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Cadernos da FACECA, Campinas, v. 14, n. 1, p. 83-89, jan./jun. 2005 (1) Doutor pelo IE/UNICAMP. Professor titular do Centro de Economia e Administração da PUC-Campinas. OS ALICERCES DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL INGLESA E DA CONSTRUÇÃO DA PAX BRITANNICA: ESBOÇO DE UM QUADRO SINÓPTICO THE GROUNDS OFTHE BRITISH INDUSTRIALREVOLUTIONAND THE CONSTRUCTION OF THE PAX BRITANNICA: DRAFTINGASYNOPTIC PICTURE Fernão Pompêo de CAMARGO NETO 1 RESUMO Este ensaio tem por objetivo listar um conjunto de circunstâncias que contribuíram para fazer da Inglaterra o núcleo central do processo de industrialização original, o que a levou a conquistar as condições necessárias à aquisição do status de potência hegemônica durante o século XIX. Palavras-chave: Revolução Industrial, Mudanças na Estrutura Fundiária, Êxodo Rural, Supremacia Naval, Hegemonia Política. ABSTRACT This essay has the purpose of listing a set of circumstances that contributed to making England the center of original industrialization process, what mad it achieve the necessary conditions to acquire the status of hegemonical power in the 19 th century. Key words: Industrial Revolution, Changes in the Agrarian Structure, Rural Exodus, Naval Supremacy, Political Hegemony. 1. INTRODUÇÃO O objetivo deste ensaio é procurar listar algumas das circunstâncias históricas e certos eventos significativos que foram importantes no processo através do qual a Inglaterra veio a se tornar a sede da industrialização original, criando as bases necessárias para vir a conquistar a condição de potência hegemônica durante o século XIX. O texto foi desenvolvido sob a forma de um quadro sinóptico, em que os tópicos listados,

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Este ensaio tem por objetivo listar um conjunto de circunstâncias quecontribuíram para fazer da Inglaterra o núcleo central do processo deindustrialização original, o que a levou a conquistar as condições necessáriasà aquisição do status de potência hegemônica durante o século XIX.

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(1) Doutor pelo IE/UNICAMP. Professor titular do Centro de Economia e Administração da PUC-Campinas.

OS ALICERCES DA REVOLUÇÃO INDUSTRIALINGLESA E DA CONSTRUÇÃO DA PAX BRITANNICA:

ESBOÇO DE UM QUADRO SINÓPTICO

THE GROUNDS OF THE BRITISH INDUSTRIAL REVOLUTION AND THECONSTRUCTION OF THE PAX BRITANNICA: DRAFTING A SYNOPTIC PICTURE

Fernão Pompêo de CAMARGO NETO1

RESUMO

Este ensaio tem por objetivo listar um conjunto de circunstâncias quecontribuíram para fazer da Inglaterra o núcleo central do processo deindustrialização original, o que a levou a conquistar as condições necessáriasà aquisição do status de potência hegemônica durante o século XIX.

Palavras-chave: Revolução Industrial, Mudanças na Estrutura Fundiária,Êxodo Rural, Supremacia Naval, Hegemonia Política.

ABSTRACT

This essay has the purpose of listing a set of circumstances that contributed tomaking England the center of original industrialization process, what mad itachieve the necessary conditions to acquire the status of hegemonical powerin the 19th century.

Key words: Industrial Revolution, Changes in the Agrarian Structure, RuralExodus, Naval Supremacy, Political Hegemony.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste ensaio é procurar listaralgumas das circunstâncias históricas e certoseventos significativos que foram importantes noprocesso através do qual a Inglaterra veio a se

tornar a sede da industrialização original, criandoas bases necessárias para vir a conquistar acondição de potência hegemônica durante oséculo XIX.

O texto foi desenvolvido sob a forma de umquadro sinóptico, em que os tópicos listados,

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sempre que possível, procuram respeitar umaseqüência cronológica, e foi feito para servir deaide-mémoire para quem pretenda ter um roteiroque o conduza a assimilar de forma mais amplao tema em epígrafe.

