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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · comunidade de Santa Clara e Santa Ana, bem como a reserva indígena de 1 Professora da rede estadual Especialista em História

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

CAPANEMA ANTES DA COLONIZAÇÃO: VESTÍGIOS DA OCUPAÇÃOTERRITORIAL INDÍGENA NA REGIÃO

Salete Reckziegel Manchini1

André Paulo Castanha2

Resumo: Este artigo resultou dos estudos e participação no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, nos anos de 2013-2014, vinculado a SEED em parceria com a SETI e as Instituições de Ensino superior do Paraná. O foco do estudo é a história indígena local antes da colonização, procurando identificar os vestígios deixados no município buscando entender suas culturas e costumes, bem como a problemática do direito à terra indígena. Para tanto visitamos o museu de Capanema, a propriedade onde foram encontras os objetos indígenas. Para aproximar os alunos da realidade vivenciada pelos indígenas na atualidade visitamos a reserva indígena de Comandante Andresito situada na Argentina, próximo ao município de Capanema. O texto analisa a intervenção pedagógica e as condições de vida dos indígenas antes da colonização e na atualidade. A experiência promoveu uma grande interação entre alunos e comunidade indígenas. Palavras-chave: Capanema-PR, Povos Indígenas, Sudoeste do Paraná, Reserva Indígena de Andresito - Argentina

Introdução

O presente artigo foi motivado pela participação no Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE turma 2013-2014, Programa de Formação

Continuada dos Professores da Rede Pública do Estado do Paraná, desenvolvido

em convênio entre a SEED e SETI, com a participação das instituições de ensino

superior públicas do Estado (IES).

O projeto teve por objetivo estudar a história indígena local a partir de fontes

históricas encontradas no município de Capanema procurando identificar as razões

da resistência das autoridades e comunidades locais em divulgar e aprofundar os

estudos sobre a história do município antes da colonização

O estudo possibilitou um aprofundamento no conhecimento da história local,

uma vez que, praticamente não existe material científico elaborado sobre a história

em questão. Entrevistas e visitas aos locais onde foram encontrados objetos

indígenas e a visita na reserva indígena de Comandante Andresito, localizada em

território argentino, permitiram coletar novas informações e depoimentos sobre a

história de Capanema e do Sudoeste Paranaense.

A pesquisa teve como foco de estudo os utensílios encontrados na

comunidade de Santa Clara e Santa Ana, bem como a reserva indígena de

1 Professora da rede estadual Especialista em História Social com Ênfase em História e Geografia e

Psicopedagogia Institucional, professora na Escola Estadual Santa Cruz - EF. 2 Professor do Colegiado de Pedagogia e do Programa de Mestrado em Educação da UNIOESTE –

Campus de Francisco Beltrão. Doutor em Educação e orientador no programa PDE.

Comandante Andresito (Argentina), composta por indígenas guaranis, por ser a

reserva mais próxima do município, o qual também foi habitado por indígenas

guaranis.

As Diretrizes Curriculares do Ensino Básico discorrem sobre as temáticas a

serem trabalhadas na Disciplina de História e entre elas encontra-se a história e

cultura indígena. Compreende-se que cada sociedade indígena tem sua tradição,

língua, modo de viver, de produzir seu próprio sustento, formas de administrar sua

economia e propriedade, sua vida social, o modo como se relaciona com os seus na

aldeia, como se organiza e exerce o poder, seus mitos e rituais particulares.

Portanto, a realização do projeto permitiu que os alunos do Ensino Fundamental, 7º

ano da Escola Estadual Santa Cruz, Município de Capanema, conhecessem e

interagissem com a comunidade indígena de Comandante Andresito e dessa forma,

fazendo uma retrospectiva na História Local passassem a ver com respeito e

compreensão esse povo que tanto colaborou para a formação deste país e dessa

região em especial.

Durante o primeiro semestre de 2014, após conhecerem as leis fundiárias, e o

processo de “invasão” no município de Capanema no ano de 2009, por grupos

indígenas que aqui vieram reivindicar uma Terra Indígena (TI), os alunos visitaram

os locais onde foram encontrados alguns objetos indígenas e a reserva de

Andresito, localizada na Argentina. Inicialmente tivemos dificuldade para ingressar

na Argentina, com alunos menores de idade, o que acarretou uma imensa

burocracia a ser superada e transposta, porém foram novos desafios a serem

superados em nome do conhecimento e da educação em um país do MERCOSUL,

o qual nos recebeu com todo o prazer, mas com exigências necessárias para a

garantia dos direitos humanos.

