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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
COMPARTILHANDO LEMBRANÇAS: Situações reais de leitura
Lourdes Terezinha Setti1 Josiele Kaminski Corso Ozelame2
Resumo Este trabalho é parte integrante do processo de formação continuada desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, através do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). O referido artigo tem por objetivo divulgar o Projeto de Intervenção, bem como os resultados da Implementação da Produção Didático-pedagógica no Colégio Dom Pedro II, na cidade de Foz do Iguaçu no Estado do Paraná, aplicado em turmas de 8º ano do Ensino Fundamental. Iniciando-se com a leitura de textos do Gênero Memórias, textos que possibilitam a compreensão de que os saberes da escola estão presentes no contexto histórico e instigam o educando a falar, ler e escrever. Este gênero é um excelente instrumento para ajudar o aluno no momento da comunicação, da leitura, da produção e da prática social, pois trata de assuntos que fazem parte da sua história. Surge então, segurança e motivação em compartilhar momentos vividos. O processo ocorre por meio de estratégias de ação com atividades gradativamente direcionadas para os objetivos almejados. Observou-se através dos resultados obtidos nas atividades que os alunos elevaram seus conhecimentos, melhorando assim as habilidades da Língua Portuguesa as quais contribuem também para a aquisição dos conhecimentos das outras disciplinas. Além disso, houve a percepção da importância de suas vivências histórico e culturais na interação com o outro em seu cotidiano.
Palavras-chave: ORALIDADE. LEITURA. ESCRITA. MEMÓRIAS.
1. Introdução
Este artigo é o resultado da Implementação do Projeto de Intervenção
Pedagógica no Colégio Estadual Dom Pedro II, com os alunos de duas turmas de 8º
ano do Ensino Fundamental. Os alunos participaram de atividades contidas na
Produção Didático-Pedagógico, material elaborado durante o Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE) que oportunizou aos alunos, da Rede Pública
Estadual a ampliação dos conhecimentos das habilidades da Língua Portuguesa.
Este Projeto objetivou aos discentes, durante o período da Implementação, a
compreensão sobre o que é Memória, o conhecimento de outros gêneros que se
assemelham por terem como principal ponto de partida experiências vividas pelo
autor. Lendo, ouvindo e comentando puderam compreender que textos desse
1 Professora PDE 2013, do Colégio Estadual Dom Pedro II, em Foz do Iguaçu – PR. 2 Doutora em Literatura. Orientadora. Professora do Curso de Letras e do Mestrado em Sociedade,
Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, campus de Foz do Iguaçu.
gênero podem ser registrados nas formas oral ou escrita. Além disso, perceberam
como fotografias/retratos nos remetem às experiências vividas com as quais
podemos interagir socialmente nos expressando através da oralidade ou da escrita.
Pudemos resgatar raízes culturais dos alunos, através da produção de texto do
gênero memória e valorizar sua identidade, fornecendo a eles conhecimentos e
informações específicas no intuito de orientá-los a produzirem textos do gênero
Memória. Desta forma, houve desenvolvimento e aprimoramento das práticas da
Língua Portuguesa.
No decorrer da experiência de alguns anos de magistério, notou-se que
durante as práticas da disciplina de Língua Portuguesa em sala de aula, os alunos
agiam apenas como expectadores e realizavam as atividades propostas de forma
mecânica e sem interesse em melhorar o aprendizado. Esta desmotivação era muito
preocupante, não apenas para os educadores da disciplina em questão, como para
todas as outras, já que a leitura, a escrita e a oralidade são fundamentais para a
comunicação e a expressão na formação do cidadão.
Não conformados com este quadro, e conscientes da nossa responsabilidade
como educadores, buscamos alternativas que viessem amenizar essa situação, pois
de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, é através do domínio da
língua que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende
pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento, ou seja,
tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social. Desta forma,
um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1998:21).