2. A RADICAL RUPTURA DA ORDEMPOLÍTICA E SOCIAL MEDIEVAL

A partir do século XIV, uma série deacontecimentos contribuiu para uma profundatransformação das condições políticas e sociaisreinantes na Inglaterra durante a Idade Média.Entre os eventos determinantes das mudançasocorridas, podemos apontar:

a) a submissão ao rei por parte da nobrezafeudal inglesa, que havia sido militarmentederrotada pela francesa na Guerra dos Cem Anos(1337-1451) e, logo após, sofreu inúmeras perdase se enfraqueceu politicamente durante a Guerradas Duas Rosas (1450-1485);

b) o rompimento dos laços feudais a queestavam submetidos os camponeses,especialmente após a derrota de 1381, passando,então, a ser predominante, nos campos ingleses,a classe dos camponeses livres, dedicados àpequena produção independente;

c) o enfraquecimento do clero – um dospilares em que se apoiava a ordem feudal – pelaReforma promovida por Henrique VIII, sendo osseus bens imóveis (entre outros, cerca de 800mosteiros) desapropriados pelo rei;

d) o fim da interferência de Roma nosnegócios internos ingleses, determinado atravésda criação da Igreja Anglicana, da qual o rei erao chefe supremo;

e) a centralização política e administrativae a afirmação da nacionalidade, que confirmarame reforçaram os poderes reais;

f) a crescente influência, junto ao rei, novácuo aberto pelo nobreza e pelo clero, daburguesia mercantil, cada vez mais interessadano comércio exterior; e

g) a substancial alteração do perfil dosproprietários de terras na Inglaterra, decorrentedo fato de que, à medida que o Estado, movidopelas dificuldades financeiras que enfrentava,vendia as terras de domínio público e as quehaviam sido por ele expropriadas da Igreja àburguesia comercial e usurária, esta, em paralelo,também adquiria terras da antiga nobrezaarruinada ou perdulária, fato este que possibilitouo fortalecimento, entre os terratenentes, da gentry,de origem nobre ou burguesa, ao mesmo tempoque o poder que detinham os membros da antiganobreza se tornava relativamente cada vez maisdébil.

3. A TRANSFORMAÇÃO DA ESTRUTURAFUNDIÁRIA

Com o progressivo processo detransformação da terra em mercadoria e o avanço,no campo, da mercantilização da produção,estimulou-se na Inglaterra o investimento emterras que pudessem ser aproveitadas para oatendimento da crescente demanda pormercadorias apresentada pelos mercados emexpansão. Neste contexto, os institutos dosopen fields e dos common fields apareciamcomo ranços feudais a bloquear as possibilidadesde desenvolvimento da grande produção emmoldes capitalistas. Para que pudessem serimplantadas mudanças na forma de organizaçãoprodutiva rural, o primeiro requisito seria apropriedade privada de glebas de terras contínuascada vez mais amplas.

As transformações prévias requeridas paraque isto pudesse vir a se viabilizar puderam serefetivadas através de movimentos intestinos daprópria sociedade rural, por meio do cercamentodas áreas comunitárias – que se processaram,impulsionados pela crescente demanda de lã, jáa partir da segunda metade do século XV, atravésda aquisição de terras de camponesesempobrecidos e pela ruptura dos contratos dearrendamentos feudais existentes naspropriedades da nobreza tradicional e da gentry,bem como pela perspectiva de, através de novos

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contratos assinados com produtores mercantis,poder vir a ser obtida uma mais expressiva rendada terra.

4. O ALICIAMENTO DE MÃO-DE-OBRARURAL PARA PRODUZIR EM REGIME DEPUTTING-OUT E NA PRODUÇÃOMANUFATUREIRA URBANA.

Para contornar os entraves ao avanço damercantilização da produção, surgidos daorganização do artesanato urbano em regimecorporativo, os comerciantes não tardaram acompreender que havia no campo um imensoreservatório de mão-de-obra barata, organizando,já a partir de meados do século XV, essa força detrabalho latente para produzir no sistema deputting-out. Neste sistema produtivo, o mercadorsubmetia os camponeses, aos quais forneciainstrumentos de trabalho e matérias-primas, àentrega periódica de lotes regulares de produtos,ficando assim livre das restrições corporativas. Oputting-out veio, dessa forma, permitir que odetentor do capital subordinasse formalmente aseus interesses os produtores independentes,podendo obter ganhos de produtividade por meiode uma adequada divisão técnica do trabalho epela crescente especialização dos produtores.Ademais, podiam os camponeses desenvolver,paralelamente às suas atividades artesanais,atividades agrícolas que contribuíam para aredução do custo de reprodução da sua própriaforça de trabalho.

