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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · religião tradicionalmente predominante no Brasil. Esta crescente diversidade cria a necessidade de um ... Entre os anos de 1872

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RELIGIÃO E SALA DE AULA

O Diálogo Interreligioso e a Construção da Cidadania

Luiz Antonio Piai¹

Geovanio Edervaldo Rossato²

RESUMO: A atual globalização econômica e os processos de democratização das instituições sociais e

políticas levam a aceleradas transformações em todos os setores da vida humana. Como reflexo disto e

no que se refere à dimensão religiosa, a instituição escolar vive um forte processo de secularização

fazendo surgir uma sociedade diversificada e complexa também nesse aspecto.

Na prática, isto atinge uma ampla gama de alunos e professores, que se tornam agnósticos, ateus ou

ecléticos e passam a professar os mais variados tipos de credo em paralelo ao declínio do catolicismo,

religião tradicionalmente predominante no Brasil. Esta crescente diversidade cria a necessidade de um

repensar sobre as formas de nos relacionarmos com a fé, com as crenças alheias, cientes de que o

respeito a esta dimensão demonstra um profundo apreço ao ser humano. Por esta razão, a escola deve

propiciar um diálogo interreligioso promovendo o encontro, o respeito mutuo, a ética e a construção da

cidadania através do conhecimento das diversas visões e práticas do sagrado.

Palavras-chave: Diálogo Interreligioso. Escola. Cidadania. Respeito.

¹ Professor de Sociologia da Rede Pública de Estado do Paraná, Pedagogo pela faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Bernardo do Campo – SP. Especialização em Filosofia da Educação pela FAI – Faculdades Associadas do Ipiranga – SP. Especialização em EJA – Educação de Jovens e Adultos pela FAINSEP – Faculdade Instituto Superior de Educação do Paraná. E-mail: [email protected]

² Pós-Doutor em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Barcelona (Espanha); Professor Associado do Departamento de Ciências Socais, da Universidade Estadual de Maringá, Paraná. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira ao longo das ultimas décadas tem se modificado

rapidamente em todos os setores da vida como consequência direta dos processos de

globalização da economia e da implementação da democracia enquanto valor de

fundamental importância para a consolidação do mundo atual.

Neste caso, podemos citar o surgimento das novas tecnologias de informação e

de comunicação, da biotecnologia, das novas formas de produção capitalista, e

consequentemente das mudanças de ordem social e política, tais como, a rápida

urbanização, o crescimento da miséria, problemas ecológicos, o crescimento da

violência urbana e da secularização.

No âmbito religioso, há um crescente número de pessoas que abandonam o

catolicismo, religião tradicionalmente predominante no Brasil e passam a professar sua

crença em outra religião, cristã ou não, tornam-se agnósticas, ateias, ecléticas, etc.

Surge, assim, uma sociedade diversificada e complexa do ponto de vista ao sagrado,

definido por CHAUÍ (2003: 253) como “(...) A qualidade excepcional, boa ou má,

benéfica ou maléfica, protetora ou ameaçadora que um ser possui e que o separa e

distingue de todos os outros (...)”.

Sabemos que esta nova realidade exige maior diálogo, porém, contrariamente, a

intolerância cresce em todos os lugares, na medida em que o diálogo é substituído pela

força e pela violência. CAULYT (2013), por exemplo, nos aponta que “o número de

denúncias referentes à intolerância religiosa no Brasil, feitas pelo disque 100 da

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aumentou de 15, em

2011, para 109, em 2012”.

Isso tudo se reflete também no ambiente escolar, demandando o

desenvolvimento de uma relação de ensino e aprendizagem que promova uma relação

dialógica entre as diversas crenças (aí incluindo o ateísmo) que passam a coexistir no

ambiente escolar, na medida em que professores e alunos professam diferentes

crenças religiosas e defendem diferentes conceitos acerca do sagrado.

Desse modo, algumas indagações se tornam patentes: de que forma ocorre a interação

da heterogeneidade de credos no cotidiano escolar? Em que medida esta

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heterogeneidade é trabalhada em sala de aula? E, especificamente, existe espaço para

o dialogo interreligioso no Centro de Educação Básica para Jovens e Adultos Professor

Manoel Rodrigues da Silva, na cidade de Maringá, Paraná?

Neste sentido, constatamos que é preciso um repensar sobre as formas de nos

relacionarmos E, respeitarmos as crenças (e descrenças) alheias, cientes de que tal

atitude revela um profundo apreço ao humano.

