78
OS DOZE PROFETAS MENORES Capítulo 1 Oséias, o Profeta do Amor I – Nome e personalidade – O nome de Oséias, como os de Josué e Jesus, provenientes da mesma raiz hebraica, significa “salvação”, “ajuda” e “libertação”. É provável que o profeta fosse natural de Israel do Norte, segundo indicam suas freqüentes alusões ao Líbano, Samaria, Betel, Jezreel e Ramá. Diz Ewald que “Em cada declaração parece que Oséias não apenas havia visitado o reino de Efraim como o havia feito Amós, mas conhecia-o do mais profundo do seu coração, segundo todos os seus feitos, propósitos e sortes, com os profundos sentimentos edificados por uma simpatia tal, que é concebível somente no caso de um profeta nativo”. Como um filho do campo, como um rústico, Oseías sacou muitas de suas pequenas e encantadoras figuras do lar, do horto e do rancho, conforme os versos Oséias 4:16; 7:4-8; 8:7; 10:11; 11:4; 13:3,15; 14:7. Aqui se encontram os contrastes com Amós, o qual retrata as áridas montanhas de Judá e o Mar Morto. Oséias é o missionário nacional de Israel do Norte, assim como Jonas o foi do exterior. Ele era manso, pensativo, inclinado à melancolia, mas também franco, afetuoso e cheio de patriotismo. Ele foi o Jeremias do reino setentrional e, como este, foi pouco menos que um mártir prefigurando a Pessoa de Cristo. Ambos foram ardentes patriotas, possuindo natureza religiosa e altamente sensível. Jeremias foi mais consciente de si mesmo em sua dor. Oséias foi mais delicado e controlado. Jeremias foi mais um teólogo, Oséias foi mais um poeta. Seu livro é uma profecia e ao mesmo tempo também, um dos mais evangélicos. Isso não se deve a nenhuma das predições especiais messiânicas nele contidas, mas ao fato de anunciar com séculos de antecipação “o novo mandamento” dos evangelhos, tendo sido ele o primeiro dos videntes a compreender a verdade de que Deus é amor e de que o pecado maior de Israel foi não ter reconhecido o amor de Deus. Por isso Oséias foi o evangelista João do Velho Testamento. II – O seu tempo – O título do seu livro diz: “PALAVRA do SENHOR, que foi dirigida a Oséias, filho de Beeri, nos dias de Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel (Oséias 1:1). Por isso Oséias, como Amós, começou a profetizar em tempo de grande prosperidade, tendo deixado de fazê-lo quando a nação lutava contra o poder da anarquia. Durante os seus primeiros anos, Jeroboão II era um grande monarca, uma espécie de Luiz XIV de Samaria. Ele encabeçava um despotismo militar arrogante, como um verdadeiro descendente de Jaú. Em seus dias, Israel esteve no ápice da prosperidade militar, mas, ao mesmo tempo, despencava com rapidez na corrupção moral. O II Livro de Reis nos informa que na morte de Jeroboão aconteceram dissensões internas, com políticos rivais sacrificando os interesses da nação aos seus próprios interesses, com príncipes corruptos tornando-se reis ilegais, com o poder nacional declinando seriamente. “O rei de

OS DOZE PROFETAS MENORES - …files.vocacaocelestial.webnode.com/200000893-723c773353/3905733-… · Oséias, o Profeta do Amor I ... o adulterar; fazem violência, um ato sanguinário

Embed Size (px)

Citation preview

OS DOZE PROFETAS MENORES

Capítulo 1

Oséias, o Profeta do Amor

I – Nome e personalidade – O nome de Oséias, como os de Josué e Jesus, provenientes da mesma raiz hebraica, significa “salvação”, “ajuda” e “libertação”. É provável que o profeta fosse natural de Israel do Norte, segundo indicam suas freqüentes alusões ao Líbano, Samaria, Betel, Jezreel e Ramá. Diz Ewald que “Em cada declaração parece que Oséias não apenas havia visitado o reino de Efraim como o havia feito Amós, mas conhecia-o do mais profundo do seu coração, segundo todos os seus feitos, propósitos e sortes, com os profundos sentimentos edificados por uma simpatia tal, que é concebível somente no caso de um profeta nativo”. Como um filho do campo, como um rústico, Oseías sacou muitas de suas pequenas e encantadoras figuras do lar, do horto e do rancho, conforme os versos Oséias 4:16; 7:4-8; 8:7; 10:11; 11:4; 13:3,15; 14:7. Aqui se encontram os contrastes com Amós, o qual retrata as áridas montanhas de Judá e o Mar Morto.

Oséias é o missionário nacional de Israel do Norte, assim como Jonas o foi do exterior. Ele era manso, pensativo, inclinado à melancolia, mas também franco, afetuoso e cheio de patriotismo. Ele foi o Jeremias do reino setentrional e, como este, foi pouco menos que um mártir prefigurando a Pessoa de Cristo. Ambos foram ardentes patriotas, possuindo natureza religiosa e altamente sensível. Jeremias foi mais consciente de si mesmo em sua dor. Oséias foi mais delicado e controlado. Jeremias foi mais um teólogo, Oséias foi mais um poeta. Seu livro é uma profecia e ao mesmo tempo também, um dos mais evangélicos. Isso não se deve a nenhuma das predições especiais messiânicas nele contidas, mas ao fato de anunciar com séculos de antecipação “o novo mandamento” dos evangelhos, tendo sido ele o primeiro dos videntes a compreender a verdade de que Deus é amor e de que o pecado maior de Israel foi não ter reconhecido o amor de Deus. Por isso Oséias foi o evangelista João do Velho Testamento.

II – O seu tempo – O título do seu livro diz: “PALAVRA do SENHOR, que foi dirigida a Oséias, filho de Beeri, nos dias de Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel (Oséias 1:1). Por isso Oséias, como Amós, começou a profetizar em tempo de grande prosperidade, tendo deixado de fazê-lo quando a nação lutava contra o poder da anarquia.

