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Os Coletivos Urbanos da cidade de São Paulo: ações e reações The Urban Collectives of the city of São Paulo: actions and reactions Paula Hori, mestranda da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, [email protected]

Os Coletivos Urbanos da cidade de São Paulo: ações e reaçõesanpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII... · O coletivo BijaRi, por exemplo, formado em 2001 por arquitetos,

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OsColetivosUrbanosdacidadedeSãoPaulo:açõesereações

TheUrbanCollectivesofthecityofSãoPaulo:actionsandreactions

PaulaHori,mestrandadaFaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUniversidadedeSãoPaulo,[email protected]

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SESSÃO TEMÁTICA 6: ESPAÇO, IDENTIDADE E PRÁTICAS SÓCIO-CULTURAIS

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

Resumo

EsteartigopropõediscutiraatuaçãodoscoletivosurbanosnosespaçospúblicosdacidadedeSãoPaulo,suarelaçãocomopoderpúblicomunicipal,comosetorprivadoecomomercadoimobiliário.Comoestudodecaso,foiexpostaahistóriaealutadocoletivourbanoOcupeeAbracequeatuanaPraçadaNascentenobairrodaVilaPompeia,nacidadedeSãoPaulo.

PalavrasChave:espaçopúblico;apropriação;coletivosurbanos;OcupeeAbrace.

Abstract

ThisarticleaimstodiscusstheinterventionsofurbancollectivesinpublicspacesinthecityofSãoPaulo,theirrelationswithlocalgovernment,privatesectorandrealstatemarket.Asacasestudyitwaspresentthehistoryandstruggleoftheurbancollectivenamed“OcupeeAbrace”whichisengagedintheimprovementoftheNascenteSquare(“PraçadaNascente”)intheneighborhoodofVilaPompeiainthecityofSãoPaulo.

Keywords:publicspace;appropriation;urbancollectives;OcupeeAbrace.

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INTRODUÇÃO

uitosdosespaçospúblicosdasmetrópolesbrasileirasnão forampensados compapelestruturador do desenho da cidade. Configurados como áreas residuais entre asedificações ou como resquícios do traçado do sistema viário, esses espaços se

encontramabandonadosedeteriorados,servindoapenascomolocaisdepassagem.Diantedessacondição,elesacabamatraindotiposdeusuáriosquetiramproveitodoseuabandonoedafaltade vigilância para praticar atividades clandestinas. Esse movimento de abandono dos espaçospúblicospelasclassesmédiaealtaseintensificouentreosanos1980e1990,atraindoointeressedomercadoeestimulandoa imposiçãodeumurbanismopautadonocapital,naqualshoppingscenters, condomínios fechados e empreendimentos imobiliários de luxo prevaleceram sobre osespaços públicos e de caráter coletivo. Esquecidos entre os arranha-céus, os espaços públicosperdemsuapotencialidadedetroca,interação,diversidadeeconvívioeacabamvirandolocaisdemedodentrodacidade,dandolugarparaenclavesfortificados(CALDEIRA,2011).

Aspolíticaspúblicas,muitasvezesinfluenciadaspelomercadoimobiliário,passaramaconcentrarseusinvestimentosemáreasondepredominamosinteressesdeapenasumsetorprivilegiadodasociedade e afastaramos recursos damanutençãodos espaços públicos. Sem levar em conta acomplexidade urbana, administradores públicos, arquitetos, urbanistas e promotores de venda,criaram uma cidade voltada para consumidores, onde se prioriza o veículo em detrimento dospedestrese condomínios fechadosao invésdeespaçospúblicos. Essemododepensara cidadegerou umprocesso desigual de urbanização, caracterizado por contradições urbanas, levando aumdesgastedanoçãodeespaçopúblico.

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Éprecisoresgataraessênciae funçãoprimordialdoespaçopúblicocomolocaldetrocaecomocenário da diversidade e da democracia. Para isso, se faz necessário valorizar essas áreasadequando-asàsnecessidadesdosusuáriosatravésdaparticipaçãoativadas comunidadesparaque esses espaços se tornem, de fato, favoráveis à felicidade. A cidade, elemento central deestruturação da sociedade contemporânea, é uma obra dos cidadãos que têm o direito aotrabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida (LEFEBVRE, 2010). Étambém a expressão máxima da construção social do espaço e centro das possibilidades detransformação social. Ela deve ser pensada comouma totalidade coletivamente produzida paraque possa ser coletivamente apropriada e democraticamente administrada por aqueles que areproduzem(HARVEY,1980).Abuscaporumacidademaisjustaestápautadanalutapelodireitoà cidade, pelo direito de participar ativamente das discussões sobre o destino da cidade e dasrelaçõessociaisquenelaocorre(HARVEY,2014).

A partir do conceito dedireito à cidade e em resposta às contradições geradas pelo urbanismoimposto pelo capital, começam a surgir nos anos 2000 movimentos sociais que incentivam aocupação dos espaços públicos ao invés dos espaços fechados. Os chamados coletivos urbanosvieramparaquestionarascondiçõesemqueseencontramessasáreasatravésdemanifestaçõeseapropriaçõesdecaráterartístico,políticoeurbanístico.Todosseunememtornodomesmoidealde gerar discussão sobre a prática de construir a cidade através de apropriações e açõesimprevisíveis. Chamam a atenção dos cidadãos e atraem olhares aos espaços públicos ociosos,esquecidos pelo poder público e pela sociedade, para ressaltar o ideal de lazer, cultura econvivênciaemmeioaoambienteurbano.