Cabe a nós, então, proporcionarmos aos alunos atividades envolventes a fim
de que se mantenham interessados no desenvolvimento e aprendizado. Buscando
essa aproximação entre os conteúdos e o despertar dos interesses dos alunos,
utilizamos o gênero textual. Este é um excelente instrumento para ajudar o aluno no
momento da comunicação, da leitura, da produção e da prática social, pois trata de
assuntos que fazem parte do cotidiano. Contribui também para despertar a
motivação em compartilhar daquilo que faz parte da sua história.
A escolha deste gênero está voltada, também para o fato de que se constitui
em um exercício de reflexão de nossas experiências passadas para fazer aflorar não
só recordações/lembranças, assim como, informações que confirmam novos
sentidos ao nosso presente. A forma como encaramos certas situações e objetos
está impregnada pelas experiências passadas. Compreendemos que os saberes da
escola estão presentes no contexto da vida cotidiana. Assim, o educando passa a
compartilhar as suas vivências e a valorizar os conhecimentos adquiridos na escola.
Para isso, as Memórias funcionam como instrumento no processo de
desenvolvimento das habilidades da Língua Portuguesa.
2. Fundamentação Teórica
Para fundamentar o projeto, buscamos primeiramente através de pesquisa
bibliográfica, nas obras de alguns autores, noções de gênero textual, e, segundo
Bakhtin (1997), os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados
elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana. De acordo com
Fontana
o gênero funciona como princípio organizador das nossas ações de linguagem, uma espécie de “modelo abstrato” ( Bronckart, 2003), mas não um modelo rígido, pois os gêneros se modificam e são criados pelas necessidades comunicativas dos falantes, assumindo marcas dos ambientes e da cultura em que circulam (FONTANA, 2009:20).
Seguindo o mesmo pensamento, para Dolz & Schneuwly (1998: 65), segundo
Marcuschi (2008:212), o gênero
É um instrumento semiótico constituído de signos organizados de maneira regular; este instrumento é complexo e compreende níveis diferentes; é por isso que o chamamos por vezes de ‘megainstrumento’, para dizer que se trata de um conjunto articulado de instrumentos à moda de uma usina; mas fundamentalmente, trata-se de um instrumento que permite realizar uma ação numa situação particular. E aprender a falar é apropriar-se de instrumentos para falar em situações discursivas diversas, isto é, apropriar-se de gêneros (MARCUSCHI, 2008: 212).
Considerando essas definições, podemos dizer que o gênero em sala de aula
funciona como um ponto de referência para os alunos e torna as práticas mais fáceis
de se operar, pois asseguram um quadro de estratégias para a análise e a produção
textual oral ou escrita. Além dessa relevância, podemos dizer que não há como
comunicar-se sem fazer uso de algum gênero textual como afirmam Koch e Elias
os gêneros textuais – práticas sócio comunicativas – são constituídos de um determinado modo, com uma certa função, em dadas esferas da atuação humana, o que nos possibilita (re)conhece-los e produzi-los, sempre que necessário. Se não fosse assim, haveria primazia de uma produção individual e individualizante desprovida de traços de um trabalho construído
socialmente, o que dificultaria (e muito) o processo de leitura e compreensão (KOCH e ELIAS, 2010:106).
O leitor, após o conhecimento do gênero, internaliza e faz uso dele conforme
as necessidades surgem para que a comunicação social possa se efetivar. Portanto,
a leitura passa a ser uma ferramenta para desenvolver as outras práticas da
linguagem como a oralidade e a escrita.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
A noção de gênero, refere-se a famílias de textos que compartilham características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado (BRASIL, 1998:22).
Desta forma, para se estabelecer a comunicação, deve-se fazer a escolha
adequada do instrumento, ou seja, do gênero que possibilite a prática discursiva. É
uma realização social, histórica e cultural e a escola deve promover atividades para
desenvolver essas práticas que segundo as Diretrizes Curriculares da Educação
Básica
É tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas sociais – entendida como toda atividade humana exercida com e na linguagem – que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação (PARANÁ, 2008:48 ).
