapaemângulo,demodoquenuncapodemospreverexatamente onde uma determinada bala vai parar. Como parte desseexperimento, disse Feynman, imagine que um “detector de balas” naparede traseira possa ser acionado para contar o número de balas queatingiuqualquerpontoemparticular.Oobjetivodoexperimentoémediraprobabilidade de as balas atingirem algum lugar em particular. Quandoatiramosasbalasecomeçamosamedir,aprimeiracoisaquedescobrimosé que o detector sempre detecta balas completas: sempre encontramosuma bala inteira no detector, nuncameia bala ou uma fração da bala. Opadrão de distribuição das balas é, portanto, “inteiro” – cada bala chega“de uma vez,” escreveu Feynman –, e cada medida é de um númeroespecí ico de balas inteiras. Mais importante: descobrimos que aprobabilidade de achar uma bala em um lugar particular quando osburacos1e2estãoabertosé igualàsomadasprobabilidadesdequandoesses buracos são abertos separadamente. Em outras palavras, aprobabilidadedeumabalapassarpeloburaco1nãoéafetadapelofatodeoburaco2estarabertooufechado.2Emtermosligeiramentediferentes,sevocêestiveremumlocaldepráticadetiroeacertarnoalvoemumacertapercentagemde tempo, essa percentagemnãomudamesmo que alguémponhaumsegundoalvoaoladoecomeceaerrarouaacertarnoseualvo.Feynmanchamaaessacondiçãode“nãointerferência”.

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Figura10.1.Trêsexperimentosdeduplafendailustrandoaausênciadeinterferênciacom

objetos“inteiros”(balas);deinterferênciacomobjetoscontínuos(ondasd’água);ede

interferênciacomobjetosaparentemente“inteiros”(elétrons).

Agora,dizFeynman,imagineumsegundoexperimento,esteenvolvendoumtanqued’águaeumamáquinadeondasemvezdeumametralhadora.Esseexperimentotambémtemumaparedecomdoisburacos,umaparedetraseiraou“praia”nooutrolado,quenãore leteasondasqueaatingem,eumdetectorquemedea intensidadedomovimentodaonda(naverdade,mede a altura ou amplitude da onda e eleva esse número ao quadradopara descobrir a intensidade). Isso é essencialmente o experimento deduplafendadeYoungaplicadoaondasd’água.O objetivo desse experimento émedir a intensidade domovimento da

onda quando o buraco 1 e o buraco 2 são abertos separadamente equando são abertos juntos. Quando ligamos a máquina de ondas, dizFeynman, percebemos várias diferenças-chave entre este experimento eseus predecessores. A primeira é que as ondas podem ter qualquertamanho – elas não são fragmentos, como as balas – e sua altura pode

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variar suave e continuamente.Alémdomais, o padrãode intensidadedavariaçãoquando ambos os buracos estão abertos não é igual à somadospadrões de quando eles abrem um de cada vez. A razão, como sabemospeloexperimentodeYoung,équeasondasdasduasfontesestãoemfaseem alguns lugares, e defasadas em outras. Aqui temos uma condição de“interferência”.Finalmente, o terceiro experimento imaginário de Feynman usa um

revólverdeelétronsquedispararaiosdeelétronscontraumaparedecomdoisburacos.Novamente,dooutroladodaparedeestãoaparedetraseirae um detector de elétrons. Aqui, lidamos com comportamento quântico,disse Feynman, e ocorre algo peculiar. Como no primeiro experimento,detectamos um padrão de distribuição “fragmentária”, já que os elétronsparecemchegaraodetectorumdecadavezecompletos–odetectorgerao“clique”,umeventocriadopelamáquinapararegistrarachegadadeumelétron, ou não. Mas, como no segundo experimento, o padrão dedistribuição dos elétrons com ambos os buracos abertos não é omesmoque a soma dos padrões de quando os buracos são abertosseparadamente. O resultado é um clássico padrão de interferência.Surpreendentemente, os elétrons agiram como ondas ao passarem pelasfendas,mascomopartículasaoativaremosdetectores.Você deve imaginar que, já que vários elétrons passam por ambas as

fendasaomesmotempo,opadrãode interferênciavemdealguma formadofatodemuitosdelescolidiremunscomosoutros.Masumavariaçãodoexperimento, envolvendo um elétron de cada vez,mostra que isso não éverdade.Assimchegamosao“únicomistério”.Vamosagoraajustarorevólverdeelétronsparaqueeledispareapenas

umelétrondecadavez, comumacadênciade tiro lentao su icienteparaquenuncahajamaisdeumelétronporvezpassandopela fenda.Agoraéimpossível que ocorram colisões entre os elétrons. Quando ligamos orevólver de elétrons, eles se acumulam lentamente do outro lado. Àprimeiravista,todososelétronscolhidospelodetectoraparecemdeformaaleatória.Masàmedidaqueosdadosseacumulam,nosespantamosaoverum padrão se formando – de fato, um padrão de interferência!

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Aparentemente, cada elétron passa por ambos os buracos de uma vez,como uma onda, mas atinge o detector em apenas um ponto, como umapartícula.Comoissopodeserverdade?Masé–eesseéo“únicomistério”,dizFeynman.“Eunãoestouevitandonada;estourevelandoanaturezaemsuaformamaisdifícileelegante.”Comoédi ícilproduzireobservarelétronssolitáriosdeformacon iável

em isolamento nesse revólver, pormuito tempo os ísicos pensaram queseria impossível realizar tal experimento. Ainda assim, eles tinhamabsolutacon iançanoqueocorreriaseelefosserealizado,poisdispunhamdemuitas outras evidências da natureza ondulatória dos elétrons. ComoFeynmancertodiafalouaseusalunos:

Devemos começar avisando que vocês não deveriam tentar realizar este experimento…. Elejamais foi realizadodessa forma.Oproblemaéqueo aparatonecessário teriade ser feito emuma escala impossivelmente pequena para mostrar os efeitos que nos interessam. Estamosrealizando um “experimento em pensamento”, que escolhemos porque ele é fácil de serpensado. Conhecemos os resultados queseriam obtidos porque existemmuitos outrosexperimentosjárealizadosnosquaisaescalaeasproporçõesforamescolhidasparamostrarosefeitosqueiremosdescrever.

Quandodisseissonoiníciodadécadadel960,Feynmanaparentementeignorava que a tecnologia estava chegando ao ponto em queexperimentadores poderiam realizar um experimento quântico de duplafendareal.Naverdade, isso játinhasidofeitoem1961porumestudantedegraduaçãoalemãochamadoClausJönsson.NascidonaAlemanhaem1930,Jönssonerajovemosu icienteparanão

se alistar durante a Segunda Guerra Mundial. Quando os Aliadosexpulsaram o Exército alemão de Hamburgo, Jönsson e um grupo decolegasdeescolacomtalentocientí icoseapossaramdeumequipamentoabandonado pelas tropas alemãs. Eles arrancaram a bateria e parteselétricas de um jipe, e izeram experimentos de polarização elétrica. Adiversão terminou apenas quando, sem acesso a um equipamento derecarga,abateriaacabou.Depoisdaguerra, JönssonestudounaUniversidadedeTubingensoba

orientação deGottfriedMöllenstedt, pioneiro emmicroscopia de elétrons,que trabalhava no Instituto de Física da universidade.3 Möllenstedt era

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coinventor (com Heinrich Düker) do biprisma de elétrons, que eraessencialmente um biprisma de Fresnel para elétrons (FIGURA 10.2).ComodescrevinoCapítulo6,oequipamentodeduplafendadeYoungeobiprisma de Fresnel são métodos diferentes, mas conceitualmentesimilares, de dividir um raio de luz em duas séries de ondas queinterferemumacomaoutra.OmétododeYoungdividiaaluzdeumafontesingular em emanações de duas fendas separadas por uma pequenadistância; Fresnel dividia a luz de uma fonte singular fazendo-a passarsimultaneamente através de dois lados de um prisma triangular. ObiprismadeelétronsdeMöllenstedtdefatodividiaumraiodeelétronsemdois componentes colocandoum io extremamente inoemângulo reto.Oio tinhade ser tãoextremamente inoqueprimeiroele cobriuos iosdeseda de uma teia de aranha com ouro (ele mantinha uma coleção dearanhasemseu laboratório só comessepropósito).Depoisdescobriuummodomelhoremaisbaratodemanufaturarum ioultra ino,usando ibrasdequartzoestiradascomchamadegáseentãocobertascomouro.Quandoa ibra colocada no biprisma foi carregada positivamente, ela de fatodividiuoraioemdoiscomponentesligeiramenteinclinadosumemdireçãoaooutro,permitindo-lhesinterferir.

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Figura10.2.IlustraçãodadiferençaentreumalenteópticadeFresnel(àesquerda)eum

biprismadeelétronsdeMöllenstedteDüker(àdireita).

Noverãode1955,MöllenstedteDükerreuniramseuscompanheirosdoinstituto, incluindo Jönsson, para exibir os primeiros padrões deinterferênciaproduzidoscomobiprisma.Poucodepois, Jönssonconcebeuaideiadesubstituirobiprismaporumapequenafendadupla,emparaleloexplícitoaoexperimentodeYoung,paratentarcriarpadrõesmarginaisdeinterferência de dupla fenda com elétrons. Mas os obstáculos eramformidáveis. Ele teria de cortar fendas extremamente pequenas em umafolha de metal especial. Embora fendas ópticas possam ser abertas emalgum material transparente, como uma lâmina de vidro, isso seriaimpossível no caso do experimento com elétrons, pois tal material osespalharia.Afolhademetalteriadeser,portanto,mecanicamenteestávelou forte o su iciente para aguentar irme quando atingida pelos elétrons.AquiJönssonencontrouaprimeira“barganhadoexperimentador”, jáquecortar as fendas em um material de suporte grosso o su iciente paraabsorver elétrons tende a deixar cantos irregulares, e cortá-la em um

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suporte mais ino garante maior precisão, mas dani ica a capacidade domaterial de suportar a si mesmo sem ondular, o que afetaria ocomportamentodoselétronsaopassarempelas fendas.Aomesmotempo,asfendastinhamdesermuitomais inasdoqueaquelasdeYoung,poisoraio de elétrons tinha apenas dez milionésimos de um metro (dezmicrometros)de largura.Essas fendas tinhamdeserbem limpas,poisoselétrons iriam ricochetear para fora se encontrassem qualquerirregularidade e se espalhariam aleatoriamente, destruindo aquilo que éconhecidocomo“coerência”doselétrons.AquiasexperiênciasdeJönssoncomabateriadojipealemãovierama

calhar:comelasaprenderaavalorizarmuitoa limpezadosubstrato.Masmuitos cientistas seniores duvidavam seriamente de que Jönsson tivessesucesso e insistiam com ele para desistir da ideia. Mas Möllenstedt oincentivou, dizendo que “Es geht nicht’ gibt es nicht für einenExperimentalphysiker” [Não vai funcionar, não está no vocabulário de umfísicoexperimental],eJönssonseguiuemfrenteassimmesmo.Depoisde terminaraprimeirapartedeseusexamesdedoutoradoem

1956, Jönssoncomeçouaexplorarmétodospara cortaras fendasemumcartão inoosu iciente,enoanoseguinteelehaviaachadoummodo.4 Naprimaverade1957,Jönssonpassounaparte inalteóricadeseusexames,e se aproximou de Möllenstedt para conversar sobre a dissertação arespeitodotema.Originalmente,Möllenstedtqueriaqueeletrabalhassenainterferênciadebiprismas,masafinalconcordouqueJönssonmudasseseutema. A primeira parte do projeto incluía a construção da máquina quecriaria fendas de menos de 800 bilionésimos de um metro (800nanômetros)dediâmetro–umequipamentotãoavançadoparaseutempoque Jönsson se tornou um pioneiro no quechamamos hoje de“nanotecnologia”. A segunda parte exigia que desenvolvesse um ilmeespecialquefuncionasseatémesmocomabaixaintensidadedeelétrons.5Um problema constante era eliminar distúrbios mecânicos e magnéticosquedistorceriamopadrãode interferência. Jönssonconseguiuaprimeirafotogra ia de padrões periféricos em 1959 (FIGURA 10.3) e concluiu seudoutoradocomotrabalhoem1961.