Diantedessacontextualização,nota-sequeaatuaçãodoscoletivosurbanosédirecionadaparaaformação de cidades mais inclusivas e democráticas, contra o urbanismo vigente pautado nocapital.Mas,sendoassim,oqueexplicaascríticasaessasações?Sãoelasaçõesgentrificadoras?Elas são uma forma de urbanismo neoliberal? Essas práticas incentivam o conceito de cidademercadoria? Para entender essas questões, será exposto o histórico da formaçãodos coletivos,suarelaçãocomopoderpúblico,comosetorprivadoecomomercadoimobiliário.

OSCOLETIVOSURBANOSNACIDADEDESÃOPAULO.

osanos2000começamaseformarosprimeirosgruposdepessoasdasociedadecivilquese organizavam de forma horizontal e colaborativa para promover o uso dos espaçospúblicosdacidadedeSãoPauloatravésdemanifestaçõesinusitadas.

O coletivo BijaRi, por exemplo, formado em 2001 por arquitetos, artistas e uma equipe deproduçãodigitalcontinuamatuandoatéosdiasatuais,desenvolvendoinstalações,performancesesituaçõesnoespaçourbanoqueenvolvempúblicosdiversos.Oprojeto“Praças (im)possíveis”,realizado em 2015 pelo coletivo, transformou bicicletas em peças de mobiliário urbano quepercorremosváriosespaçosdacidade.Outroexemplo,oBarulho.orgcriadoem2002propunhaaativaçãodosespaçospúblicosatravésdaorganizaçãodefestas.Paraisso,realizavamamontagemde telas deprojeção com som, reunindodiferentes artistas gráficos eperformers no sentidodecriarumacontecimentonarua,abertoaqualquertipodepúblico.

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Figura01:Praças(Im)possíveisnoMinhocão,CatracaLivres,2015

Figura02:Praças(Im)possíveisnoMemorialdaAméricaLatina,CatracaLivre,2015

Nosanos2010aatuaçãodessestiposdegrupo,classificadoscomocoletivosurbanos,passaramaganharmaisforçadentrodamídiaedocenáriourbano.OMovimentoBaixoCentro,formadoem2012, teve grande destaque pela sua atuação na região do chamadoMinhocão, via elevada nocentro de São Paulo. Desde a década de 1970 o Elevado é fechado aos carros durante a noitedevido ao transtorno sonoro que a circulação de automóveis gerava para os moradores doentorno.Comotempo,o localpassouaser fechadotambémaosdomingos, fazendocomqueavia de 3,5 km ficasse aberta aos pedestres todo o dia. Vendo o potencial de utilização que oespaçotinha,ocoletivocomeçouapromoveratividadesefestasnoElevadoafimdeestimularaocupaçãodesseespaçocomoumaáreadelazeracessívelatodos.Em2015,oMinhocãopassouaserfechadotambémaossábadosapartirdas15h,destavezcomaintençãoexplicitadeofereceroespaçoparaolazerdaspessoas.

Figura03:FestaorganizadapelocoletivoBaixoCentronoMinhocão,facebookFestivalBaixoCentro,2012

Figura04:ImagemdedivulgaçãodoFestivalBaixoCentro,facebookFestivalBaixoCentro,2013

Apartir dos anos 2013, houveum crescimento considerável do númerode coletivos na cidade.Muitos deles se apropriam dos espaços públicos e incentivam o engajamento da comunidadeatravésdemutirõesdetrabalhoparaarequalificaçãofísicaefuncionaldessesespaços.Buscamaparticipaçãodasociedadecivilnoprocessodemudançadosusosdosespaçospúblicosatravésdo

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fortalecimento dos valores civis e do empoderamento da comunidade. Essas ações podem seridentificadas pelos nomes de urbanismo de guerrilha, urbanismo tático, urbanismo insurgente,urbanismopop-upeurbanismo“façavocêmesmo”(doityourself–DIY–urbanism).OscoletivosA Batata Precisa de Você1, Bela Rua2, Ocupe e Abrace3, entre outros, são exemplos dessescoletivosdeintervençãoetransformaçãodoespaço.Háaquelestambémdecarátermaispolítico,que trazemparaadiscussãoquestõesdegênero, raçaemobilidadedentroda cidade, comoosmovimentos feminista (Ex: Feminicidade4), negro (Ex: Coletivo SistemaNegro5), cicloativista (Ex:Ciclocidade6)oudemobilidadeapé(Ex:Sampapé7).

