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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7 Cadernos PDE II

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7Cadernos PDE

II

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PROFESSORA PDE: NOELÍ CIVIDINI

A CRÔNICA COMO PRÁTICA DE LEITURA

KALORÉ – PARANÁ 2014

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO Superintendência da Educação Diretoria de Políticas e Programas Educacionais Programa de Desenvolvimento Educacional

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NOELÍ CIVIDINI Graduada em Letras Anglo-Portuguesas pela FAFIJAN – PR Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa pela FAFIJAN – PR Professora da Rede Estadual de Kaloré – PR

A CRÔNICA COMO PRÁTICA DE LEITURA

Unidade Didática desenvolvida por meio do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, mantido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED, em convênio com a Universidade Estadual de Londrina – UEL, sob a orientação da Profª Drª. Isabel Cristina Cordeiro.

KALORÉ – PARANÁ 2014

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO Superintendência da Educação Diretoria de Políticas e Programas Educacionais Programa de Desenvolvimento Educacional

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FICHA PARA IDENTIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

Título A crônica como prática de leitura

Autor Profª PDE – Noelí Cividini

Disciplina/Área Língua Portuguesa

Escola de Implementação do Projeto e

sua localização

Colégio Estadual Abraham Lincoln –

Ensino Fundamental e Médio – Rua

Professor Irineu Citino, 900

Município da Escola Kaloré

Núcleo Regional de Educação Apucarana – PR

Professor Orientador Profª Drª Isabel Cristina Cordeiro

Instituição de Ensino Superior UEL – Universidade Estadual de

Londrina

Formato do Material Didático Unidade Didática

Público-alvo Alunos de 1º ano do Ensino Médio

Resumo Esta Unidade Didática constitui-se enquanto produção didático-pedagógica do projeto de intervenção, sendo resultado das reflexões realizadas na escola e depois com os encontros realizados pelo Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, sobre a leitura, que é uma das maiores preocupações no ensino de Língua Portuguesa. Assim, partindo da noção bakhtiniana de gênero discursivo e do princípio que é preciso desenvolver mecanismos que proporcionem os alunos situações de leitura em que eles possam utilizar estratégias de leitura e a ativação de seus conhecimentos prévios para a construção de sentidos do texto. Procurou-se abordar atividades com o gênero textual crônica, buscando as relações intertextuais com o gênero poema, uma vez que o texto literário pressupõe um leitor maduro e crítico. Utilizando textos com temas ligados à vida cotidiana, com uma linguagem subjetiva e pessoal, eles proporcionam um diálogo com o leitor, valorizando a interação.

Palavras-chave Crônica; poema; estratégias de leitura.

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APRESENTAÇÃO

Caro Professor,

Esta produção Didático-pedagógica refere-se ao material didático elaborado

por mim, professora PDE 2014; optou-se pela adoção do formato Unidade Didática

organizada com atividades de leitura, interpretação, análise linguística e produção a

partir do gênero textual crônica, do escritor Luís Fernando Veríssimo e Fernando

Sabino, buscando as relações de intertextualidade com o gênero poema de Carlos

Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.

Consideramos o fato de que a leitura é uma das maiores preocupações no

ensino de Língua Portuguesa, e sempre foi o grande problema da educação em

nosso país. O brasileiro não tem o hábito de ler e o aluno, na grande maioria, vai

para a escola com pouco, ou muitas vezes, sem nenhum contato com a leitura,

trazendo resultados negativos no ensino e aprendizagem não só na disciplina de

Língua Portuguesa, mas em todas as disciplinas escolares. Pressupõe-se que a

escola seja o caminho certo, quando se fala em incentivo à leitura, tendo em vista o

compromisso social que ela possui, pois a leitura ajuda na aquisição de

conhecimentos novos e são esses conhecimentos que garantem a liberdade de

raciocínio.

Nesta Unidade Didática pretendemos utilizar estratégias de leitura para

desenvolver no aluno o gosto pela leitura e levá-lo às mais variadas reflexões sobre

o gênero textual crônica. As crônicas divertem, atraem e inspiram, pois por meio

delas poderão conhecer diferentes temas, reconhecer aspectos do cotidiano e

refletir sobre a condição humana na sociedade; a crônica pode dizer as proposições

mais sérias, como os relatos dos fatos, descrições de vida, o registro de algo.

Pretendemos também com o gênero poema estimular a aproximação com os textos

literários, formando leitores críticos, competentes e maduros capazes de criar e

recriar, de integrar-se a uma sociedade reflexiva.

Assim, com este trabalho pretendemos instigar você, professor, a interagir e

que juntos possamos colher bons resultados dessa interação.

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INTRODUÇÃO

Esta Unidade Didática foi desenvolvida de acordo com as Diretrizes

Curriculares Estaduais do Ensino de Língua Portuguesa, documento oficial da

SEED, que se baseia em teorias sociointeracionistas, as quais afirmam que a

competência linguística do aluno ocorrerá se lhe for proporcionado, nas práticas de

leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. Defendem a

concepção de língua como discurso que se efetiva nas diferentes práticas sociais.

A elaboração desse material Didático-Pedagógico justifica-se pelo fato de

que os alunos chegam ao Ensino Médio com muitas dificuldades de localizar

informações implícitas, fazer comparações, estabelecer conexões ou interpretar os

textos.

Sabemos que a escola, muitas vezes, privilegia a leitura como simples

pretexto para atividades fragmentadas, descontextualizadas, mecânicas e

repetitivas, promove uma leitura sem significação e sentido para o aluno, não leva

em conta o seu conhecimento prévio, não apresenta estratégias e objetivos

definidos que incentivem o gosto pela leitura e uma aprendizagem concreta.

Esta realidade escolar exposta acima tem contribuído para formar leitores

passivos, decodificadores que não utilizam a leitura e escrita nas diferentes esferas

sociais. Podemos perceber isso, quando analisamos os resultados de avaliações do

ensino no país, com objetivo de avaliar o nível de aprendizagem dos alunos. Diante

disso, devemos rever nossas práticas pedagógicas.

Com este trabalho, pretendemos construir instrumentos e estratégias de

leitura que leve em conta o conhecimento prévio do aluno para o desenvolvimento

da leitura proficiente e percepção dos sujeitos que existem em cada texto e, assim, o

leitor-aluno possa tomar atitude responsável e crítica diante dele. Dessa forma, o

objetivo deste trabalho é desenvolver estratégias metodológicas que levem o aluno a

compreender e interpretar de maneira autônoma os textos lidos, no sentido de

contribuir para a formação de leitor independente, maduro e reflexivo que interaja na

sociedade. As DCE nos ensinam que:

Sob essa perspectiva, o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa visa aprimorar os conhecimentos linguísticos e discursivos dos alunos, para que eles possam compreender os discursos que os cercam e terem condições de interagir com esses discursos. Para isso, é relevante que a língua seja percebida como uma arena em que diversas vozes sociais se defrontam, manifestando diferentes opiniões. (PARANÁ, 2008, p.50)

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As DCE Paraná (2008) sugerem também que, nas aulas de Língua

Portuguesa, o professor propicie ao aluno a prática, a discussão e a leitura de textos

das diferentes esferas de circulação. O professor deve atuar como mediador,

levando leituras significativas, em que o aluno seja capaz de enxergar os implícitos,

inferindo e percebendo as reais intenções de cada texto e se posicionando diante do

que está lendo.