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Figura10.3.PadrãodeinterferênciadeelétronsnoexperimentodeJönsson.

Todos aqueles versados em mecânica quântica sabem que oexperimentodeJönssonnãoabriunenhumnovocampoteórico,eninguémsesurpreendeucomoresultado.Aindaassim,ele icousatisfeitoemtrazerparaarealidadeaquiloquedepoisseriachamado“umvelhoexperimentoimaginário da mecânica quântica que antes parecia impossível, e umexperimentodegrandeimportânciapedagógicae ilosó ica”.Equandoseutrabalho foi traduzido para o inglês e publicado no American Journal ofPhysics, um periódico dirigido aos professores de ísica, os editoresempenharam-seemelogiaroexperimentodeJönsson.Podianãosetratardaúltimapalavraem ísicateórica,elesescreveramnoeditorial,masaindaassim era um “grande experimento” e “um tour de force técnico” queapresentava “a simplicidade de um experimento fundamental, real,pedagogicamentelimpo,cujadescriçãoeestudopodemagoraenriqueceresimpli icaroentendimentoda ísicaquântica”.Dessa forma,eleajudavaasuprir “as falhas da realidade experimental que … transformam umadisciplinaformalemumaprofissãoviva”.Naquele momento, ainda era impossível realizar o experimento de

elétrons isolados, mas no espaço de uma década isso tambémmudou. Aversão inal do experimento também se originou em circunstânciasinteressantes. Em 1970, Pier Giorgio Merli e Giulio Pozzi, dois jovenspesquisadores italianos do Laboratório de Microscopia de Elétrons daUniversidade de Bolonha, participaram de umworkshop internacionalsobre microscopia de elétrons em Erice, na Sicília. Merli e Pozzi icaramespecialmente impressionados com umapalestra sobre novos

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intensi icadores de imagens (essencialmente, ampli icadores de luz)sensíveis o bastante para detectar elétrons solitários. Quando voltaram,estavam ansiosos por começar a pesquisar projetos que usassem essesinstrumentos. A agência nacional de projetos cientí icos, o ConsiglioNazionale delle Ricerche (CNR), havia prometido inanciar projetoscientí icos para seu laboratório,mas os recursos icaram congelados pelalenta burocracia governamental. No ano seguinte, 1971, a administraçãodolaboratórioenviouPozzieumdospesquisadoresjuniores,GianFrancoMissiroli, para a sede do CNR em Roma, a im de descobrir a razão dademora.Naviagemdetrem,osdoistentaramafastaropensamentodoestresse

da visita que se aproximava – o tipo de confronto burocrático que quasetodos os cientistas detestam e para o qual se sentem mal preparados –conversando sobre ísica. Pozzi mencionou a Missiroli seu interesse emtrabalharcomumbiprismadeelétrons,eosdoiscomeçaramaconversarsobrepossíveisprojetosnosquaispoderiamtrabalhar juntos.Erao iníciode uma proveitosa parceria de 30 anos. Missiroli não era apenas umpesquisador inventivo, mas também muito interessado em levar aosestudantes as suas descobertas, por meio de lições simples e fáceis deensinar, que ele escreveria e publicaria. Os dois começaram a colaboraremexperimentosnofinalde1971.6Naquelemomento,Merlideixavao laboratórioparaassumiropostode

pesquisador no recentemente estabelecido Laboratory of Chemistry andTechnology for Materials and Electronic Devices (Lamel), mas aindaconseguiu colaborar com Pozzi, Missiroli e outros pesquisadores doLaboratóriodeMicroscopiadeElétrons.Os trêsconstruíramumbiprismae omontaram emummicroscópio de elétrons da Siemens. QuandoMerlidescobriu que um intensi icador de imagem capaz de detectar elétronsisolados havia sido instalado emMilão, os três começaram a planejar umexperimentodeinterferênciadeelétronscomoqualenviariamumelétronpor vez através de um biprisma de elétrons. Eles foram a Milão parafotografar as imagens, ligando o intensi icador de imagens a seumicroscópiodeelétrons,etiveramêxitoimediatoemdetectaropadrãode

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interferência.Eles escreveram o experimento e o publicaram, como Jönsson havia

feito, noAmerican Journal of Physics, esperando que, como declaravam,”ainterferênciadeelétronssetornemaisfamiliaraosestudantes”. 7Mas logoquiserammais e – com o estímulo e o apoio de dois outros cientistas doLamel – decidiram produzir um curta-metragem sobre seu experimentopara distribuição em escolas e bibliotecas locais. No entanto, isso acabousendomaisdi ícildoqueparecia,eostrêspassariamamaiorpartedeseutempo escrevendo o texto. Experimentadores, não teóricos, elesdescobriramque tinhamde trabalhar commuito cuidadopara expressarascoisascomprecisão.O resultado foi engenhoso. Como Feynmann e muitos outros haviam

feito, eles também usaram uma analogia de três passos para explicar oexperimento,começandopelaexperiênciacomondasd’água(primeironanatureza, e então em um tanque de ondas), depois passaram àinterferência da luz usando o biprisma de Fresnel e inalmentedescreveram seubiprismade elétrons.Os três atuaramno ilme, editadoporMerli.Ele tambémhaviaselecionadoo fundomusicalmagistralmente,com música de lauta de Vivaldi acompanhando a explicação nas partesclássicas (a interferência da água e da luz), e com música tonalcontemporâneaacompanhandoossegmentosquânticos.Oclímaxdo ilmeeraaapresentaçãodopadrãodeinterferênciaquânticaquelentamentesedesenvolviadaacumulaçãodeelétronsisolados.Oefeitoeramagní ico,eoilme (que pode ser visto pela Internet) ganhou um prêmio no FestivalInternacionaldoFilmeCientí icoemBruxelasde1976.8“Mesmohoje,todavez que assisto a esse ilme, eu o acho incrível”, me disse Pozzi,expressandoumsentimentogeral.Em 1989, Akira Tonomura, cientista e pesquisador-chefe sênior do

Laboratório de Pesquisa Avançada da Hitachi do Japão, e um grupo decompanheiros realizaram um experimento com um microscópio deelétronsusandoumsistemadedetecçãodeelétronsaindamaisso isticadoe e iciente. Também publicaram seu trabalho no American Journal ofPhysics9e izeramum ilmequemostraodesenvolvimentodeumpadrão

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de interferência a partir da acumulação gradual de elétrons isolados emtempo real. Em uma palestra no Royal Institution, Tonomura exibiu esseilmequetambémestádisponívelpelaInternet.10Emcertoponto,duranteapalestra,eleacelerouovídeoparamostraropadrãodeinterferênciasematerializando – de forma assustadora – a partir de pontos individuais,aparentementealeatórios, comoseumagaláxiapudessese formardiantedosnossosolhosaoentardecer,apartirdeminúsculasestrelas,umpadrãoque é irrefutável e sugere a existência de estruturas universais maisprofundas.Enquantomostravaisso,Tonomuradisse:

Nãotemosescolhaanãoseraceitarestaestranhaconclusão:queoselétronssãodetectadosumaumcomopartículas,masqueoconjuntotodosemanifestacompropriedadesondularesqueformamumpadrãodeinterferência.Amecânicaquânticanosmostraquetemosdedesistirdarealidade [convencional]da imagemdeelétronscomopartículasexcetono instanteemqueosdetectamos.

Em anosmais recentes, a interferência quântica foi demonstrada comoutraspartículasalémdeelétrons,incluindoátomoseatémoléculas.Oexperimentodeduplafendaaplicadoaelétronspossuitrêsaspectos-

chave nos experimentos belos. Ele é fundamental, exibindo ocomportamentoestranho e contra intuitivo damatéria em seusmenoresníveis. Um elétron sai de uma fonte, então aparece no detector apóspercorrer uma distância. Entre a produção e a observação, onde eleestava?Oexperimentodeinterferênciaquântica–queruseaduplafendaquer o biprisma – mostra a impossibilidade de se conceber um objetoquântico comodotado domesmo tipo de presença no espaço e no tempoqueosobjetosemnossomundomacro.“Ondeeleestava?”éumaquestãoquenãopodemosperguntar;estavaemtodolugareemlugaralgum.Seoexperimento de dupla fenda de Young foi um exemplo seminal danecessidade de se mudar o paradigma da luz como partícula para a luzcomoumaonda,oexperimentodeduplafendacomelétronsisoladoséumexemplodramáticodeoutramudançadeparadigma,da ísicaclássicaparaafísicaquântica.É um experimento econômico, porque, apesar de suas implicações

revolucionárias, o equipamento está agora dentro de nosso alcance

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tecnológico,eosconceitosbásicossãodefácilentendimento.Alémdisso,oexperimento ilustrade forma concisaoque é tãomisteriosonamecânicaquântica.Todososoutrosmistériosdamecânicaquântica–comoaquelesilustradospelo famosogatodeSchrödinger,pelasdesigualdadesdeBellepelos experimentos envolvendo a não localidade – vêm do mistério dainterferênciaquântica.Esse é um experimento convincente, que nos satisfaz profundamente,

capaz de convencer o cético mais convicto da verdade da mecânicaquântica. Até mesmo para alguém letrado nessa área da ísica, a teoriapode ser abstrata e suas implicações parecem estar longe de nossapercepção.Maso experimentodedupla fenda transforma teoria emumaimagem instantaneamente discernível e perceptível. “Antes de observá-lo[nauniversidade], eunãoacreditavaemumapalavrada ísica ‘moderna’[doséculoXX]”,escreveuumcientistaqueparticipoudaminhaenquete.Este experimento temalgo da beleza lúcida do experimento deYoung,

graças à evidência tão imediata do padrão de interferência. Tem algo dabeleza da surpresa esperada, encontrada também no experimento daTorredePisaequecausadeleiteaonosmostrarasexpectativasdanossavida cotidiana sendo violadas. O que o experimento exibe, é claro, não émisterioso se você não estiver acostumado com a ideia de que amatériaexisteempartículasdiscretas.Finalmente, este experimento é belo – pelo menos para mim – pelo

modocomoelefunciona,efetivamente,comoumaconclusãoparaaincrívelproeza de Eratóstenes. O experimento de Eratóstenes validou a intuiçãogrega de que o céu possuía uma arquitetura cósmica que podia serpercebida e imaginada; que em suamaior escala o Universo consiste emcorpos que semovem um em volta do outro no espaço tridimensional. Oexperimentodeinterferênciaquânticademonstraque,namenorescala,ascoisas são interconectadas de uma forma que não podemos intuir ouilustrar de maneira convencional. Usando equipamentos construídos pornossas próprias mãos, podemos ver uma prova convincente de um tipointeiramentediferentedemundo.Éprovávelqueomundodamecânicaquânticacontinuecontraintuitivo

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paraossereshumanos,nãoimportaquãoconvencidosestejamosdateoria.O experimento de dupla fenda com interferência de elétrons traz a suarealidadeparaosnossosolhosdeformadramática,econômicaeconcreta.A experiência de ver os cliques do detector seguindo elétrons isoladosatravésdeumbiprismaoudeumpardefendaseproduzindoumpadrãode interferência é uma das mais incríveis e cativantes experiênciashumanas.Oexperimentodeinterferênciaquânticacomelétronssolitários,portanto,certamentepermaneceránopanteãodebelosexperimentosporumlongotempo.

