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7 ARTIGO ORIGINAL Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014 Adolescência & Saúde RESUMO Objetivo: Avaliar a prevalência e as características de utilização de Internet entre os adolescentes de Leiria e determinar a prevalência de uso patológico de Internet. Métodos: Estudo transversal descritivo, baseado num questionário anônimo dirigido a alunos de 7 escolas do concelho de Leiria, Portugal, com idades entre 12-18 anos. As questões versavam sobre: características de utilização da Internet e aplicação da escala de dependência de Young (EDIY). Resultados: Validados 638 inquéritos, 57% correspondentes ao sexo feminino, média de idades 15 anos. Todos são usuários da Internet, 82% há mais de 2 anos. Acedem à Internet sobretudo no domicílio (96%), 51% fazem-no diariamente e 58% por mais de 1 hora. A existência de regras para o uso de Internet foi documentada em 28%. A Internet é usada primordialmente para socialização. Relativamente à comunicação on-line: 32% reportaram falar com desconhecidos e 20% assumem diferentes identidades. Relativamente à exposição pessoal on-line: 89% revela nome, 63% idade, 67% publica fotos nas redes sociais e 8% já marcou encontros com pessoas que conheceu on-line. Aplicando a EDIY, verificou-se um padrão de uso de Internet borderline em 18% e de uso patológico em 1,2%. Conclusão: Os adolescentes deste estudo apresentam comportamentos de risco e padrões de uso de Internet alarmantes. Apesar da percentagem reduzida de utilização abusiva de Internet comparativamente com outros países, apurou-se uma proporção significativa de uso borderline, incitando à adoção de medidas de prevenção. PALAVRAS-CHAVE Adolescente, internet, Portugal. ABSTRACT Objective: To assess the prevalence and characteristics of Internet use among adolescents in Leiria, exploring the prevalence of pathological Internet use. Methods: Cross-sectional study based on an anonymous questionnaire completed by pupils between 12 and 18 years old at seven schools in Leiria, Portugal. The questions addressed: Internet use characteristics and the application of Young’s Internet Addiction Scale (YIAS). Results: There were 638 validated replies, 57% from girls with an average age of 15 years old. All the pupils were Internet users, 82% for more than two years (82%). Most (96%) of them usually accessed the Internet from home, 51% on a daily basis and 58% for more than an hour, with home rules on Internet use documented in 28%. The primary purpose of accessing the Internet was to socialize. For online communications: 32% reported chatting with strangers and 20% assumed different identities. For online exposure: 89% disclosed their names, 63% their ages, 67% published photos on social networks and 8% admitted to dates with people they met online. According to the YIAS, 18% reached borderline Internet use and 1.2% engaged in pathological use. Conclusion: The teenagers in this study present high-risk online behaviors and alarming Internet usage patterns. Although abusive Internet use reached a low percentage compared to other countries, there was a significant proportion of borderline use, indicating an urgent need for preventive measures. KEY WORDS Adolescent, internet, Portugal. Os adolescentes e a internet: padrões de (ab)uso Teens and the internet: patterns of (ab)use > Carolina Viveiro 1 Marília Marques 2 Rui Passadouro 3 Pascoal Moleiro 4 Carolina Viveiro ([email protected]) - Av. Elias Garcia nº6, 4º direito. 1000-149 Lisboa, Portugal. Recebido em 13/09/2013 - Aprovado em 14/12/2013 1 Licenciatura em Medicina. Interna de Formação Específica em Pediatria, Serviço de Pediatria do Hospital de Santo André - Centro Hospitalar Leiria-Pombal, Portugal. 2 Licenciatura em Medicina. Interna de Formação Específica em Pediatria, Serviço Pediatria do Centro Hospitalar Médio-Tejo, Portugal. 3 Licenciatura em Medicina. Assistente Graduado de Saúde Pública, Unidade de Saúde Pública ACES Pinhal Litoral II - Leiria, Portugal. 4 Licenciatura em Medicina. Assistente Hospitalar de Pediatria, Serviço de Pediatria do Hospital de Santo André - Centro Hospitalar Leiria- Pombal, Portugal. > > >

Os adolescentes e a internet: padrões de (ab)uso · Young defi niu esta entidade a partir dos critérios da DSM-IV para a dependência de substâncias, que posteriormente atualizou,