Neste material pedagógico, pretendemos desenvolver atividades valorizando

as práticas discursivas de leitura, oralidade, e análise linguística pertinente ao

gênero discursivo.

Para a elaboração deste trabalho foi selecionado o gênero textual crônica,

pois trata de tema do dia a dia, enfocando o humor e fazendo refletir sobre a

realidade social, buscando intertextualidade com o gênero textual poema.

As crônicas selecionadas foram “O Lixo” de Luís Fernando Veríssimo,

“Protesto Tímido”, “Menino de Rua”, “Na Escuridão Miserável” e “Notícia de jornal”

de Fernando Sabino, o poema “Consolo na praia” de Carlos Drummond de Andrade

e também, o poema “O Bicho” de Manuel Bandeira. Os textos serão trabalhados

com uma turma do 1º ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Abraham Lincoln –

Ensino Fundamental e Médio de Kaloré – PR.

OBJETIVOS

OBJETVO GERAL

Desenvolver a capacidade de leitura crítica necessária para a formação de

leitores competentes e maduros.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Desenvolver o gosto pela leitura;

- Localizar informações explícitas e implícitas nos textos;

- Produzir inferências a partir das pistas textuais;

- Promover a utilização de estratégias que permitam aos alunos interpretar e

compreender os textos de forma autônoma;

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- Possibilitar que o aluno se integre à prática da leitura, da escrita e da

análise linguística.

ENCAMINHAMENTOS

COMPREENDENDO AS ESTRATÉGIAS DE LEITURA

Partindo do princípio de que a leitura é um processo de ação e interação

entre o texto, o leitor e o autor, ela torna-se efetiva quando o leitor se utiliza de várias

estratégias com a finalidade de compreender e interpretar o texto lido. Para aprender

as estratégias, o aluno deve integrá-las a uma atividade de leitura que seja

realmente significativa, assim, é preciso articular situações de ensino de leitura que

garantam sua aprendizagem, através de textos do cotidiano do aluno.

Nesse sentido, Solé (1998) entende que, antes da leitura, podem ser

ensinadas estratégias aos alunos para que se possa extrair o máximo dessa

interação. Ela esclarece que as estratégias têm como finalidade ajudar o leitor na

escolha de outros caminhos, quando se depara com problemas na leitura e

acrescenta que segundo seu entendimento:

As situações de ensino/aprendizagem que se articulam em torno das estratégias de leitura como processos de construção conjunta, nos quais se estabelece uma prática guiada através da qual o professor proporciona aos alunos os “andaimes” necessários para que possam dominar progressivamente essas estratégias e utilizá-las depois da retirada das ajudas iniciais. (1998, p.77)

Solé (id) refere-se às estratégias de leitura como ferramentas necessárias

para o desenvolvimento da leitura proficiente. Sua utilização permite compreender e

interpretar de forma autônoma os textos lidos e pretende despertar o professor para

a importância de desenvolver um trabalho efetivo no sentido de formar um leitor

independente, crítico e reflexivo.

Segundo Kleiman (2013), as estratégias do leitor são classificadas em

Estratégias Cognitivas e Estratégias Metacognitivas. “A capacidade de estabelecer

objetivos na leitura é considerada uma estratégia metacognitiva, isto é uma

estratégia de controle e regulamento do próprio conhecimento”.

Cordeiro (2007) ressalta:

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Independentemente do objetivo de leitura e do tipo de tarefa, os leitores utilizam estratégias de leitura, operações utilizadas para abordar o texto, as quais podem ser cognitivas– operações inconscientes – e metacognitivas – passíveis de controle consciente, pois partem do senso comum. São as estratégias que particularizam a construção do sentido da leitura, uma vez que ler exige a ativação de diferentes competências e esquemas apropriados. Trata-se do conhecimento de cada leitor, trabalhando de forma ativa e determinando como o texto será compreendido.

Assim sendo, cabe ao professor, em sala de aula, levar o aluno a

estabelecer objetivos para suas leituras para que possa se apropriar das estratégias

de leitura e perceber os sujeitos que existem em cada texto e, assim, tomar atitude

responsiva diante dele.

AMPLIANDO CONHECIMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DA CRÔNICA

A palavra “crônica” tem origem grega, vem do termo khrónos, que sugere

uma noção de tempo, por isso tal gênero textual recebeu este nome, por registrar

fatos num tempo e espaço determinados. Assim, a crônica assume o papel de

relatar os acontecimentos da realidade social das comunidades humanas. O

cronista, com leveza e graça acrescenta doses de humor, ironia, sensibilidade,

crítica e lirismo aos fatos do cotidiano.

De acordo com Sá (1987), o primeiro cronista do Brasil foi Pero Vaz de

Caminha; a carta dele ao Rei D. Manuel configura-se como sendo a criação de um

cronista. A carta tinha a missão de relatar toda a trajetória dos viajantes e contar o

que se via na viagem. De fato, podemos considerar tal relato como uma crônica

histórica. Para Sá (id), “A crônica apesar de toda a sua aparente simplicidade só

pode ser valorizada quando a lemos criticamente, descobrindo a sua significação”.

Segundo Arrigucci:

Na maioria desses autores dos primeiros tempos, a crônica tem um ar de aprendizado de uma matéria nova e complicada, pelo grau de heterogeneidade e discrepância de seus componentes, exigindo também novos meios linguísticos de penetração e organização artística: é que nela afloram em meio ao material do passado, herança persistente da sociedade tradicional, as novidades burguesas trazidas pelo processo de modernização do país, de que o jornal era um dos instrumentos. (1987, p.57)

Atualmente, a crônica é reconhecida como um gênero literário que nasce de

fatos do dia a dia. Para Melo (1985) no Brasil, a crônica configura-se como um relato

poético do real, situada na fronteira entre a informação da atualidade e a narração

literária, assim, situa-se entre o jornalismo e a literatura, retratando a vida, está

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diante de experiências comuns. Ela situa-se entre o jornalismo porque foi na metade

do século XIX, com o desenvolvimento da imprensa brasileira, que ela começou a

assumir a sua configuração atual. Apesar do seu florescimento no século passado e

do seu cultivo por escritores como Machado de Assis e José de Alencar, a crônica

brasileira somente assumiria a feição de gênero neste século, conforme Antônio

Candido:

No decênio de 30 do século passado, que a crônica moderna se definiu e consolidou no Brasil, como gênero bem nosso, cultivado por um número crescente de escritores e jornalistas, com os seus rotineiros e os seus mestres. Nos anos 30 se afirmaram Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, e apareceu aquele que de certo modo seria o cronista, voltado de maneira praticamente exclusiva para este gênero: Rubem Braga. (1981, p. 17)

O nome de Rubens Braga, que de certo modo seria o cronista exclusivo

desse gênero, a partir dos anos 1950 e 1960, juntamente com Nelson Rodrigues,

Fernando Sabino e outros escritores no trabalho de promoção da crônica à arte

literária.