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Interlúdio10

Quasevitoriosos

A listadeexperimentosquase classi icadosnaenquetedosexperimentosmais belos consiste em dúzias de experimentos realizados em muitasáreas.Algunsemparticularsãodignosdemençãopelascircunstânciasqueos cercam,pelomodo inusitadodemanifestar suabeleza, oupelo fatodeseremospreferidosdealguém.Omaisantigodessesexperimentosquaseincluídosfoiumexperimento

de hidrostática realizado – inadvertidamente – por Arquimedes deSiracusa, o mais conhecidomatemático e inventor grego, contemporâneodeEratóstenes.Oshistoriadoresdaciênciadehojeachamplausívelquenoséculo III a.C, o rei Hierão de Siracusa tenha pedido a Arquimedes quemedisse a proporção de ouro e de prata emuma coroa que recebera depresente. De acordo com a fonte antiga, Arquimedes ponderava oproblemadentrodeumabanheira,epercebeuque“aquantidadedeáguaquesubiaeraigualàquantidadedeáguaqueseucorpoimersodeslocava,[e isso] lhe indicou um método para resolver o problema”. 1 Mas comomedirumvolume comprecisão combasenodeslocamentoda água seriaextremamentedi ícil,omaisprováveléqueArquimedesrealmente tenhapercebidoqueestavaboiando (comoboiariaopresentedo rei), eque, sepudessepesaracoroadoreinoarenaáguaparadepoiscompararambasas medidas, encontraria a densidade especí ica da coroa com a precisãonecessária para compará-la com o ouro. Será que Arquimedes saiucorrendo nu pela cidade, gritando de alegria? Talvez não, embora a

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história capte perfeitamente o espírito de celebração que acompanha adescoberta.Aindaassim,alendailustraexatamentecomoalgodescobertoinadvertidamentepodetransformararotinaemumbeloexperimento.Fortesconcorrentesnaáreadasciênciasbiológicasincluíamochamado

experimentodeMeselson-Stahl,assuntodo livrodohistoriadordaciênciaFrederic Holmes intituladoMeselson, Stahl, and the Replication of DNA: AHistoryof “TheMostBeautifulExperiment inBiology”. 2 Esseexperimento,realizadoem1957,con irmouqueoDNAsereplicadaformaprevistapelaestrutura em dupla hélice, então recentemente descoberta. Holmes usoucomosubtítuloadescriçãodeumpesquisador,masobservouque,defato,a maioria dos biólogos familiares com o experimento sentia o mesmo arespeito dele. Quando perguntou a esses cientistas o motivo, suasrespostas incluíam simplicidade, precisão, clareza e importânciaestratégica.Competidores empsicologia incluíamdois experimentos que, de forma

simplesporémconvincente,acabaramcomdoisdogmasbemestabelecidosdo comportamento animal. Um, do psicólogo norte-americano HarryHarlow,desa ioua ideiadequeanecessidadedecomidaerao fatormaispoderoso na ligação entre um bebê primata e sua mãe. Para isso, criouumacoleçãode“macacas-mães”,algumasfeitasdearamesemsuper íciesfofas, outras de tecido fofo. Em uma série de experimentos, Harlowdescobriuqueosjovensmacacospreferiamfortementeamãepostiçafeitade pano – mesmo que a de arame estivesse equipada com seios queproduziam leite.3 Evidentemente, a necessidade de uma ligaçãointerpessoal–deamoreafeição,representadosporalgomacioefofo–eramaispoderosadoqueanecessidadedecomida.Outro belo experimento de psicologia animal, feito por John Garcia e

Robert Koelling em 1966, desa iou as chamadas leis equipotenciais decomportamentonaaprendizagemdeB.F.Skinner,deacordocomasquaisum animal aprende por estímulo e resposta, sendo capaz, e ocondicionamento consegue conectar qualquer estímulo com qualquerresposta.Ratos,porexemplo,podiamserensinadosaseafastardecertostipos de água colorida quando recebiam choques elétricos ao bebê-la.

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GarciaeKoelling repetiramessa lição comumgrupode ratos–mas comoutro grupo de ratosmudaram o estímulo para que os animais icassemnauseados em vez de receberem choques. Isso funcionou muito maisrápida e e icazmente do que com os choques. Esse experimentodemonstroudeformaconvincentequeestardoenteeestarassustadotêmefeitosmuito diferentes na aprendizagem – e na forma como os animaisinterpretam seus ambientes. Entretanto, isso contrariava tanto as leisequipotenciais da doutrina behaviorista, na época irmementeestabelecida, que os artigos deGarcia foram recusadospelas publicaçõesfiliadasàAssociaçãoNorte-americanadePsicologiapormaisde12anos.4Umademonstraçãodeengenharia,belapor sua importância, economia

e decisão, foi a famosa encenação de Richard Feynman, quando banhouum anel em forma de “O” em um copo de água gelada durante ainvestigação dodesastre da nave espacialChallenger. Ele demonstrouvividamentecomosuaperdaderesiliênciafoiacausadatragédia.5Outro desa iante intrigantemente belo foi a série de expedições

britânicas de 1919 para demonstrar a curvatura gravitacional da luzestelar,umexperimentoquemarcouépocaecon irmouoprognósticofeitoem 1915 por Einstein, em sua teoria da relatividade geral, que o tornouconhecido. Mas nem o eclipse (um evento natural comum) que tornoupossível o experimento nem a determinação das posições estelares (umatécnica astronômica comum) eram extraordinárias. Pode a beleza estarapenasnasconsequênciasdramáticasdeumexperimento?Alguns argumentos teóricos são tão sucintos que muitas respostas à

enquete se referiram a eles como “belos”. Um é a prova de StephenHawkingdequeoUniversonãoexistiudesdesempre.(“Éverdadeporque,se não fosse, todas as coisas teriam amesma temperatura.”) E outro é oparadoxodeOlber (“Olheparaocéu.Elenãoéuniformementebrilhante.Portanto, o Universo não é in inito.”) Algumas respostas citaram certosexperimentos que usaram poucomais do que engenhosidade para abrirvastosdomíniosparaseremexplorados.Estesincluemacâmaradenuvensde Wilson (mencionada no Capítulo 9), que torna visíveis as trilhas daspartículas carregadas –, e que Ernest Rutherford certa vez descreveu

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como “o experimento mais maravilhoso do mundo”. Outros instrumentosque as respostas citaram incluíam o interferômetro de raios X, omicroscópio de observação tubular e o Cosmotron, um acelerador departículasnoLaboratórioNacionaldeBrookhaven.Umexperimento cujabelezaderivadededicaçãode seus criadores foi

realizado pelos cientistas italianos Marcello Conversi e Oreste PiccioniduranteobombardeiodeRomanaSegundaGuerraMundial.Muitos ísicositalianossedispersaramoufugiramdopaís,masConversihaviaescapadoaoalistamento em razãodavisãode icientedoolho esquerdo.Piccioni sealistou,mas continuouemRoma.Antesda invasãodaSicília, em1943,osdois trabalhavam juntos à noite na universidade, juntando aramesroubados e equipamento de rádio barganhado no mercado negro paracriar circuitos eletrônicosde extremaqualidade comos quais esperavammedirotempodevidadeumapartículaintrigante,omesotron,encontradanos raios cósmicos, as partículas espaciais que continuamentebombardeiam a super ície terrestre. Depois da invasão, bombardeirosnorte-americanoscomeçaramaatacaraestaçãodecargadeSanLorenzo,localizada ao lado da universidade, e bombas às vezes acertavam ocampus. Aterrorizados, Conversi e Piccioni continuaram seu experimentoem uma escola deserta, perto do Vaticano, que escapou do bombardeio,embora tivessem de dividir o porão com membros da resistênciaantifascista que guardavam suas armas lá. As condições pioraram depoisque o governo italiano assinou um armistício com os Aliados e emsetembroosnazistasocuparamRoma.Piccioni foicapturadoporsoldadosalemães,maspagouseupróprioresgatecomumapilhademeiasdeseda.Osdoiscontinuaramseutrabalhocomfervor–“Nossotrabalhoeraoúnicoprazer que podíamos ter”, Piccioni depois explicou. Pouco antes de osaliados libertarem Roma em 1944, Conversi e Piccioni conseguirammostraremumexperimentoengenhosoecompletamenteconvincentequeos mesotrons viviam pouco mais de 2,2 microssegundos, um tempopequenomasaindaassimmuitomaiordoqueprevisto.Emseuporãonauniversidade arruinada, Conversi e Piccioni foram os primeiros acompreender que os mesotrons – hoje conhecidos como “múons” – têm

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propriedadesmuitodiferentesdoquediziaa teoriaprevalente,umpassofundamentalparaocampoemergentedafísicadepartículaselementares.6Meus próprios candidatos a experimento mais belo incluiriam o

experimento de violação de paridade de 1956-57, que teve Chien-ShiungWu entre seus líderes. Esse experimento mostrou que, sob certascondições, partículas e núcleos decaem ao emitir elétrons em certasdireções preferenciais em relação ao seu eixo de rotação. Esseexperimentoderrubou comumgolpe convincenteumadas certezasmaisfundamentais da ísica.7 Também incluiria o experimento de MauriceGoldhaberem1957estabelecendoahelicidadedoneutrino,istoé,aformacomo os neutrinos giram em relação à direção de seu movimento. OexperimentodeGoldhaberfoitãodiabolicamenteengenhoso–envolveuaprodução de uma reação nuclear complexa, na qual as propriedades detodas as partículas e estados nucleares fossem conhecidos,exceto ahelicidade do neutrino, o que era possível em apenas uma das cerca detrês mil reações conhecidas – que a maioria dos ísicos da época nemsequeroachavapossível.Enquantoemmuitasdescobertascientí icastem-se a sensaçãodeque seos seusdescobridores tivessemperdidoobarcooutros acabariam por descobri-las, neste caso é diferente. Um ísicoescreveu depois que, se Maurice Goldhaber não tivesse existido, “nãotenhocertezadequeahelicidadedoneutrinoteriasidodescobertaalgumdia”.Mas, para conhecermeu candidato favorito aomais belo experimento

científico,continuealer.

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ConclusãoAciênciaaindapodeserbela?

Quase todos os experimentos desta lista dos “dez mais” foram feitos emsolo ou com a ajuda de alguns poucos colaboradores, num período detempo relativamente curto. Mas, nos últimos 50 anos, introduziu-se umaenorme mudança no tamanho e na escala dos experimentos cientí icos.Hoje, os experimentos em ísica são rotineiramente interdisciplinares emultinacionais, e com frequência envolvem dezenas de instituições ecentenas de colaboradores; levam anos ou até décadas para seremcompletados. Um experimento na era da Grande Ciência ainda pode serbelo?Pode.Meu candidato pessoal a mais belo experimento cientí ico, o

experimentomúong-2, foirealizadoquatrovezesaolongodosúltimos50anos, reunindo colaborações cada vezmaiores: nas três primeiras vezes,nolaboratóriointernacionaldoCern,emGenebra,emaisrecentementenoLaboratório Nacional de Brookhaven. Na última vez, a colaboraçãoabrangeu cerca de cem cientistas de vários países, que construíramumaparte do equipamento, incluindo a maior bobina supercondutora domundo,dentrodeumasalado tamanhodeumpequenohangardeavião.Devo confessar que parte da minha afeição por esse experimento épuramentepessoal. Ele está sendo realizadonumprédiopertodemim, evenho acompanhando seu desenvolvimento há anos. Mas minhafamiliaridadecomoexperimento–assimcomoacontececomumromanceintricadooucomumapeçamusical–apenasaprofundaminhaadmiraçãoporsuabeleza.O experimento mede o que é conhecido como “momento magnético

anômalodomúon”.Elecalculaomodocomoaquelapartícula–cujotempodevidafoimedidopelaprimeiravezporConversiePiccioni–“oscila”numcampomagnético.1 Avaliar essa oscilação exigiu extrema precisão, o que,por sua vez, exigiu a concepção de um experimento engenhoso.2 Para

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medir como os múons oscilam, os cientistas estudam os elétrons e ospósitrons produzidos quando eles decaem, usando para isso o fenômenoda violação de paridade descoberto porWu e seus colegas, que revela adireção da rotação dosmúons.3 Quando os dados sobre o decaimento debilhões de múons são colocados em diagrama, eles apresentam umaagitação impressionante – uma série de picos, cuja altura declinagradualmente, re lete a frequência com a qual osmúons estão oscilandodentrodacâmara.

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Estaplotagemdospósitronsdealtaenergiacomoumafunçãodetempofoiaprimeira

evidênciadaoscilaçãodosmúonsobtidanoLaboratóriodeBrookhaven.Oscientistas

presentesficaramtãoentusiasmadosquedeixaramsuasassinaturasnopapel.

Os primeiros dados do experimento mais recente em Brookhavensurgiram em maio de 1997. O primeiro cientista a reunir os dados

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signi icativosobtidosemalgunsdiaseacolocá-losemdiagramanumpapelquadriculado–uma ísicadaUniversidadedeMinnesotachamadaPriscillaCushman – percebeu imediatamente a reveladora agitação. PriscilladescreveoqueaconteceuquandoGerryBunce,outromembrodaequipedog-2,entrounasala:

Eu coloquei a folha de papel debaixo do nariz dele e disse: “Veja! A agitação g-2!” Ele disse:“Vamosterumafestahojeànoite!”Eeu:“Mastemostantotrabalhoafazer…”MasGerrytinharazão.Tínhamosesperadotantotempo,passadoportemposdi íceisparaconvencerasagênciasde inanciamento e outros críticos que diziam que nunca iríamos conseguir – e então vieramtrêssemanasemqueprimeiroligamosamáquinaenãovimosnada–,ederepenteessabelezasimplesmentesaltoudiantedosnossosolhosevimosqueog-2estavaali!

Depoisdeváriosanosdecoletadedados,osexperimentadoreshaviamchegadoaumadasmediçõesmais exatas já obtidasdeumapropriedadedepartículas ísicaseeramcapazesdecompará-laaovalorteórico,queéum dos números calculados – e medidos – com a maior precisão naciência.4 Os resultados apontaram uma discrepância com o númeroprevistopelateoria,indicandoqueumanova ísicapodiaestarsurgindonohorizonte,oquecriougrandeexcitaçãoentreosfísicos.O experimento g-2 ostenta os três elementos da beleza que

encontramos nos outros experimentos discutidos neste livro:profundidade, ou quão fundamental é o resultado; e iciência, ou aeconomia incorporada nas suas partes; e irrefutabilidade – ou seja, sequestões forem levantadas, elas serãomais sobre omundo (ou a teoria)que sobre o próprio experimento. E, a despeito de sua escala, oexperimentog-2 temaamplitudedoexperimentodeEratóstenes, ligandodiferentes escalas do Universo (fenômenos de energias imensamentedistintas)emumamedidamínima–adaoscilaçãodomúon.Temabelezaaustera do experimento de Cavendish para pesar o mundo, no qual aprecisão devia ser fanaticamente procurada por meio de miríades depeças interconectadas. Tem a qualidade sinóptica do experimento deMillikan,porquejuntamuitasleisdiferentesdoUniversoparachegaraseuresultado, desde o eletromagnetismo e a mecânica quântica até arelatividade.5EtemalgodasublimebelezadopêndulodeFoucault,aodarumapistaparadimensõesdoUniversoaindanãovislumbradas.

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Na introdução, apresentei duas questões sobre a ideia da beleza dosexperimentos. Primeiro, o que signi ica para os experimentos o fato depoderem ser belos? Segundo, o que signi ica para a beleza o fato deexperimentospoderempossuí-la?Para responder à primeira questão: compreender como os

experimentossãobelosnosajudaaapreciarseupoderafetivo.Muitosdosque responderam à minha enquete mencionaram experimentos edemonstrações que haviam conhecido ainda na escola – de fato, muitasvezeseramasúnicascoisasqueselembravamdesuasprimeirasaulasdeciência.OlharaLuaatravésdeumtelescópiopelaprimeiravez,observaratravés de um microscópio as veias pulsantes nas barbatanas de umpeixinhodourado,segurarpeloeixoarodadeumabicicletaenquantoelagira e sentir sua resistência ao tentar inverter suaposição, ver umaboladepraia lutuarnumafortecorrentedearvertical,compreendercomoumpedaçodeaçopodeseesfarelarquandooaréexpelidodedentrodele–coisas como essas têm uma capacidade incomparável para estimular aimaginação.Os experimentos fascinam não só alunos como também cientistas

experientes. A emoção da descoberta é diferente de todas as outras –motivo pelo qual o engenheiro escocês John Scott Russell, ao vislumbrarumaonda soliton (umaonda isoladaquenão se dispersa, como as ondascomuns)noUnionCanalemEdimburgo,em1834,dissequeaqueleeraodiamais felizdasuavida.Experiênciassemelhantesabundamnahistóriadaciência.Historiadores e ilósofos costumam ignorar as paixões tão evidentes

nessas narrativas. Alguns estudiosos fazem isso para enfatizar aracionalidade da ciência, sua lógica ou justi icação. Mas a imagem queemerge daí sugere que a ciência é um processo robótico de formulação,testagem e reformulação de hipóteses – um enorme jogo intelectual. Emoutra vertente, alguns historiadores e ilósofos exploram as dimensõessociais da ciência, seu contexto social como é revelado por suas políticas,financiamentosoubenefícios.6Essessãorealmenteassuntosinteressantes,

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masessavisãotendeasugerirqueaciênciaémeramenteumatremendalutadepoderconduzidaporumgrupoespecialdeinteresse,determinadoafazerprogredirasuaprópriacausa. 7Seconhecermosaciênciasomentepor sua lógica ou justi icações, ou por suas políticas, interesses,inanciamentosouconquistasmateriais,deixaremosdeentendê-la.Senosdermos ao tempo de examinar a beleza dos experimentos cientí icos,poderemoscolocardenovoemfocoaqueladimensãoafetiva.A resposta à segunda questão levantada previamente é que o

reconhecimentodabelezadosexperimentospodeajudararevitalizarumsentidomaistradicionaldebeleza.Hojeemdia,essetermoéaplicadomaiscomumente a objetos de arte e fenômenos naturais,mas nem sempre foiassim–e, se conhecemosabelezaapenaspelopôrdo soloupeloacervodosmuseusdearte,deixamosdecompreendertodoopapelqueelaocupana vida humana e na cultura. Os antigos gregos não viam qualquerconexãoespecialentreobelo–queeleschamavamdekalon–eosobjetosdearte,poisnãoencaravamabelezacomoumacoisaquetinhavalorporsi mesma. Como resultado, eles percebiam uma conexão íntima entre overdadeiro,obeloeobomque,porassimdizer,se“emaranhavam”,unidosinseparavelmentenumaorigemcomumprofundamenteentranhada.Platão de iniu a beleza como o brilho do ideal no reino do visível. A

beleza é a luz que as coisas boas e verdadeiras deixam – e quesimultaneamente ilumina, convence e satisfaz – quando aparecem nomundo habitado e são percebidas pelos humanos initos. As ordensmaisaltasdanaturezaseanunciamaosamantesdasabedoriapormeiodesuabeleza. Por essa razão, Platão a irmava, o amante do conhecimento nãodespreza – ao contrário, cultiva com cuidado – o sentimento da beleza,porquefazerissoé,aomesmotempo,cultivarosentimentodaverdade.Omundo nunca se mostra transparente para nós, e enfrentamos isso comsuposições transmitidaspelahistóriaepela culturaqueaomesmo temporevelameocultammuito.Mastambémencontramoscoisas,quechamamosdebelasporquenostiramdaconfusãoedaignorância.Coisasbelas,Platãoescreve noBanquete, nos chamam mais profundamente para dentro domundo, são como “escadas ascendentes” que nos levam “sempre para

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cima”.8Escadasetransiçõessemprenosconduzemdeumlocalparaoutro;o lugardohumanonomundonãoé ixo,émóvel.Equandopermitimosanósmesmos ser levadospara cima, adquirimosumaconexãomais íntimaconosco e com o mundo, e dessa forma nos tornamos mais humanos.Assim, a capacidade de reconhecer a beleza dos experimentos pode nosajudararecuperarumsentimentomaisoriginalefundamentaldaprópriabeleza.

O cientista não estuda a natureza porque isso é útil; ele a estuda porque sedeleitacomisso,esedeleitacomissoporqueelaébela.Seanaturezanãofossebela,nãovaleriaapenaconhecê-la,eseanaturezanãomerecesseserconhecida,avidanãovaleriaapenaservivida.

HenriPoincaré

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Notas

IntroduçãoOmomentodetransição(p.9-16)

1. Para uma explicação não cientí ica desse experimento, ver Robert P. Crease e Charles C.Mann.The Second Creation:Makers of the Revolution in Twentieth-Century Physics. New Brunswick,N.J.,RutgersUniversityPress,1996,p.386-90.

2.OscomentáriosdeWatson:VictorMcElheny,WatsonandDNA:MakingaScienti icRevolution .Cambridge,Massachusetts,Perseus,2003,p.52.ParaoscomentáriosdeMillikan,verCapítulo8.

3. A primeira citação de Weisskopf é retirada de K.C. Cole.The Universe and the Teacup: TheMathematics of Truth and Beauty. Nova York, Harcourt Brace, 1998, p.184 (a data é de umacomunicaçãopessoal).AsegundacitaçãodeWeisskopféretiradadeV.Stefan. PhysicsandSociety:EssaysinHonorofVictorFrederickWeisskopfbytheInternationalCommunityofPhysicists.NovaYork,Springer,1998,p.41.

4. G.H. Hardy. A Mathematician’s Apology. Cambridge, Massachusetts, Cambridge UniversityPress, 1992, sessões 10-18. Sobre equações belas, ver G. Farmelo (org.).It Must be Beautiful:EquationsofModernScience.Londres,GrantaBooks,2003.

5.MichaelFaraday.TheChemicalHistoryoftheCandle.NovaYork,Viking,1963,aula1.6. Representar esseprocesso comoomundo falando conosco, comona visão clássica, ou como

nossas palavras projetadas retornando a nós, como os construtivistas sociais o encaram, não fazqualquer diferença. O ponto essencial é que a experimentação é um evento que produz umsigni icado mais complexo do que pode ser ilustrado pelos dois pontos de vista. Veja Robert P.Crease(org.).“HermeneuticsandtheNaturalSciences:Introduction.”HermeneuticsandtheNaturalSciences.Dordrecht,Kluwer,1997,p.259-70.