Esses coletivos, principalmente os que trabalham na transformação do espaço, têm suas açõesconcentradas predominantemente no centro e no quadrante sudoeste da cidade de São Paulo,regiões com mais alta renda, alto Índice de Desenvolvimento Humano, menores taxas dehomicídios e menor vulnerabilidade social. Foram nessas áreas também que o urbanismo dosenclaves fortificados forammassivamente implantados nos anos 1980 e 1990, por se tratar deáreasdaelitepaulistana,comoexplicitaCaldeira(2011):

“Os condomínios fechados são a versão residencial de uma categoria maisampla de novos empreendimentos urbanos que chamo de enclavesfortificados. Eles estão mudando consideravelmente a maneira como aspessoasdasclassesmédiaealtavivem,consomem, trabalhamegastamseutempo de lazer. Eles estãomudando o panorama da cidade, seu padrão desegregação espacial e o caráter do espaço público e das interações públicasentre classes. Os enclaves fortificados incluem conjuntos de escritórios,shoppings centers, e cada vezmais outros espaços que têm sido adaptados

1Criado em 2014, é formado por moradores e frequentadores do Largo da Batata na zona oeste de São Paulo epessoasdispostasatransformaraBatataemumespaçodeestarenãoapenasdepassagem.FazemaçõesregularesdeocupaçãodoLargoeatividadesdeativaçãoparaatransformaçãodoespaço.Seusobjetivossãofortalecerarelaçãoafetivadapopulação local comoLargodaBatata, evidenciaropotencialdeumespaço como localde convivência,testarpossibilidadesdeocupaçãoereivindicar infraestruturapermanentequemelhoreaqualidadedoLargocomoespaçopúblico.2 Criadoem2013,sepropõeaoferecermelhoresexperiênciasurbanasparaaspessoas.Estudamavidanosespaçospúblicosparadesenvolversoluçõeseprojetosurbanos focadosnocomportamento,nosdesejosenasnecessidadesdas pessoas. Seu objetivo é transformar a rua e o espaço público em um lugares mais atrativos, convidativos,acessíveis,saudáveiseseguros.3 Criadoem2013apartirdavontadederevitalizaraPraçaHomeroSilva.RebatizadadePraçadaNascente,omaiorespaçopúblicoverdedaPompeianazonaoestedeSãoPaulo,possuimuitasnascentesdoriachoÁguaPreta.Seufocoéfazeraspessoassereconectaremcomanatureza,aságuas,criandoumambientefértilparainterações,ondetodosseapropriemdoespaço,sesintamafetivamenteconectadosaeleepassemacuidartambém,recriandoosentidodecomunidadeaoredordapraça.

4Criado em 2015, o projeto mobilizou dezenas de voluntárias para ouvir histórias de mulheres pelas cidades eregistraressesdepoimentosemfotografias, textos, frasesepoesias,queocupamasruasemformasde lambes.Poracreditar no poder inspirador de cadamulher, o grupo continua ocupando o espaço público com suas histórias eviabilizandoencontrosondeelassintam-seàvontadeparadarvozàssuasprópriasnarrativas.Alémdasintervençõesurbanas,proporcionamespaçosparadiálogoedebatedetemasrelevantesàsmulheresparadisseminarinformaçõescomoformadeempoderamento.

5Criadoem2013,éumcoletivoformadoporprodutores,artistas,empreendedoreseeducadoresnegrosquemesclaculturaeação,nocombateaoracismo.

6Criado em 2009, tem como missão contribuir para a construção de uma cidade mais sustentável, baseada naigualdadedeacessoadireitos,promovendoamobilidadeeousodabicicletacomoinstrumentodetransformação.Foiformadoapartirdareuniãodedezenasdecidadãosatuantesnadefesadamobilidadeporbicicletas,queperceberamanecessidadedeumaentidaderepresentativaparaampliaroalcancedesuasaçõesindividuais

7Criado em 2012 com o objetivo de aproximar o cidadão à cidade através do deslocamento a pé. A organizaçãopromovepasseios temáticosapépela cidade,gerandoaexperimentaçãoeestimulandoapráticadacaminhadadeformalúdica.Tambémdiscutepautasimportantesdodesenvolvimentodacidadeparaquemandaapé.

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paraseconformaremaessemodelo,comoescolas,hospitais,centrosdelazereparquestemáticos.(...)Osenclavesfortificadoscultivamumrelacionamentodenegaçãoerupturacomorestodacidadeecomoquepodeserchamadode estilo moderno de espaço público aberto à livre circulação. Eles estãotransformando a natureza do espaço público e a qualidade das interaçõespúblicas na cidade, que estão se tornando cada vez mais marcadas porsuspeitaerestrição.”

Diante desse panorama, pode-se se associar a concentração de coletivos urbanos nas áreascentral, suleoestedacidadepelo fatodeque foramelasquesofreramgrandeprivaçãodousodosespaçospúblicospelaproliferaçãodosespaçosfechados.DiferentedoquedizCaldeira(2011)sobreos jovensde classemédia e altaque vivemna cidadedemurosnão sentirem a faltadosespaçosabertos8,osurgimentodoscoletivosurbanosvemmostrarocontráriojáquemuitosdelessãoummovimentodeelite.Alémdisso,essesjovensdasclassesprivilegiadaspuderamconhecerexperiênciasevivenciaroespaçopúblicoemoutrascidadesdomundo,dando-lhesaconsciênciadequeacidadedeSãoPauloécarentedeespaçosdequalidadeadequadosaousodaspessoas.