Durante os seus primeiros anos, Jeroboão II era um grande monarca, uma espécie de Luiz XIV de Samaria. Ele encabeçava um despotismo militar arrogante, como um verdadeiro descendente de Jaú. Em seus dias, Israel esteve no ápice da prosperidade militar, mas, ao mesmo tempo, despencava com rapidez na corrupção moral. O II Livro de Reis nos informa que na morte de Jeroboão aconteceram dissensões internas, com políticos rivais sacrificando os interesses da nação aos seus próprios interesses, com príncipes corruptos tornando-se reis ilegais, com o poder nacional declinando seriamente. “O rei de

Samaria será desfeito como a espuma sobre a face da água” (Oséias 10:7). Jeroboão foi, realmente, o último homem forte de Israel. Dos seis reis que o sucederam, somente Menaém morreu de morte natural. “Conspiração” era a chave da história desse período, conforme a II Reis 15. Zacarias reinou por seis meses, Salum, por um mês apenas. Em seu desespero, primeiro os reis se inclinavam numa direção, em seguida noutra, havendo logo um ou outro que se inclinava pela ajuda estrangeira, pagando tributo alternadamente à Assíria e ao Egito, até perderem definitivamente a independência e a autonomia nacional, esgotando os seus recursos e vendo-se forçados a se tornarem vassalos da Assíria. Quando acabou a sua independência, o declínio veio rápido. Para um patriota como Oséias, era terrível pedir ajuda aos governos estrangeiros (Oséias 8:9 e 10:6). Semelhante política não remediava a enfermidade moral da nação (Oséias 5:13). Inconscientemente, Efraim se tornou prematuramente velho, com “as cãs se espalhando sobre ele”, conforme Oséias 7:9. Todas as classes da sociedade se desmoralizavam. Além disso, os sacerdotes se tornaram bandidos, regozijando-se com os pecados do povo, pois estes lhes aumentavam os rendimentos.

As coisas iam de mal a pior, até que o profeta exclamou: “OUVI a palavra do SENHOR, vós filhos de Israel, porque o SENHOR tem uma contenda com os habitantes da terra; porque na terra não há verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus. Só permanecem o perjurar, o mentir, o matar, o furtar e o adulterar; fazem violência, um ato sanguinário segue imediatamente a outro” (Oséias 4:1-2). As condições eram terríveis. A religião havia se transformado na idolatria mais sensual. A vida familiar se fez dissoluta, razão pela qual o profeta a condenou mais que tudo. Para expressar o seu desespero, ele usou a palavra “fornicação” nada menos de 16 vezes. Como diz Davidson: “Oséias viveu, talvez, durante o tempo mais turbulento e inquieto jamais experimentado por Israel no passado”. A fúria das distintas facções era como o calor ardente: “Todos eles são adúlteros; são semelhantes ao forno aceso pelo padeiro, que cessa de mexer nas brasas, depois que amassou a massa, até que seja levedada” (Oséias 7:4). Em toda parte havia oposição entre os homens, sendo desesperadora a perspectiva da nação. O sol de Israel ia se pondo e somente um profeta poderia discernir o trágico fim da nação. De fato, pouco tempo depois que Oséias deixou de profetizar, o povo foi levado cativo para a Assíria pelo rei Sargão (II Reis 17).

III - Duração do ministério de Oséias – Alguns crêem que o seu ministério ativo perdurou apenas dez anos. Essa opinião se apóia nas referências do profeta a Gileade, em Oséias 6:8 e 12:11, as quais parecem indicar que o profeta ignorava a guerra entre a Síria e Efraim (734 a.C). Contudo, mais recentemente, Alt declarou que Oséias 5:8 a 6:3 se referem claramente a essa guerra. Além disso, o papel representado pelos egípcios em Oséias 7:11; 9:3,6;11:5 e 12:1, como contrapeso à Assíria, parece, conforme observa Sellin, levar-nos ao tempo de Oséias, o último rei do reino setentrional. Junte-se a isso a alusão do profeta, em Oséias 10:14, ao saque de Bete-Arbel por Salmã, o que nos leva a 725 a.C, visto como provavelmente foi nesse ano que Salmaneser IV (que pode ser identificado como Salmã) tomou Bete-Arbel. Conforme II Reis 17:3,4, Salmaneser invadiu Canaã duas vezes: primeiro, quando tomou Bete-Arbel, impondo tributo a Israel setentrional, e depois, no tempo do rei Oséias, quando este quebrou o pacto combinado. Ao contrário de Wellhausen, Nowack e outros, que negam a genuinidade de Oséias 10:14, dizendo que se trata de Salmaneser IV, afirmam que se trata de uma adição posterior, visto que Oséias terminou o seu ministério antes do rei Oséias ter subido ao trono, achamos melhor acreditar que as

profecias de Oséias se estenderam sobre um considerável período da história de Israel, o qual poderia ser colocado entre 750 e 725 a.C.

