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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · 2016-06-10 · conteúdos do livro de gramática da língua portuguesa de Cunha e Cintra ... Ensino de Gramática; Avaliação;

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

Ficha para identificação da Produção Didático-pedagógica – Turma 2013

Título:A PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENEM: ANÁLISE CRÍTICA

Autor: Solange Marilene Melchior

Disciplina/Área: Gestão Escolar

Escola de Implementação doProjetoe sua localização:

Colégio Estadual Dom Manoel Konner

Município da escola: Foz do Iguaçu

Núcleo Regional de Educação: Foz do Iguaçu

Professor Orientador: Tamara Cardoso André

Instituição de Ensino Superior: UNIOESTE-Campus de Foz do Iguaçu

Resumo: Analisa os conteúdos de Língua Portuguesapresentes na prova de, Linguagens, Códigos esuas Tecnologias, do Exame Nacional do EnsinoMédio (ENEM), visando verificar se são cobradosconteúdos de ortografia e gramática. Com base napedagogia histórico-crítica, parte do pressupostode que o ensino da Gramática é importante, portratar-se de conhecimento historicamenteproduzido pela humanidade, sendo instrumento deluta para a classe trabalhadora e, principalmente,requisito para a própria compreensão de textos.Verifica as Matrizes de Referência e a Prova doENEM do ano de 2013, estabelecendocomparação destes documentos de avaliação emlarga escala com os conteúdos do livro degramática da língua portuguesa de Cunha e Cintra(2013), visando investigar se a prova do ENEMcobra conteúdos de gramática. Conclui que aprova do ENEM não cobra conteúdos degramática e aponta para o risco deempobrecimento curricular.

Palavras-chave: Ensino de Gramática; Avaliação; Currículo.

Formato do Material Didático: Artigo

Público: Professores do ensino médio.

A PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENEM: ANÁLISE CRÍTICA

Solange Marilene Melchior1

Tamara Cardoso André2

Resumo: analisa os conteúdos de Língua Portuguesa presentes na prova de, Linguagens, Códigos esuas Tecnologias, do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), visando verificar se são cobradosconteúdos de ortografia e gramática. Com base na pedagogia histórico-crítica, parte do pressupostode que o ensino da Gramática é importante, por tratar-se de conhecimento historicamente produzidopela humanidade, sendo instrumento de luta para a classe trabalhadora e, principalmente, requisitopara a própria compreensão de textos. Verifica as Matrizes de Referência e a Prova do ENEM do anode 2013, estabelecendo comparação destes documentos de avaliação em larga escala com osconteúdos do livro de gramática da língua portuguesa de Cunha e Cintra (2013), visando investigar sea prova do ENEM cobra conteúdos de gramática. Conclui que a prova do ENEM não cobra conteúdosde gramática e aponta para o risco de empobrecimento curricular.

Palavras-chave: Ensino de Gramática; Avaliação; Currículo.

1 Introdução

No presente artigo, pretende-se fazer análise crítica da Prova de Língua

Portuguesa do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), visando verificar se este

cobra conteúdos de gramática da língua portuguesa. Para isso, é realizada

comparação entre os conteúdos de língua portuguesa da Prova aplicada no ano de

2013 de Linguagens,Códigos e suas Tecnologias e o livro de gramática de Cunha e

Cintra (2013), que traz as normas da língua portuguesa.

A primeira parte do artigo discute o que é gramática e qual a sua importância

de acordo com vários autores e com a Pedagogia Histórico-crítica, referencial

adotado como pressuposto.

Na segunda parte situa o que é ENEM. Por fim, faz análise crítica dos

conteúdos do ENEM visando verificar se a gramática é cobrada neste exame. A

Pedagogia Histórico-Crítica é adotada como referencial teórico devido seu caráter

emancipatório, por tratar-se de um resgate à importância dos conhecimentos

historicamente produzidos pela humanidade, os quais são instrumentos de luta para

as classes trabalhadoras.

A pedagogia histórico-crítica é socialista e parte do pressuposto de que as

classes trabalhadoras necessitam ter acesso aos mesmos conhecimentos das

1 Professora de Língua Portuguesa do Estado do Paraná, Núcleo Regional de Foz do Iguaçu. 2 Professora da Unioeste, campus de Foz do Iguaçu, Doutora em Educação pela UFPR.

classes mais abastadas, por estes serem instrumento de luta para a transformação

social.