Isto contribuiu para que pudesse serconstatada na Inglaterra, mormente no setortêxtil, uma tendência à produção maciça deartigos muito baratos, adequada às condiçõesque se delineavam, já no século XVI, de ummercado de consumo de massas. Eram criadas,desse modo, as condições para que, na Inglaterra,mais do que em qualquer outra nação da época,o campo, através do rompimento dos bolsões deeconomia de subsistência, se vissecrescentemente integrado às redes do circuitocomercial.

Por outro lado, com o constante afluxo àscidades de levas proletarizadas de camponesesexpropriados pelos cercamentos, foram criadasas condições para que alguns mestres de ofício,contrariando as normas corporativas, adqui-rissem, pela contratação de trabalhadoresassalariados, o status de produtores manufa-tureiros.

5. A AMPLIAÇÃO DA REDE DE CIRCUITOSCOMERCIAIS

No século XVI, o rei, impulsionado pelosinteresses da burguesia mercantil inglesa, expulsade seus domínios os mercadores estrangeiros eautoriza a criação de companhias de comércioque passaram a disputar, com a Liga Hanseáticae com comerciantes holandeses, as rotascomerciais do Mar do Norte e do Báltico. Outrascompanhias passaram, a partir de meados doséculo, a explorar o comércio com a Rússia, comVeneza e com o Levante. Entretanto, somenteem 1600 foi autorizada a criação da Companhiadas Índias Orientais, a primeira – e a maior detodas – companhia de comércio destinada àexploração colonial.

Lança-se, assim, a Inglaterra, como latecomer, na acirrada disputa, com as demaispotências da época, pelo domínio dos mercadose circuitos comerciais coloniais.

A exploração do comércio colonial e deseu mais rico filão – o tráfico de escravos africa-nos – representou um momento essencial para odesenvolvimento do Capitalismo. Coube àscolônias então estabelecidas um duplo papel nadinâmica do Antigo Sistema Colonial: o deprodutoras de gêneros tropicais que eram vendidosaos comerciantes metropolitanos e, em paralelo,o de mercado comprador das mercadorias queabasteciam os mercados internos das colônias,fornecidas pelos mercadores metropolitanos.

Beneficiou-se bastante a Inglaterra, noseu comércio junto aos mercados coloniais, da

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robusta base produtiva mercantil de que dispunhano campo – bastante anterior à sua inserção noscircuitos comerciais coloniais –, produtora emmassa de artigos de baixo custo que eramamplamente aceitos naqueles mercados.

6. A CONQUISTA DA SUPREMACIA NAVAL

Ao destruir, no final do século XVI, a“Invencível Armada” de Felipe II, no Mar da Manchae, posteriormente, ao derrotar a Holanda, noperíodo entre 1652 e 1674, em guerras provocadaspor disputas comerciais, que se tornaramfreqüentes a partir dos Atos de Navegação de1651, a Inglaterra passa a ser a “Rainha dosMares”, conquistando, de modo inquestionável,a supremacia naval, fato este que contribuiubastante para que ela ampliasse os seushorizontes como potência colonial.

7. OS MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS EO ESTABELECIMENTO DA DEMOCRACIAREPRESENTATIVA INGLESA

Os movimentos revolucionários do período1640-1688, que implicaram uma luta políticaentre a Coroa e o Parlamento – em quepredominava a gentry, que representava osinteresses burgueses –, culminaram na chamada“Revolução Gloriosa”, em 1688, que depôs o rei,constituindo-se no marco da definitiva ascensãoda burguesia comercial ao poder.

O novo rei, chamado pelo Parlamentopara ocupar o trono, cria condições, ao abdicarde muitas de suas prerrogativas, para oestabelecimento da democracia representativainglesa. Passou o Parlamento, em conseqüênciadessa vitória burguesa, a controlar o comércio,as finanças, a justiça e o exército. Prevaleciam,dessa forma, os interesses burguesesrelativamente aos do Estado, e uma série demedidas de profundo alcance foi tomada pelo

Parlamento, trazendo, como resultado, um maiorenfraquecimento da alta nobreza, o abandonodas leis regulamentadoras das corporaçõesartesanais e das leis anti cercamentos, bemcomo a progressiva liquidação dos monopóliosda produção e do comércio.