Nesse contexto, a escola deve se converter em um espaço de aprendizagem

importante propiciando um trabalho de diálogo interreligioso que promova o encontro, o

respeito mútuo, a ética e a construção da cidadania através do conhecimento acerca

das diversas visões e práticas do sagrado, bem como o conhecimento dos diferentes

fundamentos que sustentam o ateísmo.

Com isto, não só haverá um cotidiano escolar mais plural, mas uma sociedade

menos intolerante, motivo pelo qual, através do nosso Projeto de Intervenção

Pedagógica, quisemos proporcionar aos alunos do ensino médio do CEEBJA, através

da disciplina de Sociologia, a possibilidade do diálogo interreligioso, visando à

construção da cidadania.

SOCIEDADE, ESCOLA E RELIGIÃO

Com a chegada dos europeus no Brasil o catolicismo tornou-se a religião oficial,

tornando o país um estado confessional do período colonial ao Brasil Império, até a

constituição de 1891.

No entanto, isto não impediu que fossem incorporadas à cultura nacional

diversas práticas religiosas indígenas e africanas. Do mesmo modo, as práticas

religiosas europeias dissidentes do catolicismo aqui chegaram com as primeiras igrejas

protestantes a partir da vinda da família real portuguesa, em 1808.

A partir do Segundo Reinado, de 1840 a 1889, o número de seguidores da Igreja

Católica foi diminuindo. Entre os anos de 1872 e 1970, o catolicismo perdeu 7,9% do

número de fiéis, processo que se acelerou nas últimas quatro décadas quando esse

número que era de 91,1% da população em 1970, chegou a 64,6%, impulsionando o

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crescimento, sobretudo, de evangélicos (cristãos protestantes), de pessoas sem vínculo

com uma instituição religiosa e de ateus, de acordo com a pesquisa do censo 2010,

(IBGE: 2012).

Mas, o que impulsionou esta mudança significativa no perfil religioso da

população brasileira?

Como explicação plausível, pode-se afirmar que o mundo atual vive em

constante e rápida transformação gerando uma gama de incertezas, conduzindo-nos

historicamente a uma profunda e possivelmente inédita crise de valores.

Para melhor situarmos esta condição de mudanças velozes, podemos citar a

globalização como um processo de integração profunda em todos os setores da

sociedade, objetivando o barateamento da mão de obra e o aumento do lucro das

empresas; os avanços científicos, a partir dos anos de 1980, em diversas áreas, como a

Biologia, a Informática, as telecomunicações; o surgimento do chamado neoliberalismo,

cuja ideologia defende a pouca participação do estado na economia e na área social.

Este novo palco global de relações econômicas e políticas, sobretudo após o

colapso da União Soviética, propiciou uma crescente internacionalização e monopólio

do capital, gerando mudanças nas relações interpessoais e nas relações entre as

diversas sociedades, através da hegemonia quase absoluta do capitalismo, que

privilegia o individualismo em detrimento da vida em comunidade, o vem provocando

um vertiginoso aumento de pessoas que circulam pelo mundo em busca de emprego e

de melhores condições de vida.

Sabe-se que mudanças econômicas modificam o cotidiano social, pois a pessoas

seguem produzindo e reproduzindo suas vidas diariamente, adaptando-se a novas

formas de trabalho e de relacionamento social.

O caso brasileiro é interessante. O Brasil era habitado por uma grande

quantidade de povos indígenas que possuíam suas próprias crenças e cultura. No início

do século XVI, com a expansão do capitalismo mercantilista, o colonizador português

chega ao Brasil e imprime um processo de conquista e de ocupação. Primeiramente

explora o corte do pau-brasil utilizando-se do trabalho indígena; posteriormente, tira

proveito do plantio da cana de açúcar com a importação da mão de obra escrava negra

trazida de distintos lugares da África.

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Segundo GOES (2008), o Brasil importou 3.600.000 escravos, população que, ao

aqui chegar, era separado de seu grupo linguístico e cultural e era então colocada junto

com povos diferentes para que não pudesse se comunicar e se organizar para resistir.

Esse processo, que teve início no século XVI, com o ciclo da cana-de-açúcar, seguiu

em frente com a chegada do ciclo do ouro, no final do século XVII até seu ocaso, no

século XVIII.