A Pedagogia Histórico-Crítica é tributária da concepção dialética,

especificamente na versão do materialismo histórico, com fortes afinidades, no que

se refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural

fundamentada pela escola de Vigotski. A educação é, nesta perspectiva, entendida

como o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada individuo singular, a

humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.

Freitas (2008) aponta que Saviani recupera a importância do domínio do

conhecimento historicamente acumulado, o qual foi relegado a segundo plano pela

pedagogia da Escola Nova. O esvaziamento dos conteúdos e a exagerada

valorização dos métodos de ensino, na perspectiva de Saviani, foi um golpe fatal

para a democratização do conhecimento.

Assim, a educação de qualidade, concebida a partir da Pedagogia Hitórico-

Crítica, deve ser compreendida como a luta coletiva contra as políticas públicas que

não atendem aos interesses da classe trabalhadora, evitando o esvaziamento da

educação, que hoje se apresenta como um dos maiores problemas no âmbito

educacional.

Saviani (2007) nos diz que a pedagogia histórico-crítica é histórica porque a

educação interfere sobre a sociedade, contribuindo para sua transformação e é

crítica, porque parte da consciência sobre a determinação exercida pela sociedade

na educação.

Partindo do pressuposto de que a educação emancipatória revolucionária é

aquela que possibilita a todos o acesso aos conhecimentos historicamente

produzidos pela humanidade, e que a gramática é um importante instrumento para a

compreensão do mundo, as interações humanas e a luta pela superação da

sociedade capitalista, defende-se, aqui, o ensino da gramática na escola.

2 O que é gramática?

Nossa sociedade é gráfica, isto é, baseada na escrita. Sendo assim, saber ler

e escrever é condição primordial para a vida.

Antunes (2003) lembra que toda língua possui, para além da gramática, um

léxico variado, que também precisa ser amplamente conhecido, o que significa dizer

que a gramática sozinha nunca foi suficiente para alguém conseguir ampliar e

aperfeiçoar seu desempenho comunicativo. A autora também conclui que saber falar

e escrever uma língua supõe aprender a gramática dessa língua. A escrita é um

processo de domínio dos meios de desenvolvimento da cultura e do pensamento. A

autora apresenta os seguintes conceitos para gramática.

1) conjunto de regras que definem o funcionamento da língua;2) conjunto de normas que regulam o uso da norma culta;3) estudos dos fatos da linguagem, sob uma determinada perspectiva;4) uma disciplina de estudo;5) um livro chamado “gramática”.

No conjunto de regras que definem o funcionamento de uma língua não se

deve considerar apenas o modo de falar e de escrever, mas também toda a

gramática que o aluno adquiriu antes de ingressar na escola, através do contato com

pessoas da família ou comunidade. Assim, cabe à escola a tarefa de ampliar as

capacidades lingüísticas dos indivíduos.

Segundo Antunes (2007) também a gramática é um conjunto de normas que

regulam o uso da norma culta. Existem razões históricas e sociais que determinam o

falar social mais aceito, o qual se relaciona com o poder econômico e político da

comunidade que adota esse uso.

Travaglia (2003) faz uma distinção entre gramática prescritiva e descritiva, as

genericamente chamadas de normativas. Para o autor, um estudo de língua que

inclua a gramática descritiva deve tomar as categorias gramaticais não como um fim

em si, mas como um meio,como suporte básico para reflexões metalingüísticas de

maior alcance.

Travaglia concebe ainda que a educação lingüística é necessária para as

pessoas viverem bem em uma sociedade. A cultura se veicula por uma língua, que

se configura por meio do trabalho sócio-histórico-ideológico, o qual estabelece

recursos da língua, regularidades a serem usadas para comunicar e significados e

intenções comunicativas.

Geraldi (2005) esclarece as diferentes concepções de linguagem, destacando

a gramática tradicional, o estruturalismo e o interacionismo. Segundo o autor, na

gramática tradicional a linguagem é concebida como uma expressão de

pensamento, ou seja esta concepção considera que quem não domina a norma

culta, ou quem não se expressa com freqüência, pode ser considerado menos

inteligente que os que fazem uso da mesma com segurança.