Poroutrolado,algunsdessescoletivosurbanoscentraisacabamdeixandodeladooapelosocialeurbano,motivandoatividadeslúdicasemidiáticas.Acabamconcentrandosuasaçõesnarealizaçãodeoficinasparaexecuçãodemobiliáriourbano,festaseeventosemespaçosabertos,mutirõesdepintura de muros e escadarias, entre outros, que não deixam de ser importantes para atransformação e apropriação dos espaços públicos, mas que acabam sendo usadas como“animação cultural” pelo poder público para esconder os reais problemas da cidade, como adesigualdadeeamarginalização.

Nasperiferias,arelaçãoquesetemcomoespaçopúblicoédiferente,comoapontaoarquitetoeurbanistaGuilhermeWisnikaorelatarafaladeumouvinteemumapalestra9quequestionavaoelitismoeacentralidadedessesmovimentosurbanos:

“...uma das pessoas presentes, que se identificou como um morador daperiferia, observou que o espaço público é em essência um problema docentro,enãodaperiferia,poislá,segundosuaopinião,aspessoasusammuitomais as ruas como espaço de convivência cotidiana, independentemente deissoganharounãoonomede‘público’.”(WISNIK,2015)

Alémdisso,valeressaltarqueexistemcoletivosqueatuamnasperiferiasdacidade,masesses,emsuamaioria, estão voltados para questõesmais emergenciais como pautas raciais, sociais e demoradia. Como relatou em uma mesa de debate10sobre ativismos um integrante do ColetivoAgentes Marginais11, muitos coletivos que atuam com a transformação do espaço chegam na

8“Osjovensdeclassemédiaealtaqueestãocrescendonacidadedemurosnãopareceminfelizescomsuaexperiênciadeespaçospúblicos.(...)elesparecemgostarbastantedosespaçossegurosevigiadosdosshoppingscenter,lojasdefastfood,discotecasefliperamas.”(CALDEIRA,2011)

9Ciclodedebatepromovidoem2015peloCentroUniversitárioMariaAntonia(USP)chamado"InquietudesUrbanas"organizadosemduasedições.Afalaemquestãoocorreunaedição"AtivismosnaCidade:FricçõesentreoPúblicoeoPrivado", concebida pelo Guilherme Wisnik em parceria com Thiago Carrapatoso. Ver em:http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/11/1705535-o-ativismo-urbano-e-o-valor-de-uso-do-espaco-publico.shtml

10Mesa de debate promovida pelo curso “Antropologia da cidade: ativismos, táticas, insurgências” promovidopeloGEAC - Grupo de estudos de Antropologia da Cidade - na Faculdade de Filosofia, Letra e Ciências Humanas daUniversidadedeSãoPaulo.

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periferia e perguntam para a comunidade quais são os sonhos de transformação para aqueleespaço,quandonaverdadeoqueosmoradoresdaliqueremépodersonhar.

Nota-se portanto uma diferença crucial entre moradores de periferia e moradores de bairroscentraisemrelaçãoàpercepçãodoespaçopúblicoeàsprioridadesdediscursosobreomododesepensara cidade. Se faznecessárioummovimento socialúnico, semdistinçãode classe,parafazerosavançosconquistadosseremsignificativos frenteaopoderdocapitaleparaquenãosecondicioneessaspequenasaçõesempráticasperformáticasqueestimulamacidademercadoriaaoinvésdecombatê-la12.

OSCOLETIVOSURBANOSEAGESTÃOPÚBLICAMUNICIPAL

númerodecoletivosnacidadedeSãoPaulocomeçouaaumentarnosanos2010,sobagestãodoprefeitoGilbertoKassab(2009-2012).Orelacionamentoentreoscoletivoseoprefeito,ouafaltaderelacionamento,podeestarvinculadoaocrescimentodessesgrupos

insurgentesnaépoca.AgestãoKassabfoimarcadaporpolíticashigienistas,suasaçõesiamcontrao direito civil demoradoresde rua, vendedoresambulantes, artistasde rua,usuáriosdedrogasque seapropriavamdas ruas como localdemoradiaou trabalho. Ficava claraa indisposiçãodoentãoprefeitoàsocupaçõesdepessoasnoespaçospúblicosdacidade,comodeclaraaarquitetaeurbanistaRaquelRolnik(2012):

“Oqueestáem jogonesteconjuntodeaçõesporpartedaPrefeituraéumavisão securitária e higienista do espaço urbano, assim como sua enormedificuldadede tratar temasquesãocomplexos–comoovíciodocrackouasituaçãodomoradorderua–reduzindo-ossimplesmenteàpresençaounãodestaspessoasemdeterminadosespaçospúblicos.”

Muitoscoletivossemanifestaramcontraessaposturadopoderpúblico,incentivandoaindamaisousodoespaçopúblicocomolocaldemanifestaçãoeapropriaçãodaspessoas.OMovimentoBoaPraça13,porexemplo,sepropôsareformarosbancos“anti-mendigos”herdadosdagestãoKassab.Esses bancos inibiam a permanência de moradores de rua devido à sua forma irregular, queimpediaumapessoadesedeitarnoassento.Ocoletivousouaestruturadeconcretoparaapoiarumbancodemadeiraregularecomencosto,oferecendoàcidadeummobiliáriomaisconfortáveleacessívelatodotipodeusuário.