É imprescindível trabalhar com gêneros na escola, “Isso porque toda a
manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero”.
(MARCUSCHI, 2008:154). O trabalho com gêneros textuais tem se alastrado em
meio às práticas pedagógicas, pois oferecem diversas oportunidades de explorar o
texto como unidade de ensino da leitura e da escrita. O ambiente escolar é o espaço
ideal de convívio com os textos e adequado ao crescimento intelectual do aluno,
pois através dos mesmos podemos desenvolver os domínios da língua.
Ao se referir à leitura deve-se considerar as experiências do leitor e seus
conhecimentos de mundo e não apenas o conhecimento dos códigos linguísticos.
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista (LAJOLO, 1985:59).
É necessário que o aluno leia com a capacidade de orientar-se em um mundo
cheio de informações, não apenas ler o texto, mas incorporar o que ele traz para
transformar o seu próprio conhecimento. Pode-se ler de forma superficial, mas
também pode-se analisar o texto, observar as dúvidas que propõe, questionar ideias
prévias e os leve a pensar de outro modo. A escola que assume para si a condição
de formar o hábito da leitura do estudante, estará garantindo, com certeza, a
existência de adultos com rica imaginação, amplos recursos linguísticos e uma visão
de mundo que, em muito, ultrapassa o imediato. Além disso, a leitura contribui para
a apropriação das demais habilidades da linguagem,
Embora se reconheça que as atividades de ensino de leitura e de produção textual possam ser feitas de modo independente, a opção muitas vezes, é pela sua integração, considerando-se o trabalho com o ensino sistemático do gênero: e a possibilidade de que a leitura possa servir como meio para a construção do conhecimento sobre o gênero na hora da produção dos textos, no ato da leitura (RODRIGUES, 2007:2014).
É necessário que a escola promova o letramento do aluno por meio de
atividades diversificadas nas quais ele se envolva nas práticas de uso da língua;
sejam de leituras, oralidade e escrita
A atividade de leitura completa a atividade da produção escrita. É por isso, uma atividade de interação entre sujeito se supõe muito mais que a simples decodificação de sinais gráficos. O leitor, como um dos sujeitos da interação, atua participativamente, buscando recuperar, buscando interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor (ANTUNES, 2003:67).
Assim, considera-se que o processo da leitura de textos do gênero memória,
colabora na construção de conhecimento dessa habilidade, auxiliando o aluno no
momento da produção escrita desses textos. Não há como descartar o fato de que a
fala também contribui para o desenvolvimento da escrita. De acordo com as
Diretrizes Curriculares da Educação Básica, “a fala é a prática discursiva mais
utilizada”, por isso, a escola deve proporcionar ao aluno meios para que desenvolva
a oralidade, reconhecendo e valorizando as variantes linguísticas “aproveitar os
recursos da língua para praticar e aprender o falar e o ouvir” (PARANÁ, 2008:65 ).
Portanto, a fala é tão importante quanto à escrita. Segundo Antunes,
embora cada uma tenha as suas especificidades, não existem diferenças essenciais entre a oralidade e a escrita nem, muito menos, grandes oposições. Uma e outra servem à interação verbal, sob a forma de diferentes gêneros textuais, na diversidade dialetal e de registro que qualquer uso da linguagem implica. (...) Tanto a fala quanto a escrita podem variar, podem estar mais planejadas ou menos planejadas, podem estar mais, ou menos, “cuidadas” em relação à norma-padrão, ambas são
igualmente dependentes de seus contextos de uso (ANTUNES, 2003:100).