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7ARTIGO ORIGINAL

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014Adolescência & Saúde

RESUMOObjetivo: Avaliar a prevalência e as características de utilização de Internet entre os adolescentes de Leiria e determinar a prevalência de uso patológico de Internet. Métodos: Estudo transversal descritivo, baseado num questionário anônimo dirigido a alunos de 7 escolas do concelho de Leiria, Portugal, com idades entre 12-18 anos. As questões versavam sobre: características de utilização da Internet e aplicação da escala de dependência de Young (EDIY). Resultados: Validados 638 inquéritos, 57% correspondentes ao sexo feminino, média de idades 15 anos. Todos são usuários da Internet, 82% há mais de 2 anos. Acedem à Internet sobretudo no domicílio (96%), 51% fazem-no diariamente e 58% por mais de 1 hora. A existência de regras para o uso de Internet foi documentada em 28%. A Internet é usada primordialmente para socialização. Relativamente à comunicação on-line: 32% reportaram falar com desconhecidos e 20% assumem diferentes identidades. Relativamente à exposição pessoal on-line: 89% revela nome, 63% idade, 67% publica fotos nas redes sociais e 8% já marcou encontros com pessoas que conheceu on-line. Aplicando a EDIY, verifi cou-se um padrão de uso de Internet borderline em 18% e de uso patológico em 1,2%. Conclusão: Os adolescentes deste estudo apresentam comportamentos de risco e padrões de uso de Internet alarmantes. Apesar da percentagem reduzida de utilização abusiva de Internet comparativamente com outros países, apurou-se uma proporção signifi cativa de uso borderline, incitando à adoção de medidas de prevenção.

PALAVRAS-CHAVEAdolescente, internet, Portugal.

ABSTRACTObjective: To assess the prevalence and characteristics of Internet use among adolescents in Leiria, exploring the prevalence of pathological Internet use. Methods: Cross-sectional study based on an anonymous questionnaire completed by pupils between 12 and 18 years old at seven schools in Leiria, Portugal. The questions addressed: Internet use characteristics and the application of Young’s Internet Addiction Scale (YIAS). Results: There were 638 validated replies, 57% from girls with an average age of 15 years old. All the pupils were Internet users, 82% for more than two years (82%). Most (96%) of them usually accessed the Internet from home, 51% on a daily basis and 58% for more than an hour, with home rules on Internet use documented in 28%. The primary purpose of accessing the Internet was to socialize. For online communications: 32% reported chatting with strangers and 20% assumed different identities. For online exposure: 89% disclosed their names, 63% their ages, 67% published photos on social networks and 8% admitted to dates with people they met online. According to the YIAS, 18% reached borderline Internet use and 1.2% engaged in pathological use. Conclusion: The teenagers in this study present high-risk online behaviors and alarming Internet usage patterns. Although abusive Internet use reached a low percentage compared to other countries, there was a signifi cant proportion of borderline use, indicating an urgent need for preventive measures.

KEY WORDSAdolescent, internet, Portugal.

Os adolescentes e a internet:padrões de (ab)usoTeens and the internet: patterns of (ab)use

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Carolina Viveiro1

Marília Marques2

Rui Passadouro3

Pascoal Moleiro4

Carolina Viveiro ([email protected]) - Av. Elias Garcia nº6, 4º direito. 1000-149 Lisboa, Portugal.Recebido em 13/09/2013 - Aprovado em 14/12/2013

1Licenciatura em Medicina. Interna de Formação Específi ca em Pediatria, Serviço de Pediatria do Hospital de Santo André - Centro Hospitalar Leiria-Pombal, Portugal.2Licenciatura em Medicina. Interna de Formação Específi ca em Pediatria, Serviço Pediatria do Centro Hospitalar Médio-Tejo, Portugal.3Licenciatura em Medicina. Assistente Graduado de Saúde Pública, Unidade de Saúde Pública ACES Pinhal Litoral II - Leiria, Portugal.4Licenciatura em Medicina. Assistente Hospitalar de Pediatria, Serviço de Pediatria do Hospital de Santo André - Centro Hospitalar Leiria-Pombal, Portugal.

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8 Viveiro et al.OS ADOLESCENTES E A INTERNET:PADRÕES DE (AB)USO

Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014

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com o seu uso, causa signifi cativa angústia ou perturbação no funcionamento social, profi ssio-nal ou em outras áreas importantes, e o seu uso excessivo não ocorre durante períodos de mania ou não é melhor explicado por outra patologia5.

Independentemente da difi culdade em sua conceituação e defi nição, já foram publicados diversos artigos, estabelecendo uma relação entre o uso abusivo e o aparecimento de pro-blemas de saúde física e mental6. Assim, o uso abusivo está muito associado a comorbilidades como: perturbação de hiperatividade e défi cit de atenção, depressão, ansiedade, baixa autoes-tima, impulsividade, timidez e ideação suicida7. Outros sintomas, nomeadamente físicos, como a cefaleia e dor musculoesquelética, mas tam-bém problemas de sono e obesidade, têm sido associados ao uso excessivo da internet6.

Contudo, e apesar das repercussões nega-tivas descritas, sobretudo em situações de uso abusivo, é importante mencionar que o uso de internet também apresenta aspectos positivos, constituindo-se como um veículo para promo-ção o desenvolvimento cognitivo, social e físico dos adolescentes8.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal descri-tivo baseado na aplicação de um inquérito di-rigido a alunos do 3º ciclo do ensino básico e secundário, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, de sete escolas do Concelho de Leiria, Portugal.