IV – A vocação de Oséias - (Capítulos 1-3). A história pessoal de Oséias pode ser interpretada como um símbolo pessoal da experiência de Javé com Israel e pode ser considerada como a chave do seu ensino. Com delicadeza e sem egoísmo, ele narra a trágica história de sua vida familiar. Esta infundiu como um fogo em sua alma duas idéias: o amor e a fidelidade de Javé por Israel e a infidelidade e ingratidão de Israel para com Javé. Vejamos o que dizem os versos 1:1,2 de Oséias: “PALAVRA do SENHOR, que foi dirigida a Oséias, filho de Beeri, nos dias de Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel. O princípio da palavra do SENHOR por meio de Oséias. Disse, pois, o SENHOR a Oséias: Vai, toma uma mulher de prostituições, e filhos de prostituição; porque a terra certamente se prostitui, desviando-se do SENHOR”. A mulher escolhida foi Gomer, a qual lhe deu dois filhos e uma filha: Jizreel (vingança), Lo-Ruama (sem compaixão) e Lo-Ami (vós não sois meu povo), nomes que significavam o julgamento que, inevitavelmente, iria recair sobre a casa de Jeú. Gomer era infiel aos votos matrimoniais. Metendo-se em orgias desenfreadas a Baal e Asterote, ela caiu na escravidão sensual. Logo em seguida, Oséias a redimiu por 15 siclos de prata e 1,5 ômer de cevada (Oséias 3:2). Desse modo, pelas amarguras sofridas no próprio lar, o profeta aprendeu o amor inextinguível de Javé. Toda a sua história conduz à experiência da realidade. De fato, somente com uma história verdadeira as palavras do profeta poderiam surtir efeito. Sua própria experiência serviu como um espelho vivo das relações infiéis de Israel para com Javé. É inútil objetar a interpretação literal de todos os capítulos de Oséias. Pois se forem tomados apenas com figurados ou alegóricos, tal interpretação seria uma censura à verdadeira esposa do profeta, se é que ele era casado. E também poderia ser contra o próprio profeta, caso ele não fosse casado. Toda a história, inclusive o capítulo 3, é uma peça única, referindo-se os capítulos 1 e 3 à mesma mulher e ao mesmo mandato de Javé para que Oséias se casasse com uma rameira. Semelhante pensamento é tremendamente repulsivo às nossas concepções modernas e muito mais o era à mente dos antigos hebreus. Muitos supõem que Gomer havia sido uma mulher pura, até a época do seu casamento, apenas que ela possuía tendências latentes a uma vida imoral. Isso foi ensinado por Ambrósio, Teodoreto, Cirilo de Alexandria e Teodoro de Mopsuéstia. Não que Oséias, com os seus olhos bem abertos, tivesse casado com uma mulher que já possuía má fama, como afirmam outros, porque diz Davidson: “Supor que Javé havia mandado o seu profeta se unir com uma mulher já conhecida pela sua vida impura é absurdo e monstruoso”. Em todo caso, temos o exemplo de uma esposa má, que fez o profeta ser bom. Contudo, não poderia Gomer ter sido antes do casamento uma prostituta sagrada? “Uma mulher sagrada” (pois a palavra “rameira” significa “mulher sagrada”) uma mulher que o profeta teria comprado do santuário ao qual ela pertencia? A fornicação sacramental era uma característica normal nas religiões politeístas, conforme a natureza dos cultos pagãos. Ainda hoje isso é normal na Índia. E assim foi na religião greco-romana influenciada pelos cultos asiáticos. Não é, portanto, impossível que uma “santidade religiosa” fosse atribuída a semelhante matrimônio e que esse ato de Oséias fosse olhado, de fato, como legítimo e meritório.

Em todo o caso, a eleição que Oséias fez de Gomer apresenta um problema na Providência divina, o qual não tem paralelo, a não ser na eleição de Judas Iscariotes feita por Jesus. Certamente pode ter havido uma exceção de moralidade social, talvez encoberta ao povo, mas conhecida por Javé. Essa teoria

ajuda a explicar a psicologia do desenrolar religioso de Oséias. Em toda a literatura mundial não existe uma história de amor que se compare à de Oséias. Sua paixão por Gomer não era simplesmente uma forte explosão de sentimento. Era, antes de tudo, um fogo consumidor encerrado em seus ossos, o qual nenhuma infidelidade de Gomer poderia abrandar e nem o sofrimento pessoal de Oséias poderia extinguir. O profeta descobriu, por causa da traição de Gomer, e do afeto e lealdade dele, que não existe amor sem sofrimento. Ao mesmo tempo em que não existe sofrimento sem amor. Por isso ele é chamado, apropriadamente, o “Menestrel dos Profetas”, isto é, “O Profeta do Amor”.

V - A mensagem de Oséias - (Capítulos 4-14) - A análise do livro de Oséias é quase impossível. Sem dúvida, em toda parte a sua personalidade é revelada, a maior parte, provavelmente, pelas muitas notas colecionadas com esmero, durante anos. Com muita propriedade esse livro tem sido descoberto como um “amplo monólogo apaixonado, interrompido por soluços”. Ou então, como dizem outros: “mais soluços do que palavras”, o que se torna claro: os capítulos 1-3 falam do mensageiro, enquanto os capítulos de 4-14 falam da mensagem. A primeira seção é uma espécie de autobiografia espiritual, meio narrativa, meio profética, com o confesso amante atormentado à causa de um coração, o qual, pela angústia do amor humano ultrajado, conquistou o segredo do amor divino. A segunda seção consiste numa série de homilias, meros fragmentos de admoestação e promessas, sem quaisquer divisões claramente indicadas. A razão desse tipo mesclado e desconexo de discurso profético se torna perfeitamente clara, especialmente quando reconhecemos que a teologia de Oséias é a do coração em vez da teologia da cabeça. Muitos esforços têm sido feitos para traçar uma ordem cronológica nos extratos dos capítulos 4-14. Assim, Ewald opinava ter descoberto até mesmo um arranjo artístico e poético, conforme veremos a seguir: 1. Caps. 4:1 a 6:11a – a acusação. 2. Caps. 6:11-b a 9:9 – o castigo. 3. Caps. 9:10 a 14:9 – o passado e o futuro de Israel. Mesmo assim, é melhor considerar que as idéias da profecia de Oséias, por estarem limitadas em número, foram repetidas com freqüência e que o desenrolar e a ordem cronológica foram quase completamente desconsiderados. De fato, os ensinos principais de todo o livro podem ser resumidos em apenas três palavras: lamentação, condenação e consolação, não se podendo discernir qualquer progresso, a não ser o andamento geral, desde: 1). A culpabilidade de Israel. 2). O castigo. 3). A restauração final. Existe uma monotonia de dor em cada parte do livro, do mesmo modo como existe em “Lamentações de Jeremias”, a qual se expressa em distintas variedades de frases e cadência, que comovem o coração. Apesar disso, é possível traçar, por propósitos homiléticos, os sucessivos passos na destruição nacional de Israel, como segue:

1º. - a falta de conhecimento, conforme o verso Os 4:6: “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos”. Isto significa “falta de bom senso”, acusação fundamental de Oséias. A nação ignora a lei de Deus. O povo é sensivelmente estúpido, sem juízo, conforme diz o verso Oséias 4:11: “A luxúria, e o vinho, e o mosto tiram o coração”.