7. Mark Twain.The Innocents Abroad (Os inocentes no estrangeiro). Nova York, ClássicosLiteráriosdosEstadosUnidos,1984,p.196-7.

8. A noção da beleza de Schiller é discutida em detalhe ao longo de seu livroOn the AestheticEducation of Man. Ralph Waldo Emerson.Essays and Poems , Nova York, Clássicos Literários dosEstadosUnidos,1996,p.931.

9.RobertP.Crease. “Themostbeautifulexperiment.” PhysicsWorld,mai2002,p.17;RobertP.Crease,“Themostbeautifulexperiment”.PhysicsWorld,set2002,p.19-20.

10.OexperimentodeEratóstenesfazpartedocurrículodasaulasdeciênciademuitasescolasdeensinobásicoefundamental;foidiscutidonapopularsériedelivrosdeCarlSagan,Cosmos,eéoassunto de um livro para crianças. O experimento de Galileu na Torre Inclinada de Pisa épraticamente tão lendário quanto a história de George Washington cortando a cerejeira, e foireapresentadonaLuapela tripulaçãodaApolo-15.O experimentodoplano inclinadodeGalileuéensinado em muitas aulas de ciência e apareceu em uma cena da ópera de Philip GlassGalileuGalilei.O signi icado do experimento de Isaac Newton com prismas foi furiosamente debatido porpoetas e escritores ao longo dos séculos XVIII e XIX. O pêndulo de Foucault carrega um selo de

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legitimidadecultural,poisapareceemmuitasinstituiçõespúblicas–entreelasoprédiodasNaçõesUnidas, na cidade de Nova York – e em pelo menos dois romances, incluindo obest-seller deUmberto Eco intituladoO pêndulo de Foucault. Dois desses experimentos – o da gota de óleo deMillikan e o de Rutherford na descoberta do núcleoatômico – foram assunto de trabalhosgeradoresdein luênciaecontrovérsiaescritosporhistoriadoresdaciência.Vídeosimpressionantesedegrandecirculaçãoforamfeitosporduasequipesindependentesdecientistasquerealizaramoexperimento de dupla fenda ilustrando a interferência quântica com elétrons simples. A peçaHapgood, de Tom Stoppard, inclui a discussão desse experimento, com o experimento de duplafendacomaluz,deYoung.Edaípordiante.

1.AmedidadomundoEratóstenesmedeacircunferênciadaTerra(p.19-27)

1.Aristóteles.Sobreocéu.InTheWorksofAristotle,vol.1.Chicago,EncyclopaediaBritannica,Inc.,1952.

2.Idem.3. Estas fontes incluem: Cleomedes, Capella, Strabo, Plínio, Hélio Aristides, Heliodoro, Sérvio e

Macróbio.Veros trechos em:A.S.Gratwick. “Alexandria, Syene,Meroe: symmetry inEratosthenes’measurement of the World”. In L. Ayres. The Passionate Intellect: Essays in the Transformation ofClassicalTraditions.NewBrunswick,TransactionPublishers,1995.Vertambém:AubreyDiller.“Theancient measurements of the Earth”. ISIS n.40, 1949, p.6-9; E.J.B. Harley e D. Woodward. TheHistoryofCartography,vol.1.Chicago:UniversityofChicagoPress,1987,p.148-60.

4.HélioAristides,citadoemGratwick,p.183.5.CordelK.K.Yee.“TakingtheWorld’smeasure:Chinesemapsbetweenobservationandtext.”

InJ.B.HarleyeD.Woodward(org.). TheHistoryofCartography,vol.2, livro2.Chicago,UniversityofChicagoPress,1994,p.96-127.

6. Plínio.NaturalHistory, livro II, p.247.TheLoebClassical Library, Cambridge,Massachusetts,HarvardUniversityPress,1997.

Interlúdio1Porqueaciênciaébela?(p.28-31)

1.JohnRuskin(org.),resumidoporD.Barrie.ModernPainters.Grã-Bretanha,EbenezerBaylis&Son,1967,p.17.

2.EmseulivroTheConceptsofScienceporexemplo,LloydMotzeJeffersonWeavermencionamabelezaocasionaldeumcampo,masavisamque “Aexaltaçãodenossasemoçõese sensaçõesnoplanodaverdadeobscureceanaturezadaverdadecientí icaeabreasportasparaomisticismoeametafísica,quenãotêmlugarnaciência”.NovaYork,Plenum,1988,p.12.

3.WillaCather. “Portraitsand landscapes”,citadoporDanielHalpern(org.). WritersonArtists .SãoFrancisco,NorthPointPress,1988,p.354.

4.Platão.ARepública.NovaYork,BasicBooks,1969,605b.5.SantoAgostinho.Confissões.Pine-Coffin,Baltimore,Penguin,1970,livroX,seção33.

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6.GottlobFrege.“Onsenseandreference.”InPeterGeacheMaxBlack(org.).Translations fromthePhilosophicalWritingsofGottlobFrege.Oxford,Blackwell,1952,p.63.

7. Sobre a distribuição entre beleza e elegância, ver Michael Polanyi. “Beauty, elegance andrealityinscience.”InS.Korner. ObservationandInterpretationofPhilosophyandPhysics .NovaYork,Dover,1957,p.102-6.

8.Naspalavrasdo ilósofoRobinCollingwood:“Umaquestãoporvezeslevantadaéseabelezaé‘objetiva’ou‘subjetiva’,nosentidodesaberseelapertenceaoobjetoeéimpostaàmenteporforçabruta,ousepertenceàmenteepelamenteéimpostaaoobjeto,nãoimportandoanaturezadele….Averdadeirabelezanãoé‘objetiva’nem‘subjetiva’emnenhumsentidoqueincluaum,masexcluaooutro.Éumaexperiêncianaqualamenteseencontranoobjeto,amenteeleva-seatéoplanodoobjeto, e o objeto, de certa forma, é pré-adaptado a evocar amáxima expressão dos poderes damente….Daínasceessaausênciadecoação,essaprofundasensaçãodecontentamentoebem-estarque caracteriza a experiência da verdadeira beleza. Sentimos que é ‘bom para nós estar aqui’;estamos em casa, pertencemos ao mundo e ele nos pertence.” (R.G. Collingwood.Essays in thePhilosophyofArt.Bloomington,Ind,IndianaUniversityPress,1966,p.87-8).

2.DeixeabolacairAlendadaTorreInclinadadePisa(p.33-43)

1.VeraQuedadaPenanapáginadaNasa(http://vesuvius.jsc.nasa.gov/er/seh/feather.html).2. Stillman Drake.Galileo Studies: Personality, Tradition, and Revolution . Ann Arbor, Mich.,

UniversityofMichiganPress,1970,p.66-9.3.Viviani,Vincenzio.VitadiGalileo.Mizan,Rizzoli,1954.4.CitadoemI.BernardCohen.TheBirthofaNewPhysics.NovaYork,Norton,1985,p.7.5.Ibid.,p.7-8.6. Citado em Thomas B. Settle. “Galileo and early experimentation.” In R. Aris, H. Davis e R.

Stuewer (orgs.).Springs of Scienti ic Creativity: Essays on Founders ofModern Science. Minneapolis,UniversityofMinnesotaPress,1983,p.8.

7.GalileuGalilei.OnMotionandMechanics. I.EDrankin (org.).Madison,UniversityofMinnesotaPress,1960.

8.GalileuGalilei.TwoNewSciences.Madison,UniversityofWisconsinPress,1974,p.66,75,225-6.

9. Michael Segre.In theWake of Galileo . New Brunswick, N.J., Rutgers University Press, 1991,p.111.

10.ChristopherHibbert.GeorgeIII:APersonalHistory.NovaYork,BasicBooks,2000,p.194.11. Gerald Feinberg. “Fall of bodies near the Earth.”American Journal of Physics, 33, 1965,

p.501-3.12.ThomasB.Settle.“Galileoandtheearlyexperimentation”,op.cit.p.3-21.13.StillmanDrake.GalileoatWork:HisScienti icBiography .Chicago,UniversityofChicagoPress,

1978.VertambémMichaelSegre.“Galileo,VivianiandtheTowerofPisa.” StudiesintheHistoryandPhilosophyofScience,n.20,1989,p.435-51.SougratoaThomasSettlepelaajudanestecapítuloenoseguinte.

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Interlúdio2Experimentosedemonstrações(p.44-47)

1. Frederic Holmes.Meselson, Stahl, and theReplicationofDNA:AHistory of “TheMostBeautifulExperiment inBiology”.NewHaven,YaleUniversityPress,2001,p.ix-x. “Oexperimento [Meselson-Stahl] teve origem na complexidade, estava cercado de complexidade e apontou o caminho emdireçãoàdescobertadefuturascomplexidades.”

3.OexperimentoalfaGalileueoplanoinclinado(p.49-56)

1.Galileu.TwoNewSciences,op.cit.,p.169-70.2.AlexandreKoyré.“Anexperimentinmeasurement”.Proc.AmericanPhilosophicalSociety,n.97,

1953,p.222-36.3.ThomasB.Settle.“AnexperimentintheHistoryofscience.”Science,n.133,1961,p.19-23.4. StillmanDrake.GalileoatWork:HisScienti icBiography .Chicago,UniversityofChicagoPress,

1978,Cap.5.

Interlúdio3AcomparaçãoNewton-Beethoven(p.57-60)

1. Owen Gingerich (org.).The Nature of Scienti ic Discovery . Washington, D.C., SmithsonianInstitution,1975,p.496.

2.L.BernardCohen.FranklinandNewton.Filadélfia,AmericanPhilosophicalSociety,1956,p.43.3.ImmanuelKant.CritiqueofJudgement(Acríticadojuízo).Indianápolis,Hacket,1987,seção47.4.OwenGingerich.“CircumventingNewton:astudyinscienti iccreativity.” American Journalof

Physics,n.46,1978,p.202-6.5. Jean-Marc Lévy-Leblond. “What if Einstein had not been there? AGedankenexperiment in

sciencehistory.”24oColóquioInternacionalsobreMétodosdeGruposTeóricosemFísica,Paris, jul2002.

4.OexperimentumcrucisNewtondecompõealuzdoSolcomprismas(p.63-75)

1. I. Newton para H. Oldenburg, 18 de janeiro de 1672. In W. Turnbull (org.).TheCorrespondenceofIsaacNewton,vol.I.Cambridge,CambridgeUniversityPress,1959,p.82-3.

2.MichaelWhite.IsaacNewton:TheLastSorcerer.Reading,Mass.,Addison-Wesley,1997,p.165.

3.RichardS.Westfall.“Newton.”EncyclopaediaBritannica,15aed.,vol.24,p.932.4.CitadoemWhite.IsaacNewton,op.cit.,p.179.5.Ibid.,p.164.6.Newton.Correspondence,vol.I,p.92.

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7.Ibid.,vol.II,p.79.8.Ibid.,vol.I,p.107.9.Ibid.,p.416.10. Thomas Birch.TheHistoryof theRoyalSocietyofLondon, vol.3.NovaYork, JohnsonReprint

Corp.,1968,p.313.11.Newton.Ibid.,vol.I,p.356.

Interlúdio4Aciênciadestróiabeleza?(p.76-79)

1.KennethClark.Landscapeintoart.NovaYork,Harper&Row,1976,p.65.2. A fascinante variedade demodos pelos quais os poetas enfrentaram este desa io tem sido

discutida, entre outros, porMarjorieNicolson.NewtonDemands theMuse:Newton’sOpticksand theEighteenth Century Poets . Hamden, Ct., Archon, 1963; e M.H. Abrams.The Mirror and the Lamp:RomanticTheoryandtheCriticalTradition.NovaYork,OxfordUniversityPress,1971.