Aos entraves e as diferentes colocações de críticos literários, a respeito da

crônica, Portella afirma:

Indicam que a crônica através da constância com que vêm aparecendo, ultimamente, os chamados livros de crônicas, que transcendem a sua condição puramente jornalística para se constituir em obra de arte literária, veio contribuir, em forma decisiva, para fazer da crônica um gênero literário específico autônomo. (1958, p.111)

Isto significa dizer que a crônica é muito subjetiva, em que o cronista de

maneira descompromissada retrata a vida a partir da observação de fatos do

cotidiano, com uma linguagem quase sempre com humor, despojada e coloquial.

Apesar de seu ar despreocupado, de quem está falando coisas, sem preocupar-se

com as consequências, esse gênero trata sempre de temas que penetram fundo no

significado dos atos e sentimentos do homem, aprofundando a crítica social.

Em Coutinho (1986), esse jeito descompromissado do cronista é entendido

como uma estratégia discursiva, uma vez que há um tom de conversa

proporcionando o diálogo com o leitor. A crônica é um gênero muito prazeroso para

quem escreve e para quem a lê.

DEFININDO O GÊNERO TEXTUAL CRÔNICA

Os gêneros textuais são formas de manifestações linguísticas orais e

escritas, que encontramos no cotidiano e apresentam características

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sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo,

composição. Eles são entidades empíricas em situações comunicativas e se

expressam em designações diversas, já que toda a produção de discursos não

acontece no vazio, pois todo texto se organiza dentro de um determinado gênero.

Existem tantos quanto às situações sociais convencionais em que são usados, no

caso a crônica, conforme a esfera social que retrata, recebe o nome de crônica

policial, esportiva, jornalística, literária etc. Além do tipo narrativo, a crônica também

pode ser argumentativa ou expositiva, como textos de opinião sobre temas variados

de diversas áreas.

Segundo muitos estudiosos, a crônica é um gênero bastante brasileiro, não

havendo similaridade em outros países, como ocorre com o conto, o romance ou o

poema. O gênero textual crônica é um texto para ser veiculado à imprensa, jornais e

revistas, sendo posteriormente reunida em forma de coletâneas por seus autores,

num livro, em que, de forma subjetiva, o cronista expressa suas ideias através dos

acontecimentos da sociedade e possui uma linguagem despojada e coloquial. A

crônica pertence a um gênero rico em informações da atualidade, é um texto curto

que tem por finalidade agradar o leitor, por isso pode despertar nos alunos o gosto

pela leitura, que é um hábito saudável e deve ser praticado.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA CRÔNICA

Ligada à vida cotidiana;

Narrativa informal, familiar, intimista;

Uso da oralidade na escrita: linguagem coloquial;

Sensibilidade no contato com a realidade;

Uso do fato como meio ou pretexto para o artista exercer seu estilo e

criatividade;

Dose de lirismo;

Leveza;

Diz coisas sérias por meio de uma aparente conversa fiada;

Brevidade;

É um fato moderno: está sujeita à rápida transformação e à fugacidade da

vida moderna;

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Geralmente, a crônica apresenta linguagem simples, espontânea, situada

entre a linguagem oral e escrita;

A narração é feita pela ordem dos acontecimentos dos fatos;

É um pequeno texto baseado em fatos do cotidiano;

Geralmente possui uma crítica indireta;

Muitas crônicas são narradas em tom humorístico;

Algumas vezes o texto é irônico;

As crônicas, em geral, são publicadas em jornais e revistas;

É uma espécie de narrativa curta e condensada que capta um flagrante da

vida pitoresco, real ou imaginário, com uma ampla variedade temática, o

escritor parte de situações particulares que funcionam como metáfora de

situações universais;

O escritor dialoga com o leitor;

Apresenta elementos básicos da narrativa: fatos, personagens, tempo e lugar,

o tempo e o espaço são normalmente limitados.

Disponível em: http://pt.slideshare.net/Bovary16/crnicas-4270626.

Professor, como as crônicas são classificadas em vários tipos e para que

você aprofunde os estudos sobre o tema sugerimos o site:

www.recantodasletras.com.br. Neste site, você poderá pesquisar juntamente com os

alunos e ampliar conhecimentos sobre o assunto.

DEFININDO INFERÊNCIA E INTERTEXTUALIDADE

A inferência ocorre quando o leitor ativa seu conhecimento prévio,

complementando as informações que não estão no texto. Através da inferência o

leitor, mesmo sem perceber preenche automaticamente as lacunas de sentido do

texto verbal e não verbal.

Assim, levantar hipóteses, analisar, comparar, relacionar, inferir são passos

que auxiliam no ato de ler. Na prática, essas habilidades podem ajudar na

interpretação. Ao ler um texto, as informações podem estar explícitas ou implícitas.

Inferir é conseguir chegar a conclusões a partir dessas informações presentes no

texto.

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Quanto à intertextualidade ocorre quando um texto retoma o conteúdo de

outro, ou seja, quando dialogam entre si. É um recurso argumentativo que pode

estar explícito ou implícito no texto, mas que requer a ativação do texto fonte na

mente do leitor com o objetivo de ajudar na compreensão daquilo que se lê,

considerando o conhecimento prévio que cada indivíduo possui. A cada leitura

realizada, mais conhecimento prévio o leitor armazena, o que favorece a

compreensão de sentidos dos textos.

No livro de Koch, Bentes e Cavalcante (2012), o conceito intertextualidade

stricto sensu é quando um texto está inserido em outro texto, anteriormente

produzido (intertexto). Na intertextualidade implícita o texto fonte é alterado com

vistas à produção de sentidos.

Os conceitos de intertextualidade intergenérica e intertextualidade tipológica

são explicitados: o primeiro tipo refere- se ao intercâmbio entre diferentes gêneros

textuais com o objetivo de produzir determinados efeitos de sentido; enquanto o

segundo caso refere-se a sequências ou tipos textuais que permitem reconhecer um

texto como pertencente à dada classe. O conceito de intertextualidade lato sensu, há

existência de estratégias de manipulação da intertextualidade que permitem

compreender práticas de produção e recepção dos gêneros do discurso.