No estruturalismo a língua é entendida como um código, ou seja, conjunto de

signos que, ao se combinarem segundo regras, se tornam instrumentos de

comunicação.

No interacionismo, segundo o autor, a linguagem é considerada uma forma de

interação. Esta corrente corresponde aos estudos lingüísticos chamada Lingüística

da Enunciação, que se ocupa das situações reais de uso da escrita.

Na Pedagogia histórico-crítica, o fundamento principal de todas as

concepções de ensino e aprendizagem é a psicologia histórico-cultural de Vigotski,

autor russo que viveu entre 1896 e 1934 e buscou fundamentar a psicologia no

materialismo histórico-dialético.

Para Vygotsky (1999), a aprendizagem da língua é importante para o

desenvolvimento da consciência. Cada matéria influi a aprendizagem de outra e

torna melhor a compreensão do mundo, bem como auxilia no desenvolvimento da

consciência. Ou seja, a aprendizagem dos conteúdos é algo importante para a

melhora da própria cognição humana.

De acordo com Possenti (2012), qualquer que seja a posição do professor em

relação ao ensino de gramática, contra ou a favor, dois aspectos deveriam ser

considerados a sério:

1) Ensinar gramática não é a mesma coisa que ensinar uma língua –

ler e escrever bem são tipos de saberes que não exigem capacidade

de análise explícita no domínio gramatical, e saber gramática não

confere a ninguém a capacidade de ler e de escrever bem.2) Se a escola decidir ensinar uma gramática, por que teria que ensinar

uma ruim, cheia de contradições e de lacunas?

Para o autor, é óbvio que os erros ortográficos devem ser corrigidos, afinal, a

ortografia é definida em lei. Mas há duas questões importantes a serem

consideradas, antes de falar em correção:

1) Os erros devem ser entendidos, isto é, o “corretor” deve ser capaz de

descobrir as razões pelas quais alguém escreve “táquissi” por “táxi”,

“rumoaléquissa” por “rumo ao hexa”, “tapué” por “tapeware”.2) Corrigir não pode ser sinônimo de humilhar; deve ser uma ocasião para

estudar, para compreender o estágio do aluno e da própria língua.

Muitos lingüistas empenharam-se nos últimos tempos em demonstrar que a

gramática pode ser deixada em segundo plano no ensino e defenderam que o

importante é o ensino da diversidade de gêneros linguísticos, bem como os usos

sociais e interativos da leitura e da escrita. Nessa esteira, Franchi (2006, p.11),

afirma que:

O objetivo fundamental da escola é o de levar a criança a produzir textos ecompreendê-los de um modo criativo e crítico.Assim,são mais importantes,na escola,as noções relativas ao texto e ao discurso e a análise textual enão as noções gramaticais as análises sintáticas. A gramática não tem nadaa ver nem com textos, nem com discursos, e muito menos com osprocessos de produção e compreensão do texto.

Estaria o ENEM na esteira das correntes que defendem o ensino da

gramática ou não? Esta é a discussão do próximo tópico deste artigo.

3 A prova de língua Portuguesa do ENEM

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é uma prova realizada pelo

Ministério da Educação (MEC) e utilizada como acesso ao ensino superior em

inúmeras universidades públicas através do Sistema de Seleção Unificada (SISU).

O ENEM é uma avaliação em larga escala. Freitas (2007) marca 1990 como o

ano da introdução da avaliação em larga escala no Brasil, sendo uma política ligada

ao movimento reformista e vista como estratégia para reorganização profunda dos

princípios e parâmetros de estruturação das políticas sociais de modernização do

país. A avaliação externa, aplicada em larga escala e transformada em números e

gráficos, traz para a comunidade escolar os resultados que, acessados, podem ser

visualizados a qualquer instante. A partir disso, os testes padronizados vêm

alcançando destaque nos debates relacionados à educação em todo o Brasil.

Freitas (2011) realiza uma crítica ás avaliações em larga escala, por ser uma

política que permite a publicação dos dados de cada escola, de modo a

responsabilizar os professores pelos resultados nos testes e não o Estado.

Ravitch (2010), ao fazer uma crítica ao sistema avaliativo em larga escala nos

Estados Unidos, aponta que, neste país, os testes passaram a orientar o currículo.