3.Umlivrointeirofoiescritosobreessafesta:PenelopeHughes-Hallett. TheImmortalDinner:AFamousEveningofGeniusandLaughterinLiteraryLondon.Chicago,NewAmsterdam,2002.

4.Nicolson,op.cit.,p.25.5.De“ThebestmindsinceEinstein”.NOVA,21nov1993.

5.OpesodomundoOausteroexperimentodeCavendish(p.81-92)

1.GeorgeWilson.LifeoftheHon.HenryCavendish .Londres,CavendishSociety,1851,p.166.Paraumabiogra iamoderna,verChrista JungnickeleRusselMcCormmach.Cavendish:TheExperimentalLife.Lewisburg,Penn.,BucknellUniversityPress,1999.

2.Ibid.,p.170.3.Ibid.,p.188.4.Ibid.,p.185.5.Ibid.,p.178.6.IsaacNewton.ThePrincipia:MathematicalPrinciplesofNaturalPhilosophy.Berkeley:University

ofCaliforniaPress,1999,p.815.7.IsaacNewton.SirIsaacNewton’sMathematicalPrinciplesofNaturalPhilosophyandhisSystem

fortheWorld,vol.2.NovaYork,GreenwoodPress,1969,p.570.8.EmDrekHowse.NevilMaskelyne:TheSeaman’sAstronomer.Cambridge,CambridgeUniversity

Press,1989,p.137-8.9. Citado emRussellMcCormmach. “The last experiment of Henry Cavendish.” In A. Kox e D.

Siegel(orgs.).NoTruthExceptintheDetails.Dordrecht,Kluwer,1995,p.13-14.10. Henry Cavendish. “Experiments to determine the density of the Earth”. Philosophical

TransactionsoftheRoyalSociety,n.88,1798,p.469-526.11. Citado em B.E. Clotfelter.”The Cavendish experiment as Cavendish knew it.” American

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JournalofPhysics,n.55,1987,p.210-13,p.211.12.Wilson,op.cit.,p.186.

Interlúdio5Integrandociênciaeculturapopular(p.93-95)

1.SarahBoxer.“Theartofthecode,or,atplaywithDNA.” TheNewYorkTimes ,14demarçode2003,p.135.

6.AluzcomoondaAanalogialúcidadeYoung(p.97-106)

1.Aexpressão“ lashontológico”édeMaryGerharteAllanM.Russell.MetaphoricProcess:TheCreationofScientificandReligiousUnderstanding.FortWorth,TexasChristianUniversityPress,1984,p.114.

2. Estes e muitos outros detalhes da vida de Thomas Young vêm de George Peacock.Life ofThomasYoung.Londres, J.Murray,1855;edoverbetedeThomasYoungporEdgarMorseem TheDictionaryofScientificBiography,vol.14.NovaYork,Scribners,1976,p.562-72.

3.Newton.Opticks,op.cit.,questão28.4. Thomas Young. “Outlines of experiments and inquiries respecting sound and light.”

PhilosophicalTransactions1800,p.106-50.5.J.D.Mollon.“Theoriginsoftheconceptofinterference.”PhilosophicalTransactionsoftheRoyal

Society of London, A, 2002, p.360, 807-19; a discussão de Newton está emThe Principia, livro 3,proposição24.

6.Aqui,então,estáumadasmaisobscuraseambíguasintroduçõesdeumconceitofundamentalnahistóricada ciência: “É surpreendentequeummatemático tão importantequantoodr. Smithtenha acreditado,mesmo que por ummomento, na ideia de que vibrações que constituem sonsdiferentesseriamcapazesdesecruzaremtodasasdireções,semafetaraspartículasdearcomsuaforçacombinada.Semdúvidaelassecruzam,semprovocardistúrbiosnoprogressoumadaoutra;mas isso só pode acontecer se cada partícula compartilhar ambos os movimentos.” Young.“Outlines”,seção11.

7.ThomasYoung.AReplytotheAnimadversionsoftheEdinburghReviewers.Londres,Longmanetal.Cadell&Davis,1804.

8. Thomas Young. “The Bakerian lecture: experiments and calculations relative to PhysicalOptics.”PhilosophicalTransactions1804,p.1-16.

9. Thomas Young,ACourse of Lectures onNatural Philosophy and theMechanical Arts. Londres,TaylorandWalton,1845,palestra39.

10. Nahum Kipnis.History of the Principle of Interference of Light . Boston, Birkhauser, 1991,p.124.

11. Henry Brougham. “Bakerian lecture on light and colors.”The Edinburgh Review, n.1, 1803,p.450-6.

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Interlúdio6Ciênciaemetáforas(p.107-110)

1. Esta seção é baseada em uma coluna daPhysicsWorld (“Physic, metaphorically speaking”,novembrode2000,p.17),que,porsuavez,sebaseouparcialmentenoCapítulo3domeuThePlayofNature:ExperimentationasPerformance.

2. O historiador da ciência Stanley Jacksonmostrou, por exemplo, que JohannesKepler, comomuitoscientistasdo inaldoséculoXVIeiníciodoséculoXVII,projetavaumaversãoseculardeumaforça animística, semelhante à alma, em sua mecânica. “Se substituirmos a palavra ‘alma’ pelapalavra ‘força’’, então teremos o princípio que delineiaminha ísica do céu”, escreveuKepler em1621.Emboraentão rejeitassea ideiadeque tal força fosseespiritual, eleacrescentouquehaviachegado “à conclusão de que essa força devia ser algo substancial – ‘substancial’ não no sentidoliteral, mas … da mesma maneira que dizemos que a luz é algo substancial, signi icando umaentidadeinsubstancialemanandodeumcorposubstancial”.

3.EstassãooqueofilósofoBruceWilshirechamade“metáforasfisionômicas”.4.E, inalmente,partedaterminologiacientí icaparecemetafórica,masnãoé.Porexemplo,os

nomes de quarks “charme,”“estranho,”“beleza” e “verdade.” É tolo pensar nesses termos comometáforas.Essesnomesnãonosdizemnadaenãosãotentativasdeentenderoquealgoé.Elessãoapenasmaneirasdeserirreverente.

5. Um exemplo de por que é importante entender esse processo são as recentes “guerrascientí icas”,muitas das quais questionam se asmetáforas encontradasna ciência seriam criativas(implicandoqueo conhecimento gerado temumviés cultural e histórico) ou iltrantes (portanto,descartáveis). Um exemplo é a conversa sobre a relatividade entre o sociólogo Bruno Latour,professor no Centre de Sociologie de l’Innovation, na École Nationale Supérieure des Mines, emParis,eJohnHuth.ExaminandoumlivronoqualEinsteincon iounaimaginaçãodeobservadoreseemréguasparaexplicararelatividade,Latourargumentouqueissoeraumsímbolodequeateoriaé construída socialmente. Huth observou que o livro foi escrito para divulgação cientí ica,assinalandoqueoimaginárionãoeraessencialparaateoriaqueEinsteinestavatentandoexplicar,e menosprezou o método de Latour como uma “pregação de metáforas” [John Huth. “Latour’srelativity.” In N. Koertge (org.). AHouse Built on Sand. Nova York, Oxford University Press, 1998,p.181-92.] Peter Galison, historiador da ciência da UniversidadeHarvard, sugere que ametáforapossua um papel ainda mais profundo. Ele destacou a importância do pensamento de EinsteinsobreosmétodosdesincronizaçãodosrelógiosnaEuropa,naviradadoséculo,paraacoordenaçãodostrens.GalisonargumentaqueEinsteinestavafamiliarizadocomatecnologia,portertrabalhadocomo assistente técnico do Escritório de Patentes da Suíça, e que isso ajudou a guiá-lo,metaforicamente,paraasoluçãodoproblemadesimultaneidade,dadaavelocidade initadaluz.Apercepçãomais importante de Einstein, de acordo com Galison, foi a que o levou a abandonar anecessidadedeum“relógioprincipal”.

7.ATerragiraOsublimepêndulodeFoucault(p.113-123)

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1.“TheFoucaultpendulum”(semautor).TheInstituteNews,abrilde1938.2.CitadoemStephaneDeligeorges.Foucaultetsespendules.Paris,EditionsCarré,1990,p.48.3. M.L. Foucault. “Physical demonstration of the rotation of the Earth by means of the

pendulum.”JournaloftheFranklinInstitute,maiode1851,p.350-3.4.M.L.Foucault.“DémonstrationexpérimentaledumouvementderotationdelaTerre.” Journal

desDébats, 31demarçode1851.Para sabermais sobreFoucault, verAmilAczel.Pendulum: LeonFoucaultandtheTriumphofScience.NovaYork,PocketBooks,2003;WilliamJohnTobin. TheLifeandScienceofLéonFoucault,theManWhoProvedtheEarthRotates.Londres,CambridgeUniversityPress,2003.

5.Demonstraromovimento translacionaldaTerra– seumovimentopelo espaçoem lugardeumarotaçãosobreseueixo–seriamaisdifícil.

6. M. Merleau-Ponty.Phenomenology of Perception. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1962,p.280. Soumuito agradecido aPatrickHeelanpor algumasdas re lexõesque se seguem; e aBobStreet, que se perguntou o que aconteceria se uma pessoa se colocasse dentro do peso de umpêndulodetamanhoadequado,ouseumpêndulofosseinstaladoemumrestaurantegiratóriocujoperíodofosseigualaumdiasideral,vistocontraofundodeumclarocéunoturno.

7.Deligeorges,Foucault,p.60.8. H.R. Crane. “The Foucault pendulum as a murder weapon and a physicist’s delight.”The

PhysicsTheater,mai1990,p.264-9.9.H.R.Crane.“Howthehouse lyusesPhysicstostabilize light.”ThePhysicsTeacher ,novembro

de1983,p.544-5.10.Oscomponentescríticossãoocabo,abasedocaboeumpequenopersuasoremtornoda

basedocabo.Essedispositivo–umaversãodaquelequeFoucaultusou,poréminstaladonotopodopêndulo, em vez de icar no fundo – puxa o cabo de tempos em tempos para impedir que opêndulosedesacelere.

11. O que diferencia os vários pêndulos é quanto a direção de seu balanço muda por hora,funçãodesualocalização.NospolosNorteeSul,opêndulofariaumcircuitocompleto–360graus–a cada 24 horas, movendo-se 15 graus por hora, no sentido horário, no hemisfério Norte, e nosentidoanti-horárionohemisférioSul.Emoutroslugares,amudançahoráriadependedalatitudedaformaespeci icadaaseguir:amudançahoráriaé15grausvezesosenodalatitude.EmLondres,é quase12 graus; EmParis, 11 graus por hora;NovaYork, 9¾ graus por hora;NovaOrleans, 7graus;SriLanka,menosde2grausporhora.

Interlúdio7Aciênciaeosublime(p.124-126)

1.EdmundBurke. “Aphilosophical inquiry into theoriginofour ideasof thesublimeand thebeautiful”.4aed.Dublin,Cotter,1707,parte1,section6.

2.ImmanuelKant.CritiqueofJudgement. Indianápolis,Hackett,1987,seção28.Aindaoutrotipode sublimidade é expressado no romance de Umberto Eco,O pêndulo de Foucault. Nova York:BallantineBooks,1988.