Foram várias viagens até a Alfândega e reserva indígena, para acertar todos

os detalhes, o que só foi possível pelo tempo disponível ofertado pelo afastamento

para estudo no PDE.

Acreditamos que o aluno desenvolve seu conhecimento histórico a partir do

que lhe é significativo e desperta nele interesses. As visitas e entrevistas com a

confecção de vídeos, slides a partir de imagens coletadas por eles mesmos,

intensificou e despertou nos aluno o agente investigativo e pesquisador que é

próprio da disciplina de História.

Para uma melhor compreensão, o texto está organizado em três momentos

distintos. No primeiro apresentamos as bases legais para o estudo dos povos

indígenas no Brasil, no segundo apresentamos alguns aspectos para o estudo da

história local. Por fim apresentamos os resultados da intervenção pedagógica, que

incluiu uma visita a reserva de Andresito na Argentina.

A importância de estudar a história Indígena

As Diretrizes Curriculares Estaduais reforçam a necessidade para uma

preocupação mais acentuada com a história do Paraná iniciada a partir de 2002

quando tornou-se obrigatório o ensino da Historia do Paraná nas escolas. Assim as

Diretrizes da disciplina de História estabelece o seguinte:

Sob uma perspectiva de inclusão social, estas Diretrizes consideram a diversidade cultural e a memória paranaenses, de modo que buscam contemplar demandas em que também se situam os movimentos sociais organizados e destacam os seguintes aspectos: •o cumprimento da Lei n.13.381/01, que torna obrigatório, no Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública Estadual, os conteúdos de História do Paraná; •o cumprimento da Lei n. 10.639/03, que inclui no currículo oficial a obrigatoriedade da História e Cultura Afro-Brasileira, seguidas das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; •o cumprimento da Lei n. 11.645/08, que inclui no currículo oficial a obrigatoriedade do ensino da história e cultura dos povos indígenas do Brasil. (2008, p. 44-45).

As DCEs ainda apontam para a necessidade de construção do conhecimento

histórico, o qual deve ser trabalhado com vestígios e fontes históricas diversas, para

dessa forma, desenvolver uma autonomia intelectual que permita ao educando

realizar comparações e críticas da sociedade, observando as especificidades do uso

de documentos históricos entendendo e superando as meras ilustrações das aulas

de história.

O estudo da história indígena ainda apresenta muitas dúvidas com relação a

presença de povos caçadores e coletores no Sul do Brasil e no Paraná. Há uma

grande falta de materiais sobre a região Sudoeste, em especial sobre Capanema.

Por outro lado temos bastantes produções relacionadas à chegada dos povos

indígenas na América, cujo caminho mais provável, conforme demonstram vários

estudos, foi através do Estreito de Bering, no extremo norte do continente

Americano. A identificação da presença desses povos foi datada através de

vestígios encontrados em diversas regiões do Brasil, como instrumentos

confeccionados a partir de pedras, cerâmicas diversas, ossos entre outros.

Alguns grupos usavam adornos de plumas de aves e dentes de animais,

conforme indica Cabeza de Vaca nos seus relatos de viagens e de pesquisa pelo

interior do Brasil, ocorrida no ano de 1541, quando saiu das ilhas de Santa Catarina

e foi até Assunção no Paraguai, passando pelo Sudoeste e Oeste paranaense.

Dentre os povos indígenas que viviam no Sudoeste paranaense, os guaranis

são os mais conhecidos em termos arqueológicos, históricos, antropológicos e

linguísticos. Estudos demonstram que eles vieram das bacias dos rios Madeira e

Guaporé e, a partir daí habitaram toda a região abrangente entre os Rios Paraguai e

Paraná, até alcançar Buenos Aires. Foram encontrados vestígios dos guaranis no

Pantanal Mato-grossense, no Estado de São Paulo, no Paraná, Santa Catarina, Rio

Grande do Sul, Uruguai e Paraguai, onde permaneceram até a chegada dos

europeus. Conforme definido pelo Caderno Temático da Educação Escolar Indígena:

Os Guaranis ocuparam os vales e as terras adjacentes de quase todos os grandes rios e seus afluentes. Quase nunca estabeleciam suas aldeias e roças em áreas campestres. Todos os sítios arqueológicos localizados estão inseridos em áreas cobertas por florestas, seguindo o padrão de estabelecer as aldeias e as plantações em clareiras dentro da mata. (Cadernos Temáticos, 2006, p.14)

Os guaranis eram exímios exploradores, procuravam povoar novas áreas

mas sem abandonar as antigas de forma que os grupos locais se dividiam, indo

habitar áreas próximas e previamente preparadas para o plantio, assim quando

chegavam, muitas vezes já tinha milho pronto para o consumo. As aldeias eram

grandes, algumas chegavam a ter mais de mil pessoas que viviam em sete ou oito

casas grandes, construídas de madeiras e folhas de palmeira, com capacidade pra

abrigar até 400 pessoas, com trinta ou quarenta metros de comprimento e até oito

metros de altura, contraste bastante intrigante quando comparado com as

comunidades atuais, suas formas de organização e modo de vida.

As Bases da História Local

No ano de 1943, o Governo Brasileiro fundou em uma faixa de 60Km no

sudoeste do Paraná próximo a fronteira com a Argentina, a Colônia Agrícola

Nacional General Osório (CANGO), isso trouxe para a região muitos imigrantes

descendentes de europeus que começaram a trabalhar em conjunto com a CANGO,

em troca, receberam a propriedade das terras, escolas, ruas e toda infraestrutura

para a cidade de Capanema, que se emancipo em 1952 dentro do escopo do projeto

CANGO.

Devido a problemas relacionados a propriedade das terras da região, a

CANGO não recebeu os documentos para confirmar a propriedade das mesmas. Ao

mesmo tempo, a região era altamente explorada por grandes empresas que

compravam as terras ilegalmente, e forçavam os agricultores a pagar pelo seu uso.

Este impasse provocou muitas lutas e assassinatos de agricultores da região,

enquanto o governo apoiava estas empresas.

Em 1957, os colonos passaram a se organizar e formaram uma resistência

armada contra as empresas. Aproximadamente dois mil agricultores invadiram a

prefeitura e conseguiram o apoio da população para a expulsão dessas empresas

da região. Conseguiram também, a formalização da posse das terras para os

agricultores.

O Município de Capanema tem uma história de luta, desde a chegada dos

agricultores, passaram pela Revolta dos Colonos, luta pela abertura do Caminho do

Colono, invasão de grupos indígenas em virtude dos objetos que foram encontrados

no município resolveram reivindicar uma TI (terra indígena). Os guaranis que hoje

habitam a reserva de Comandante Andresito, dizem ter parentes que atualmente

habitam á região de Santa Catarina, o que confirma a passagem de seus ancestrais

por essa região, e que aos poucos foram sendo direcionadas as reservas mais

próximas dentro de cada país de permanência.

A reserva guarani de Comandante Andresito, em pleno século XXI, ainda

preserva várias características da cultura e forma de vida dos povos do passado.

Também buscam resgatar o que havia perdido de sua história, cultura e tradições,

tornando-se assim o local ideal para que os alunos possam conhecer a história dos

povos indígenas.

A reserva de Andresito é composta por 145 hectares de terra e conta

atualmente com 145 famílias que vivem e compartilham o espaço, o que

compreende um hectare de terra por família, mas conforme informações do cacique

seguidamente recebem outras famílias oriundas de outras reservas que passam a

morar na reserva diminuindo a área pertencente a cada família, diferente da forma

coletiva de seus antepassados, as produções são independentes e o cultivado é

apenas para o consumo de suas famílias, praticando uma agricultura de

subsistência.

Figura 1 – Reserva atual de Comandante Andresito.

Fonte – Acervo pessoal

Figura 2 – armadilhas utilizadas pelos indígenas para capturar animais e trilha ecológica.( Reserva de Andresito-Argentina)

Fonte- acervo pessoal

A Intervenção Pedagógica

A forma trabalhada na intervenção permitiu estabelecer relações entre alunos

e a comunidade guarani de Andresito, bem como comparar as formas de ensino,

economia, modo de vida, valores e cuidados com a natureza e acima de tudo

possibilitou uma visão diferenciada do direito à terra, conforme prevista em lei,

levando a compreensão dos motivos de invasão em abril de 2006, no município de

Capanema, e que gerou um processo contra a FUNAI.

