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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ProPGeo MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA MARIA ADRIANA MARTINS DOS SANTOS OS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS E AS DINÂMICAS RECENTES DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: BAIRRO PASSARÉ EM FORTALEZA-CE FORTALEZA - CEARÁ 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – ProPGeo

MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA

MARIA ADRIANA MARTINS DOS SANTOS

OS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS E AS DINÂMICAS

RECENTES DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: BAIRRO

PASSARÉ EM FORTALEZA-CE

FORTALEZA - CEARÁ

2015

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MARIA ADRIANA MARTINS DOS SANTOS

OS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS E AS DINÂMICAS

RECENTES DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: BAIRRO

PASSARÉ EM FORTALEZA-CE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-

Graduação em Geografia do Centro de Ciências e

Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial à obtenção do título de mestre em

Geografia. Área de Concentração: Estrutura Dinâmica do

Espaço Regional, Urbano e Rural.

Orientadora: Profª. Dra. Zenilde Baima Amora

Coorientador: Prof. Dr. José Meneleu Neto

FORTALEZA - CEARÁ

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Santos, Maria Adriana Martins dos.

Os condomínios fechados horizontais e as dinâmicas

recentes da produção do espaço urbano: bairro Passaré em

Fortaleza-CE [recurso eletrônico] / Maria Adriana

Martins dos Santos. - 2015.

1 CD-ROM: il.; 4 ½ pol.

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico com 187 folhas, acondicionado em caixa de DVD

Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Dissertação (mestrado acadêmico) –

Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências e

Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Geografia,

Fortaleza, 2015.

Área de concentração: Estrutura Dinâmica do Espaço

Regional, Urbano e Rural.

Orientação: Prof.ª Dra. Zenilde Baima Amora.

Coorientação: Prof. Dr. José Meneleu Neto.

1. Condomínio Fechado Horizontal. 2. Passaré. 3.

Segregação Socioespacial. 4. Mercado Imobiliário. I.

Título.

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Aos meus pais, José e Marlúcia,

pelo amor e pela confiança em mim depositados.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que suportaram o distanciamento e me ajudaram a passar por

esta etapa, dando-me sempre todo o apoio que eu precisei.

Aos colegas de turma, pelo aprendizado em conjunto e pelas experiências

vividas. Foram dois anos de muito trabalho, mas também de encontros com

pessoas que ficarão para toda a vida.

Aos amigos Manoel Fernandes, Lídia Xavier, Sarah Bezerra, Claudia Grangeiro e

Alfredo Ferreira, pela força dada nos dias de desânimo.

Àqueles que auxiliaram na construção deste trabalho com contribuições nos

aspectos operacionais, técnicos, formais ou teóricos: Jefferson Sant’ana,

Fernando José, Lívia Magalhães, Luciana Freire, Jean Pierre, Edson Gomes,

Fábio Sobral e Eudes de Souza.

Aos colegas do Laboratório de Estudos Urbanos e da Cidade (LEURC), pelos

bons debates e pelas trocas de experiências.

Ao José Meneleu Neto, meu coorientador, pelos diálogos, fundamentais para o

meu avanço enquanto pessoa e profissional.

A Zenilde Baima Amora, minha orientadora, pelo acompanhamento e pela

confiança. Serei sempre grata pela oportunidade deste encontro, que me

possibilitou tantos aprendizados.

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Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo que esteriliza os braços [...]

(Carlos Drummond de Andrade)

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Resumo

A partir da ideia de que o espaço é sociamente produzido e que a sociedade que o produz está marcada por profundas contradições e pela luta de classes, os temas que envolvem a desigualdade e a segregação ganham importância ímpar. Nesse sentido, nossa proposta constitui uma investigação acerca da (re)produção do espaço, gerada com a introdução dos condomínios fechados horizontais em Fortaleza. Em termos de recorte espacial, nosso esforço interpretativo parte do bairro Passaré, localizado na porção sul da Capital, por considerarmos a concentração e a diversidade desse formato residencial relevantes no quadro geral de ocorrência desses empreendimentos, na cidade. Consideramos os anos 2000 como década de expansão mais acentuada dos condomínios fechados horizontais em Fortaleza, reconhecendo, todavia, a necessidade de se buscar, em um processo histórico mais amplo, o sentido, em particular, desse fenômeno. Intentamos, portanto, compreender o sentido dessa nova dinâmica espacial. Para isso, propomo-nos montar um panorama explicativo dessa concentração, que permita reconhecer não só os aspectos particulares, mas também os nexos com os movimentos mais gerais de reprodução ampliada do capital e do espaço urbano fortalezense. Metodologicamente, a fase da pesquisa ocorreu pautada numa dupla abordagem, qualitativa e quantitativa, assim, foi importante, no momento da investigação, reunir informações geradas por fontes secundárias, conjugando-as às informações coletadas em campo. A fase da exposição aconteceu enquanto esforço de apresentação das contradições que produzem a realidade. Observamos que houve uma expansão do modelo nos setores sudoeste e sul da capital, chegando com bastante intensidade também nas cidades da Região Metropolitana de Fortaleza. No Passaré, os fatores relacionam-se: (a) a presença de terra urbanizada, como resultado da reserva especulativa que se beneficiou com os ganhos das lutas por moradia; (b) a posição privilegiada com o acesso a infraestruturas que facilitam o deslocamento para diversas áreas centrais da cidade; (c) a existência de elementos cênicos naturais, que se combinaram ao novo paradigma de qualidade de vida e que, portanto, incrementam os lucros dos investidores; (d) e a proximidade com uma das arenas da Copa do Mundo de Futebol, que representa a mudança no modelo de governança urbana onde se privilegia a produção de uma cidade voltada ao espetáculo. Sem isolarmos o fenômeno, podemos dizer que há uma forte relação entre essa expansão e o modelo político e econômico adotados desde a retomada da economia brasileira, nos anos 1990. Grosso modo, a concentração da propriedade privada, a especulação imobiliária, o apelo ao consumo, a desvalorização daquilo que é público, a insegurança, o anseio por distinção, a estabilização da economia, o avanço do crédito, a expansão da malha urbana e a necessidade de crescente valorização do capital são elementos explicativos centrais ao nosso objeto.

Palavras-chave: Condomínio Fechado Horizontal. Passaré. Segregação

Socioespacial. Mercado Imobiliário.

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Abstract

From the idea that space is socially produced and society that produces it is marked by profound contradictions and class struggle, the issues involving inequality and socio-spatial segregation get a singular importance. In this sense, our proposal is a research about the (re) production of space, generated with the introduction of horizontal closed condominiums in Fortaleza. In terms of spatial area, our interpretive effort begins at Passaré neighborhood, located in the southern portion of the capital, because we consider concentration and diversity of those residential formats relevant in the overall occurrence of these projects in the city. We consider the 2000’s the decade of stronger expansion of horizontal closed condominiums in Fortaleza, however we also recognize the need to look at a broader historical process sense, specially of that phenomenon. We have the intention of understanding the meaning of this new spatial dynamics. In order to get that, we propose to set up an explanatory overview of this concentration that allows not only recognizing special aspects, but also the connections with the movements for the expanded reproduction of capital and urban areas of Fortaleza. Methodologically, the research is based on a dual approach, qualitative and quantitative. In the investigative phase, we gather information generated by secondary sources combining them to the information collected in the field. At the time of exposure, the effort was made to present the contradictions that produce reality. We observed that there was an expansion of the model in the southwestern and southern sectors of the capital, coming up with enough intensity also in the cities of Metropolitan Region of Fortaleza. In Passaré, factors relate to: (a) the presence of urbanized land as a result of speculative reservation that benefited from the gains of struggles for housing; (b) the privileged position with access to infrastructure that facilitate the shift to several central areas of the city; (c) the existence of natural scenic elements that have combined the new paradigm of life quality and, therefore, increased the investors’ profits; (d) and the proximity to Castelão, one of the arenas of Soccer World Cup in 2014, which represents the change in urban governance model where it favors the production of a city that gives too much importance to events. We can say that there is a strong relationship between that expansion and the political and economic model adopted since the resumption of the Brazilian economy in the 1990’s. In short, concentration of private property, real estate speculation, appeal for consumption, devaluation of what is public, insecurity, desire for distinction, stabilization of the economy, credit advancement, expansion of the urban mesh and the need for increasing capital appreciation are central explanatory elements to our object.

Keywords: Horizontal closed condominium. Passaré. Socio-spatial segregation.

Real estate market.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Enclaves fortificados por tipo.................................................. 29

Figura 2 - Marcos da expansão urbana de Fortaleza – 1818/1948......... 66

Figura 3 - Portaria do Alphaville Fortaleza.............................................. 83

Figura 4 - Rua interna do Alphaville Eusébio.......................................... 83

Figura 5 - Casa em construção no Alphaville Eusébio............................ 84

Figura 6 - Manutenção do paisagismo do Alphaville do Eusébio............ 84

Figura 7 - Número de imóveis residenciais à venda por bairros de Fortaleza – maio 2013............................................................

101

Figura 8 - Espaço utilizado para o lazer no Passaré............................... 105

Figura 9 - Imóveis caracterizados pelo setor imobiliário como alto padrão......................................................................................

108

Figura 10 - Sítio Passaré dividido em glebas e em lotes, anos 1960 – 1970..........................................................................................

115

Figura 11 - Habitação no Passaré.............................................................. 126

Figura 12 - Prédio do PAR construído no Passaré..................................... 132

Figura 13 - Áreas internas e externas do Residencial Sarah Kubitschek I, construído no final dos anos de 1990......................................

133

Figura 14 - Anúncio imobiliário referindo-se ao condomínio enquanto uma pequena cidade................................................................

134

Figura 15 - Outdoor que destaca obra da Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014.................................................................................

137

Figura 16 - Anúncio do condomínio fechado Plaza Carmelle..................... 148

Figura 17 - Anúncio do empreendimento Reserva Passaré....................... 149

Figura 18 - Anúncio do empreendimento Montblanc localizado nas proximidades do Parque do Cocó............................................

153

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Taxa de urbanização brasileira................................................ 54

Gráfico 2 - Taxa de crescimento geométrico dos municípios da RMF – 2001-2011................................................................................

61

Gráfico 3 - Indústria da construção civil no Ceará – 2010-2011................ 61

Gráfico 4 - Taxa de crescimento populacional do bairro Passaré – 2000 à 2010......................................................................................

86

Gráfico 5 - Variação de preço por m² no Passaré – 2010 a 2013..........................................................................................

107

Gráfico 6 - Perfil residencial dos moradores do Passaré por tipo de domicílio – 2010.......................................................................

125

Gráfico 7 - Valor do rendimento nominal médio por tipo de domicílio no Passaré – 2010........................................................................

126

Gráfico 8 - Composição da população por classes de rendimento nominal per capita, Passaré – 2010.........................................

127

Gráfico 9 - Moradores por domicílio – 2000/2010...................................... 128

Gráfico 10 - População residente, no Passaré, por grupo de idade – 2000/2010.................................................................................

128

Gráfico 11 - Número de condomínios fechados horizontais no Passaré..... 129

Gráfico 12 - Número real de condomínios fechados horizontais no Passaré.....................................................................................

130

Gráfico 13 - Variação do preço do m² entre jan/2010 e mai/14................... 135

Gráfico 14 - Evolução dos preços de imóveis por bairro de Fortaleza – 2010/2014.................................................................................

135

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Complexo de condomínios e loteamentos fechados de RMF.. 77

Quadro 2 - Tipos de enclaves residenciais na RMF................................... 79

Quadro 3 - Principais lançamentos imobiliários no Passaré...................... 131

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Taxa de alfabetização das pessoas de 10 anos ou mais de idade (%) por bairro – Fortaleza/CE – 2010.............................

89

Mapa 2 - Rendimento nominal médio (R$) por bairro – Fortaleza/CE – 2010.........................................................................................

90

Mapa 3 - Existência de banheiro ou sanitário e esgotamento sanitário por bairro – Fortaleza/CE – 2010.............................................

91

Mapa 4 - Acesso ao local de trabalho em até uma hora..............................

94

Mapa 5 - Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) por bairro - Fortaleza/CE – 2010.......................................................................................

95

Mapa 6 - Localização do bairro Passaré no município de Fortaleza/CE. 103

Mapa 7 - Domicílios particulares permanentes por bairro – Fortaleza/CE – 2010.......................................................................................

124

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABECIP Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança

BACEN Banco Central

BNB Banco do Nordeste do Brasil

BNH Banco Nacional da Habitação

CBIC Câmara Brasileira da Indústria da Construção

CEF Caixa Econômica Federal

COOPERCON Cooperativa da Construção Civil

DBO Demanda Biológica de Oxigênio

EMLURB Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização

FAO Food and Agriculture Organization

FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FHC Fernando Henrique Cardoso

FIEC Federação das Indústrias do Estado do Ceará

FIFA Fédération Internationale de Football Association

FIPE Fundação Instituto de Pesquisa Econômica

FMI Fundo Monetário Internacional

IBEU Índice de Bem-estar Urbano

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCT Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia

INPESCE Instituto de Pesquisa e Estatística do Secovi-CE

IPEC Instituto de Previdência do Estado do Ceará

IPECE

MST

Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PAR Programa de Arrendamento Residencial

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PDPFor Plano Diretor Participativo de Fortaleza

PIB Produto Interno Bruto

PMCMV Programa Minha Casa, Minha Vida

PMF Prefeitura Municipal de Fortaleza

PT Partido dos Trabalhadores

REGIC Regiões de Influência das Cidades

RMF Região Metropolitana de Fortaleza

SIA Associação da Indústria de Segurança

SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo

SECOVI-CE Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais do Ceará

SEFAZ Secretaria da Fazenda

SEFIN Secretaria de Finanças de Fortaleza

SEINF

SEUMA

Secretaria Municipal de Infraestrutura

Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente

SFH Sistema Financeiro da Habitação

SINDUSCON-CE Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará

SM Salário Mínimo

SUDENE

UNE

Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

União Nacional dos Estudantes

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 17

2 AS VOLTAS COM O TEMA............................................................. 28

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PALAVRAS USADAS.................... 28

2.2 DE LLEWELLYN PARK À ALPHAVILLE.......................................... 30

2.3

2.4

O CONTROLE DO ESPAÇO............................................................

SOBRE CONCEITOS FUNDAMENTAIS..........................................

36

44

3 FORTALEZA, PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO................... 53

3.1 MODERNO ATRASO BRASILEIRO................................................. 53

3.2 CRESCE A CIDADE, ERGUEM-SE OS MUROS............................. 59

3.3 A PERIFERIA VAI AO SHOPPING CENTER................................... 85

4 PASSARÉ, UM IDÍLIO AO MERCADO............................................ 102

4.1 PAISAGENS DIVERSAS.................................................................. 103

4.1.1 Terra como herança........................................................................ 109

4.1.2 Terra como conflito......................................................................... 116

4.1.3 Terra como mercadoria.................................................................. 124

4.2 O HOMEM ENCERRADO................................................................. 154

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 165

REFERÊNCIAS................................................................................. 169

APÊNDICES...................................................................................... 179

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APÊNDICE A – GALERIA DE FOTOS.............................................. 178

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADA AOS

MORADORES DOS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS

DO PASSARÉ..................................................................................

182

ANEXOS............................................................................................ 184

ANEXO A – PROJETO DO LOTEAMENTO DO SÍTIO PASSARÉ... 184

ANEXO B – TRECHO DO RELATÓRIO DA VISITA PASTORAL

NO PASSARÉ...................................................................................

185

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1 INTRODUÇÃO

Poderíamos iniciar nossa apresentação dizendo algo como: este trabalho

é sobre condomínios fechados, mas assim estaríamos omitindo nossas intenções. A

forma é importante, é verdade, mas não é o mais relevante, “acima” dela paira o seu

sentido, algumas vezes quase inalcançável. A resposta à questão dos condomínios

fechados poderia ocorrer como uma exposição de uma coleção de coisas ordenadas

numa forma lógica? Não, é provável que não seja isso!

Comecemos admitindo esta que talvez seja a maior dificuldade dos

iniciantes numa pesquisa: tratar com profundidade um tema. Por mais rico que ele

possa ser jamais será revelado sem os elementos mediadores necessários. Muitas

vezes se tateia milimetricamente por ele, sem, no entanto, sair da superfície. Há

sempre muito a se dizer, mas nem sempre com maturidade suficiente para fazê-lo

de modo mais completo. Cientes disso, mas sem desânimo, avancemos no

processo!

Quando iniciamos a pesquisa, na fase de mestrado, já havia todo um

alvoroço acerca de um “boom” imobiliário ocorrendo no Brasil, desde a segunda

metade da década de 2000, e era impossível tratar disso sem fazer qualquer

comparação com a crise americana de 2008. Mas nosso objeto não era a expansão

imobiliária como um todo, antes disso, partiríamos de um recorte mais preciso: os

condomínios fechados horizontais (aquelas casinhas enfileiradas, com belos jardins,

mas envoltas em muros não tão simpáticos, repletos de câmeras, guardas armados

e cercas elétricas). Isto, todavia, não tornavam menores as nossas inquietações, o

condomínio fechado carregava em si todo o resto – expansão imobiliária, distopia,

medo, propriedade privada, crescimento econômico, expansão urbana,

financeirização enfim... Era necessário eleger o que seria mais relevante para o

objeto em particular. E não só isso, era preciso eleger o que seríamos capazes de

dar conta em um curto período de desenvolvimento de uma dissertação.

Antes de seguirmos, vale ressaltar o que estamos chamando de

“produção”. Deixemos claro, estamos partindo de Marx. Nesse caso, é Lefebvre

(1999) quem elucida que, afastando-se da visão empobrecida ou empobrecedora de

Marx, a “produção” ocorre enquanto conceito amplo, que cobre não só os objetos

externos, mas também a própria imaginação.

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Voltemos. Mas o que seria eleito como prioritário? A pista estaria no

nosso primeiro trabalho, realizado ainda na graduação. A relação entre inovações

financeiras e novidades imobiliárias compôs os argumentos sobre o tema naquela

fase da pesquisa. Como aspecto central, essa primeira incursão evidenciou que a

mudança no perfil habitacional dos trabalhadores aconteceu por meio de novidades

financeiras. O PMCMV abriu, em 2009, um mercado composto por 55,5%1 da

população brasileira, o que levou grandes empresas da construção civil a investirem

em mercadorias voltadas a esse segmento.

Naquele momento, fora evidente a dificuldade em capturar o significado

das transformações espaciais conectando-as a fatores políticos e econômicos. No

entanto, esse primeiro trabalho apontou para alguns dos elementos explicativos

relevantes os quais teríamos que dedicar atenção num próximo estágio de pesquisa.

O mais relevante deles era a conjuntura política, cola ligante dos fenômenos

espaciais, sociais e econômicos que eu viria a tratar. Ainda que com imensas

reservas, não havia forma de interpretar qualquer fenômeno recente sem

considerarmos os anos de política do Partido dos Trabalhadores (PT). O balanço era

fundamental! Aqui o fizemos, mas ainda assim de modo passageiro, sem maiores

imersões.

Do ponto de vista espacial, o crescimento urbano a partir dos anos 2000

impressiona. Em algumas áreas das cidades, especialmente nas já valorizadas, a

mudança na paisagem é espantosa devido à rapidez em que se processa. Nos

espaços mais densos das metrópoles, gruas projetam-se no horizonte erguendo

novos edifícios. Nas bordas da cidade, multiplicam-se condomínios e loteamentos

fechados pontilhando espaços de opulência em zonas até então destinadas às

camadas de menor poder aquisitivo. Esta é a parte visível do fenômeno. Os laços

que conjugam estes e outros processos são mais intrincados e difíceis de

compreender.

Nesse momento, apresentam-se todo o tipo de interpretação. Dos

economistas simpáticos ao governo que veem nas transformações sociais,

econômicas e espaciais mudanças profundas afirmando que existe hoje uma “nova

classe média”, aos críticos ferrenhos a qualquer política de cunho reformista, nesse

1 Tomamos como referência a faixa salarial média que compõe a chamada Classe C, Fonte: FGV, 2010 e

PNAD/IBGE, 2009.

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caso, tanto a direita conservadora, quanto a esquerda radical. Há, nos dois

extremos, dificuldades em avaliar as contradições.

Apesar de tentador, não bastava reproduzir tudo que estava sendo

debatido nos altos patamares da academia e do campo político. Era necessário ter

clareza do que se estudaria para perceber no espaço como essas mudanças se

processam e quais as relações mais diretas com a produção (extensiva) dos

condomínios fechados.

Sem perder de vista essa conjuntura, o desafio era definir bem o

problema com os seus recortes espacial e temporal. De modo central, a questão era:

como se dá a (re)produção do/no espaço gerada com a introdução dos condomínios

fechados horizontais em Fortaleza? Envolvendo essa pergunta de partida: O que os

produz em termos políticos, econômicos e ideológicos? O que ele representa para a

cidade? O que há de novo nessa forma de realização do urbano?

Em termos de recorte espacial, o esforço interpretativo partiu do bairro

Passaré, localizado na porção sul da Capital cearense, escolha com base nos

critérios de concentração e diversidade do formato residencial em relação ao quadro

geral de ocorrência na cidade. Focamos nos anos que se seguem à década de 2000

devido à expansão mais acentuada dos condomínios fechados horizontais em

Fortaleza.

A partir daí uma série de mediações entre o geral e o particular foi

necessária. A escala reduzida em que se deu a pesquisa empírica mais direta2

demandou uma observação atenta acerca da história de formação socioterritorial do

bairro Passaré, trabalho novo a ser realizado. Mesmo considerando a dimensão de

totalidade, o risco em perder-se nas singularidades estava presente. Dito isso, nos

aproximemos do objeto em particular.

No final dos anos de 1990, o bairro Passaré recebeu seus primeiros

condomínios fechados horizontais. Até então, o extenso bairro mantinha,

principalmente a noroeste, diversas glebas e lotes numa aparente revelia ao

adensamento populacional dos bairros vizinhos.

A partir dos anos 2000, os condomínios fechados apresentaram uma

acentuada expansão nos setores de maior concentração de vazios urbanos na

2 Realizamos também pesquisa empírica na Região Metropolitana de Fortaleza, bem como nos setores sudeste

da Capital.

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Capital (regiões sudeste e sul). Na sequência, expandiram-se também para

municípios vizinhos dados os custos elevados já encontrados em Fortaleza.

Assim, a intensificação na atuação do setor imobiliário no Passaré guarda

seu sentido junto a uma dinâmica de reorientação territorial do crescimento da

Metrópole fortalezense, com a expansão dos investimentos para os setores sudeste

e sul da cidade, num fenômeno que conjuga a valorização de novas áreas e

consolidação da verticalização das já abrangidas pelo mercado.

Com a elevação dos preços no mercado imobiliário e com a valorização

do Passaré, o bairro passou a atrair investimentos de grandes construtoras para os

seguimentos médios de renda, tornando mais flagrante as contradições espaciais

postas pelas desigualdades socioeconômicas. Os condomínios fechados horizontais

ratificam um processo de aprofundamento dessa segregação socioespacial da

Capital e a conjuga a novos termos, já que redefine o sentido da cidade no que se

refere à sua apropriação.

Nosso objetivo na realização da pesquisa foi compreender o sentido das

recentes dinâmicas de produção do espaço urbano dando enfoque à expansão dos

condomínios fechados horizontais, no bairro Passaré. Para isso nos propomos a

montar um panorama explicativo dessa concentração no Passaré que permitiu

reconhecer não só os aspectos particulares, mas também os nexos com os

movimentos mais gerais de reprodução ampliada do capital.

Em termos teórico-metodológicos, reafirmamos a centralidade em

desenvolver um estudo preocupado em entender o fenômeno pesquisado por sua

natureza, desse modo, ultrapassando o nível da aparência. Uma vez que a forma

não se explica por ela mesma é necessário conduzir-se por um método coerente

com o objetivo de ultrapassar o aspecto fenomênico do real.

Para Moraes e Costa (1999), há uma importância basilar no que se refere

à clareza do método para a pesquisa, pois “[...] é essa opção que define os

caminhos que tal empresa deverá trilhar, seus pressupostos, suas metas e seus

limites. A explicação da previsão assumida representa a garantia de coerência no

percurso” (p.29-30). Considerando o método como um pressuposto à pesquisa,

apontamos para o materialismo histórico, fundado por Karl Marx e assimilado por

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outros autores basilares à nossa investigação3, como nosso fio condutor. Este

método se refere a uma visão do desenrolar da história que busca no modo de

produção a força motriz dos acontecimentos (BOTTOMORE, 1988).

Lefebvre (2009; pag.30) nos adverte que para o materialismo histórico

“[...] é conveniente distinguir entre o método da pesquisa e o método de exposição”.

Marx (2013) expõe que

A investigação tem de se apropriar da matéria [Stoff] em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento do real. Se isso é realizado com sucesso e se isso é realizado idealmente, o observador pode ter a impressão de se encontrar diante de uma construção a priori. (P.90).

Harvey (2013a), para explicar o método de investigação de Marx,

desenha conceitualmente uma espécie de pirâmide invertida. No primeiro vértice

estamos partindo do mais fenomênico, tal qual a realidade é experimentada, daí

seguimos por uma crítica rigorosa a fim de se chegar aos conceitos mais simples (e

também essenciais) que possam explicar o modo como a realidade funciona,

estamos agora na ponta inferior da pirâmide de onde voltamos à superfície

equipados com conceitos fundamentais que nos darão condições de interpretar os

fenômenos por sua natureza.

Vale ressaltar que esta teoria é construída sobre três grandes bases,

seriam elas: a teoria do valor, o método dialético e finalmente a perspectiva

revolucionária. Para José Paulo Netto (20134) estes pilares devem estar claros para

quem pretende enveredar pelos caminhos do materialismo histórico. Consideramos

que optar por uma análise com base em tal método, negando a perspectiva

revolucionária, significa abrir mão ou obscurecer o sentido político dado ao ato do

fazer intelectual.

Essa leitura de fundo marxista nos orienta a uma busca do entendimento

dos processos que possibilitaram a conformação do nosso objeto, integrando-o à

totalidade sem negar as suas particularidades. Esta última parte deve ser ressaltada

3 A exemplo, Henry Lefebvre, David Harvey e os autores brasileiros que partem desses teóricos como Ana Fani

e Adriano Botelho. 4 Fala proferida no "IV Seminário CETROS: Neodesenvolvimentismo, trabalho e questão social", evento

realizado no período de 29 a 31 de maio de 2013, no campus do Itaperi da Universidade Estadual do Ceará, na conferência de encerramento com o tema "Neodesenvolvimentismo, trabalho e questão social".

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a fim de desmistificar as críticas que rondam o materialismo histórico o

caracterizando como generalista. Ora, não era preocupação de Marx ocupar-se com

recortes menores, ainda que o tenha feito em um ou outro momento para identificar

no real suas abstrações. Marx esteve, desde 1845 até sua morte, empenhado em

explicar os mecanismos que constituíam o capitalismo, todo o resto apareceria de

acordo com as necessidades de expor seus movimentos e engrenagens. O debate

acerca do Estado, por exemplo, ficou inacabado e ainda hoje nos perguntamos o

que ele teria dito naquele terceiro livro do O Capital. É natural, por uma questão

cronológica, que Marx também não tenha percebido todas as nuances do capital, e

se hoje nos deparamos quase que de maneira profética com aquilo que Marx

considerou como tendência do capital é porque este autor não realizou uma mera

descrição, congelada num tempo e espaço. O que ele fez, na verdade, foi entender

a natureza do capital, desvendando, em parte, as suas tendências e os seus limites.

Ainda do ponto de vista dos processos, consideramos o “le mort saisit le

vif!”, ou seja, a ideia de que herdamos invariavelmente todo tipo de miséria das mais

diversas escalas de tempo (MARX, 2013, p.79), portanto não seria possível

compreender a natureza dos fenômenos concretos sem considerar as permanências

imbricadas. Jogando com as palavras de Marx, o homem olha para o macaco e

entende a si próprio; para nós, geógrafos, as metrópoles poderiam olhar para os

primeiros movimentos de transfiguração da natureza pelas sociedades humanas

para fazer assim um longo percurso regressivo encontrando os elementos

privilegiados pela história. É claro que seria praticamente impossível, e certamente

desnecessário, para este trabalho realizar tal percurso, já que nosso recorte espaço

temporal é bastante restrito, ainda que possível somente por esse longo

desenvolvimento e inteligível apenas dentro de uma totalidade. Nesse sentido, o

essencial é reconhecer tal dimensão, pois, ainda que não a apresentemos, ela

estará pressuposta às nossas considerações, dando sentido a elas.

Se para Marx interessou o capital, e sua exposição iniciou-se pela

mercadoria para demonstrar que este é o nível mais fenomênico, para nós, o

fenômeno que interessa é um tipo particular de mercadoria, a casa (em conjunto

com a terra urbana). Esta encontrada num tempo e espaço específicos terá sua

forma e conteúdos particulares, os quais nos interessa desvendar.

As teorias do espaço, apoiadas no método de Marx, vão tratá-lo como

uma produção histórica, portanto, social. Apesar de Marx e Engels não terem

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evidenciado a dimensão desta categoria e do seu poder elucidativo, eles ofereceram

uma importante base para o desenvolvimento posterior da ciência geográfica em sua

renovação ocorrida na segunda metade do século XX. É nessa forma de ver da

ciência geográfica que encontramos a consistência necessária para um esforço de

explicação do real. Sabemos, porém, que o caminho optado não é um dos mais

fáceis, já que implica em equalizar o trabalho intelectual à prática, o que talvez não

seja possível, fragilizando o método.

Quando dizemos que o que temos em mente é apresentar uma pesquisa

que demonstre como o fenômeno dos condomínios fechados horizontais se

desenrola no bairro Passaré, falamos também em coerência ao método e às teorias

que o seguem, que pretendemos encontrar o sentido desse fenômeno em meio a

processos amplos do modo de produção capitalista. Para que façamos isso ainda é

preciso ter clareza do ponto de vista de onde se estará abordado a realidade, nesse

caso, a partir de um olhar geográfico. Assim, temos que identificar também os

conceitos mais adequados para o tratamento do nosso objeto.

Mesmo sem desenvolvermos a discussão teórica, estará pressuposta a

(re) produção do espaço numa óptica lefebvriana, o que, portanto, combina-se ao

método anteriormente descrito. Do mesmo modo, estará pressuposta a teoria da

renda da terra a partir de Karl Marx, que, em nosso trabalho, toca-se por meio de

Ribeiro (1997).

Pensando o espaço enquanto síntese de múltiplas relações, buscamos

apoio nas análises de David Harvey que cumprirá o papel de nos dá suporte para o

debate do recente desenvolvimento capitalista.

Como estamos tratando de um tema ligado à habitação consideramos

importante debater a partir dos clássicos, como Friedrich Engels, sobre o assunto, já

definindo aí nossa visão pessimista para resolução da questão da habitação, bem

como a questão urbana, dentro do atual modo de produção.

Ao nos determos mais especificamente ao fenômeno dos condomínios

fechados horizontais chamamos para o debate Caldeira (2000), Bauman

(2003;2009), Davis (2009), Le Goix (2005), Sposito (2006;2013). Estes autores

ajudaram a confrontar o tema da segregação e da desigualdade juntamente com

Lojkine (1981), Santos (2008;2013) e Villaça(2001;2011).

Do ponto de vista estrutural, consideramos diferentes frentes de análises

– Branco (2008), Carcanholo (2010), Magalhães (2010), Oliveira (2013), Pochmann

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(2012) e Sader (2007) - buscando manter uma coerência e uma autonomia

interpretativa em relação a esses autores.

Tendo em vista a escala metropolitana, buscamos amparo em trabalhos

que avançam na interpretação da produção do espaço de Fortaleza, tais como:

Amora e Souza (2012); Assis (2013); Barbosa (2009); Bento (2011); Costa (2005);

França (2011); Grangeiro (2012); Nogueira (2011); Silva (1992); Souza (2006); entre

outros.

Ainda que compreendidos os aspectos teóricos, a realização de uma boa

interpretação depende também de um bom levantamento de dados por meio de

fontes e mecanismos confiáveis. Assim, usamos na pesquisa uma dupla abordagem,

qualitativa (baseada principalmente na observação do bairro e no contato com os

seus moradores) e quantitativa (por meio de fontes secundárias), que, aplicadas às

bases levantadas na pesquisa, permitiram resultados mais precisos.

Nossos procedimentos operacionais compuseram:

O levantamento bibliográfico: pautado, grosso modo, em dois níveis. O

primeiro, acerca das questões mais gerais, permitiu a compreensão da

atual fase de desenvolvimento capitalista e da cultura engendrada por

esse modo de produção. Integrado a esse, o levantamento de uma

literatura mais específica, principalmente no plano de estudos locais ou

mais direcionados ao tema proposto. Estes movimentos interpretativos

implicam numa articulação entre o geral e o particular.

Entrevistas: direcionadas aos principais representantes do processo de

(re)produção do espaço, especialmente os ligados ao bairro Passaré.

São eles: moradores dos condomínios; moradores antigos do bairro;

família Girão; setor imobiliário; servidores públicos5. Optamos pelas

entrevistas abertas ou com questionários semiestruturados pela

flexibilidade na obtenção de informações.

A base documental: os documentos compõem registros de

loteamentos, ortofotos da cidade, programas de governo ligados à

habitação, planos diretores entre outros. O conhecimento das leis

municipais e federais também foi destacado, tanto pelo potencial de

5 A entrevista com os professores, gestores e funcionários da Escola II de Maio foi imprescindível, já que a

instituição foi sede da organização das lutas da comunidade.

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estímulo ao mercado, como para a verificação das irregularidades

cometidas.

Mídia: as informações acerca do mercado imobiliário que circulam nas

diversas modalidades de mídia, como a internet, os jornais impressos e

televisivos e a própria propaganda são dados que não puderam ser

descartados. Por eles foi possível, entre outras possibilidades,

identificar o discurso e encontrar pistas sobre a sua natureza.

Dados secundários: fontes de acompanhamento do mercado

imobiliário, da evolução demográfica e urbana e da economia em geral.

Sendo as principais:

1) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), com os índices de:

Densidade demográfica; Média de moradores por domicílio ocupado; Renda;

Crescimento Populacional; Assentamentos subnormais; entre outros;

2) Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis do Ceará

(SECOVI-CE)/ Instituto de Pesquisas e Estatísticas (INPES), com índices de

valorização por localização e por tipologia dos empreendimentos;

3) Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), com o Índice FipeZap de

Preço de Imóveis Anunciados e com variáveis de preços por bairro;

4) Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (ABECIP),

com as variáveis de valores financiados e índices de rendimento de poupança;

5) Relatórios de programas de estímulo ao mercado imobiliário (ex. PMCMV), a partir

dos quais se pode avaliar o impacto dos investimentos públicos sobre o setor privado;

Alem desses: IPECE, CBIC, ABECIP, SINDUSCON-CE além dos órgãos da PMF.

Campo6: este passo foi a pedra angular da pesquisa, que permitiu

conhecer a realidade dos condomínios fechados na RMF, em especial,

no Passaré, de modo a identificar suas nuances.

6 É possível distinguir nossas atividades de campo em dois níveis, campo amplo e campo específico. O que

chamamos de campo amplo é, na verdade, o resultado dos esforços coletivos do Laboratório de Estudos Urbanos e da Cidade (LERC), que realiza sistematicamente atividades que visam percorrer os recortes empíricos das pesquisas de seus membros. Com essa atividade foi possível percorrer as áreas de maior concentração dos condomínios fechados, que compreendem a região sul e sudeste de Fortaleza em direção aos municípios do Eusébio e Aquiraz, sendo o primeiro município o principal concentrador de loteamentos fechados do Ceará. O campo amplo abriu a possibilidade de perceber as variedades de condomínios e loteamentos fechados ocorridos na Região Metropolitana de Fortaleza, além das mudanças na dinâmica do uso da terra devido à valorização e à expansão imobiliária. Campo específico compreendeu as atividades realizadas no Passaré combinando observação e entrevistas abertas e semiestruturadas, realizadas tanto nos momentos iniciais da pesquisa, com a elaboração do projeto, como nas fases de análise mais detalhadas, onde elementos qualitativos e quantitativos se conjugaram.

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A pesquisa, todavia, envolveu muitas dificuldades, entre elas, o contato

com os moradores dos condomínios fechados. A insistência nem sempre fora

suficiente para conseguirmos alcançar nossos objetivos. Entrar nesses

empreendimentos necessitou invariavelmente de um contato interno, o que

impossibilitou, inclusive, que fizéssemos a pesquisa com todos os condomínios que

gostaríamos. Essa dificuldade em si foi tomada como um dado.

Por outro lado, pesquisa com os moradores dos conjuntos habitacionais,

com os antigos funcionários públicos do bairro e com a família Girão Brasil não foi

dificultada. A solicitude das pessoas, com gestos de confiança, ajudou bastante a

remontar parte da história do Passaré.

Apesar dos relatos de violência, sempre caminhamos sem maiores

perturbações pelos diferentes setores desse bairro. Nesses trajetos, quase derivas,

pudemos constatar as abruptas mudanças de “cenários” – a profunda pobreza das

casas construídas nas margens do rio contrastando com os belos projetos

paisagísticos dos condomínios para a classe média.

Ao longo dos quase dois anos de pesquisa, percebemos a velocidade das

mudanças naquela porção da cidade, novos prédios, restaurantes, centros

comerciais, academias de ginástica... tudo como um indicativo do aspecto qualitativo

assumido recentemente pelo bairro.

Os encontros com as pessoas fora do roteiro de nossa pesquisa foram

valiosos: uma conversa que ouvíamos em um boteco, uma discussão sobre política

nas calçadas, um comentário sobre o cotidiano do bairro durante o percurso do

ônibus... enfim, buscamos capturar as diversidade do bairro também por meio das

pessoas.

Organizado em três capítulos mais a conclusão, nosso trabalho procurou

identificar os nexos entre o fenômeno dos condomínios fechados no Passaré e o

quadro político e econômico mais geral.

No capítulo 1, As voltas com o Tema, quisemos proporcionar um

panorama do fenômeno, onde o condomínio fechado é apresentado através dos

vários debates que os tocam: expansão imobiliária, especulação, segregação,

crescimento da malha urbana, insegurança, controle, isolamento, desigualdade...

Deu-se assim como uma apreciação ampla, porém tópica. Do Llewelly Park ao

Alphaville, escavamos o sentido mais geral do formato residencial que se espalha

pelas cidades brasileiras.

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No capítulo seguinte, Fortaleza, produção desigual do espaço,

procuramos debater a cidade dando atenção ao duplo processo

modernização/atraso, enquanto par dialético. Nessa etapa da exposição, realizamos

uma leitura da formação socioterritorial de Fortaleza a partir das suas desigualdades

e contradições, em especial naquilo que se refere à moradia. Destacamos as

transformações da Capital cearense com o objetivo de pensar o conjunto de

aspectos que produziram as condições para a expansão recente em direção ao eixo

sul da Metrópole.

No último capítulo - Passaré, um idílio ao mercado – aproximamo-nos do

nosso objeto empírico. Nessa etapa do trabalho, o quadro diverso que compunha o

Passaré foi apresentado por meio de uma periodização baseada nas formas

dominantes de apropriação daquele território. Na última fase desta periodização,

intitulada de Terra com mercadoria, debatemos temas como mudanças na estrutura

no modo de governança urbana; especulação imobiliária; e natureza - esta última

ganhou especial atenção devido ao seu papel enquanto signo destaque no discurso

do setor imobiliário. Encerramos com Considerações finais que elencaram os

avanços e os hiatos da pesquisa.

Esperamos que este trabalho possa contribuir para os debates acerca da

cidade e do urbano – seja lançando elementos novos, seja deslocando o leitor para

uma reflexão instigante. Para nós, lançar-se na pesquisa significou um imenso

aprendizado baseado numa desconstrução/reconstrução contínua e que ao fim de

um processo formal não se encerra.

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2 AS VOLTAS COM O TEMA

Neste capítulo, apresentamos de modo panorâmico o fenômeno dos

condomínios fechados horizontais a fim de pensá-lo conceitualmente. Para isso,

ressaltamos nos níveis escalares mais amplos conflitos e contradições que

envolvem a disseminação deste que se apresenta enquanto importante tendência

habitacional. Começamos pelos condomínios fechados horizontais e não pela

urbanização porque, dentro de uma leitura da totalidade, essa escala nos possibilita

as pistas para as suas determinações econômicas, políticas e ideológicas. Do objeto

visível, tentamos regredir ao processo evolutivo do fenômeno, incorporando os

debates acerca da esfera urbana.

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PALAVRAS USADAS

Envolvendo o que apresentamos aqui enquanto condomínios fechados

horizontais há uma multiplicidade de nomes, categorias, conceitos e figuras de

linguagem, por isso, precisamos fazer algumas considerações sobre as palavras que

usamos. Nossa escolha não significa um fechamento a outras interpretações,

apenas desejamos tornar a exposição mais clara.