2.1 Gênero Memória
O gênero textual Memória é uma forma de dinamizar esse processo do
ensino, principalmente, no ensino fundamental, pois tem a finalidade de fazer com
que o aluno relate as suas experiências, incita tanto a leitura quanto a produção
textual. A compreensão e produção escrita são dimensões sociais, culturais e
psicológicas que mobilizam diversas capacidades de linguagem. Dessa forma, o
trabalho com o gênero textual Memória possibilita a compreensão de que os
saberes da escola estão presentes no contexto histórico do educando. Essas
práticas estão contempladas nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica
na sala de aula e nos outros espaços de encontro com os alunos, os professores de Língua Portuguesa e Literatura têm o papel de promover o amadurecimento do domínio discursivo da oralidade, da leitura e da escrita, para que os estudantes compreendam e possam interferir nas relações de poder com seus próprios pontos de vista, fazendo deslizar o signo-verdade-poder em direção a outras significações que permitam, aos mesmos estudantes, a sua emancipação e a autonomia em relação ao pensamento e às práticas de linguagem imprescindíveis ao convívio social. Esse domínio das práticas discursivas possibilitará que o aluno modifique, aprimore, reelabore sua visão de mundo e tenha voz na sociedade (PARANÁ, 2008: 64-65).
O professor no processo da leitura de seu aluno deve ser um interlocutor
presente, que responde e pergunta sobre questões levantadas pelo processo que se
executa, Geraldi (2000). Dessa forma, a leitura é entendida como um processo de
interlocução entre leitor/texto/autor e, o professor, não é simplesmente um mediador,
mas interage com o aluno instigando-o a explorar o texto em questão com o objetivo
de levá-lo a analisar os assuntos abordados, refletir e interferir de forma crítica sobre
as ideias do autor. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
A leitura autônoma envolve a oportunidade de o aluno poder ler, de preferência silenciosamente, textos para os quais já tenha desenvolvido uma certa proficiência, vivenciando situações de leitura com crescente independência da mediação do professor, o aluno aumenta a confiança que tem em si como leitor, encorajando-se para aceitar desafios mais complexos. (BRASIL, 1998:71)
O gênero memória instiga o estudante a escrever situações as quais foram
vivenciadas. Quando se escreve sobre um assunto que se tem conhecimento, fica
mais fácil, pois o aluno já tem as palavras internalizadas e pode expressar seus
sentimentos e emoções. O gênero memória instiga o estudante a escrever situações
as quais foram vivenciadas. Quando se escreve sobre um assunto que se tem
conhecimento, fica mais fácil, pois o aluno já tem as palavras internalizadas e pode
expressar seus sentimentos e emoções. Confirmando essas ideias, Freire comenta
que,
Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a “reler” momentos fundamentais da minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas da minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo (FREIRE, 2000:11, grifos nossos).
Freire expõe sobre a sua leitura de mundo particular e deixa bem claro que
ao escrever sobre a sua experiência vivida no momento em que ainda não lia a
palavra, ela já existia em sua memória e relembrando as situações as escrevia.
Temos como exemplo:
A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço – o sítio das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo. Nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras” as “letras” daquele contexto – em cuja percepção me experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber – se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com eles nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais (FREIRE, 2000:12).
Não pode ser diferente com nossos alunos, pois eles também guardam suas
lembranças e já leram as palavras. Portanto, colocá-las no papel e socializar os seus
textos não se torna difícil, pelo contrário, é um trabalho prazeroso no qual o aluno,
através de lembranças – individuais ou coletivas – permite-nos saber o que de
alguma forma permanece significativo nesse momento vivido. Nessa mesma
perspectiva Geraldi observa que,
Normalmente, nos exercícios e nas provas de redação, a linguagem deixa de cumprir qualquer função real, construindo-se uma situação artificial, na qual o estudante, à revelia de sua vontade, é obrigado a escrever sobre um assunto em que não havia pensado antes no momento em que não se propôs e, acima de tudo, tendo que demonstrar (esta é a prova) que sabe. E sabe o quê? Escrever. E bem. Além disso, que esteja claro que ele está sendo julgado, testado e, às vezes, até mesmo competindo! (GERALDI, 2000:126, grifos nossos).