11Criadoem2006,oAgentesMarginaiséocoletivodoProjetoImargem.Lutacontraoisolamentodascomunidadesapartir da beirada sul de São Paulo às margens da represa Billings com origem no distrito do Grajaú. Propõemintervençõesatravésdeaçõescomo:murais,esculturas,oficinasedebatesarticuladosnoseixosarte,convivênciaemeioambiente,apresentandoumaarteacessívelepolitizada,re-significandolixo,espaçoefronteiras.

12Essediscursofoitravadanociclodedebate“Ativismosecidade:diálogosentrecoletivoseuniversidade”realizadopeloSESC/SPemparceriacomoGrupodeEstudosdeAntropologiadaCidade(GEAC-USP)emsetembrode2016peloarquitetoeurbanistaPedroFioriArantes.

13Criado em2008 é uma iniciativa de pessoas que querem viver emuma cidademais humana com a intenção demobilizarcidadãos,empresas,governose instituiçõesparaocuparerevitalizarosespaçospúblicos,emespecialaspraçasdacidade,devolvendoaelasoseupropósitoinicial:odelocaisdeconvívio,lazer,debateeinclusão.

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Figura05:Banco“anti-mendigo”reformadopeloMovimentoBoaPraça,acervopessoal,2015

A gestão de Kassab não foi receptiva à atuação dos coletivos, o que acabou incentivado aformaçãodealgunsgrupos como formadeprotestocontraasproibiçõese limitações impostas.Quantomaissetentavaconteressasinsurgências,maisgruposseformavamparatentarespalharessaondadeapropriaçõespelacidade.

Figura06:ImagemdedivulgaçãodoFestivalBaixoCentro,facebookFestivalBaixoCentro,2013

Com a gestão de Fernando Haddad (2013-2016) o número de coletivos aumentou ainda mais,dessaveznãocomomovimentodeprotesto,massimpelamaneiracomoopoderpúblico lidoucom a questão. Houve uma receptividademuitomaior em relação à essesmovimentos com acriaçãodepolíticaspúblicasparadarsuporteeincentivaraatuaçãodoscoletivoseaocupaçãodo

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espaçopúblico.Podemoscitaralgunsexemplosdepolíticaspúblicasdeincentivoaousodeáreaspúblicas,comooProgramaRuaAberta14,oProgramaCentroAberto15,avoltadocarnavalderua(proibidopelagestãoKassab)eaimplantaçãodosParklets16.

Foi criada também a Coordenação de Promoção ao Direito à Cidade, braço da Secretaria deDireitosHumanoseCidadania,parapromoveraocupaçãodosespaçospúblicoseacidadania.Essacoordenação,emparceriacomassecretariasmunicipaisdeCulturaeServiços,elaborouem2014o Edital Redes e Ruas que selecionou 59 projetos para serem financiados pela prefeitura edesenvolvidosnos espaçospúblicos com infraestruturaWifi da cidadede SãoPaulo.Atravésdeparceriascomcoletivos,organizaçõesemovimentosculturaisforamdesenvolvidosprojetosparapromoverainclusão,cidadaniaeculturadigitalnacidadeepotencializartransformaçõespormeiodaconexãoentreomundodigital(“redes”),aocupaçãodenovosespaçosearessignificaçãodosequipamentospúblicos(“ruas”).Emmaiode2016foilançadoasegundaediçãodoEditalRedeseRuasqueseencontraemfasedeexecuçãodeprojetos.

Figura07e08:ProjetoSeliganaPraçadoEditalRedeseRuas,facebookAcupunturaUrbana,2015

OSCOLETIVOSURBANOSEOMERCADOIMOBILIÁRIO

partir dos anos 1990 a questão cultural ganhou maior importância no processo devalorizaçãoimobiliáriaepassouaserusadacomoestratégiaexplícitanodesenvolvimentodas cidades. Ela se tornou parte das políticas urbanas municipais, em alguns casos,

financiadaspelosetorprivado,atravésderenovaçõesurbanasrealizadasemáreasocupadaspelasclassesmaisabastadas.Adimensãoculturalpassaaserusadaparaproduzirvaloresemtornodoespetáculo urbano, onde equipamentos culturais, atividades turísticas e recuperação do

14Criadoem2015,oprogramapropõearestriçãoaotrânsitodeveículosemdeterminadasruaseavenidasdacidade,duas por subprefeitura, aos domingos e feriados, para a utilização por pedestres e ciclistas, bem como para apromoçãodeatividadesartísticas,esportivas,gastronômicaseculturais.

15Criadoem2014,oprojetobuscaaativaçãodoespaçopúbliconaregiãocentraldacidadepormeiodarenovaçãodesuasformasdeuso.Promoveradiversificaçãodasatividades–envolvendoumnúmeromaiordegruposdeusuários,emfaixasdetempotambémampliadas–constitui-seemuminstrumentofundamentalparaaconstruçãododomíniopúblicosobreosespaços.Esseprocessoécapazdepromover,alémdamelhorianapercepçãodesegurança,oreforçonosentidodepertencimentoeidentificaçãodapopulaçãocomoCentro.

16Em2014aprefeituraregulamentoudaimplantaçãodeparklets,espaçostemporáriosdepermanência,convivênciaelazerinstaladossobreduasvagasdeestacionamentonasruasdestinadasaosautomóveis.