Comecemos pelos condomínios fechados horizontais, essa forma se

refere ao formato habitacional composto por casas encerradas por muros e com

algum sistema de segurança com controle de entrada e saída de pessoas, podendo

para isso ter desde uma portaria a um sistema complexo de vigilância. Em algum

momento do texto pudemos nos referir a eles apenas como condomínios fechados.

Outro aspecto relevante é que o condomínio fechado horizontal é colocado no

mercado com suas unidades prontas. Esse elemento é importante para o

distinguirmos de outra tipologia, os loteamentos fechados. Como o nome sugere, os

loteamentos fechados são postos no mercado ainda enquanto partes de um

parcelamento de terra já urbanizada, mas sem unidades habitacionais prontas. Os

loteamentos fechados também possuem organização condominial e investem

pesado em componentes de segurança.

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Tomamos como base a categoria7 desenvolvida por Caldeira (2000) dos

enclaves fortificados, que abrangem a produção de espaços residenciais, de

consumo, de lazer e de trabalho, que tenham como característica central a

propriedade privada para uso coletivo. Os enclaves fortificados são também

“fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes

arquitetônicos”, estando “[...] voltados para o interior” em contraposição à rua e

sendo “[...] controlados por guardas e sistemas de segurança” (CALDEIRA, 2000,

p.258-259). Baseados nessa categoria, propomos a noção de enclaves residenciais,

que abarcariam tanto os condomínios (verticais e horizontais) como os loteamentos

fechados. O esquema a seguir (Figura 1) busca tornar mais claro o que estamos

propondo.

Figura 1 – Enclaves fortificados por tipo

Fonte: Elaborado pela autora

Essa classificação põe como categoria mais geral o enclave fortificado, na

sequência, aparecem formatos destinados a usos diversos, mas com o aspecto

comum ligado ao espaço privado e monitorado. Aqui nos interessa principalmente

aquilo que chamamos de enclaves residenciais, em especial, os condomínios e os

loteamentos fechados, devido ao forte apelo ao idílico, com projetos que simulam

uma cidade “ideal” miniaturizada. Mais do que isso, as unidades que compõem os

enclaves residenciais se conectam pelo processo de reprodução e modo de vida,

articulados pelo sistema de transporte baseado no transporte individual.

7 Nesse caso, falamos em categoria no sentido de classificação e não no sentido filosófico.

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Esclarecidos os termos, propomo-nos a escavar a origem desse modelo e

de suas implicações no urbano.

2.2 DE LLEWELLYN PARK À ALPHAVILLE

Há cerca de quatro décadas foi lançado o primeiro Alphaville no município

de Barueri, na Grande São Paulo8. Este empreendimento foi a ponta da lança do

que viria em seguida em termos habitacionais. Duas décadas após o lançamento, o

padrão que envolve a construção de casas dentro de espaços protegidos por muros

e vigilância é expandido e diversificado, no Brasil.

A abrupta descontinuidade territorial promovida por esses enclaves

residenciais e a agressividade como a linha divisória entre o público e o privado são

impostas e põem o fenômeno como um novo nível de segregação socioespacial.

Não é possível igualar simplesmente os velhos bairros da burguesia a essa tipologia,

relacionando-os apenas à concentração da propriedade e à renda fundiária, ainda

que estes continuem sendo os aspectos centrais para a compreensão do problema.

No Brasil, há uma ampla variedade desses enclaves residenciais e

delineá-los conceitualmente de modo mais preciso é tarefa escorregadia devido à

marcha rápida e voraz do mercado imobiliário nacional. Desde os anos 1990, as

empresas do setor mobiliário têm investido pesado na consolidação desse padrão

habitacional por meio da promessa de um novo “estilo de vida”.

A princípio, essa promessa foi feita para os mais ricos e isso esteve

relacionado ao contexto de crise nas décadas perdidas, 1980 e 1990. É o que

explica Santos (2006), ao dizer que esse setor “optou por projetos visando

conquistar um segmento de alto padrão, não afetado pela crise econômica, que

começa a se desenhar com o chamado ‘milagre econômico’” (p.80).

As propagandas dos loteamentos fechados sempre ressaltaram: o poder

aquisitivo, a qualidade de vida, a elegância e a distinção social. A forma mercadoria,

casa inserida num condomínio fechado promete o retorno a um tempo idílico, mas

sob uma leitura essencialmente burguesa, o que também envolve a corrosão das

relações com os espaços públicos e abertos das cidades.

8 Empreendimento composto por loteamentos fechados para um mercado habitacional de alto padrão.

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Este conceito de empreendimento residencial que antes atendia apenas

ao segmento de maior poder aquisitivo foi expandido também à população de

ganhos salariais médios, mercado que possibilitou uma expansão significativa,

principalmente dos condomínios fechados horizontais.

Esse aspecto nos remete a Gottdiener (2010) que relata um fenômeno

ocorrido nos Estados Unidos do pós-Segunda Guerra Mundial. Ele narra que, em

1946, trezentos acres de terra a trinta quilômetros do centro de Manhattan foram

comprados pela Levitt and Sons que construiu milhares de casas do tipo Cape Cod9.

Gottdiener (2010, p.11) comenta que, “ao contrário das casas exurbanas dos

‘burocratas’ que precederam essa forma de empreendimento”, o padrão de casas

simétricas e simples ao estilo colonial da Nova Inglaterra foi destinado a um

mercado até então ainda não explorado, aos veteranos recém-chegados de guerra,

que contavam naquele momento com subsídios do governo para a compra e

financiamento de casas.

De acordo com Gottdiener (2010), a procura por esse tipo de habitação foi

intensa e, em pouco tempo, os imóveis sofreram uma valorização significativa. O

modelo se tornou próspero e levou a empresa a implantá-lo em outros lugares.

Apesar desse fenômeno não corresponder ao nosso objeto, ele nos ajuda a

compreender um dos fatores que o tornou tão popular, pois, de modo semelhante ao

dos Estados Unidos, com o caso das casas exurbanas, a mudança de padrão

construtivo, as facilidades de acesso ao crédito e, principalmente, o potencial de

mercado fizeram com que, no Brasil, os condomínios fechados, horizontais e

verticais, também sofressem expansão.

A inspiração para os condomínios fechados encontra-se, provavelmente,

no subúrbio romântico e utópico de Llewellyn Park, fundado em meados do século

XIX por Llewellyn Salomão Haskell, nos EUA (LE GOIX, 2005). Aí, todavia, teremos

uma oposição ao caráter distópico encontrado nos atuais modelos. Mas para além

dessa questão, o Llewellyn Park introduz vários dos elementos de destaque do

conceito atual de condomínios fechados, tais como: a governança privada, a

regulamentação da propriedade (através de cláusulas restritivas) e a garantia de

exclusividade do lugar (LE GOIX, 2005).

9 Estilo de casas coloniais comuns na região da Nova Inglaterra nos EUA. O estilo caracterizava-se pelo uso de

madeira e pelo desenho simples e simétrico, sem varanda, com várias janelas e telhado íngreme.

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Le Goix (2005) esclarece que, em contraste à relativa antiguidade dos

condomínios fechados, a dimensão da segurança é coisa recente enquanto

elemento que estrutura essa morfologia residencial, o que nos permite falar em

novidade em relação aos enclaves residenciais. O mesmo autor, acerca dessa

introdução da segurança privada, também argumenta que

Face à une violence réelle et perçue dans les grandes villes, les aménageurs et les autorités ont été de plus en plus confrontées au désir des résidants de limiter, de segmenter, de séparer les espaces, au nom de la sécurité. Les gated communities, au même titre que la sécurisation des centres commerciaux par des sociétés de gardiennage, sont également le reflet d’une défiance vis-à-vis des autorités publiques pour prendre en charge la sécurité des biens et des personnes. Cette défiance a bien été démontrée pour les développements fermés et sécurisés qui se développent dans les pays en voie de développement, où les propriétaires préfèrent faire appel à des services privés pour garantir leur sécurité, comme en Argentine ou au Brésil (CALDEIRA, 1996), mais également aux Etats-Unis (Low, 2003; LOW, 2001) ou en France (QUERRIEN, 1999). La fermeture correspond dans tous les cas à un désir sécuritaire, mais les raisons avancées pour expliquer leur développement peuvent varier : racisme en Afrique du Sud, peur des plus pauvres en Amérique latine, peur des kidnappings et des vols à Mexico, peur de l’homicide à Nairobi (raisons avancées par des acteurs locaux, relevées par Low, 2001). (LE GOIX, 2005, p. 7-8)

10.

Afastando-se do Llewellyn Park e olhando para a América Latina,

encontramos mais pistas que explicam o perfil dos condomínios fechados

brasileiros.

Os barrios cerrados, como são chamados os condomínios e loteamentos

fechados pelos autores de língua espanhola, têm se espalhado pelas metrópoles

latino-americanas, nas últimas décadas, configurando um novo modelo residencial,

como trata Riwilis (2008; p.119)

[...] um nuevo modelo residencial privado estadounidense que goza de una gran aceptación en América Latina y retienen mi atención a partir de una

10

Face à violência real e percebida em cidades grandes, planejadores e autoridades têm sido cada vez mais confrontados com o desejo dos citadinos de limitar, segmentar e separar os espaços em nome da segurança. Os condomínios fechados, bem como a segurança dos centros comerciais por empresas de segurança, também é um reflexo da desconfiança em relação à capacidade das autoridades públicas em garantir a segurança de bens e pessoas. Essa desconfiança é demonstrada por meio dos empreendimentos fechados e seguros, que se multiplicam em países em desenvolvimento, onde os proprietários preferem usar serviços privados para garantir a sua segurança, como na Argentina ou no Brasil (Caldeira, 1996), mas também nos Estados Unidos (Low, 2003; LOW, 2001) e na França (Querrien, 1999). O encerramento é, em todos os casos, um desejo de segurança, mas, para além desse fator, as razões que explicam sua expansão podem variar: o racismo na África do Sul, o receio dos pobres na América Latina, o medo de sequestros e roubos no México, o pavor do homicídio em Nairobi (razões apresentadas por atores locais, identificados por Low, 2001).

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33

problemática bastante amplia: El crecimiento de las desigualdades sociales, La transformación del rol del Estado local, la aceptación de las políticas neoliberales de privatizaciones, el acesso a lós bienes comunes y a lós servicios públicos, etc.

11

Comparando os Barrios cerrados latinos com aqueles vistos nos EUA,

Riwilis (2008) argumenta que, diferente do caso estadunidense, a América Latina

tem esses empreendimentos implantados em zonas compostas pela população

desfavorecida, o que implica em tornar mais aguda as desigualdades sociais e

espaciais.

Quando os loteamentos fechados são implantados, eles reproduzem

também espaços tradicionais de encontro da cidade, como praças e parques. Por

sua extensão, estão, em geral, localizados em regiões de menor concentração, o

que implica em preços do solo menos elevados para as incorporadoras.

Como os loteamentos fechados compõem uma área que em geral é maior

que as dimensões de uma quadra eles implicam necessariamente na privatização de

logradouros públicos12. Esse aspecto tem sido o principal mote usado pelos críticos

a esse padrão.

Nesse caso, o pacto com o Poder Público tem um papel fundamental, em

especial, na esfera municipal (SOBARZO, 2006). Os loteamentos fechados só

podem ocorrer ou porque há uma omissão do poder municipal ou porque o seu

executivo “solucionou” o problema da ilegalidade por meio de concessões para uso

privativo dos espaços públicos pelos moradores dos loteamentos. Para Maricato

(2008)

A ilegalidade da propriedade da terra urbana não diz respeito só aos pobres. Os loteamentos fechados que se multiplicam nos arredores das grandes cidades são ilegais, já que o parcelamento da terra nua é regido pela lei federal 6766, de 1979, e não pela que rege os condomínios, a lei 4591, de 1964. O primeiro e mais famoso dos condomínios - o de Alphaville,

11

[...] um novo modelo residencial privado estadunidense que goza de uma grande aceitação na América Latina chama a minha atenção a partir de uma problemática bastante ampla: O crescimento das desigualdades sociais, a transformação do papel dos governos locais, a aceitação de políticas neoliberais de privatização, o acesso a bens comuns e a serviços públicos, etc. 12

“De acordo com o art. 22 da Lei nº 6.766/79, a partir do registro do loteamento no cartório de registro de imóveis, passam a integrar o domínio do município as vias e praças, os espaços, livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. Por isso há quem afirme que os chamados "condomínios fechados" não são legais, pois as vias de acesso e demais áreas não privativas deveriam ser abertas a todas as pessoas, moradoras ou não do condomínio, por serem propriedade pública de uso comum do povo” (SILVA, 2008). Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11636>. Acesso em: 01 jul. 2014.

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em São Paulo - tem parte de suas mansões sobre terras da União. Moram em loteamentos fechados juízes, promotores do Ministério Público, autoridades de todos os níveis de governo. Eles usufruem privadamente de áreas verdes públicas e também vias de trânsito que são fechadas intramuros. Para viabilizar a privatização do patrimônio público, na forma de um produto irresistível ao mercado de alta renda, há casos de prefeituras e câmaras municipais que não titubearam em se mancomunar para aprovar leis locais que contrariam a lei federal. Ou seja, aprova-se uma legislação ilegal, bem de acordo com a tradição nacional de aplicação da lei de acordo com as circunstâncias e o interesse dos donos do poder.

13

Esse tipo de prática nos é esclarecida por Martins (1999) ao dizer que “no

Brasil a distinção entre o público e o privado nunca chegou a se constituir, na

consciência popular, como distinção de direitos relativos à pessoa, ou cidadão”

(p.21-22). Assim, conforme Sorbarzo (2006), o que se constituiu, na verdade, foi um

Estado de práticas clientelistas e patrimonialistas que procurou responder às

demandas dos mais poderosos.

Mas retomemos a forma para pensarmos outras especificidades. Além do

loteamento fechado, há também o condomínio fechado horizontal, que é, no nosso

modo de ver, um padrão imitativo do loteamento fechado pensado, em geral, para

escalas espaciais menores. O modelo possibilita também a sua implantação em

grandes metrópoles com normas mais rígidas de uso e ocupação do solo. Mas há aí

uma ressalva, já que os condomínios fechados são bastante diversos do ponto de

vista da sua forma e tamanho: nem todos os condomínios podem ser considerados

legais. Alguns são formados por ruas que, à revelia, foram fechadas; outros

simplesmente são tão grandes que estariam muito mais próximos dos loteamentos

fechados, no que se refere ao uso do solo com encerramento de áreas públicas.

Para incorrermos em menores erros e não entrarmos em generalizações

que mascaram mais do que explicam a realidade propomos classificar esses

projetos em três níveis escalares simples: pequeno, quando o tamanho for inferior a

uma quadra – são os mais frequentes em Fortaleza, em certa medida, pode ser

difícil distingui-los das vilas; médio, quando ele ocupar inteiramente uma quadra –

são mais equipados e, pela área que demandam, estão nas regiões menos

adensadas da cidade, podem também ocorrer com complexos de condomínios;

grande, quando a sua área for maior que os limites estabelecidos pelo zoneamento

– estes são encontrados fora de Fortaleza, em municípios da Região Metropolitana,

13

Revista Piauí, Edição 21, tribuna livre da luta de classes, Junho de 2008. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-21/tribuna-livre-da-luta-de-classes>. Acesso em: 04 jul. 2014.

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que flexibilizam mais as suas leis. Mais à frente, isto nos ajudará a pensar o perfil de

expansão desses enclaves residenciais.

O mercado abrangido pelos condomínios fechados horizontais é

notadamente amplo. Esse padrão comporta desde projetos voltados para os

segmentos de maior renda, até aqueles de perfil para financiamento do Programa

Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). E isso, para nós, implica numa atenção ainda

maior por seu potencial de expansão.

Ainda do ponto de vista da forma é possível realizar distinções e levantar

perfis a partir dos modelos arquitetônicos dos condomínios e loteamentos fechados.

Os enclaves residenciais destinados aos extratos de renda mais elevadas

comumente se compõem de unidades assobradadas e com afastamento das

demais, são imóveis maiores construídos nas proximidades de vias de rápido

acesso às áreas mais dinâmicas da cidade. Nestes projetos o espaço destinado ao

lazer é mais amplo e variado. Quando voltado para os segmentos de renda que

entram no mercado pelo PMCMV, esses empreendimentos continuam a reproduzir

elementos comuns aos grandes enclaves residenciais, porém com padrão inferior.

Nos últimos anos, os enclaves residenciais têm recebido diversos

adjetivos oriundos da inventividade necessária à concorrência frenética no mercado.

Há todo tipo de empreendimento: se os terrenos estão localizados no litoral,

comumente são vendidos enquanto segunda residência e recebem o título de

“resort”; se estão no interior, são projetados como country club; se a região é menos

atrativa se criam internamente elementos de paisagismo e se reforçam as

facilidades ligadas às vias de fluxo rápido, nesses casos, é comum a referência à

ideia de bairro planejado.

Vale a pena acentuar o caso dos condomínios resorts. Modelo que na

costa cearense encontra enorme potencial de expansão devido aos elementos

cênicos e aos investimentos públicos no campo do turismo. De acordo com Souza

(2013), eles são formatos híbridos que “possuem, ao mesmo tempo, unidades

residenciais ocasionais e unidades hoteleiras; além de terem oferta permanente de

serviços turísticos” (p.124). Atualmente, a concentração desses empreendimentos

ocorre no litoral metropolitano, nas faixas litorâneas do Município de Caucaia e

Aquiraz (SOUZA, 2013).

Fundamentalmente há entre os condomínios e os loteamentos fechados o

movimento comum da produção de um espaço que simula àqueles de sociabilidade

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urbana sob a forma privada do intramuros, tais como: logradouros, praças, parques,

equipamentos de lazer... Com esse modelo, os enclaves residenciais, condomínios

ou loteamentos fechados, baseiam-se numa tentativa burguesa de amortização dos

conflitos sociais urbanos por meio do controle do espaço.

2.3 O CONTROLE DO ESPAÇO

De modo muito mais amplo do que a aparência imediata nos revela, o

controle do espaço, por meio dos aspectos jurídicos e da propriedade privada, tem

um papel muito importante para o domínio de uma parcela da sociedade por outra.

Pensemos no modelo haussmanniano que, no Brasil, empurra para a periferia a

classe trabalhadora que, em sua despossessão, viverá mais ou menos confinada,

tendo como característica da sua mobilidade o movimento pendular

casa/trabalho/casa.

Isto é diferente para o caso dos domicílios dos mais ricos, que se verão

contemplados com um conjunto de equipamentos privados que tornará suas vidas

mais confortáveis. Terão também pouca ou nenhuma dependência das rotas feitas

pelo transporte público. As residências, muitas vezes, até estão localizadas a uma

distância considerável, mas que é relativamente comprimida pelo uso do transporte

individual e pelas vias de acesso rápido aos centros de maior dinamismo.

Acerca desse aspecto algumas questões devem ser levantadas: se há

uma tendência à expansão dos condomínios fechados para a classe trabalhadora,

quais serão as suas condições, tendo em vista a distância desses empreendimentos

das áreas dinâmicas da cidade? Há uma tendência à precarização mascarada por

um imaginário do estilo de vida dos mais ricos, vendida com esses

empreendimentos? Há mesmo uma escolha e até uma auto-segregação por esse

perfil de residente?

Para Lefebvre (2008), o espaço não é neutro, ao contrário, está carregado

pela intencionalidade de políticas que o tornam instrumento para a manipulação de

classe. É também o lugar e o meio onde se desenvolvem e se enfrentam as

estratégias de classes. De acordo com este autor

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[...] o espaço instrumental permitiu a segregação generalizada, dos grupos, das funções e dos lugares. Salta aos olhos o contraste entre subúrbios de pavilhões e os ‘grandes conjuntos’, entre os centros que subsistem, que resistem à degradação, e as periferias desurbanizadas. A classe operária se reparte entre os pavilhões, os ‘grandes conjuntos’, as cidades novas e satélites, com uma preferência subjetiva pelo pavilhão. (P.172).

O controle do/pelo espaço tem certamente seu mais poderoso mote na

conformação da propriedade privada e na concentração desta. Daí vale nos

voltarmos um pouco para o debate referente ao processo de ‘loteamento’.

Maia (2006, p.155) explica o verbete ‘loteamento’ como oriundo do

‘lotear’, que, por sua vez, tem origem no ‘lote’, que se refere ao “quinhão que cabe a

alguém em uma partilha”. O termo ‘lote’, a princípio, designa a divisão de heranças,

todavia, em um momento posterior, no século XX, o termo já era visto assinalando

para “o significado de ‘porção de terra, autônoma, que resulta de loteamento ou

desmembramento, e cuja testada é voltada para logradouro público reconhecido ou

projetado’” (MAIA, 2006, p.156). No Brasil, a divisão do solo em lotes ocorreu com a

edição da Lei de Terras (1850), movimento necessário para a transformação do solo

em mercadoria (MAIA, 2006), o que propiciou um controle de classe por meio da

despossessão da terra enquanto meio de produção e reprodução.

Pensando essa questão do ponto de vista das conformações de um

proletariado urbano, Abreu (2001)14 ressalta que o mercado de terras se estruturou

mais rapidamente nas cidades brasileiras que sofriam maiores pressões migratórias,

ou seja, Rio de Janeiro e São Paulo. Para este autor as

Transações com terras e moradias tiveram lugar no Brasil desde o século XVI. O que ocorreu de novo no final do século XIX - e nas grandes cidades - foi que ambas transformaram-se rapidamente em ativo financeiro. Na esteira da redução da fricção do espaço, que bondes e trens proporcionavam, e do aumento da demanda por habitação, que o crescimento demográfico impunha, o retalhamento de terras se acelerou e a desconcentração urbana rapidamente se realizou, só que sob novas bases: transações com chácaras e lotes, antes realizadas principalmente em função de seu valor de uso, passaram a ser determinadas sobretudo pelo valor de troca. E algo mais ocorreu. O retalhamento deixou de ser produto da ação isolada de um proprietário fundiário que dividia sua chácara em poucos lotes urbanos. Surgiu a promoção fundiária em grande escala, representada por empresas capitalistas dedicadas à produção e comercialização de lotes urbanos, em muitos casos em estreita associação com o capital bancário. (S/p).

14

O documento aparece online, mas sem paginação. Disponível em: <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal8/Geografiasocioeconomica/Geografiaurbana/62.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2014.

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Com a mercantilização da terra conformam-se também novos modos de

organização do espaço urbano, isto porque

Como resultado, grandes loteamentos surgiram na paisagem urbana, tanto para a burguesia em ascensão quanto para o proletariado em formação. Diferenciaram-se uns dos outros por sua localização no tecido urbano, já que as cidades maiores abandonaram de vez a estrutura urbana anterior e passaram a crescer segundo vetores de expansão distintos, separando usos e classes sociais no espaço. Diferenciaram-se também pelo produto oferecido, que passou a variar da alta qualidade dos bairros criados para os mais abastados, inspirados no modelo howardiano da cidade-jardim e grandemente beneficiados pelo Estado com infraestrutura, ao nada urbanístico oferecido nos loteamentos proletários. Agravou-se a partir daí o processo de acesso diferencial dos grupos sociais às benesses urbanas, o que exigiu que os mais pobres passassem a lutar cada vez mais para obter do poder público os benefícios que este, não raro antecipadamente, concedia aos bairros mais ricos. (ABREU, 2001, s/p).

A expansão urbana foi orientada, então, pela consolidação do mercado de

terras. Nesta expansão, é necessário frisar que não apenas estava sendo criado o

elemento lote, mas também outro, a rua, necessariamente pública (MAIA, 2006)15.

Mas o caráter de coisa pública relativo à rua se “flexibiliza” na medida em que se

reorientam os interesses das classes dominantes. Debord (1997) coloca isso nos

seguintes termos:

O urbanismo é a concretização moderna da tarefa ininterrupta que salvaguarda o poder de classe: a manutenção da pulverização dos trabalhadores que as condições de produção tinham perigosamente reunido. A luta constante que deve ser levada a cabo contra todos os aspectos desta possibilidade de encontro descobre no urbanismo seu campo privilegiado. O esforço de todos os poderes desde as experiências da revolução francesa, para aperfeiçoar os meios de manter a ordem na rua, culmina finalmente na supressão da rua. (P. 132).

Portanto, a medida de controle dá-se sobre a restrição efetivada pelos

muros, fato que evoca a atualidade do debate do conflito de classes.

Para manter a propriedade e a integridade do que existe nesses espaços

entra em cena um aparato cada vez mais complexo de segurança. De acordo com o

15

O loteamento está previsto no art. 2º, § 1º da Lei nº 6.766/79, in verbis:“Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.

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Relatório da Associação da Indústria de Segurança (SIA)16, o mercado de

equipamentos de segurança eletrônica no País totalizou, em 2012, cerca de 1.2 bi

de reais e a previsão até 2017 é que esse valor triplique.

Atento a esse fenômeno, Davis (2009; p. 236) fala em uma “militarização

da vida da cidade”. Tratando mais especificamente da realidade americana, ele

escreve

Florestas de pequenas placas ameaçadoras avisando: “Reação Armada!” crescem nos gramados cuidadosamente aparados do Westside de Los Angeles. Até mesmo os bairros mais ricos nos canyons e nas encostas de colinas se isolam atrás de muros guardados por polícia privada armada e por moderníssimos equipamentos de vigilância eletrônica. (P. 235).

Em tom irônico Davis (2009; p.235) acrescenta: “bem-vindo a Los Angeles

pós-liberal, onde a defesa dos estilos luxuosos se traduz pela proliferação de novas

formas de repressão no espaço e no movimento, apoiadas na ‘reação armada’

ubíqua”. Este movimento de obsessão por sistemas de segurança corresponderia,

para o autor, ao Zeitgeist17 da atual reestruturação urbana.

Experiência também cada vez mais expressa pela arte, em especial, pelo

cinema. Em Alphaville18(1965), de Jean-Luc Godard, o controle sobre o espaço é

total, uma espécie de Big Brother da vida urbana comandada por uma mente

cibernética. Ali, todos os sentimentos foram apagados como estratégia de

eliminação de reações de possíveis sujeitos. A experiência do novo foi substituída

pela previsibilidade da ordem racional dum sistema. No The Village19 (2004), filme

de M. Night Shyamalan, a referência ao modelo de vida intramuros é evidente. O

autor insere o público em um “universo de Mito da Caverna”, o medo decorrente do

que está para além do terreno conhecido pelos habitantes mais jovens da vila que

faz com estes temam e rejeitem a possibilidade de contato com um mundo estranho

e selvagem.

Uma das obras cinematográficas mais citadas por intelectuais

destacados, como David Harvey e Slavoj Žižek é Blade Runner (1982)20, de Ridley

16

Disponível em: <http://www.siabrasil.org/relatorio.html>. Acesso em: 09 julho 2014. 17

Termo alemão cuja tradução significa “espírito da época”. 18

Vale ressaltar que a “grife” mais famosa de loteamentos fechados do país recebeu seu nome numa referência ao filme de Godard. 19

No Brasil, o filme recebeu o nome de A vila. 20

No Brasil, o filme recebeu o nome de O caçador de andróides.

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Scott. No seu cenário futurista a vida social está erigida numa América distópica.

Neste mundo sombrio e socialmente decadente, corporações anunciam uma

mercadoria-chave para o argumento do filme: colônias extraplanetárias, para os que

querem viver afastados do estado de barbárie do planeta terra.

Estes filmes se combinam à fala de Davis (2009) acerca desse Zeitgeist

sobre o espaço que ocorre como projetos arquitetônicos e urbanísticos vigiados sob

um aparato bélico. Isto tem, de acordo com o mesmo autor

[...] consequências de amplo alcance para as relações sociais do ambiente construído. Em primeiro lugar, a provisão de “segurança” de mercado gera sua própria demanda paranoica. A “segurança” se torna um bem posicional que se define por um nível de renda que permite o acesso a “serviços de proteção” privados, tornando o cliente membro de um enclave residencial rígido ou de um subúrbio restrito. Como símbolo de prestígio – e, algumas vezes, como limite decisivo entre os que estão meramente bem e os “verdadeiramente ricos” – a segurança tem menos a ver com a proteção de cada um do que com o grau de isolamento pessoal, e ambientes residenciais, de trabalho, consumo e viagem, em relação a grupos e indivíduos “desagradáveis”, ou mesmo a multidão em geral. (P.236).

Davis (2009) aponta para o isolamento pessoal como um fator importante,

direção semelhante tomada por Gomes (2006) que, ao observar esse

emuralhamento da vida social, relaciona-o a um individualismo de caráter hedonista

e narcísico. Ele também argumenta que uma série de equipamentos utilizados no

dia a dia serve de recurso para esse isolamento e que isso tem rebatimentos na

forma como as pessoas vivenciam a cidade.

Gomes (2006, p.186) ainda vai mais longe e diz que, no Brasil, a

concepção de “coisa pública se confunde, em grande medida, com algo de baixa

qualidade ou de uso exclusivo das camadas populares” e que, de certa forma, “[...] a

mesma desvalorização ocorre com o espaço público, uma vez que o acesso é livre,

e a frequência majoritária é composta, em geral, de elementos oriundos [das]

camadas populares”. Para o autor, essa tendência de isolamento e afastamento da

cidade, espaço público, ajuda a compreender o avanço dessas ilhas utópicas (ou

seriam distópicas?).

Ainda assim, sobre essa temática, o sentimento de insegurança é fator

importante nos argumentos da maior parte dos autores. À medida que “a

insegurança alimenta o medo”, desaparecem das ruas a “[...] espontaneidade, a

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flexibilidade, a capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos

os atrativos da vida urbana” (BAUMAN, 2009, p.68).

É Jacobs (2009) que ainda, nos anos 1960, observa uma contradição

importante nesse movimento de negação da rua em função do medo. Para ela, o

que dá vida à cidade e, respectivamente, aos seus bairros, praças, parques e ruas

são as pessoas. Não as que se isolam atrás de muros, dentro de prédios, com suas

janelas fechadas, ou no interior de carros com vidros fumês, mas aquelas que

circulam e se relacionam efetivamente com as outras e o lugar, e que por esse

motivo observam a rua. Para a autora, o que torna as ruas seguras são os olhos.

Assim, “a tendência a retirar-se dos espaços públicos para refugiar-se em ilhas de

‘uniformidade’ acaba se transformando no maior obstáculo para viver com a

diferença, e, desse modo, enfraquece os diálogos e os pactos” (BAUMAN, 2009,

p.71).

Mas nem tudo é afastamento. Bauman (2009, p.48) também observa que

existem duas tendências simultâneas na cidade – a mixofilia e a mixofobia – a

primeira se refere à busca pelo heterogêneo, a segunda, à repulsão ao estranho,

que passa a ser visto como perigoso. As duas tendências “coexistem não apenas

em cada cidade, mas também em cada cidadão” se tratando, todavia, “de uma

coexistência incômoda”. Assim, este

[...] isolamento das áreas residenciais e dos espaços frequentados pelo público – comercialmente atraentes para os construtores e para seus clientes, que entreveem uma solução rápida para as ansiedades geradas pela mixofobia – é, de fato, a causa primeira da mixofobia. (BAUMAN, 2009, p.49).

Neste ou em outro contexto, a casa sempre é um objeto complexo do

ponto de vista das representações que a envolvem. Historicamente, ela sofreu

diversas metamorfoses, tanto da forma propriamente quanto do seu sentido. A casa,

como qualquer outra coisa produzida socialmente, é síntese de relações intricadas,

mas que pode ser lida, tendo em vista o contexto de produção material e imaterial de

uma época.

A casa que conhecemos hoje é o resultado da separação entre o lugar de

trabalho e o de moradia. Paulatinamente ela se tornou um lugar mais privado e

íntimo. Com a ascensão e conformação da classe burguesa, “a vida familiar

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começou a adquirir uma dimensão mais privada e aspectos como o conceito de lar

ou o direito à intimidade passaram a ser reivindicados” (CORTÉS, 2008, p.72). Este

será o modelo dominante que se seguirá

[...] em que cada família começará a levar uma vida independente do resto, adquirindo características de domesticidade totalmente desconhecidas até então, que marcarão a criação do lar e a evolução arquitetônica e ideológica do papel da casa: cada vez menor e menos pública. (CORTÉS, 2008, p.73).

Para além da casa, o mercado tem criado um habitat “espetacular no qual

tudo é cenário” (CORTÉS, 2008, p.98). Onde, de acordo com SANTOS (2006,

pp.84-85), “a contradição é eliminada apenas na aparência asséptica dos conjuntos

residenciais” que se multiplicam com enormes vantagens de lucro para os

incorporadores.

Grosso modo, existe uma carga simbólica envolta nesse fenômeno que

compreende elementos contraditórios como: a busca pela distinção ao mesmo

tempo em que ocorre uma homogeneização; a privatização do espaço sincrônica à

celebração do seu uso coletivo pela comunidade intramuros; o retorno a um ideário

de natureza, mas com a sua efetiva descaracterização; a tranquilidade baseada na

resposta violenta a qualquer elemento externo que desregule a ordem; o desejo de

espontaneidade frente a uma paranóia sistêmica21; o apego ao sentido de

comunidade em simultaneidade com uma atitude de apatia frente à miséria que é

posta ao conjunto maior da sociedade... De alguma forma, estas contradições

ajudam a produzir o próprio movimento.

Na medida em que os condomínios e os loteamentos ocorrem como uma

reprodução miniaturizada do mundo, eles se apresentam também como uma

fetichização da cidade. Na realidade, todo um conjunto do espaço, sob uma forma

reticular, é mobilizado a cumprir essa função de fetichização da cidade, talvez

também tenha sido nesse sentido que Caldeira (2000) propôs a ideia de enclaves

fortificados.

Essa forma de apresentar o objeto em questão é importante, pois coloca

a possibilidade de pensarmos os condomínios fechados ligados espacialmente e

21

Conceito trabalhado por Christian Ingo Lenz Dunker, ver entrevista publicada na revista Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v.11 n.3, p.693-697, set./dez.2013. Disponível em: <http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r510.pdf>. Acesso em: 02 março 2014.

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logicamente a equipamentos como shopping centers, parques temáticos, centros

empresariais, entre outros. Não é à toa que esse equipamento para o consumo se

tornou alvo de investimentos privilegiados do capital na última década. Em pouco

mais de cinco anos, Fortaleza recebeu quatro grandes shoppings, o que implica num

apelo a modalidades de consumo e lazer cada vez mais distantes das

singularidades da cultura local. Uma reflexão nesse sentido é feita por Cortés (2008)

[...] “ir às compras” é, sem dúvida, uma das últimas formas de atividade pública que as pessoas realizam todos os dias. De fato, essa atividade está se convertendo em um rito tribal de caráter mundial que milhões de pessoas cumprem cotidianamente. Nesse processo de transformação urbana e social, as estruturas da cidade estão penetrando no espaço que os centros comerciais criaram, enquanto estes estão substituindo a cidade, ocupando o lugar de seus tradicionais registros simbólicos e espaciais. Desse modo, a praça pública – como lugar de reunião e encontro da cultura – simplesmente desapareceu e todas as atividades que nela se congregavam (um espaço aberto onde pessoas se comunicavam e compartilhavam suas experiências) foram substituidas por uma nova arquitetura, a do centro comercial [...]. É nesses espaços que se tem conseguido relacionar categorias até então consideradas bastante divergentes: entretenimento e consumo, público e privado, teatro e vida, convertendo-se tais espaços em lugares de uma identidade fluida nos quais o tempo parece não existir e onde se rompeu o contato com o exterior. (P. 86-87).

Assim como nos condomínios fechados, os shoppings têm papel

fundamental no controle social

Trata-se de um controle penetrante, encoberto, muito sutil e consensual do qual participam, inconscientemente, mas ativamente, os próprios envolvidos, ao ser seduzidos pelos prazeres do consumo e do bem-estar. Trata-se também da mercantilização das experiências da vida por meio do consumo e do entretenimento. Assim, as pessoas são socialmente integradas e seduzidas através da dependência do mercado; o consumo e os lugares onde este se realiza convertem-se em estruturas que canalizam o comportamento e a conduta das massas, a ponto de ser considerados elementos fundamentais da manutenção da ordem social. (CORTÉS, 2008, p.89).

O mesmo autor fala em uma “homogeneização dos seres” referindo-se à

formatação por meio da padronização das relações. Assim, o espaço e as relações

que o envolvem estão cada vez menos situados nos campos da espontaneidade, da

criatividade e da sociabilidade. Ao fim, o modelo socioeconômico liberal criou

espaços e sociedades menos livres do ponto de vista do sujeito (permanecemos na

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“pré-história”, como diria Marx). Hoje, mais do que em qualquer outra época, a

experiência de liberdade encontra-se restrita às amarras do capital.

Para Caldeira (2000), os enclaves fortificados são espaços que embutem

a carga simbólica do prestigio. Enquanto processo essa visão requereu uma

inversão no pensamento burguês no século XX. A ideia da residência horizontal

localizada nos bairros centrais foi cedendo espaço para outras versões

habitacionais, como o prédio de apartamentos e os condomínios e loteamentos

fechados. Para algumas regiões, já é possível questionar se o enclave fortificado

ainda é apenas um fragmento de contraste com o restante do território.

Correia (2004, p.73) narra que, durante a década de 1940, no Brasil, as

restrições aos prédios de apartamentos atingiam inclusive a classe média. Entre as

problemáticas apontadas, “o barulho dos vizinhos e o hábito de lançar os mais

diversos objetos pelas janelas somavam-se aos altos preços dessas moradias”. De

acordo com o texto da autora, as opiniões divergiam entre a defesa dessa

concepção moderna de habitação, muito associada à praticidade, e a ideia de que

seria difícil para o brasileiro se acostumar a viver civilizadamente nesse tipo de

moradia. Pelo menos no caso do Brasil, a percepção negativa do apartamento

persiste, é o que diz Caldeira (2000), confronta-se, todavia, com os altos preços dos

imóveis horizontais dos bairros mais bem equipados e com o medo da violência

urbana.

Esse medo da violência foi (é) usado para transformar duramente a

paisagem das cidades. Os muros ergueram-se, os olhos de desconfiança lançaram-

se sobre os mais pobres, a miséria foi sendo empurrada para longe dos espaços

privilegiados da burguesia, a rua foi considerada hostil... Abriu-se margem também

para um permanente controle que, contraditoriamente, corrói aquilo que é aspecto

básico da vida urbana: a privacidade e o anonimato. É o “urbanismo do medo”, como

designa Pedrazzini (2006), espalhando-se vertiginosamente pelas cidades em todo o

mundo.

2.4 SOBRE CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Ao se estudar o movimento de expansão dos condomínios fechados

horizontais verifica-se mais do que uma simples novidade imobiliária criada para

atender às demandas geradas pelo medo da violência urbana. Ora, mas o que seria

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esta violência urbana? Crise do capital? Crise urbana? Estas questões são

importantes porque nos remete a uma dimensão que não está posta num plano mais

imediato, ou seja, é necessário avaliar que contradições estão possibilitando a

realização desse tipo de morfologia na cidade, relacionando-a a um conjunto de

transformações de ordem social, política, econômica, ideológica e cultural. E não só

isso! Compreender o movimento; a reprodução concomitante a esta produção.

Aproximemo-nos das principais mediações exigidas pelo nosso objeto.

O movimento de expansão dos condomínios fechados horizontais é aqui

entendido como produção do espaço e não como simples organização do espaço.

Carlos (2011) ressalta essa distinção ao tratar de um deslocamento do pensamento

geográfico que enfocava a localização das atividades dos grupos humanos no

espaço para um que busca analisar os conteúdos das relações que constituem esse

espaço. Para ela

A produção como categoria central de análise abre a perspectiva de desvendar, antes de tudo, a vida humana – a produção como atividade/ação essencial do humano – ao mesmo tempo em que permite pensa-la em cada momento da história da humanidade, o que significa dizer que a produção se define com características comuns, em diferentes épocas, fundada em relações reais que se desenvolvem no bojo de um movimento real e, em cada momento dessa história, em suas particularidades. Portanto, a noção de produção contempla também um duplo caráter: ele se refere ao próprio processo constitutivo do humano (enquanto ser genérico) e tem um caráter histórico. (CARLOS, 2011, p.55)

Isto está pautado, de acordo com Lefebvre (1999), no duplo caráter da

categoria produção em Engels e Marx, ou seja, na produção de objetos

concomitante a do próprio ser.