8. A REVOLUÇÃO AGRÍCOLA

A chamada Revolução Agrícola foi em boaparte viabilizada pelos cercamentos, que, aopermitirem a formação de grandes áreas deterras contínuas, criaram as condições requeridaspara que uma série de melhoramentos se tornassepossível: eliminação de áreas não aproveitadas,rotação de culturas, aperfeiçoamento do sistemade drenagem, aplicação de fertilizantes –especialmente o guano e o salitre do Chile, cujacomercialização era monopólio dos ingleses – e,de forma geral, a aplicação de outros métodosintensivos de produção.

O aumento da produtividade que disto vaidecorrer proporciona à produção agrícolacondições de atendimento à progressiva demandapor matérias-primas e alimentos que se faz sentirda parte do capital industrial e, de outro lado, vaiconduzir à proletarização os produtores diretosque expulsa dos campos, bem como, em paralelo,vai procurar aproveitar os encadeamentosprodutivos decorrentes do imenso potencialapresentado pelo setor agrícola no que se refereà absorção da produção das indústrias nascentes.

9. A PERDA DO PODERIO DE QUEDESFRUTAVAM OS FRANCESES

Ao ser derrotada na Guerra dos SeteAnos (1756-1763), a França se viu desfalcada degrande parte do império colonial que haviaconstruído nos dois séculos anteriores, deixandode representar uma ameaça imediata àsupremacia naval e comercial inglesa.

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10. LIBERALIZAÇÃO DAS ATIVIDADESINTERNAS, PROTEÇÃO DA PRODUÇÃONACIONAL E IMPOSIÇÃO DO LIVRE-CAM-BISMO

O Estado inglês assumia,progressivamente, no âmbito interno, posturaspolíticas direcionadas à redução, ou mesmo àextinção, de privilégios, de forma a poder reduzirao mínimo possível a sua interferência nacondução dos negócios, entregando-os às forçasde mercado (oferta e procura), incentivando aconcorrência e adotando, enfim, políticas decunho claramente liberal.

No que tange às relações comerciais como exterior, a postura assumida pelo governoinglês é evidentemente protecionista dosinteresses mercantis britânicos contra os dosconcorrentes estrangeiros. As tarifasalfandegárias deixaram de ser meros instrumentosde arrecadação de tributos, passando a exercer,concomitantemente, o papel de meios de proteçãoà produção manufatureira e agrícola nacional,enquanto a tributação à exportação era reduzidaou eliminada.

Buscava, como se pôde ver, a Inglaterra,por todos os meios ao seu alcance, assegurarprivilégios comerciais e a conservação e expansãodo seu império colonial. Paralelamente,preocupava-se em proporcionar, às suasatividades produtivas e comerciais internas,tranqüilidade para produzir, evitando, para tornaristo viável, a eclosão de confrontos com osdemais países europeus, procurando, sempreque possível, assumir posturas conservadorasna Europa, ao mesmo tempo que se mostravaviolenta e liberal nos mares.

Colocava-se a Inglaterra, ao agir destamaneira, na posição de um maestro ao qualcabia reger concomitantemente duas frentesmusicais distintas: ribombares de canhões, gritosde medo e de desespero, a fuzilaria dosmosquetes; esta era a música do front externo.

Enquanto isso, na frente interna a música eraoutra, ritmada pelo compasso das máquinas emfuncionamento, que impunham o seu ritmo aostrabalhadores – que agora dançavam conforme amúsica por elas tocada –, pelo chacoalhar dosteares em produção, pelo chiar das caldeiras nasindústrias, ouvindo-se, ainda, em surdina, osgemidos e o choro abafado de uma multidãomiserável de proletários, submetidos a limitesquase inimagináveis de exploração.

11. LONDRES PASSA A SER O NOVOCENTRO FINANCEIRO DO MUNDO

A coerente administração da dívida públicae o poderio crescente do Estado inglêsestimulavam aplicações em títulos do governo,mesmo diante das sensíveis baixas das taxas dejuros por este pagas, havendo, inclusive, umaforte atração de capitais estrangeiros. Comoórgão de apoio à administração da dívida foicriado o Banco da Inglaterra, que concediacréditos ao Governo e era o único banco emissorde moeda escritural na região de Londres, alémde exercer controle sobre os bancos provinciais.