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patrimônio histórico são transformados em produtos de consumo de uma cidade espetáculo,servindo de estratégia para a valorização da terra e para uma provável gentrificação dessesespaços. Diante da importância da cultura como agente propulsor da valorização da terra,representantesdopoderpúblicoedosetorprivadoveemcombonsolhosprojetosditosculturaisque venham a ser desenvolvidos na cidade, principalmente em áreas urbanas centrais (RENA,BERQUÓ,CHAGAS,2014).

Nesse contexto urbano, os trabalhos desenvolvidos pelos coletivos se relacionam à indústriaculturalecriativa.Essasindústriasenglobamumconjuntodeatividadeseconômicasrelacionadasàproduçãode informaçãoedeconhecimento, taiscomopublicidade,arquitetura,artes,design,moda,cinema,música,rádioetelevisão.Estabelecemfortesrelaçõeseconômicascomossetoresde turismo, esportes, museus, galeria e patrimônio, adquirindo grande relevância noplanejamento urbano enquanto supostomotor de desenvolvimento e de inserção das “cidadescriativas” no cenário geopolítico global (RENA, BERQUÁ, CHAGAS, 2014). Dentro dessa lógica,destaca-se a frequente presença de parcerias público-privadas que insere as atividades doscoletivosnoâmbitodaeconomianeoliberal,ondeaquestãoeconômicatemmaisrelevânciaeasquestões sociais e urbanas são deixadas em segundo plano. Com isso, muitos coletivos quedesenvolvem o urbanismo tático e atuam na transformação dos espaços públicos através demutirões de autogestão acabam inseridos na lógica do urbanismo neoliberal, como escreve oarquitetoGabrielKogan(2016):

“O urbanismo tático é um estágio ainda mais sofisticado desse urbanismoneoliberal. Semnenhumcontrole estatal sobre a qualidade e o objetivodosespaçospúblicos, a autoproduçãodoespaço substitui a figuradas empresasprivadaspela‘comunidade’ouindivíduos–ideologicamentedifundidoscomopropositores do espaço público, mas que se mostram antes vítimas daexternalizaçãodecustosdamunicipalidadeendividada.(...)ourbanismotáticotem sido sistematicamente desafiado pela palavra da moda dos estudosurbanos, gentrificação. Em essência, essas ações não se distinguem dourbanismotradicional:quantomaiscapitalé investidoemdeterminadaárea,maioravalorizaçãofundiáriadaregião.Avantagemdourbanismotáticoaquié sua capilaridade e seu retorno eficiente para a gentrificação (pormeio deatenção midiática ou ‘apoderamento’ das pessoas com o lugar, ‘fazer maiscommenos’)”

AanálisedeKogan,mesmoquemuitogenéricafrenteàvariedadeecomplexidadedasaçõesdoscoletivos, traz um tema importante a ser discutido sobre esse tipo de atuação. Pormais que aintençãodessasaçõesestejamtentandoircontraalógicamercadológicaeemproldeumacidadepara as pessoas, sem a intenção de valorizar a terra e causar um possível processo degentrificação, fica difícil conter o mercado imobiliário que se aproveita das melhorias edesenvolvimento de umespaçopúblico, se apropriandodessasmelhorias comomarketing parafuturos empreendimentos de alto padrão. Nesse sentido, a atuação dos coletivos acabaincentivandoumprocessodegentrificação,aindaquesejadeformainvoluntária.

Ao descrever o conceito da gentrificação, Martinez i Rigol (2004) apresenta a teoria de JonCaulfield na definição dos agentes gentrificadores ao analisar um estudo de caso da cidade deToronto. Caulfield descreve os pioneiros ou gentrificadores marginais, agentes anteriores aogentrificador,queseassemelhamaoscoletivosurbanosnamedidaemquesãoresponsáveisporumatransformaçãoconsciente,coletiva,contraalógicadocapital,masqueacabampreparandooterrenoparaomercado,ficandorefénsdosíndicesdevalorizaçãodaterra.

“...ospioneiros, tambémchamadosde ‘gentrificadores’marginais, comessafunção de preparar o terreno, continuavam subjugados aos interesses do

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capital, mas suas práticas podiam ter outros sentidos e objetivos que sechocariam frontalmente com tais interesses. (...) o conjunto desses‘gentrificadores’ marginais era assimilável ao conceito de movimento socialurbanoelaboradoporCastells,istoé,umaaçãoconscientecoletivaorientadaà transformação do significado urbano institucionalizado contra a lógica, ointeresse e os valores da classe dominante. (...) estavam de alguma formarelacionadoscomaemergênciadeumreformismourbanosocialdeesquerda(...)essespioneirosnãoforamosagentescausadoresdodeslocamentooudaexpulsão, já que suas práticas visavam à manutenção das pessoas e dosespaçosqueashaviamatraídocomolocalderesidência.”