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8.ObservaçãodoelétronOexperimentodeMillikancomagotadeóleo(p.129-142)

1. Omelhor artigo que aborda demodo genérico o experimento deMillikan continua a ser oseminário de Gerald Holton. “Subelectrons, presuppositions, and theMillikan-Ehrenhaft dispute”.TheScienti ic Imagination:CaseStudies. Cambridge,Mass., CambridgeUniversityPress, 1978,p.25-83;outrosaspectossãodiscutidosemUllicaSegersträle.“Goodtothelastdrop?Millikanstoriesas‘canned’Pedagogy.”ScienceandEngineeringEthics,n.1,vol.3,1995,p.197-214.

2.Millikan.Autobiography.NovaYork,HoughtonMifflin,1950,p.69.3.Ibid.,p.73.4.Idem.5.Holtonescreveuque“Millikannãodesenhououprojetouoexperimentoapartirdoqualsua

famainicial loresceu;naverdade,eledescobriuoexperimento….Ninguémduvidava daexistênciade gotas individuais.Qualquer umpoderia ter juntado o equipamento existente hámais de umadécada se tivesse pensado em observar a gota, em lugar da nuvem…. o aprisionamento daimaginação exercido pela tradição do trabalho com as nuvens parece ter se relaxado apenas noacidentedeMillikan”(Holton,op.cit.,p.46).

6.Ibid.,p.53.7.Millikan.Autobiography,p.75.8.Idem.9.Millikan.“Theisolationofanion,aprecisionmeasurementofitscharge,andthecorrectionof

Stokes’law.”Science,n.32,1910,p.436.10.ApáginadecadernoemquestãoéreproduzidaporHolton.“Subelectrons”,p.64.11.Millikan. “On theelementaryelectrical chargeand theAvogrado constant.”Physics Review,

n.2,1911,p.109-43.12.Comunicaçãopessoal,HerbertGoldstein.13.Holton,op.cit.14.Segersträle,op.cit.15.Exposéssempretiveramumapelopoderoso,masespecialmentenoperíodopós-Watergate,

quandosurgiuoartigodeHolton.CríticosdamídiacomoDavidFosterWallaceexaminaramporque“adoramos a ideia de imoralidades secretas e escandalosas serem arrasta das para a luz eexpostas”. As exposições ( exposés), Wallace escreveu, dão-nos a impressão do “privilégioepistemológico”de “penetrar sob a super ície civilizadadodia a dia” para revelar forçasque sãoruins,ouatémalévolas,emação.DavidFosterWallace.“DavidLynchkeepshishead.”ASupposedlyFunThingI’llNeverDoAgain,NovaYork,Little,Brown,p.208.

16. Muitos outros eminentes cientistas também foram atacados por Broad e Wade, inclusiveGalileu. Tomando o diálogo iccional como representante de narrativa histórica, e partindo dainterpretaçãoidiossincráticadeGalileupelohistoriadordaciênciaKoyré,BroadeWadeoincluíramem sua lista de “casos conhecidos ou suspeitos de fraude na ciência” por ter “exagerado osresultadosdeseusexperimentos”.Eles relegaramaumanotaderodapémençõesahistoriadoresda ciênciamais recentes que examinaramos cadernosdeGalileu a fundo, comoSettle eDrake, eapresentaram provas convincentes de que Koyré equivocara-se desastrosamente em sua

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interpretaçãodeGalileu.17. A. Franklin. “Forging, cooking, trimming, and riding the bandwagon”. American Journal of

Physics,n.52,1984,p.786-93.18.Ibid.,p.83.

Interlúdio8Apercepçãonaciência(p.143-145)

1. Citado em Evelyn Fox Keller. Re lections on Gender and Science. New Haven, Yale UniversityPress,1985,p.165.

2.Anônimo.ScienceNews,139,1990,p.359.3. VerRobert P. Crease. ThePlayofNature:ExperimentationasPerformance . Bloomington, Ind.,

Indiana University Press, 1993; Patrick A. Heelan.Space-Perception and the Philosophy of Science,Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,1983;DonIhde.TechnologyandtheLife-World.Bloomington,Ind.,IndianaUniversityPress,1990.

4.Noentanto,umacomplicaçãoimportanteéqueumtermocientí ico(como“elétron”)podeteroque foi chamadode “duplasemântica”, jáquese refere tantoao termoabstratoemuma teoriaquantoà suapresença ísicano laboratório (considere adiferença,por exemplo, entreo “dó” emumapartituramusical e o “dó” ouvido emumconcerto). Sobre adupla semânticada ciência, verPatrick A. Heelan. “After the experiment: realism and research.” American Philosophical Quarterly,n.26,1989,p.297-308;eCrease;PlayofNature,op.cit.,p.88-9.

5.AlbertEinsteininCliffonFadiman(org.).LivingPhilosophies.NovaYork,Doubleday,1990,p.6.

9.BelezanascenteAdescobertadonúcleoatômicoporRutherford(p.147-157)

1.OartigoclássicosobreesteexperimentoédeJ.L.Heilbron.“ThescatteringofαandβparticlesandRutherford’satom.”ArchiveforHistoryofExactSciences,n.4,1967,p.247-307.

2.M.Oliphant.Rutherford:RecollectionsoftheCambridgeDays.Amsterdã,Elsevier,1972,p.26.3. J.A. Crowther.British Scientists of the Twentieth Century. Londres, Routledge & Kegan Paul,

1952,p.44.4.A.S.Russell. “LordRutherford:Manchester,1907-1919:apartialportrait.” Proceedingsof the

PhysicalSociety,n.64.1ºdemar1951,p.220.5.Oliphant,op.cit.,p.123.6.Citadoemibid.,p.65.7.J.L.Heilbron.“AneraattheCavendish.”Science,n.145,24agode1964,p.825.8.Oliphant,op.cit.,p.11.9.CitadoemD.Wilson.Rutherford:SimpleGenius.Cambridge,Mass.,MITPress,1983,p.290.10.E.N.daC.Andrade.RutherfordandtheNatureoftheAtom.NovaYork,Doubleday,1964,p.11.11.CitadoemWilson,op.cit.,p.296.12.CitadoemA.S.Eve.Rutherford.NovaYork,Macmillan,1939,p.199.

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13.Citadoemibid.,p.194-5.14. J.G.Crowther. “On thescatteringof thehomogeneousraysand thenumberofelectrons in

theatom.”ProceedingsoftheRoyalSocietyofLondon,n.84,1910-1911,p.247.15. E. Rutherford. “The scattering of α and β particles and the structure of the atom.”

ProceedingsoftheManchesterLiteraryandPhilosophicalSociety,série4,ano55,n.1,mar1911,p.18.16.E.Rutherford.“Thescatteringofαandβparticlesbymatterandthestructureoftheatom.”

PhilosophicalMagazine,mai1911,p.669-88.

Interlúdio9Artesanatonaciência(p.158-161)

1.CitadoemRobertP.CreaseeCharlesC.Mann. TheSecondCreation:MakersoftheRevolutioninTwentieth-CenturyPhysics.NewBrunswick,N.J.,RutgersUniversityPress,p.337-8.

2. Todas as citações neste parágrafo foram extraídas de PatrickMcCray. “Who owns the sky?Astronomers postwar debates over national telescopes for Optical Astronomy” (trabalho nãopublicado).

3. Robert P. Crease. The Play of Nature: Experimentation as Performance. Bloomington, Ind.,IndianaUniversityPress,1993,p.109-11.

4.Aconversaestácitadainibid.,p.117-18.

10.OúnicomistérioAinterferênciaquânticadeelétronsisolados(p.163-174)

1. R.P. Feynman, R.B. Leighton eM. Sands. The FeynmanLectures onPhysics, vol.3. Menlo Park,Addison-Wesley,1965,Capítulo1.Partedas frasesseguintes foi tiradadeFeynman. TheCharacterofPhysicalLaw.Cambridge,Mass.,MITPress,2001,Capítulo6.

2.AanalogiadeFeynman,comotodasasanalogias,éapenasaproximadae,numainspeçãomaiscuidadosa,nãotãoclaraquantoparece.Balaspodemcolidirumascomasoutrasantesdeatingirodetector,oquealterariaopadrão.E, sebalas tãopequenasquantooselétronsricochetearemdoscantosdeumapequenatela,elas(diferentementedebalasverdadeiras)sofremetransmitemparaa tela umamudança de aceleração, o que pode afetar o padrão e a interação seguinte entre ospróximos elétrons e a tela. Finalmente, a comparação de Feynman entre balas e ondas de águabuscaumefeitoretórico.Quandodiluímosqualquertipodematéria,elaacabasetornandoátomosoucampos,ambosquantificáveis—entãonuncateremosumpadrãoondularcontínuo.

3. De 1888 a 1973, o Instituto de Física situava-se no centro da cidade, e os ísicos quetrabalhavam commicroscopia de elétrons de alta resolução ou com interferometria elétrica, nosanos seguintes, tinhamdebatalhar contraosdistúrbiosmagnéticos criadospela vidaurbana.Em1973,oInstitutomudou-separaumnovoprédio,notopodeumamontanha,foradacidade.Assimcomo os astrônomos querem seus telescópios construídos longe das luzes da civilização, tambémMöllenstedtqueriaseuInstitutolongededistúrbioseletromagnéticos.

4.Eleprocedeuda seguintemaneira: comosubstrato temporáriousouumaplacadevidrode4x4cmcobertaporuma inacamadade20nanômetrosdepratadepositadaporevaporação. Isso

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era grosso o su iciente para se polarizar eletricamente com cobre e formar uma lâmina com 0,5micrometrodeespessura.Mascomoconseguirospequenoscortesnalâmina?Suaprimeiraideiafoiarranhá-los comumamáquinadearranhar, comoeraprática comumpara seproduzirgradesdeinterferênciaóptico-luminosa.Masnenhumamáquinade arranhar estava àmão, epareciamuitodi ícil arranhar fendas com apenas 0,5 micrometro de comprimento com tal máquina (umcomprimentotãopequenoeranecessárioparatornaralâminamecanicamenteestável).Masfoiaíque entraram os velhos experimentos com placas elétricas de Jönsson. Lembrando-se de que amenor quantidade de poeira em um substrato previne a criação de uma camadaeletropolarizadora,elepôscamadasisolantescomoformatodefendasnosubstratodeprataantesda eletropolarização. Agora outra das máximas de Möllenstedt se torna importante: se vocêdescobrirque temumefeito criadopelapoeiraemseuexperimento, tente fazê-lo trabalharparavocê.JönssondescobriuqueelerealmenteteveumefeitograçasàpoeiranascamadasdeSteward,queseerguiamdemoléculasdeóleocondensadasapartirdevapordeóleodentrodomicroscópiode elétrons. Estas moléculas de óleo eram “quebradas” pelo raio de elétrons e polimerizadas,formando a placa de Steward. Quanto mais tempo uma pessoa olhasse para um objeto, maisespessa se tornava a camada de Steward, reduzindo-se o contraste da imagem. Jönssonexperimentou com placas de Steward e descobriu que eram bons isolantes, impedindo aeletropolarização do cobre nos pontos em que o substrato prateado se condensava. Agradeço aClausJönssonpelaajudacomessasexplicaçõesdeseusexperimentos.