Deste modo, a autora questiona: se os professores passarem a trabalhar a partir das

questões das provas, e se as provas forem fracas, o que poderá questionar este

sistema? Ou seja, se as provas cobram conteúdos mínimos, acabam por gerar um

empobrecimento do currículo. Segundo a autora, Informar resultados de testes ao

público, não demonstra de forma alguma a melhoria no ensino, pelo contrário,

envergonha a todos, pois ridiculariza os fragilizados do sistema, quando supõe que

padronização de habilidades básicas são sinônimos de boa educação.

O ENEM é um instrumento classificatório para as escolas. Para os alunos, a

nota do ENEM pode ser usada para o ingresso na faculdade, nas universidades que

aderem ao sistema de seleção via ENEM, ao invés de vestibular. Há outras

universidades, ainda, que utilizam, para o ingresso dos alunos, parte da nota do

ENEM e parte da nota do vestibular.

Trata-se mais de uma verificação do que uma avaliação propriamente dita,

pois, enquanto a avaliação visa melhorar o processo, ou seja, usar os dados para

produzir melhoras no ensino dos alunos avaliados, a verificação atem-se apenas aos

resultados. Os alunos que fazem o ENEM não retornam para a escola, de modo que

a avaliação verifica apenas o produto final da escolarização, não servindo para

melhorar a educação do próprio aluno avaliado.

A prova é o maior exame do país e o segundo maior do mundo. Conta hoje

com mais de 7 milhões de inscritos, segundo o site do Instituto Nacional de Estudos

e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)3. Também é possível obter bolsa

de estudos nas universidades privadas por meio do Programa Universidade para

Todos (ProUni). Além disso, desde 2009 o exame serve também para certificação de

conclusão de ensino médio em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O exame é realizado durante dois dias, uma vez por ano. Contém 180

questões, todas objetivas, envolvendo quatro grandes áreas do conhecimento e uma

redação argumentativa. O custo da inscrição é de 35,00 reais, sendo isento para

alunos de escola pública.

O “maior” vestibular do país, como vem sendo apelidado, usa como sistema

de correção a Teoria da Resposta ao Item (TRI) que, segundo o Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) autarquia do Ministério

da Educação (MEC), responsável pelas avaliações em larga escala, permite a

comparação dos desempenhos dos candidatos, independente do ano que o

candidato fez a prova.

A TRI é um modelo estatístico usado na avaliação de habilidades e

conhecimentos, que estima a probabilidade de o candidato acertar uma questão, ou

3 Disponível em: portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem. Acesso em 12 de novembro de 2013.

seja, se ele acertar poucas respostas “fáceis” ele terá menos chances de acertar as

mais difíceis.

O ENEM centra-se na avaliação de desempenho por competências. Ou seja,

os requisitos que são cobrados na Prova, os quais são discriminados nas Matrizes

de Referência do ENEM, não são conteúdos, mas sim competências. Além disso, a

prova não é chamada de prova de Língua Portuguesa, mas sim de “Linguagens,

Códigos e Suas Tecnologias”, o qual agrupa as competências em língua estrangeira,

linguagem corporal, linguagem artística e emprego de tecnologias da informação e

comunicação, juntamente com língua portuguesa. Cada competência é

desmembrada em habilidades a serem cobradas na prova. Por exemplo, para a

competência da Área 1, que é a aplicação de tecnologias na vida cotidiana, são

discriminadas 4 habilidades, dentre as quais: identificar diferentes linguagens,

relacionar informações, aplicar as diferentes linguagens para resolução de

problemas. São discriminadas 9 competências nas Matrizes de Referência, sendo

que a ênfase, no que se refere à língua portuguesa, recai sobre o tratamento de

informação de diferentes gêneros textuais.

O próximo tópico analisa a Prova do ENEM de linguagem,códigos e suas

tecnologias do ano de 2013, enfocando nos conteúdos de língua portuguesa,

estabelecendo uma comparação entre os conteúdos cobrados no ENEM e os

conteúdos da gramática da língua portuguesa, intitulada Nova Gramática do

português contemporâneo de acordo com a nova ortografia.