A palavra “coração” em Hebraico equivale à palavra “senso”. Desse modo, a repreensão fundamental do profeta é intelectual.

2º. - O orgulho - (verso 5:5) - “A soberba de Israel testificará no seu rosto; e Israel e Efraim cairão pela sua injustiça, e Judá cairá juntamente com eles”. Isso quer dizer que Israel tem um coração enfermo. O povo não somente era patriota como era também arrogante. Efraim tentou rivalizar com os pagãos como um poder mundano. A prosperidade de Jeroboão se tornou em tropeço para a nação. A honra nacional se tornou sinônimo de fornicação nacional. Ao lermos estas palavras recordamos o que disse o poeta James Russell Lowell (1819-1891) em Harvard, quando essa universidade completou 250 anos (1886):

“Entristeço-me, quando vejo que o nosso êxito como nação é medido pelo número de acres cultivados e das grandes quantidades de trigo exportadas, pois o verdadeiro valor de um país deve ser pesado em balanças mais precisas do que a balança comercial. Os jardins da Sicília agora estão vazios, porém as abelhas de todos os climas ainda trazem mel do pequeno jardim de Teócrito. No mapa mundi pode se tapar a Judéia com o polegar, Atenas com a ponta do dedo, nenhuma das duas sendo mencionada no mundo comercial. Contudo, elas ainda perduram no pensamento e nas ações do homem civilizado. Dante não tapou com o seu gorro todos os que habitam a Itália nos últimos 600 anos? E se regressarmos um século, onde estava a Alemanha, senão em Weimar? O êxito material é bom, mas apenas como uma preliminar necessária a coisas melhores. A medida do verdadeiro sucesso de uma nação é a quantidade em que esta terá contribuído ao pensamento, à energia moral, à felicidade intelectual, à esperança e ao consolo espiritual da humanidade”.

3º. - Instabilidade - (Verso 6:6) – “Por isso os abati pelos profetas; pelas palavras da minha boca os matei; e os teus juízos sairão como a luz...”

4º. - Mundanismo - (Versos 7-8) - “Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim. Gileade é a cidade dos que praticam iniqüidade, manchada de sangue”. Isso quer dizer que a política da nação era má. Por falta de entendimento, Efraim buscou alianças com o Egito e a Assíria, tratando Javé de modo leviano. A nação, sem dúvida, havia sido comandada estritamente pelo grande Legislador a ficar separada dos outros povos. Além disso, Efraim era uma torta, ao redor da qual não se havia dado volta, meio cozida de um lado e meio queimada do outro. Alguns eram demasiadamente ricos, outros pobres ao extremo, fervorosos na política, frios na religião, ficando demasiadamente separados nos extremos da sociedade.

5º. - A corrupção - (Versos 9:9-10) – “Muito profundamente se corromperam, como nos dias de Gibeá; ele lembrar-se-á das suas injustiças, visitará os pecados deles. Achei a Israel como uvas no deserto, vi a vossos pais como a fruta temporã da figueira no seu princípio; mas eles foram para Baal-Peor, e se consagraram a essa vergonha, e se tornaram abomináveis como aquilo que amaram”. A religião estava apodrecida. Era extrema a corrupção na política, como era imperdoável na religião. Israel praticava a fornicação espiritual, disfarçada sob a capa da religião, buscando a Baal-Peor.

6º. Apostasia - (Verso 11:7) - “Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; ainda que chamam ao Altíssimo, nenhum deles o exalta”. A apostasia já se transformara num hábito. Os homens pereciam por causa dos seus próprios conselhos perniciosos, conforme o verso 11:6: “E cairá a espada sobre as suas cidades, e consumirá os seus ramos, e os devorará, por causa dos seus próprios conselhos”. A vingança contra o mal era preparada pela própria nação e seus conselheiros. Mesmo assim, Javé deseja salvá-la, como vemos no verso 11:8:

“Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá? Te poria como Zeboim? Está comovido em mim o meu coração, as minhas compaixões à uma se acendem”. (Ver Salmos 23:6).

7º. - A idolatria - (Verso 13:2) - “E agora multiplicaram pecados, e da sua prata fizeram uma imagem de fundição, ídolos segundo o seu entendimento, todos obra de artífices, dos quais dizem: Os homens que sacrificam beijem os bezerros”. Israel foi realmente culpado de completo abandono ao Senhor. Profeta algum jamais menosprezou os deuses fabricados como o fez Oséias. De fato, ele denunciou os pecados de Israel nesse tipo de infidelidade a Javé.