Entre meados do século XIX e o início do século XX, devido à lavoura de café, o

Brasil recebe uma forte leva de imigrantes, principalmente europeus, mas também

turcos e árabes, em sua maioria de religião muçulmana, e japoneses que professavam,

em geral, o budismo, o xintoísmo e outros credos orientais.

Este processo histórico permite, nos dias atuais, que o OLE - Observatório da

Laicidade do Estado conclua que,

Quando comparado a outros países, o campo religioso é, no Brasil,

especialmente complexo, pois abrange religiões de diferentes graus de

institucionalização e de distintas tradições culturais. Desde o monoteísmo

judaico-cristão até o politeísmo indígena ou de origem africana, e as mais

recentes incorporações de tradições orientais, inclusive de religiões que não

possuem a noção de deus. (...) No meio do caminho, estão as Igrejas

Evangélicas Pentecostais, algumas com maior grau de institucionalização,

outras menor, pois a criação de nova igreja depende da iniciativa e da liderança

do pastor ou do ministro dissidente, inaugurando sua própria confissão.

De fato, em sendo a religião também uma forma de expressão da cultura, nota-

se que a formação do povo brasileiro é marcada pela multirreligiosidade e pela

multiculturalidade.

Neste sentido, toda esta miscelânea histórica vivida pelo povo brasileiro foi

acrescida de um processo de industrialização e urbanização que, iniciado a partir de

meados do século XX, aliou-se, nas ultimas décadas, à globalização e ao

neoliberalismo. Isso tudo nos leva a refletir: como diferentes culturas se relacionam em

um ambiente urbano, cujo restrito espaço concentra meios sociais diversos e indivíduos

com valores extremamente diferentes?

Assim nos responde GUERRA (2008:98):

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Nada que seja de estranhar, pois as cidades sempre se opuseram ao campo

pela sua heterogeneidade social e cultural sendo, por definição, consideradas

«cosmopolitas» na medida em que concentra num território restrito uma grande

diversidade de indivíduos de culturas e meios sociais diferentes. É isso que

torna as cidades lugares de inovação (identificada com a cultura urbana), mas

também, e paradoxalmente, lugares de tensão e de confronto cultural.

Devemos lembrar, ainda, que a urbanização brasileira ocorreu, por via de regra,

em forma desordenada e milhões de pessoas se deslocaram das regiões norte e

nordeste em direção, principalmente, às regiões sudeste e sul. Ao chegarem não

encontraram infraestrutura mínima de habitação, emprego, educação, saneamento

básico etc. Desamparadas incharam os centros urbanos, fazendo crescer

acentuadamente os problemas sociais.

Nas palavras de PINHO (2012:1):

A década de 80 mergulhou o país numa crise econômica maior ainda,

aumentando o abismo social e a segregação existente na cidade. Os

indicadores sociais urbanos continuaram piorando, aumentou o processo de

favelização e a violência e o processo de migração para as cidades foi

intensificado agravando ainda mais esses indicadores.

Essa situação de miséria aprofundou a exclusão social que, em muitos casos,

fica trágica e especialmente visível, quando favelas e residências de alto padrão

ocupam espaços vizinhos.

Todas essas transformações não somente aprofundaram contradições sociais e

econômicas, mas, de igual modo, também interferiram nas relações interculturais

vividas.

Sabemos que cada indivíduo traz consigo um repertório cultural em que a

religião ocupa lugar considerável. Nesse sentido, torna-se relevante o fato de que, nos

últimos trinta anos, o panorama da religiosidade se modificou profundamente no Brasil.

A tradicional Igreja Católica, ao que parece, não soube dar respostas a nova realidade

social surgida. Disso resultou um crescimento surpreendente das igrejas pentecostais,

que ocuparam um espaço aberto por esta nova configuração da vida, principalmente a

urbana.

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Segundo CARRERO (2007: 118):

Para os teóricos do Pentecostalismo clássico do Brasil e da América Latina, a

face pentecostal do meio evangélico sempre foi compreendida como um refúgio

das classes populares e como local de reintegração dos laços perdidos com a

transferência de enormes contingentes do meio rural para o meio urbano. As

firmas pentecostais desempenhariam o papel de formadora de comunidades

fraternais capazes de integrar os nãos privilegiados.