Os dados foram coletados entre maio e ju-nho de 2011.

Elaborou-se um questionário anônimo, que foi entregue e preenchido pelos alunos, após aprovação pelas comissões executivas das escolas participantes. Os questionários foram entregues pelo professor responsável pela turma selecio-nada e preenchidos durante o tempo letivo. Os inquéritos foram preenchidos individualmente.

O questionário era constituído por 25 per-guntas fechadas versando dados demográfi cos (idade, gênero, rendimento escolar) e caracterís-

INTRODUÇÃO

Desde a década de 90, o uso da internet rapidamente se generalizou, sobretudo entre a população adolescente, tornando-se uma ativi-dade comum.

À semelhança de outros países ocidentais, Portugal apresenta elevados níveis de utilização da internet entre a população jovem. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2012, a percentagem de usuários da In-ternet na faixa dos 10-15 anos era 95%, substan-cialmente mais elevada do que no grupo etário dos 16-74 anos (60%)1. Na faixa etária dos 10-15 anos, a percentagem de usuários da internet ul-trapassava a de utilização de celular (93%)1.

Com a crescente popularidade e fácil aces-so à internet, sua utilização abusiva é uma preo-cupação, já que a adolescência é um período crítico de vulnerabilidade a comportamentos de dependência, sendo os adolescentes aparente-mente mais susceptíveis a padrões de uso pa-tológico da internet (UPI) comparativamente à população adulta2,3. Por outro lado, a liberdade que a internet oferece expõe os adolescentes a conteúdos impróprios (de caráter violento, como o ciberbullying, pornográfi co, racista ou pedófi lo), o que levanta graves problemas em termos de proteção a menores de idade.

O UPI, também designado de uso proble-mático ou dependência da internet, é um con-ceito polêmico e ainda não claramente defi nido. Surgiu em 1995 com Goldberg e foi tornado conhecido por Young em 1996. Inicialmente, Young defi niu esta entidade a partir dos critérios da DSM-IV para a dependência de substâncias, que posteriormente atualizou, adaptando os cri-térios do jogo patológico, para elaborar a escala de dependência de Internet de Young (EDIY)4.

Shapira et al., em 2003, propôs uma noção diagnóstica mais abrangente, classifi cando-a como uma perturbação do controle de impul-sos5. O UPI é defi nido como uma preocupação excessiva e mal-adaptável ao uso da internet, experienciada como a sua utilização irresistível e incontrolável por períodos mais longos do que o desejado5. O uso de internet, ou a preocupação

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9Viveiro et al. OS ADOLESCENTES E A INTERNET:PADRÕES DE (AB)USO

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014Adolescência & Saúde

ticas de utilização da internet. As características de uso de internet compreendiam: a existência de computador pessoal, história e duração de utilização diária, local de acesso, regras de utili-zação em casa, atividades on-line (redes sociais, correio electrónico, jogos, programas de mensa-gens instantâneas, web sites), tipo de comunica-ção estabelecida (escrita, áudio, vídeo) e desti-natários, grau de exposição pessoal (partilha de dados pessoais como a identifi cação, endereço eletrônico, domicílio, escola que frequenta, fo-tos), adoção de diferentes identidades na rede e marcação prévia ou futura de encontros com pessoas com quem estabelecem contato on-line.

Defi niram-se como usuários intensivos de internet (UII), os participantes que reportaram estarem on-line por um período diário ³ 2 ho-ras diariamente, cut-off similar ao já defi nido na literatura6.

A prevalência do UPI e de uso borderline de internet (UBI) foi determinada através da aplica-ção de um questionário validado para a popula-ção-alvo, proposto por Young em 1998, que foi traduzido para português9.

A EDIY avalia a severidade das consequên-cias negativas do uso de internet. É constituída por 20 questões de resposta múltipla, onde o participante atribui pontuação de 1 (“nunca”) a 5 (“sempre”), referentes à presença e/ou fre-

quência de determinado comportamento/atitu-de em relação ao seu uso de internet. A soma das respostas aos diferentes itens traduzirá a maior ou menor propensão para a dependência da internet. Assim, uma pontuação até 39 cor-responde a um uso “saudável” da internet, um valor de 40 a 69 traduz um UBI, e, acima de 69 prefi gura um UPI.

Neste estudo, defi nimos como uso “não salutar” de internet (UNSI), o conjunto de parti-cipantes com UPI e com UBI (pontuação acima 39), em contraposição com os que apresentam um uso dito “saudável” (abaixo de 39).