O episódio foi descrito nos autos do processo movido pelo Ministério Publico

Federal, Procuradoria da República, do Município de Francisco Beltrão-PR, da

seguinte forma:

Conforme se demonstrará a seguir, a situação conflituosa hoje instaurada tem por origem o recente conflito indígena ocorrido na Reserva de Mangueirinha, o qual resultou na expulsão de mais de 20 famílias do local. A motivação alegada para e escolha do Município que sediaria a invasão teve por arrimo uma reivindicação da coletividade indígena, no sentido de que fosse reconhecida uma Terra Indígena tradicional na cidade de Capanema, em razão de indícios históricos que denotavam a remota ocupação autóctone na região. A presente ação tem por objeto a condenação da FUNAI a promover a solução da situação conflituosa instaurada no Município de Capanema-PR, no qual os indígenas expulsos da Reserva de Mangueirinha firmaram acampamento em um prédio municipal localizado na comunidade rural de Santa Clara, com o objetivo de reivindicar o reconhecimento de uma terra indígena tradicional supostamente existente no indigitado município. O mencionado conflito teve por resultado a transferência compulsória de mais de 20 famílias do local, as quais foram seguidas por outras famílias solidárias aos membros expulsos, que também estavam descontentes com a administração do Cacique da reserva de Mangueirinha. As famílias expulsas seriam acompanhadas pela FUNAI para se alojarem em outras reservas indígenas. Contudo, muitas famílias se recusaram a se dirigir para outras reservas, vindo a se estabelecer no Município de Capanema, sob a justificativa de que alguns antepassados dos índios já haviam se abrigado na região. (p.03)

No ano de 2009, na comunidade de Santa Ana, localizada as margens do Rio

Iguaçu seis quilômetros rio acima da comunidade de Santa Clara, quando um

agricultor preparava o solo para o plantio encontrou alguns potes de barro

enterrados, os quais estavam dispostos em grupo, com tampa e um deles continha

alguns ossos humanos. Tais materiais foram deixados na barranca do rio e

ignorados pelo proprietário da terra. Fui informada do caso e visitei o local, após isso

comuniquei o Núcleo Regional de Educação, setor de História sobre a existência dos

referidos objetos. A pessoa responsável por esse setor no Núcleo entrou em contato

com Curitiba e uma equipe veio conhecer o material. Em comum acordo entre mim,

o Prefeito e o Instituto Indígena esse material foi enviado ao museu de Capanema,

localizado junto ao Magarancho e permanece lá até hoje.

Figura 3- fotos tiradas no museu Magarancho - Capanema/2014.

Fonte- acervo pessoal

Se observarmos com cuidado as imagens acima, percebemos que o material

interno (ossos) estão se deteriorando devido a umidade e cuidados inadequados.

Assim sendo, os alunos do 7º ano, durante a intervenção pedagógica, juntamente

comigo, elaboraram uma carta sugerindo a criação de um museu municipal que

pudesse dispor de local e cuidados adequados, a mesma foi enviada para a Câmara

de vereadores de Capanema, endereçada à presidenta e a prefeitura municipal,

endereçada à prefeita Lindamir Denardin. Não obtivemos resposta de nenhuma das

duas entidades. Eis um Trecho da carta enviada.

(...) sabendo do seu comprometimento com a educação, vem mui respeitosamente solicitar, se possível, incluir nas pautas de

discussões, a criação de um Museu Municipal, com condições adequadas para a preservação de fontes históricas, haja visto, que principalmente os objetos indígenas expostos no Museu Magrancho, estão se deteriorando devido a umidade e falta de cuidados adequados...

Os matérias que se encontram no museu Magarancho, foram encontrados na

comunidade de Santa Ana em 2009. Com receio de novas invasões, a exemplo do

que aconteceu com as descobertas de Santa Clara, essas descobertas não foram

divulgadas. Na época não houve maiores interesses por parte das comunidades,

pois o objetivo era manter a tranquilidade no município. Tal decisão gerou uma perda

histórica considerável em relação aos povos indígenas e a história do Sudoeste.