Ao tratar da intertextualidade, as autoras escrevem uma obra na qual são

focalizados não só estudos teóricos sobre o tema, mas também exemplos de textos

que circulam em diferentes meios e suportes, facilitando a compreensão das

categorias propostas. Trata-se de uma leitura interessante aos professores ligados

ao ensino da língua materna, uma vez que a intertextualidade em suas diferentes

formas é condição para compreensão dos textos.

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UNIDADE I

TEXTO 1

A CRÔNICA

O LIXO

Luís Fernando Veríssimo

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.

- Bom dia... - Bom dia. - A senhora é do 610. - E o senhor do 612. (...)

Professor, a crônica completa você poderá buscar no link:

http://7leitores.blogspot.com.br/2008/07/o-lixo-luis-fernando-verssimo.html. Antes de

distribuir as cópias, fazer um levantamento do conhecimento prévio dos alunos, a

respeito do gênero crônica, para provocar uma desestabilização de hipóteses ou

ampliação de conhecimento sobre a crônica, através de um questionário, para ser

respondido e depois exposto oralmente, provocando um debate em sala, baseado

nas seguintes questões:

1- Você gosta de ler?

2- O que você mais gosta de ler?

3- Há algum livro que você leu e nunca mais esqueceu?

4- Você acha que é importante adquirir o hábito da leitura?

5- Hoje, é possível viver sem a leitura?

6- Você tem o hábito de ler ou escrever nas redes sociais? Por quê?

7- Que concepção você tem de crônica?

8- Costuma ler crônicas em jornal, revista ou blogs da internet?

9- Você conhece algum cronista brasileiro? Quem?

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10- Vamos trabalhar sobre o gênero textual crônica. Qual é sua expectativa a

respeito desse trabalho?

Professor, discutidas as questões e observadas as respostas, é preciso iniciar o

processo de caracterização do gênero a ser estudado, sua esfera de circulação, sua

estrutura e os componentes linguísticos e a importância da leitura dos gêneros que a

língua é capaz de produzir. Você poderá trabalhar com os alunos a história da

crônica.

Professor, antes da leitura da crônica, você deverá ativar os conhecimentos

prévios dos alunos; como estímulo para a leitura, escrever o título da crônica “O

lixo” no quadro e discutir com os alunos o que ele sugere, levantar hipóteses sobre

o possível assunto, mostrar para eles que o título é importante, ele dará pistas.

Explorar o que já é de conhecimento do aluno acerca do assunto e anotar no

quadro as hipóteses dos alunos. Com base no título e nas hipóteses antecipar o

tema. Depois, distribuir as cópias da crônica e, durante a leitura, solicite aos

alunos uma leitura silenciosa, visualizando o local do contexto descrito no texto, os

personagens e suas falas e também o que está sendo dito implicitamente.

Recomendamos voltar ao texto para realizar uma segunda leitura, desta vez

compartilhada, escolher um aluno para ser o narrador e dois para representarem os

personagens da crônica. É importante observar a entonação e a pontuação. Depois

da leitura, promover algumas discussões abordando a questão social do tema,

levando os alunos a perceber e inferir os sentidos explícitos e implícitos que o texto

apresenta, contextualizando sobre o descaso em relação ao destino final dos

resíduos, na maioria das cidades. Podemos apresentar as atividades de

interpretação escrita para que os alunos possam refletir mais sobre o assunto e

explorar o texto, partindo das seguintes perguntas:

1- O que acharam da crônica?

2- Qual o tema abordado nesta crônica? Lixo não separado, coleta seletiva.

3- Há descaso em relação à disposição final dos resíduos? Essa disposição final dos

resíduos traz situação de perigo à saúde, ao meio ambiente?

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4- O lixo na cidade onde residem é reciclado? É feita a coleta seletiva?

5- No contexto atual, qual é o significado da palavra lixo?

6- Todo o lixo são restos de coisas inaproveitáveis?

7- Qual a crítica presente na crônica?

Que as pessoas não separam corretamente o lixo para a coleta e o destino final do lixo.

8- Vamos levantar hipóteses quanto à condição social deles, é possível perceber

através dos objetos colocados no lixo?

9- Quando o personagem diz “através do lixo, o particular se torna público. O que

sobra de nossa vida privada se integra com a sobra dos outros”. O que está

implícito?

Que uma pessoa conhece a outra por uma análise simples da sacola de lixo, pois o lixo é

comunitário, todos são depositados no mesmo local.

10- Por que o senhor do 612 achou que ela havia acabado com o namoro?

11- Você conseguiu identificar na conversa um drama muito comum entre os

habitantes das grandes cidades. Qual é?

A solidão.

12- O que na verdade estava implícito na fala da senhora do 610 e o senhor do 612?

O início de uma amizade ou quem sabe de um novo amor.

13- Através do lixo, os hábitos alimentares, as características e personalidades dos

personagens foram revelados. Atualmente, quais são os meios que as pessoas

utilizam para vasculhar a vida alheia?

Professor, neste momento, você poderá trabalhar a biografia do escritor Luís

Fernando Veríssimo, que está disponível no site:

www.releituras.com/lfverisssimo_menu.asp. E, também, selecionar na biblioteca do

colégio livros do autor e levar para a sala de aula para os alunos manuseá-los, e os

interessados poderão levar para ler em casa.

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ESTRUTURA COMPOSICIONAL DO GÊNERO

1- Algumas questões centrais sobre o narrador poderiam ser propostas para

aprofundar aspectos teóricos de um dos elementos da narrativa. Que tipo de

narrador esta crônica apresenta? Como o narrador comunica a história?

2- O texto lido apresenta todos os elementos da narrativa? Quais?

3- É interessante que os alunos observem o lixo produzido durante o turno estudado

e elaborem um mural educativo para compartilhar conhecimentos com toda a

comunidade escolar. Deixar de exposição durante uns dias, observar e comentar

se houve mudanças de atitudes.

ANÁLISE LINGUÍSTICA

1- Qual é a forma de tratamento usada por eles?

Pronomes de tratamento.

2- Que palavra representa essa forma de tratamento?

Senhor, senhora.

3- A senhora do 610 diz: “Me chame de você”. Qual foi a mudança ocorrida quanto à

forma de tratamento? Com qual palavra?

Tratamento com o pronome pessoal, me.

4- Quanto ao uso do pronome “me” na frase acima, ele está de acordo com a norma

padrão?

Ele está de acordo com a linguagem informal.