Considerandoocontextodaeconomiacapitalista,transformaçõesqueproporcionammelhoriasnoespaçoresultamemumprocessodevalorizaçãoeumaprovávelgentrificação.Frenteaisso,seriamelhornãotransformarparanãogerarvalorizaçãoeexpulsãodapopulaçãomenosabastadasdeáreas centrais e bem localizadas? Como resposta a essa questão, o crítico urbano MatthewYglesias aponta o termo da “gentrificaçãofobia” para identificar essa preocupação com avalorizaçãoe expulsãodemoradoresquepodeocasionaro atrasodeprojetosnecessáriosparauma comunidade (TANSCHEIT, 2016). Ao invés de negar a requalificação de algumas áreas dacidade,devia-sepodercontarcompolíticaspúblicasqueassegurassemumamoradiadequalidadeemáreascentraisparaapopulaçãotambémdebaixarenda.Nãosetratademanterosespaçosaquém do seu potencial para que a população mais pobre possa viver no local, mas sim deoferecermecanismosdemelhoriaespacialedeinclusãosocial.

OCASODOCOLETIVOOCUPEEABRACE

história do coletivo Ocupe e Abrace começou em 2013 quando a plataforma decolaboração Cidade Democrática17 lançou um concurso com o tema “A Pompeia que sequer”. Este concurso de ideias visava construir propostas coletivas com sonhos e

necessidadesdacomunidadeparaodesenvolvimentodeumplanodebairroparaaVilaPompeia,localizadanaregiãooestedeSãoPaulo.

Umadaspropostasvencedorasdoconcursofoisugeridaporumamoradoradobairroquetinhaavontade de ter perto de sua casa uma praça para sua filha poder brincar. Ela propôs, então, arequalificação da Praça Homero Silva e acabou unindo a vizinhança em torno desse objetivocomum.AssimnasceuocoletivoOcupeeAbracequejuntouacomunidadeparaocuparapraçaeabraçarnovasideiascomcarinhoeafetividade.

APraçaHomeroSilvaéomaiorespaçopúblicoverdedobairrodaVilaPompeiacom12.000m²deárea.Atéoanode2013,apraçanãotinhamanutençãodaprefeitura;seencontravacomomatoalto,comfaltadeequipamentospúblicos,desinalizaçãoesemacessosapropriados,necessáriosdevido à sua topografia em quatro níveis diferentes. Além disso, por estar sobre uma área delençolfreático,apraçaapresentavaregiõesdecharcoselocaisinsalubres.Abandonadapelopoderpúblico,esseespaçonãodespertavaointeressedasociedadecivilqueoviacomolocaldemedo,violênciaeperigodentrodobairro.AcreditandonaspotencialidadesocultasqueaPraçaHomeroSilva oferecia, o coletivo se juntou para discutir as possibilidades de intervenções que atransformariamnolocaldelazereconvívioquereivindicavam.

17CriadapeloInstitutoSeva,ainiciativaCidadeDemocráticaéumaplataformadeinovaçãoabertaatravésdainternetetemcomoobjetivoconstruiragendaspúblicaspormeiodeinteligênciacriativaecoletiva.

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Parasimbolizaranovafasequeapraçaestavaentrando,ocoletivooptouporrenomeá-lacomoPraçadaNascente,jáquepossuidiversasnascentesdoriachodaÁguaPreta.Aquestãodaságuasse tornou ponto de partida para reconectar as pessoas à natureza e assim trazer vida à praçaatravésdaocupaçãodoespaçopelaspessoas.

De início, objetivandomelhorias estruturais, foram realizadosmutirões para pintura dosmuros,playground, escadarias e colocação de equipamentos como lixeiras e bancos. Para asmelhoriasambientaisforamrealizadasmutirõesderecuperaçãodasnascentes,desenvolvimentosdelagoseplantação de hortas comunitárias, plantas e flores. Além dos mutirões, ainda em 2013,organizaram o primeiro Festival da Praça da Nascente, um festival de música, arte econfraternizaçãoquetinhaointuitodeatrairosmoradoresparaumaatividadepacíficanapraçaedivulgar o trabalho que estavam desenvolvendo no local. Com o êxito do festival o coletivo sefortaleceu e passou a promover o evento de forma sazonal, um a cada mudança de estação,chegando à sua nona edição no mês de dezembro de 2016. Atualmente, as atividades demelhoriasambientaiscontinuamemaçãoe todoo trabalhoédesenvolvidopelasociedadecivil,sem investimentopúblico,atravésdamobilizaçãodosmoradoresededoaçõesdecomercianteslocais.

Figura09:LagodesenvolvidopeloColetivo,acervopessoal,2016

Figura10:XVIIIFestivaldaPraçadaNascente,acervopessoal,2016

Aatuaçãodocoletivoresgatouaobrigaçãodopoderpúblicoemgeriroespaço.AsubprefeituradaLapapassouaincluirapraçanarotamensaldelimpezaepodaeautorizouasatividadesdemúsicaevendadealimentosquesãorealizadasnosfestivais(FEDERIZZI,2015).EssacomunicaçãoentreoColetivo e o poder público possibilitou, em 2015, a aprovação de um projeto de reformapromovidopelasubprefeituraquepreviuatrocadepiso,melhorianaacessibilidade,instalaçãodeequipamentosparacriançaseidososeareformadomurodearrimoquesetransformouemumaarquibancadaemblocosdeconcreto.