Conforme prevê a Constituição Federal, no seu artigo 231, § 1º:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as áreas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (BRASIL. Constituição Federal, 1989, p.108).

Os estudos dessas leis possibilitaram aos alunos uma análise seguida de

debate sobre os motivos e direitos dos indígenas em reivindicarem uma área de

Terra na região fazendo um paralelo com o direito dos agricultores e suas famílias

que habitam região há muitos anos.

No livro Naufrágios & Comentários, Cabeza de Vaca (1999) relata em vários

momentos a antropofagia dos povos indígenas, principalmente dos guaranis, mas

também expõe que eram povos dóceis e que muito contribuíram para a exploração

das terras da América. O autor descreve suas andanças pelo Sudoeste paranaense,

saindo da ilha de Santa Catarina até o Paraguai em 24 de junho de 1541, sempre

contando com os guaranis como guias. Conforme indica o texto.

Esses índios pertencem à tribo dos guaranis; são lavradores que semeiam o milho e a mandioca duas vezes por ano, criam galinhas e patos da mesma maneira que nós na Espanha, possuem muitos papagaios, ocupam uma grande extensão de terra e falam uma só língua. Mas também comem carne humana e tanto pode ser dos índios seus inimigos, dos cristãos ou de seus próprios companheiros de tribo. É gente muito amiga, mas também muito guerreira e vingativa. (VACA, 1999, p.157-158)

A história brasileira tem revelado muitos novos olhares a respeito da

sociedade ameríndia a qual nós precisamos analisar e estudar mais profundamente

para aí sim chegarmos a uma história mais real e justa.

A União vem cumprindo com sua parte ao garantir na lei os direitos e

benefícios aos indígenas, o Estado tem tornado obrigatório o estudo desses povos e

suas culturas como podemos observar a seguir.

Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos: I - estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação; II - prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional; III - respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição; IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência; V - garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso; VI - respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes; VII - executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas; VIII - utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento; IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes; X - garantir aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em

face da legislação lhes couberem. (BRASIL. Lei nº 6.001, de 1973).

O Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996 regulamentou o art. 231 da

Constituição, estabelecendo os critérios administrativos para a demarcação das

Terras Indígenas sob iniciativa e orientação do órgão federal de assistência ao índio,

que designará grupo técnico especializado, composto, preferencialmente, por

servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogos, com a

finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica,

sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários

à delimitação. (BRASIL, Dec. 1775, de 1996). Tais relatórios devem seguir as

seguintes instruções:

CONSIDERANDO que o referido relatório, para propiciar um regular processo demarcatório, deve precisar, com clareza e nitidez, as quatro situações previstas ao parágrafo 1º do art. 231 da Constituição, que consubstanciam, em conjunto e sem exclusão, o conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. a saber: (a) as áreas .por eles habitadas em caráter permanente. (b) as áreas utilizadas para suas atividades produtivas. (c) as áreas .imprescindíveis à preservação dos

recursos ambientais necessários ao seu bem estar., e (d) as áreas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.; (BRASIL. Portaria MJ Nº 14, de 09 de janeiro de 1996).

Durante o estudo dessas leis e discussões no GTR, percebemos que apesar

da lei ser clara deixou muitas dúvidas aos cursistas, quanto ao direito à terra.

Dúvidas sobre áreas habitadas em caráter, o que levou a uma discussão sobre a

região de Capanema que historicamente não é habitada por indígenas há muitas

décadas, pairando a dúvida sobre os direitos indígenas nessa região se corre ou não

o risco de uma demarcação.

Em visita as comunidades de Santa Clara e à reserva de Comandante

Andresito, (ambas no mesmo dia) realizada no dia dois de abril de dois mil e

quatorze, os alunos ficaram eufóricos e encantados com tudo o que viram, desde a

paisagem até a forma como esses guerreiros levam a vida em harmonia com o meio

ambiente.

Figura 4 – visita na comunidade de Santa Clara, margens do rio Iguaçu-

propriedade de Osvaldo Antunes.

Fonte: acervo pessoal.

Nessa ocasião os alunos entrevistaram o senhor Osvaldo Antunes,

proprietário de uma das áreas onde foram encontrados objetos indígenas.