Assim, a produção ultrapassa o “mundo do trabalho (sem, todavia, deixar

de incorporá-lo), para estender-se ao plano do habitar, do lazer e da vida privada,

expandindo sua exploração pela incorporação de espaços cada vez mais amplos”

(CARLOS, 2011, p.56). “Quem diz ‘produção’ diz também ‘reprodução’, ao mesmo

tempo, física e social: reprodução do modo de vida” (LEFEBVRE, 1999, p.39). A

produção põe-se como processo específico concomitante à reprodução que ocorre

como o próprio movimento (CARLOS, 2008, p.34). Mas nos aproximemos um pouco

mais dessas categorias

[...] no trabalho, estamos a todo momento articulando a noção de produção àquela de reprodução: a produção está de um lado sendo analisada como

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momento particular do todo, e de outro analisada através de suas articulações e conexões com o movimento geral. Se o processo de reprodução, por um lado, refere-se ao processo de realização e acumulação do capital, por outro se refere ao desenvolvimento da vida humana. Assim, a noção de reprodução apareceria com um conjunto contraditório de significados. (CARLOS, 2008, p.35).

Desse modo, o espaço, mais do que expressão, é condição, meio e

produto das relações sociais. Os condomínios dos quais tratamos (e as

infraestruturas que o possibilitam) é uma condição cunhada no espaço para uma

reprodução ampliada do capital. Ele é também meio para esta reprodução, bem

como produto de uma dinâmica econômica, social, ideológica, política e cultural.

Nele se evidenciam as contradições e, por ele, elas se perpetuam.

Outro conceito fundamental à compreensão do urbano em geral e do

nosso objeto em particular é o conceito de segregação socioespacial. Largamente

utilizado pela Escola de Chicago, esse conceito teve, num primeiro momento, um

papel naturalizante das diferenciações da localização residencial das famílias norte-

americanas (VIEIRA; MELAZZO, 2003). A apropriação desse conceito por autores

marxistas (como Henri Lefebvre, Manuel Castells e Jean Lojkine) o tornou poderoso

na medida em que o laçou num pensamento dialético capaz de desvendar a

natureza das desigualdades materializadas no/e mediadas pelo espaço.

Vieira e Mellazzo (2003) citam Lefebvre para apontar três condicionantes

básicos para o modo de organização e produção espacial na sociedade capitalista,

são eles: “a) o espaço urbano é tido como sendo também uma mercadoria; b) em

consequência disso há um acesso diferenciado do espaço urbano entre as

diferentes classes sociais, e; c) resultado das condicionantes anteriores, há uma

apropriação subjetiva e ideológica do espaço” (p.164).

Os mesmos autores apresentam as contribuições de Castells e Lojkine. O

primeiro aponta a importância das políticas públicas habitacionais e define as forças

ou atores políticos. Desse ponto de vista, o Estado teria um papel privilegiado, mas

teria suas ações orientadas pelo interesse da elite detentora de capital. A terceira

força se daria com as classes sociais menos favorecidas, que teriam menor

influência decisória. Lojkine (1981), por sua vez, ressalta três tipos de segregação

socioespacial

1) uma segregação entre o centro, onde o preço do solo é o mais alto, e a periferia [...]; 2) uma segregação entre zonas de moradia reservadas as

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camadas sociais mais privilegiadas e as zonas de moradia popular; 3) um esfacelamento generalizado das ‘funções urbanas’ disseminadas em zonas geograficamente distintas e cada vez mais especializadas [...]. (LOJKINE, 1981, p.167).

Villaça (2001) traz uma definição mais atenta à forma ao dizer que a

segregação socioespacial corresponde a “um processo segundo o qual diferentes

classes sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais

ou conjuntos de bairros da metrópole” (p.142). Acerca dos trabalhos que têm

abordado os condomínios fechados, Villaça (2011, p.39) manifesta que

Estes estudos – como a maioria daqueles sobre segregação – não colocam a segregação num contexto histórico nem a articulam com o restante da estrutura urbana, como também não mostram explicitamente (as vezes deixando apenas subentendidas) as articulações entre as esferas econômicas, políticas e ideológicas da sociedade. Enfim, não explicam esse tipo particular de segregação, limitando-se a articulá-lo ao advento da segurança, da violência urbana, dos interesses imobiliários, da cultura e dos novos valores por esses criados e/ou divulgados.

A advertência feita pelo autor é, para nós, muito importante, já que nos

lança o desafio de articulação a segregação dos condomínios com o conjunto

urbano e com a própria anatomia da sociedade capitalista atual. Villaça (2011)

também põe em questão o que tornaria esse tipo de segregação diferente daquele

observado nos bairros já tradicionais.

Acerca desse aspecto, Sposito (2006, p.182) contribui para esta resposta

ao argumentar que essa nova morfologia “é indicativo de que se vive uma ruptura no

movimento de estruturação urbana e que, portanto, há reestruturação dos espaços

urbanos”. As “relações entre as partes e o todo também podem ser vistas nas

múltiplas escalas a partir das quais os loteamentos fechados redefinem o par centro-

periferia na urbanização contemporânea” (SPOSITO, 2006, p.194). Além disso, os

condomínios fechados possibilitam uma homogeneização mais efetiva, mesmo que

em escala reduzida.

Sem negar a importância e sem abrir mão do que foi produzido pelo

conjunto de autores que realizam estudos urbanos sobre o fenômeno dos

condomínios concordamos com os que negam a existência de um processo de auto-

segregação. Sobre isso Rodrigues (2013; p.163) coloca que “os de dentro podem

sair quando lhes for conveniente, sem que sejam barrados”, assim, a “segregação é

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imposta ao outro, aos que não podem entrar, sem serem devidamente autorizados”.

Villaça (2001; p.148), sobre isso, nos diz que a “segregação é um processo dialético,

em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a

segregação de outros”. Aí, ainda preferimos dizer que a segregação de uns provoca

um tencionamento “perigoso” para outros, que, por esse motivo, resolvem proteger a

si e aos seus bens.

Para Rodrigues (2013) os loteamentos e condomínios fechados compõem

uma segregação socioespacial baseada na propriedade privada da terra com a

incorporação da mercadoria segurança. Essa tríade terra/casa/segurança é, todavia,

“apenas uma das formas de produzir e reproduzir o espaço urbano que concretizam

uma das maneiras de segregação socioespacial” (RODRIGUES, 2013, p.151).

No caso dos condomínios e loteamentos fechados, não será apenas o

seu volume a justificar a atribuição de um processo de segregação, mas o seu

aspecto qualitativo, na medida em que se verificam novos modos de apropriação da

cidade. A relação com os espaços públicos transforma-se para uma parcela

crescente da população e isto por si só é relevante.

Mas o que determina a segregação socioespacial? Para Lojkine (1981) a

segregação é manifestação da renda fundiária urbana. Essa segregação se daria a

partir dos mecanismos de formação dos preços do solo, determinados, por sua vez,

pela nova divisão do trabalho. Villaça (2001; p.146) argumenta que essa leitura de

Jean Lojkine “refere-se a um conceito e a uma manifestação muito amplos de

segregação: aquela que divide a metrópole em centro periferia”. Ainda de acordo

com Villaça (2001) essa tese não resistiria a uma análise empírica mais detalhada,

isto porque nem sempre o preço da terra determina a distribuição espacial das

classes sociais. Ainda que colocadas tais questões de ordem espacial (pois não

estamos falando de cidades que sofreram uma urbanização clássica) e temporal (a

complexidade assumida pelo mercado em geral exige sempre novas mediações

adequadas aos novos mecanismos) consideramos a importância das hipóteses de

Jean Lojkine, em especial, pelo peso dado à dimensão da luta de classes, inata ao

modo de produção capitalista.

O próprio Villaça (2001; p.148) ao incorporar o enfrentamento entre a

leitura marxista e a leitura da Escola de Chicago nos diz que “a segregação deriva

de uma luta ou disputa por localizações; esta se dá, no entanto, entre grupos sociais

ou entre classes”. Nesse sentido, seria a segregação por classes àquela de maior

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influência sobre a estrutura urbana, que, para Lojkine (1981), por meio da renda

fundiária, marca de forma durável o desenvolvimento urbano.

Analisando a realidade brasileira, Villaça (2001) também avalia a validade

das considerações de Manuel Castells que fala em uma “homogeneidade interna” de

áreas. Villaça (2001) aponta que, para o caso do Brasil, é necessário considerar

que, a partir os anos de 1970, essa noção de “homogeneidade interna” fica

comprometida com a proliferação de favelas. Ele propõe, assim, que a segregação

seja analisada numa escala de uma “região geral da cidade” – compondo mais do

que o recorte de bairro e levando em consideração não uma homogeneidade interna

do recorte, mas sim, uma predominância do perfil de classe.

Sem usar o conceito de segregação socioespacial, Harvey (1980) trata da

relação espaço urbano/distribuição de renda. O autor explora a noção de “renda” a

partir do sentido expresso por Richard Titmuss (1962, apud Harvey, 1980), o qual

compreende que

Nenhum conceito de renda pode ser realmente justo se restringe a definição ampla que abrange todas as receitas que aumentam o poder do indivíduo sobre o uso dos recursos escassos de uma sociedade; em outras palavras, seu acréscimo líquido de poder econômico entre dois momentos no tempo... Por essa razão, a renda é a soma algébrica (1) do valor de mercado dos direitos exercidos no consumo e (2) da troca no valor do suprimento de direitos de propriedade entre o começo e o fim do período em questão. (P. 41).

Em Bottomore (1988), a noção de rendimentos liga-se à apropriação,

como lucro, de parte do mais-valor produzido na esfera da produção. De acordo com

Marx (2011), no tocante à distribuição, o que ocorre é o repartimento daquilo que foi

produzido segundo leis sociais. Na sequência disso: a troca, que mais uma vez

reparte o que já foi repartido. Na leitura feita por Richard Titmuss (1962, apud

Harvey, 1980), a renda inclui a troca.

Mas por que essa questão é importante? Para Harvey (1980; p.42)

interessa compreender “como mudanças na forma espacial da cidade e nos

processos sociais, que operam na cidade, provocam mudanças na renda do

indivíduo”. Como hipótese, Harvey (1980; p.42) oferece o exemplo em “que o

processo social de determinação do salário é parcialmente modificado pelas trocas

na localização das oportunidades de emprego (por categoria), comparadas com

trocas nas oportunidades de moradia (por tipo)”. Assim, o “fracasso do emprego e

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das oportunidades de moradia em manter-se em equilíbrio têm imposto custos de

acessibilidade para alguns grupos na população em relação a outros”. No sentido

tomado por Harvey (1980), a segregação é fator fulcral para o processo de

aprofundamento da concentração de renda.

Villaça (2011; p.50) expressa algo aproximado ao tratar de uma

“segregação dos empregos e dos locais de compras e serviços” que se articularia à

segregação residencial na medida em que a possibilidade de otimização dos tempos

gastos no deslocamento espacial dos moradores das cidades é o mais importante

fator explicativo da organização do espaço urbano. Há, assim, uma “grande disputa

social em torno da produção do espaço urbano” (VILLAÇA, 2011, p. 56). Essa

tensão em um país com estrutura social brutalmente desigual permite, na mesma

proporção, uma distribuição desigual das vantagens espaciais. Para Villaça (2001)

esse processo fomentaria ainda a dominação social e econômica da classe

trabalhadora.

Na observação do nosso recorte nos demos conta de que as disputas

sociais pelo espaço se tornam mais agudas na medida em que o processo de

produção do espaço se efetiva criando fatores que facilitam a realização da vida e

do próprio capital, em especial, aqueles ligados aos deslocamentos. Para os pobres,

a possibilidade de se beneficiar com investimentos públicos e privados na produção

do espaço parece sempre reduzida, se não arriscada. De acordo com Corrêa (2013;

p.43), a “política de classe que gera a segregação imposta e induzida é efetivada de

modo explícito”, realizada “torna-se muito difícil reverter os padrões espaciais das

áreas segregadas: a expulsão à força é um dos meios bastante conhecidos,

realizando-se uma ‘limpeza social’”.

Partindo da leitura de David Harvey, Corrêa (2013; p.42-43) tece

considerações importantes acerca da segregação socioespacial

I – de imediato, o acesso diferenciado aos recursos da vida, sobretudo aqueles recursos, que tendem a ser encontrados em áreas onde vive uma população de renda mais elevada e dotada de maior poder político para criar ou pressionar a criação de condições mais favoráveis para a existência e reprodução. [...] II – a existência de unidades espaciais favoráveis à interação social, a partir da qual, e dada a homogeneidade social de cada unidade, os indivíduos elaboram valores, expectativas e hábitos e se preparam para, como adultos, ingressar no mercado de trabalho, desenvolvendo ainda um dado estado de consciência nesse contexto de homogeneidade social, mais nítidas nos extremos sociais e menos no âmbito da classe média.

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Sposito (2013) trata de uma multidimensionalidade do conceito de

segregação. Pensando os seus possíveis adjetivos (étnica, social, espacial,

residencial, urbana...), a autora acentua a importância do reconhecimento dessas

dimensões e, dentre elas, a eleição de um aspecto relevante de modo a reforçar a

análise realizada.

Para Sposito (2013; p.63) “a segregação se refere à relação de uma parte

e o conjunto da cidade”. Quando parte desse pressuposto, a autora nega a

metodologia que se propõe a colocar parcelas do espaço urbano em comparação

com outras visando reconhecer áreas de inclusão/exclusão.

Negando a ideia de que “a segregação resulta de um processo de

‘competição’ pela melhor área residencial” Sposito (2013; p.64) se afasta também

das elaborações de Villaça (2001; p.142), que, para a autora, teria um pensamento

em aproximação com a Escola de Chicago ao considerar que “a segregação é um

processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se

concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais de bairros da metrópole”.

Para Sposito (2013; p.64)

É fato que as parcelas do espaço às quais se associa a segregação caracterizam-se por forte homogeneidade interna, mas essa constatação é insuficiente por duas razões: pode haver grande homogeneidade interna e não ocorrer segregação – quando há segregação, a forte homogeneidade interna do espaço segregado não é a explicação deste processo.

Sposito (2013; p.65) assume uma posição conceitual mais próxima a de

Henri Lefebvre ao compreender que o conceito de segregação só cabe às formas de

diferenciação que levam à separação espacial radical implicando rompimento,

sempre relativo, entre a parte segregada e o conjunto do espaço urbano, de modo a

dificultar as relações e articulações que movem a vida urbana.

A importância da leitura de Sposito (2013) encontra-se, para nós,

fundamentalmente na atenção dedicada ao que estamos chamando de enclaves

residenciais. Diferentemente de Villaça (2013), a autora ratifica a importância desse

fenômeno para os estudos urbanos. Para Sposito (2006), os condomínios fechados

redefinem o par centro/periferia na urbanização contemporânea. Sposito (2013;

p.68) expõe que

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[...] esses ambientes residenciais geraram novas formas de segregação socioespacial, que tornaram mais complexos, ainda, os processos de estruturação do espaço urbano. Refiro-me ao fato de que eles representam forma peculiar de segregação, segundo a qual os que têm maior poder (geralmente, mas não exclusivamente, econômico) decidem se separar dos outros. Trata-se, numa primeira aproximação, da inversão da tendência que vigorou durante grande parte do século XX, desde a proposição do conceito de segregação. Antes, a maioria engendrava ações, práticas e representações sociais, colocando em ação o processo de segregar, procurando isolar os de menor poder, qualquer que fosse a natureza desse poder.

Quando esse tipo de urbanização chega às camadas média e média

baixa da sociedade, há “piora da situação geográfica dos mais pobres, que tendem a

se afastar mais e/ou a se precarizar no processo de encontrar uma solução para os

problemas de moradia” (SPOSITO, 2013, p.69).

De um ponto de vista mais amplo, “a segregação surge em contradição à

reunião (sentido mais profundo da prática urbana) como porta de entrada para a

compreensão da condição urbana, hoje, na metrópole” (CARLOS, 2013, p.96). Está

ligada ainda à contradição fundamental da produção referente à dupla determinação

do trabalho: valor de uso/valor de troca. Portanto, tem o potencial de hierarquizar e

separar o espaço urbano na proporção do seu caráter de segmentação de classe

social. Na medida em que a segregação se aprofunda através da elevação dos

processos imobiliários, tornam-se nítidas a fragmentação, a homogeneização e a

hierarquização do espaço urbano, como demonstrou Botelho (2007), ao analisar as

práticas do setor imobiliário em São Paulo.

Aqui não pudemos amadurecer estas questões a ponto de expô-las em

maiores detalhes e complexidades, assim, apresentamos apenas algumas poucas

reflexões acerca das problemáticas que envolvem a segregação socioespacial.

Deixamos claro que, para nós, esse conceito permanece em constate reelaboração

devido a sua complexidade e centralidade para o temário urbano. Ainda assim, em

nosso trabalho, buscamos com este suporte conceitual visualizar e entender as

transformações da cidade de Fortaleza, do ponto de vista da produção do espaço, a

partir da introdução dos condomínios fechados, dando especial atenção ao bairro

Passaré.

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53

3 FORTALEZA, PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO

Neste capítulo, damos maior destaque à cidade e aos seus processos

constitutivos no intuito de apresentar as múltiplas determinações do fenômeno dos

condomínios fechados para a Metrópole fortalezense. A contradição

modernidade/atraso é destacada por considerarmos sua centralidade para o

entendimento do desenvolvimento territorial e econômico do Brasil.

3.1 MODERNO ATRASO BRASILEIRO

No Brasil, a urbanização é fruto de um projeto essencialmente limitado de

desenvolvimento, marcado pela indissociabilidade modernidade/atraso. O resultado

disso na paisagem é um contraste acentuado entre favelas e prédios de luxo, entre

carroças e porsches, entre catadores de lixo e acionistas, enfim, um desenho

socioespacial incomodamente assimétrico, um perfil fiel dos efeitos do capitalismo

reunidos num mesmo território. Enquanto faces da mesma moeda, esse fenômeno

exige uma imersão no seu processo constitutivo.

O País apresenta um processo mais intenso de urbanização a partir da

segunda metade do século XX (Gráfico 1). Em quarenta anos (1940/1980), a

população brasileira mais que dobra, passando da taxa de urbanização, na década

1940, de 31,2% a 67,6%, nos anos 1980. Se levarmos em consideração a

distribuição regional, essa evolução é ainda mais marcante, em algumas regiões. No

Sudeste a taxa já chegava a 82,8%, na década de 1980. Nos anos 2000, em termos

absolutos, a população urbana brasileira compunha-se de 160.925.804 pessoas, um

acréscimo de 142.142.913 habitantes, se comparado com a população urbana dos

anos 1950 (CENSO DEMOGRÁFICO, IBGE – 1950 a 2010).

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Gráfico 1 – Taxa de urbanização brasileira – 1940/2010

Fonte: IBGE

Maricato (2001; p.16) refere-se a essa evolução como “um gigantesco

movimento de construção de cidade”. Entre os principais marcos apontados pela

autora está a aplicação de investimentos e incentivos públicos ao setor industrial a

partir dos anos 1930. O desenvolvimento dessa indústria e o consumo de bens

modernos (em espacial o automóvel) reconfiguraram desde a ocupação do solo

urbano até o interior das moradias (MARICATO, 2001), marcando distinções ainda

mais profundas entre o modo de vida urbano e o desenvolvido no campo.

Parte significativa da urbanização brasileira se deu pelo processo de

êxodo rural. Esse movimento intenso de saída do campo se evidenciou também por

deslocamentos regionais. Nesse caso, o maior incremento, em termos absolutos, é

evidenciado na região Sudeste, que possuía, nos anos 2000, 13.620.179 de

habitantes não naturais das unidades da federação em que residiam (IBGE, 2000).

O crescimento urbano possibilitou a formação de um mercado consumidor

mais amplo de bens modernos. Esse consumo moderno e o acesso às vantagens da

cidade não aconteceram de modo homogêneo. Se tratarmos somente do quesito

habitação, teremos 18 milhões de pessoas vivendo em aglomerados subnormais

(IBGE, 2010). Isto sem falar nas periferias precárias comuns às grandes cidades

brasileiras, onde água, esgoto, iluminação pública, além de serviços ligados à

saúde, educação, transporte... não chegam de modo amplo. Morar na cidade não

significou efetivar o direito a ela.

Santos (2013) chamou a totalidade desse processo de “urbanização

corporativa”, pensando a apetência do capital sobre os recursos públicos, onde os

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gastos se concentraram em investimentos econômicos em detrimento dos gastos

sociais. Sobre o modo como as cidades brasileiras cresceram nas últimas décadas,

Santos (2013) argumenta

As cidades, sobretudo as grandes, ocupam, de modo geral, vastas superfícies entremeadas de vazios. Nessas cidades espraiadas, características de uma urbanização corporativa, há interdependência do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes dessa época: tamanho urbano, modelo rodoviário, carência de infraestruturas, especulação imobiliária, problemas de transporte, extroversão e periferização da população, gerando, graças às dimensões da pobreza e seu componente geográfico, um modelo específico de centro-periferia. (P.106).

Mantém-se uma relação dialética entre esses processos que inibem

possibilidades de uma urbanização atrelada a justiça social

As cidades são grandes porque há especulação e vice-versa; há especulação porque há vazios e vice-versa; porque há vazios, as cidades são grandes. O modelo rodoviário urbano é fator de crescimento disperso e de espraiamento da cidade. Havendo especulação há criação mercantil de escassez e acentua-se o problema do acesso à terra e à habitação. Mas o déficit de residências também leva à especulação, e os dois juntos conduzem à periferização da população mais pobre e, de novo, ao aumento do tamanho urbano. As carências de serviços alimentam a especulação, pela valorização diferencial das diversas frações do território urbano. A organização dos transportes obedece a essa lógica e torna ainda mais pobres os que devem viver longe dos centros, não apenas porque devem pagar caro seus deslocamentos como porque os serviços e bens são mais dispendiosos nas periferias. (P.106).

As dificuldades ligadas ao deslocamento cotidiano, especialmente da

classe trabalhadora, impõem um sobrenível de precarização da vida urbana.

Há aí um forte sentido de controle. Villaça (2011; p.53) ressalta que, ao se

tratar do deslocamento da população, está se falando em tempo e que a utilização

deste “no deslocamento espacial (tempo) dos moradores das cidades é o mais

importante fator explicativo da organização do espaço urbano e do papel da

dominação social que se processa por meio dele”.

Atualmente, esse tem sido um dos principais temas debatidos no contexto

das grandes cidades. Isto tem a ver também com o modelo de urbanização voltado

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ao uso do transporte individual, que privilegia os segmentos de renda com maior

poder solvente. Além disso, os bairros mais periféricos e pobres recebem os piores e

mais rarefeitos equipamentos de transporte, atendem no limite à necessidade do

próprio capital de deslocamento de força de trabalho.

Santos (2008) escava mais fundo o problema em particular chegando à

compreensão de que a situação de pobreza nos países subdesenvolvidos está

atrelada à ação conjugada das estruturas monopolísticas e do Estado, onde o

crescimento econômico ocorre com uma injusta distribuição. Se pensarmos com

Oliveira (2013), concluiremos que foi exatamente a condição de desigualdade que

serviu de base para o nosso modelo de desenvolvimento,

[...] para usar a expressão famosa de Trotsky, é não somente desigual mas combinada, é produto antes de uma base capitalista de acumulação razoavelmente pobre para sustentar a expansão industrial e a conversão da economia pós-anos 1930, que da existência de setores “atrasado” e “moderno”. [...] a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo. [...] o sistema caminhou inexoravelmente para uma concentração de renda, da propriedade e do poder, em que as próprias medidas de intenção corretiva ou redistributivista – como querem alguns – transformaram-se no pesadelo prometeico da recriação ampliada das tendências que queria corrigir. (OLIVEIRA, 2013, p.60).

O modelo produtivo implicou também numa defasagem na qualidade de

vida dos trabalhadores. Até bem pouco tempo, a produção esteve voltada para o

consumo da população com maiores rendimentos (SANTOS, 2008). Assim, “[...]

quanto mais a renda se concentra, mais o consumo dos grupos de alta renda se

diversifica e mais inadequada é a evolução do perfil de demanda, tornando evidente

uma subutilização dos fatores de produção” (SANTOS, 2008, p.188).

O que ocorreu foi que, na medida em que o País se modernizou, uma

parcela economicamente explorada e politicamente oprimida (GUNDER FRANK

apud SANTOS, 2008, p.196) não acessou os produtos (entenda-se mercadorias)

dessa modernização, desenvolveu-se, assim, um sistema econômico não-moderno

“[...] que compreende a pequena produção manufatureira, frequentemente artesanal,

o pequeno comércio de uma multiplicidade de serviços de toda espécie” (SANTOS,

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2008, p.197). Aí está o que Santos (2008) chamou de circuito inferior da economia

urbana.

Antes mesmo de qualquer “consciência ambiental”, o circuito inferior, bem

como toda a paisagem da periferia, demonstrou uma relação particular com os

objetos marcada pelo seu reuso, nesse caso, claro, pelas limitações econômicas.

Basta conhecer um pouco os bairros de Fortaleza como: Granja Portugal, Siqueira,

Bom Jardim, Barroso, entre outros, para encontrarmos esta tal paisagem. São

baldes que viram jarros de plantas, garrafas pets usadas como recipiente de água,

roupas velhas, como tapetes e pano de chão, pedaços de madeira transformados

em bancos, jornais utilizados como embalagens, roupas que são passadas entre

familiares e amigos, além das diversas lojas de conserto de aparelhos domésticos...

Elementos como estes nos orientam a pensar onde e como as classes se

reproduzem.

Fortaleza, sem contrariar a condição das cidades dos países

subdesenvolvidos, está marcada pela justaposição entre o moderno e o atrasado.

Há aí uma relação dialética que terá como síntese o aprofundamento das

disparidades sociais, econômicas e espaciais.

Há, todavia, um quadro diferente daquele analisado por Milton Santos.

Hoje, nem mesmo as atividades realizadas no âmbito do que Milton Santos chamou

de circuito inferior escapam à financeirização, processo que invade todos os

territórios e relações. Na última década, o Município de Fortaleza, associado a

agentes financeiros, implantou políticas de microcrédito voltadas, principalmente,

para atividades realizadas em bairros da periferia. Além disso, as operações de

venda com crédito foram amplamente disseminadas nos anos 2000 – do carro que

vende frutas, pamonha, sorvete ou outro gênero, às barracas de feira, todos

possuem uma máquina de cartão de crédito.

Em meio ao fôlego ainda positivo desse processo é difícil avaliar os

resultados dessa financeirização na periferia de Fortaleza, mas certamente não se

poderá deixar de falar nela daqui em diante. De modo evidente há uma ilusão

causada pelo consumo mediado por esse acesso ao crédito. As dificuldades

centrais, como o acesso a serviços básicos, permanecem e até se aprofundam para

a periferia, todavia o consumo de bens, como celulares, computadores, TVs,

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58

motocicletas, além de outros, dá a sensação de que se está revertendo o quadro de

atraso. No morro ainda tem maloca, mas agora tem antena de TV a cabo também!

A condição do acesso desigual à terra urbana permanece e a

especulação tem um papel central nisso. Para Santos (2013) “a especulação

imobiliária deriva, em última análise, da conjugação de dois movimentos

convergentes: a superposição de um sítio social ao sítio natural; e a disputa entre

atividades ou pessoas por dada localização” (p.106). Assim, a especulação

alimenta-se dessa dinâmica, alimenta-se também da expectativa frente ao

planejamento urbano com a implantação diferencial dos serviços coletivos

(SANTOS, 2013).

No que tange à especulação, mesmo a periferia não foge à lógica do

mercado. Foi o que observou Barbosa (2009) ao analisar as contradições que

envolvem a luta por moradia em Fortaleza. A ausência de uma cobertura jurídica

não impede que se forme na periferia um mercado de terras (BARBOSA, 2009).

Uma antiga moradora do Passaré questionada por nós acerca dos

empreendimentos imobiliários construídos no bairro os apontou em sua resposta

como algo positivo, já que valorizavam também seu próprio imóvel. O significado dos

processos de valorização, seu conteúdo de conflito e espoliação é esvaziado nas

condições de mercado em que a sociedade em geral é colocada. As lutas, mesmo

que legítimas, não confrontam aquilo que está na essência do modo de produção

capitalista, que é a propriedade privada.

Vemos assim o quanto a teoria da renda da terra ou renda fundiária

urbana é central para os estudos urbanos, é ela que, em boa dose, define os rumos

da produção do espaço. Devido à longa tradição nesse debate há um sem-número

de polêmicas sobre as quais não nos deteremos, todavia fazemos, mesmo en

passant, algumas referências aos aspectos fundamentais.

Partimos do pressuposto de que a terra não tem valor, apesar de estar

submetida a suas leis. O valor só pode ser produzido pelo trabalho, o que exclui a

terra por sua condição de substrato natural. A terra, todavia, como outras

mercadorias, vai ao mercado, onde pode ser negociada através de um preço. De

acordo com Ribeiro (1997; p.58), nas sociedades capitalistas, “o preço da terra não

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é diferente da renda, constituindo-se na sua capitalização a certa taxa de juros;

como esta é regulada pela taxa de lucro que apresenta a tendência a sua queda, o

preço da terra tende por sua vez a subir”.

São dois os mecanismos responsáveis pelo surgimento da renda na

cidade: o primeiro, relacionado aos processos capitalistas que utilizam o espaço

construído, produção e circulação de mercadorias; e o segundo, ligado aos

processos de produção dos valores de uso que entram na formação do espaço

construído (RIBEIRO, 1997, p.69-70). Nosso objeto está mais diretamente

relacionado ao segundo caso.

Longe de estar ultrapassado, esse debate é base fundamental para a

compreensão do fenômeno da segregação, questão já debatida anteriormente, e

ponto crítico da realização urbana como fora expresso por Lojkine (1981).

A teoria da renda da terra urbana baseia-se na renda da terra agrícola,

todavia, quando na cidade o capitalista e o proprietário de terras são as mesmas

pessoas, o problema ganha novas dimensões. Isto se liga ao fato de que a terra aí

não é apenas um substrato à produção de mercadoria, ela em si se transformou em

mercadoria. Tentamos, a partir daqui, demonstrar as implicações oriundas dessas

transformações em Fortaleza.

3.2 CRESCE A CIDADE, ERGUEM-SE OS MUROS

Ao longo do seu processo de formação, Fortaleza confirmou o caráter de

desigualdade que marca a urbanização latino-americana. Em 2010, foi divulgado

pela ONU22 um posto nada glorioso para a Capital cearense, a cidade apareceu em

13º lugar no ranking mundial das mais desiguais em termos de renda.

Fortaleza, em sua constituição, foi destacando-se do conjunto de cidades

cearenses. A condição de sede do poder político e militar e a sua localização ao

litoral foram fatores importantes para a definição do seu papel no quadro da divisão

internacional do trabalho.

22

O estado das cidades do mundo 2010/2011: unindo o urbano dividido.

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60

A Capital encontra-se entre os doze principais polos que compõem a rede

urbana brasileira (Tabela 1). Na hierarquia apresentada no REGIC (2008), Fortaleza

destaca-se como a terceira maior área de influência do País em termos

populacionais.

Tabela 1 - Metrópoles de comando das redes urbanas brasileiras*

Fonte: REGIC, 2008 *A soma dos valores apresentados para cada uma das redes supera o total nacional devido a interpenetrações pela ocorrência de vinculação em mais de um centro, resultando em dupla ou tripla inserção na rede.

Se analisada pelo papel polarizador em relação ao estado, Fortaleza

ganha dimensão ainda mais acentuada. De acordo com o IPECE23, a projeção de

Fortaleza para 2012 dizia respeito a uma população de 2.500.194 de habitantes,

esse número representava 29% da população do Ceará. Se compararmos as

projeções para a RMF, nesse período, em relação à população cearense, o

percentual chega a 43%. De 2001 a 2012, a taxa geométrica de crescimento

demográfico de Fortaleza representa 1,24%, muito próxima à do estado, que foi de

1,2%. Mas se a população da Capital não ultrapassou muito a média cearense, não

se pode dizer o mesmo das demais cidades da sua região metropolitana. Com

destaque para: Horizonte (4,58%), Eusébio (3,5%), Pacajus (3,27%) e Pacatuba

(3,15%), como podemos observar no Gráfico 2.

23

Cálculo feito a partir do Anuário Estatístico do Ceará – 2012.

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61

Gráfico 2 - Taxa de crescimento geométrico dos municípios da RMF -

2001/2012

Fonte: Elaboração da autora com base nos dados do Anuário Estatístico do Ceará – IPECE, 2012

De acordo com a pesquisa apresentada no Anuário Estatístico do Ceará,

a Capital aparece, em 2010, como concentradora de 28,4% dos empregos formais

da indústria de transformação no estado, tendo em seguida outro município da RMF,

Maracanaú, com 9,5%. A população economicamente ativa de Fortaleza tem uma

renda 42,6% superior aos habitantes das demais cidades do estado e seu PIB

médio, entre 2005 a 2010, representou 48% do PIB médio do estado.

No setor que mais nos interessa, o da construção civil, a concentração

também é expressiva. O Gráfico 3 demonstra que cerca de 59% das empresas

existentes no Ceará se encontram na Capital.

Gráfico 3 – Indústria da construção civil no Ceará - 2010-2011

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pelos SEFAZ/IPECE.

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Os dados elevam Fortaleza a uma importância significativa no contexto

regional. Uma atenção especial deve ser dedicada à questão. Quando analisados

somente no seu nível abstrato, podemos encontrar algo estranho ao real, por isso

precisamos nos deter em vários níveis da realidade: o ideológico, o político e o

econômico que são, a nosso ver, esferas importantes para a análise.

Assim, escolhidos os dados de crescimento, Fortaleza nos parece

reluzente; em pleno desenvolvimento, todavia a realidade que pode ser vista ao se

cruzar a Av. Costa Oeste24 - onde a verdadeira face atrás desses números é

representada pela desigualdade socioespacial. Começamos, assim, a entender que

não é o fator “desenvolvimento” que arrasta a si próprio pelos cabelos se elevando

do quadro de miséria, e sim, outro, que aparece sempre colocado como mero

obstáculo, o “atraso”, mas que é, na realidade, nacional, como bem destaca Oliveira

(2013), a escada desse desenvolvimento burguês. Naturalmente, não se pode

esperar que nos marcos de uma sociedade capitalista se apresente o real conteúdo

dos seus produtos, seria no mínimo constrangedor, no limite, bastante arriscado.

Nesse sentido, concordamos com Villaça (2011; p.37) quando explica que

“[...] nenhum aspecto da sociedade brasileira poderá ser jamais

explicado/compreendido se não for considerada a enorme desigualdade econômica

e de poder político que ocorre em nossa sociedade”. Ele ressalta ainda que “[...] o

maior problema do Brasil não é a pobreza, mas a desigualdade e a injustiça a ela

associadas”.

Durante algum tempo a desigualdade foi associada à dinâmica nova do

capitalismo no Brasil, era o tal discurso do bolo que crescia para ser repartido, mas

que para a classe trabalhadora não restou nem os farelos. Oliveira (2013) percebeu

bem isso ainda nos anos 1970 e acerca da condição urbana escreveu

Ora, o processo de crescimento das cidades brasileiras – para falar apenas do nosso universo – não pode ser entendido senão dentro de um marco teórico onde as necessidades da acumulação impõem um crescimento dos serviços horizontalizados, cuja forma aparente é o caos das cidades. (P.59).

Tratando da moradia, ele ainda argumenta que

24

Via que margeia o litoral oeste de Fortaleza percorrendo uma das zonas mais pobres da Capital. A avenida proporciona uma vista contrastante ao permitir uma visão panorâmica da orla.

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Uma não-insignificante porcentagem das residências das classes trabalhadoras foi construída pelos próprios proprietários, utilizando dias de folga, fins de semana e formas de cooperação como o “mutirão”. Ora, a habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho não pago, isto é, surpertrabalho. Embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado – a casa – reflete-se numa baixa aparente de custo de produção da força de trabalho – de que os gastos com habitação são um componente importante – e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de “economia natural” dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho. (P.59).

Parte significativa de Fortaleza foi construída sob essa condição,

especialmente os setores oeste e sul da cidade. A autoconstrução, muitas vezes

sem técnicas adequadas devido à escassez dos recursos, monta uma paisagem de

pequenas casas aglomeradas com tijolos à mostra. O procedimento construtivo é

árduo, após o erguimento de um cômodo de tijolo nu, uma família inteira passa a

ocupá-lo. Ao longo dos anos (e isso pode levar décadas), a casa vai sendo ampliada

e melhorada. Longe dos seus locais de trabalho, essa população gasta parte

considerável do seu dia nos deslocamentos casa/trabalho/casa.

O espaço é fator central para a dominação de classes e nesse sentido

Fortaleza viu desde muito cedo suas linhas serem redefinidas por uma lógica do

controle do espaço via urbanismo. Haussmann “veio” com Silva Paulet, engenheiro

militar que pretendeu “desentortar” a cidade, ainda vila, que seguia as espontâneas

linhas do Rio Pajeú.

No início do século XIX, a paisagem da vila compunha poucas

construções sobre seu areal. Apenas dois sobrados haviam sido construídos, sendo

apenas um feito com tijolos e telhas, onde teve sede a intendência municipal

(GIRÃO, 1979). Em geral, o perfil das habitações era a de casas térreas

monotonamente justapostas, estreitas e achatadas, construídas da taipa – madeira amarrada a cipós, com enxameio de barro – mostrando duas àguas sós, de tenha vã caindo para trás e para frente, em beira de bica ou beira e sub-beira, paredes lisas, raras com platibandas ou frontões, sem arabescos decorativos, sem frisos, sem colunatas, sem azulejos, sem coisa alguma o melhor gosto arquitetural. O resto, a mor parte, eram tugúrios de palhas, mocambos míseros, dispersos à toa, onde, no mais extremo desconforto, a pobreza fragilmente se resguardava da soalheira, naquele ardente lençol de areias brancas. (GIRÃO, 1979, p. 78).

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64

A condição de desprovimento e singeleza começa a ser alterada com o

desenvolvimento do comércio algodoeiro e com a assimilação dos gostos

burgueses. O núcleo urbano cresce de modo mais acentuado, eliminando àquilo que

fugia ao traçado. Nesse período, Adolfo Hebster “alonga as linhas” de Fortaleza para

onde são hoje as Avenidas Nogueira Acioli e Domingos Olímpio e até a altura das

praças Gustavo Barroso e Paulo Pessoa (GIRÃO, 1979).

A saída do algodão não se deu sem a entrada do capital estrangeiro em

termos produtivos. O contato com a Inglaterra trouxe também suas sucursais.

Algumas companhias passaram a atuar na exploração de serviços, como no

fornecimento de iluminação pública, implantado em inícios de século XX. O contato

com os ingleses e a sua influência podem ser evidenciados pelas denominações

dadas às lojas e bares pertencentes a brasileiros, tais como: Casa Manchester,

Túnel de Londres, Ship Chandler e Casa Reeckell (GIRÃO, 1979).

Com o algodão, o contorno assumido por Fortaleza foi principalmente o

comercial. De acordo com Ponte (2001), a cidade configurava um quadro florescente

de mercado de trabalho, além disso, a infraestrutura urbana já contava com

calçamento em algumas ruas centrais, linhas de navios a vapor para a Europa e Rio

de Janeiro, sistema de abastecimento de água, Biblioteca Pública, Santa Casa de

Misericórdia, entre outros.

A cidade como um todo, em meados do século XIX, “[...] estava passando

por significativas transformações que a tornaram o principal centro político,

econômico, social e cultural da província” (PONTE, 2001, p.24). Ali já era possível

observar as primeiras marcas de um intenso processo de reajustamento social da

população fortalezense (PONTE, 2001). É nesse momento também que Fortaleza

apresenta um dinamismo superior ao de Aracati – sua maior rival até então (SILVA,

1992).

Os planos urbanísticos fortalezenses, imitativos dos haussmannianos,

representaram, para a época, um forte controle do território pelo Estado. O que fazia

demasiado sentido se pensarmos nesta importância e convergência urbana

florescente de Fortaleza. Controlar para progredir era preciso!

Não só o controle do território era imprescindível, mas de toda uma gama

de medidas relacionadas ao comportamento. Tratava-se, portanto, de um processo

disciplinador que pretendia determinar uma nova ordem capitalista, republicana e

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65

racional, que influenciava não só Fortaleza, mas também as principais cidades do

País (PONTES, 2001).

Ao passo em que a opulência se conforma, a miséria torna-se mais

evidente. Referimo-nos a isto ao pensarmos em figuras do início do século XX,

narradas por Girão (1979), como as do Romão e do Sabão-Mole, homens

miseráveis, negros ou mestiços, que realizavam os ofícios mais degradantes da

época. No texto de Girão (1979), não se evidência a origem exata da miséria destes

homens, não se aponta para as permanências e as transformações de sua classe.

Há uma preocupação, intrínseca ao pensamento burguês, voltada para o

embelezamento da cidade e a omissão da crítica às contradições sociais.