5. Ele construiu um aparelho óptico de elétrons para produzir uma sonda de elétrons queimprimiriaacamadadeStewardnoformatodefendanosubstratodeprata.Paraimprimirváriasfendas (nomáximodez) ladoa lado, ele supriu seuaparato comumcondensadorparadesviar asondadeelétronspelasvoltagensverticaisemrelaçãoà fenda.Depoisdeestabelecero tempodeexposiçãoparaconseguirascamadasdeStewardcomagrossurade10a50nanômetros, Jönssonconseguiuproduziras fendasnecessáriasna folhadecobre.Mascomoremovê-lasdosubstrato,ecomoremoveraprataepolimerizá-la foradas fendas?Aquianaturezaajudou Jönsson.Elenotouquepoderiausarumpardepinçaspara retirardaplacadevidroa camadade cobreepratanadireçãodasfendassemdestruí-las.Quandopreparavaasfendassobreofurode0,5nanômetrodeum buraco de diafragma e as observou ao microscópio, percebeu que não havia matéria nelas.Duranteoprocessodeimpressão,oraiodeelétronsprenderaascamadasdeStewardaosubstratode prata e vidro, onde elas permaneceram até mesmo quando a folha de cobre foi removida.Comprovou-seentãoquedoisgrandesproblemasnapreparaçãodefendasnãoeraminsolúveis.

6. Em 1972, eles obtiveram o primeiro padrão de interferência de Fringe com um elétronbiprisma inserido no espécime Cartridge de um microscópio de elétrons Siemens Elmiskop 1Aequipado com um ilamento pontudo feito sob medida. Esse trabalho recebeu um prêmio comomelhorexperimentodidáticodaSociedadedeFísicosdaItália.

7.P.G.Merli,G.F.MissirolieG.Pozzi.AmericanJournalofPhysics,n.44,1976,p.306-7.8.Oendereçoonlineéwww.bo.imm.cnr.it.9.A.Tonomura, J.Endo,T.Matsuda,T.KawasakieH.Ezawa. “Demonstrationofsingle-electron

buildupofaninterferencepattern.”AmericanJournalofPhysics,n.57,1989,p.117-20.10. A palestra de Tonomura na Royal Society está disponível emhttp://www.vega.org.uk/

series/vri/vri4/index.php. Ver também Peter Rodgers. “Who performed the most beautifulexperimentinPhysics?”PhysicsWorld,set2002.

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Interlúdio10Quasevitoriosos(p.175-178)

1.NossafontemaisantigaparaessahistóriaéoarquitetoeengenheiroromanoVitrúvio,eelaécitada no verbete “Arquimedes”, Charles C. Gillispie (org.). Dictionary of Scienti ic Biography. NovaYork,Scribner,1970-80.

2.FredericLaurenceHolmes.Meselson,Stahl,and theReplicationofDNA:AHistoryof “TheMostBeautifulExperimentinBiology”.NewHaven,YaleUniversityPress,2001.

3. Ver Deborah Blum.Love At the Goon Park: Harry Harlow and the Science of Affection .Cambridge,Mass.,Perseus,2002.

4. J. Garcia e R. Koelling. “Relation of cue to consequence in avoidance learning.”PsychonomicScience,n.4,1966,p.123-4.

5.Disponívelemhttp://www.aps.org/apsnews/0101/010106.html.6. Isso é emprestado da descrição não técnica em Robert P. Crease e Charles C. Mann. The

SecondCreation:Makersof theRevolution inTwentieth-CenturyPhysics .NovaYork,Macmillan,1986,p.164-5.

7.Paraumadescriçãonãotécnica,veribid.,p.206-8.8. Para uma descrição não técnica, ver Robert P. Crease.Making Physics: A Biography of the

BrookhavenNationalLaboratory,1946-1972.Chicago,UniversityofChicagoPress,1999,p.248-50.9.Citadoemibid.,p.400.

ConclusãoAciênciaaindapodeserbela?(p.179-183)

1. O valor preciso do momento anômalo magnético do múon, como se pode adivinhar pelaquantidade de vezes que foi medido, apesar da di iculdade envolvida, é um dos números maisavidamente procurados na ísica. A razão disso é que qualquer discrepância entre o númeroteoricamente calculadoeoqueexperimentadoresmedemrevelariauma informaçãovital sobreoqueestáalémdomodelocomumda ísicaelementardepartículas–opacote teórico,montadonasegunda metade do século XX, que descreve o comportamento dos blocos de construção maisbásicos da matéria, incluindo todas as partículas conhecidas e a maioria das forças que osafetam.Ver William Morse et al. “Precision measurement of the anomalous magnetic moment ofmuon.” In H. Sadeghpour, E. Heller e D. Pritchard (org.). XVIIIa Conferência Internacional sobreFísicaAtômica.WorldScientificPublishing,2002.

2. Todos os múons giram continuamente em um eixo e à mesma velocidade. Quando algumdeles seguir um caminho circular em um campo magnético uniforme, esse eixo vai oscilar oubalançar. A frequência da oscilação é determinada por sua razão giromagnética, ou “fator g”. Naísicaclássica,paraaqualamassadeumapartículaocupaumlugarclaramentede inidonoespaçoetempo,ovalordofatorgseriaexatamenteum.QuandoPaulDiraccombinouarelatividadecomamecânicaquântica,calculouovalordofatorgcomoexatamentedois.MasdeacordocomofamosoprincípiodeincertezadamecânicaquânticadeHeisenberg,nemtodaamassadeummúon(oudequalquer outra partícula subatômica) pode ser encontrada, sendo coberta por uma auréola de

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fantasmagóricaspartículasvirtuaisdevidacurta,queomúonconstantementeemiteeabsorve.Issofaz com que seu fator g seja ligeiramente diferente de dois. Tentativas de calcular a primeiragrandeza corretamente deram um valor igual ain inito, até Feynman, Schwinger e Tomonagaserem capazes de calculá-lo em eletrodinâmica quântica como 2,002. O experimentog-2 mede adiferençaentreofatorge2,oug-2,paramaisdeumemummilhão.Otamanhodessenúmeroédevitalimportânciapara ísicos,poisrevelanovaspartículasaseremdescobertas.Comoconsequência,revelaráseomodelocomuméounãocompleto.Seonúmeromedidoexperimentalmentecoincidirexatamente comonúmero calculado teoricamente, signi icaria que omodelo comumé realmentecompleto (pelo menos para todos os objetivos atuais), e que qualquer nova grande teoria estáainda muito distante. Por outro lado, uma discrepância sugeriria que o modelo comum não écompleto, abrindoumapequenabrechaporondepoderíamosespiarumanovae excitante ísica.Para medir a oscilação foi preciso planejar e montar um genial equipamento. Construí-lo exigiuesforço de uma década, o que implicou supervisionarmilhares de pequenas e delicadas peças efazercomque todas trabalhassem juntas.O trabalhoenvolveuumgrandenúmerode trocas,poiscadapartetinhaopotencialparaafetartodasasoutras.OsmúonsforamcriadosporumaceleradordepartículasemBrookhavenchamadoAGS:prótonsdoaceleradorsãoesmagadoscontraumalvo,criandocorrentesdeoutrostiposdepartículas,chamadospíons,eestesdecaemformandomúons.Estesmúonssãopolarizados–seuseixosgiratóriosestãotodosalinhadosnamesmadireção.Umavezdentrodeumgigantescoímãsupercondutor,elessão“chutados”paraquecomecemaorbitarocentrodacâmaradevácuodoímã.OímãconstruídoemBrookhavenparaessepropósitoéomaiorímã supercondutor sólido no mundo – tão maior do que seus predecessores que muita gentepensou que não havia esperanças de construí-lo. O campo desse ímã tinha de ser uniforme eimutável,eoscientistascontinuamenteotestavamparadescobrirpossíveis lutuações.Ummétodousaumtrolemontadocomumsensorquefazvoltasperiódicasaolongodetodaacâmaradevácuo;em certo ponto, os cientistas montaram uma pequena câmera de vídeo no trole e ilmaram suajornadadeumahora–comoumajornadaporumtúneldemetrômuitolongoemonótono.

3.Ummúondecai formandoumelétron(edoisneutrinos),masessadecadêncianãosedáaoacaso;emdecorrênciadaviolaçãodeparidade,oselétronsdealtaenergiasãoregurgitadosemumadeterminadadireçãocomrespeitoaoeixogiratóriodosmúons.Esseselétronssãoentãolocalizadospordetectoresinstaladosnointeriordoanel.

4. Um ísico teórico de Cornell chamado Toichiro Kinoshita passou mais de uma décadaesforçando-se em equações e usando os computadores mais rápidos existentes para produzircorreçõesdealtaordemdessenúmero.

5.Umdosmotivospelosquais a relatividadeestá envolvidadeve-se ao fatodequeosmúonsviajam a uma velocidade quase igual à da luz se receberem dilatação e, em vez de viverem porapenas 2,2microssegundos, eles vivem os incríveis, comparativamente, 64microssegundos – umfenômenoquetornaesseexperimentopossível.

6.Paraumacríticaàabordagemqueoconstrutivismosocial fazdaciência–edavisãodequeessa pesquisa é essencialmente uma negociação política e legal na qual ambas as partes trocaminteresses –, ver Martin Eger. “Achievements of the hermeneutic-phenomenological approach toNatural Science: a comparison with constructivism Sociology.” In Robert P. Crease (org.).HermeneuticsandtheNaturalSciences.Dordrecht,Kluwer,1997,p.85-109.

7. É tentador encarar esses cenários de “como trabalhamos”, como o ilósofo Maxine Sheets-

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Johnstoneoschamasarcasticamente,comoverdadeiros.Maselessãoapenasformalizaçõese,comoqualquer demonstração de um processo complexo, foram criados com um propósito e umaideologia.Omotivosilenciosodecadaumadastentativaséeliminarocorpodaciência.Não,éclaro,o corpo ísico de sangue e ossos, mas o que os ilósofos chamam de “corpo vivo” – a unidadeprodutivaprimordiale insuperávelque,paracomeçodeconversa, fazcomqueexistammundosepessoas.Orientadospelalógica,osacadêmicosqueremeliminarocorpovivo,ereconstruiraciênciasemsuadimensãoafetiva,poisestaparece introduzirumelementoarbitrárioe irracionalnoqueencaramcomoumprocesso impessoal eobjetivo. Seriadi ícil – e certamente arti icial – acharumlugar para a beleza em tal visão. Em contrapartida, aqueles acadêmicos que focalizamexclusivamente asdimensões sociaisda ciênciaqueremeliminaro corpovivopela razãooposta –porque admitir o papel fundamental de um corpo humanoanimado no conhecimento ameaçade inirestruturasquegerameseoriginamnaexperiênciahumana,equenãosóserecusamaserreduzidasa fatores sociais, como também,emcertamedida,os controlam–epodemempurrá-lospara longe e até opor-lhes resistência. Existe pouco espaço para a beleza aqui também. Pois abelezaéintrinsecamenteboa,enquantooidiomadoembatedepoderesreduztodabondadeaumbem instrumental. Esta forma de ver a ciência é, portanto, tão desumanizadora quanto aquelaorientadapela lógica,quemostraaciênciaemtermosestritamenteracionais.Paramaispesquisassobre o papel do corpo na investigação humana, ver Sheets-Johnstone.The Primacy ofMovement ,Filadél ia,JohnBenjamins,1999.Assimcomoosartistas,oscientistastrabalhamcomatotalidadedeseuser,ouseja,háemseutrabalhoumadimensãoafetivairredutível.Searrancarmosdaciênciaosseuselementosdeafetividadeebeleza,nósarepresentaremosmuitomal,eoresultadoseráumavisão da ciência que é uma criação acadêmica, um artefato. Uma visão completa envolveria umpapel para algo como a beleza –– a revelação de initiva do que é fundamental, de forma quesejamosabsorvidosporummomentonapresençadealgoqueaomesmotempopertenceaoreinodossentidoseaoreinodasideias.Umavisãocompletaenvolveriatambémumpapelparaoamor,apaixãoquesecorrelacionaaoobjetobelo:aquiloquealgobelo inspira,eoquesentimosporalgobelo.

8.Platão.Obanquete,211C.