Os alunos queriam saber se os agricultores tinham conhecimento da lei que

trata do direito a terra, a povos remanescentes, ao que o senhor Osvaldo salientou

que não, sendo assim os educandos educadamente expuseram o artigo 231, ao que

o senhor Osvaldo frisou que faz uns quinze anos que foram encontrados alguns

objetos indígenas na propriedade vizinha e mais tarde nas margens do rio Iguaçu na

sua propriedade, objetos esses encontrados enquanto o proprietário arava o solo e

que no interior dos potes haviam corpos em perfeito estado de visualização, mas ao

entrar em contato com o ar, tudo virou pó. Esse material encontrado, segundo ele,

foi levado até a prefeitura e na sequência vieram as autoridades e isolaram o local

até retirar todos os objetos.

Alguns anos após seu Osvaldo encontrou mais alguns objetos em sua

propriedade e concluiu que toda a região costeira do Rio Iguaçu era habitada pelos

índios Guaranis e que hoje, caso ele encontrasse mais objetos com certeza estaria

divulgando porque afinal é a historia de um povo que viveu nessa região e hoje ele

compreende que todos possuem direito a terra, sendo indígena ou não.

Após entrevistar, filmar e fotografar, a equipe retornou para o ônibus. Dando

sequência a nossa visita, nos dirigimos para a fronteira Brasil/Argentina onde após

apresentar toda a documentação e receber a autorização, seguimos até a aduana

argentina, na qual, mais uma vez tivemos que apresentar toda a documentação

exigida por aquele órgão, feita isso demos sequencia a viagem.

Chegando na reserva indígena de Andresito (Argentina), fomos informados

que nem o cacique 1º e nem o cacique 2º se encontravam na aldeia, então as

professoras que nos receberam chamaram o Pajé que nos acompanhou a um

passeio na reserva e nos explicou sobre o funcionamento da mesma.

Figura 5 – passeio na trilha ecológica e explicações do pajé.

Fonte: acervo pessoal.

Na trilha no meio da mata o mesmo nos mostrou as armadilhas preparadas por eles

para capturar animais que são utilizados em sua alimentação, ressaltando que as

mesmas eram miniaturas apenas para amostras e que os animais, hoje, são

encontrados em pequeno número.

Mostrou-nos algumas árvores e plantas que utilizam para curar doenças e

retardar a gravidez evitando assim que jovens engravidam muito cedo. Segundo ele

algumas doenças são tratadas nos hospitais de Andresito, pois a cura é mais rápida

como nos casos de corte, mas as doenças espirituais são necessárias tratar com

ervas através de rituais praticados por ele e repassado de geração a geração.

Falou do respeito que devemos ter com o meio ambiente salientando a

necessidade e responsabilidade que eles povos guarani tem em preservar a mata

uma vez que praticamente todo o solo da redondeza está devastado e provocando

problemas na “mãe natureza”, apontado para as águas sujas do Rio São Francisco,

que corta a reserva.

Figura 6 – Rio são Francisco de Comandante Andresito, que cruza a reserva.

Fonte: acervo pessoal.

O pajé lembrou da importância que o sol tem para a vida na terra e que por

isso fazem cantos e danças em homenagem ao astro rei, fonte de energia e calor e

que dá força para que as plantas cresçam fortes e saudáveis.

Em relação a prática da agricultura, reforçou a fala do Cacique Jorge de que a

mesma é pouco praticada, que plantam apenas alguns alimentos como milho e

mandioca, extraindo da terra apenas o suficiente para viver, contam também com

uma pequena ajuda por família, do governo Argentino, mas, essa ajuda não é

suficiente, então fazem artesanato para vender em Capanema e Foz do Iguaçu, e

para visitantes.

Os artesanatos são representações perfeitas de animais além de cestos de

tamanhos diversos, colares e pulseira, confeccionados com sementes.

Questionado sobre o motivo de alguns indígenas virem para o Brasil, mais

especificamente em Capanema e ali permanecerem alguns dias acampados nas

ruas da cidade, esclareceu que gostam de passear e que veem para cá em busca

de doações como roupas, pois essas fazem falta para eles, especialmente, no

inverno, pois ganham ajuda do governo, mas, isso não é suficiente para viverem e

vender algum artesanato.

Fonte 7 – Artesanato fabricado pelos indígenas da reserva de Comandante

Andresito.