Após uma forte secularização dos valores e do surgimento de novos credos e do

declínio do catolicismo, faz-se necessário um diálogo que reconheça como válida

outras formas de cultuar (ou de não cultuar) o sagrado, especialmente diante do fato de

que o pluralismo religioso vem forjando a atual identidade social, formando pessoas que

estarão interagindo no cotidiano social, seja em sala de aula ou fora dela. Por isso a

escola precisa estar atenta para que as diferentes crenças relativas ao sagrado sejam

uma oportunidade para se construir um diálogo aberto e estritamente respeitoso sobre

o que nos é diferente, de modo que a diferença promova a valorização dos direitos

humanos e a cidadania.

Por esta razão, desenvolvemos um trabalho de pesquisa de campo com os

alunos do ensino médio no Centro de Educação Básica para Jovens e Adultos

Professor Manoel Rodrigues da Silva, localizado em Maringá/Paraná, visando entender

como se dá o diálogo interreligioso no cotidiano desta instituição escolar.

Conhecer para compreender!

Devido ao pouco conhecimento que os educandos em geral possuem sobre

religiões diferentes da sua própria, foram trabalhados, nas aulas de Sociologia, textos

do Livro Didático Público do Paraná sobre religiões, vídeos sobre intolerância, e

realizados debates, seminários e um questionário prévio sobre algumas das religiões

mais praticadas no Brasil.

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Este trabalho de construção de um espaço para reflexão sobre a diversidade de

crenças religiosas teve a colaboração de diversos professores de Sociologia do Estado

do Paraná, através do ambiente virtual de ensino e aprendizagem, conhecido como

GTR – Grupo de Trabalho em Rede.

Com o GTR, foi possível a socialização do Projeto de Intervenção Pedagógica

sobre o tema em questão, o que permitiu a troca de ideias e o benefício de sugestões

que possibilitaram uma melhor compreensão do tema exposto. Um dos pontos

interessantes sugerido pelos professores foi o de se trabalhar com uma pesquisa

prévia, através de um questionário para a identificação tanto do perfil religioso dos

educandos quanto de sua maior ou menor abertura para aceitar diferentes crenças

professadas pelas pessoas.

O objetivo desta dinâmica era o do promover uma reflexão a respeito da

igualdade, do diálogo, da liberdade de expressão e de religião e da busca do bem

comum, trabalho que se revelou necessário, pois as respostas dos alunos do ensino

médio ao questionário revelaram, por exemplo, que 30% dos alunos católicos não

aceitam ateus e 15% não aceitam quem professam alguma religião de origem africana.

Dos alunos que se declararam evangélicos, 58% não aceitam ateus e 24% não aceitam

os que professam alguma religião de origem africana.

Sendo assim, as escolas podem exercer um papel crucial na implantação de um

diálogo interreligioso, contribuindo para que o aluno perceba que sua crença é apenas

uma entre as inúmeras outras possibilidades de acesso ao sagrado, que religião e

pessoa alguma têm o monopólio da verdade e que ateísmo e “bom” caráter não se

excluem mutuamente.

Todas as religiões possuem suas belezas e encantos, pois têm a função de

acolher, de apaziguar os temores, de conduzir seus adeptos a uma vida de reflexão e

oração, de levá-los a sentir que não estão abandonados quando sozinhos e de

confortá-los por meio da crença de que um Ser (ou seres) superior pode vir em seu

auxílio a qualquer momento, de que a morte não é um destino trágico. Quanto ao

ateísmo e sua posição da não existência do sagrado, a beleza reside no fato de

demonstrar a possibilidade de se existir uma ética humanista sem a necessidade de

recompensas ou castigos em uma suposta vida pós-morte.

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Desta forma, cada crença ou não possui sua verdade e beleza, mas não “a

verdade” ou a “beleza”. Neste sentido, conhecer outras crenças abre a possibilidade de

compreender outras dimensões da vida e do universo.

Como nos lembra DURKHEIM (1983:206):

..., no fundo, não existem religiões falsas. À sua maneira, todas são

verdadeiras, todas respondem, mesmo que de diferentes formas, a condições

dadas da existência humana. [...] Todas são igualmente religiões, assim como

todos os seres vivos são igualmente vivos, desde os mais humildes plastídios

até o homem.

Quando falamos que o diálogo interreligioso é importante, necessário e urgente,

isto se deve ao seu lado reverso, ou seja, se não há diálogo, há intolerância. A história

está recheada de casos onde a intolerância atingiu níveis inimagináveis, tais como a

Inquisição, o nazismo, o fascismo, os gulags, por exemplo.