Sem um adequado sistema de saneamento, os chamados Romão e

Sabão-Mole eram os trabalhadores responsáveis pela retirada dos dejetos das

casas. Por uma ninharia levavam barris de excrementos sobre a cabeça para serem

despejados ao mar. Estes homens eram representantes urbanos do resultado da

exploração escravista, portanto dispunham também do elemento central sobre o

qual se edificou parte da riqueza nacional.

Eles são ainda resultado de uma urbanização mais expressiva que

demandava novos serviços urbanos. Ao se falar em urbanização, tem-se adjacente

uma divisão social e territorial do trabalho em processo de complexificação.

De acordo com Silva (1992; p.29), “a partir da década de 30, Fortaleza

acusa um crescimento demográfico que se reflete no aumento de sua área urbana”.

Ainda segundo o mesmo autor, esse aumento populacional não foi acompanhado de

uma expansão da infraestrutura urbana. É deste período a eclosão das favelas de

Fortaleza: Cercado do Zé Padre (1930), Mucuripe (1933), Lagamar (1933), Morro do

Ouro (1940), Varjota (1945), Meireles (1950), Papoquinho (1950) e Estrada de Ferro

(1954) (SILVA, 1992, p.29).

A fisionomia da Capital vai se conformando, pelo menos até a metade do

século XX, de modo gradual e sem grandes saltos de modernização, muito além do

desenvolvimento dos serviços urbanos mais básicos, sem que estes se generalizem

para toda a cidade. Na Figura 2, elaborada a partir de Costa (2005), resumimos

alguns dos elementos importantes da organização do espaço fortalezense ao longo

da primeira metade do século XX.

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Após os anos de 1950, Fortaleza apresenta elevadas taxas de

crescimento decorrentes principalmente das migrações internas (SOUZA, 2006),

fenômeno que ocorre em decorrência do arquétipo político e das condições naturais,

associadas ao modelo produtivo rural tradicional, que não ofereciam os meios

necessários à permanência dessa população no campo. A face do adensamento

populacional, que constituiria boa parte do território da Capital, era marcadamente a

da pobreza e da informalidade.

É para essa década também que Souza (2006) aponta o início de um

caráter mais evidente de segregação socioespacial. A justificativa para tal

constatação se encontra na formação expressiva de favelas na cidade, nos setores

leste, oeste e sul, acompanhando os eixos de transporte. São essas vias de acesso

que orientam espacialmente a constituição territorial de Fortaleza.

Esse incremento da população urbana da Capital não foi acompanhado

por políticas públicas que garantissem o acesso dessa população às infraestruturas

ligadas à saúde, à educação e à moradia. Sem a atenção do Estado e, em muitos

casos, sem poder formalizar-se no mercado de trabalho, esses novos citadinos

fizeram parte do crescente contingente de miseráveis que constituiu os territórios da

pobreza e da informalidade em Fortaleza.

O território dessa parcela da população deu-se como um misto de

elementos de ruralidade e modernidade urbana. Nesses bairros periféricos, é

comum as casas, mesmo não tendo um recuo à rua, possuírem quintais que

abrigam criações de animais para abate e plantas de uso medicinal. O caráter

comunitário nesses lugares também é bastante marcante, há o reconhecimento da

vizinhança entre si e, com frequência, o compartilhar dos provimentos. Esses

elementos revelam as estratégias de sobrevivência forjadas no cotidiano desses

grupos, denotam também a forma como o território passa a ser organizado. As

referências estéticas do campo, as estratégias de uso dos pequenos espaços, a

relação com a rua, tudo isso são elementos que orientam a forma assumida por

esse território.

Os anos 1960 marcaram a efetivação da construção de unidades

habitacionais sob uma perspectiva de acumulação “quando os setores de bens de

capital e de bens duráveis passariam a comandar o processo de acumulação,

promovendo uma rápida urbanização do espaço nacional” (BERNAL, 2004, p.148).

A partir desse período, a conjugação envolvendo o Estado e o setor imobiliário

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assumiu um importante papel no direcionamento da produção do espaço

fortalezense através dos programas de habitação.

Antes da existência do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, as

atividades que viabilizavam a compra de um imóvel ocorriam por meio de entidades

como institutos de previdência e Caixa Econômica, com a Carteira Hipotecária

(CARLEIAL; et al., 1979). “Essas entidades realizavam programas de financiamento

e investimento de várias modalidades, sem, contudo, terem uma estrutura

adequadamente sólida para atender a demanda por casa”, dificuldade que ocorreu

principalmente em função dos “recursos concedidos em longo prazo não retornarem

em valores atualizados, não permitindo, assim, reaplicações para uma produção em

larga escala” (CARLEIAL; et al., 1979, p.25).

Em termos econômicos, o Brasil da primeira metade do século XX

passava por diversos ciclos, em função de circunstâncias de dependência do

mercado externo. Na segunda metade do século XX, com a existência mais

acentuada de indústrias, cresciam também as necessidades, como as de

infraestruturas e de urbanização (CARLEIAL; et al., 1979).

O quadro era o das transformações urbanas envolvendo o crescimento

populacional das cidades e o aumento das demandas por infraestrutura que

propiciassem condição à reprodução dos novos trabalhadores urbanos. Justificou-se

com isso a dinamização das forças produtivas via produção do espaço. Entre os

setores de investimento o da habitação esteve entre os prioritários devido ao seu

poder de alavancamento de outros setores, bem como o de absorção de mão de

obra (CARLEIAL; et al. 1979). A produção do espaço nesses moldes tem relação

com algo mais do que a resolução das necessidades básicas da população, está no

centro do projeto a resposta aos problemas do Capital.

Em 1964, a Lei Federal 4.380 institucionalizava o Sistema Financeiro da

Habitação – tendo como órgão central o Banco Nacional da Habitação-BNH. Outros

instrumentos relacionados à poupança também foram criados para captar os

recursos necessários e se somarem aos do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço-FGTS25 para alimentação dos fundos do BNH. Entendendo a habitação

como produto de consumo e ligada à reprodução ampliada do capital, a instituição

financeira de responsabilidade do Poder Central concedeu às empresas privadas o

25

O FGTS é uma contribuição obrigatória de 8,5% sobre a folha de pagamento dos empregados sujeitos ao regime empregatício previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas.

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direito de construção das habitações. “O acentuado déficit de habitação ligado ao

crescente aumento da população urbana vai provocar uma corrida neste setor

através da construção de conjuntos habitacionais e residências isoladas” (SILVA,

1992, p.79).

O BNH atuava através de uma reunião de programas habitacionais

relativos não só à construção da casa própria, mas também a viabilização de uma

gama de infraestruturas básicas necessárias. Por ele se financiou “a construção de

conjuntos habitacionais, que vão ter grande influência na estruturação do espaço da

cidade, alterando sua malha, criando e, em alguns casos, recriando focos de

concentração demográfica” (SILVA, 1992, p. 46).

Em Fortaleza, a construção dos conjuntos habitacionais realizou-se em

áreas distantes do centro da cidade (SILVA, 1992, p.46). O desdobramento dessa

ampliação da malha urbana culminou na valorização de terras particulares

localizadas entre as faixas ocupadas. Desse modo, o capital imobiliário incorpora

uma população que “[...] devido os seus níveis de renda, não tinha acesso ao

Sistema Financeiro da Habitação, a uma economia de mercado” (SILVA, 1992,

p.66).

A criação de conjuntos habitacionais, como Conjunto Prefeito José

Walter, Conjunto Ceará e Cidade 2000, cumpriu a função de valorização de novas

áreas por meio da orientação do crescimento da cidade para as décadas que se

seguiram.

Na década de 1970, a expansão urbana no sentido norte-sul tornou-se

nítida. Esse período é marcado pela desconcentração em direção leste (FUCK

JUNIOR, 2002) fortemente induzida pela implantação de infraestruturas e de

grandes equipamentos urbanos, tais como: a Universidade de Fortaleza (1973) e o

Centro de Convenções (1974).

O movimento de elitização e valorização de novas áreas da cidade foi

acompanhado de políticas de expulsão dos pobres das áreas de interesse do

mercado. Conforme Souza (2006)

Essa população [mais pobre] foi sendo deslocada para outras áreas a partir

da década de 1970 com a política de desfavelamento da prefeitura de

Fortaleza. [...] Esta política de desfavelamento caracterizava-se, portanto,

pelo deslocamento daquela população das áreas centrais da cidade e dos

trechos de bairros nobres como a Aldeota, para periferias urbanas, em

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áreas desprovidas de infra-estrutura e de equipamentos sociais. Assim

surgiram os loteamentos do Conjunto Marechal Rondon, Alvorada, e

Conjunto Palmeiras, dentre outros. (P.138).

Nos anos 1980, o BNH também contribuiu para o adensamento nos

municípios vizinhos com a construção de grandes conjuntos habitacionais ao longo

das linhas norte (Caucaia) e Sul (Maracanaú) da linha férrea e nas proximidades do

distrito industrial. Na sequência de Fortaleza, os municípios cearenses de destaque

na concentração populacional são Caucaia e Maracanaú, os dois principais

municípios da RMF a receberem investimentos do BNH. Um fator explicativo para tal

conformação envolve a integração desses municípios com a Capital (MUNIZ; SILVA;

COSTA, 2011). Vale destacar também a importância do incremento à indústria nos

municípios da RMF, dado pelas políticas de incentivos fiscais via SUDENE, que

propiciaram a industrialização a partir dos anos 1960. Bernal (2004) sustenta que

A questão central que se coloca para as metrópoles nordestinas neste início

de século é a natureza do seu desenvolvimento urbano, que apresenta uma

face moderna atrativa para os capitais privados, ao mesmo tempo que se

aprofundam os seus traços segregativos, com a separação da burguesia,

através da expansão das áreas mais valorizadas e do crescimento do

número de favelas. (p.145).

O modo como os projetos habitacionais financiados pelo BNH ocorreram

reforçou o sentido segregador da estruturação urbana, pondo os mais pobres em

habitações distantes dos polos concentradores de atividades de trabalho, de

serviços, de comércio e de lazer.

Os anos de 1980 apresentaram o último fôlego daquele ciclo de

acumulação envolvendo altos investimentos do Estado. Na segunda metade dessa

década, o BNH foi extinto, 22 anos após o seu surgimento, em um momento de crise

do modelo econômico implementado pelo regime militar. Esse colapso envolveu

recessão, inflação, desemprego e queda dos níveis salariais. Assim, com a redução

da sua capacidade de investimento – decorrente da retração dos saldos do FGTS,

da poupança e forte aumento na inadimplência, oriundo do descompasso crescente

do aumento das prestações em relação à capacidade de pagamento dos mutuários

– o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) foi objeto, durante esse período, de um

intenso abatimento (BONDUKI, 2008).

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71

De acordo com Bonduki (2008), durante o período de existência do BNH,

a SNH financiou a construção de 4,3 milhões de unidades, tendo seu recorde, em

1981, com o financiamento 266 mil unidades.

Depois dessa fase, o financiamento da casa própria foi reduzido

drasticamente e o acesso à moradia ocorreu por intermédio de planos alternativos. A

Caixa Econômica Federal - CEF, que assumiu as atribuições de agente financeiro do

SFH, não privilegiou, nesse período, as populações de baixa renda. Entre os anos

de 1995 e 2003, cerca de 78,84% do total dos recursos foi destinado a famílias com

renda superior a cinco SM e apenas 8,47% foram destinados para a baixíssima

renda (até três SM) onde se concentram 83,2% do déficit quantitativo (BONDUKI,

2008, p.80).

Na década de 1980, o processo de verticalização intensificou-se em

Fortaleza – especialmente, na Av. Beira Mar (PMF/PDPF, 2006). Essa verticalização

ocorreu como sinal da elevação dos preços da terra urbana. Essa década foi para o

Brasil um período de crescimento das desigualdades. Esse processo, como é

sabido, esteve ligado a uma crise ampla do capital, iniciada ainda nos anos de 1970.

Esse momento se agravou pelo contexto nacional de economia periférica e pela

forma como o Estado dos governos militares vinha sustentando o “milagre

econômico” – por meio de altos investimentos públicos na dinamização da

economia. Os recursos para estes investimentos demandavam ao governo um

elevado endividamento que teve como consequência a exaustão do Estado e o seu

comprometimento com os interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Este processo golpeia a classe trabalhadora de baixos rendimentos, já

bastante desgastada com a crise e com a consequente exclusão do mercado

habitacional. Tendo em vista o fim dos programas habitacionais – e mesmo antes

deles, já que eles nunca foram capazes de atender às rendas mais baixas – a

solução encontrada para muitos foi a de habitar os espaços mais longínquos da

cidade ou áreas de perfil ambiental mais frágil. Daí porque a mancha urbana atinge

os limites de Fortaleza, inclusive extrapolando-o. O contexto do mercado de trabalho

vivenciado neste período, marcado pela ampliação da precarização, é fator

essencial para compreendermos o processo de concentração de renda que também

determina as desigualdades no acesso a terra.

A década seguinte marcou “[...] uma redução dos índices inflacionários

com os efeitos estabilizadores nos preços dos bens exportáveis a partir da abertura

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da economia e, especialmente, a partir de 1994, com a implementação do Plano

Real” (BERNAL, 2004, p.92). Vale ressaltar que este foi também o momento de

intensas transformações em todas as esferas. A reestruturação produtiva significou

para o Brasil, além da precarização da força de trabalho, sua submissão, tanto pela

pressão exercida pelo contingente de reserva como pelo apelo ideológico

propagado. As transformações no território já ocorriam de modo intenso, do campo à

cidade, e a introdução de um novo modelo produtivo altamente racionalizado

intensificou a acumulação capitalista. Bernal (2004) expressa que

Em Fortaleza, a estratégia defensiva das empresas em busca de competitividade encontra respaldo na política de atração de capitais privados promovida pelas seguidas gestões do ‘Governo das Mudanças’, que utiliza a guerra fiscal e a flexibilidade do trabalho como instrumento de atração de capitais, com fortes impactos sobre o mercado imobiliário. (p.105).

As políticas também se concentraram na atração de investimentos para o

turismo. Essa dinâmica, por sua vez, gerou a execução de grandes obras, o que

contribuiu para uma reestruturação da economia da cidade (PMF/PDPF, 2006).

Estes investimentos significaram o posicionamento do mercado de terra fortalezense

no campo de apostas dos capitais internacionais.

Na escala metropolitana, a produção do “[...] espaço dos lazeres pela

expansão do mercado imobiliário e turismo é um dos processos decisivos da

constituição da centralidade e do espraiamento de Fortaleza” (AMORA; SOUZA;

ASSIS, 2012, p.3). Vale acrescentar que a

[...] metropolização litorânea não pode ser reduzida a metropolização turística, pois se trata de uma metropolização que se processa a partir da conjugação do mercado imobiliário e do turismo, com a proliferação das segundas residências, condomínios resorts, hotéis, pousadas, resorts e serviços de alimentação e entretenimento. (AMORA; SOUZA; ASSIS, 2012, p.3).

Como síntese desse processo: a redefinição dos papéis e funções do

espaço e a consolidação da lógica da propriedade privada (AMORA; SOUZA;

ASSIS, 2012) conflituosa com as práticas tradicionais baseadas na lógica de uso do

espaço para a reprodução da vida.

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73

No final dos anos 1990, o quadro complexo que conjugava, dentre muitos

elementos: a desresponsabilização do Estado, a desigualdade social, o apelo ao

consumo26 e a precarização do trabalho ajuda a explicar a questão social de

Fortaleza, envolvendo, inclusive, os níveis de violência urbana.

Na última década, com uma realidade constituída a partir de mudanças

econômicas e jurídicas, como a aprovação, em 2004, da Lei Federal Nº 10.391 –

que deu maior segurança aos grupos imobiliários e financeiros ao estabelecer o

Patrimônio de Afetação27; a retomada do Sistema Brasileiro de Poupança e

Empréstimos (SBPE); e a abertura de capital do setor imobiliário – foi possível

observar um crescimento mais acentuado, tanto das carteiras de crédito para

financiamento imobiliário quanto do próprio setor da construção civil. Não se pode

esquecer também a importância da já citada Lei Federal Nº 9.514, de 1997, que

ampliou a figura da alienação fiduciária28 para a propriedade imobiliária, ao

possibilitar aos bancos contrair o bem do devedor em caso de não pagamento da

dívida. Estas políticas de estímulo ao crédito e à construção civil se tornaram

notadamente importantes para a conformação daquilo que foi chamado, pela mídia e

por alguns especialistas, de boom imobiliário.

Bonduki (2008) afirma que o crescimento das aplicações de mercado foi

muito expressivo, pois, em três anos, a produção com recursos do SBPE triplicou.

Isto porque, com taxas de juros mais baixas, o crédito ficou mais “barato” e atingiu

um mercado de menor renda.

De acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito

Imobiliário e Poupança (ABECIP), em 2008, o financiamento habitacional conseguiu

bater o recorde do período de existência do BNH, com 299 mil unidades financiadas.

Em 2010, esse número chegou a 540 mil unidades. Em entrevista à Folha de São

Paulo (15/02/2011), o presidente da ABECIP, Luiz Antonio França, informou que,

26

Com a difusão massiva dos meios de comunicação tradicionais e com a introdução de novos. 27

“O Patrimônio de Afetação é a segregação patrimonial de bens do incorporador para uma atividade específica, com o intuito de assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador.” Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/urbanistico/doutrina/id604.htm>. Acesso em: 05 jul. 2014. 28

“A alienação fiduciária é a transferência da posse de um bem móvel ou imóvel do devedor ao credor para garantir o cumprimento de uma obrigação. Ocorre quando um comprador adquire um bem a crédito. O credor toma o próprio bem em garantia, de forma que o comprador, apesar de ficar impedido de negociar o bem com terceiros, pode dele usufruir.” Disponível em: < http://jurisway.jusbrasil.com.br/noticias/3181517/alienacao-fiduciaria-o-que-o-stj-tem-decidido-sobre-o-tema>. Acesso em: 05 jul. 2014.

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74

nesse período, o crédito imobiliário chegou a representar algo em torno de 4% do

PIB nacional.

Com as condições estabelecidas, é possível observar o interesse

crescente dos bancos em atuar no terreno do crédito imobiliário, demonstrando a

importância desta estratégia para a acumulação de capital. Mais do que nunca, os

bancos disputam acirradamente a liderança nesse quesito. Em entrevista concedida

à revista Construção Mercado (2011, n.118, p. 20), o vice-presidente de novos

negócios de varejo do Banco do Brasil, Paulo Rogério Caffarelli, fala a respeito da

importância desse crédito para o Banco o qual trabalha, dizendo que

Este é um produto absolutamente fidelizador. O cliente fica conosco por 15, 20 anos, período em que podemos aperfeiçoar o relacionamento e consequentemente aumentar o volume de produtos adquiridos por ele. [...] de todos os produtos de crédito, o imobiliário é o mais importante. Não existe produto mais fidelizador e que mais cresce no Brasil do que o financiamento imobiliário.

Além desse fator para a impulsão da oferta de financiamento pelos

bancos, outros devem ser destacados, como: a mudança na legislação que permite

o uso do imóvel como garantia e a saturação de outras modalidades de crédito

(BARONI, 2011, p. 52).

Em 2010, na corrida pela monopolização desse mercado, os bancos que

se destacaram foram: Caixa Econômica Federal, com R$ 75, 93 bi; Itaú-Unibanco,

com R$ 12,1 bi; Santander, com R$ 12,09 bi; Bradesco, R$ 9,1 bi; Banco do Brasil,

R$ 3,5 bi; e HSBC, com 2,8 bi (BARONI, 2011, p. 50). É interessante observar a

posição da Caixa Econômica Federal, que assume o primeiro lugar com nada menos

que 65,72% do total de toda a carteira de crédito imobiliário dos seis principais

bancos, no ano de 2010. Atualmente, essas posições sofreram alterações, o Banco

do Brasil, a exemplo, nesse período, preparava-se para ampliar sua carteira de

credito imobiliário.

De modo geral, esses agentes atuam mediados pelas mais diversas

estratégias: direcionando crédito tanto a construtoras e incorporadoras, como a

pessoas físicas; ampliando agências e parcerias; oferecendo produtos mais flexíveis

a cada situação de cliente; reduzindo a burocracia; oferecendo facilidades como

maiores prazos e menores tarifas e taxas de juros – entre outras táticas.

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75

A crescente importância do circuito financeiro para o investimento

imobiliário estabelece mediações particulares para o fenômeno urbano na

atualidade. Botelho (2007, p.24) assenta que “[...] o capital ‘imobiliza-se no

imobiliário’, o ambiente construído e o solo, de ‘bens imóveis’, ‘torna-se bens

móveis’, que circulam através dos títulos de propriedade que a cada momento

podem ser monetizados”.

Assim, por via de uma “intercambiabilidade” das parcelas do espaço,

conseguida com suporte no fracionamento e homogeneização deste, a propriedade

fundiária assume papel importante, como destaca Botelho (2007, p.25)

[...] o setor imobiliário teria, assim, uma função essencial a desempenhar na luta contra a tendência de baixa da taxa de lucro média, já que a construção possui lucros superiores à média da produção (a especulação não entra nesse cálculo, mas se sobrepõe a ele, dentro e por meio dela), na medida em que emprega mais capital variável com relação ao capital constante que grande parte dos setores de produção capitalista, apesar dos importantes avanços técnicos do setor. É uma fonte de mais-valia considerável.

Ainda de acordo com o autor, a limitação desse produto é, no entanto,

a sua lenta obsolescência, que dificulta a rotação do capital e o aumento da

demanda de seu mercado. Desse modo, os movimentos de constante relocalização,

distribuição e reconstrução, no e do espaço, se tornam fundamentais e

indispensáveis para a efetivação dessa obsolescência.

Apesar de toda expansão ocorrida, essa produção imobiliária não foi

capaz de atender às faixas de rendas que possuem maior déficit de moradia. Os

mais pobres continuam à margem desse mercado, pelo menos no que se refere à

obtenção de moradias com qualidade e infraestrutura adequada. Outro aspecto a ser

observado é que, se a chamada Nova Classe Média é disputada pelos mais diversos

setores, isto não decorre principalmente de sua real capacidade de compra, mas do

estímulo e do consequente crescimento do crédito, inclusive o imobiliário.

Em 2008, a crise econômica que inundou o mundo empresarial de

receio acerca dos novos investimentos exigiu a ação dos governos em torno do

incremento da produção. No Brasil, a resposta veio com a intensificação de políticas

públicas na dinamização do capital, já iniciada um ano antes com o Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC). Tal estratégia se volta para a produção do

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espaço, via Estado, como pedra angular para o desenvolvimento das forças

produtivas do setor privado.

Nas cidades, esses investimentos se tornaram mais visíveis na

produção residencial. Desde 2007, o mercado imobiliário brasileiro registra um

crescimento expressivo. De acordo com dados do Banco Central, fornecidos pela

ABECIP29, este foi o ano em que praticamente dobrou o número de unidades

construídas financiadas por recursos da caderneta de poupança que passou, em

2006, de 45.433 para 88.778. Em 2011, ano de maior fôlego, chegou-se a 227.149

unidades contratadas.

A participação efetiva de Fortaleza nesses novos investimentos

significou a consolidação das tendências de crescimento já percebidas antes dessa

década e de novas orientações sobre o território fortalezense.

Em 2011, os lançamentos do tipo residencial representaram, na Capital

cearense, um pico que chegou a ser quase sete vezes maior que os números

registrados, em 1999, como pode ser observado no Gráfico 3. Em termos

proporcionais, a elevação foi mais acentuada em bairros com exploração recente do

setor imobiliário como: Passaré e Messejana. A paisagem desses bairros foi sendo

marcada, ao longo desse processo, pela descontinuidade entre o público e o

privado, onde a deficiência dos equipamentos públicos contrasta com a reprodução

da vida em condomínios fechados verticais e horizontais.

Gráfico 3 – Unidades residenciais lançadas em Fortaleza – 1999/2012

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados fornecidos pelos CBIC/SINDUSCON-CE/FIEC.

29

Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança.

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77

A resposta à aceleração da produção do espaço e à especulação

imobiliária foi a rápida mudança na dinâmica socioespacial da cidade. Bairros

inteiros “brotaram” da engenhosidade das incorporadoras transformando áreas

distantes e sem atrativos comerciais em terrenos férteis à lucratividade do capital

imobiliário. Em boa dose, os loteamentos e complexos de condomínios fechados30

tiveram papel substancial nisso. Só na Região Metropolitana de Fortaleza podemos

citar pelo menos 2631 desses projetos em sua versão de maior impacto, os

loteamentos fechados ou os complexos de condomínios fechados (Quadro 1).

Quadro 1 – Complexo de condomínios e loteamentos fechados da RMF

Empreendimento Empresa Tipo Município Parque dos Pássaros Odebrecht/Bairro Novo Complexo de condomínios Fortaleza

Barra dos Coqueiros FortCasa Loteamento fechado Cascavel

Monteville Montenegro Complexo de condomínios Fortaleza

Jardins da Serra Terra Brasilis Loteamento fechado Maracanaú

Terras Belas Walter Mota Loteamento fechado Maracanaú

Reserva Camará FortCasa Loteamento fechado Eusébio

Cascavel Village FortCasa Loteamento fechado Cascavel

Jardins do Logo Terra Brasilis Loteamento fechado Eusébio

Quintas do Lago Urbanística Brasilis Loteamento fechado Eusébio

Alphaville Alphaville Loteamento fechado Eusébio

Jardins Ibiza FGR Urbanismo Loteamento fechado Eusébio

Aquiraz Riviera Manhattan Loteamento fechado Aquiraz

Alphaville Alphaville Loteamento fechado Aquiraz

Park Maracanaú Sobi Imóveis Loteamento fechado Pacatuba

Park Bouganvile Sobi Imóveis Loteamento fechado Pacatuba

Parque das Águas Sobi Imóveis Loteamento fechado Cascavel

Lagos Country & Resort Sobi Imóveis Loteamento fechado Cascavel

Morada dos Boques e Morada das Pétalas Rodobens Complexo de condomínios Pacatuba

Ecopark Boneville Bonelli Brasil Loteamento fechado São Gonçalo do Amarante

Grand Boulevard FortCasa Loteamento fechado Eusébio

Reserva Golden Park Sobi Imóveis Loteamento fechado Itaitinga

Fazendo Imperial Sol Poente Montenegro Loteamento fechado Caucaia

Vila do Porto Vip Imobiliária LTDA Loteamento fechado São Gonçalo do Amarante

Vila Cauípe Vip Imobiliária LTDA Loteamento fechado São Gonçalo do Amarante

Eusébio Village Sobi Imóveis Loteamento fechado Eusébio

Prainha Village Sobi Imóveis Loteamento fechado Aquiraz

Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo e anúncios imobiliários

Alguns empreendimentos, como os da marca Alphaville, impactaram

fortemente na produção do espaço urbano, tendo em vista que as camadas de maior

poder aquisitivo, antes concentradas fortemente em bairros como: Aldeota, Meireles,

Papicu e Cocó, passaram a morar fora dos limites da Metrópole. Nogueira (2011)

30

O que estamos chamando aqui de “complexo de condomínios fechados” se refere aos empreendimentos que contam com mais de um condomínio. 31

O número de empreendimentos do tipo loteamento fechado e complexo de condomínios pode ser bem superior, já que os dados apresentados capturam apenas os empreendimentos que ainda possuem anúncios na web.

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constata esse processo e expõe que o movimento feito pelos antigos moradores de

Fortaleza em direção à RMF apresenta, em geral, como justificativa o “alto preço dos

imóveis na capital, e/ou a violência, e até a busca por maior qualidade de vida”.

(P.34). Estas justificativas também se repetem em outros estados como demonstram

as várias pesquisas realizadas no Brasil sobre o tema.

Ainda de acordo com Nogueira (2011, p.55) “[...] o melhoramento da

rodovia [CE-040] facilitou a fluidez do tráfego e a contiguidade com o Município de

Fortaleza, encurtando as distâncias e favorecendo o movimento de incorporação

imobiliária em direção ao Eusébio”, Município de destaque em número de

empreendimentos.

Desde 2012, quando o setor iniciou uma desaceleração, os loteamentos

fechados têm sido alvos de interesse. Este horizonte de limitações no crescimento

ascendente fez com que várias empresas, inclusive aquelas de capital aberto,

passassem a operar com os condomínios e loteamentos fechados, entre elas:

Cipasa, Rodobens, MRV, Cyrela, Brookfield e Rossi.

O movimento indica vantagens expressivas do ponto de vista da relação

incorporação/preço de lançamento da mercadoria, isto porque esses projetos não

recebem o mesmo tipo de financiamento nem estão sujeitos ao mesmo aparato legal

que os demais produtos imobiliários32, o que implica num esforço financeiro e

burocrático muito maior.

Ao mesmo tempo, a estratégia de aliança entre diferentes agentes

imobiliários, como incorporadoras e proprietários de terrenos, baseada em cotas de

lucro na venda dos lotes, reduz os custos e os riscos para as empresas. Isto, no

entanto, não pode ser dito igualmente para os compradores (comumente pequenos

investidores) que ficam com parte significativa do risco da estagnação dos projetos e

dos espaços que talvez não cheguem a ganhar o dinamismo esperado. A baixa

liquidez também será um risco deixado cada vez mais a esses pequenos

investidores.

Consideramos ainda que foi frente aos quesitos custo/burocracia que os

projetos de loteamento foram alterados para se enquadrar no perfil coberto pela

atual política de financiamento imobiliário, em especial, o Programa Minha Casa,

Minha Vida (PMCMV).

32

Nesse caso, estamos falando dos produtos imobiliários mais comuns, como: casas, casas em condomínio e apartamentos.

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É comum, nesses casos, que a companhia crie uma empresa específica

para atuar com exclusividade no segmento. Este foi o caso da Odebrecht que criou a

Bairro Novo, voltada para o mercado aberto mais diretamente pelas políticas dos

anos 2000. Em Fortaleza, a Bairro Novo aplicou investimentos no bairro Pedras com

o empreendimento Parque dos Pássaros.

Enquanto loteamento, os empreendimentos não poderiam entrar no

financiamento, o que os faria perder um mercado enorme que se abriu com o

PMCMV. Qual foi a estratégia? Vender “bairros” inteiros com estruturas semelhantes

às oferecidas pelos loteamentos fechados.

O Quadro 2 apresenta o perfil construtivo dos enclaves residenciais na

RMF.

Quadro 2 – Tipos de enclaves residenciais na RMF

TIPOLOGIA

HABITACIONAL

CARACTERÍSTICA

BÁSICA DAS UNIDADES

PORTE*

LOCALIZAÇÃO NA

MALHA URBANA DA RMF

OCORRÊNCIA DE FINANCIAMENTO

PELO PMCMV

Loteamento

fechado

Casa térrea ou assobradada

Grande

Aquiraz, Eusébio, Caucaia, Cascavel, Maracanaú, Pacatuba, São Gonçalo do Amarante, Itaitinga.

Não há

ocorrência

Condomínio

fechado horizontal

Casa térrea ou assobradada

Pequeno

Encontram-se, principalmente, em: Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Eusébio, Maranguape e Pacajus.

Há ocorrência Médio

Grande

Pacatuba

Condomínio

fechado misto

Casa térrea e

prédio de apartamento

Médio

Fortaleza

Há ocorrência

Condomínio

vertical

Prédio de

apartamento

Pequeno ou médio

Verifica-se maior ocorrência em: Caucaia, Maracanaú, Aquiraz e Fortaleza (maior concentradora do modelo).

Há ocorrência

Fonte: Elaborado pela autora * Referente à área construída onde consideramos: pequeno, inferior a uma quadra; médio, igual a uma quadra; grande, superior a uma quadra.

Na Região Metropolitana de Fortaleza, pelo menos dois grandes projetos

têm essa estratégia: o já citado Parque dos Pássaros, do grupo Odebrecht, em

Fortaleza; e o Moradas das Pétalas, da Rodobens, em Pacatuba. Observemos que,

de modo singular, mas, não ao acaso, estes agentes produtores do espaço são duas

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organizações de capital aberto. Isto porque a dimensão dos projetos e a tecnologia

necessária é de grande monta financeira, limitando o controle do mercado a poucas

empresas.

Tal constatação, todavia, não é verdadeira para os condomínios fechados

de menor porte. Nogueira (2011) explica que, ao contrário das empresas

responsáveis pelos loteamentos fechados – podemos acrescentar aí os complexos

de condomínios – as envolvidas na produção de condomínios fechados possuem

menor capacidade de investimento, predominando empresas locais.

De todo modo, a produção do espaço a partir desses enormes projetos

tem efeitos sobre o modelo produtivo em vigor. O que deve atingir também, para os

próximos anos, as relações de trabalho na indústria da construção civil. Dois fatores

operacionais devem ser destacados para entendermos o significado disso. O

primeiro se refere ao fato de que os complexos de condomínios, para segmento de

menor renda, são pouco sofisticados do ponto de vista do projeto – seu acabamento

e qualidade de obra são inferiores ao padrão geral do mercado. O segundo aspecto

é que, com isso, eles podem ser também inteiramente padronizados, o que

possibilita o desenvolvimento de novas tecnologias que reduzem o tempo de

produção e a mão de obra empregada.

Ainda acerca dessa produção do espaço é importante detalharmos os

dois casos há pouco citados. O primeiro exemplo desse tipo de projeto é o Parque

dos Pássaros, da Bairro Novo, empresa das organizações Odebrecht, criada para

atuar no que o grupo chama de “segmento econômico”.

Esse empreendimento está localizado no bairro Pedras – área de

ocupação residencial rarefeita, mas cortada pelo Quarto Anel Viário, que possibilita o

encontro com uma porção dinâmica da cidade a sudeste. Atualmente, o projeto não

demonstra ter sido um grande sucesso, pelo menos não para os compradores que

não viram boa parte da promessa de expansão do empreendimento ser concluída.

Há, todavia, de se observar que, na região, estão sendo desenvolvidos

novos projetos semelhantes. Externalidades positivas produzidas por grandes obras

voltadas para habitação social devem garantir para os próximos anos a formação de

um mercado consumidor suficientemente interessante à concentração do setor

terciário na região. Este certamente é um vetor para o qual os pesquisadores devem

olhar.

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Com o aumento dos preços do mercado imobiliário o segundo

empreendimento desse tipo foi implantado a uma distância ainda maior de Fortaleza,

no Município de Pacatuba. Intitulado de Moradas das Pétalas, esse projeto da

Rodobens possui 736 unidades. Não há nenhum correspondente local comparável

em termos de concentração de casas populares em área fechada. Vale ressaltar que

essa dimensão é possível devido à flexibilização da legislação municipal.

Recentemente, as obras que transformaram o antigo modal trem em

metrô foram concluídas, resignificando33 a condição de deslocamento da população

da região. Esse fator foi, junto com a dinâmica do setor terciário, imprescindível para

a expansão do mercado imobiliário em direção ao Município de Maracanaú.

Fica evidente, quando se fala em transportes, o perfil mais genérico dos

moradores para o qual estão voltados esses projetos. O empreendimento da

Rodobens tem como principal fator locacional a proximidade do metrô, o que inclui

um segmento de renda que não possui automóvel ou que não pode se deslocar

diariamente com ele devido aos custos embutidos.

Noutros casos, destaca-se a proximidade de algum centro municipal. É

comum ver isso para Maracanaú e Caucaia, que já possuem uma maior dinâmica do

terciário. Isto também pode acontecer por outro motivo, como quando a distância de

Fortaleza é tão significativa que se torna difícil convencer o possível consumidor

acerca de alguma vantagem atribuída à possibilidade de acesso à Capital.

Na realidade, os empreendimentos de melhor padrão encontram-se muito

bem localizados mesmo estando fora de Fortaleza, além disso, o fator automóvel

reduz, em termos relativos, as distâncias.

O que destacamos no parágrafo anterior tem a ver com certa

permanência nos padrões de reprodução das desigualdades socioespaciais, que

continuam sim, pelo menos em Fortaleza, a colocar os trabalhadores a distâncias

cada vez maiores dos seus espaços de trabalho, lazer, consumo, estudo, etc., ônus

que deve ser considerado em termos de precarização do trabalho.

Observa-se também que, apesar da ocorrência desses empreendimentos

na parte oeste da RMF, é em direção aos Municípios de Maracanaú e Eusébio (CE-

040) que os loteamentos e condomínios fechados tendem a ter maior

expressividade.

33

A vinda do metrô trouxe o signo de modernidade à região.

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82

No Eusébio, por exemplo, além dos diversos condomínios fechados, há

tendência a uma concentração também dos loteamentos. Vale acrescentar que este

é o Município que receberá o segundo maior Alphaville do País com 19 milhões de

m² (dentro dele caberiam quase cinco Aldeotas34). Nesses verdadeiros bairros

fechados (talvez agora cidades), certos aspectos chamam a atenção. O primeiro tem

a ver com o padrão construtivo dos imóveis. A vida previsível nesses lugares

começa com a “cartilha” que define o padrão das unidades residenciais de um

Alphaville. A paisagem composta por imóveis de alto padrão e paisagismo impecável

só é “borrada”, às vezes, por um ou outro trabalhador em trajes simples que

caminha ou pedala de modo discreto pelo condomínio.

Na entrada, esta previsibilidade é garantida. Além da guarita com vários

seguranças armados, cada morador deve apresentar uma espécie de passe

eletrônico que o identifica, liberando sua entrada. No caso de visitantes, estes

devem receber, após a identificação e autorização de um morador, uma pequena

placa, e não poderá circular pelo condomínio sem a presença do proprietário de um

imóvel. A entrada de serviços públicos – como, por exemplo, a coleta de lixo – é feita

após cadastro e mediante escolta. Nenhum detalhe parece passar pelo esquema de

segurança do Alphaville, os muros que o circulam não só possuem cercas elétricas

como são construídos com fundações de dois metros de profundidade. Apesar de se

comprar um imóvel dentro de um loteamento fechado, sob a justificativa da

segurança, é difícil ver um morador circulando a pé nas ruas internas do

condomínio.

O modelo que começou nacionalmente em São Paulo ganhou fama,

morar num Alphaville tornou-se sinônimo de status e de qualidade de vida associado

à segurança, pelo menos no discurso dos promotores. Em termos práticos, no

mercado, isto significa venda rápida. Em geral, quando lançados, estes

empreendimentos são comercializados em poucas horas. Toda essa ansiedade do

mercado não se explica pela aquisição de um bem que terá como atributo central o

seu valor de uso, mas sim, o potencial especulativo sobre essa mercadoria. No caso

do empreendimento do Eusébio, a valorização de 2007, ano de lançamento, até

2013, ultrapassa os 200%.

34

A Aldeota é um bairro valorizado do setor leste de Fortaleza já bastante ocupado e verticalizado. De acordo com a PMF, o bairro possui uma população de 42.361 habitantes e compreende uma área de 3,88 km². Fonte: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-II>, visitado em 1/7/2014.

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83

Figura 3 – Portaria do Alphaville Fortaleza

Fonte: Pesquisa de campo

Figura 4 – Rua interna do Alphaville Eusébio

Fonte: Pesquisa de campo

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Figura 5 – Casa em construção no Alphaville Eusébio

Fonte: Pesquisa de campo

Figura 6 – Manutenção do paisagismo do Alphaville do Eusébio

Fonte: Pesquisa de campo

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Com projetos de menor escala, mas com maior potencial de expansão, os

condomínios fechados têm avançado rapidamente nos setores sul e sudeste. Até os

anos 1990, o perfil desses setores era de um menor adensamento e de uma

população com rendimentos mais baixos.

Os condomínios fechados horizontais acompanharam a expansão recente

da malha urbana de Fortaleza. Santos (2012, p.78) observou que a “[...] década de

1980 representou o auge do processo de conquista e fracionamento da zona

sudeste da cidade”, com esse movimento, “[...] se iniciou uma nova fase, de

retenção dos terrenos já parcelados para valorização e posterior comercialização”.

É nessa região, que, nos anos 1990, inicia-se a construção de diversos

condomínios fechados aproveitando-se das infraestruturas construídas e do

potencial de alocação de novos equipamentos. O primeiro condomínio fechado de

Fortaleza, o Royal Park, foi implantado exatamente nessa região, no bairro Edson

Queiroz, no ano de 1996. O padrão que encontramos lá é algo muito próximo de um

Alphaville.

Entre os principais bairros concentradores dessa tipologia habitacional

destacam-se: Passaré e Sapiranga/Coité. Em comum, além dos condomínios

fechados, está a valorização acentuada em contraste com a miséria observada na

paisagem desses bairros. O isolamento e o sentimento de proteção causado pelos

condomínios fechados fazem com que estes possam estar em praticamente todos

os lugares, o que abre novos territórios de investimentos para o setor imobiliário.

O sentido dessa nova urbanização requer uma reflexão acerca das

transformações socioeconômicas da periferia de Fortaleza. É o que buscamos

realizar na sequência.