Professor, podemos falar para os alunos que a crônica O lixo, de Veríssimo, é

composta por uma conversa entre duas pessoas que se encontram casualmente na

área de serviço de um prédio. As frases representam características da língua

falada, expressões próprias da linguagem coloquial, especialmente da língua falada;

uso de frases feitas; pausas e interrupções. Que num texto, os diálogos entre

personagens constituem uma sequência conversacional. Com os seguintes

elementos: interação entre pelo menos dois falantes ou dois interlocutores; uma

situação ou um contexto em que a conversa se dá; ocorrência de pelo menos uma

troca de falantes, isto é, pelo menos uma vez a palavra passa de um interlocutor

para outro: cada vez que um dos interlocutores toma a palavra, dizemos que é um

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turno de fala; em textos escritos, geralmente, emprega-se o travessão para indicar a

mudança de turno de fala. (discurso direto).

Professor, agora que os alunos já conhecem melhor um texto do gênero crônica, já

leram, discutiram, comentaram, relacionaram com os fatos do cotidiano e

interpretaram “O lixo” de Luís Fernando Veríssimo. Para ampliar ainda mais os

conhecimentos sobre o gênero, vamos trabalhar com eles a crônica “Protesto

Tímido” de Fernando Sabino, que compõe suas crônicas mediadas quase sempre

pelo elemento intertextual.

Disponível em: http://www.camadejornal.com.br/texto.htm.

TEXTO 2

A CRÔNICA

PROTESTO TÍMIDO

Fernando Sabino

Ainda há pouco eu vinha para casa a pé, feliz da minha vida e faltavam dez

minutos para a meia-noite. Perto da Praça General Osório, olhei para o lado e vi,

junto à parede, antes da esquina, algo que me pareceu uma trouxa de roupa, um

saco de lixo. (...)

Porém, antes de entregar o texto para o aluno, propomos apresentar a biografia do

escritor Fernando Sabino disponível site: www.releituras.com/ fsabino_bio.asp. O

assunto tratado na crônica são questões da exclusão, desigualdade social, fome,

menor abandonado, tão presentes em nossos dias. Antes da leitura da crônica

“Protesto Tímido” de Fernando Sabino, você poderá verificar o conhecimento de

mundo e a opinião dos alunos em relação ao assunto a ser lido. Para ativar o

conhecimento prévio dos alunos sobre o tema presente na crônica e como estímulo

à leitura, você poderá fazer a seguinte atividade oral.

1- O que o título sugere?

2- Você já viu criança dormindo na rua?

3- Caso tenha visto o que sentiu?

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4- Por que há tantas crianças vivendo na rua?

5- Como você vê essa realidade de hoje, crianças morando na rua?

6- Você acredita que esse problema poderia ser solucionado?

7- A quem caberia?

8- Você acha que o ambiente que elas vivem favorece para iniciarem no mundo do

crime?

Posteriormente a essa atividade disponibilize uma cópia da crônica e durante a

leitura, solicite que seja silenciosa para que os mesmos familiarizem com a

temática da crônica. Depois da leitura, leve os alunos a questionarem o conteúdo

da leitura realizada. Faça um levantamento das opiniões dos alunos em relação ao

tema já estudado anteriormente, para aproximá-los ainda mais do tema de estudo a

seguir, que é mais uma crônica social, pois nasce da observação do flagrante do

cotidiano. A crônica “Menino de rua” contém um episódio que se assemelha ao da

crônica “Protesto tímido”. Recomendamos que a leitura da mesma seja realizada

em primeiro lugar pelo professor, visto que ele saberá dar uma entonação que o

texto merece, reforçando os aspectos da interpretação.

TEXTO 3

A CRÔNICA

MENINO DE RUA

Fernando Sabino

Eram dez e meia da noite e eu ia saindo de casa quando o menino me abordou. Por um instante pensei que pedia dinheiro. Cheguei a lhe estender uma nota de dez cruzeiros, ele pareceu surpreendido, mas aceitou. Usava uma camisa velha e esburacada do Botafogo, o calção deixava à mostra as perninhas finas que mal se sustinham nos pés descalços. Era moreno, com aquela tonalidade encardida que a pobreza tem. Segurava uma pequena caixa de papelão já meio desmantelada.

- Que é mesmo que você pediu? Não foi dinheiro? - Uma coberta. - Uma coberta? Para quê? - Pra eu dormir. Realmente estava frio, mas onde ele queria que eu arranjasse uma coberta?

O jeito era voltar em casa, descobrir uma coberta velha, trazer para ele. Foi o que fiz: apanhei uma colcha já usada mas ainda de serventia e lhe trouxe. Ele aceitou

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com naturalidade, sem me olhar nos olhos. Não parecia ter mais de nove anos, mas me disse que já tinha treze.

- Onde é que você dorme? - Num lugar ali – e fez um gesto vago para os lados da praça General

Osório. - Dorme sempre na rua? Não tem casa? - Tenho. - Onde? - Em Austin. - Onde fica isso? É longe daqui? - Não é não. Fica no Estado do Rio. - Por que você não vai pra casa? Ele mordeu o lábio inferior, calado um instante, mas acabou respondendo: - Mamãe me expulsou. - Por quê? Alguma você andou fazendo. - Não fiz nada não – reagiu ele, de súbito veemente: - Minha irmã é nervosa,

quebrou o vidro da televisão e disse que fui ei. Então minha mãe me expulsou. - Quando foi isso? - Tem quase três anos. - Três anos? E você nunca mais voltou? - Voltei não. - Como é que você viveu esse tempo todo? Que é que você come? - Peço resto de comida. - Pra que serve esse papelão? - Pra cobrir o chão de dormir. - Você tem algum amigo? - Não gosto de amigo não, que amigo faz trapalhada e a gente é que acaba

preso. O nome dele era Carlos Henrique. - Volta pra casa, Carlos Henrique. E fiz uma pequena pregação: mãe é sempre mãe, ela devia estar sentindo

falta dele. Melhor em casa que ficar por aí na rua, sem ter onde dormir. A mãe trabalhava em Nova Iguaçu, ele me havia dito, devia viver da mão pra boca, mas ainda era pra ele a melhor solução. Não tinha nem nunca teve pai.

- Você sabe ir até lá? - Sei. Tomo o ônibus até a Central e lá pego o trem até Austin. - Então vai mesmo, heim? Ele prometeu ir assim que o dia clareasse. Para isso dei-lhe mais algum

dinheiro e ele se afastou, com sua colcha e seus pedaços de papelão, esgueirando-se pelos cantos como um ratinho.

Não acredito que tenha ido. Certamente continuará rolando por aí mesmo, mais dia menos dia transformado em pivete, se exercitando na prática de pequenos furtos, em que, pelo jeito, ainda não se iniciou. E se por acaso voltarmos a nos encontrar daqui a uns poucos anos, não me resta nem a esperança de que me reconheça e não me mate – pois seguramente, e com justas razões, já estará transformado em assaltante. (SABINO, 1995, p.31-34).