Foram sete os passos principais dados por Israel rumo à sua destruição, conduzindo-a diretamente à ruína nacional. Contudo, o livro de Oséias não se encerra sem uma oferta de graça para a redenção do país, conforme o capítulo 14. Mesmo sendo culpada diante de Javé, sem dúvida alguma, através do arrependimento a sua restauração não é. Vejamos como Javé iria responder, nos versos 14:2, 4: “Tomai convosco palavras, e convertei-vos ao SENHOR; dizei-lhe: Tira toda a iniqüidade, e aceita o que é bom; e ofereceremos como novilhos os sacrifícios dos nossos lábios... Eu sararei a sua infidelidade, eu voluntariamente os amarei; porque a minha ira se apartou deles”. Aqui Javé dá uma nova oportunidade a Efraim. O Seu AMOR prevalece, pois o amor é maior do que a Lei. Quando Efraim peca contra a Lei ele é cortado, mas quando peca contra o amor é destruído. A misericórdia deve triunfar sobre o juízo. Assim Oséias tem em essência a mesma teologia de Amós, somente que a demonstra com mais profundidade. Embasado no amor de Deus, Oséias é o profeta da GRAÇA. Ele antecipou o Calvário e em sentido muito real se preparou para isso, conforme o verso 14:9: “Quem é sábio, para que entenda estas coisas? Quem é prudente, para que as saiba? Porque os caminhos do SENHOR são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão”. Isso quer dizer que quem deseja ser sábio, que estude a Bíblia e com ela aprenda: 1. que os caminhos de Javé são retos. 2. que os destinos dos homens são determinados pela sua atitude em relação à vontade divina.

VI - A mensagem de Oséias para nós - Oséias nos ensina uma lição geral de valor permanente: que a corrupção interior de uma nação coloca a sua existência em maior perigo do que os seus inimigos. Outra lição semelhante, estreitamente relacionada com esta, é que o patriota mais fiel é aquele que, como Oséias, identifica-se com o seu povo, sentindo tristeza por suas calamidade como se fossem suas, arrependendo-se dos seus pecados, como se ele próprio os tivesse cometido. A mensagem de Oséias, portanto, jamais se tornará obsoleta. O Deus da história antiga é o mesmo Deus da história moderna. Todos os eventos nacionais continuam sob a superintendência divina. Contudo, o Deus de Israel escolheu os Seus agentes, tanto nacionais como individuais.

Esta é a lição permanente ensinada por Oséias. Outras lições específicas são as seguintes:

1ª. - A loucura de sacrificar os interesses nacionais para ganhar vantagens pessoais. (Os 5:10-11).

2ª. - Sentir pesar e não tolerar o vício (Os 4:13-19).

3ª. - Declínio rápido de uma nação, quando se corrompem os ministros da religião, pois o verso 4:9 diz: “Por isso, como é o povo, assim será o sacerdote; e

castigá-lo-ei segundo os seus caminhos, e dar-lhe-ei a recompensa das suas obras”.

4ª. - O castigo quando se descuida a lei de Deus – Versos 4:6 e 8:1,12: “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos... PÕE a trombeta à tua boca. Ele virá como a águia contra a casa do SENHOR, porque transgrediram a minha aliança, e se rebelaram contra a minha lei... Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.

5ª. - O desejo paternal de mostrar misericórdia - “hesed”. Esta palavra hebraica, tantas vezes encontrada o Livro de Salmos, tem uma significação muito parecida com a palavra “graça” no Novo Testamento. Ela é usada seis vezes por Oséias (Oséias 2:9; 4:1; 6:6; 10:12; e 12:6), devendo ser traduzida por compaixão, misericórdia e bondade. Por isso Oséias é considerado “O Profeta do Amor”. Amós jamais empregou esse termo. Para Oséias ele tinha a mesma significação da expressão escocesa “graça leal”, isto é, amor com lealdade, incluindo tanto o amor a Deus como aos semelhantes. Oséias foi o evangelista no novo evangelho. “Se o Salmo 22 é o Calvário do Velho Testamento, Oséias é o seu Getsêmani”. Ecos do profeta são ouvidos no Novo Testamento, ou seja, Oséias 11:1, em Mateus 2:15; Oséias 10:8, em Lucas 23:30; Oséias 2:23, em 1 Pedro 2:10; Oséias 6:6, em Mateus 9:13 e 12:7.

VII – Grandes passagens de Oséias - Isto é, textos dignos de serem mastigados, digeridos e relembrados.

1. - Oséias 6:6: “Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos”. Esta passagem exercia um fascínio especial sobre Jesus, conforme Mateus 9:13 e 12:7: “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento... Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes”.

2. - Oséias 11:8 - “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá? Te poria como Zeboim? Está comovido em mim o meu coração, as minhas compaixões à uma se acendem”. Talvez seja esta a passagem mais significativa do livro de Oséias.

3. - Oséias 6:3 - “Então conheçamos, e prossigamos em conhecer ao SENHOR; a sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra”. Esta é uma exortação notável demais para ter-se originado no século 8 a.C.

4. - Oséias 4:17: “Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o”, para que não sejas contagiado por ele.

5. - Oséias 7:9b - “... também as cãs se espalharam sobre ele, e não o sabe”. Este é um sugestivo epigrama.

6. - Oséias 8:7: “Porque semearam vento, e segarão tormenta, não haverá seara, a erva não dará farinha; se a der, tragá-la-ão os estrangeiros”. Uma antecipação de Paulo Apóstolo, em Gálatas 6:7.

7. - Oséias 8:12: “Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”. Donde se conclui que no tempo de Oséias já existia uma volumosa literatura religiosa.

8. - Oséias 9:14: “Dá-lhes, ó SENHOR; mas que lhes darás? Dá-lhes uma madre que aborte e seios secos”. Estranha imprecação a ser encontrada nos escritos do “Profeta do Amor”. (Comparar com Oséias 13:14-16).

9. - Oséias 10:8 - “E os altos de Áven, pecado de Israel, serão destruídos; espinhos e cardos crescerão sobre os seus altares; e dirão aos montes: Cobri-nos! E aos outeiros: Caí sobre nós!”. Esta profecia é repetida em Apocalipse 6:16: “E diziam aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós, e escondei-nos do rosto daquele que está assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro” - pelo Apóstolo do Amor.