Após os horrores e flagelos da segunda grande guerra de 1945, as potências

vitoriosas, ainda sob forte impacto da barbárie, proclamaram a criação da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo XVIII diz:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;

este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de

manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela

observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Muito embora esta declaração não possua força legal, ela representa um

referencial para a tomada de consciência de que as pessoas possuem direitos que

devem ser respeitados, principalmente pelos governos que se reconhecem enquanto

Estados de Direito.

Partindo deste pressuposto, temos um longo caminho a trilhar. O ponto de

partida é a educação para a cidadania, entendida aqui a partir da concepção de

JOHNSON apud MARSHALL (1997:34): “onde se incluem o direito de livre expressão,

de ser informado sobre o que está acontecendo, de reunir-se, organizar-se, locomover-

se sem restrição indevida e receber igual tratamento perante a lei”.

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Neste caso, a escola pública, ao representar a figura do Estado, deve zelar pela

laicidade, por uma convivência democrática, devendo, portanto, tratar da diversidade

religiosa a partir da perspectiva das relações interculturais, possibilitando aos membros

da comunidade escolar compreender os diversos sentidos do sagrado e as diferentes

formas de reverenciá-lo.

A escola pode, portanto, constituir-se em local apropriado para a luta contra a

intolerância através de uma ética do respeito à diferença e do respeito ao outro.

Atualmente, a luta pelos direitos humanos é uma constante, seja através de

tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, seja

através de leis nacionais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou o Estatuto

do Idoso. Isto nos mostra que a ideia de igualdade se impôs e, em decorrência disso,

há uma preocupação em se fazer com que estes direitos cheguem a todas as pessoas.

A liberdade religiosa é uma expressão desta conquista humana, mas é preciso

colocá-la em prática, e a sala de aula pode ser o espaço para o aprendizado desta

igualdade e, consequentemente, da luta pelo fim da intolerância religiosa.

Por isto COTLER (2000:60) afirma que:

E o que é válido para a revolução e a contrarrevolução dos direitos do homem é

particularmente válido para os direitos do homem no plano religioso. De fato, a

liberdade religiosa não é somente o mais fundamental dos direitos do homem;

ela é, também, o principal entre os direitos incluídos nos tratados internacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo procurou mostrar a importância do respeito à diversidade

religiosa e de um trabalho educativo através das aulas de Sociologia no ensino médio,

uma vez que o diálogo interreligioso é essencial para a construção de uma sociedade

mais justa, mais fraterna e mais consciente. Ao abordar o tema religião sabemos que é

importante fomentar o respeito aos diferentes credos, tanto quanto fomentar o respeito

à crença na não existência do sagrado.

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A partir desta premissa, este trabalho voltou-se para a difusão de práticas

pedagógicas que buscam levar os alunos a refletir sobre suas atitudes, concepções e

comportamentos em relação às crenças alheias, visando, antes de tudo, a boa

convivência social e o respeito aos que pensam de formas diferentes.

Durante a implementação do Projeto Pedagógico, percebemos que alguns

alunos se manifestaram a favor de mudanças comportamentais. Nesse mesmo sentido,

vários professores participantes do GTR tiveram seu interesse despertado e acabaram

por utilizar em suas aulas alguns dos recursos pedagógicos proposto no Projeto de

Implementação Pedagógica contribuindo, ainda, com sugestões de outros recursos

didáticos valorosos.

Ao término da implementação do projeto, percebemos que a proposta de

construção do diálogo interreligioso correspondeu às expectativas dos envolvidos, pois

a leitura de textos, os vídeos e os debates, escolhidos também em função do

questionário sociorreligioso aplicado aguçaram a curiosidade dos envolvidos.

Sabemos que mudanças de paradigmas podem começar na escola, mas o ideal

é que extrapolassem o seus muros e envolvessem a comunidade na luta contra os

preconceitos. Não é um caminho fácil, mas absolutamente necessário na luta pela

construção da cidadania e de uma sociedade democrática.

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REFERÊNCIAS

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PINHO, João Ricardo Braga de. O crescimento das igrejas evangélicas no bairro de campo grande, município do Rio de Janeiro: um estudo de casa na Rua Artur Rios. Revista Brasileira De História Das Religiões, Ano IV nº XIII – Maio de 2012. Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf/st7/Pinho,%20Joao%20Ricardo%20Braga%20de.pdf>. Acesso em: 08 maio 2013.