O tratamento estatístico dos dados foi efe-tuado com o programa PASW Statistics18.0 (SPSS Inc.). Foi usado o teste Χ2 para analisar as relações estatísticas entre variáveis binárias dependentes e entre variáveis independentes e o t de Student para variáveis não categóricas. Foi considerado o valor de a<0,05 como critério com signifi cado estatístico para todas as relações determinadas.

RESULTADOS

Obtiveram-se 665 questionários e foram validados 638. A amostra é caracterizada na Ta-bela 1 em relação a variáveis demográfi cas e de uso de internet.

Gráfico 1. Incidência de uso patológico e borderline de internet, segundo a classificação de Young.

Questionário de Young - Distribuição dos resultados

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Uso "saudável" de internet Uso bordeline de internet Uso patológico de internet

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10 Viveiro et al.OS ADOLESCENTES E A INTERNET:PADRÕES DE (AB)USO

Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014

Tabela 1. Dados demográficos e características gerais de utilização de internet, de acordo com o gênero (n=638).

Variáveis♀

n (%)

n (%)

Total

n (%)

Gênero

Feminino

Masculino

363 (57)

---

---

275 (43)

---

---

Idade

[12-15]

[15-18]

156

207

137

138

293 (46)

345 (54)

Escolaridade

3º ciclo

Secundário

202 (56)

161 (44)

174 (63)

101 (37)

376 (59)

262 (41)

Computador para uso pessoal

Sim

Não

271 (75)

92 (25)

191 (69)

84 (31)

462 (72)

176 (28)

Computador no quarto

Sim

Não

Não, mas tem portátil

127 (35)

62 (17)

174 (48)

115 (42)

53 (19)

107 (39)

242 (38)

115 (18)

281 (44)

Local de acesso à internet

Casa

Escola

Casa de amigo

Biblioteca

Outros

348 (96)

81 (22)

39 (11)

24 (7)

8 (2)

267 (97)

63 (23)

36 (13)

19 (7)

8 (3)

615 (96)

144 (23)

75 (12)

43 (7)

16 (3)

História utilização de internet

<6 meses

6meses – 1 ano

1ano – 2 anos

>2 anos

4 (1)

15 (4)

42 (12)

302 (83)

5 (2)

10 (4)

38 (14)

222 (81)

9 (1)

25 (4)

80 (13)

524 (82)

Frequência semanal de utilização

≤ 2x/semana

3-4x/semana

5-6x/semana

Todos os dias

49 (14)

70 (19)

69 (19)

175 (50)

33 (12)

43 (16)

45 (16)

154 (56)

82 (13)

113 (18)

114 (18)

329 (52)

Duração diária de utilização

<30 minutos

30minutos –1 hora

1–2 horas

>2 horas

38 (11)

117 (32)

125 (34)

81 (22)

30 (11)

77 (28)

80 (29)

90 (33)

68 (11)

194 (30)

205 (32)

171 (27)

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11Viveiro et al. OS ADOLESCENTES E A INTERNET:PADRÕES DE (AB)USO

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014Adolescência & Saúde

Verifi ca-se um predomínio do sexo femini-no (57%), sendo a média de idades dos inqui-ridos de 15 anos. Mais de metade dos partici-pantes frequentava o 3º ciclo de ensino (59%). Apenas dois adolescentes não possuíam com-putador no domicílio (0,05%), sendo a maioria dos inquiridos detentores de computador para uso pessoal (72%). Cerca de 38% dos inquiridos possuem computador no seu quarto e 44% têm computador portátil, pelo que o poderão usar livremente pela casa. Daqueles com computa-dor no domicílio, apenas 4% não dispunham de ligação à internet.

O local mais frequentemente referido para acesso à internet foi o domicílio (96%) e a esco-la (23%), sendo esta última referida sobretudo pelos alunos do ensino secundário (a<0,001). A

quase totalidade dos adolescentes inquiridos já contata a internet há mais de 1 ano (95%).

Relativamente à frequência de utilização, 20% dos participantes são UII, tendo-se encon-trado uma diferença estatisticamente signifi cati-va entre gêneros (a<0,05,♂>♀).

Quando questionados em que atividades on-line despendem mais tempo diariamente³ (1 hora/dia), as opções mais frequentemente pre-feridas foram: as redes sociais (48%), a troca instantânea de mensagens (42%) e a consulta de sites (22%). A consulta do correio eletrôni-co (14%) e as salas de conversação (7%) foram as menos referidas. Encontraram-se diferen-ças estatisticamente signifi cativas neste aspec-to: o gênero feminino despende mais tempo nas redes sociais (a<0,001,♀>♂) e na troca de

Variáveis♀

n (%)

n (%)

Total

n (%)

Atividades on-line

Troca instantânea de mensagens

Redes sociais

Correio eletrônico

Web sites

Salas de conversação

172 (47)

196 (54)

54 (15)

73 (20)

23 (6)

98 (36)