10. - Oséias 10:12 - “Semeai para vós em justiça, ceifai segundo a misericórdia; lavrai o campo de lavoura; porque é tempo de buscar ao SENHOR, até que venha e chova a justiça sobre vós”. Este verso se aplica a todas as gerações e em todos os tempos. Sem buscar o nosso Deus estaremos todos perdidos.

11. - Oséias 11:9 - “Não executarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu não entrarei na cidade”. Ele vai voltar, sim, mas para salvar o Seu povo.

12. - Oséias 13:4: “Todavia, eu sou o SENHOR teu Deus desde a terra do Egito; portanto não reconhecerás outro deus além de mim, porque não há Salvador senão eu”. Esta passagem é encontrada freqüentemente em Isaías 44-66.

13. - Oséias 14:9 - “Quem é sábio, para que entenda estas coisas? Quem é prudente, para que as saiba? Porque os caminhos do SENHOR são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão”. Esta é uma indagação final, com as palavras de Ezequiel, Naum e Sofonias, respectivamente, resumindo o espírito de todo o ensino de Oséias.

14. - Aqui temos alguns epigramas notáveis, do tipo: “Como é o povo, assim será o sacerdote” (Oséias 4:9). “O rei de Samaria será desfeito como a espuma sobre a face da água” (Oséias 10:7). “Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor... (Oséias 11:4). “Efraim se mistura com os povos; Efraim é um bolo que não foi virado” (Oséias 7:8).

Capítulo 2

Joel, o profeta do Pentecostes

I – A personalidade do profeta - Nada se sabe a respeito da naturalidade nem da biografia de Joel, estando sua carreira e personalidade envoltas em obscuridade. Apenas algumas deduções podem ser feitas com segurança através dos seus escritos. Idêntico silêncio sobre os agentes espirituais de Deus não é coisa rara no Velho Testamento, visto como outros têm sido apresentados dessa maneira fora do comum. Talvez o propósito para isso tenha sido a glória de Deus e não a dos profetas. Contudo, diz-se que o profeta é filho de Petuel, supondo-se que este nome signifique “Persuadido por Deus” (Joel 1:1).

O próprio nome de Joel - em Hebraico “Yo-el” - significa “Javé é Deus” e por isso, como o nome “Miquéias”, parece conter uma breve confissão de fé, a qual, provavelmente, reflete a piedade de seus pais judeus. Esse nome aparece com freqüência no Velho Testamento, havendo pelo menos uma dúzia de outros homens com o mesmo nome, como por exemplo, Joel, filho de Samuel e pai de Hemã, o cantor (1 Samuel 8:2; 1 Crônica 6:33). Joel é também o nome de um dos valentes de Davi, irmão de Natã (1 Crônicas 11:38).

É provável que o profeta tenha nascido em Judá, talvez próximo de Jerusalém, visto como fala familiarmente de “Sião”, dos “filhos de Sião” (Joel 2:1,23), de “Judá e Jerusalém”. Pelo seu interesse no templo tem-se deduzido também que ele foi um sacerdote (Joel 1: 13-17). De todos os modos, pelas suas profecias torna-se muito evidente que não apenas foi um poeta e homem de

oração, como um vidente e profeta no sentido mais amplo. Por ter pregado com ênfase divina o arrependimento e anunciado (o primeiro a fazer isso) a vinda do grande e terrível “Dia do Senhor” (Joel 2:11,31), ele pode até ter pertencido a um dos grêmios da história primitiva hebraica conhecidos como “os filhos dos profetas”.

II – Esboço e conteúdo - Existem apenas duas divisões principais no Livro de Joel: 1) Caps. 1:23 a 2:17 (37 versos), nos quais o profeta fala, descrevendo mui graficamente uma praga de gafanhotos, acompanhada de uma seca, terminando com uma fervorosa exortação ao arrependimento. 2) Joel 2:18 a 3:21, (36 versos), nos quais Javé fala, anunciando em linguagem solene a condenação final dos inimigos de Israel e terminando com uma descrição da gloriosa vitória do povo de Deus. A primeira metade do livro começa com trevas e termina com luz. A segunda metade começa com juízo e termina em vitória. Realmente apenas um grande pensamento constitui toda a mensagem do profeta. Poder-se-ia intitular “a parábola dos gafanhotos” ao que ela nos ensina. Porque o livro de Joel não consiste, como tantos do Velho Testamento, de notas esparsas de um amplo ministério profético, o qual se estende por vários anos, mas se ocupa da descrição de um único incidente com aplicação moral e espiritual.

III - A ocasião - É óbvio que Joel tomou como seu texto uma praga de gafanhotos comuns, a qual, por algum tempo, havia causado pânico nacional, descrevendo os seus destroços como não tendo paralelo na história da terra. Ele diz em Joel 1:4: “O que ficou da lagarta, o gafanhoto o comeu, e o que ficou do gafanhoto, a locusta o comeu, e o que ficou da locusta, o pulgão o comeu”. Desse modo, pelos quatro sinônimos empregados pelo profeta, tudo indica tratar-se de quatro enxames sucessivos, ou então, como prefere Credner, quatro divisões distintas do mesmo enxame. Por exemplo, primeiro as larvas e erugas, depois os gafanhotos que apenas saltam, e finalmente os grandes gafanhotos já plenamente desenvolvidos, os quais voam.

Em Joel 2:25 todos são mencionados pela segunda vez, usando-se os mesmos nomes, porém não exatamente na mesma ordem. Desta última passagem pode-se deduzir que a praga perdurou por um considerável período de tempo: “E restituir-vos-ei os anos que comeu o gafanhoto, a locusta, e o pulgão e a lagarta, o meu grande exército que enviei contra vós”. (Comparar com Apocalipse 9:3-10).