Freire (2000:71), também observa que não podemos duvidar de que
conhecemos muitas coisas por causa da nossa prática. Antes mesmo de saber ler
ou escrever, já líamos o mundo que nos cerca, mas precisamos aprimorar esse
conhecimento adquirido na prática. Devemos incentivar os nossos alunos para que
expressem a leitura que adquiriram no decorrer das suas vivências. Desta forma,
a leitura, deixaria de ser uma tarefa escolar, um simples treino de decodificação, uma oportunidade de avaliação, para ser, junto com outras atividades, uma forma de integração do aluno com a vida de seu meio social. Sabemos quanto a integração da pessoa em seu grupo social passa pela participação linguística, passa pelo exercício de “voz”, que não deve ser calada, nem reprimida, mas, sim, promovida, estimulada e encorajada (ANTUNES, 2003:119).
Nós professores devemos estimular nossos alunos a pensar, refletir e
rememorar situações vividas não apenas no espaço escolar, como também em
relação a todos os contextos históricos vivenciados. Assim, o ato de lembrar, torna-
se objeto de atenção e reflexão como também, emoções, afetos, sentimentos e vem
à tona o desejo de falar/escrever sobre as lembranças.
Espera-se que durante o desenvolvimento desse trabalho os alunos possam
fazer comparações entre o presente e o passado e se situem no contexto vivido
efetuando suas opiniões sobre as diferenças entre um período e o outro, pois
através dessas reflexões passarão a valorizar suas raízes histórico culturais. De
acordo com Guimarães e Batista,
Uma das formas de contato com a linguagem verbal, estabelecendo uma das possíveis relações entre o homem e o mundo, é a leitura, que faz com que o ser social estabeleça diferentes graus de interação com outros membros da sociedade, ou seja, a letra é um dos modos da interação verbal, no sentido de que o ato de ler abre portas para a compreensão e interpretação das atividades simbólicas caracterizadoras dos mais variados tipos de contato social (GUIMARÃES e BATISTA, 2012:17).
Portanto, o gênero Memória contribui para o aprimoramento dos
conhecimentos do aluno, desenvolvendo-o como um indivíduo atuante e capaz de
refletir sobre seu comportamento social, desde que, os professores - independente
da disciplina, já que este projeto pode ser trabalhado pelas outras, e não apenas em
Língua Portuguesa - propiciem atividades dinâmicas e instigantes para a efetivação
deste processo. De acordo com Antunes,
a atividade da leitura favorece, num primeiro plano, a ampliação dos repertórios de informação do leitor. Na verdade, por ela, o leitor pode incorporar novas ideias, novos conceitos, novos dados, novas e
diferentes informações acerca das coisas, das pessoas, dos acontecimentos, do mundo em geral (ANTUNES, 2003:70).
Enfim, creditamos que por meio de um trabalho bem direcionado, envolvendo
a leitura, a oralidade e a escrita, o aluno perceba a importância do domínio das
práticas da nossa língua. Espera-se que ele valorize ainda mais as aulas,
assimilando os conteúdos pertinentes a sua formação escolar, compreendendo que
os mesmos ultrapassam as fronteiras da sala de aula e que tornam-se significativos
no seu contexto histórico e cultural.
3. Estratégias de Ação
Para a elaboração deste projeto foram consideradas algumas etapas
como pesquisas bibliográficas e leituras para embasamento teórico com enfoque
para o Gênero Memória e suas contribuições para o ensino e aprendizagem das
práticas da linguagem, leitura, escrita e oralidade, encontros com orientador para o
aprofundamento da pesquisa bibliográfica bem como o direcionamento do projeto,
participação de cursos ao longo do período com o objetivo de ampliar essa ideia,
elaboração do material didático para implementação do projeto o qual contém as
atividades gradativamente elaboradas para o desenvolvimento do projeto como
leitura e compreensão de textos do gênero memória, trazidos pela professora;
pesquisa de outros textos do gênero memória pelos alunos; roda da leitura em
grupos dos textos pesquisados pelos alunos e seleção e leitura do texto que o grupo
mais gostou para a turma; oralidade em duplas – contar acontecimentos –
rememorar; práticas de jogos, brincadeiras marcantes vivenciadas; rememorando
fragmentos de filmes, músicas, programas televisivos que permanecem na
lembrança dos alunos; comentando sobre livros que os alunos leram e que foram
interessantes em seu passado; escrita – relato de uma memória e elaboração dos
livros das turmas com o título “Compartilhando Lembranças”, exposto na biblioteca
do colégio.