111 (40)

38 (14)

67 (24)

20 (7)

270 (42)

307 (48)

92 (14)

140 (22)

43 (7)

Tipo de sites visitados

Música

Entretenimento

Pesquisa escolar

Jogos

Desporto

Informação/Notícias

Notícias de famosos

Compras

Adultos

Saúde

319 (88)

231 (64)

224 (62)

125 (34)

44 (12)

70 (19)

86 (24)

68 (19)

6 (2)

25 (7)

205 (74)

69 (25)

109 (40)

185 (67)

157 (57)

88 (32)

12 (4)

26 (9)

58 (21)

3 (1)

524 (82)

400 (63)

333 (52)

310 (49)

201 (32)

158 (25)

98 (15)

94 (15)

64 (10)

28 (4)

Regras de utilização

Sim

Não

92 (25)

271 (75)

84 (30)

191 (69)

176 (28)

462 (72)

Tabela 1 (continuação)

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12 Viveiro et al.OS ADOLESCENTES E A INTERNET:PADRÕES DE (AB)USO

Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014

mensagens (a<0,05,♀>♂), enquanto os alunos do 3º ciclo de ensino despendem mais tempo na consulta do correio eletrônico (a<0,001, 3º ciclo>secundário), nas redes sociais (a<0,001, 3º ciclo>secundário) e na troca de mensagens (a<0,05, 3º ciclo>secundário).

Os sites mais frequentemente visitados fo-ram os de música (82%), entretenimento (63%), os relacionados com temáticas escolares (52%) e os jogos (49%). Os sites para adultos (10%) e aqueles que abordam temas de saúde (4%) foram os menos referidos pelos participantes. Foram encontradas diferenças estatisticamente signifi cativas neste aspecto, nomeadamente en-tre gêneros: as meninas visitam mais frequente-mente sites musicais (a<0,001), com temáticas escolares (a<0,001) e de compras (a<0,001); enquanto os rapazes preferem os jogos on-line (a<0,001), sites de informação (a<0,001) e para adultos (a<0,001). Mas também se constataram diferenças entre grau de escolaridade: os alunos do secundário referem visitar mais frequente-mente sites que abordem temas relacionados com trabalhos escolares (a<0,001), de informa-ção (a<0,001) e de saúde (a<0,001).

A existência de regras para utilização de in-ternet no domicílio foi referida por 28% dos par-ticipantes, sendo 81% destes alunos frequenta-dores do 3º ciclo de ensino (a<0,001). As regras mais frequentemente mencionadas foram: “Não podes falar com desconhecidos” (46%), “Tens um tempo limitado para o uso de internet” (45%) e “Não podes usar a internet durante as noites dos dias de semana” (31%).

Na Tabela 2 estão resumidas as princi-pais características de comunicação da rede na amostra em estudo.

A forma de comunicação mais frequente-mente utilizada é a escrita (93%), sendo usada “muitas vezes” para estabelecer contato com amigos próximos (57%) ou com outros adoles-centes da mesma idade com quem convivem raramente (14%), mas também com familiares próximos (11%). A comunicação com desconhe-cidos da mesma idade ou “mais velhos” é referi-da, independentemente da frequência com que

é estabelecida, por 32% e 19% dos inquiridos, respectivamente. Estes dados correspondem so-bretudo a alunos do 3º ciclo de ensino (60%), sendo a diferença estatisticamente signifi cativa entre gêneros, com os rapazes referindo-se mais frequentemente ao contato com desconhecidos (a<0,001). Relativamente à frequência com que se comunicam com desconhecidos, 7% referem fazê-lo “muitas vezes” ou de forma regular. En-tre estes, também os alunos do 3º ciclo de en-sino (67%) e os rapazes (63%), dizem o mesmo mais frequentemente, encontrando-se diferen-ças estatisticamente signifi cativas entre gêneros (a<0,001). O primeiro contato com desconheci-dos on-line é estabelecido geralmente através de amigos/colegas (38%), redes sociais (37%) ou de familiares (35%). Em 3% dos inquiridos, o primei-ro contato aconteceu em “salas de conversação”.

No que respeita à exposição on-line, a maioria dos adolescentes revela o seu nome (89%), a sua idade (67%) e publica fotos em redes sociais (63%). As diferenças entre gêneros são estatisticamente signifi cativas: as meninas mais frequentemente publicam fotos (a<0,05) e os rapazes revelam o nome, número de celular e endereço de correio eletrônico com maior fre-quência (a<0,05). Os alunos do ensino secun-dário mais frequentemente revelam o nome, idade, escola que frequentam e publicam fotos on-line (a<0,001).

A troca de identidade on-line é referida por 21% dos participantes, que o fazem como for-ma de diversão (69%). A troca de identidades é menos frequentemente usada porque o ado-lescente “gostava de ser outra pessoa” (8%) ou porque considera que, de outra forma, “não fa-lariam com ele/ela” (9%).