3.3 A PERIFERIA VAI AO SHOPPING

Ultrapassada a fase de concentração urbana de Fortaleza, nas

proximidades do núcleo original, a cidade adensou-se nas direções leste e oeste.

Nos anos de 1960, a Capital alcançou na ponta leste bairros hoje conhecidos como

Vicente Pinzon, Varjota, Aldeota, São João do Tauape, Dionísio Torres... Do lado

oeste, a expansão fez-se para os bairros Granja Portugal, João XXIII, Henrique

Jorge, Autran Nunes, Parque São José, Manoel Sátiro... Nos setores sul e sudeste,

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a expressão veio após os anos 1970, com a construção do Conjunto José Walter

(sul) e o adensamento de Messejana e bairros adjacentes (sudeste).

No caso do setor sul da Capital, a expansão influenciada pela construção

do Conjunto José Walter caracteriza uma urbanização em saltos, ocorrida também

em outras capitais enquanto fragmentação dos espaços urbanos por uma separação

física das estruturas de um território.

Nas décadas que se seguiram, essa área, composta também pelos

distritos de Messejana e Mondubim, apresentou o maior crescimento demográfico da

Capital. Nesse conjunto, o maior aclive populacional se deu no bairro Passaré, com

uma evolução rápida ocorrida a partir dos anos de 1990 (PDDUFOR/IBGE, 2006). O

Gráfico 4 nos ajuda a dimensionar a velocidade do crescimento populacional do

Passaré.

Gráfico 4 – Taxa de crescimento populacional do bairro Passaré – 2000 a 2010

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, Censo Demográfico 2000/2010.

A virada populacional do Passaré está ligada, no primeiro momento, às

ocupações que reivindicaram o direito à habitação. Movimentos que se tornaram

comuns em Fortaleza com o fim dos governos militares e com a extinção do BNH.

No Passaré, a luta por moradia organizou-se via movimentos sociais, além de ter

tido apoio de segmentos da Igreja Católica que contribuíram com a proteção da

população carente e com a apresentação de suas reivindicações.

Quando o direito à permanência da terra ocupada era alcançado, iniciava-

se um novo processo, o da construção das moradias. Durante esse período, dos

anos de 1980 e 1990, tornou-se comum a autoconstrução dos imóveis via mutirão.

Para além do Passaré, toda a periferia de Fortaleza está marcada pelos

loteamentos irregulares, urbanização que, comumente, não oferece condições

mínimas de habitabilidade. A saída para a realidade da falta de infraestrutura,

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comum a esses loteamentos, fora mais uma vez a organização popular e a pressão

política.

É necessário, para que possamos seguir em nossa exposição, esclarecer

de que modo estamos abordando a noção de “periferia”. Santos (2008; p.290-291)

ressalta que “[...] a palavra periferia pode ser usada em diferentes acepções”, na

geografia ela se distancia do senso comum referente à distância meramente

geométrica “[...] entre um polo e as zonas tributárias”, aproximando-se mais de uma

perspectiva ligada à acessibilidade. Essa acessibilidade “[...] depende

essencialmente da existência de vias e meios de transportes e da possibilidade

efetiva de sua utilização pelos indivíduos, com o objetivo de satisfazer necessidades

reais ou sentidas como tais”, porém, a “[...] incapacidade de acesso aos bens e

serviços é, em si mesma, um dado suficiente para repelir o individuo, e também a

firma, a uma situação de periferia”.

Alves (2011; p.114) trata de uma “presença/escassez de serviços” que

comporia a paisagem atual da periferia das cidades brasileiras, onde

[...] de um lado, loteamentos fechados, em que boa parte das necessidades de seus moradores é satisfeita nas centralidades da metrópole, exigindo o deslocamento por meio do uso de veículos particulares; de outro, ocupações regulares e irregulares, em que predominam pessoas de menor poder aquisitivo.

Assim, a autora acentua as mudanças e as diferenças constituídas nas

últimas décadas do espaço compreendido, normalmente, enquanto periferia.

Sposito (2013; p.78) fala acerca de uma “[...] superação da lógica ‘centro

periferia’, que, durante o século XX, orientou o crescimento do tecido urbano e

a divisão econômica e social do espaço da cidade”. Essa superação, todavia, é

relativa se pensadas as permanências da cidade do passado e combinações

(antigo/novo) que reafirmam a estrutura espacial periférica (SPOSITO, 2013).

Nesses termos, ela defende a adoção do termo reestruturação, levando em

consideração que “[...] há reorientação das escolhas locacionais, porque há

diversificação delas e, sobretudo, porque o processo em curso é muito mais

complexo do que aquele que vigorou até o terceiro quartel do século XX” (SPOSITO,

2013, p.78).

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A configuração urbana apresenta-se, portanto, enquanto tecido disperso,

onde se ampliam as distâncias dos percursos dos citadinos. É claro que serão

penalizados, mais duramente, os trabalhadores de menores rendimentos, que

dependem exclusivamente dos transportes públicos.

A configuração espacial, social e econômica da periferia de Fortaleza, em

que faz parte o que estamos chamando de sul e sudeste35, está marcada pela

precarização das habitações e das infraestruturas, bem como pelos baixos

rendimentos e pelo trabalho informal. Mais recentemente ela vem também

incorporando setores valorizados que agrupam enclaves residenciais, horizontais e

verticais. O volume das exceções - que podem estar tanto na periferia (a exemplo

dos enclaves residenciais), como nos bairros mais valorizados (com a presença de

favelas) – não implica, todavia, em uma mudança ou em um equilíbrio entre os

valores encontrados nas variáveis socioeconômicas por bairros de Fortaleza.

Os cartogramas a seguir apresentam variáveis do tipo: renda,

esgotamento sanitário, alfabetização e mobilidade urbana por bairros de Fortaleza.

Com eles, confirmamos as facetas desiguais da Capital cearense. Essas variáveis

também são importantes por representar, em seu conjunto, um indicador da

qualidade de vida da população fortalezense.

Os bairros com população de menor renda correspondem também

àqueles em que há uma pior taxa de alfabetização (Mapas 1 e 2). De acordo com o

IBGE (2010), os bairros com os maiores percentuais de população não alfabetizada

são: Pedras (12,8%), Praia do Futuro I (12,5%), Ancuri (12,3%) e Pirambu (12,2%).

Enquanto os bairros com melhores índices de alfabetização são: Meireles (1,2%);

Dionísio Torres (1,3%); Fátima (1,4%) e Cocó (1,4%). No Passaré, 7,5% dos

residentes36 não estão alfabetizados, taxa acima da média fortalezense (6,6%). A

taxa de população urbana não alfabetizada brasileira é de 5,8%.

No conjunto, os menores índices de alfabetização estão nos bairros

desprivilegiados de infraestrutura e com maior proporção de população pobre de

Fortaleza. Analfabetismo e pobreza são problemas associados, há entre os dois um

relevante grau de determinação mútua.

35

Para este trabalho não foi possível levantar critérios de precisão para o que identificamos enquanto sul e sudeste da Capital, assim, usamos essas noções para nos orientarmos genericamente em nosso objeto. 36

Para esse dado o IBGE considera a população acima de dez anos.

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Mapa 1 – Taxa de alfabetização das pessoas de 10 anos ou mais de idade (%) por bairros – Fortaleza/CE - 2010

Fonte: IBGE, CENSO 2010 Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Galvão Sant’ana

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90

Mapa 2 – Rendimento nominal mensal médio (R$) por bairro – Fortaleza/CE - 2010

Fonte: IBGE, CENSO 2010 Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão

Outro elemento que aparece entre os aspectos relativos à condição de

periferia é o acesso limitado a um adequado esgotamento sanitário. Nesse sentido,

há ainda graves problemas de distribuição desse serviço, em que bairros como:

Pedras, Parque Presidente Vargas, Parque Santa Rosa, Canindezinho e Paupina

não chegam a ter um quarto de suas necessidades cobertas por sistema de

esgotamento sanitário, como demonstrado no Mapa 3.

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Mapa 3 – Existência de banheiro ou sanitário e esgotamento sanitário por bairros – Fortaleza/CE - 2010

Fonte: IBGE, CENSO 2010 Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão

A questão envolve problemas ambientais com sérios rebatimentos na

condição de saúde da população. De acordo com Heller (1986; p.74-75), o

saneamento constitui

[...] o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem estar físico, mental ou social. [...] Para efeito de padronização, a tendência predominante no Brasil tem sido a de considerar como integrantes do saneamento as ações de: abastecimento de água, caracterizado como o fornecimento às populações de água em quantidade suficiente e com

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qualidade que a enquadre nos padrões de potabilidade; esgotamento sanitário, compreendendo a coleta dos esgotos gerados pelas populações e sua disposição de forma compatível com a capacidade do meio ambiente em assimilá-los; limpeza pública, incluindo todas as fases de manejo dos resíduos sólidos domésticos, até sua disposição final, compatível com as potencialidades ambientais; drenagem pluvial, significando a condução das águas pluviais, de forma a minimizar seus efeitos deletérios sazonais sobre as populações e as propriedades; controle de vetores de doenças transmissíveis, especialmente artrópodes e roedores.

Para Fortaleza não há uma relação direta entre alto acesso ao

saneamento básico e indicadores demográficos de crescimento populacional, mas

existe uma correlação clara desse serviço com a qualidade educacional e de

rendimento da população atendida (BENTO, 2011).

A relação saneamento/educação/rendimento foi percebida por Bento

(2011, p.154) ao tratar da presença da infraestrutura de saneamento básico

enquanto atrativo primordial para a construção civil. O autor identifica ainda que a

“ausência desses serviços encarece as obras e diminui os atributos a serem

ofertados na venda de terrenos e imóveis”. Assim, o que ocorre é que a presença do

serviço de saneamento valoriza a terra determinando, por essa via, um acesso

restrito a ela.

Outro aspecto de fundamental relevância para a valorização da terra é a

condição de deslocamento do local de residência aos espaços onde se realizam

atividades como as ligadas à educação e trabalho. Devemos considerar aí que estão

em jogo outras questões além da distância física entre os centros de maior dinâmica

da cidade, a exemplo: as vias de acesso e a posse de transporte individual.

França (2011) confirma a relevância do tema ao tratar da mobilidade do

trabalho. A autora observa que, em Fortaleza, “a mobilidade urbana é um importante

componente de inserção” da vida citadina, onde “[...] seu exercício, forma e

conteúdo se dão de modo diferenciado entre as classes sociais, com certas

consequências sobre o acesso à cidade” (FRANÇA, 2011, p.73). Amora e Guerra

(2005, p.2), com um aprofundamento etimológico, definem o conjunto de processos

que envolvem o conceito de mobilidade

O dicionário Petit Robert (ROBERT, 1996) define mobilidade como “qualidade do que pode se mover ou ser movido no espaço ou no tempo”, “o que pode mudar de posição”, incluindo nesta acepção desde a propriedade de mover um membro ou um órgão até a mobilidade de uma população ou de uma espécie animal, movimentos compreendidos no fenômeno

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designado “migração”. A mobilidade inclui também, movimento de mão-de-obra, mobilidade profissional, social, ascendente ou descendente. Além desses sentidos destaca ainda, mobilidade como característica do que muda rapidamente de aspecto ou de expressão e mobilidade de sentimentos, de humor, de vontade, qualidade que produz instabilidade, versatilidade, flutuação, inconstância. Ferreira (1986) traz acepção mais complexa de mobilidade social, ao defini-la como “circulação ou movimento de idéias, de valores sociais ou de indivíduos, duma camada inferior para a superior e vice-versa, ou de um grupo para outro do mesmo nível”.

Essa definição de mobilidade nos leva a pensar uma dimensão mais

ampla do conceito, implicando em algo que ultrapassa a forma. Por essa via, a

mobilidade pode envolver mais que a mudança física dos corpos, permitindo-nos

chegar, talvez, a elaborações acerca das concepções de mundo produzidas pela

experiência através do espaço.

Mesmo sob uma noção mais enrijecida da mobilidade referente apenas

aos deslocamentos, temos um instrumento bastante poderoso de avaliação das

condições da vida urbana.

Os Mapas 4 e 5 apresentam o indicador de Deslocamento Casa/Trabalho

elaborado pelo INCT Observatório das Metrópoles. Este é um dos indicadores

utilizado na composição do Índice de Bem-Estar Urbano – IBEU37. Apesar de não

haver cobertura para todos os bairros, fica nítido, mais uma vez, que os

tradicionalmente ocupados pela população de melhores rendimentos de Fortaleza

são os que mais oferecem condições de acessibilidade aos seus moradores. Isto

porque esses bairros congregam: empresas, escritórios, escolas, comércios,

restaurantes, clínicas... Essas atividades também exercem fator de convergência da

mão de obra que reside nos bairros mais distantes.

37

De acordo com o coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, o objetivo do IBEU é “avaliar a dimensão urbana do bem-estar usufruído pelos cidadãos brasileiros promovido pelo mercado, via o consumo mercantil, e pelos serviços sociais prestados pelo Estado. Por meio do índice é possível analisar indicadores de mobilidade urbana; condições ambientais urbanas; condições habitacionais urbanas; atendimento de serviços coletivos urbanos; infraestrutura urbana para os 15 grandes aglomerados urbanos que o INCT Observatório das Metrópoles identificou em outros estudos como as metrópoles brasileiras, por exercerem funções de direção, comando e coordenação dos fluxos econômicos. Para atingir o objetivo proposto, o IBEU foi concebido em dois tipos: Global e Local. O IBEU Global é calculado para o conjunto das 15 metrópoles do país, o que permite comparar as condições de vida urbana em três escalas: entre as metrópoles, os municípios metropolitanos e entre bairros que integram o conjunto das metrópoles”. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net/ibeu/sobre1/>. Acesso em: 03 agosto 2014.

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Mapa 4 – Acesso ao local de trabalho em até uma hora – Fortaleza/CE – 2010

Fonte: INCT Observatório das Metrópoles

Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão

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Mapa 5 – Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) por bairros – Fortaleza/CE – 2010*

Fonte: INCT Observatório das Metrópoles

Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão

* O IBEU varia entre zero e um, onde mais próximo de um representa melhor bem-estar urbano; e mais

próximo de zero, piores condições de bem-estar urbano.

O IBEU Local, baseado em informações relativas aos serviços de

mobilidade, habitação, atendimento de serviços coletivos e de infraestrutura urbana,

também se torna ímpar a nossa caracterização mais geral dos setores sul e sudeste

fortalezenses, já que revela quais são os espaços da cidade não alcançados ou não

privilegiados pelas políticas públicas.

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Apesar de termos expressado em números as condições relativas à

reprodução da vida na periferia de Fortaleza – confirmando as péssimas condições

sociais, econômicas e espaciais – devemos acrescentar que algumas mudanças

ocorreram na última década.

Tais transformações foram resultantes da nova dinâmica econômica

brasileira que afetou a distribuição de renda e padrões de consumo de setores da

classe trabalhadora, notadamente aqueles com acesso ao emprego formal

assalariado38. A repercussão desse fenômeno em vários setores produtivos atinge a

indústria de bens de consumo até a indústria da construção civil.

Hoje, a periferia é uma espécie de mélange entre o velho e o novo, o

atrasado e o moderno. Em termos de consumo, é difícil tratá-la como um espaço à

margem. Mesmo que a maior parte das necessidades básicas não tenha sido

alcançada, como mostraram os dados, é corrente o consumo de mercadorias como

celulares de última geração, televisores de alta definição, computadores portáteis,

etc.. No vestuário, ícones de consumo dos ricos são fielmente copiados por versões

chinesas, produzindo um sentimento de visibilidade social e inclusão pelo mercado.

A periferia do mundo capitalista nunca esteve tão diretamente ligada - via consumo

conspícuo - ao centro da produção simbólica individualista e fetichizada.

Na paisagem dessa periferia, as pequenas casas, ainda erguidas sob a

autoconstrução, ganham muitas vezes acabamentos nobres (porcelanatos, portões

de alumínio, pedras naturais, vidros etc.) demonstrando o desejo de distinção social

através da moradia, mesmo quando isso se limita apenas às fachadas. Andares são

edificados agora não só pela ampliação da família, mas pela aquisição de

automóveis. Sobre os telhados multiplicam-se antenas de TV a cabo.

O cartão de crédito, objeto de distinção no começo da década de 2000,

torna-se mais acessível ao ser oferecido insistentemente pelas operadoras. O

consumo de bens modernos passou a fazer parte da vida dos trabalhadores.

O entendimento dessa realidade exige que façamos alguma referência às

políticas econômicas e sociais dos anos 2000, comparando-as com as décadas

anteriores.

38

Segundo Pochmann (2012), a discussão sobre a “nova classe média” exige as devidas medições para não confundir a adoção de padrões imitativos de consumo e a expansão do assalariamento – proletarização – como a real transformação de assalariados em “nova classe média”. Trata-se, contudo, de um discurso, que, embora equivocado, revela aspectos ideológicos que conformam o imaginário e as motivações no nível do habitar, do modo de vida e do viver a cidade.

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Neodesenvolvimentismo (BRESSER-PEREIRA, 2012), Social-liberalismo

(BRANCO, 2008), Pós-neoliberalismo (SADER, 2007) são algumas das adjetivações

ao pacto social estabelecido desde 2003 com a chegada do PT à presidência. São

interpretações diferentes entre si, mas que ajudam a compreender as contradições

produzidas por esse novo ciclo de acumulação capitalista no Brasil.

Os anos de 1980 estiveram comandados pela visão neoliberal

sacramentada no Consenso de Washington, cujo receituário recomendável para as

nações ditas emergentes “[...] seria, em primeiro lugar, a renúncia, pelo Estado, a

qualquer intervenção na economia”, onde lhe restaria a função de permitir a

execução das “[...] regras do jogo econômico”, a partir disso, “[...] caberia ao Poder

Público garantir os equilíbrios econômicos fundamentais, a saber, cambial, fiscal e

monetário” (MAGALHÃES, 2010, p.20). De acordo com Sader (2007), a América

Latina foi o berço e o laboratório dessas experiências neoliberais.

A inflação, compreendida como a fonte do problema pela leitura

neoliberal, foi atacada – em um primeiro momento os métodos pareceram eficazes.

O remédio, todavia, foi tão ou mais danoso que a própria enfermidade. Os

resultados dessas aplicações foram para a América Latina

Estados enfraquecidos no plano externo e com capacidade de ação cada vez menor no plano interno; sociedades cada vez mais fragmentadas e desiguais, com amplos setores excluídos dos seus direitos básicos, a começar pelo direito do emprego formal; economias que perderam dinamismo voltam maciçamente a depender da exportação de matérias-primas, enquanto ingressaram num quadro de crescente financeirização, do qual não conseguem sair; culturalmente, o continente revela uma incapacidade de retomar ciclos de criatividade e originalidade que o caracterizaram nas décadas anteriores, sob forte pressão da grande mídia internacional. (SADER, 2007, p.108).

O neoliberalismo engendrou uma crise muito mais grave do que as

ocorridas nas bolsas de valores. O efeito sobre as sociedades foi mais profundo,

penetrando no plano ideológico e cultural novos valores que envolvem

individualismo e consumismo (SADER, 2007).

No Brasil, a estratégia neoliberal foi implementada de modo mais claro

com Fernando Collor, já nos anos de 1990. Seguiu hegemônica no governo de

Itamar Franco (1992-1994) e durante os dois mandatos de Fernando Henrique

Cardoso (1995-2002). Assim como nos demais países latino-americanos, o

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resultado não foi dos melhores, nem mesmo para o desenvolvimento do capitalismo.

Durante essa década, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de 1,78%,

inferior até aos 2,2% dos anos 1980 (CARCANHOLO, 2010, p.110).

Diante de uma situação de estagnação da economia, abriu-se a

possibilidade para a entrada de um governo com um discurso progressista, ainda

que comprometido com empresariado e com as instituições financeiras. Em 2002,

fora eleito no Brasil o candidato do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da

Silva.

Há, claro, uma decepção, algumas vezes um tom de “eu sempre soube”,

no que consiste ao governo de Lula e sua sucessora Dilma Rousseff. Os avanços

mesmo inegáveis passaram por mediações difíceis de compreender, saídas de um

partido dito de esquerda e que durante os anos 1980 recebia ampla confiança dos

movimentos sociais. A persona assumida por tal projeto político ora engana com

verdades rasas, ora afronta descaradamente o significado de sua sigla.

Do ponto de vista de um social-liberalismo, compreendemos que o

receituário neoliberal causou tantos problemas sobre a própria classe capitalista que

ela teve que ingerir como antídoto parcial algum nível de “humanização”. Nas

palavras de BRANCO (2008, p.23)

[...] o receituário neoliberal precisava de uma nova direção estratégica. Na trilha dos planos de renegociação das dívidas externas, o FMI e o BIRD propuseram medidas corretivas de promoção de reformas estruturais. A partir desta correção de rumo, os projetos neoliberais de reforma do Estado ganharam uma nova configuração: se antes das medidas corretivas defendia-se, no plano ideológico, o Estado mínimo, o Estado, agora, teria uma função reguladora das atividades econômicas e operacionalizaria, em parceria com o setor privado, políticas sociais emergenciais, focalizadas e assistencialistas.

O PT teve que resolver as limitações geradas pelo modelo de

desenvolvimento levado até os anos de 1980. Era preciso fazer promover a entrada

mais generalizada da população na esfera do consumo moderno. Problema que não

foi solucionado com a inserção do neoliberalismo no Brasil, em parte, porque o

receituário não desenvolvia políticas baseadas em aumento salarial, nem

demonstrava ser capaz de incentivar a absorção dos trabalhadores de mais baixo

nível educacional no mercado de trabalho formal.

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99

Foi preciso que um governo saído do seio da classe trabalhadora

assumisse o poder para que as reformas necessárias ao capital fossem realizadas.

O primeiro governo de Lula não representou grandes saltos econômicos,

apesar de ter havido crescimento. Entre os marcos, a efetivação da reforma da

Previdência Social, um dos maiores golpes aos trabalhadores nos últimos anos e

que só foi possível porque, diferente dos partidos tradicionalmente de direita, o PT

exerceu influência sobre a central sindical, o MST, a UNE, além de outros

movimentos sociais. Na verdade, o primeiro mandato de Lula não rompeu com o

neoliberalismo, produzindo semelhantes resultados econômicos do seu antecessor

(MAGALHÃES, 2010).

O segundo mandato, aquele que mais nos interessa, esteve marcado pelo

PAC, que concentrava forças em investimentos de infraestrutura. Entraram em cena

políticas que pretendiam dinamizar o capital por meio do investimento público

desafiando as práticas comuns frente a horizontes de crise. Entre os programas de

investimento, o PMCMV, que atingiu diretamente o mercado imobiliário, abrindo-o

para um crescimento sem precedentes na história do País, como já comentado no

item anterior.

Representantes do setor imobiliário, como o presidente do Secovi-SP e

da CBIC, João Crestana, avaliam que o avanço do setor imobiliário foi produzido por

um conjunto de políticas econômicas e sociais, tais como: o controle da inflação e a

manutenção das taxas dentro das metas do Banco Central; o fortalecimento da

moeda; o equilíbrio das contas públicas; o baixo risco fiscal; a criação de marcos

regulatórios; aumento do emprego formal; da renda da população; a queda das

taxas de juros e o lançamento do PMCMV39.

Assim, a evolução do setor imobiliário dos anos 2000 esteve relacionada

a transformações sociais de ordem econômica. Nesse período, começou-se a falar

em uma nova classe média como referência ideológica à mobilidade da classe

trabalhadora incluída pelo mercado, como assenta Pochmann (2012).

Estes trabalhadores, hoje com melhores salários, mobilizaram com certo

vigor a economia do País que voltava a ver um crescimento mais expressivo depois

de décadas – ainda que limitado devido às condições de ampliação dos setores

produtivos.

39

Disponível em: <http://www.secovi.com.br/estudos/estudos-interior-mensagem/>. Acesso em: 04 jan. 2015.

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100

Não temos intenção de avaliar os detalhes do PAC, nem teríamos a

competência necessária para tal. Mas, no conjunto, esse programa não demonstrou

ter alcançado o principal objetivo, que era a dinamização dos setores produtivos

brasileiros. Todavia, pelo menos para o setor imobiliário, o PAC, através do PMCMV,

teve um forte impacto no setor da construção – superior até aos das políticas

habitacionais dos anos de 1960, se considerados os volumes de investimentos e o

número de financiamentos.

A ampliação do mercado imobiliário, através do PMCMV, exigiu ajustes

nas estratégias do setor devido à necessidade de produzir unidades habitacionais

com custos mais baixos, já que a segmentação dos financiamentos implicava em

tetos quanto aos preços dos imóveis financiados.

Considerando que entre os insumos da construção civil o preço da terra é

o de maior peso no cálculo da obra, a solução encontrada foi ocupar setores menos

adensados com áreas pouco disputadas pelo mercado. Assim, os investimentos em

Fortaleza foram mobilizados para os bairros dos setores sul e sudeste, tais como:

Maraponga, Messejana, Passaré e Lagoa Redonda. Nesses bairros, já existiam

investimentos anteriores ao PMCMV, o que ocorreu na sequência do programa foi

uma reafirmação da tendência de crescimento urbano para esses setores com a

consequente elevação dos preços da terra.

Os quatro bairros destacados na Figura 7 possuem em comum, além da

disponibilidade de terrenos, a proximidade com áreas precárias, ou ainda são bairros

que, em seu conjunto, apresentam índices muito baixos de qualidade de vida. Nos

bairros Passaré e Lagoa Redonda, os salários médios da população estão entre os

mais baixos de Fortaleza.

O fenômeno liga-se, também, ao já citado processo de fragmentação

urbana orientado, nesse caso, pela produção de novas centralidades na cidade de

Fortaleza. Estas, em certo nível, determinam a expansão do setor imobiliário para

esses bairros na medida em que criam as vantagens que as incorporadoras e os

promotores precisam para justificar os projetos lançados. Nesse quesito, Silva e

Gonçalves (2012) ressaltam a importância de bairros, como Messejana e

Parangaba, fundamentais para a dinamização do mercado nas porções sul e

sudeste da Capital.

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101

Figura 7 – Número de imóveis residenciais à venda por bairros de Fortaleza – maio 2013

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados fornecidos pelo FipeZap

Nesse conjunto, o Passaré também ganha destaque dada a intensidade e

a rapidez com que o espaço foi modificado. Na última década, vários

empreendimentos residências de pequeno, médio e grande porte foram destinados

para aquela área. Apesar de o bairro não ter conformado uma centralidade, a

localização privilegiada entre Parangaba e Messejana ajuda a explicar o volume de

investimento do setor imobiliário com projetos residenciais. As tipologias

habitacionais também merecem atenção, já que o Passaré se tornou um dos

maiores concentradores de condomínios fechados horizontais em Fortaleza. Esse

aspecto é analisado na sequência deste trabalho, buscando não uma descrição

densa do fenômeno em particular, mas sua relação com processos urbanos mais

amplos e gerais.

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102

4 PASSARÉ, UM IDÍLIO AO MERCADO

Ao longo da exposição contida neste último capítulo, aproximamo-nos do

nosso objeto empírico, os condomínios fechados do Passaré. A fim de expor as

singularidades que possibilitaram a realização desse fenômeno no bairro,

apresentamos uma periodização, dividida em três fases, baseada nas formas

dominantes de apropriação desse território. Ressaltamos a última fase por sua

complexidade, nela, o Passaré mostra-se fundamental às estratégias de

investimento do capital imobiliário cearense dentro de um contexto político,

econômico e ideológico novo. Encerramos o capítulo com um debate acerca do

cotidiano dos moradores dos condomínios fechados do Passaré, entendendo-o

enquanto expressão de uma nova forma de realização do urbano.

4.1 PAISAGENS DIVERSAS

Como já foi apresentado no capítulo anterior, houve um expressivo

deslocamento de investimentos do setor imobiliário, durante os anos 2000, para a

porção sul e sudeste de Fortaleza, onde se destacaram bairros como: Maraponga,

Messejana, Lagoa Redonda e Passaré – este último, o bairro com maior

concentração e diversidade de condomínios fechados horizontais da Capital.

Para o Passaré, recorte que nos interessa, podemos listar quatro

aspectos importantes, em termos locacionais, que propiciaram a convergência do

setor imobiliário: a disponibilidade de terrenos com existência de infraestrutura; a

localização entre dois subcentros; a aprazibilidade do Complexo Ecológico do

Passaré usada no discurso dos promotores imobiliários; e a proximidade com a

Arena Castelão, utilizada nos jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, no

Brasil.

Localizado na porção sul da Capital cearense, o bairro possui uma área

de 7,468 km², parte dela ainda composta por vazios urbanos. Integrando o distrito de

Mondubim, o Passaré faz limite com os bairros: Itaperi, Castelão e Dias Macêdo, ao

norte; José Walter, ao sul; Cajazeiras e Barroso, a leste; Parque Dois Irmãos, a

oeste (Mapa 6). De acordo com o último Censo do IBGE, sua população é a quinta

maior entre os bairros de Fortaleza (50.904 habitantes).

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103

Mapa 6 – Localização do bairro Passaré no Município de Fortaleza/CE

Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão

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Apesar da denominação e dos limites do Passaré estarem oficializados

desde 2009 (Decreto Legislativo nº 401, de 24/09/2009), o bairro recebe diferentes

designações, tais como: Conj. Jardim União I, Conj. Jardim União II, Conj. Barroso II,

Sumaré, Riacho Doce e Conj. Jardim Castelão entre outros, refletindo os processos

distintos de produção do espaço deste bairro, bem como suas territorialidades.

Ainda sobre esse aspecto vale acrescentar que essas territorialidades se

mostram nos usos do espaço. A frequentação das igrejas e das áreas de lazer são

boas indicadoras das relações comunitárias com os espaços. É comum nos setores

construídos via mutirões que não se faça nem mesmo referência à denominação

“Passaré” e isto está relacionado com as identidades dessas pessoas, que, em

parte, foram construídas juntamente com o lugar onde habitam. Os moradores que

se referem invariavelmente ao bairro por seu nome oficial são aqueles que

chegaram por último e que hoje moram nas casas e condomínios construídos sobre

os terrenos que antes faziam parte do antigo Sítio Passaré.

Devido à disponibilidade de terrenos e à facilidade de acesso ao Passaré

foi, ao longo das últimas décadas, recebendo instituições e equipamentos de

destaque, tais como: a sede do Banco do Nordeste do Brasil (1984); o Hospital

Sarah Kubitschek de Fortaleza (2001); e o Complexo Ecológico do Passaré, que

reúne o Zoológico Municipal Sargento Prata e o Horto Municipal. Além destes, o

cemitério Parque da Paz, a Fundação Casa40 e o antigo aterro sanitário Jangurussu,

que não são elencados pelo setor imobiliário na divulgação do bairro por

constituírem fatores de desvalorização.

Em termos de infraestrutura viária, o bairro é cortado por três vias arteriais

(Av. Dr. Silas Munguba, Av. Juscelino Kubitschek e Av. Pres. Costa e Silva) além de

várias vias coletoras. Distante aproximadamente 6 km do bairro Parangaba e 5 km

do bairro Messejana, o Passaré encontra-se entre dois importantes subcentros da

Capital, que contam com equipamentos importantes como: escolas, hospitais,

clínicas, terminais de ônibus, grandes supermercados e lojas varejistas.

A paisagem pouco homogênea marca esse território oficialmente

compreendido como Passaré. Nele, interesses diversos confrontam-se marcando a

história da produção desse espaço e a identidade de seus moradores mais antigos.

40

Antiga Fundação Estadual Bem-Estar Menor do Ceará (FEBEMCE).

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105

A maior parte dos setores compostos por moradias mais precárias,

classificados ou não pelo IBGE como aglomerados subnormais, encontra-se próxima

dos limites leste e oeste do bairro. Caminhando por essas áreas, observamos

aglomerações de casas pequenas coladas umas as outras, oriundas de

autoconstrução. A péssima condição das vias, o traçado irregular, os becos e os

precários espaços de lazer são aspectos de destaque dessa paisagem.

O público e o privado apresentam-se de modo tênue. A relação com a

casa e os objetos íntimos perde, de certo modo, o seu referencial burguês de

privacidade. A dimensão das casas impõe que se mantenham abertas porta e

janela, seus moradores acostumam-se com os olhares vindos da rua. Algumas

residências não possuem quintal, o que obriga os moradores a secar suas peças de

roupas em varais montados nas calçadas. O encontro e as festividades realizadas

do lado de fora das residências também reduzem essa fronteira entre público e

privado.

A dinâmica da rua é intensa e o medo da violência não se impõe com a

mesma evidência como para os segmentos de renda média e alta da sociedade. O

caminho até a padaria, a mercearia, a escola, a feira ou a casa de amigos e

familiares, no bairro, é feito a pé sem grande receio.

Figura 8 – Espaço utilizado para o lazer no Passaré

Fonte: Pesquisa de campo

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Apesar da demanda, os espaços públicos de lazer são quase inexistentes

para essa população. Na falta de locais planejados, qualquer espaço mais amplo é

transformado num campinho improvisado, onde não só as crianças, mas também os

adultos, em seus dias de folga, reúnem-se para realizar a tradicional pelada (Figura

8).

No que tange ao aspecto econômico, fica nítido parte daquilo que Milton

Santos chamou de circuito inferior. Todos têm um serviço a oferecer, são: pequenos

comerciantes, pedreiros, marceneiros, eletricistas, bombeiros, costureiras,

cabeleireiras, faxineiras, etc.. Estas atividades são uma fonte ou um complemento

ao ganho mensal das famílias mais pobres do bairro.

Parte dos conjuntos habitacionais construídos via mutirão, dos

loteamentos irregulares e, evidentemente, das favelas do Passaré, pode ser

compreendida, em maior ou menor grau, dentro do perfil há pouco descrito.

Se dividirmos o Passaré ao meio, tendo como referência a Av. Juscelino

Kubitschek, ficará manifesto que os investimentos do mercado imobiliário estão

concentrados principalmente na parte oeste do bairro, especialmente em torno da

sede do BNB e nas proximidades do Complexo Ecológico do Passaré.

Nesse espaço de maior interesse do mercado imobiliário, concentram-se

os condomínios fechados horizontais e verticais, além das residências de melhor

padrão construtivo. Atualmente, os projetos imobiliários de maior porte estão

alocados nos terrenos que compunham o antigo Sítio Passaré, da família Girão

Brasil.

O tamanho dos lotes resultantes do desmembramento feito pela família

Girão Brasil foi fundamental para a concentração dos condomínios. Os lotes

possuíam o dobro do tamanho convencional41. A princípio, isto teve a ver com a

intenção de não permitir a ocupação por segmentos de rendas mais baixas. Esta

estratégia teve, em longo prazo, efeito decisivo sobre a especulação imobiliária no

Passaré.

A rápida elevação do preço fundiário durante os anos 2000 fez com que

surgisse uma verticalização mais expressiva e sofisticada antes mesmo da

aproximação de um esgotamento de terrenos. Assim, os condomínios fechados, que

marcam a paisagem do bairro, chegaram ao seu limite no que se refere à

41

Os lotes mediam algo entorno de 60 metros de comprimento por 30 de testada.

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lucratividade do investimento. Mantendo-se os preços, a tendência será a da

verticalização. O limite à valorização fundiária do bairro atualmente impõe que o

setor encontre novas estratégias adequadas à realidade estrutural que o mercado

passa a vivenciar.

O último condomínio lançado no Passaré teve suas unidades vendidas

por meio milhão de reais. Preço inimaginável para o final dos anos 1990, quando

uma casa em condomínio no mesmo bairro girava em torno de vinte mil reais.

Mesmo se analisarmos somente os últimos quatro anos, teremos

variações expressivas de preços, conforme demonstrado no Gráfico 5.

Gráfico 5 – Variação de preço por m² no Passaré – 2010 a 2013

Fonte: Elaborado pela autora com base no FIPEZAP

Poderíamos pensar que essa elevação absurda nos preços se

relacionaria a um padrão construtivo mais ou menos proporcional, mas isso não

corresponderia à verdade. O que hoje o mercado vem chamando de “alto padrão”

deve ser questionado. No fundo, o que estes projetos têm de “alto padrão” é apenas

o elevado preço cobrado pelos imóveis. A Figura 9 mostra um dos empreendimentos

considerados pelo setor imobiliário como de alto padrão.

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Figura 9 – Imóveis caracterizados pelo setor imobiliário como alto padrão

Fonte: Pesquisa de campo

Vale acrescentar que a verticalização do Passaré ocorreu antes de uma

valorização contundente. Isto porque o bairro recebeu várias unidades do Programa

de Arrendamento Residencial (PAR), a maioria delas implantada ainda no governo

FHC (ASSIS, 2013). Nesse sentido, o Poder Público reforça o seu papel de agente

orientador do crescimento urbano.

A verticalização mais recente está caracterizada por prédios de maior

porte com projetos que incluem vários equipamentos de lazer internos aos

condomínios, o que é, aliás, elemento destacado na venda, já que os apartamentos

propriamente têm dimensões bastante reduzidas. Essa mudança do padrão

construtivo se liga diretamente à mudança no perfil das empresas que passaram a

investir no bairro.

No Passaré, também estão localizadas diversas empresas ligadas à

indústria e ao comércio. Em geral, estabelecimentos que necessitam de espaços

amplos para armazenagem de produtos ou instalação de equipamentos industriais.

Entre essas empresas podemos destacar as ligadas à reciclagem42 e à construção

civil. Parte significativa delas está localizada nas proximidades da Avenida Costa e

42

O que pode estar ligado à localização do antigo aterro sanitário do Jangurussu.

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109

Silva, na parte sul do bairro. Nessa região, já no encontro com o bairro Conjunto

José Walter, investimentos ligados à habitação popular estão sendo realizados, o

que reforça a orientação do mercado para os segmentos de renda média e média

baixa àquela porção da cidade.

É possível periodizar a produção do espaço do Passaré de acordo com os

modos mais dominantes de apropriação do território43. Com essa perspectiva

destacamos três fases assim denominadas: terra como herança; terra como conflito;

terra como mercadoria. Correremos com isso os riscos próprios às “simplificações”,

as quais tentaremos desviar por meio de inflexões em direção aos nexos entre o

geral e o particular de cada período por nós destacado. Além disso, pretendemos

com esses cortes evidenciar os diferentes modos de apropriação do solo urbano

ligando isso às determinações do capital.

4.1.1 Terra como herança

Nesta parte da exposição, privilegiamos as relações baseadas no direito à

herança. Em nosso recorte, verificamos que ela cumpriu o papel de unir e preservar

a propriedade, mesmo ocorrendo o retalhamento do território (correspondente à

gleba original do Passaré), o sinete sobre a terra se perpetuou por um tempo mais

ou menos longo, dando-lhe mais chances de permanecer intocada no aguardo do

momento adequado à sua “apresentação” ao mercado.

Para Marx, o direito à herança, sem ser o centro da questão, possui “[...]

importância social na medida em que deixa para o herdeiro o poder exercido pelo

falecido durante o tempo em que viveu”, ou seja, “[...] o poder de atribuir a si mesmo,

por meio da propriedade do de cuius, os frutos do trabalho alheio” (2005,

s/p). Assim, “[...] a terra confere ao proprietário vivo o poder de atribuir a si próprio os

frutos do trabalho de outros, sob o título de renda fundiária, sem a prestação de um

valor equivalente” (2005, s/p).

43

É preciso dizer que a escassez de registros, em especial, àqueles que podem ser considerados oficiais, limitaram-nos em alguns detalhamentos.

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110

Vele destacar que não se trata de uma “[...] transferência dos frutos do

trabalho de uma pessoa para o bolso de outra”, na realidade “tem a ver apenas com

a troca de pessoas que exercem esse poder” (2005, s/p).

A herança confere a perpetuação da propriedade, todavia Marx nos

adverte que a herança não pode ser entendida como a causa da propriedade

privada, mas sim, como um dos efeitos dela. Para Marx (2005, s/p)

[...] admitindo-se que os meios de produção fossem convertidos de propriedade privada em propriedade geral, o Direito de herança - na medida em que fosse de importância social - desapareceria por si mesmo, porque um homem pode apenas deixar em herança o que possuiu, durante o tempo em que viveu.

A questão coloca-se de modo em que podemos, com algumas inflexões,

identificar que é no nível do trabalho, ou seja, na produção de valor, que a

propriedade privada, como a conhecemos hoje, sustenta-se e não simplesmente na

sua transferência.

Percebemos, todavia, por meio do nosso recorte, que o monopólio e a

reserva de terras possibilitam ao capital imobiliário enormes lucros com as

vantagens locacionais geradas ao longo dos anos, estas produzidas pelo trabalho.

Assim, a elevação dos preços da terra ocorre na medida em que a produção do

espaço se realiza.