3. Implementação na escola: a experiência com os alunos
Cabe salientar que para a realização deste trabalho, contamos com o apoio,
principalmente, dos alunos das duas turmas de 8º ano do Ensino Fundamental do
período vespertino que participaram com muito empenho e dedicação em todas as
atividades orientadas pela professora.
Em princípio, a turma ficou bastante empolgada pela atividade que previa a
postagem da produção do relato individual das memórias em um facebook da turma,
apesar do projeto sugerir esta atividade, não foi possível realizá-la devido a
problemas técnicos com alguns computadores da sala de informática, portanto
optou-se pela elaboração do livro com a coletânea. Os alunos um pouco
desanimados entenderam a situação, e não deixaram de se sentir os protagonistas
das histórias. Alguns até comentaram que estavam emocionados por ter suas
histórias em um livro e que era a primeira vez que isso lhes acontecia.
Nossos alunos, em sua maioria, são vistos como pessoas que não gostam de
ler, então ao aplicar as atividades de leitura, houve uma apreensão quanto à
receptividade da mesma, mas ao contrário do que se previa participaram com muito
interesse tanto na leitura quanto na compreensão dos textos, trazidos pela
professora.
Na sequência, pesquisaram outros textos do Gênero Memória que tinha por
objetivo a identificação do gênero e a realização da leitura em grupos “roda da
leitura”, que consistia na escolha do texto mais interessante lido no grupo para que
fosse apresentado à turma. Nesta atividade houve grande surpresa, pois havia até
mesmo competição para ver quem lia melhor, com maior entonação para apresentá-
lo à classe. Foi uma atividade muito satisfatória.
Outra atividade que surpreendeu foi o relato oral de uma memória em dupla.
Isso porque ao contrário do que se imaginava - pois os alunos gostam muito de
conversar no dia a dia - no momento de desenvolver a oralidade, sentiram-se
envergonhados em expor suas histórias pessoais. Alguns diziam que não tinham o
que contar então, a professora estimulou-os falando sobre sua infância, suas
brincadeiras, sua escola, o que gostava e não gostava de fazer, bem como a
convivência com seus familiares. Então criaram coragem e contaram histórias bem
interessantes. Percebia-se que enquanto uns ouviam os outros relatando os fatos,
riam, se entristeciam e se surpreendiam com as histórias dos colegas.
Durante o relato de uma memória por escrito, que o aluno poderia optar pela
mesma da atividade oral ou outra, notaram-se algumas resistências por alguns
alunos que não queriam passar o texto a limpo, eles queriam que a professora
avaliasse e deixasse da forma como tinham escrito na primeira versão. Após os
argumentos expostos, entenderam que eles eram os responsáveis por aquele texto e
que eles tinham que zelar pelos seus nomes que estariam no livro como autores,
então realizaram as correções e reescreveram os relatos até mesmo com mais
empenho do que na primeira versão.
Outras atividades bastante gratificantes foram durante a fase em que
compartilharam lembranças de filmes, músicas, jogos, brincadeiras e livros. Em
grupos os alunos fizeram listas dos itens que mais marcaram em seu passado. Após
muitas lembranças e as listas prontas, escolheram alguns filmes para rever
fragmentos, músicas também foram ouvidas, falou-se de livros, e reviveram na
prática alguns jogos e brincadeiras, momentos que foram registrados com fotos
produzidas por um fotógrafo voluntário, morador da comunidade. Todos os alunos
participaram ativamente e divertiram-se nessas atividades. Alguns porém, devido à
idade sentiram-se envergonhados em aparecer nas fotografias.