Cerca de 6% dos inquiridos já marcaram um encontro com alguém que conheceram on--line e 2% já o fi zeram várias vezes. Entre os par-ticipantes que afi rmam tê-lo feito, não se verifi -caram diferenças entre sexos, mas constatou-se que a maioria frequentava o ensino secundário (61%) (a<0,05).

Aplicando a EDIY determinou-se que oito inquiridos apresentavam um padrão de UPI

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13Viveiro et al. OS ADOLESCENTES E A INTERNET:PADRÕES DE (AB)USO

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014Adolescência & Saúde

Tabela 2. Características de comunicação on-line, de acordo com o gênero (n=638).

Variáveis♀

n (%)

n (%)

Total

n (%)

Forma de comunicação

Escrita

Áudio

Vídeo

346 (95)

20 (6)

53 (15)

249 (91)

36 (13)

37 (13)

595 (93)

56 (9)

90 (14)

Troca de identidade

Sim

Não

77 (21)

286 (79)

56 (20)

219 (80)

133 (21)

505 (79)

Dados pessoais revelados on-line

Nome

Morada

Idade

Escola

Número celular

Endereço de e-mail

Publicar foto em rede social

Enviar foto

332 (91)

8 (2)

228 (63)

149 (41)

5 (1)

113 (31)

258 (71)

11 (3)

233 (85)

8 (3)

172 (63)

104 (38)

17 (6)

121 (44)

168 (61)

15 (5)

565 (89)

16 (3)

400 (63)

253 (40)

22 (3)

234 (37)

426 (67)

26 (4)

Com quem comunicam on-line “muitas vezes”

Colegas/amigos com quem estão frequentemente

Colegas/amigos que veem raramente

Familiares com quem estão frequentemente

Familiares que veem raramente

Pessoas mais velhas que conhecem off-line

231 (64)

55 (15)

37 (10)

31 (9)

29 (8)

132 (48)

37 (13)

36 (13)

27 (10)

15 (5)

363 (57)

92 (14)

73 (11)

58 (9)

44 (7)

Comunicação com desconhecidos

Sim

Muitas vezes

Frequentemente

Algumas vezes

Poucas vezes

Não

102 (28)

8 (2)

9 (2)

19 (5)

66 (18)

261 (72)

104 (38)

18 (7)

11 (4)

22 (8)

53 (19)

171 (62)

206 (32)

26 (4)

20 (3)

41 (6)

119 (19)

432 (68)

Como conhece as pessoas com quem comunica

apenas on-line

Colega

Familiar

Rede social

Sala de conversação

155 (43)

65 (18)

128 (35)

5 (1)

89 (32)

48 (17)

108 (39)

11 (4)

244 (38)

113 (18)

236 (37)

16 (3)

Marcação de encontros com desconhecidos

Não, nem vou marcar

Não, mas penso fazê-lo

Não, mas recebi convites

Sim, uma vez

Sim, várias vezes

287 (79)

6 (2)

38 (10)

21 (6)

7 (2)

205 (75)

21 (8)

21 (8)

15 (5)

8 (3)

492 (77)

27 (4)

59 (9)

36 (6)

15 (2)

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14 Viveiro et al.OS ADOLESCENTES E A INTERNET:PADRÕES DE (AB)USO

Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014

Tabela 3. Comparação das características demográficas e de uso de internet entre usuários ditos “saudáveis” e utilizadores não saudáveis de internet.

Uso “saudável”

n = 513 (%)

UNSI*

n = 125 (%)

296 (58)

217 (42)

Ensino

3º ciclo

Secundário

78 (62)

47 (38)

305 (59)

206 (41)

Sexo

58 (46)

67 (54)

372 (72)

141( 28)

Computador – uso próprio

Sim

Não

89 (71)

36 (29)

420 (82)

93(18)

Computador

No quarto ou portátil

Sem computador no quarto

101 (81)

24 (19)

95 (19)

414 (81)

História de uso da internet

<2A

> 2A

15 (12)

109 (88)

431 (84)

82 (16)

Tempo utilização/semana

<15 h

≥ 15 h

75 (60)

50 (40)

490 (96)

118 (23)

57 (11)

37 (7)

Locais de acesso

Casa

Escola

Casa de amigos

Biblioteca

124 (99)

26 (21)

18 (14)

6 (5)

137 (27)

376 (73)

Regras de utilização

Sim

Não

39 (31)

86 (69)

22 (4)

204 (40)

65 (13)

226 (44)

Atividades preferidas on-line

Sala de conversação

Troca de mensagens

E-mail

Redes sociais

21 (17)

69 (55)

28 (23)

83 (67)

(1,2%), sendo majoritariamente meninas (75%) e alunos do 3º ciclo de ensino (88%). Cerca de 18% dos participantes apresentam um padrão de UBI, sendo sobretudo rapazes e alunos do 3º ciclo de ensino. Considera-se, então, que 19,2% apresentam um UNSI.