Fonte: acervo pessoal.

Vítor, o responsável pelo turismo na aldeia, nos informou que é cobrado um

valor de 150 pesos (mais ou menos R$ 30,00 reais), por pessoa para fazer o

passeio pela trilha, cujo percurso passa por armadilhas em miniatura que

demonstram como os antigos capturavam animais para seu sustento; esta trilha vai

até o rio da reserva e na volta passa por uma barraca onde eles expõem os

artesanatos para venda.

Figura 8 – Armadilhas na trilha, Rio Andresito e barraca de exposição dos

artesanatos.

Fonte: acervo pessoal.

Manuela, uma das professoras da reserva assim como os demais professores

são oriundos de Andresito, exceto os professores auxiliares que são indígenas da

reserva. A professora ressaltou que na escola os alunos aprendem todas as

disciplinas da grade comum (disciplinas que compõem o quadro de matérias

exigidas pelo governo de estado), com um mesmo professor e no caso dela tem um

professor auxiliar que é indígena e que auxilia na tradução do espanhol para o

guarani bem como no resgate da cultura da tribo. Estudam neste local, 85 alunos

indígenas da pré-escola ao sétimo ano.

Nos anos iniciais a professora de Pré-escola fala em guarani, a mesma disse

ter certas dificuldades de comunicação com os pequeninos, pois os mesmos não

falam em espanhol somente o guarani, e ela não domina muito bem esse idioma,

mas, está aprendendo e com ajuda de livros consegue até cantar pequenas músicas

em guarani.

No período da manhã estudam aluno de 4 anos que é a pré-escola até o

quarto ano e a tarde alunos de quinto ao sétimo ano, depois do sétimo ano, alguns

se dirigem a cidade de Andresito para dar continuidade a seus estudos.

As tradições religiosas e culturais estão sendo resgatadas pelos professores e

lideranças da reserva. Diariamente, ao pôr do sol, as famílias fazem danças em

agradecimento ao sol e a terra, pelos alimentos recebidos. Algumas vezes no

coletivo e outras nas suas casas com suas famílias. Esporadicamente são feitas

festas com danças para comemorar alguma data importante, como o ano novo,

costumes esses que são tradições para homenagear a “Mãe Terra” pelo sustento

que esta proporciona a eles e seus familiares.

O Governo fornece os materiais didáticos para os alunos, e livros para a

biblioteca da escola, porém a escola não possui pessoal responsável pela limpeza

do ambiente.

Figura 9 – Escola da Reserva

Fonte: acervo pessoal.

A merenda é repassada pela secretaria de educação, mas no momento da

visita, os mesmos não possuíam merenda. Quando tem, é feita numa chapa

anexada num espaço ao lado das salas de aula, uma espécie de cozinha aberta,

apenas coberta e com parede ao fundo e parte das laterais.

A escola possui telefone apenas para uso burocrático dos responsáveis pela

escola e da tribo, não existe internet na escola, as aulas são dinâmicas, buscado o

comprometimento de todos nos estudos.

A reserva jamais havia sido visitada por outras escolas e nem mesmo por

reportagens, no dia de nossa visita a escola estava recebendo também a visita da

secretaria de educação, e realizando reunião com as lideranças e averiguando o

andamento da escola. Por não ter funcionários que limpem a escola a mesma se

encontrava muito suja, muita terra em suas salas de aula e saguão, tanto que a

professora Manuela se desculpou por esse episódio. Devemos lembrar que se trata

de um povo com cultura e tradições diferentes das nossas e que a terra é um bem

sagrado e provedor de tudo que necessitamos. Emocionada, ao finalizar sua

entrevista a professora disse estar muito feliz pela visita recebida e a atenção para

com todos, pediu para que enviássemos as entrevistas para ela.

Considerações Finais

A história indígena local não é trabalhada nas escolas do município por falta

de conhecimento da mesma. Já a história do Sudoeste paranaense vem sendo

trabalhada de forma superficial pelos professores de história, por disporem de

poucos materiais produzidos sobre essa região. Cientes do limitado conhecimento

que temos sobre a história do município e região, é necessário que façamos um

esforço para conhecer mais nossa história. Por isso, é importante levar os alunos

nos museus, visitar aos locais onde foram encontrados os objetos e também as

reservas indígenas existentes na região.