Por fim, organizado pela professora, elaborou-se um livro para cada turma
com o título “COMPARTILHANDO LEMBRANÇAS” onde constam os relatos escritos
das memórias dos alunos e que está exposto na biblioteca da escola.
4. GTR: momento de socialização
Durante a implementação do projeto, professores da rede púbica participaram
avaliando o Projeto de Intervenção Pedagógica, assim como a Produção Didático-
Pedagógica por meio do Grupo de Trabalho em Rede (GTR).
Dentre as atividades que foram propostas aos professores no decorrer deste
curso on-line, eles tinham que ler e analisar a possibilidade da aplicação das
atividades relatadas na Produção Didático-Pedagógica. Por meio de discussão em
fóruns, puderam opinar, debater, questionar sobre o material produzido e sua
aplicabilidade o qual estava sendo implementado simultaneamente. O grupo de
professores também pode redigir sugestões de atividades com a temática em
evidência trocando experiências entre os colegas, as quais contribuíram muito para o
enriquecimento pessoal de todos os participantes, pois muitas sugestões foram bem
aceitas e alguns comentaram que usariam em suas aulas.
Aqui foram citados alguns depoimentos, entre os quinze concluintes do GTR
2014. Esses relatos foram bastante significativos, pois são de professores que estão
atuando em sala e que já possuem certa experiência, neste caso, seu ponto de vista
é bastante relevante para o que o professor PDE possa sentir que está realmente
contribuindo para o desenvolvimento do ensino aprendizagem.
Professor J demonstrou interesse e selecionou algumas atividades que
podem ser utilizadas em sua sala de aula:
Com certeza os alunos a quem se destinam essas práticas terão facilidade em compreender e aprender, pois as metodologias utilizadas são variadas e estimulantes. Em minha realidade de sala de aula a que mais se destaca são as brincadeiras e jogos, pois este tipo de atividade estimulam as lembranças, as recordações prazerosas da infância e mexe com o emocional do aluno. Acho muito rico e interessante resgatar brincadeiras e jogos que fizeram parte da infância dos alunos e seus familiares. Esse conhecimento sobre o passado pode levar o aluno a refletir e respeitar o conhecimento dos outros (Professor J, GTR, 2014).
Professor H enfatizou sobre o trabalho com a produção de texto: Gostei muito como abordou o trabalho com Memória. Transformar a memória em textos é mesmo fascinante, pois é registrar para sempre o que aconteceu, é valorizar a escrita trazendo-a para perto de nós como aliada, amiga; algo bom de ser conquistado. Deixar as velhas palavras de lado, como é difícil escrever,... Escrever é mágico, e resgata o tempo da melhor maneira possível (Professor H, GTR, 2014).
Já estes destacaram a importância do gênero textual trabalhado. Professor N:
Também me identifiquei com esse gênero e adorei as várias sugestões. Acredito que nós educadores somos uma constante de inovações; já não podemos ficar alheios as grandes evoluções, porém não há como deixar de lado a "memória" que nos fortalece para percebermos as mudanças e as possíveis adaptações didáticas. Somos o alicerce para que realmente a mudança aconteça (Professor N, GTR, 2014).
Professor M:
Ao ler sobre as práticas didático-pedagógicas, pude perceber o quanto é relevante o gênero textual "Memória", pois vivenciar novamente aquilo que ficou no passado de forma tão intensa e marcante, é mesmo um enigma. As práticas pedagógicas propostas são tão significativas, relevantes e,ao mesmo tempo, tão simples e compreensivas. Você escrever sobre algo marcante em sua vida, é uma espécie de diário, e o diário é pura memória; são as lembranças numa sequência cronológica e psicológica do tempo..Há
várias maneiras de trabalhar com a memória, mas a escrita é uma das mais fascinantes, já que é o registro do resgate de uma época, uma situação, um momento importante, um sorriso espontâneo, um resquício do ontem para ser lembrado hoje, e no futuro, que chega tão rápido, e que em breve será memória. Gostei muito de todas as propostas, acredito que o trabalho com memória é rico e inesgotável, podendo ser inventado e reinventado em todo momento (Professor M, GTR, 2014)
Professor S destaca sobre a troca de experiência:
Boa noite, professora Lourdes e demais colegas de grupo. Confesso que vou sentir falta desta troca de experiências, pois quando escolhi este tema não imaginava que seria tão bom como está sendo. Leio todas as postagens dos colegas e elas enriqueceram demais na minha rotina diária (Professor, S, GTR, 2014).