A Tabela 3 apresenta as características de utilização dos participantes com “uso saudável”

e com UNSI. Verifi caram-se diferenças estatisti-camente signifi cativas entre gêneros (a<0,001), tempo de utilização semanal (a<0,001), troca de identidade (a<0,001), marcação de encontros com desconhecidos (a<0,001), grau de exposi-ção on-line, nomeadamente na revelação da ida-de (a<0,05), morada (a<0,001), escola que fre-quenta (a<0,05) e número de celular (a<0,001).

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Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014Adolescência & Saúde

DISCUSSÃO

Os adolescentes portugueses da amostra em estudo parecem acompanhar a tendência mundial de crescente familiarização com as no-vas tecnologias. Assim, verifi cou-se que a esma-gadora maioria dos inquiridos já possui compu-tador no domicílio com ligação à internet. De fato, a totalidade dos participantes refere já ter contato com esta tecnologia, a maioria com história de mais de um ano de utilização. Isto poderá ser explicado pelos programas estatais desenvolvidos nos últimos anos, incentivando a aquisição de computadores portáteis com aces-so à internet pelos alunos, com preços ajustados aos rendimentos familiares10.

Sendo o domicílio o local de acesso privi-legiado à internet, constatou-se, na maioria dos inquiridos, a inexistência de regras de utilização, o que poderá justifi car-se pelo desconhecimen-to dos pais dos riscos inerentes ao seu uso, mas

também pela sensação de falsa segurança cau-sada pelo fato de seus fi lhos estarem em casa e, aparentemente protegidos dos perigos do “mundo exterior”.

Esta ausência de mediação parental deve ser encarada com preocupação, embora seja difícil determinar o seu papel real na redução dos riscos a que se expõem as crianças e ado-lescentes na internet11. De acordo com alguns estudos, as crianças cujos pais monitorizam as suas atividades on-line são menos susceptíveis a revelar informações pessoais, a procurar sites inapropriados e a estabelecer conversas com es-tranhos12. De fato, segundo os dados do estudo europeu EU Kids Online, que reuniu crianças e adolescentes com idades entre os 9 e os 16 anos dos vários países integrantes da União Europeia, os inquiridos portugueses fi guram entre os que mais desejam que seus pais mostrem interesse pelas suas atividades.

Uso “saudável”

n = 513 (%)

UNSI*

n = 125 (%)

95 (19)

418 (81)

Troca de identidade

Sim

Não

36 (29)

86 (71)

466 (91)

314 (61)

9 (2)

196 (38)

12 (2)

183 (36)

353 (69)

15 (3)

Dados pessoais revelados on-line

Nome

Idade

Morada

Escola

Nº celular/telefone

E-mail

Publicar foto

Enviar foto

113 (90)

95 (76)

7 (6)

63 (50)

10 (8)

54 (44)

84 (67)

11 (9)

135 (26)

378 (74)

Falar com desconhecidos

Sim

Não

74 (60)

51 (40)

234 (46)

286 (56)

40 (8)

Sites visitados

Jogos

Pesquisa/trabalhos

Adultos

73(59)

46 (37)

24 (19)Abreviaturas: *UNSI – Uso não salutar de internet

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Tabela 3 (continuação)

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Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014

Neste estudo, 51% dos adolescentes utili-zam a internet diariamente, e destes, 73% por um período superior a 1 hora diária, o que faz do computador uma parte importante do quo-tidiano dos inquiridos. Comparativamente com o estudo de Bélanger, verifi cou-se um valor ele-vado de UII entre os participantes da amostra6. Contudo, mantêm-se as tendências descritas em vários estudos: o gênero masculino apresen-ta valores mais elevados de UII, assim como os adolescentes mais novos (3º ciclo de ensino)3,6.

A internet é considerada como local pri-mordial de socialização e entretenimento para os adolescentes13,14. Os participantes da amos-tra usam preferentemente as redes sociais e a troca de mensagens eletrônicas. Cerca de me-tade dos participantes refere utilizar a internet para jogar, valor inferior ao encontrado em ou-tros estudos13,15.

Apesar dos sites mais frequentemente visi-tados estarem relacionados com atividades de lazer (sites de música e entretenimento), mais de metade dos inquiridos informa que utiliza a internet para realização de pesquisa para tarefas escolares, confi rmando o papel desta tecnologia no contexto educativo.