Depois da leitura da crônica, você, professor, deve fazer oralmente comentários

sobre os temas abordados nas crônicas, reportam-se a questões humanas e

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universais. Leve os alunos a perceberem a relação que existe entre os temas

abordados, inferir e contextualizar na forma que o autor recorre ao poético para

fazer valer sua crítica. Registrando em suas crônicas diversas situações e

circunstâncias ocorridas nos meios em que viveu, transpondo para o leitor sua

percepção através de um olhar sensível e singelo.

ATIVIDADE ESCRITA DE INTERPRETAÇÃO E DOS ELEMENTOS

COMPOSICIONAIS DO TEXTO

1- É possível afirmar que a crônica Protesto Tímido dialoga com Menino de Rua?

Sim, uma vez que os fatos narrados se assemelham como se um menino continuasse outro, como

representação de todos os meninos de rua.

2- A crônica narra acontecimentos do cotidiano. Que fatos estão sendo enfatizados

nas crônicas de Sabino?

Menor abandonado, criança dormindo na rua, pobreza, crianças moradoras de rua.

3- Qual é o foco narrativo? (tipo de narrador)

Narrador em 1ª pessoa participa dos fatos e relata de acordo o seu ponto de vista.

4- A relação intertextual se faz presente de modo bastante explícito no título e no

trecho “A injustiça não se resolve/ a sombra do mundo errado/ murmuraste um

protesto tímido...”. A que poeta e poema se referem o narrador?

De modo explícito o próprio título e trecho da crônica se reportam ao poema Consolo na praia de

Carlos Drummond de Andrade.

5- É possível perceber que o texto dialoga também com um outro poema, de modo

implícito, você saberia dizer qual poema é esse?

O Bicho de Manuel Bandeira.

6- Como o autor descreve a criança que encontrou dormindo na rua?

2º parágrafo.

7- Qual é o ponto de vista do narrador a respeito do assunto do texto?

Que as crianças são frutos das injustiças sociais.

8- O autor expressa alguns sentimentos em relação ao assunto do texto, voltamos

ao texto “Protesto Tímido” para identificar seus sentimentos. (indiferença,

ceticismo, impotência, indignação, ironia). Explique.

“Outros, como eu, iam passando, sem tomar conhecimento de sua existência.”

“Segundo as estatísticas, como ele existem nada menos que 25 milhões no Brasil, que se pode

fazer?”

“Não sou poeta e minha prosaica competência se limita a esse retângulo impresso”.

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“Mas estamos em pleno século XX, vivendo a era do progresso para o Brasil, conquistando um

futuro melhor para os nossos filhos.”

“Remover esse lixo?”

ANÁLISE LINGUÍSTICA

Professor, neste momento, podemos trabalhar alguns conceitos e outras atividades

sobre palavras homônimas, polissêmicas, figuras de linguagem orações

coordenadas e os conectivos e orações subordinadas adverbiais, já que são

conteúdos básicos à série em questão.

1- Na frase “... que me parece a poucos passos um simples monte de lixo”. As

palavras passo e paço são homônimos (palavras com a mesma pronúncia e às

vezes, a mesma grafia, mas sentidos diferentes). Solicitar ao aluno que pesquise

outros exemplos de homônimos.

2- Em “... as mãos protegendo a cabeça”. A palavra destacada pode ter vários

significados (polissemia). Solicitar ao aluno que pesquise os diferentes

significados.

3- Na frase “Precisamos enriquecer o país, produzir, economizar divisas, combater a

inflação, pechinchar. O Brasil é feito por nós. Com isso, Todos os problemas se

resolverão, inclusive o do menor abandonado. Qual figura de linguagem é

utilizada?

Ironia

4- Na expressão: ''... era um bicho...'', qual é a figura de linguagem presente?

Metáfora.

5- No trecho, “... que se esgueiram como ratos em torno aos botequins e

lanchonetes...”, qual o efeito de sentido do termo “como”?

Comparação (analisa semelhanças e diferenças).

6 – Em: “... Ou seria melhor pagar melhor incinerar”, “... e nos importunam

cutucando-nos de leve...” “Mas a verdade é que hoje vi meu filho dormindo na

rua”., “... se eu o acordasse para lhe dar todo o dinheiro...”. Observe as

palavras em destaque. Considerando os conectivos, temos, respectivamente,

orações coordenada alternativa, coordenada aditiva, coordenada adversativa e

subordinada adverbial condicional. Trabalhar os efeitos de sentidos e a relação

com a construção dos sentidos no texto.

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Cada conectivo, além de ligar orações, também atribui sentidos específicos, o qual são

denominados: relações de sentido, na oração acima temos o sentido de alternância (cria opções e

sugere escolhas), soma (acrescenta informações), oposição (estabelece contradições) e condição

(indica possibilidade).

Professor, ao trabalhar a relação intertextual da crônica “Protesto tímido” que se

relaciona diretamente com o poema “Consolo na praia” de Carlos Drummond de

Andrade, você poderá ler para os alunos o poema de Drummond, porém antes da

leitura vale conversar sobre poesia com eles, fazendo os seguintes

questionamentos:

1- Que concepção vocês têm de poesia?

2- A poesia é importante na vida de vocês?

3- Costumam ler poemas?

4- É importante estender o conceito de poesia além do texto escrito, falar para

os alunos, que a poesia está em uma pintura, uma escultura, uma fotografia,

uma cena de um filme.

5- A poesia e o poema são a mesma coisa?

6-Vocês sabem quem foi Carlos Drummond de Andrade, já leram outros textos

desse autor, sabem algo sobre seu estilo?

Professor, é importante falar para os alunos que o poema “Consolo na praia”, foi

retirado do livro “A Rosa do povo”, lançado em 1945. Época que o mundo estava

se recuperando da 2ª Guerra Mundial e no Brasil, as pessoas viviam a ditadura

Vargas. Que essa situação acabou influenciando a poesia de Drummond, que

queria mostrar o sofrimento da população em seus poemas. Para conhecer mais

sobre Drummond, você poderá pedir como atividade extraclasse uma pesquisa

sobre sua biografia. Em seguida, proponha que todos juntos façam a leitura do

poema, que é um dos mais belos da nossa literatura.

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TEXTO 4

O POEMA

CONSOLO NA PRAIA

Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores. A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis carro, navio, terra. Mas tens um cão.

Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros.

Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho. (A Rosa do Povo)

Depois da leitura do poema, você poderá fazer uma breve interpretação oral,

porém o foco principal é apresentar a relação intertextual na crônica de Sabino, que

se faz presente, acionada de maneira indireta pelos versos do poema “O bicho”, de

Manuel Bandeira, e de modo bastante direto ao poema “Consolo na praia”, de

Carlos Drummond de Andrade. O próprio título da crônica “Protesto tímido” se

reporta ao poema de Drummond e aos versos transcritos por Sabino que destacam

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e reforçam os dados estatísticos “nada menos que 25 milhões no Brasil” e as

indagações do autor “Qual seria a reação do menino se eu o acordasse para lhe dar

todo o dinheiro que trazia no bolso? Resolveria o seu problema? O problema do

menor abandonado? A injustiça social?”. Questionar com os alunos e dizer que no

caso de “Protesto tímido”, o poema de Drummond funciona não só como título e

forma de compor a denúncia social tímida do cronista, mas também como modo de

construção do texto, pois o alento do poeta ao menino, pedido que ele durma,

ocorre também no final da crônica de Sabino: “Pode ser. Mas a verdade é que hoje

eu vi meu filho dormindo na rua, exposto ao frio da noite, e além de nada ter feito

por ele, ainda o confundi com um monte de lixo”. O espaço onde o autor podia

denunciar sua crítica era o mesmo através da crônica que trata das amenidades

cotidianas, dos embates reais com os leitores, das discussões sobre seu fazer

diário.

O próximo texto a ser estudado é do poeta Manuel Bandeira, porém antes da

leitura, vamos falar um pouco de Manuel Bandeira e sua poesia social, depois

passar a biografia do poeta Manuel Bandeira disponível no site:

www.releituras.com/mbandeira_bio.asp. Sabendo que o poeta possuía facilidade

para escrever, chegava perto da perfeição na arte do verso livre, ele destacou o

social em suas obras sem ser imparcial, relatava os acontecimentos do cotidiano de

uma maneira muito simples. Em seguida, proponha que todos juntos façam a leitura

(como um jogral).

TEXTO 5

O POEMA

O BICHO

Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho Na imundície do pátio, Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade.

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O bicho não era um cão. Não era um gato. Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. (BANDEIRA, 2006, p. 35).

Durante a leitura, lembrá-los que a crônica “Protesto tímido” dialoga com o poema

“O bicho”, de Bandeira, pelo fato de um ser humano se assemelhar a um “monte de

lixo”. Abordar a questão fonológica “Bicho x Lixo”. Promover uma socialização das

discussões e reflexões sobre o tema abordado e responder oralmente as perguntas:

1- Você já conhecia o poema?

2- Quando você começou a ler desde o título e durante todo o poema, o enunciador

narra um fato como se estivesse falando de um animal. Quando você quebra essa

expectativa?

3- Você conhece alguém que passou por situação semelhante a essa?

4- Você se espantou ao ler o poema?

5- Despertou algum sentimento?

6- O que motivou o homem a catar restos?

Professor, depois da leitura, promover socialização das informações e reflexão

sobre o gênero. Entregar aos alunos as seguintes atividades que tem como objetivo

assimilar as informações implícitas e explícitas, bem como, explorar os aspectos

linguísticos do texto.

1- Qual o assunto do texto?

A triste situação de um homem com fome.

2- Qual é o tema?

A situação degradante em que se encontra um homem, exclusão social.

3- O que o texto mostra quando o homem chega a essa situação?

Que ele passa a agir como um animal irracional, ele perde a dignidade.

4- No texto está explícita uma situação de riqueza x pobreza?

Sim. Uma pessoa ia passando em algum lugar e viu um homem remexendo no lixo a procura de

comida, restos jogados por outras pessoas.

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5- O homem se vê num estado tão lastimável, em situação miserável que tem que

se submeter a catar os restos que as outras pessoas deixaram. Passa a agir

como um animal irracional. Por quê?

Para atender suas necessidades primárias.

6- Qual poderia ser a intenção do autor ao usar a palavra bicho para referir-se ao

homem?

O homem se viu reduzido à condição animal.

7- O poema foi escrito em 1947, continua sendo lido e analisado. Qual a razão?

Porque a poesia não envelhece, ela não morre e o tema continua atual.

8- O termo “bicho”, usado por Manuel Bandeira é uma metáfora. Você acha que se

alguém se encontra em uma situação miserável pode animalizar-se? Explique.

9- Por que há pessoas abandonadas pela sociedade?

10-Que relação pode se notar no texto O lixo e o poema O bicho?

Os dois textos falam do lixo, no primeiro o lixo é descartado pelo homem, no segundo o lixo é

utilizado para matar a fome do homem.

Professor, você poderá trabalhar o artigo indefinido, os verbos e o emprego dos

mesmos e o paralelismo nos poemas. O paralelismo ocorre quando num texto, há

palavras ou estruturas sintáticas que se repetem e se correspondem entre si.

Professor, tendo como pressuposto que toda leitura provoca outras leituras, e que

ao ler as crônicas “Na escuridão miserável” e “Notícia de Jornal” de Fernando

Sabino somos levados, quase que diretamente, ao poema “O bicho”, de Manuel

Bandeira. O diálogo entre Sabino e Bandeira é possível devido ao modo como

ambos captam o cotidiano e a realidade (a fome do homem), observando a

“desumanização” do homem por meio da expressão “bicho”: enquanto nas

crônicas de Sabino, há rebaixamento da condição humana no trecho “um bicho,

não é um homem”, e a comparação “como os de um bicho”, no poema o espanto

nasce da igualdade entre homem e bicho. Vamos fazer mais essas leituras, porém

antes da leitura da crônica Na escuridão miserável, ative o conhecimento de

mundo dos alunos expondo fotos de crianças trabalhando em diversos tipos de

atividades como: no trânsito, nas ruas (pedintes), na plantação de cana,

recolhendo lixo, etc (essas fotos, você poderá pedir como tarefa de casa e que

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procurem em revistas, jornais ou outras fontes). Verifique também, se eles sabem

que Leblon, Jardim Botânico e Praia do Pinto são bairros do Rio de Janeiro. E que

a favela da Praia do Pinto foi definitivamente extinta em 1970, após um incêndio

de grandes proporções, que para muitos, intencional, destruindo boa parte da

comunidade. Esse procedimento visa ativar os conhecimentos prévios dos alunos

estimulando-os para a leitura. Solicite aos alunos que façam uma leitura silenciosa

e que durante a leitura, pensem quem são as crianças que trabalham na escola,

que tipo de trabalho elas exercem. Caso os alunos queiram saber mais sobre a

Praia do Pinto, acessem: http://www.favelatemmemoria.com.br/tres-casos-

catacumba-praia-do-pinto-e-esqueleto/.

TEXTO 6

A CRÔNICA

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

Fernando Sabino

Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar através do vidro da janela junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:

- O que foi minha filha? - perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola.

- Nada não senhor - respondeu-me, com medo, um fio de voz infantil. - O que é que você está me olhando aí? - Nada não senhor - repetiu. - Tô esperando o ônibus... - Onde é que você mora? - Na Praia do Pinto. - Vou para aquele lado. Quer uma carona? Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta: - Entra aí, que eu te levo. Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro

ganhava velocidade ia olhando duro para frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:

- Como é o seu nome? - Teresa. - Quantos anos você tem, Teresa? - Dez. - E o que estava fazendo ali, tão longe de casa? - A casa da minha patroa é ali. - Patroa? Que patroa?