O Banco da Inglaterra exerceu umimportante papel no sentido de liberar as atividadescapitalistas das altas taxas de juros que eramimpostas pelo capital usurário e, também, no quetoca à garantia da estabilidade do funcionamentodo sistema de crédito criado no século XVIII. Há,ao longo desse século, uma tendência àtransferência da hegemonia financeirainternacional de Amsterdã para Londres, o quese consubstancia através do enorme afluxo deouro brasileiro, que foi usado por Portugal,durante a vigência do Tratado de Methuen, paraa cobertura de seus déficits comerciais com aInglaterra. Londres veio, com isto, a se tornar onovo centro financeiro da Europa, acumulandoreservas metálicas que foram bastanteimportantes para que pudesse a Inglaterrasustentar, mais para a frente, as GuerrasNapoleônicas.

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12. A INGLATERRA REÚNE TODAS ASPRECONDIÇÕES NECESSÁRIAS ÀINDUSTRIALIZAÇÃO

No último quartel do século XVIII,apresentava a Inglaterra, tanto na cidade quantono campo, as precondições para se industrializar:uma considerável quantidade de proletários àdisposição para ser contratados para o trabalhonas indústrias nascentes, capital sob a forma dedinheiro previamente acumulado pronto para serconvertido em capital industrial e a existência demercados a serem abastecidos. Além disso, autilização do vapor como força motriz abre novasperspectivas para a produção industrial em largaescala e para o barateamento e maior rapidez dotransporte de mercadorias e de passageiros(locomotiva e barco a vapor), que seriam inima-gináveis com as fontes até então disponíveis deenergia (mecânica, hidráulica, eólica...).

O primeiro ramo de produção que seorganizou como grande indústria foi o têxtil, queencontrou, em virtude do elevado grau demercantilização da economia inglesa, grandesmercados, interna e externamente. Para que aprodução têxtil pudesse se expandir eram reque-ridas condições de produção e de reprodução,numa escala significativa, dos equipamentosnela empregados. Isto se tornou possível graçasà existência, no setor manufatureiro, de umrazoável número de trabalhadores com a aptidãorequerida para a construção de máquinas. Criava-se, dessa forma, a condição básica para se ter,claramente diferenciado, um departamentoprodutor de meios de produção, o que vem atornar possível a automatização do progressotécnico e a contribuir para a autodeterminação docapital.

Existiam, então, conjugadas, as condi-ções requeridas para que se processasse aRevolução Industrial. Entretanto, por revoluçãodeve-se entender a transformação da organização,tanto quanto a dos meios de produção. A

organização da produção subentende a necessi-dade de se concentrar grandes grupos detrabalhadores em determinados locais – asfábricas –, onde cada trabalhador deve cumprirsua tarefa, sob supervisão e de forma disciplinada.E mais, diferentemente do que ocorre namanufatura, na qual a submissão do trabalhadorao capital é meramente formal, na indústria asubmissão é real, o que faz do trabalhador umsimples apêndice da máquina.

13. A CONSOLIDAÇÃO DA “PAXBRITANNICA”

Derrotado Napoleão, em 1815, eneutralizada a influência francesa na Europaatravés da ação da Quádrupla Aliança, ganha aInglaterra condições para conquistar a hegemoniapolítica, comercial, financeira e naval ao longo dorestante do século XIX, forjando um novo sistemaeconômico internacional assentado no livrecomércio, bem como na especialização e nadivisão social do trabalho, que passa a funcionardentro da nova ordem estabelecida e garantidapela vigência da “Pax Britannica”.

14. CONCLUSÃO

Como pôde ser visto, ao longo desteensaio, a preocupação central nele apresentadaé a elaboração de um roteiro, sob a forma de umquadro sinóptico, no qual se procura, dentro dopossível, seguir uma certa seqüência cronológica,e no qual não há qualquer pretensão de seesgotar o assunto, reunindo um conjunto decircunstâncias e de eventos que devem serlembrados para se poder pensar as condiçõeshistóricas que fizeram da Inglaterra, no séculoXIX, concomitantemente, a sede da industria-lização originária e a potência detentora dahegemonia no que se refere à política, ao comércio,às finanças e à capacidade bélica.

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