Apresentadas essas questões, orientemo-nos ao Passaré. Boa parte do

que hoje é compreendido como território do Passaré tem registro bastante antigo.

De 1808, há o reconhecimento daquele território enquanto Sesmaria da Lagoa do

Passaré concedida ao lusitano Antônio José Moreira. O termo “passaré” (algo como:

lagoa do atalho), de origem tupi-guarani, também evidencia uma noção do perfil da

paisagem natural da área. Estando entre a Vila de Parangaba e a Vila de

Messejana, a reserva d’água ali existente certamente servira aos povos viajantes

que a cruzaram (GIRÃO, 2008).

Tal latifúndio foi sendo “[...] desmembrado em glebas menores na

proporção em que os descendentes [de Antônio José Moreira] casavam e as

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separavam em porções para o seu domínio e fruição” (RAIMUNDO GIRÃO, 2008,

p.25).

De Antonio José Moreira Gomes as terras foram repassadas ao genro,

José Antonio Machado, que, por sua vez, deixou-as ao filho, José Pio Machado. Em

seguida, o sítio passou para a filha, Emilia Machado, que, viúva e sem prole, legou

seus bens às irmãs Maria Pio e Antônia Pio, casadas com descendentes da família

Gomes Brasil (RAIMUNDO GIRÃO, 2008).

Estando sob posse de diversos herdeiros, o sítio já não apresentava

fronteiras bem definidas. Foi Raimundo Girão44 que, casado com Maria Gaspar

Brasil, reuniu e delimitou as terras juntamente com o seu sogro, Prudente do

Nascimento Brasil. De acordo com o historiador e então proprietário da gleba, os

legatários e seus descendentes encontravam-se no Passaré quando começadas as

aquisições (RAIMUNDO GIRÃO, 2008). Girão (2008) escreve:

Conseguimos reunir em nossos nomes – o de meu sogro Prudente do Nascimento Brasil e o meu – as partes dos vários condôminos. Eliminadas as dúividas de fronteira com os vizinhos, entramos a desbravar a mataria encapoeirada e por tudo debaixo de cerca. (P.25-26).

Esse movimento de reconcentração das terras vai demonstrar sua

eficiência do ponto de vista do mercado décadas depois, ajudando a família a operar

para efeitos de valorização da terra.

Os relatos apresentados na obra Memória do Sítio Passaré, organizada

por Célvio Brasil Girão, filho de Raimundo Girão, permite-nos elaborar algumas

considerações sobre o tipo de apropriação realizada, além disso, dá elementos para

pensar a paisagem da região antes da intensa ocupação sofrida pelo bairro.

No período de aquisição do sítio por Raimundo Girão e seu sogro, pouco

havia além da antiga estrada que ligava Parangaba a Messejana, atualmente

Avenida Silas Munguba, por onde se chegava ao portão do Sítio Passaré. Hoje,

aquela entrada já não existe mais, em seu lugar está a portaria do Centro

Administrativo do BNB, inaugurado em 1984. A gleba, atualmente, encontra-se

reduzida ao entorno do imóvel da família e a lagoa.

44

Raimundo Girão (1900-1988) desempenhou durante a vida o papel de político (tendo sido prefeito de Fortaleza entre 1933 e 1934) historiador e escritor.

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112

De acordo com Girão (2008), ao sul do Passaré, estava localizado um

sítio do estado onde funcionava uma colônia correcional, depois, a Escola de

Tratoristas do Estado e, em seguida, a Escola Prática de Agricultura e Veterinária.

Hoje, a área corresponde ao Conjunto Jardim União e à Fundação Casa. Ainda

sobre a rarefeita ocupação é narrado que

No cruzamento das duas grandes estradas de terra (Parangaba-Messejana e Mata Galinha – Mondubim) ficava o lugar conhecido por Encruzilhada, um diminuto “centro comercial” onde se situavam algumas bodegas e algumas casas, correspondente ao atual balão (ou rotatória) do Castelão. Nas imediações da Encruzilhada (na Fazenda Boa Vista, pertencente à Santa Casa) ficava o campo de futebol do glorioso Boa Vista Futebol Clube, formado por moradores dos sítios das vizinhanças[...]. (GIRÃO, 2008,p.95)

Na década de 1940, era severa a dificuldade de acesso a distâncias que

hoje, devido à expansão urbana e à modernização dos transportes, consideramos

exíguas. O relato da família demonstra isso ao tratar das aquisições de bens de

transportes da família

Comprou-se uma charrete em 1949; “um progresso extraordinário”, para usar uma expressão do Prudente quando se referia ao “progresso” de sua querida Parangaba. Na Parangaba faziam-se as compras e com a aquisição do veículo encurtava-se muito o tempo de viagem até ali. O Passaré era longe, naquele tempo. Para trazer-nos no começo das férias e relutantemente sermos levados de volta no fim, alugava-se um automóvel do posto Pará, na Praça do Ferreira. ............................................................. Só em 1962 veio a família a possuir carro próprio – uma “Rural”. Com ela meu pai ainda tentou aprender a guiar, mas logo viu que não levava jeito e desistiu. .......................................................... A partir dos anos sessenta, quando o carro particular deixou de ser privilégio dos ricos, passaram a frequentar o Passaré muitos outros amigos de meu pai, alguns deles colegas seus no Instituto do Ceará ou em outras agremiações culturais. (GIRÃO, 2008, p.87-90).

Ainda sobre os trajetos feitos em direção ao Passaré, na década de 1960,

Girão (2008; p.109) descreve que

[a] ida de Fortaleza ao Passaré era na realidade uma epopeia dominical. Levando cada um o seu farnel composto apenas de pão, uma lata de presuntada ou de salsicha e algumas bananas, saíamos a pé da rua João Lopes, pelas 7 horas da manhã, para apanharmos o ônibus “Dias Macedo”, que partia do Parque das Crianças. O tal ônibus ia somente até a igreja de São Francisco, no “Dias Macedo”. Dali, seguíamos a pé, passando pela Granja Uirapuru, (pertencente ao Benedito Macedo), pelo Sítio Boa Vista (da Santa Casa), chegando à Encruzilhada. Tomávamos às vezes um

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refrigerante na bodega e seguíamos até o Passaré caminhando um total de 6 km chegando ali pelas nove e meia da manhã.

Ao escrever sobre o Passaré, ainda sítio, temos um sentimento

contraditório. Ao longo das narrativas dos familiares, percebemos como o sítio

ganha um sentido emocional, ligado à memória do lugar, difícil de conjugar ao

caráter mercadológico intrínseco a terra. Pode-se pensar, por outro lado, que isto

representa a contradição central, pois, para que as terras tenham um preço, é

necessário que tenham também um valor de uso. Saber disso não necessariamente

facilita nosso trabalho!

Em todos os relatos há este algo de sentimental, um apreço poético ao

lugar. Neles, o valor de uso ligado à natureza e a paz inspirada por ela ganham

destaque.

Raimundo Girão apresenta uma clara consciência da relação estabelecida

com a paisagem natural quando diz: “como ‘fator ou agente geográfico’, modifiquei o

natural para o meu gozo de espírito, e a modificação da geografia ajustou-se ao que

planejei. O Passaré sou eu, em grande parte, completa-me, como eu o completei”

(GIRÃO, 2008, p.85).

Esse entrelaçamento entre o espaço e o espírito dá o tom aos relatos:

Para nós Brasil Girão, Passaré significa o Sítio encantado de nossas infâncias, palco de grandes alegrias e de algumas tristezas também, mas certamente testemunha de alguns dos melhores tempos de nossas vidas. (GIRÃO, 2008, P.86).

A paisagem, do começo dos anos de 1940, que circunda a lagoa, é

descrita como uma “mata de onde sobressaía, no lado poente, a floresta de bacuris

[...], com sua grandiosidade amazônica” (GIRÃO, 2008, p.86). Acerca do conjunto

ambiental que compunha o sítio o mesmo expõe:

O restante do Sítio era formado de matas virgens capoeiras e roçados. As matas eram do tipo estacional semidecidual, vulgarmente chamada de matas de tabuleiros, constituídas de jatobás, angelins, timbaúbas, ubaias, manipuçás, goiabinhas, toréns, aroeiras, coaçus, mucunãs, frutas de morcego, pitombeiras, sabiás, mororós, mãos de vaca, jucás, canelas de veado, açoita-cavalo, marmeleiros, malícia, cardeiro etc. A fauna nativa estava constituída de pequenos mamíferos: sagüis, preás, cassacos, punarés, morcegos, gatos do mato e até raposas. Representando os répteis havia lagartixas (calangos), tejubinas, tijibus, camaleões e tejuaçus, além de uma variedade enorme de cobras: jararacas, corais falsas e verdadeiras,

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cobra verde, corre-em-campo, salamantas, surucucus, cobras de veado dentre outras. Uma salamanta (ou uma cobra de veado, segundo alguns) com 2,80m de comprimento foi a maior cobra encontrado no Sítio até hoje. Na fauna passariforme encontravam-se a rolinha, a nambu, o galode- campina, o canário amarelo, a graúna, o azulão, o currupião, o papaarroz, o papa-capim, o golinha, o bigodeiro, o caboclo-lindo, o sanhaçu, o bem-te-vi, o cancão, a lavadeira, o sabiá e outros.

Até aquele momento, o caráter de uso rural da terra era predominante.

Apesar das falas, já destacadas, estarem repletas de sentimentos pelo lugar, este

uso de caráter rural ocorre devido às próprias possibilidades da terra em questão.

Décadas depois, com o Passaré já incorporado à malha urbana de Fortaleza, os

usos transformam-se. Com a predominância do automóvel e da telecomunicação

possibilitando uma compressão tempo-espacial o Sítio deixa de ter suas funções

limitadas à segunda residência e à produção rural, sendo boa parte dele posto ao

mercado fundiário urbano.

As qualidades que naquele momento são apropriadas enquanto valor de

uso também são a condição à composição dos altos preços atribuídos às terras do

Passaré, já na fase recente e enquanto bairro. Isto pode ser observado no fato de

que todos os grandes empreendimentos do bairro ligam o projeto à “qualidade”

ambiental que resistiu à intensa urbanização de Fortaleza das últimas décadas.

Além disso, a região foi eleita para a instalação de uma série de

equipamentos e obras estatais, em parte, como acordos entre os proprietários do

Sítio Passaré e os órgãos interessados. Sobre a chegada de luz elétrica, Girão

(2008) lembra que

As noites eram iluminadas pelas estrelas, pelas lamparinas e pelos candeeiros; às vezes a lua, refletida na lagoa, transformava-as em noites brancas. Só algum tempo depois chegou a luz elétrica, puxada da colônia de correição de presos que o Estado fizera construir aqui perto e que era fornecida como contrapartida de uma faixa de terreno desmembrada do Passaré. Luz que chegava às seis horas e findava as dez e pouco, depois de um sinal que anunciava a iminente parada do gerador da colônia. Hora de acender as luminárias, rezar, ouvir os sapos e dormir. (P.87).

Nos anos 1960, o Sítio Passaré sofre novo desmembramento em razão

da partilha de bens proposta por Raimundo Girão. A gleba original foi dividida em

glebas menores que possuíam algo em torno de 4 ha cada, todas voltadas para a

lagoa. As demais áreas foram loteadas ainda na mesma década (Figura 10).

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Figura 10 - Sítio Passaré dividido em glebas e em lotes, anos 1960 - 1970

Fonte: GIRÃO, C. B. (org.) Memória do Sítio Passaré. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2008.

Boa parte das glebas sofreu desapropriação para ceder lugar ao que viria

a ser o Complexo Ecológico do Passaré e o Centro Administrativo do BNB. Como já

comentado, esses investimentos públicos tornaram-se fatores de valorização.

Apesar de o loteamento datar dos anos 1960, ele manteve-se sem

benfeitorias consideráveis até meados de 1990. Em parte, isto é justificado pela

própria estrutura dos lotes, que possuíam cada um o dobro do tamanho padrão

tendo ficado como reserva até que investimentos de maior volume ocorressem. Esta

mesma estrutura possibilitou o surgimento dos condomínios fechados, a princípio,

como aproveitamento de fundo de lote.

De certo modo é difícil distinguir esses primeiros condomínios de simples

vilas. Por enquanto, vale dizer que estes são os espaços embrionários daquilo que

compreendemos enquanto enclaves residenciais. Só mais tarde, com o fôlego

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116

tomado nos anos 2000 pelo mercado imobiliário, é que podemos verificar

condomínios mais complexos em termos de infraestrutura.

Da antiga e imensa propriedade restou somente um sítio limitado quase

que as bordas da lagoa e as memórias dos familiares e amigos que por ali

passaram. Para além da área correspondente à gleba da família Brasil Girão, o

território hoje compreendido como Passaré teve uma evolução demográfica

significativa, após os anos 1980, em boa dose, resultante da luta por moradia pelas

populações pobres urbanas.

4.1.2 Terra como conflito

A rápida urbanização do Passaré, ocorrida entre os anos 1980 e 1990, foi

marcada por lutas que reivindicavam o direito à moradia. Diferente das terras de

origem do Sitio Passaré, o perfil de urbanização do bairro como um todo não destoa

do perfil social, econômico, refletido no espacial do entorno (em geral, bairros de

população pobre e deficitários em infraestrutura).

Antes de aprofundarmos a questão da habitação em particular, pensemos

nos aspectos gerais que a envolvem. Para isso, retomemos o debate em seu caráter

clássico a fim de visualizar os aspectos básicos do acesso à habitação.

Mesmo não sendo novo o tema da habitação está na ordem do dia. A luta

urbana por moradia, as novas morfologias segregadoras, as remoções de

populações carentes das áreas mais valorizadas, os dramas ligados à ocupação de

sítios de maior fragilidade e o recente ciclo do crédito imobiliário habitacional

compõem uma parte importante do cenário para as reflexões acerca da cidade.

Apesar deste debate não ser recente, a sua natureza e o seu grau de complexidade

impõem sempre novos e desafiadores problemas à sua compreensão.

A questão da habitação não é, porém, o aspecto central para os temários

urbanos, se partimos da perspectiva de Engels (1988) e Lefebvre (1999). Ambos

concordam que as problemáticas que envolvem a habitação, Pós-Revolução

Industrial, estão subordinadas àquelas do modo de produção capitalista, o que não

implica, em absoluto, abandonar o tema, mas em pensá-lo sob uma ótica menos

fragmentada.

Vê-se aí a habitação num contexto em que ela pode apresentar-se como

uma mercadoria, mas não uma mercadoria qualquer. E o que a torna especial? Ora!

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117

Sendo a habitação uma mercadoria, ela possui um valor de uso e, portanto, sua

realização parte de uma necessidade. Mas de que tipo de necessidade estamos

tratando? A partir de uma leitura de Marx, Heller (1986) encontra a sua classificação

dentro das necessidades naturais

[As] necessidades naturais, como alimentação, vestimenta, aquecimento, habitação etc., são diferentes de acordo com o clima e outras peculiaridades naturais de um país. Por outro lado, a extensão das assim chamadas necessidades imediatas, assim como o seu modo de satisfação, é ela própria um produto histórico e, por isso, depende em grande medida do grau de cultura de um país, mas também depende, entre outros fatores, de sob quais condições e, por conseguinte, com quais costumes e exigências de vida se formou a classe dos trabalhadores livres num determinado local. (MARX, 2013, p.246).

Assim, a habitação responde à necessidade do abrigo, mas enquanto

síntese de um conjunto amplo de fatores. É essa necessidade tão fundamental à

vida que torna a habitação especial do ponto de vista da produção de mercadorias.

Queremos partir do conceito de necessidade natural para entendermos

a habitação num conjunto mais amplo e de extrema importância que responde sim

ou não para a condição de existência e que, portanto, não poderia ser negada.

Seguimos com Heller (1986) para nos depararmos com o problema da alienação das

necessidades, que corresponde à alienação da riqueza do ponto de vista da

limitação das possibilidades humanas. Assim, “en la sociedad de la produccíon de

mercancias el valor de uso (el produto del trabajo concreto) no sirve para la

satisfaccíon de las necessidades”. (HELLER, 1986, p.54).45

O que Heller (1986) explica através de Marx é que a produção nos

moldes capitalistas não tem como finalidade a satisfação das necessidades, mas

sim, a valorização do capital, sendo as necessidades um meio para este fim. Isto fica

evidente, enquanto caso concreto, quando se verifica o histórico da habitação social

e do financiamento imobiliário no Brasil, que teve sempre como o sentido primordial

a dinamização da economia.

A partir do exposto, o que temos é o conflito entre a necessidade da

moradia e o interesse de valorização do capital pelo setor imobiliário. Dada a

45

Na sociedade da produção de mercadorias, o valor de uso (o produto do trabalho concreto) não serve à satisfação das necessidades.

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concentração nacional de riquezas, o resultante é um cálculo perverso para a classe

trabalhadora. Daí torna-se essencial pensar a questão da habitação negando

inicialmente dois aspectos falhos, se analisados isoladamente.

O primeiro diz respeito ao déficit habitacional que, no limite, é apenas

um “déficit relativo”, já que não há falta de unidades habitacionais, mas sim,

concentração destas por poucos proprietários frente a uma grande parcela da

população que não dispõe de recursos necessários para adquiri-la.

O segundo é o julgamento de que este é um problema de resolução

possível por meio do mercado e/ou do Estado capitalista, mentalidade que Engels

há 142 anos já esclarecia e refutava. Para além desse cálculo, os meios de

satisfação desta necessidade são questionáveis – da autoconstrução ao

financiamento imobiliário, a classe trabalhadora sofre duras penas, seja pela jornada

extra que realiza a fim de economizar recursos financeiros, seja pelo dispêndio

excessivo destes com a contratação do crédito.

Ao se falar em “questão da habitação” temos que passar quase que

obrigatoriamente pelos célebres trabalhos de Friedrich Engels, onde são narradas as

condições de habitabilidade das cidades inglesas para a classe trabalhadora (A

situação da classe trabalhadora na Inglaterra) e o modo e sentido como é satisfeita a

necessidade de moradia para o proletariado alemão (A questão da habitação). Ainda

que escritas no século XIX, as obras de Engels apresentam um debate que continua

em pauta, não apenas por seu temário, mas, principalmente, pelo nível

interpretativo. Por vezes, a narrativa da miséria inglesa, Recém-Revolução Industrial,

é comparável à fatídica realidade de cidades brasileiras nos dias de hoje. Vejamos

uma das descrições feitas pelo autor acerca da precariedade da habitação inglesa e

outras duas referentes ao quadro do Brasil atual

Outros bairros densamente habitados estão desprovidos de rede de esgotos – e esta, quando existe, é insuficiente. Em muitas fileiras de casas, raramente se encontra um porão que não esteja úmido; em muitos bairros, as ruas estão tomadas por uma lama em que os transeuntes se atolam. (ENGELS, 2010, p.83).

Há um ano no Barroso, a doméstica Maria Gorete Costa, 46, já nem sente mais o mau cheiro vivente na porta de casa. Para impedir de, em tempos de chuva, o esgoto invadir o lugar, construiu uma mureta. Viveu maus bocados quando não a tinha. O emaranhado de residências da rua dela não tem ligação de esgoto. Até hoje, não compõe a estatística de 2,3 milhões de domicílios particulares que contavam com o serviço no Ceará em 2012,

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119

conforme a Pnad. “Tenho vontade de sair daqui. Tem muita muriçoca. Já vi fezes, cobra e muçum passar por aí”. (O POVO, 14/10/2013).

Mais de 158 famílias moram em volta do lixão de Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, e sobrevivem com o pouco dinheiro arrecadado com a venda de materiais recicláveis que eles recolhem no lugar, segundo levantamento do Instituto Espírita Batuíra. A maioria delas vive em uma situação de pobreza extrema, em casas de chão batido, lona e tábua no bairro Vale do Sol. (G1, 23/12/2013).

Não estamos dizendo, para que fique desde logo elucidado, que o que

serve para explicar a Alemanha e a Inglaterra de Engels cabe ao Brasil do século

XXI, mas, que, passado mais de um século de revoluções tecnológicas sucessivas,

não se conseguiu garantir para parte considerável da população mundial a

satisfação de suas necessidades primárias. De acordo com relatório publicado em

2013, pela FAO/ONU, cerca de 842 milhões de pessoas, ou seja, um em cada oito

habitantes do mundo sofre de fome crônica entre 2011 e 2013, isto num contexto de

produtividade agrícola e industrial ascendentes. Do ponto de vista das necessidades

naturais, em condições de satisfação via mercado capitalista, o que vale para a fome

vale para as condições de moradia: não importa a quantidade de objetos produzidos,

o que importa é a capacidade solvente daquele que necessita de um dado produto.

É verdade que, em dias atuais, em virtude da complexificação da divisão

do trabalho, a condição de reprodução da classe trabalhadora ocorre de modo

distinto às do século XIX de Engels. O próprio acesso à moradia dá-se sob meios

diferenciados a cada segmento de renda de trabalhadores.

Os casos apresentados anteriormente correspondem a uma população

com uma inserção precaríssima no mercado de trabalho, pessoas que não obtêm

uma renda capaz de suprir as tais necessidades naturais. Quando nas cidades, a

alternativa para esta parcela da população, em termos de habitação, varia entre as

favelas e os loteamentos irregulares das periferias. E em alguns casos, nem isso!

Muitos trabalhadores que saem do campo ou das pequenas cidades para trabalhar

nas metrópoles têm como alojamento o próprio espaço de trabalho, que comumente

são: os fundos de restaurante, um dormitório improvisado da construção civil, ou o

tão conhecido no Brasil quarto de empregada. Todos eles ampliam o quadro de

precarização (via superexploração) deixando claras as limitações dos salários

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pagos, pois deles não sobra nada caso se deseje atender o das tais necessidades

naturais.

O direito à cidade está aí suprimido para parte significativa da sociedade,

há a alienação da riqueza produzida pelo complexo mundo urbano. Por outro lado,

um conjunto também expressivo de trabalhadores foi incluído num universo de

consumo amplo, mesmo que de modo qualitativamente inferior ao da burguesia. A

princípio, isto causa certo imbróglio e possibilita afirmações maliciosas sobre o

avanço das condições de vida dos trabalhadores e acerca do sucesso do projeto

neoliberal.

Por enquanto, vale retomarmos o velho Engels. Na A questão da

habitação estão contidos três artigos escritos em 1872, na ocasião, a Alemanha

unificava-se e crescia enquanto potência atraindo também um contingente

populacional para as cidades, que se transformavam em centros industriais. O

crescimento dessas cidades não seguiu preservando as habitações existentes, nem

produzindo a quantidade necessária de novas capazes de atender ao rápido afluxo

de trabalhadores. O tema da habitação ganhou, assim, atenção.

Os textos de Engels, assim como os de Marx, têm um marcado caráter

político. No A questão da habitação Engels ataca a burguesia proudhonista. A

polêmica parte da superficial análise burguesa acerca da crise habitacional no

contexto da rápida urbanização alemã. Para os proudhonista – que comparavam o

papel do proprietário de um imóvel ao do capitalista e em consequência a do

arrendatário ao do operário – a casa própria teria um papel semelhante ao da

propriedade dos meios de produção. Nada mais equivocado, segundo Engels

(1988), já que, “[...] em primeiro lugar os capitalistas fazem reproduzir o valor da

força de trabalho comprada; depois fazem produzir mais-valia, que fica

provisoriamente em suas mãos, a seguir é repartida entre os membros da classe

capitalista”. Com o aluguel da habitação ocorreria algo inverso, sendo, neste caso,

uma “[...] transferência de valor já existente, previamente produzido; a soma total

dos valores possuídos conjuntamente pelo proprietário e pelo inquilino continua

sendo o mesmo antes e depois” (ENGELS, 1988, p.4).

Isto ocorre porque, pela abordagem marxiana, o valor é produzido pelo

trabalho, logo, no momento em que a mercadoria é comercializada, o valor já está

cristalizado e o que pode ocorrer é uma alteração no preço. Esta alteração, por sua

vez, não produz valor, mas o extrai e o redistribui entre os indivíduos proprietários.

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121

Vale ressaltar que a discussão toma evidência, de acordo com Engels,

não porque afeta o proletariado, mas porque é sentida também pela pequena

burguesia. O efeito gerador da dificuldade de moradia chega, na realidade, a todos

os níveis, mas é na extremidade inferior da pirâmide social que ela corrói em maior

grau as condições de vida. Vejamos através da lente de Engels (1988)

A extensão das grandes cidades dá aos terrenos, sobretudo nos bairros do centro, um valor artificial, que cresce por vezes em enormes proporções; as construções que aí estão edificadas, em lugar de aumentarem este valor, pelo contrário o diminuem, pois já não correspondem às novas condições e são demolidas para serem substituídas por edifícios modernos. E isso se verifica sobretudo com respeito aos alojamentos operários situados no centro, e cujo aluguel, mesmo nas casas superlotadas, não pode nunca ultrapassar um certo máximo, ou pelo menos só o pode de uma maneira extremamente lenta. Por isso são demolidos e nos lotes são construídos grandes armazéns, lojas, edifícios públicos. Em Paris o bonapartismo, através do barão Haussmann, explorou ao extremo esta tendência para a especulação e para o enriquecimento privado [...] Resulta-se daqui que os operários vão sendo afastados do centro para a periferia, que as moradias dos proletários, de uma maneira geral os pequenos apartamentos, tornam-se gradativamente escassos e caros, muitas vezes impossíveis de encontrar, e que nestas condições e indústrias da construção civil, a quem os apartamentos de aluguel elevado oferecem à especulação um campo muito mais vasto, não construirá senão excepcionalmente residências para operários. (P.2-3).

Como se pode perceber, Engels destaca aquilo que é essencial para a

conformação das condições da habitação no capitalismo e encontra por esta via as

regras econômicas que as regem. A face social e os elementos econômicos podem

até não ser os mesmos, mas isso em nada altera aquilo que é central ao modo de

produção capitalista: a concentração e centralização da propriedade privada para

fins de valorização do capital. Isto, tomando ferozmente como uso qualquer aspecto

das necessidades humanas, sem a intenção final de satisfazê-las.

Por isso a questão da habitação passa por uma questão também de

classes. Quando os urbanistas tentam resolver os problemas da habitação popular

por meio simplesmente de projetos, que não levam em conta nem os sujeitos nem a

realidade em que eles se inserem, a tendência é o fracasso. Isto na melhor das

hipóteses, porque, em geral, o mercado comanda onde e como os trabalhadores

irão viver estando os projetos para a habitação amarrados a esses interesses.

Nos anos de 1980 e 1990, a realidade para os trabalhadores brasileiros

era talvez a pior possível. O amargo remédio à crise do capital, que teve como

componentes “a abertura para o mercado mundial, a privatização de empresas

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122

estatais, a desregulamentação da economia [e] a ‘flexibilidade laboral’” (SADER,

2007, p.109) fora ingerido a contragosto pela classe trabalhadora.

Nas cidades, isso teve um efeito dramático. Após os anos de 1970 terem

representado a predominância urbana no Brasil, as décadas que se seguiram

trouxeram também o caráter de crise e recessão que acompanharia tal urbanização.

Nos anos 1980, cerca de 6.403.139 de pessoas viviam nas cidades em moradias

precárias46 (IBGE-CENSO DEMOGRÁFICO, 1991). Na década de 1990, a promessa

neoliberal não resolveu o problema do conjunto da população brasileira e a

precarização por fatores espaciais permanece com taxas crescentes. É nesse

contexto que a urbanização do Passaré toma expressão.

Nos anos de 1980, o Passaré começava a ser loteado para além das

terras da Família Girão Brasil. Em 1982, foi aprovado o loteamento Jardim Sumaré,

área localizada a noroeste do bairro, onde se instalaram residências de boa

qualidade construtiva. O loteamento compreendia uma área de aproximadamente

196.000 m², possuindo 229 lotes.

Ainda no começo dos anos 1980, foi aprovado o loteamento para o

conjunto habitacional Jardim Castelão, com 198.000 m². Esse conjunto habitacional,

todavia, teve sua liberação comprometida devido ao mau planejamento da obra. A

construção foi feita a menos de 300 metros de distância do, na época ativo, lixão do

Jangurussu. Com o impasse judicial, os imóveis permaneceram desabitados até

maio de 1987, quando foram ocupados pela população que reivindicava moradia.

Estas pessoas permaneceram no local por cerca de um ano até que lhes

foi concedido o direito de construir nas proximidades 520 casas em regime de

mutirão. As famílias envolvidas nessa empreitada eram oriundas de diversos locais

da periferia de Fortaleza, tais como: Messejana, Conjunto Alvorada, Parque

Iracema, Ponte do Iguatemi, Conjunto do IPEC, Viaduto da Leste-Oeste e Maravilha.

Esse primeiro grupo deu origem aos Conjuntos Jardim União I e II. O terreno usado

pertencia ao estado e correspondia à antiga Escola de Tratoristas.

Outro caso de ocupação pelo movimento social foi o ocorrido no início dos

anos 1990, na área que ficou conhecida como Barroso II, setor leste do bairro.

Nesse caso, a ocupação se deu do modo mais típico, com o erguimento de barracos

na área pretendida. Também de modo típico foi a forma como o estado tratou essa

46

O IBGE trabalha com o conceito de aglomerado subnormal, referindo-se a: favelas, mocambos, alagados, barranco de rio, etc.

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123

ação. De acordo com o relato dos primeiros moradores da área, houve, após quatro

meses de assentamento, intervenção violenta da polícia com a expulsão da

população. A continuidade da luta aconteceu com o auxílio do padre da igreja local,

que cedeu o espaço do entorno da igreja para a permanência dos sem-teto até que

fossem atendidas as suas reivindicações.

Passado um ano de ocupação, a área do primeiro assentamento foi

cedida ao movimento, que pôde, através de mutirão, construir suas residências.

Nas duas ocupações, a organização do movimento em processo de

mutirão se dava por funções atribuídas aos envolvidos. No ato da construção

existiam: conselho fiscal, com atribuições de ordenar e regular a ocupação;

tesoureiro, que gerenciava os custos da obra; e presidente, que se tratava do próprio

líder comunitário. Nesse loteamento, cada quadra recebeu o nome de um dos

líderes comunitários.

No mutirão, o trabalho era intenso, em geral, a edificação dos imóveis era

realizada nos fins de semana, somando-se às atividades profissionais dos

moradores. Na medida em que as etapas de unidades habitacionais ficavam prontas

era realizado um sorteio onde se definiam quais seriam os próximos beneficiados.

Nesse período, mesmo sem incentivos à produção do setor imobiliário, já

havia registro de loteamentos para boa parte do território do bairro, o que pode

indicar uma estratégia dos proprietários de terras no sentido de assegurar a sua

posse frente ao risco de ocupação pelos movimentos sociais. Com o exercício ou

iminência da força manteve-se a propriedade de muitos donos de glebas e

loteamentos.

A aprovação dos loteamentos para os mutirões não significou, todavia, a

satisfação das demandas das famílias. Entre as reivindicações feitas listavam-se:

abastecimento de água, fornecimento de luz, implantação de saneamento básico,

pavimentação de ruas, alocação de posto de saúde e creche, além da oferta

adequada de transporte público. No período atual, há ainda muitas queixas no que

tange a estas infraestruturas.

Apesar da forte atuação das comunidades, elas não ocorreram enquanto

corpo homogêneo de lutas e ideias. Foi e continua a ser comum a disputa política

dentro da comunidade com a existência de cabos eleitorais representados por

pessoas ativas no papel de luta por melhorias do bairro. Por isso, há também um

sentimento de desconfiança entre os moradores em relação a essa atuação. De todo

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124

modo, as conquistas galgadas pelos moradores dessas comunidades que compõem

o Passaré foram fundamentais também para o mercado imobiliário que se beneficiou

com a infraestrutura existente.

4.1.3 Terra como mercadoria

O quadro atual de alguns setores do Passaré pouco faz lembrar a

fisionomia da periferia de Fortaleza predominante até meados dos anos 1990. O

bairro cresceu muito durante os anos 2000, com mudanças qualitativas e mesmo

quantitativas considerando-se que cerca de 26% da população atual data desta

década (IBGE, 2000;2010).

Mapa 7 – Domicílios particulares permanentes por bairros – Fortaleza/CE - 2010

Fonte: IBGE, CENSO 2010. Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão

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125

Com isso, acentuou-se também o incremento no número de domicílios,

entre 2000 e 2010, a elevação foi de 37,8%. Em números absolutos, estamos

falando de 50.940 pessoas distribuídas em 14.957 domicílios. Números

consideráveis se comparados com outros bairros que estão já densamente

ocupados como: Papicu (5.549 un.), Aldeota (13.723 un.), Benfica (2.975 un.) ou

Parangaba (9.225 un.), como pode ser observado no Mapa 7.

O perfil habitacional do bairro é bastante diversificado, variando entre os

condomínios mais bem equipados, construídos nos anos 2000; moradias de baixo

padrão construtivo, instaladas a partir dos anos 1980; e chácaras que resistiram à

especulação imobiliária, como demonstrado no Gráfico 6.

Gráfico 6 – Perfil Residencial dos moradores do Passaré por tipo de domicílio -

2010

Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE – Censo Demográfico, 2010.

Ao verificarmos as variáveis de rendimento médio por tipo de domicílio e

de composição da população por classe de rendimentos, alcançamos um indicativo

de que os trabalhadores com melhores níveis salariais do Passaré convergiram para

os condomínios fechados horizontais47. No Gráfico 7, é possível verificar a relação

rendimento/tipo de domicílio. Vale frisar que, apesar da concentração acentuada

dessa tipologia no bairro, ela não representa mais que 9% do total dos domicílios ali

instalados.

47

O IBGE aglutina as tipologias vila e condomínio fechado. Tendo conhecimento da realidade do Passaré, tratamos apenas por condomínios fechados.

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126

Gráfico 7 – Valor do rendimento nominal médio mensal por tipo de domicílio no Passaré - 2010

Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE – Censo Demográfico, 2010.

Figura 11 – Habitação no Passaré

Fonte: pesquisa de campo

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127

A população com rendimentos mais elevados (acima de 5 SM)48 constitui

apenas 3% do quadro global do bairro, enquanto a larga base da pirâmide, 81% dos

habitantes do Passaré, não recebe mais que 2 SM por mês. Desse total, 35% vivem

com menos de 1/2 SM (Gráfico 8). Depois de 2010, empreendimentos verticais com

unidades a preços mais elevados foram lançados, o que certamente ampliou e

distribuiu o percentual da população de maior rendimento para essa tipologia. Ainda

assim, devido à dimensão populacional do bairro, esse incremento dificilmente

representará alteração significativa, em termos proporcionais, na composição dos

habitantes por classe de rendimento.

Gráfico 8 – Composição da população por classes de rendimento

nominal per capita, Passaré - 2010

Fonte: Elaboração da autora com base nos dados do Censo Demográfico, IBGE,

2010.

Acreditamos que os elementos apresentados são suficientes para

desfazer o mito, recentemente criado pelo mercado, de que o Passaré se tornou um

bairro “nobre”.

48

O salário mínimo utilizado pelo IBGE, nesse levantamento, foi de 510,00 Reais.

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128

Gráfico 9 – Moradores por domicílio – 2000/2010

Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE – Censo Demográfico, 2000 /2010.

Ainda quanto aos domicílios, o censo do IBGE indicou que, entre 2000 e

2010, houve uma mudança no que se refere à concentração de residentes por

unidade habitacional. Enquanto os domicílios com cinco ou mais pessoas

diminuíram (passando de 3.213 para 3.090), os com até três moradores

aumentaram sensivelmente (de 3.985 para 8.634), como mostra o Gráfico 9. Em

parte, esse acréscimo se liga à chegada de novos moradores que vieram habitar em

tipos construídos pelo setor imobiliário, sendo muitos deles condomínios fechados.

Atualmente, o bairro demonstra uma tendência de crescimento da

população com mais de quarenta anos, perfil verificado também entre os chefes de

família que residiam nos condomínios fechados horizontais (Gráfico 10).

Gráfico 10 – População residente, no Passaré, por grupo de idade – 2000/2010*

Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE - Censo Demográfico, 2000/ 2010.

* O percentual encontra referência na população total do bairro.

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129

A implantação dos condomínios fechados no Passaré inicia-se na virada

dos anos 1990. Esse tipo habitacional permitiu que o setor imobiliário incluísse perfis

de renda mais elevados no mercado de compradores de terrenos e

empreendimentos no Passaré. Esse efeito requer explicação.

De acordo com Caldeira (2000), os enclaves fortificados são espaços

autônomos, independentes do seu entorno e que podem ser situados praticamente

em qualquer lugar. Não apresentaríamos as noções de autonomia e independência

com tanto rigor para a totalidade desses empreendimentos, em especial, para

àqueles de menor porte. Mas este emuralhamento, na medida em que impede o

acesso de estranhos, tem um efeito de mercado positivo frente a um medo

crescente da violência urbana.

No transcurso dos anos 2000, fica evidente para o Passaré a tendência a

uma urbanização marcada pelos condomínios fechados. De 1998, ano de

implantação do primeiro condomínio, a 2006, foram construídos 80,64% dos

empreendimentos registrados no bairro atualmente. O ano de 2011 parece ter

finalizado esse ciclo imobiliário de condomínios fechados no bairro, já que nenhum

novo empreendimento do tipo foi construído desde então.

Gráfico 11 – Número de condomínios fechados horizontais por ano, no Passaré, registrado pela SEFIN*

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados fornecidos pela SEFIN * Sabemos, através do reconhecimento de campo, que esse dado representa um valor inferior

à realidade do Passaré. Todavia, a opção por seu uso se deu pela falta de dados oficiais que contabilizassem a tipologia em análise. O gráfico representa, desse modo, uma estimativa da frequência dos condomínios fechados horizontais, no bairro.

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130

Gráfico 12 – Número real de condomínios fechados horizontais no Passaré

Fonte: Elaborado pela autora a partir de imagens disponibilizadas pelo Google Earth.

Aqui abrimos um parêntese para reafirmar nossas considerações.

Apresentamos dois Gráficos, 11 e 12, sendo o primeiro bem menos preciso em

relação aos números reais. A motivação da apresentação dessas duas fontes se deu

porque justificamos a nossa escolha de recorte baseada do Gráfico 11, de fonte

oficial, e que nos deu a possibilidade de avaliar o conjunto urbano de Fortaleza do

fenômeno em estudo. Esta fonte indica o Passaré como o bairro de maior

concentração do tipo residencial condomínio fechado horizontal. Não descartamos

essa informação porque, apesar de não ser precisa, ela é proporcional ao volume

real. Entre os dois dados o coeficiente de correlação é de 0,980026, valor quase

ideal (referente a 1). Fechamos o parêntese.

No Quadro 3, fica evidente que o Plaza Carmelle é o único representante

do tipo condomínio fechado horizontal e que foi também o último empreendimento

do segmento a ser lançado, apesar de sua entrega está datada para 2014, a sua

implantação ocorreu ainda em 2011. Essa diminuição de frequência associada a um

preço espantoso reforça o fato de que está ocorrendo uma virada para esse setor da

cidade. Do ponto de vista dos níveis de lucratividade buscados pelo mercado, o

preço da terra no Passaré tornou-se inviável para projetos horizontais e para as

pequenas construtoras – comumente, as que investem nesses empreendimentos.

Mantendo-se os preços, a tendência para o Passaré será a da verticalização.

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Quadro 3 – Principais lançamentos imobiliários no Passaré

Fonte: Elaborado pela autora a partir de materiais publicitários impressos

Há um aspecto particular que deve ser reassaltado para evitar distorções

acerca do caráter da verticalização do Passaré. O bairro apresentou um processo de

verticalização antes que ocorresse uma valorização contundente. Isto aconteceu

devido a investimentos do governo no setor da habitação social. De acordo com

informações levantadas por Assis (2013), o Passaré foi o principal bairro a receber

empreendimentos do PAR, no Governo FHC, sete no total. No Governo Lula, o

bairro ainda recebeu dois novos empreendimentos, mas já era visível que os

projetos se deslocavam para regiões mais afastadas, como o Jangurussu, que teve

a maior concentração para o período – nove empreendimentos, todos no governo de

Lula.

Ainda quanto ao perfil da verticalização, até meados dos anos 2000, os

investimentos eram de pouca monta, se comparados aos realizados nos últimos

quatro ou cinco anos. A complexidade dos projetos também estava aquém da

realidade das áreas já valorizadas.

EMPREEND. TIPO CONST. INC. UN. ÁREA PREÇO (R$)

ANO DE ENTREGA END.