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Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.

Hoje saí mais cedo. Foi “jantarado”. - Você já jantou? - Não. Eu almocei. - Você não almoça todo dia? - Quando tem comida pra levar de casa eu almoço: mamãe faz um embrulho

de comida pra mim. - E quando não tem? - Quando não tem, não tem - e ela até parecia sorrir, me olhando pela

primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, imunda, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos - um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês.

- Mas não te dão comida lá? - perguntei revoltado. - Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado. Mamãe disse pra

eu não pedir. - E quanto é que você ganha? Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro! Ela mencionara uma

importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.

- Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa?-perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:

- Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras. E aí no outro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados. Pode parar que é aqui moço, obrigado.

Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto... (Fernando Sabino)

Professor, depois da leitura silenciosa, podemos fazer grupos para leitura oral e

promover algumas discussões sobre o tema, levando os alunos a perceber a

relação que existe entre os temas abordados nas crônicas já trabalhadas. A relação

intertextual “de um bicho”, “como de um animalzinho”, a questão social “mirrada”,

“raquítica”, “madame”. Depois das discussões, podemos passar par uma atividade

escrita de interpretação e elementos composicionais do texto.

1- A crônica é quase sempre um texto curto, com poucas personagens, que se

inicia quando os fatos principais da narrativa estão por acontecer. Por essa

razão, o tempo e o espaço são limitados. Na crônica “Na escuridão

miserável”:

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a) Quais são as personagens envolvidas na história?

b) Onde acontecem os fatos narrados?

c) Qual o tempo de duração desses fatos?

d) Qual é o tipo de narrador? Justifique sua resposta.

e) Que tipo de variedade linguística é adotado na crônica: a variedade formal ou

informal? Justifique sua resposta.

f) Que objetivos o autor da crônica Na escuridão miserável tem em vista: criar

humor e divertir ou levar o leitor a refletir criticamente sobre a vida e os

comportamentos humanos?

g) O narrador deixa transparecer seu sentimento de indignação e revolta,

envolvendo o leitor? Justifique com trecho do texto.

h) Em relação à linguagem, a crônica está mais próxima do noticiário geral de

um jornal ou de textos literários, como o conto, o mito, o poema?

i) Por que os direitos das crianças não são respeitados pela sociedade? Quais

as consequências disso?

A próxima crônica também há uma relação intertextual com o poema “O bicho”, de

Manuel Bandeira. Um rebaixamento da condição humana no trecho “um bicho, uma

coisa – não é um homem”, pois afirma que o homem caído na rua podia ser

qualquer coisa, menos um homem. Antes da leitura, propomos escrever o título

do texto no quadro e fazer levantamento de hipóteses com os alunos sobre qual o

tema da crônica. Após essa atividade, sugerir uma leitura silenciosa e

posteriormente, você, professor, faça a leitura oral do texto. Durante a leitura, peça

aos alunos para observarem que o início da crônica o autor descreve o

acontecimento tal qual uma notícia jornalística: objetiva, literal, rápida, mas à

medida que o texto avança, percebe-se que o autor constrói um retrato da

realidade, onde as instituições são falhas e as pessoas indiferentes.

TEXTO 7

A CRÔNICA

NOTÍCIA DE JORNAL

Fernando Sabino

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Leio no jornal a notícia de que um homem morreu de fome. Um homem de

cor branca, trinta anos presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem

socorros, em pleno centro da cidade, permanecendo deitado na calçada durante

setenta e duas horas, para finalmente morrer de fome.

Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos de comerciantes, uma

ambulância do Pronto Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram

sem prestar auxílio ao homem, que acabou morrendo de fome.

Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um homem)

afirmou que o caso (morrer de fome) era da alçada da Delegacia de Mendicância,

especialista em homens que morrem de fome. E o homem morreu de fome.

O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao Instituto Médico-

Legal sem ser identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome.

Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um

homem caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um

tarado, um pária, um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa – não é um

homem. E os outros homens cumprem seu destino de passantes, que é o de passar.

Durante setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem que morre de fome,

com um olhar de nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar

nenhum. Passam, e o homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido

entre os homens, sem socorro e sem perdão.

Não é da alçada do comissário, nem do hospital, nem da radiopatrulha, por

que haveria de ser da minha alçada? Que é que eu tenho com isso? Deixa o homem

morrer de fome.

E o homem morre de fome. De trinta anos presumíveis. Pobremente vestido.

Morreu de fome, diz o jornal. Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais

morrerão de fome, pedindo providências às autoridades. As autoridades nada mais

puderam fazer senão remover o corpo do homem. Deviam deixar que apodrecesse,

para escarmento dos outros homens. Nada mais puderam fazer senão esperar que

morresse de fome.

E ontem, depois de setenta e duas horas de inanição, tombado em plena

rua, no centro mais movimentado da cidade do Rio de Janeiro, um homem morreu

de fome.

Morreu de fome. (Sabino, p. 39-40)

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Depois da leitura, podemos afirmar que essa crônica flagra um fato do cotidiano, o

autor usa de uma notícia de jornal para a construção da crônica, cheia de crítica

social e política. Ele repete a expressão “morreu de fome” muitas vezes no texto

para mostrar sua indignação diante da falta de solidariedade das pessoas e para

chamar atenção a um acontecimento banal nas grandes cidades, mas para o autor

singular. Professor, poderão ser feitos comentários sobre o tema (a fome, exclusão

social), o assunto (a falta de solidariedade humana) e personagem. Podemos dizer

também, que nas crônicas: Protesto Tímido, Menino de rua e Na escuridão

miserável, as personagens são crianças em condição total de carência social. Em

Notícia de jornal a personagem apesar de adulta, se encontra em total situação de

abandono, onde o homem que morreu de fome teve a mesma classificação que o

menor abandonado: tanto um quanto o outro estavam à margem da sociedade.

Mesmo não estando explícito no texto, pode-se ler nas entrelinhas que a verdadeira

razão da insistência dos comerciantes era providenciar a retirada do corpo do

homem do local para não atrapalhar. Fica implícito quando o autor usa a ironia:

“Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais morrerão de fome, pedindo

providências às autoridades”.

PRODUÇÃO DE TEXTO

Professor, levar jornais para a sala de aula para que os alunos procurem uma

notícia e a partir da notícia escrevam sua crônica, ou se preferirem a produção pode

ser livre. Lembrado aos alunos as características da crônica. Depois das crônicas

produzidas pelos alunos será o momento de expor à comunidade escolar os

trabalhos realizados.

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