Aos antigos hebreus o nome “gafanhoto” parece ter sugerido tudo que significa o termo “harpia”, isto é, tudo que é funesto (comparar com Deuteronômio 28:38-42). Seu nome científico é “acridium peregrinum”. As larvas recém incubadas são completamente negras e se assemelham a grandes formigas sem asas. Contudo, ao se desenvolverem, despojam-se da pele externa, que chega a ser-lhes pouca, e passam por três períodos claramente distintos, isto é: o período sem asas, que os árabes chamam “debby”, a erupção dos lábios, quando as asas começam a se desenvolver, a qual é chamada “gowga”, e o gafanhoto que voa com asas bem desenvolvidas, conhecido como “jared”. Os machos são mais charmosos do que as fêmeas e têm um corpo amarelo. As fêmeas são maiores e têm uma cor de café forte. Estas depositam seus ovos no solo, a uma profundidade de 4 polegadas, por mais duro que seja este. Quando os insetos se desenvolvem plenamente, chegam a 2,5 polegadas e suas cabeças parecem com as do cavalo, sendo que os alemães os chamam “Heupferde” (cavalos do feno), enquanto os italianos os chamam “caballeta” ou “caballitos”. Os árabes os chamam “djesh Alah” (exército de Deus). Conforme Joel 2:25. Eles

de fato se assemelham a guerreiros voadores, trepam nos muros, penetram nas casas, e fazem estremecer com o barulho de suas asas (Joel 2:7-10). Calcula-se que os gafanhotos voem a uma velocidade de 29 km horários.

IV - A praga de gafanhotos de 1915 em Jerusalém - Uma descrição bem viva desta praga foi publicada por John D. Whiting, na revista National Geographic Magazine, em dezembro de 1915. Disse o Dr. Whiting que a praga começou em fevereiro daquele ano e se estendeu por toda a Palestina e pela Síria, desde as fronteiras do Egito até as montanhas do Tauro. Sabe-se que pragas semelhantes sobrevieram à Palestina nos anos 1845 e 1865 (ano este lembrado pelos árabes como “Sinet al jared” (o ano dos gafanhotos). O mesmo acontecera nos anos 1892, 1899 e 1904. Os fenômenos seguintes acompanharam a invasão de 1915:

Um forte barulho foi ouvido, antes dos gafanhotos aparecerem, barulho esse produzido pelos milhares de asas, semelhante a um distante ruído de ondas (Ver Apocalipse 9:9). De repente o sol escureceu. Uma chuva dos seus excrementos caiu, os quais se assemelhavam aos dos ratos. Sua elevação na terra era de centenas de pés. Às vezes eles voavam baixo e outras vezes pousavam sobre a terra. “Pelo menos em Jerusalém eles vieram invariavelmente do Noroeste, dirigindo-se para Sudoeste, estabelecendo a exatidão da narrativa de Joel no capítulo 2:20”, diz o Dr. Whiting. Arrobas deles foram capturadas e sepultadas vivas e muitas foram atiradas em cisternas e no Mar Mediterrâneo. E quando as ondas as arrojaram na praia, as pessoas as apanhavam para secarem ao sol e em seguida as usavam como combustível nos banhos turcos. Em abril de 1915, o governo publicou uma ordem no sentido de que todo homem que tivesse entre 16 e 60 anos de idade reunisse diariamente 5 kg de ovos de gafanhotos e os entregassem aos oficiais.

As cegonhas, que os árabes chamam de “Abu Saad” (pai da boa sorte), das quais havia grande quantidade na Palestina em 1915, devoraram avidamente uma enorme quantidade de gafanhotos, enquanto as galinhas engordaram com esses petiscos.

O Sr. Aaronsohn, outra testemunha da praga de 1915, testificou que menos de dois meses depois do primeiro aparecimento da praga, os gafanhotos não apenas haviam devorado toda a erva verde, mas ainda todas as árvores, que ficaram desnudas, sem vida, parecendo esqueletos. Os campos foram devastados até o chão. Até mesmo os rostos das crianças árabes, deixadas por suas mães à sombra das árvores, foram dilacerados, antes que as mães pudessem escutar os seus gritos. Os nativos acreditavam que essa praga havia acontecido como castigo divino por causa de sua maldade.

Foi, portanto, uma calamidade assim que Joel descreveu, a fim de conduzir os lavradores, os viticultores, os sacerdotes e os bêbados ao arrependimento. Na descrição dos seus estragos as feras e animais inferiores pareciam ter sofrido também como os homens, tendo ficado em mudo apelo - sendo a terrível calamidade e seus padecimentos um presságio sobre o terrível “Dia do Senhor” que há de vir.

V - Interpretação dos gafanhotos - Uma questão é apresentada: Devemos interpretar literalmente a praga de gafanhotos de Joel como realmente tendo acontecido no tempo do profeta ou apenas tratá-la alegoricamente e como um

acontecimento futuro, assinalando metaforicamente as quatro monarquias hostis ao reino de Deus, conforme o livro de Daniel, isto é, os babilônios, os persas, os gregos e os romanos? Os rabinos judeus e os Pais da Igreja Primitiva inclinaram-se a tratar essa profecia como alegórica, explicando, por exemplo, que o trigo, o mosto e o azeite mencionados em Joel 2:24 se cumprem na igreja, sendo o trigo representado pelo corpo de Cristo, o mosto pelo seu sangue e o azeite pelo Espírito Santo. Claro que tais interpretações não se justificam. Também não se justifica a interpretação dos que olham para os gafanhotos de Joel como realmente gafanhotos, mas não “orthopteras” do deserto, mas como os guerreiros do Livro de Apocalipse, provenientes da tecnologia do final dos tempos, os quais encherão a atmosfera no terrível “Dia do Senhor”. Gabaelein, por exemplo, interpreta os gafanhotos do capítulo 1 como uma cena típica da acontecida na época dos gentios, a partir de Nabucodonosor (Daniel 2:36). Enquanto as do capítulo 2, ele imagina, descrevem o que vai acontecer na segunda metade da 70ª. semana de Daniel, a qual vai preceder a gloriosa vinda do Senhor (Daniel 9:27). Semelhante precisão cronológica seria maravilhosa, se fosse autorizada. A teoria de Merx é o reavivamento da antiga interpretação alegórica e típica. Para Merx o livro de Joel é uma espécie de tipologia apocalíptica, a qual em hipótese alguma se refere ao tempo do profeta. Pois não tendo sido pregada oralmente, como ele supõe, jamais teve o objetivo de ser algo mais que uma obra apocalíptica e escatológica.