4 Análise da Prova do ENEM de língua portuguesa

Já vimos que a o ensino de gramática não é consensual, ou seja, há autores

que defendem ser mais importante a escola trabalhar a interação social e a

linguagem do que as normas da língua portuguesa. No entanto, a gramática se

refere às normas e regras que normatizam, que estabelecem regras sobre o bem

falar e o bem escrever.

Para fazer a comparação entre a prova do ENEM e a gramática, foi

consultada a gramática de língua portuguesa de Cunha e Cintra (2013), intitulada

Nova Gramática do português contemporâneo de acordo com a nova ortografia.

Bagno (1999) faz uma distinção entre língua culta e norma padrão. A língua

culta é aquela utilizada pelas pessoas consideradas cultas. A norma padrão alude às

regras do sistema da língua portuguesa, que são descritas nas gramáticas.

A prova de língua portuguesa do ENEM traz muitas questões que visam a

interpretação de textos. Trabalha na perspectiva de Bakhtin acerca dos gêneros

linguísticos. Para Bakhtin (1992) gêneros são as formas de comunicação sócio-

ideológicas que apresentam estruturas mais ou menos estáveis em cada contexto

ou período histórico. Por exemplo, falamos de um modo mais formal quando

estamos em um enterro, e mais informal, quando estamos em uma festa de amigos

íntimos. Alguns gêneros são mais estáveis, como, por exemplo, as instruções

militares. Os gêneros aludem tanto a textos escritos como às formas de

comunicação verbal. Nos conteúdos da prova do ENEM valoriza-se a caracterização

específica, as formas mais estáveis, de diferentes textos, como, por exemplo:

notícia, história em quadrinhos, reportagem.

Acerca dos gêneros, Marcuschi (2000) considera que as diferenças entre fala

e escrita devem ser entendidas no quadro das práticas comunicativas e dos gêneros

textuais. Há casos, como, por exemplo, os textos na área jurídica, em que há uma

grande distância entre fala e escrita, mas, em outros, a distância entre oralidade e

escrita é menor. A fala apresenta características que diferenciam identidades, o que

não ocorre com a escrita. Ou seja, a oralidade apresenta marcas de regionalismos.

Superar a dicotomia entre fala e escrita significa observar suas diferenças na

perspectiva do uso, e não do sistema. Desse modo, faz-se importante verificar se o

aluno consegue transitar da fala para a escrita preservando as diferenças de

gêneros. Há gêneros textuais mais contextualizados, ou seja, mais fáceis de

compreender de acordo com o contexto, por exemplo, a história em quadrinhos.

Outros gêneros, mais distantes da fala cotidiana, não são facilmente compreendidos

pelo contexto, por exemplo, os textos científicos, que exigem do leitor uma série de

conhecimentos prévios.

Nesta pesquisa, parte-se da hipótese de que o conhecimento de gramática é

importante para a compreensão de gêneros mais distantes da fala, ou seja, mais

descontextualizados. Foi, aqui, considerado como conteúdo de gramática, os

observados na gramática da norma culta sistematizada por Cunha e Cintra

Comparando os conteúdos da Nova Gramática do português contemporâneo

de acordo com a nova ortografia com a prova do ENEM, foi possível chegar a

algumas conclusões.

1) Dentre as questões da prova do ENEM são todas, as 180, relativas a

interpretação de textos. Não há nenhuma questão que envolva exercício

gramatical, como, por exemplo, a identificação de tipos de sujeitos. 2) As únicas questões que envolvem conteúdos de gramática presentes na

prova podem ser resolvidas pelo aluno com pistas no contexto da questão,

sem que haja o domínio do conteúdo gramatical cobrado, como nos

exemplos das questões abaixo:

Na questão 119 a conjunção “mas”, cria no leitor a expectativa do que pode

acontecer no final, dessa forma, colabora para o humor do texto. Respondendo

assim, o que foi perguntado no enunciado da questão.

Na charge ainda é possível observar que, o sentido da palavra “mãe” contribui

para o efeito de sentido esperado.

A questão 109, solicita a análise de um fragmento com uma construção

lingüística diferente dos padrões normalmente empregados na escrita, o uso de

“dois pontos”, por extenso, em vez do sinal de pontuação ( : ).

Os dois pontos escritos por extenso poderia ser caracterizado, neste caso,

como metalinguagem, (uso da linguagem voltada para si mesma). No entanto, a

resposta aponta para a explicação em detalhes do que é a “violência não física”,

usada como recurso estilístico.