Frente àsmelhorias que as ações dos coletivos trouxeram para o bairro, algumas construtorascomeçaram a cobiçar os terrenos ao redor da praça que abrigavam casas térreas e sobrados.Atentosaointeressedomercadoimobiliário,ocoletivo,aindaem2013,entroucomumaaçãonoMinistérioPúblico tentandocaracterizaraáreadapraçaeos terrenosaoredordelacomoZonaEspecial de Proteção Ambiental, já que a praça e muitos desses terrenos próximos possuemnascentesdocórregodaÁguaPreta.

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Comonovo zoneamento lançado em2016 a área da praça passou a ser uma Zona Especial deProteção Ambiental, porémos terrenos vizinhos não foram incluídos.O enquadramento dessasáreasemZonadeCentralidadeouZonaMistapermiteaconstruçãodenovosempreendimentosaoredordapraça,quepodeminterferirnasnascentesenabiodiversidadevegetaleanimal(aveseinsetos)resgatadosnolocal.

Como era de se esperar, sua localização privilegiada dentro da cidade de São Paulo somada àsaçõesdemelhoriasgeradasnoespaçopelocoletivo,acabouporaguçaro interessedomercadoimobiliário que viu a praça como um artifício de marketing para futuros empreendimentos. Aincorporadora IdeaZarvos até indica em seu folheto publicitário a presença da Praça como algo“legal”dobairro.

Figura11:EncartepublicitáriodaincorporadoraIdeaZarvos,acervopessoal,2016

Hoje o coletivo enfrenta uma situação de conflito com o mercado. Comprado por umaconstrutora, o terreno vizinho que abrigava casinhas e sobrados e que tem três nascestescatalogadaspeloIGC18agoracorreoriscodevirarumgrandeedifícioresidencialde22andarese3subsolosdeestacionamentos.Essaobrapoderáafetarolençolfreáticoeasnascentesqueforamresgatadas na praça. Por se tratar de uma área de nascentes o Código Florestal proíbe aconstrução de qualquer edificação. Frente a isso o coletivo já se manifestou contra oempreendimentoeestãotentando,juntoaoMinistérioPúblico,proibiraevoluçãodaobraqueseencontra em fase de demolição das edificações existentes. Até o momento a construtora nãoobteveolicenciamentoparaaconstrução,oqueestimulaocoletivoasemanterativonacobrançadopoderpúblicoparavetaraedificação.

18OInstitutoGeográficoeCartográficotemcomoobjetivopromoveroconhecimentodoterritóriopaulista.Paraisso,dedica-seàcartografiadedetalheeprecisão,oferecendoprodutoscomocartasemapasdoEstadodeSãoPaulo,desuasregiõesedeseusMunicípios.

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Figura12:Murodedivisaentreoterrenodaconstrutoraeapraça,FolhadeSãoPaulo,2016

Figura13:Terrenodecasasdemolidasepraçaaofundo,FolhadeSãoPaulo,2016

Frenteaosproblemasdosúltimosanosemrelaçãoàescassezdeáguaeaos inúmeroscasosdeenchentes que ocorrem não só na região da Pompeia, mas em toda a cidade, é de extremaimportância a discussão sobre construções imprudentes sobre as áreas de nascentes. Amobilização dos moradores em prol das nascentes demonstra uma ruptura com a ideia depriorizaçãodosespaçosconstruídosemdetrimentodomeioambiente,demonstrandoocrescentedesejodasociedadeemviveremumacidadecomespaçospúblicosdequalidadequeresgatemanaturezaemmeioaoambienteurbano.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

osúltimosanoshouveumainversãonadinâmicadeusodosespaçospúblicosnacidadedeSãoPaulo.Acidadedemurospassouasernegada,enquantoqueosespaçosabertos,delazereconvivênciaestãosendoreivindicados.

Hánacidadeumaquantidadesignificativadeespaçospúblicoscompotencialidadesocultaspelafalta de investimentos e abandono. A atuação dos coletivos urbanos busca potencializar essesespaços existentes e transformá-los em locais de lazer, cultura e convivência reivindicados pelapopulação.

Cabeaoscoletivosdemonstrarquesuasaçõessãopertinentes,certificandoqueasapropriaçõesestão aproximando os cidadãos à cidade a partir da correta interpretação das demandas dasociedade em geral. Se faz necessário potencializar a ideia de coletivo para que se pense umacidaderealmenteacessívelatodos,enãoapenasparasetoresprivilegiadosemáreasprivilegiadas.Alémdisso,deve-seentenderqueessasações,pormaisquevenhamlutandoporumacidademaisdemocrática, acabam gerando reações. É de extrema importância que esses coletivos consigamlidarcomos interessesmercadológicos impostospelocapitalparaquenãoacabemconfundindopessoascomconsumidoresnoprocessodedesenvolvimentodascidade.

Omodo tradicionaldedesenvolvimentodascidadesbrasileiras,baseadoemplanosurbanísticoselaboradospor estudiosos e representantesdo governo vem sendoquestionado, enquantoquenovaspossibilidadesdeorganizaçãodoespaçoedasociedadeganhamimportâncianaorientaçãodosestudosdoplanejamentourbano,políticoe social.Aatuaçãodos coletivos semostra comoumanovapossibilidadedeatuaçãoda sociedade civil naproposiçãodas cidadeseestá fazendo

N

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com que ações de ressignificação dos espaços públicos de maneira inovadora, insurgente, edemocráticasemultipliquempelopaís.

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