No caso da região de Capanema uma boa opção, fonte de estudo, que

possibilita a construção de conhecimentos sobre a história local, é aproveitar a visita

dos índios guaranis, da reserva de Comandante Andresito – Argentina, no município,

visto que eles nos visitam regularmente permanecendo dois dias ou mais no

município antes de retornar à reserva. Proporcionar aos alunos a oportunidade de

visita-los, desenvolverá uma motivação maior e, com certeza, o respeito por esse

grupo social, que merece sim a nossa atenção. Sendo esta também uma forma de

colaborar com o aumento de materiais sobre a história local.

Os vestígios encontrados no município de Capanema PR, mais

especificamente nas comunidades de Santa Clara e Santa Ana, contribuem para

aumentar os conhecimentos sobre o modo de vida dos indígenas que habitaram a

região antes da colonização e devem estimular nossos estudos sobre a história

local.

Em 2006, o município de Capanema enfrentou judicialmente um processo de

desocupação de imóvel rural/municipal, ocupado por grupos indígenas vindos da

reserva de Mangueirinha, motivados pelos vestígios encontrados na comunidade de

Santa Clara. Esse fato tem passado despercebido pelos professores, no entanto ele

nos fornece subsídio para analisarmos toda a história local, desde a ocupação antes

da colonização, pois ao entendermos os motivos dessa “ocupação”, veremos que a

mesma diz respeito a uma história que até então estava esquecida ou

desconhecida.

A história indígena local, precisa ser debatida, divulgada e estudada, mas

para isso precisamos também ter um compromisso maior das autoridades

municipais, no que diz respeito a preservação e divulgação dos objetos encontrados,

objetos esses que estão sujeitos a desaparecer por falta de cuidados adequados.

Outro tema importante e que deve ser fonte de estudo e discussão com

nossos educandos diz respeito às consequências, para os povos não indígenas que

vivem nessa região, caso a FUNAI venha fazer uma tentativa de demarcação de

terra indígena no município, e nesse caso termos o conhecimento do que garante a

lei, a esse respeito.

Sabemos que os povos indígenas no geral eram nômades, e nessa condição

percorreram muitos países em busca de locais mais adequados para viver e sua

presença é percebida em praticamente todos os países na atualidade, não sendo

diferente na Argentina cujos índios que residem na reserva de Andressito

frequentemente deslocam-se para Capanema, portanto essa reserva possibilita ao

professor e alunos irem em busca de informações que despertem o desejo da

reconstrução da história local.

Uma vez conhecendo a lei de direitos a terra, deixará a sociedade mais

tranquila e menos hostis com relação ao indígena, não só de Capanema, mas de

todo o Brasil.

Referências

BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6001-19-dezembro-1973-376325-publicacaooriginal-1-pl.html Acesso em 11/11/2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil e Glossário. Rio de Janeiro: FAE, 1989.

BRASIL. Decreto nº1775, de 8 de Janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1996/decreto-1775-8-janeiro-1996-431807-publicacaooriginal-1-pe.html Aceso em 11/11/2014.

BRASIL. Fundação Nacional do Índio. Portaria/ nº 14, de 09 de janeiro de 1996. Estabelece regras sobre a elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e delimitação de Terras Indígenas a que se refere o parágrafo 6º do artigo 2º, do Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996. Disponível em: http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/dpt/pdf/portaria14funai.pdf Acesso em 11/11/2014.

BRASIL, Ministério Público: Procuradoria da República no Município de Francisco Beltrão-Paraná. 11 abril de 2006, disponível em: http://6ccr.pgr.mpf.gov.br/atuacao-dompf/acaocivilpubliva/docs_classificacao_tematica/ACP_PRM_Francisco_Beltrao_2006.pdf/view?searchterm=capanema acessado em 15 de abril de 2013.

PARANÁ, SEED. Caderno Temático de Educação Escolar Indígena. Disponível em: www.educadores.diaadia.pr.gov.br/.../educacao_escola... Acessado em 05/04/2013.

PARANÁ. SEED. Diretrizes Curriculares da Educação Básica-História. 2008. Também disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/diretrizes/dce_hist.pdf

VACA, Álvar Nuñes Cabeza de. Naufrágios e Comentários; tradução Jurandir Soares Santos. Porto Alegre. L&PM.1999.