Reserva Passaré Apto. BSPAR BSPAR 576

11.088 m² (total) 230.000 2014

R. das Carnaúbas

Portal do Passaré Apto. CMT CMT 42 2.338 m² 239.000 2012

R. das Carnaúbas

Horto Residence Apto. Samaria Samaria 104 4.779 m² 234.000 2014

Av. Prudente Brasil

Mirantes Passaré Apto. FAN FAN - 8.141 m² 226.600 2015

R. dos Sabiás

Plaza Carmelle

casa em condomínio

Carneiro de Melo - 34 7.200 m² 500.000 2014

R. das Carnaúbas

Villa Bellagio

casa em condomínio

Compacta Engenharia - 28 5.321 m² 425.000 2009

R. das Aroeiras

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132

Figura 12 – Prédio do PAR construído no Passaré

Fonte: Pesquisa de campo

O perfil da verticalização anterior à entrada das empresas de maior

capacidade de investimento era o de prédios de três andares podendo compor

várias torres dentro do mesmo condomínio (Figura 12), o que proporcionava

menores custos de manutenção para cada condômino. Do mesmo modo, os

condomínios fechados horizontais já existentes também não possuíam grandes

investimentos em áreas comuns ou em atrativos que fossem muito além da

segurança baseada na existência de uma portaria, alguns só recentemente sofreram

melhorias nas áreas comuns. Há pouca ou nenhuma normatização quanto à

manutenção da padronização das unidades residenciais, como pode ser observada

na Figura 13.

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Figura 13 – Áreas internas e externas do Residencial Sarah Kubitschek I, construído no final dos anos 1990

Foto: Pesquisa de campo

Apesar do interesse do setor imobiliário ter sido flagrante já nos anos

1990, foi no final dos anos 2000 que o Passaré passou a atrair investimentos de

maior porte. Esses empreendimentos marcam uma nova fase de expansão urbana.

Redesenham, na realidade, a fronteira de interesses dos agentes do setor imobiliário

de maior capital.

Hoje, o capital de parte das empresas que investem em bairros periféricos

é elevadíssimo. O grupo BSPAR, a exemplo, atua em diversos segmentos, inclusive

no financeiro. Essa disponibilidade de recurso permite às empresas investimentos

mais agressivos. Projetos de simples prédios de apartamentos são engolidos por

complexos que oferecem áreas comuns repletas de atrativos. Mais do que devorar o

antigo modelo vertical eles engolem a própria cidade na medida em que reproduzem

vários dos seus elementos, produzem, assim, uma cidade miniaturizada.

O deslocamento desses investimentos para as áreas periféricas também

acentua a discrepância econômica entre a população antiga da periferia (composta

por trabalhadores pouco especializados) e a nova (representada por trabalhadores

com melhores condições salariais). O efeito disso no espaço é a sua fragmentação

ainda mais violenta.

Villaça (2001) fala em uma obsessão dos mais ricos (acrescentamos que

não são apenas os ricos) pela construção de muros e cercas na medida em que se

aproximam da periferia. A esse respeito observamos que se desenvolve com esses

enclaves residenciais um estranhamento em relação à população externa aos

condomínios. Um sentimento de desconfiança e insegurança em relação ao entorno

(extramuros) que reafirma a negação dos espaços públicos e alimenta o desejo pela

permanência nas áreas internas do condomínio.

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134

Os equipamentos de áreas comuns são praticamente obrigatórios para os

projetos destinados aos novos espaços de investimentos do setor imobiliário. Além

da indesejável convivência com a população antiga, os tamanhos das unidades

residenciais, cada vez menores, demandam projetos com áreas comuns mais

diversificadas. Assim, o processo de intensificação da fragmentação urbana reforça

o sentido de miniaturização da cidade pelos enclaves residenciais, na propaganda

da Figura 14 pode-se ler “Uma pequena cidade para os grandes momentos da sua

vida”.

Figura 14 – Anúncio imobiliário referindo-se ao condomínio enquanto uma pequena cidade

Fonte: Encarte publicitário da construtora Carneiro de Melo, distribuído livremente.

Ao analisar a elevação dos preços, no acumulado de 2010 a 2014,

descobrimos que em alguns bairros da periferia de Fortaleza a elevação foi, em

termos proporcionais, superior a bairros já valorizados. No Gráfico 13, calculamos o

acumulado do índice FipeZap para quatro bairros49: Aldeota, Cocó, Passaré e

49

A base desse cálculo foi o preço do metro quadrado dos apartamentos, o que nos permitiu uma avaliação mais segura, tendo em vista a frequência das variáveis. Se utilizássemos o padrão casa, dificilmente teríamos

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135

Messejana. Os dois primeiros fazem parte da região com os preços mais elevados e

com a maior dinâmica imobiliária da cidade, os últimos fazem parte da periferia da

Capital.

Gráfico 13 – Variação do preço do m² - entre jan/10 e maio/14

Fonte: Elaborado pela autora com dados do FipeZap.

Gráfico 14 – Evolução dos preços de imóveis por bairros de Fortaleza - 2010/2014

Fonte: Elaborado pela autora com dados do FipeZap.

É claro que bairros como Cocó e Aldeota têm metros quadrados muito

mais caros do que o de bairros como o Passaré, mas o destaque está para os novos

territórios do capital, que se valorizam numa curva crescente superior produzindo

uma paisagem drasticamente desigual na periferia. (Gráfico 14).

uma boa representatividade, já que os bairros densamente explorados pelo setor imobiliário sofreram um processo de verticalização ainda nos 1980.

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No caso do Passaré, um fator importante para a acentuada elevação dos

preços foi o mega evento Copa do Mundo FIFA 2014. Desde 2009, com o anúncio

das cidades que receberiam os jogos, criaram-se enormes expectativas no setor

imobiliário quanto aos investimentos em infraestrutura para a Copa. Na medida em

que iam se confirmando os projetos de intervenções urbanas, acirrava-se a disputa

pelo espaço. A posição privilegiada do Passaré em relação à Arena Castelão tornou-

se o mote para a irracional elevação dos preços dos seus terrenos. Vejamos a

matéria publicada pelo jornal Diário do Nordeste, no ano de anúncio do megaevento.

Fortaleza vai mudar. Todos os projetos previstos para atender à Copa do Mundo de 2014 na Capital vão transformar o cenário físico em algumas partes da cidade e, conseqüentemente, alguns aspectos econômicos. Um deles é a valorização imobiliária do bairro do Castelão e suas redondezas, principalmente, além de outros, como a Praia do Futuro. Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará, Roberto Sérgio Ferreira, as obras de infra-estrutura que incrementarão o acesso ao estádio serão responsáveis pela valorização de terrenos no entorno. Montenegro, do Sinduscon, afirma que o mercado já começou a especular os preços de venda no Castelão. “Haverá um interesse maior”, diz. “O Passaré [bairro vizinho] é uma das zonas que mais cresce em Fortaleza com oferta de casas. Com a Copa, essa valorização vai acelerar”, adianta. (04/05/2009).

Nos anos seguintes a essa matéria, o megaevento foi comprovadamente

um fator explorado pelo setor imobiliário elevando os preços dos seus produtos. Na

Figura 15, é possível perceber a tentativa do setor imobiliário de relacionar um de

seus produtos à Arena Castelão.

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Figura 15 – Outdoor que destaca obra da Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014

Fonte: Pesquisa de campo

Apesar da elevação dos preços, não houve de modo contundente

motivação proporcional que a justificasse, uma vez que as intervenções esperadas

não foram além de melhorias em vias, aparecimento de algumas lojas e a reforma

do estádio. O que o mercado aguardava, em parte, não se realizou. Havia a

expectativa de uma nova dinâmica gerada pela chegada de empreendimentos

comerciais. Esperava-se também que fosse realizada uma mudança no perfil da

população nas proximidades do estádio e das novas obras por meio de remoções.

Podemos considerar que esse último representou o principal conflito da cidade

desde o anúncio das intervenções urbanas.

Para a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, o Poder Público

empreendeu um enorme esforço financeiro e político na efetivação de um conjunto

de projetos para o megaevento. Não sem conflitos, mudanças espaciais e jurídicas

foram implementadas. Entender a história recente do Passaré significa compreender

esses elementos atrelados, portanto a um projeto urbano muito mais amplo.

A sequência África do Sul (2010), Brasil (2014) e Rússia (2018)

demonstra que os países eleitos pela Federação Internacional de Futebol para

sediar a Copa do Mundo têm um caráter mais flexível às exigências do grande

capital nacional e internacional.

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138

Harvey (2006), ao tratar da passagem do administrativismo urbano para o

empreendedorismo urbano, a partir da década de 1970, dá-nos pistas para

compreendermos o modelo de gestão de governo que gastou 25,8 bi de reais para

viabilizar um megaevento (FOLHA DE SÃO PAULO, 23/05/2014).

A transição entre os modelos de administração pública está relacionada

às dificuldades enfrentadas pelas economias capitalistas na recessão de 1973

(HARVEY, 2006). A erosão econômica e fiscal vivida por grandes cidades de países

capitalistas avançados exigiu a saída à crise urbana por novos modelos de gestão

onde os governos teriam um papel facilitador na atração de novos

empreendimentos. Como pano de fundo desse processo Harvey (2006; p. 168)

aponta para

[...] a desindustrialização, o desemprego disseminado e aparentemente “estrutural”, a austeridade fiscal aos níveis tanto nacional quanto local, tudo isso ligado a uma tendência ascendente do neoconservadorismo e a um apelo muito mais forte (ainda que, frequentemente, mais na teoria do que na prática) à racionalidade do mercado e à privatização.

Assim, a crise urbana corresponde também a uma crise social – um par

que obedece à crise do próprio capital. Para Mészáros (2011), esta que seria uma

crise estrutural tende a aprofundar-se, permeando não apenas o mundo das

finanças, mas em todas as esferas da vida cotidiana. Consideramos que aí há algo

que pode ser aproximado à ideia de “esferas de atividades”, tratadas por Harvey

(2011), que retoma e amplia uma ideia de Marx que não fora desenvolvida

completamente em O Capital.

Para o autor, o capital movimenta-se em busca de lucro por meio de

diferentes “esferas de atividades”. Nestas, haveria uma fulcral que diria respeito às

novas formas tecnológicas e organizacionais, mudanças nessa esfera significariam

profundas alterações nas relações sociais, assim como nas relações com a

natureza. Por outro lado, mutações nesses dois campos também acarretariam

efeitos sobre as novas tecnologias e formas organizacionais. Compõe-se assim um

processo dialético de interações.

Harvey (2011; p.104) apresenta sete “esferas de atividades”:

[...] tecnologias e formas de organização; relações sociais; arranjos institucionais e administrativos; processos de produção e de trabalho;

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relações com a natureza; reprodução da vida cotidiana e da espécie; e “concepções mentais de mundo”.

Não haveria esferas dominantes e nem independentes, ao mesmo

tempo, cada esfera teria uma evolução própria, mas em uma interrelação dinâmica

com as outras. David Harvey apresenta, assim, uma concepção dos fenômenos

absolutamente dialética e que leva em consideração um grau de incalculabilidade

Todos os complexos fluxos de influencia que se movem entre as esferas estão em perpetua reformulação. Além disso, essas interações não são necessariamente harmoniosas. De fato, podemos reconceitualizar a formação de crises em termos de tensões e antagonismos que surgem entre diferentes esferas de atividade, por exemplo as novas tecnologias que levam ao desejo de novas configurações nas relações sociais ou perpetuam a organização dos processos de trabalho existentes. [...] O capital não pode circular ou acumular-se sem tocar em cada uma e em todas essas esferas de atividade de alguma forma. Quando o capital encontra barreiras ou limites dentro de uma esfera, ou entre as esferas, tem de achar meios para contornar ou superar a dificuldade. Se as dificuldades são graves então esta aí uma fonte de crises. (HARVEY, 2011, p.104-105).

Esse grau de incalculabilidade nos permite um movimento fantástico

relativo à própria utopia. Bem ou mal focadas as manifestações de junho, como

ficaram conhecidos os protestos que reuniram milhões de pessoas nas ruas de

várias cidades brasileiras, durante a Copa das Confederações, tiveram esse caráter

surpresa do qual provavelmente ainda não vimos o desenrolar completo. Desde

então, tem sido marcante o desejo pelo encontro urbano em prol da luta por justiça

social, destacadamente as relativas à preservação de bens públicos como o Ocupe

o Cocó (em Fortaleza) e o Ocupe a Estelita (em Recife). Esses movimentos, que

reivindicaram o direito à cidade, estão na vanguarda dos movimentos urbanos

atuais. Mas em que isso é importante para a nossa discussão? Ao que parece eles

vão de encontro à lógica, ainda dominante, narrada em nossa pesquisa. Isto serve

para dizermos que não há uma tendência única, ainda que existam aquelas que são

hegemônicas.

Alguns exemplos que viemos apresentando ao longo do debate acerca

do nosso objeto ilustram a leitura feita por Harvey (2011), dentre eles, destaca-se a

dinâmica de uso dos espaços públicos, que se transforma num ritmo aproximado

aos dos modelos de morar, ambos exercem funções ativas em sua interação. A

mudança das relações cotidianas entre os indivíduos e a cidade é mediada também

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por transformações tecnológicas, como as que ocorreram com a invenção e

disseminação do automóvel, que orientou na sequência toda a produção urbana.

Enfim, Harvey (2011) desenvolve uma ideia que permite incorporar leituras diversas

– e, inclusive, fora do eixo de análises marxistas, sem, no entanto, comprometê-lo –

a fim de pensar o movimento desigual que compõe as partes no fluxo da história e

que por sua vez se realiza na (re)produção do próprio espaço.

A ocorrência da crise no padrão produtivo, com seus efeitos sobre a

sociedade, exigiu do modelo de gestão pública uma reformulação na sua atuação.

Sobre isso Botelho (2004) argumenta que a crise se expressou de maneira distinta

para as diferentes realidades urbanas do mundo capitalista, de modo geral, esse

processo se realizou enquanto

[...] crise financeira e econômica dos poderes públicos municipais, crise de “funcionamento” da cidade (transportes, limpeza urbana, serviços sanitários etc.), crise da gestão política. Em resposta a esse conjunto de crises, novas formas de gestão e planejamento urbano foram colocadas em prática a partir da década de 1980 em algumas cidades afetadas pela crise (Barcelona, Nova York, Baltimore, Los Angeles, Boston etc.), transformando-se rapidamente em modelos mundiais “de boa gestão” a serem adotados pelas demais cidades[...]. (BOTELHO, 2004, p.113).

Para Harvey (2006), podemos estar diante de um modelo com

implicações de longo alcance para perspectivas futuras de desenvolvimento.

Pensemos, como propõe Harvey (2006), na conformação de uma estrutura de

concorrência interurbana de soma zero, ou seja, fundada num jogo em que o ganho

de um “jogador” representa a perda de outro. Aí, nem mesmo os governos mais

progressistas encontrarão saídas que não passem pela entrada no jogo da produção

de vantagens aos investimentos capitalistas. Estas aporias, enfrentadas em todo o

mundo, acabam produzindo uma enorme descrença quanto à resolução dos

problemas sociais pelo Estado.

Harvey (2006) propõe três aspectos gerais de caracterização do

empreendedorismo urbano recente: a) a parceria em projetos público-privados; b)

nesses projetos, os governos assumem os riscos do movimento empreendedor

enquanto o setor privado fica com os benefícios; c) e o enfoque na economia local.

O modelo orienta-se para o “investimento e desenvolvimento econômico, por meio

da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num

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território” (HARVEY, 2006, p.174). Por essa via se privilegia o desenvolvimento de

projetos, onde, de acordo com Botelho (2004; p.114), destacam-se:

[...] as renovações das frentes marítimas, portos, centros históricos e também os grandes eventos internacionais (Jogos Olímpicos, Exposições Universais, Congressos Internacionais etc.), como também parques temáticos de ócio e comércio, parques empresariais e de serviços para empresas, zonas logísticas, condomínios fechados, campus universitários, centros médicos, centros de convenções, recintos de feiras etc.

O modelo de empreendedorismo urbano pode ser reconhecido em

diversos níveis escalares como “zonas e comunidades locais, centro da cidade e

subúrbios, região metropolitana, região, Estado-Nação, etc.” (HARVEY, 2006,

p.171).

Tal modelo implica necessariamente em efeitos não só sobre as

instituições urbanas, mas também sobre os ambientes urbanos construídos. Nessa

fase da urbanização, o reconhecimento dos atores e seus papéis tornam-se

fundamental para a compreensão dos processos urbanos. Para Harvey (2006), os

movimentos desses atores envolvem interesses diversos que interagem numa

configuração específica de práticas espaciais entrelaçadas. O autor ainda levanta

que estas práticas podem até envolver conteúdos diversos como o de gênero ou de

caráter racial, mas a predominância se funda nas relações de classes com foco no

controle da força de trabalho.

Com a Copa do Mundo abriu-se um campo vasto para os investimentos

do capital nacional e internacional, no Brasil. De acordo com Vainer (2013)50, os

maiores beneficiados com o evento, além da própria FIFA, foram: as empresas de

consultoria; as empresas de telecomunicações; a indústria esportiva internacional;

as grandes empreiteiras nacionais; o setor de turismo; e os políticos locais em busca

de visibilidade. Em Fortaleza, a Copa do Mundo serviu como justificativa para a

remoção dos pobres que residiam nas áreas mais valorizadas da cidade e para a

construção de grandes obras ligadas ao turismo, em especial, com foco no turismo

de eventos.

Podemos considerar que, no nível urbanístico mais direto, as obras de

mobilidade urbana foram privilegiadas. De acordo com a SEINF, foram R$ 127,9

50

Entrevista concedida ao Correio Braziliense, publicada em 24/8/2013.

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142

milhões destinados às intervenções nas vias51. O pacote, que inclui a remoção de

361 imóveis, ainda está em processo de finalização.

A visibilidade dada a Fortaleza com o megaevento também foi usada

enquanto justificativa para projetos como: o Centro de Convenções e o Aquário

Ceará, o que reforça a leitura que coloca a capital alinhada ao modelo do

empreendedorismo urbano.

Do ponto de vista do capital imobiliário, o modelo de gestão tem induzido

a produção urbana para o sul de Fortaleza. O principal amparo para esta tese está

na escolha da localização do Residencial Cidade Jardim, em processo de

construção, no bairro José Walter. De acordo com a Coopercon52, o

empreendimento será o maior projeto da segunda etapa do PMCMV. A obra

assinada pela Fujita Engenharia envolveu a parceria de agentes públicos como:

Caixa Econômica, Governo Federal, Governo do Estado do Ceará e Prefeitura

Municipal de Fortaleza53. O projeto que prevê 5.536 unidades habitacionais,

dispostas em 346 blocos de apartamentos voltados para famílias de 0 a 3 salários

mínimos, parte dessa população é proveniente das remoções para a efetivação das

obras de mobilidade urbana.

Ao que parece, a Copa do Mundo de 2014 foi usada como justificativa

para um rearranjo, ainda em curso, da Metrópole. A cidade tornou-se ainda mais

fraturada, acelerando a justaposição entre enclaves residenciais a setores

paupérrimos. Diante dessa realidade, cabe perguntar que nova configuração urbana

está em marcha.

Com base em nossa pesquisa mais empírica não podemos dizer que o

Passaré ou qualquer outro bairro do setor sul de Fortaleza tenha mudado seu perfil

dominante de classe (ou fração de classe). Perceber que o perfil dominante não foi

alterado não significa, todavia, negar que alguma mudança significativa possa ter

ocorrido.

Quando o setor imobiliário migrou para a periferia da cidade a produção

do espaço pela autoconstrução já estava em curso, há pelo menos duas ou três

décadas, o que de alguma forma também criou aspectos locacionais favoráveis

51

Informação disponível no site: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/seinf/obras-de-mobilidade-urbana-copa-2014>. Acesso em: 24 jul. 2014. 52

Cooperativa da Construção Civil do Estado do Ceará. 53

Disponível em: <http://www.coopercon.com.br/noticias/fujita-engenharia-assina-contrato-para-construc-o-do-cidade-jardim>. Acesso em: 25 jul. 2014.

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como a existência de comércio e de infraestrutura básica (energia, água, esgoto,

linhas de telecomunicação, além de vias locais, coletoras, arteriais, etc.).

O Passaré, por exemplo, já estava constituído, guardando, todavia, várias

glebas que foram aproveitadas pelo mercado na medida em que se tornava

excessivamente oneroso produzir empreendimentos nas áreas concentradoras de

serviços e de melhor infraestrutura.

A entrada da classe trabalhadora no mercado imobiliário formal, por via

do PMCMV, também é elemento importante, já que promoveu não só o alargamento

do mercado como o movimento territorial dos investimentos do setor imobiliário.

Construir para o perfil econômico atendido pelo PMCMV, nas áreas mais

valorizadas, tornou-se inviável do ponto de vista do mercado. Mas devemos

destacar aqui que os empreendimentos analisados por esta pesquisa não se

referem àqueles consumidos pelos trabalhadores de menor rendimento e nem

mesmo àqueles incluídos na chamada Nova Classe Média, estariam muito mais

relacionados ao perfil clássico da classe média, em muitos casos, funcionários

públicos. No entanto, os rebatimentos sobre a elevação dos preços e da produção

em geral do mercado só podem ser explicados se levadas em conta as questões

estruturais, como já fora referido no capítulo anterior.

Na verdade, temos um duplo processo: na medida em que o mercado se

expandiu, o efeito foi o de elevação dos preços dos produtos imobiliários, e

espacialmente o resultado foi a empurrada dos novos projetos imobiliários para a

periferia.

Como já afirmamos, os enclaves residenciais fincam-se na periferia, sem,

no entanto, alterar o perfil geral, assim, a noção de “enclaves” justifica-se. No

Passaré, os condomínios fechados não são dominantes, como mostramos em

nossos dados, mas são qualitativamente significativos na medida em que

compreendem os espaços de melhor qualidade ambiental e com melhores

equipamentos. Além disso, em muitos casos, distinguem-se da realidade dos

moradores extramuros ao possuírem equipamentos de uso coletivo interno ao

condomínio que dispensam a vivência dos espaços públicos, bem como a sua

reivindicação.

Até aqui elencamos os efeitos de algumas mudanças econômicas e

políticas sobre o Passaré levando em consideração os elementos singulares do

nosso recorte. Um elemento, porém, não foi debatido: a natureza, esta enquanto

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discurso que tem como finalidade a valorização imobiliária. A importância desse

elemento é difícil de ser mensurada, mas consideramos que é preciso dedicarmos

algum espaço a este debate enquanto movimento de reflexão.

A esse respeito é preciso dizer que, a depender da localização da

moradia, os preços são favorecidos, ou não, de acordo com os valores de uso que

garantam facilidades à reprodução da vida, mas, além disso, há também efeitos de

elevação dos preços relativos ou “caprichos da moda” e a “noções de prestígio”

(HARVEY, 2013b, p.438).

Observando o mercado local e nacional, visualizamos que as referências

à natureza, enquanto signo de aprazibilidade, correspondem ao arquétipo

contemporâneo da mercadoria habitacional. Para o nosso objeto e recorte, esse

debate é imprescindível, já que: (a) os condomínios e loteamentos fechados têm

como principal mote a promessa de retorno a um mundo de tranquilidade em contato

com a natureza, mesmo que esta não passe de um paisagismo bastante limitado; (b)

no Passaré, a existência de uma área de preservação ambiental é largamente

explorada pelo setor imobiliário no intuito de justificar os altos preços cobrados pelos

imóveis naquela área.

Mas é preciso dizer que as imagens que construímos acerca dos lugares

são referências nem sempre cunhadas pela experiência sensível, em muitos casos,

elas nos chegam através de imagens construídas por outrem. Recebemos uma série

de informações mais ou menos distorcidas que nos ajudam a elaborar um “cenário”

urbano. Por exemplo, se alguém diz que mora num bairro “x”, é muito provável que

tenhamos fragmentos de imagens produzidas, se não in loco, por narrativas

cotidianas acerca daquele lugar. Essa ideia pode, em maior ou menor grau,

corresponder à realidade daquele recorte da cidade. Esse aspecto é de fundamental

importância na composição dos preços dos produtos imobiliários.

Recentemente, o jornal O Povo publicou uma matéria sobre o Passaré, na

qual evidenciamos alguns elementos para este debate.

O frescor da brisa no meio da tarde é um alento para a quentura cada vez mais insuportável de Fortaleza. O “cheiro” de verde toma conta das ruas mais próximas. Os privilegiados pela natureza são os moradores do Conjunto Sumaré, localizado no bairro Passaré. Eles contam com uma grande área verde, próximo à praça do bairro, que margeia o trecho do rio Cocó que passa pela região. Além disso, a existência do Horto Municipal Falconete Fialho e do Zoológico Sargento Prata também contribui para a qualidade de vida e climática do

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Passaré. Segundo dados da Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), dos 7,16 km² do bairro, 2,81 km² são compostos de áreas verdes (39%). O contato estreito com o meio ambiente está no embrião do bairro, que nasceu do antigo Sítio Passaré, pertencente ao ex-prefeito de Fortaleza e historiador Raimundo Girão. (O POVO, 11/12/2013).

O Passaré está representado como um recanto de natureza preservada,

um ambiente quase idílico. Mas, a fim de pôr à prova esta imagem, analisemos de

modo mais detalhado todo o território do Passaré em seus aspectos físicos e

ambientais.

O sítio urbano que compõe o Passaré é, em sua maior parte,

caracterizado por terreno plano ou levemente ondulado, com baixa potencialidade

de escorregamento54 (PDDFor, 2006). O bairro situa-se no território coberto pela

bacia do Rio Cocó, possuindo dois braços que margeiam seus limites leste e oeste,

além de uma pequena lagoa particular de 63.940 m³ (Lagoa do Passaré, localizada

no sítio da família Brasil Girão). O terreno do Passaré é composto de solos com

horizontes: podzólico vermelho-amarelo distrófico, em sua maior parte; aluvial, na

faixa que acompanha o braço direito do Rio Cocó e o entorno na lagoa55; e solonetz,

seguindo o leito esquerdo (PDPFor, 2006).

No que confere aos níveis de preservação, não se pode falar numa

homogeneidade da paisagem do bairro, ao contrário, em geral, o Passaré é marcado

também por setores extremamente degradados que oferecem sérios riscos às

comunidades que ali residem.

É sabido que, no bairro, está localizado o Complexo Ecológico do

Passaré, o que lhe confere valorização. Porém, pouco se difunde a informação de

que o já desativado Lixão do Jangurussu também está dentro dos limites do

Passaré. Vale expor que este último é sempre mencionado e localizado

erroneamente no bairro homônimo, desatenção (ou não), ela vem sendo cometida

tanto pela mídia como por alguns trabalhos científicos. Vamos nos ater a estes dois

elementos contrastantes do ambiente produzido no Passaré e a sua relação com a

54

A exceção é a área do Jangurussu, antigo lixão da cidade, com terreno fortemente ondulado e com riscos de escorregamento de materiais (PDPFor, 2006). 55

O solo proveniente desse sistema lacustre foi utilizado para a construção das primeiras residências do bairro. Os anos de exploração de sedimentos tornaram a lagoa mais extensa do que ela era em sua forma original.

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146

valorização imobiliária e a segregação. Comecemos pelo antigo Lixão do

Jangurussu.

O acentuado processo de urbanização verificado em Fortaleza, ao longo

da segunda metade do século XX, exigiu que a cidade encontrasse locais para os

seus resíduos sólidos. O primeiro foi o Lixão João Lopes (1956 a 1960), no bairro

Monte Castelo. Na sequência, o Lixão da Barra (1961 a 1965); o Lixão Buraco da

Gia (1966 a 1967), no Antônio Bezerra; Lixão do Henrique Jorge (1968 a 1977); e,

como o último a se localizar na Capital, o Lixão do Jangurussu (1978 a 1998), nas

proximidades do Rio Cocó (IZAIAS, 2010). Este último foi, a princípio, projetado para

ser aterro sanitário, mas, devido à falta de manutenção e descaso com as normas

técnicas necessárias, fora rebaixado a lixão.

Enquanto problemática ambiental, o lixão também envolve questões

sociais ligadas principalmente ao trabalho e à moradia. O baixo nível tecnológico e a

falta de controle e segurança do local, associados à realidade de pobreza e

informalidade, têm como síntese as mais precárias formas de reprodução da vida.

Mesmo sem condições mínimas de salubridade, a atividade com o lixo do

Jangurussu chegou a ocupar 626 trabalhadores (IZAIAS, 2010), parte deles

residindo precariamente no entorno do lixão.

Devido às implicações à expansão da cidade, o lixão foi aterrado,

transformando-se em uma “montanha” com 40 m de altura ao longo de 41 ha, com

abertura de dutos para escape de metano e a construção de drenos para

escoamento do chorume (FRANCO, 2007).

Após a desativação, foi construído nas proximidades do lixão o Complexo

do Jangurussu, com uma estação de triagem, onde passaram a ser desenvolvidas

atividades como tratamento e reciclagem dos resíduos sólidos (FRANCO, 2007). O

complexo ficou a cargo da Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização

(EMLURB).

As famílias envolvidas nesse trabalho, residentes do entorno, montam um

perfil de extrema pobreza. Mais da metade delas se reproduz com rendimentos que

não ultrapassam um salário mínimo (DANTAS; et. al., 2009). Parte sensível dessa

população é composta por crianças e jovens e, no geral, os residentes da área

possuem baixa escolaridade (DANTAS; et. al., 2009). Estas duas variáveis são

indicadoras da reprodução da condição de pobreza dessa população.

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147

Mesmo com a criação da usina de triagem, as condições dos

trabalhadores estão entre as piores possíveis. É o que constata Izaias (2010)

quando afirma que dos 1.500 catadores apenas 12% foram mantidos, ficando os

demais à própria sorte com a coleta nas ruas. Para os que permaneceram, a

condição de insalubridade não foi alterada substancialmente, os rejeitos domiciliares

continuam chegando sem qualquer separação e o trato desse material é feito sem

equipamentos de proteção individual, o mais lamentável é que os salários pagos ao

impossibilitar a reprodução das famílias faz com que estes trabalhadores recorram

ao reaproveitamento de parte desse lixo na própria alimentação (IZAIAS, 2010).

Além dos catadores, outros agentes estão ligados ao processo de coleta

e classificação dos resíduos sólidos, é o caso dos atravessadores que têm o papel

de repassar os materiais às empresas de reciclagem (IZAIAS, 2010). No Passaré,

existem, pelo menos, cinco empresas que atuam nesse ramo, todas localizadas nas

proximidades da usina de triagem.

O lixão ocasionou enorme impacto sobre o meio ambiente. No período de

funcionamento, o chorume líquido contaminava o lençol freático do Rio Cocó e o gás

metano liberado provocava incêndios espontâneos, emitindo fumaça tóxica e pondo

em risco as comunidades próximas (IZAIAS, 2010). O lixão também representava

riscos por criar um ambiente de multiplicação de animais que ameaçam à saúde

humana.

Após duas décadas, permanecem os danos. Em épocas de maior índice

pluviométrico, a possibilidade de desmoronamento de sedimentos é constante. Com

a proximidade do Rio Cocó, a situação agrava-se. Os resíduos provenientes do

aterro acrescido ao esgoto residencial lançado às margens do Rio Cocó são fatores

agressivos de poluição. No levantamento feito por Barbosa (2012), foram

diagnosticados altos níveis de DBO56 em toda a margem que percorre a área do

lixão. Sem atenção dos órgãos de fiscalização, o despejo de materiais continua

sendo realizado de modo clandestino, o que piora a condição de possível

recuperação do ambiente.

Ora, mas esse é certamente um Passaré quase desconhecido. O Passaré

“desenhado” pelos agentes do setor imobiliários é idílico e corresponde a um tecido

56

A DBO, ou demanda bioquímica de oxigênio, é um dos indicadores de poluição orgânica. Este indicador determina, indiretamente, a concentração de matéria orgânica biodegradável com base na demanda de oxigênio exercida por microrganismos através da respiração.

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fragmentado (descontínuo) que ignora as áreas pobres. Para isso as plantas baixas

de situação das propagandas imobiliárias rearranjam o espaço eliminando o

indesejado e aproximando os elementos de valorização. A seleção dos elementos

que produzem efeitos de elevação dos preços pode ser observada nos anúncios dos

projetos imobiliários do bairro.

Os principais empreendimentos agregam a ideia de natureza, que, como

já foi expresso, é justificada pela presença do Complexo Ecológico do Passaré.

Noutros casos, para os segmentos de renda médio ou médio baixo, esse signo está

muito mais na propaganda do que na efetivação dos projetos, mesmo levando em

consideração que essa natureza não representa muito mais que um paisagismo,

como se verifica nas Figuras 16 e 17.

Figura 16 – Anúncio do condomínio fechado Plaza Carmelle

Disponível em: <http://www.carneirodemelo.com.br/>. Acesso em: 07 jul. 2014.

Mesmo sendo o Complexo Ecológico do Passaré uma das poucas áreas

preservadas na periferia é subutilizado por aqueles que pagam caro pela localização

nas proximidades desse espaço. Então, qual o sentido desse objeto de desejo?

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149

Além disso, que noção de natureza está sendo apresentada no discurso do

mercado?

Figura 17 – Anúncio do empreendimento Reserva Passaré

Disponível em: <http://imobiliariadefortaleza.blogspot.com.br/>. Acesso em: 07 jul. 2014.

Para Henrique (2006; p.66), no urbano atual “[...] constata-se uma nova

valorização estética da natureza, um ‘simbolismo estético’, construído pelo

urbanismo e arquitetura, e, também, pelo mercado imobiliário”, para ele, essa

natureza representaria apenas mero artifício, tendo essencialmente caráter

monetário. Assim

A reaproximação ou um ‘reencanto’ do mundo urbano ocidental pela natureza, ou melhor, por uma ideia, dá-se num padrão de natureza moldado pelos interesses capitalistas. Sob a dinâmica atual do capitalismo, os grandes agentes do mercado global, nos mais diversos ramos da economia, das indústrias aos serviços, oferecem produtos e serviços para as classes com maior poder de consumo, que os colocam muito próximo da natureza. Uma natureza retrabalhada sob a forma de uma segunda natureza, reificada, incorporada, mercantilizada e produzida e vendida de acordo com

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as leis e objetivos do modo de produção atual – o lucro, a propriedade privada, os fetiches e sensibilidades do mercado. (HENRIQUE, 2006, p.66).

A natureza torna-se, no contexto da propriedade privada, uma raridade.

Isto na medida em que é valorizada, ou melhor, na medida em que o estilo de vida

ligado aos espaços verdes é elevado ao crème de la crème da burguesia, mesmo

com status de exclusividade, níveis diversos de reprodução passam o ocorrer.

Nos empreendimentos dos verdadeiramente ricos ambientes complexos,

são reproduzidos à revelia do clima, da fauna e da flora nativa. Nos projetos para

segmentos médios ou mesmo populares, os signos ainda aparecem, mas não

chegam a dedicar um volume expressivo de recursos num ambiente que simule

esse espaço idílico. Henrique (2006; p.60) salienta que

No período histórico atual, em várias cidades do Brasil e do Mundo, qualquer objeto associado a uma ideia de natureza torna-se sinônimo de qualidade de vida e transforma-se em valor econômico, aumentando os preços dos apartamentos, casas, condomínios e edifícios.

O Complexo Ecológico representa algum tipo de “[...] apropriação da

natureza”, mesmo que estética “[...] consistindo numa salvaguarda das suas belezas

como forma de agregação de valor a uma propriedade privada”, a possibilidade de

acesso a esta natureza passa pela monopolização, o seu uso dá-se somente “[...]

através da compra de um ingresso” (HENRIQUE, 2006, p.69).

Com essa perspectiva o setor imobiliário encontrou no Passaré um novo

objeto a ser explorado, o Complexo Ecológico. Antes disso, ele já ocupava

predatoriamente o Parque do Cocó57. Antes ainda, verticalizara parte importante da

orla de Fortaleza expulsando ou comprimindo os modos tradicionais de subsistência

ligados ao mar.

Apesar de estar em seu ápice de evidência, a origem do processo de

valorização relativo ao “contato com a natureza” não é novo. Em 1866, Élisée Reclus

apresenta um interessante artigo publicado originalmente na revista francesa Revue

des deux mondes. Nele, Reclus desenvolve uma argumentação acerca das relações

estabelecidas com a natureza na modernidade. Vale lembrar que Reclus está aí em

plena Revolução Industrial e em meio a uma declarada luta de classes que

57

O Parque do Cocó está localizado numa das áreas de maior valorização da cidade de Fortaleza. Nos últimos anos, ocorreram sucessivos ataques oriundos, principalmente, do setor imobiliário a esse sistema ambiental.

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culminou, pouco tempo depois, na Comuna de Paris (1871). Esta certamente é uma

das mais importantes experiências revolucionárias da história moderna.

Reclus viveu o urbano em ebulição, mas foi capaz de visualizar no

crescimento das cidades um movimento contraditório de valorização do campo e da

natureza, especialmente dos aspectos cênicos dessa natureza. Na medida em que a

urbanização se dá trabalhadores amontoam-se nas mais insalubres condições.

Naquele momento, o desenvolvimento da produção rebaixou aos mais inferiores

níveis a reprodução humana. Enquanto isso, os setores mais bem abonados da

sociedade tomam progressivo gosto pelas temporadas no campo. Já aí, fica

evidente como a natureza ganha significados diferentes para cada segmento de

classe.

Sobre esse retorno à natureza Reclus (1866; p.10) escreve

Si la vapeur apporte dans les villes des foules incessamment grandissantes, d'un autre côté elle remporte dans les campagnes un nombre de plus en plus considérable de citadins qui vont pour un temps respirer la libre atmosphère et se rafraîchir la pensée à la vue des fleurs et de la verdure. Les riches, maîtres de se créer des loisirs à leur gré, peuvent échapper aux occupations ou aux fatigants plaisirs de la ville pendant des mois entiers. Il en est même qui résident à la campagne, et ne font dans leurs maisons des grandes cités que des apparitions fugitives.

58

Isto pode ser verificado também com a burguesia inglesa, que vai

encontrar nos subúrbios o refúgio para a vida intensa do centro de Londres

Autour de Londres, c'est par centaines de mille que l'on doit compter ceux qui plongent tous les matins dans Le tourbillon d'affaires de la grande ville et qui retournent tous les soirs dans leur paisible home de la banlieue verdoyante. La Cité, le vrai centre du monde commercial, se dépeuple de résidents ; le jour, c'est la ruche humaine la plus active ; la nuit, c'est un

désert. (RECLÚS, 1866, p.10).59

58

Se o vapor traz para as cidades as multidões, faz também com que, na zona rural, apareçam mais e mais citadinos que vão de tempo em tempos para o campo a fim de respirar ar livre e refrescar a mente com a visão de flores e de vegetação. Os ricos, mestres em criar lazer a seu critério, podem escapar das ocupações ou dos prazeres extenuantes da cidade durante meses. Há mesmo alguns que vivem no campo fazendo aparições nas suas casas das cidades apenas de maneira fugaz. 59

Vindos do entorno de Londres, centenas de milhares mergulham todas as manhãs no turbilhão de negócios da cidade grande e voltam a cada noite para a sua casa tranqüila, no subúrbio. A cidade, o verdadeiro centro do mundo comercial, torna-se despovoada; durante o dia, é a colmeia humana mais ativa; à noite, é um deserto.

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Qualquer semelhança com o que se processa hoje não é mera

coincidência. O discurso que promove a ideia de crise ambiental, desassociada de

uma crise do capital, efetiva a condição de raridade. A especulação vista hoje já fora

observada por Reclus (1866) quando afirma que “la nature est profanée par tant de

spéculateurs précisément à cause de sa beauté”60 (p.11). Vejamos o trecho a seguir

para pensarmos acerca de alguns elementos da especulação da terra urbana

Malheureusement, ce reflux des villes vers l'extérieur ne s'opère pas sans enlaidir les campagnes : non seulement les détritus de toute espèce encombrent l'espace intermédiaire compris entre les cités et les champs ; mais chose plus grave encore, la spéculation s'empare de tous les sites charmants du voisinage, elle les divise en lots rectangulaires, les enclôt de murailles uniformes, puis y construit par centaines et par milliers des maisonnettes prétentieuses. Pour les promeneurs errant par les chemins boueux dans ces prétendues campagnes, la nature n'est représentée que par les arbustes taillés et les massifs de fleurs qu'on entrevoit à travers les grilles. Sur le bord de La mer, les falaises les plus pittoresques, les plages les plus charmantes sont aussi en maints endroits accaparées soit par des propriétaires jaloux, soit par des spéculateurs qui apprécient les beautés de la nature à la manière des changeurs évaluant un lingot d'or. Dans les régions de montagnes fréquemment visitées, la même rage d'appropriation s'empare des habitants : les paysages sont découpés en carrés et vendu au plus fort enchérisseur ; chaque curiosité naturelle, le rocher, la grotte, la cascade, la fente d'un glacier, tout, jusqu'au bruit de l'écho, peut devenir propriété particulière. (RECLÚS, 1866, p.11).