Na questão 121 é solicitado a identificação do recurso coesivo “elipse do

sujeito”, na última frase do texto “Supõe-se que fizesse referência ao modo violento

como o vírus se apossa do organismo infectado”, fica claro o uso da elipse.

As demais questões apresentadas abaixo, servem para “ilustrar” o que mais é

cobrado na mesma prova.

A própria questão aponta para a resposta, a linguagem coloquial, comum do

dia a dia “pra”,”pro”,”levanta aí”.

Para responder a questão 100 é necessário apenas conhecer o significado da

palavra “TOMBAMENTO”, termo utilizado para caracterizar um determinado imóvel

que ficará sob a proteção, conservação e guarda do Estado. Um patrimônio histórico

da cidade.

5 Considerações finais

Nas três primeiras questões escolhidas, em que estão presentes conteúdos

gramaticais, percebe-se a facilidade de se identificar as respostas no próprio

enunciado, demonstrando a minimização dos conteúdos cobrados na prova .

O ENEM não cobra Sintaxe, Morfologia e Fonética. A maioria dos conteúdos

são :

1) Figuras de linguagem;2) Identificação de características de gêneros textuais; 3) Variação linguística;

4) Funções da linguagem.

Grande parte da prova, que é toda de interpretação textual, pode ser

respondida facilmente se o candidato analisar com atenção o próprio enunciado. Em

outros casos, a resolução da questão parte de informações que o aluno adquire na

mídia diariamente ou, até mesmo, em situações práticas do seu dia a dia. Não há

dificuldade, assim, de identificar a qual disciplina pertence a questão cobrada.

Apenas com uma leitura atenta e associações é possível responder a questão,

demonstrando que não há a necessidade de grandes conhecimentos para realizar a

prova.

Entre os lingüistas mais destacados, as posições quanto ao ensino de língua

na escola variam de um extremo a outro. Alguns propõem pura e simplesmente o fim

do ensino de gramática, e sua substituição por estudos de linguagem ,embora nunca

tenha ficado clara a diferença entre esses dois objetos de ensino nem como seria

um programa escolar de estudos de linguagem sem gramática.

No entanto, parece claro a necessidade da gramática quando nos deparamos

com textos mais elaborados e precisamos entender a ordem das coisas, ou seja,

com textos mais descontextualizados, mais distantes do falar cotidianos, como os

textos literários e científicos.

O trecho abaixo reproduz um excerto do conto de Clarice Lispector (1998,

p19).

(....) No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme dascoisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera acair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se otivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro,os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida (....).

A autora faz uso recorrente, no conto, do tempo verbal pretérito mais-que-

perfeito. Emprega-se o pretérito mais-que-perfeito para assinalar um fato passado

em relação a outro também no passado (o passado do passado, algo que aconteceu

antes de outro fato também passado). O pretérito mais-que-perfeito aparece nas

formas simples e composta, sendo que a primeira costuma aparecer em discursos

mais formais e a segunda, na fala coloquial.

É possível concluir assim que,quando se trata de um texto mais formal, ou

melhor elaborado, temos a necessidade de saber a gramática para entendê-lo. Isso

explica o fato da preferência da sociedade atual pela leitura considerada “mais

fácil”,que despreza ou ignora as regras gramaticais. Duarte (2004, p. 68) crítica a

desvalorização do conhecimento clássico:

(...) está sendo desenvolvida uma mentalidade altamente pragmáticacentrada apenas no hoje no aqui e no agora,criando-se uma aversão ao“clássico”,no saber socialmente produzido, uma aversão ao estudo doclássico,uma valorização do banal,valorização do fácil, do que não exigequestionamento, raciocínio(...)

Diante do exposto, podemos concluir que a exclusão da gramática da prova

de língua portuguesa do ENEM, e a cobrança apenas de interpretação textual,

esvazia o papel da escola de acordo com a pedagogia histórico-crítica. A escola

pode atingir bons resultados sem que a gramática seja cobrada e,

consequentemente, correr o risco de simplesmente “preparar” o aluno para a prova

sem se preocupar com os conteúdos historicamente produzidos pela humanidade. O

resultado será a formação de leitores que não compreendem textos mais complexos.

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