Professor V:
Vejo que as atividades propostas podem ser trabalhadas em qualquer série, pois, o trabalho com gêneros textuais oferecem diversas oportunidades de explorar textos, vídeos e imagens como unidades de ensino da leitura e da escrita, além de possibilitar conhecer e compreender historicamente as mudanças e as transformações que ocorrem na sociedade. Acredito que este tema possibilita ao professor conhecer mais afundo seu aluno e assim compreender e poder intervir em algumas situações, podendo com isso enriquecer sua pratica em sala de aula. Eu usaria todos os recursos citados e acrescentaria uma exposição com objetos ou ate mesmo fotos que tivessem algum significado para o aluno, como eu já citei no primeiro fórum quando fizemos a Feira Cultural com o resgate da história da nossa escola; gosto muito da ideia da pesquisa de envolver a família no processo ensino aprendizagem (Professor, V, GTR, 2014).
Pudemos perceber que o professor V, destacou a possibilidade de se
trabalhar essa Produção Didático-Pedagógica em outras séries, claro que adaptando
as atividades de acordo com a turma.
5. Considerações Finais
Seria muita pretensão pensar que somente por meio do Gênero Memória
poderíamos tornar o aluno um leitor e produtor de texto competente, diante da
grande diversidade de gêneros textuais existentes. Esperamos que este Projeto sirva
como mais um dos caminhos para o professor de Língua Portuguesa poder atingir
seus objetivos no ensino aprendizagem e repensar na produção de outros projetos
com outros gêneros.
Percebemos o quanto é importante valorizar a história de cada aluno e
envolvê-los nas atividades escolares para que desenvolvam as suas habilidades. Foi
impressionante como ficaram felizes ao constatar que um pedacinho das suas
experiências tinha contribuído para a realização de um livro da turma. No que diz
respeito ao desenvolvimento das habilidades da Língua Portuguesa, essas
produções confirmam o êxito do trabalho realizado.
O envolvimento dos professores no Grupo de Trabalho em rede também foi
bastante gratificante, por meio dos seus comentários, percebe-se que a Produção
Didática Pedagógica pode ser utilizada em outros momentos com outros professores
e alunos, basta adaptar as atividades de acordo com o público alvo. Isto nos leva a
pensar na importante dimensão em se desenvolver projetos como esse para
melhorar o nível da educação no nosso país.
Espera-se que outros trabalhos tenham o mesmo sucesso e empenho e que
todos os professores da rede pública tenham a oportunidade de participar do
Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), pois é um privilégio único e que
contribui para o desenvolvimento dos alunos, mas muito mais dos professores e das
escolas envolvidas no processo educacional, uma vez que podemos contar com esta
ferramenta que é a Internet onde nossos trabalhos podem ser postados e acessados
por todos os interessados em ampliar seus conhecimentos.
6. Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de Português: Encontro e Interação. 8ªed. São Paulo. Editora Parábola, 2003. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Brasília: MEC/SEF, (1998) FONTANA, Niura Maria. Práticas de linguagem: gêneros discursivos e interação / Niura Maria Fontana, Neires Maria Soldatelli Paviani, Isabel Maria Paese Pressato. – Caxias do Sul, RS: Educs, 2009. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. Editora Cortez, 2000. São Paulo. GERALDI, J. W. (org.) O Texto em Sala de Aula. 3ªed. São Paulo, Editora Ática. 2000. GUIMARÃES, Huady Torres; BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Língua e Literatura. Machado de Assis na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
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