61

Tudo, até o barulho de um eco pode se tornar propriedade privada,

assenta o autor no trecho acima. A mesma ideia é expressa por HENRIQUE (2006)

ao dizer que “em São Paulo, todas as áreas verdes públicas da cidade se tornam,

pela propaganda dos empreendimentos, bens privados” (p.71). O mesmo poderia

ser dito para Fortaleza? Partindo dessa leitura, sim.

Em síntese, podemos verificar o que acabamos de afirmar, dissecando a

Figura 18. Na frase “Quem tem visão de futuro investe aqui”, a propaganda joga com

60

A natureza é profanada por muitos especuladores justamente por causa de sua beleza. 61

Infelizmente, estas cidades de refluxo exterior não ocorrem sem desfigurar as zonas rurais: não só os detritos de toda espécie desordena o espaço entre as cidades e os campos; a coisa mais grave é, porém, a especulação sobre todos os locais charmosos do bairro, que são divididos em lotes retangulares e encerrados com paredes uniformes recebendo centenas e milhares casasinhas pretensiosas. Para os transeuntes que passeiam por trilhas enlameadas nas referidas zonas rurais, a natureza é representada apenas pelos arbustos e canteiros que se observam através das grades. Na beira do mar, as falésias mais pitorescas, as praias mais charmosas são também lugares para ser monopolizados por proprietários ciumentos ou por especuladores que apreciam a beleza da natureza com a intenção de avaliá-la em barras de ouro. Na região de montanha, frequentemente visitadas, o mesmo sentimento tomou os seus habitantes: a paisagem é cortada em quadras, vendidas para o enriquecimento; cada curiosidade natural, a pedra, a gruta, a cachoeira, a fenda de uma geleira, tudo, até mesmo o barulho eco, pode se tornar propriedade privada.

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o duplo sentido da ideia de “visão”: (a) a visão ligada ao alcance da paisagem do

Parque do Cocó, descrita como panorâmica e permanente; (b) a visão ligada à

capacidade de empreendedora burguesa. Os dois sentidos compõem parte

integrante da forma mercadoria apresentada pelo anúncio.

Figura 18 – Anúncio do empreendimento Montblanc localizado nas proximidades do Parque do Cocó

Disponível em: <http://www.portofreire.com.br/blog>. Acesso em: 7 jul. 2014.

Aí, a natureza é colocada enquanto raridade e, portanto, possível apenas

para um mercado de luxo. A contradição marcante nesse jogo encontra-se no efeito

valorização/destruição. Na medida em que o signo da natureza eleva os preços da

mercadoria imobiliária, mais os ecossistemas sofrem intervenções humanas, num

processo em que Grangeiro (2012) avalia enquanto movimento dialético. Para ela

esse tipo de intervenção passa a alterar a magnitude da dinâmica do meio ambiente

induzindo mudanças socioespaciais e produzindo novas paisagens.

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154

A questão da produção do espaço é sempre muito delicada quando se

avalia os efeitos sobre a primeira natureza. Davis (2007; p.412) chega a argumentar

que “a crise ambiental é sinônimo da escala metropolitana em expansão”.

Não importa o que a propaganda afirme, a produção dos

empreendimentos não está preocupada com os efeitos gerados sobre o meio

ambiente. Para os setores capitalistas o que importa é a capacidade de venda da

imagem do “ecologicamente correto” não a real capacidade de produzir de modo

sustentável.

No Passaré, a natureza está para ser vista por janelas privilegiadas e não

para ser preservada. O efeito desse discurso raso acerca da natureza é que aos

poucos o ambiente agradável, percebido em algumas porções do bairro, vai

sofrendo alterações devido às novas intervenções do setor imobiliário.

Em resumo, este longo trecho do trabalho procurou explicitar os

elementos particulares que fizeram com que o Passaré se tornasse um solo fértil à

lucratividade do setor imobiliário dentro de um contexto ascendente do capitalismo.

4 O HOMEM ENCERRADO

Se alguém nos pergunta o quê visualizamos quando pensamos a vida

moderna teremos certamente um conjunto de imagens relacionadas à cidade repleta

de prédios, à multidão frenética, às fábricas com seus operários, aos carros

enfileirados... Algo como no tom de Fritz Lang em Metrópolis (1924)62. Nessa cidade

alucinante, marcada pelo tempo da mercadoria, o homem/operário é representado

enquanto autômato. Uma peça da engrenagem. Quando consciente da sua

importância, organiza-se e marca o desenho urbano material e imaterial da cidade.

Em Lefebvre há algo de central nas condições postas por essa cidade, o

encontro, que é ao mesmo tempo seu produto e seu motor de realização. Tamanha

a importância, esse aspecto carrega em si as condições para o presente e para o

devir dos sujeitos, logo, para a própria utopia. Nos termos de Lefebvre, esta utopia é

dada enquanto direito à cidade. Aí não se trata simplesmente da ideia de

acessibilidade universal dos espaços e dos equipamentos urbanos. Mais que isso,

62

Obra cinematográfica de ficção científica que retrata o conflito de classes. Neste filme do inicio do século XX a representação é a de uma cidade, no ano de 2026, repleta de prédios e carros voadores.

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vincula-se à produção de uma cidade avessa à mercadoria, ela, própria obra,

portanto resultado das necessidades coletivas humanas.

Mas o que isso interessa ao nosso objeto? Basicamente a

dessemelhança. Ora, a cidade que nos é apresentada pelo capital imobiliário, sob a

forma de condomínios, se quer anticidade, um avesso da viva e caótica cidade

moderna, pré-programada como uma Alphaville (1965) de Jean-Luc Godard, não

avança para além da lógica da mercadoria. Recria a cidade mercadoria. É em si

uma cidade estéril.

A homogeneização coordenada pelo mercado e pelo urbanismo que

trabalha a favor deste aniquila o inesperado. Como assenta Bauman (2009) é o

preço que se paga pela segurança. O medo, enquanto reação da condição

antagônica da segurança, sempre se relaciona com o desconhecido e, portanto, com

o inesperado. Há um conto de Guy de Maupassant63, O medo, em que o autor nos

aponta a origem desse sentimento. Nele, um experiente e intrépido capitão,

personagem central, narra duas situações de imenso terror vividas, a primeira, num

deserto, e, a segunda, num tenebroso bosque do noroeste da França. As histórias

tinham em comum a situação de temor do desconhecido, do ataque inesperado ou

do horizonte incerto. Nessa situação, elementos inofensivos poderiam parecer

monstruosos, como o eco no deserto ou o uivo de um cão na escuridão. O que

tentamos apontar com isso é que uma situação de tensão gera imensa reserva em

relação a elementos desprezíveis da vida cotidiana.

Com o desenvolvimento de um consenso de que a cidade se tornou

perigosa e hostil, o capital produz uma mercadoria que procura recriar um passado

nunca existente. Uma imagem burguesa idílica da vida tranquila em uma

comunidade de iguais. Como se o olhar realizasse um bokeh, ignorando os muros, a

vida segue nesses lugares aprazíveis.

A esse respeito não há julgo de valor acerca da escolha individual de

viver nos condomínios ou loteamentos fechados. Na realidade, a segurança é uma

necessidade natural. O que não pode ser naturalizado, todavia, é o modo como cada

indivíduo resolve a questão, isto é social e conforma-se de acordo com aspectos

específicos de uma determinada época e lugar. Cabe, portanto, questionar como e

63

Henri René Albert Guy de Maupassant (1850-1893) foi um escritor e poeta francês. Seu texto mostrava uma fantástica capacidade de representar num tom suavemente irônico a sociedade burguesa do século XIX.

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em que marcos essa necessidade foi produzida e com que profundidade ela

transforma a vida urbana.

Em nossas entrevistas, a fala relativa ao medo do crime violento se

repetia para justificar a escolha pelo condomínio. Quando perguntados se este

receio era motivado por uma situação vivida por eles a resposta foi

surpreendentemente negativa. Por outro lado, o temor da possibilidade de um

assalto fora do condomínio era imenso. A ideia do “descuido” era atribuída até

mesmo ao ato de realizar uma caminhada pelas ruas durante o dia. A alternativa

encontrada por nossos entrevistados era invariavelmente o uso do automóvel para a

realização de todas as atividades externas.

Estes mesmos moradores relatam que, em momentos anteriores, antes

de sua chegada ao condomínio, faziam seus percursos a pé, sem muito receio. Mas

o que mudou? Esta se tornou uma questão fundamental ao caráter qualitativo da

pesquisa, não obtivemos uma resposta conclusiva, mas elencamos alguns

elementos nesta direção.

Parte dos entrevistados afirmava ter vindo da porção centro sul da cidade

de Fortaleza, bairros como: Parangaba, Montese e Damas. Estes bairros são

setores mais consolidados e concentradores de serviços e comércio. A população

também é mais antiga e mantém o hábito do uso dos espaços públicos. Assim, as

ruas, pelo menos durante o horário comercial, estão repletas de gente. O Passaré

ocupado pelo setor imobiliário, por outro lado, é um bairro ermo, caracterizado por

extensos quarteirões e muros altos.

Numa inflexão maior poderíamos pensar em estruturas que ganham um

caráter blasé acompanhando a base psicológica sobre a qual se edifica a Metrópole.

Esta estrutura seria ela mesma expressão materializada no espaço da atitude blasé,

que, como define Simmel (2005), encontra a sua essência na indiferença perante as

distinções entre as coisas. A frieza de estruturas, como os condomínios fechados

com os seus equipamentos de vigilância e proteção, procura garantir que nenhum

contato imprevisto seja estabelecido com aqueles que se encontram do lado de fora.

Fica evidente uma paisagem onde tudo se fecha, carregada de corpos

indiferentes e de uma arquitetura do medo. Mas essa atitude blasé se constitui de

uma indiferença que é e não é, no seu sentido mais dialético. É, porque põe em

xeque o envolvimento entre citadinos, não é, porque não se trata de uma ação

espontânea, isolar-se pressupõe uma motivação baseada numa aflição, ou seja, a

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157

essa indiferença urbana está pressuposto o reconhecimento de algo a que se isolar.

Por outro lado, este é um isolamento parcial, já que há uma busca pela comunidade,

assim, pressupomos que o isolamento ocorre frente ao outro enquanto diferente.

Essa diferença envolve características com forte conteúdo de classe.

Para nós, quem está dentro não está nem segregado nem auto-segregado. Quando

as escalas dos enclaves fortificados são maiores, como no caso dos loteamentos

fechados, eles apenas segregam. Quem está dentro tem opção de estar ou não.

Estas pessoas podem aproveitar os espaços urbanos que lhes interessam e rejeitar

aqueles que lhes desagradam. Os enclaves residenciais refletem as diferentes

condições de solvência entre as camadas da população e, no espaço, isso ganhou

uma dimensão dramática nunca antes vista no Brasil.

Ainda assim, no Brasil, os enclaves fortificados sempre representam uma

condição baseada na segregação socioespacial. Quem está dentro quer se proteger

do outro, tem em mente a tensão social. Sente-se vulnerável em relação à barbárie

produzida pelo capital.

Há um padrão muito claro entre os moradores dos condomínios do

Passaré, uma vez que são, em geral, casais entre trinta e cinco e cinquenta anos

com um ou dois filhos pequenos. Isto pode ser confirmado para os demais

condomínios, observando o trânsito intenso de vans escolares no bairro, no começo

da manhã. São também famílias aparentemente programadas, onde a opção de ter

filhos veio depois dos trinta ou até mesmo aos quarenta anos. Estas pessoas têm

formação superior e, com frequência, estão no serviço público, sendo muitos

funcionários do Banco do Nordeste atraídos para a compra da casa devido à

localização facilitada ao seu local de trabalho.

Durante as entrevistas, a estrutura familiar composta por filhos ainda

pequenos aparecia como justificativa em praticamente todas as falas em relação à

escolha do morar. O relato a seguir ilustra a questão que queremos ressaltar

"Quem compra casa é recém-casado, casal novo com filho pequeno, que vê justamente essa necessidade de espaço, porque quando a pessoa é mais velha já quer apartamento, porque aqui, de certa forma, não tem privacidade, você nota que qualquer pessoa entra aqui. Não tem! Qual privacidade você encontra aqui? Eu busquei isso também, porque na época eu trabalhava e achava que o [filho mais velho] ficava muito trancado no apartamento com a babá. [...] apartamento você entrou fica isolado, aqui não, você abriu a porta, você abriu as janelas qualquer pessoa vê dentro da sua casa e escuta tudo. Todo mundo dava conta do choro do [filho mais velho]. Tipo assim, teve uma babá dele que não era muito boa. Logo no

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começo, já vieram me avisar: olha [entrevistada] ela deixa o [filho mais velho] dormindo e vai fumar lá no jardim. Às vezes eu vou aqui no supermercado, tranco tudo e deixo o [filho mais velho] aqui em casa e aviso a vizinha”

Esta fala mostra a estratégia da vida em comunidade tão conhecida dos

bairros pobres e das favelas. Esse tipo de relato nos fora exposto diversas vezes

pelos moradores do Jardim União, porção pobre do Passaré, ao falar das

dificuldades dos primeiros anos na comunidade. O condômino acrescenta que: “aqui

você tem aquela ilusão da segurança, mas, pelo menos aqui, você conhece mais o

seu vizinho do que se você mora numa casa isolada ou em um apartamento”. Assim,

ao lado da segurança, a vida em uma comunidade de iguais torna-se imprescindível.

No intramuros, a comunidade efetiva-se e se entrelaça, criando um

microcosmo. Do lado de fora, nada além de raros pedestres – quase sempre

entregadores, trabalhadores da construção civil ou empregados domésticos.

O medo da violência, somado à forma urbana do condomínio, gerou no

Passaré ruas vazias. Se analisarmos isto do ponto de vista de Jacobs (2009), o

esvaziamento das ruas é um reforço à violência, pelas palavras da autora, o que

ocorre é que “não é preciso haver muitos casos de violência numa rua ou distrito

para que as pessoas temam as ruas. E, quando temem as ruas, as pessoas as

usam menos, o que torna as ruas ainda mais inseguras” (JACOBS, 2009, p.30).

Em uma de nossas visitas aos condomínios do Passaré, fomos advertidos

pelo porteiro, ao sair, acerca do risco de se andar por aquelas ruas, eram muito

perigosas, segundo ele. Espantados com a declaração, interrogamos se ele já havia

presenciado uma situação de violência naquele logradouro, a resposta foi negativa.

Assim, o porteiro nos contou que seu receio era decorrente dos relatos de violência

de outras pessoas. Caldeira (2000) percebeu isso também em suas entrevistas. A

fala sobre a violência demonstra ter um poder de ser rapidamente propagada. Um

mesmo caso de violência parece ter o poder de se multiplicar através dessas falas.

O assunto tornou-se tão caro ao setor imobiliário que, em 2011, o

SECOVI-CE apresentou os resultados de uma pesquisa intitulada de Índice do

Medo. O índice trabalha com a percepção do medo tentando demonstrar níveis de

insegurança em diferentes situações por perfil da população. A pesquisa

demonstrou que, quanto mais tarde, maior o receio de se circular nas ruas, se a área

em questão for um bairro desconhecido e/ou pouco movimentado, o medo aumenta.

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Segundo a pesquisa, as pessoas mais velhas se sentem menos seguras em relação

ao risco de crime violento, sendo que as mulheres se sentem mais vulneráveis.

Esse caráter de gênero também apareceu em nossa imersão no cotidiano

das famílias dos condomínios. O tom da fala das mulheres era muito mais

preocupado e a opção pela casa em condomínio com frequência partia delas sobre

a alegação da segurança familiar.

Em alguns momentos, foi colocado o fato de existirem nas proximidades

algumas favelas e que, devido a isso, o risco tornava-se maior. Não podemos aqui

explorar as razões profundas da violência urbana, mas é possível acrescentar que

morar em condomínio fechado, localizado em uma das novas áreas de expansão

urbana, não torna a vida mais segura, ao contrário do que propõe a propaganda,

estas pessoas ficaram ainda mais reféns de seus medos. Sem saberem ao certo o

que se passa em seu entorno, sem reconhecerem a vizinhança extramuros, sem

serem reconhecidas por ela, sem identificarem o bairro enquanto lugar...

representam, como no conto de Guy de Maupassant, indivíduos temerosos de

circunstâncias desconhecidas.

Em nossa pesquisa, além do sentido de comunidade que se represa da

violência, outros elementos novos estão presentes na vida desses citadinos. A

vigilância, como efeito desse estilo de vida, é marcante e nem mesmo os

condomínios mais antigos e pouco equipados a dispensa.

Os olhos eletrônicos já tão presentes em nossa vida pública agora estão

presentes também em nossas casas. Assustadoramente, o 1984, de George Orwell,

veio sem o totalitarismo. Bauman (2013; p.99) avalia esta tendência ao argumentar

que

[...] agora parece que todos nós, ou pelo menos a grande maioria, nos transformamos em viciados em segurança. Tendo ingerido e assimilado o Weltanschauung da ubiquidade do perigo, da abrangência das bases para a desconfiança e a suspeita, da noção de convivência segura como algo concebível unicamente como produto da vigilância permanente, nós nos tornamos dependentes da vigilância que é feita e que é percebida como algo feito.

Mas o que muda do ponto de vista da leitura do espaço feita por nós

geógrafos? Qual o real caráter qualitativo disso? Souza (2008) fala em uma

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160

fobópole, uma cidade marcada pelo medo. Ocorre nesse processo uma

reestruturação do espaço num tom militarizado.

Davis (2009;2013) também percebe isso num movimento dialético, onde a

dimensão material e imaterial se metamorfoseia em verdadeiros “blindados”. Casas,

carros e indivíduos desenvolveram uma “couraça”, um bloqueio em relação ao outro.

Em muitos momentos, fora extremamente difícil chegar aos moradores desses

condomínios, a desconfiança dessas pessoas era imensa, mas isso em si foi um

dado precioso acerca desses lugares.

Dentro dos condomínios do Passaré, somos levados a desconfiar destes

argumentos, a vida familiar é agradável e nos confunde. Quando saímos destes

espaços e o olhamos de fora, enquanto estranhos, caímos em si e nos damos conta

do profundo poder fetichizante desses espaços. Fetichizantes porque nos engana,

porque nos tira a dimensão do real. Talvez pior do que isso, em certa medida, é

possível até que tenhamos a dimensão do real, todavia, a fantasia – a possibilidade

de achar que os filhos e a família estão a salvo da barbárie – é mais sedutora que a

realidade.

Nesse novo ambiente urbano não é só a forma que muda; a vida muda. A

leitura de Lefebvre (1999) sobre Marx é apropriada, trata-se de uma dupla produção.

Nesse caso, a produção da cidade carrega um sentimento, um zeitgeist. A produção

da cidade é síntese dos seus conflitos, mas é por ela mesma produtora de novas

tensões.

Acerca da leitura do urbano, Souza (2000) nos adverte que esse

movimento contribui para dissolver a imagem clássica da cidade como uma unidade

na diversidade, tratando-se ainda de uma falsa solução para os problemas urbanos.

Essa forma de habitar a cidade estabelece uma socialização interna, mas também

em relação à cidade como um todo.

Nesses espaços, a ideia de autonomia é elevada como alternativa em

função da ordem privada estabelecida por esse modelo. Dessa forma,

[...] essa ‘autonomia’ não representa a liberdade de fazer com os outros e o interesse pela cidade, mas, sim, isolamento e defesa de privilégios auferidos nos marcos de uma sociedade caracterizada por uma brutal desigualdade de oportunidade e por uma enorme assimetria estrutural de poder. (CASTORIADIS apud SOUZA, 2000, p.206).

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161

Esse ideário de comunidade aparece como aspecto comum a esses

empreendimentos. De acordo com Bauman (2003, p.7), o termo “comunidade”

carrega um sentido “cálido”. Para ele

[a comunidade] É um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como uma lareira diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado. Lá fora, na rua, toda sorte de perigo nos espreita; temos que estar alerta quando saímos, prestar atenção com quem falamos e a quem nos fala, estar de prontidão a cada minuto.

Segundo, porém, o mesmo autor, existe um preço a pagar por uma vida

em comunidade: a liberdade, em sua dimensão de autonomia e de individualidade.

Assim, “a segurança e a liberdade são dois valores igualmente preciosos e

desejados que podem ser bem ou mal equilibrados, mas nunca inteiramente

ajustados”. (BAUMAN, 2003, p.10).

Avaliando as contradições e as tensões provocadas por elas, Souza

(2000, p. 207) adverte para o fato de que a estratégia do que aqui chamamos de

enclaves residenciais é “insustentável no longo prazo, pelo menos nos marcos de

uma sociedade minimamente democrática”. Para o autor, “seriam necessários uma

repressão e um controle social incrivelmente autoritários para continuar mantendo

indefinidamente essas ilhas de prosperidade e felicidade” (SOUZA, 2000, p.208). A

resolução dos conflitos urbanos tem que passar necessariamente pela “justiça

social, de modo a dar mais efetividade às garantias democráticas existentes, ou o

imperativo de controle sociopolítico imporá a necessidade de mais repressão”

(SOUZA, 2000, p.208). Quanto mais muros são erguidos em Fortaleza, mais se

clama por ostensividade.

Dentro dos condomínios, constitui-se uma sociedade disciplinar, onde

qualquer desvio observado está passível a punições. Ações aparentemente

irrelevantes criam situações de tensão na comunidade. A colocação de uma porta

alheia ao desenho original, a conversão de um pequeno jardim em uma calçada, a

entrada de um desconhecido fora dos padrões do condomínio... O sentimento de

insegurança, assim como o sentimento de vulnerabilidade na cidade pestilenta,

descrita por Foucault (2013), produz as condições ideais ao controle das relações –

o exercício do poder disciplinar.

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162

Em um bairro comum, mesmo que organizado por associação de

moradores, tal condição dificilmente seria produzida. O medo (enquanto sentimento

de insegurança em relação ao crime violento) uniu as pessoas em um espaço

repleto de normas. Como nos revelou um dos entrevistados, nesse tipo de

habitação, não há privacidade nem autonomia em relação à vizinhança, nesse

espaço limitado, todos cumprem o papel da vigilância.

Em parte, aquela vantagem da discrição pelo anonimato das grandes

cidades é perdida. Pequenos dramas entre os moradores revelam isso. Uma das

entrevistadas relatou a dificuldade em realizar um simples aniversário do filho no

condomínio, caso o fizesse, seria obrigada a convidar todos os demais casais com

filhos a fim de evitar um mal-estar na vizinhança.

O contato entre a vizinhança é positivo, como ficou claro nas entrevistas,

mas exige que se mantenha algum nível de distanciamento e discrição. Como

assenta Jacobs (2009; p.60), “as cidades estão cheias de pessoas com quem certo

grau de contato é proveitoso e agradável”, mas ninguém quer que “elas fiquem no

seu pé”.

Em sua forma, o condomínio lembra uma prisão: o muro alto, o controle

do comportamento e a torre de vigilância, todavia sua torre está voltada para

observar os de fora e quem está dentro não clama por liberdade. Constrói-se uma

espécie de panóptipo invertido. Diferente do Alphaville (1965) de Jean-Luc Godard,

a regulação passa pelo consentimento e é vista como necessária à barbárie. Por

esse acordo não caberá a um panóptipo o controle, mas aos próprios “internos” –

serão os condôminos que farão cumprir os regulamentos. Todos passam a exercer

um papel no jogo de ausência presença.

Se, porém, as imagens dos enclaves fortificados procuram sempre estar

associadas à modernidade, o seu equivalente mais próximo se encontra em um

período pré-moderno, nas torres e nas seteiras, nas muralhas das cidades antigas

(BAUMAN, 2009), como expõe Santos (2006, p.85-86)

[assim] como no castelo medieval, a fortaleza foi edificada para servir de refúgio, em relação aos que vivem fora dela, na cidade verdadeira, repleta de pulsar, de contradições e perigos. A homogeneidade [...] tenta eliminar as contradições, o sistema de segurança tenta proteger dos perigos. A contradição é eliminada apenas na aparência asséptica dos conjuntos residenciais, e talvez por isso não haja sistema de segurança eficiente, que dê conta da eliminação dos perigos e da violência que também atinge, apesar de tudo, os moradores dos condomínios.

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163

O enclave residencial como modelo habitacional de exclusão automática

recorta o território, segmenta-o por nível de renda, em espaços mais ou menos

autônomos da sua vizinhança extramuros. Promove assim uma separação, um não

encontro, desfazendo o sentido mais íntimo da cidade.

A dimensão política da cidade fragiliza-se. Quem mora nos condomínios

tem pouco ou nenhum envolvimento com o bairro no que tange aos seus espaços

públicos. A dimensão do lugar, no sentido do pertencimento, é impossibilitada. Para

os moradores dos condomínios, as memórias do Passaré estão restritas aos

espaços intramuros. Para os mais recentes até mesmo a geografia do bairro lhes

parece misteriosa, poucos sabem que o Passaré se estende para além do setor

adensado pelo mercado imobiliário.

Parece-nos que esta realidade, a principio particular, encontra um sentido

nas mudanças mais amplas e provenientes de outros campos, talvez irradiadas por

um processo de fluxo de influência entre esferas de atividades (HARVEY, 2011).

Para Sennett (2001), o ambiente urbano transforma-se em consonância com as

condições que envolvem o mundo do trabalho. Isto atravessa e ultrapassa um mero

recorte espacial. As necessidades de pessoas cada vez mais individualizadas

respondem bem a modelos de consumo com apelo à distinção e ao isolamento.

Sennett (2001) destaca expressões do atual modelo de produção que

com maior ou menor vigor redefinem as formas e os conteúdos urbanos,

La flexibilité, le travail effectué sous la pression désorientent profondément la vie familiale. Les clichés habituellement véhiculés par la presse - enfants laissés à eux-mêmes, adultes stressés, déracinement géographique - ne touchent pas au coeur de cette perte de repères. En fait, les codes de conduite qui régissent le système moderne du travail détruiraient les familles s'ils s'appliquaient au cercle familial : ne pas s'engager, ne pas s'impliquer, penser à court terme. Le rappel des " valeurs familiales " par l'opinion publique et les politiciens a bien plus qu'une simple résonance droitière. C'est une réaction, certes élémentaire mais profondément sincère, devant les menaces qui pèsent sur la solidarité familiale dans la nouvelle économie. Christopher Lasch présente la famille comme un " paradis dans un monde sans coeur ". Cette image prend d'autant plus d'importance quand le travail devient en même temps plus précaire et plus exigeant en termes de disponibilité des adultes. L'un des effets de ce conflit, assez bien étudié, sur les employés d'âge moyen, c'est le retrait des adultes de la participation à la vie civique, pris comme ils le sont dans la lutte pour stabiliser et organiser leur vie familiale. Cette participation à la vie civique demande, elle aussi, un temps et une énergie dont le foyer ne dispose pas toujours. Cela amène à parler d'un des effets de la mondialisation sur les villes. La nouvelle élite mondiale, exerçant dans des villes telles que New York, Londres ou Chicago, évite le champ politique urbain. Elle veut bien mener

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ses activités dans la cité, mais refuse de la diriger ; c'est un système de pouvoir sans responsabilité.(P.24)

64.

Concentradas em si e em seus núcleos familiares, esses indivíduos

percebem a cidade como um campo limitado de possibilidade de atuação. Quase

sempre assumem também discursos conservadores acerca da resolução dos

problemas urbanos relacionando-os à desagregação familiar. Nessa maneira de ver

a cidade, ninguém se preocupa com assuntos que não são imediatamente seus. O

interesse real enquanto aspecto de solidariedade estaria comprometido, de acordo

com Sennett (2011), devido a uma estrutura de relações do mundo do trabalho em

que o envolvimento é cada vez menor devido à transitoriedade dos trabalhadores.

Nesse contexto, as ações coletivas são enfraquecidas, demolindo

qualquer possibilidade de compreensão da totalidade. E talvez seja esse o aspecto

mais grave do atual movimento urbano que tem nos enclaves fortificados uma de

suas expressões máximas. Nessa cidade fragmentada, como encontrar o caminho

para o envolvimento e a coesão? Em que momento ou em que esfera poderá se dar

a possibilidade de reconstrução da utopia? Difícil dizer. A hegemonia do

individualismo é coerente com a ideologia da atual fase do capitalismo e nos faz cair

num pessimismo abismal. O silêncio frente à aporia do nosso tempo nos encaminha

para a boca da esfinge.

64

A flexibilidade e o trabalho efetuado sob pressão desorientam profundamente a vida familiar. Os clichês habitualmente veiculados pela imprensa – crianças abandonadas, adultos estressados, desenraizamento geográfico – não chegam ao âmago dessa perda de referências. Na verdade, os códigos de comportamento que regem o sistema moderno de trabalho destruiriam as famílias se fossem aplicados ao círculo familiar: não se engajar, não se envolver, pensar a curto prazo. O apelo aos “valores familiares”, feito pela opinião pública e pelos políticos, é muito mais que uma simples ressonância conservadora. Embora elementar, é uma reação profundamente sincera, diante das ameaças que pesam sobre a solidariedade familiar na nova economia. Christopher Lasch apresenta a família como um “paraíso em um mundo sem coração”. Essa imagem ganha muito mais importância quando o trabalho se torna mais precário e, ao mesmo tempo, mais exigente, em termos de disponibilidade dos adultos. Um dos efeitos desse conflito sobre os empregados jovens – objeto de inúmeras pesquisas – é a saída dos adultos da participação na vida cívica, absorvidos pela luta para estabilizar e organizar sua vida familiar. Essa participação na vida cívica exige também um tempo e uma energia de que nem sempre o núcleo familiar dispõe. Isso lembra um dos efeitos da globalização nas cidades. A nova elite mundial, que trabalha em cidades como Nova York, Londres ou Chicago, evita o meio político urbano. Ela conduz suas atividades na cidade, mas se recusa a dirigi-la; é um sistema de poder sem responsabilidade.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como um sintoma da crise urbana, os enclaves fortificados expandem-se,

mas não de uma forma “ideal”. Muitas vezes, sem conseguir um afastamento da

pobreza, que tanto assombra a burguesia, os enclaves fortificados apenas

“pontilham” a cidade. Condomínios e loteamentos fechados costumam ter esse

padrão, os espaços encontrados para a sua implantação são aqueles possíveis aos

interesses do capital imobiliário. Em Fortaleza, eles são verificados em bairros como:

Edson Queiroz, Messejana, Sapiranga/Coité e Passaré. Todos estes compondo uma

expansão recente da malha urbana da cidade que intercala miséria e opulência.

Nesses bairros, o capital encontrou condições particulares de vantagem

competitiva no mercado imobiliário. No Passaré, destacamos: (a) a presença de

terra urbanizada, como resultado da reserva especulativa que se beneficiou com os

ganhos das lutas por moradia; (b) a posição privilegiada com o acesso a

infraestruturas que facilitam o deslocamento para diversas áreas centrais da cidade;

(c) a existência de elementos cênicos naturais que se combinaram ao novo

paradigma de qualidade de vida e que, portanto, incrementam os lucros dos

investidores; (d) e a proximidade com uma das arenas da Copa do Mundo de

Futebol, que representa a mudança no modelo de governança urbana onde se

privilegia a produção de uma cidade voltada para o espetáculo.

Do ponto de vista estrutural, as condições postas para o avanço do setor

imobiliário, em seu conjunto, estiveram fortemente relacionadas às políticas

econômicas e sociais adotadas pelo Brasil, tais como: o controle da inflação e a

manutenção das taxas dentro das metas do Banco Central; o fortalecimento da

moeda; a criação de marcos regulatórios; o aumento do emprego formal; a elevação

da renda da população; a queda das taxas de juros e o lançamento do PMCMV.

Direta ou indiretamente, esses fatores criaram condições ímpares para o

crescimento do setor imobiliário em todo o País. No cenário urbano, o capital

alcançou novos territórios tornando mais agudas as disputas pelo espaço. Nos

últimos anos, Fortaleza esteve sempre entre as cinco ou seis cidades brasileiras

com maior número de vendas de imóveis. Com a rápida elevação da demanda

solvente e dos preços imobiliários, as camadas de renda média passaram a morar

também fora dos bairros tradicionais da Capital. Passaré, Maraponga, Edson

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Queiroz, Jóquei Clube, entre outros que receberam projetos possíveis somente a

salários mais elevados.

Assim, ao longo da formação socioterritorial de Fortaleza, percebemos

uma predominância menor do padrão centro rico/periferia pobre. Nem mesmo

aquela divisão leste rico/ oeste pobre é cabível ao atual estado de fragmentação da

cidade, ainda que permaneçam as predominâncias econômicas.

Ficou nítido que a atual fase do capitalismo coloca novas questões para

os estudos urbanos. O debate acerca da segregação, por exemplo, aparece ainda

mais emaranhado, seja pela rapidez em que o mercado atua, seja pelo

aprofundamento das contradições envolvendo os conflitos de classe. Contudo,

questões extremamente relevantes que fogem ao escopo deste trabalho devem ser

consideradas como agenda de pesquisa onde se privilegie o conceito de

segregação, em consonância com a reestruturação do espaço, e que leve em conta

a centralidade do debate acerca da renda da terra urbana no contexto de

financeirização.

Apesar de não termos chegado a um ponto conclusivo, pudemos apontar

para uma hipótese em relação aos enclaves residenciais enquanto modo de

realização da segregação. Para nós, quem está dentro não está nem segregado

nem auto-segregado. A segregação está assim colocada para os de fora que não

possuem o poder de solvência dessa nova mercadoria.

Isto, todavia, não compromete o aspecto dialético da leitura dessa

realidade. Os enclaves fortificados sempre representam uma condição baseada na

segregação socioespacial. Quem está dentro quer se proteger do outro, tem em

mente a tensão social e se sente vulnerável em relação à barbárie produzida pelo

capital.

O “medo” aparece assim como uma das palavras mais correntes no

debate que trata dos enclaves fortificados. Esse sentimento que é direcionado ao

outro dá as condições para a produção de uma estrutura urbana de caráter blasé,

fazendo alusão ao conceito de Simmel (1997). Essa apatia, materializada no

espaço, tem uma dimensão política importante. Quem mora nos condomínios tem

pouco ou nenhum envolvimento com o bairro no que tange aos seus espaços

públicos. No contexto do bairro, o lugar fica restrito aos espaços internos do

condomínio e isto é em si um novo modo de realização do cotidiano urbano.

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Há um poder fetichizante nos enclaves fortificados, isto porque eles nos

enganam nos tirando a dimensão do real na medida em que simulam um espaço de

sociabilidade e de ordem – uma espécie de refúgio do caos urbano. Talvez pior do

que isso, em certa medida, é possível até que tenhamos a dimensão do real ao

participar do simulacro proposto por esses espaços, todavia, a fantasia – a

possibilidade de achar que os filhos e a família estão a salvo da barbárie – é mais

sedutora que a realidade.

Aí um aspecto relevante diz respeito à formação de uma comunidade que,

apesar de negar os espaços públicos e abertos, tem enorme estima pela vida

coletiva propiciada pela forma condomínio fechado. Esse estilo de vida está

carregado por um forte sentido de controle, conformando um poder disciplinar

assumido pelo próprio grupo. Assim, a propriedade privada, representada pelo

condomínio, une os semelhantes entrelaçando os seus cotidianos ao mesmo tempo

em que denega a dimensão da vida pública da cidade em seu aspecto multiforme.

Assim, o fechamento, o simulacro e o controle são peças-chave para a

compreensão qualitativa desse fenômeno. Os enclaves residenciais buscam, através

de uma homogeneidade e de uma previsibilidade da vida urbana, garantir a

segurança frente à barbárie. É uma aposta otimista de que as estruturas ainda

fundadas sobre desigualdades possam conter o avanço da crise urbana.

Mas esse otimismo do fazer individual pode ser o caminho para um

trágico destino da cidade. Expliquemos melhor, os enclaves residenciais difundem-

se relacionados a um projeto de cidade em que a resolução das questões é pensada

enquanto problema técnico e individual. Aspecto que Henry Lefebvre e Jane Jacobs

rebateram duramente.

Talvez nem estejamos diante de um otimismo, mas de uma forma cínica

de tratar da realidade. Entendamos aí o “cinismo” como uma elaboração que diz:

“Sabemos que o igualitarismo é um sonho impossível, então vamos fingir que somos

igualitários e aceitar calados as limitações necessárias..." (ZIKEK, 2011, p. 64-65).

Ora, aí estamos diante de uma argumentação liberal de negação da crítica que

justifica as perversões por uma ação dita pragmática.

No Passaré, o cotidiano dentro dos condomínios conforma-se,

entrelaçando os laços da comunidade intramuros, ao mesmo tempo em que se

reforçam de modo crescente a vigilância e o controle desses espaços. A homogênea

e monótona paisagem interna do condomínio é vendida como uma imagem idílica

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que possibilitará aos seus moradores “uma vida mais feliz”, a salvo do diferente e do

inesperado. Ideologicamente esses enclaves fortificados se apresentam enquanto

possibilidade de “enfrentamento” da crise urbana, sem necessidade de alterar os

conflitos de classe. Na prática, percebemos que eles só aprofundam a crise na

medida em que reforçam esses conflitos. Assim, a solução individual do isolamento

funciona apenas como um “tampão” sobre um duto de alta pressão.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – GALERIA DE FOTOS

Novos empreendimentos residenciais

verticais no Passaré: 1) Mirantes

Passaré e 2) Reserva Passaré. Fonte:

Pesquisa de campo, 2013.

Dois dos novos edifícios do

Passaré: Mirantes Passaré, da

FAN Construções, e Reserva

Passaré, do grupo BSPAR.

Ambos construídos nas

proximidades do Complexo

Ecológico do Passaré.

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Placa do Mandarim Condomínio

Clube anunciando o banco

financiador do empreendimento.

Fonte: Pesquisa de campo,

2014.

Áreas internas dos condomínios

fechados horizontais no

Passaré. Fonte: Pesquisa de

campo, 2014.

Os condomínios mais

novos no Passaré

possuem atrativos como:

piscinas, saunas, espaços

para festa, academia de

ginástica, campo de

futebol, entre outros.

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Reservas de terra no Passaré: 1) Chácara e 2) Lote. Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

Moradias construídas na proximidade do antigo Aterro Sanitário do Jangurussu.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

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APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADA AOS MORADORES

DOS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS DO PASSARÉ

ENTREVISTA ABERTA – PERFIL DOS MORADORES DE CONDOMÍNIO

Perguntas básicas:

1 Quantas pessoas moram nesta residência?

(Caso existam moradores além do entrevistado)

Qual o perfil de idade e sexo?

Qual o seu parentesco com elas?

Que atividades elas realizam?

-

Qual a sua estrutura familiar antes da mudança para o condomínio?

2 Há quanto tempo você mora neste condomínio?

Qual a condição do imóvel, próprio ou alugado?

(Caso o imóvel seja próprio)

Qual a condição de aquisição do seu imóvel?

-

O que o levou a morar nesse tipo de residência?

Onde você morava anteriormente? (Cidade, bairro e tipo residencial)

Quais os motivos de sua mudança?

3 O que mudou após sua vinda para o condomínio?

4 (Caso tenha falado em violência)

A segurança é um fator importante para você?

Você ou sua família já vivenciaram uma situação de violência?

(Se sim)

Idade: Sexo: Estado civil: Naturalidade:

Profissão: Empregador:

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Que tipo?

Você adota medidas de segurança?

(Se sim)

Quais?

Você se sente protegido morando em condomínio?

Você considera adequadas as medidas de segurança adotadas pelo condomínio?

Elas têm se mostrado eficientes?

Atualmente, você considera seguro morar no Passaré?

5 Você tem o hábito de andar pelas ruas deste bairro?

Você conhece seus vizinhos do condomínio?

Você se considera integrado a vizinhança?

Você mantém contato com outros moradores do bairro (externos ao condomínio)?

(Se sim)

Que relações mantêm?

A sua rotina mudou depois que passou a morar neste condomínio?

(Se sim)

De que modo seu cotidiano foi alterado?

6 Que tipo de lazer você pratica?

Você utiliza os espaços comuns do condomínio?

Você os considera suficientes?

7 Há empregados no condomínio ou em sua residência?

(Se sim)

Em que bairros eles moram?

8 Há problemas com o cumprimento de algumas regras do condomínio?

(Se sim)

Quais os mais frequentes?

Quais os pontos negativos e positivos de se morar num condomínio do Passaré?

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ANEXOS

ANEXO A – PROJETO PARA LOTEAMENTO DO SÍTIO PASSARÉ

Projeto de loteamento do Sítio Passaré.

Fonte: SEUMA

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ANEXO 2 - TRECHO DO RELATÓRIO DA VISITA PASTORAL AO PASSARÉ

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Páginas 2 e 3 do Relatório da Pastoral ao Povo de Deus nas Comunidades

Fonte: Associação dos moradores do Conjunto Jardim União.