Verifi cou-se também que a internet é ainda pouco utilizada como fonte de informação com relação a temas de saúde, comparativamente com o estudo Generation Rx de 2001, em que, analisando apenas os adolescentes entre os 15-17 anos que pertenciam a essa amostra, 68% afi r-mavam já ter usado alguma vez a internet para esse fi m16. Essa diferença pode ser explicada, em parte, pelo fato da nossa amostra apresentar uma média de idades mais baixa do que a do estudo em questão, mas tal fato não explicará tão gran-de diferença percentual entre os dois estudos.

Os adolescentes da amostra usam a inter-net para comunicação frequente com os cole-gas e amigos, aproveitando este recurso para reforçar as relações que já mantêm off-line. Por outro lado, a facilidade da comunicação através da rede poderá condicionar os adolescentes a preferir esta forma de contato em detrimento da relação “cara a cara”.

A comunicação com desconhecidos off-line foi referida por quase um terço dos inquiridos, sendo mais frequente no 3º ciclo e no sexo mas-culino. O fato de serem os adolescentes “mais novos” a terem mais contato com desconhe-cidos contraria a tendência demonstrada no estudo Eu Kids Online, levantando importantes preocupações em termos de segurança, nomea-damente o risco de exposição a predadores, pois trata-se de uma faixa etária mais susceptível13. Comparativamente ao mesmo estudo, a fre-quência deste tipo de comunicação na amostra é superior (32% versus 25%), mesmo excluindo os inquiridos com idade superior a 16 anos14.

Cinquenta e um inquiridos referiram já te-rem marcado encontros com alguém que ha-viam conhecido on-line, o que revela que ape-nas um valor residual de relações on-line transita para o universo off-line, o que está de acordo com a literatura17. Contudo, este valor é preocu-pante, pois 2% dos adolescentes referem ter já marcado diversos encontros off-line.

Relativamente à exposição on-line, verifi -cou-se que os inquiridos divulgam grande quan-tidade de informação pessoal na rede. Cada nove em dez inquiridos revela o seu nome on--line e cerca de dois terços revelam a idade. A colocação de fotos on-line é também muito fre-quente, justifi cada pela massifi cação das câma-ras digitais e os celulares com câmara fotográfi -ca. A adoção destes comportamentos de risco é frequente entre adolescentes “mais velhos” e, no caso da divulgação de fotografi as na rede, são as meninas as mais fãs desta atividade, tal como é descrito na literatura18.

Achados na literatura têm apontado no sen-tido da internet constituir para os adolescentes um palco para a experimentação da sua identida-de14. Os adolescentes parecem apresentar grande fl exibilidade em assumir novas identidades em múltiplos contextos sociais e psicológicos, sendo diversas as motivações por detrás destas represen-tações14. Neste estudo atual, a troca de identida-des foi referida majoritariamente como forma de diversão, ocorrendo numa percentagem baixa de inquiridos comparativamente com a literatura14.

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Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 7-18, abr/jun 2014Adolescência & Saúde

Aplicando a EDIY, determinou-se uma in-cidência de UPI de 1,2%, semelhante à encon-trada no estudo grego3, e inferior à de outros estudos19,20. A percentagem de meninas com UPI foi superior à de rapazes, o que contraria o encontrado na literatura3,19,20. Contudo, entre os inquiridos com UBI, existe um predomínio do gênero masculino.

Em nosso estudo, apurou-se uma propor-ção signifi cativa de UBI, o que incita à adoção urgente de medidas de prevenção, para evitar futuros padrões de uso abusivo. Este valor de UBI pode ser explicado pelo elevado nível de pe-netração desta tecnologia na população portu-guesa, pela ausência de regras em seu uso, mas também pode ser ocasionado por outros fatores culturais, sociais e psicológicos.

Assim, apresenta-se o perfi l do participante com UNSI: rapaz, 3º ciclo de ensino, detentor de computador pessoal em seu quarto ou portátil, usuário de internet há mais de 2 anos, com um tempo médio de 15 horas de uso semanal³, o qual acede à internet geralmente do domicílio, onde nega existirem regras de utilização. Usa a internet geralmente para socialização (redes so-

ciais e troca de mensagens) e de entretenimento (jogos on-line, sites de adultos), revela informa-ções pessoais na rede e refere estabelecer conta-to com desconhecidos.

Nos inquiridos com UNSI, são identifi cá-veis diversos fatores (ausência de regras, local de acesso à internet, tempo despendido on--line, partilha de informação pessoal e contato com desconhecidos) que podem ser o ponto de partida para o estabelecimento de programas de prevenção de comportamentos de risco em termos de segurança dos adolescentes usuários desta tecnologia, mas também como forma de exclusão de futuros padrões de uso patológico.

CONCLUSÕES

Neste estudo verifi caram-se comporta-mentos de risco e padrões alarmantes do uso de internet. Determinou-se uma percentagem reduzida de utilização abusiva de internet com-parativamente com outros países, mas apurou--se uma proporção signifi cativa de uso borderli-ne, o que incita à adoção premente de medidas de prevenção.

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