Contudo, é bem melhor a interpretação histórica ou literal, segundo a qual estas profecias, bem como a maior parte das profecias dos livros proféticos, têm sua origem nas circunstâncias do tempo do profeta. Evitar o reconhecimento dos acontecimentos seria fazer da obra de Joel apenas um hábil ensaio, o “Midrash”, sobre a literatura profética anterior. Quão absurdo seria pensar que o profeta está se dirigindo a uma reunião imaginária, quando ele indaga solenemente aos anciãos: “Aconteceu algo assim em vossos dias?” (Joel 1:2) ou quando repreende os sacerdotes dizendo: “Cingi-vos e lamentai-vos, sacerdotes; gemei, ministros do altar; entrai e passai a noite vestidos de saco, ministros do meu Deus; porque a oferta de alimentos, e a libação, foram cortadas da casa de vosso Deus. Santificai um jejum, convocai uma assembléia solene, congregai os anciãos, e todos os moradores desta terra, na casa do SENHOR vosso Deus, e clamai ao SENHOR” (Joel 1:13-14). Ou quando em outra parte ele exorta solenemente o povo: “E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR vosso Deus; porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal. Quem sabe se não se voltará e se arrependerá, e deixará após si uma bênção, em oferta de alimentos e libação para o SENHOR vosso Deus? (Joel 2:13-14). É bem mais razoável achar que o profeta falava aqui a pessoas de verdade (gente que imaginava tirar a má sorte do ar) do que a uma geração futura e distante.

Além disso, é manifestamente improvável que o profeta descrevesse um exército de verdadeiros “soldados”, de “homens de guerra” ou que falasse de homens verdadeiros a cavalo “como cavalaria” (Joel 2:4-9). Por isso devemos deduzir que ele, forçosamente, está falando de guerreiros verdadeiros sob a figura de verdadeiros gafanhotos. A única objeção realmente válida a essa interpretação é a que se lê em Joel 2:20: “Mas removerei para longe de vós o exército do norte, e lança-lo-ei em uma terra seca e deserta; a sua frente para o mar oriental, e a sua retaguarda para o mar ocidental; e subirá o seu mau cheiro, e subirá a sua podridão; porque fez grandes coisas”. Entretanto, como já foi visto, os gafanhotos que visitaram Jerusalém em 1915 vieram daquela direção, conforme o testemunho de outras pessoas sobre o acontecimento.

VI - A originalidade de Joel – Em João 7:46 diz-se de Jesus: “...Nunca homem algum falou assim como este homem”. Contudo, Jesus não inventou o alfabeto nem criou o idioma aramaico. O certo é que existe pouca originalidade neste mundo, apenas que alguém pode ser o primeiro a dizer uma certa coisa. Pois Joel é exatamente original neste sentido, possuindo uma individualidade distinta. Elmslie disse: “Ou era uma original cantoria profética ou um derradeiro conglomerado”. Seja qual for o desfecho do profeta, todos temos de confessar que tanto os seus pensamentos como a sua linguagem, mesmo se tomados de empréstimo, passaram pela sua própria mente e dali saíram levando a impressão de sua própria individualidade.

Além disso, reconhecemos que muitos profetas devem ter lido a sua obra, porque ou ele cita quase tudo o que diz ou então foi citado por Amós, Isaías, Miquéias, Naum, Sofonias, Abdias, Ezequiel, Malaquias e também por alguns salmistas.

Riuss opina ser improvável que ele tivesse citado tantos. E, de fato, a impressão geral que se tem ao ler o Livro de Joel é de lisura e continuidade de pensamentos, em lugar de uma servil reprodução. Se Joel é anterior, então os seus pensamentos religiosos podem ser vistos como uma espécie de carta profética, a qual foi citada por escritores subseqüentes. As seguintes considerações favorecem a originalidade de Joel:

1. O Dia do Senhor - Joel deve ter inventado esta expressão, visto como a deixou no ponto em que Amós e outros profetas posteriores a adotaram. Mesmo que seja uma expressão escatológica, podendo ter sido criada posteriormente, ela é usada nas profecias do Velho Testamento, desde os tempos mais remotos (Ver Amós 5:18 e Isaías 2:12). Provavelmente foi Joel quem inventou esse conceito. Porque o “grande Dia do Juízo” saiu de sua mão tão profética que seria adotada pelos seus sucessores, os quais apenas puderam acrescentar-lhe um toque. A visão de uma praga de gafanhotos foi a primeira a ser sugerida à mente de Joel.

2. A independência literária - Dois exemplos bastam para mostrar a pretensão: a) O pensamento em Joel 3:16: “E o SENHOR bramará de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; e os céus e a terra tremerão, mas o SENHOR será o refúgio do seu povo, e a fortaleza dos filhos de Israel”. Ele é claramente anterior ao que diz Amós 1:2: “... O SENHOR bramará de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; os prados dos pastores prantearão, e secar-se-á o cume do Carmelo”. Porque em Joel se encontra o clímax da revelação, tendo Amós com ele começado, tomando este como se fora o seu próprio texto. b) Em Joel 3:10 Javé exorta os pagãos: “Forjai espadas das vossas enxadas, e lanças das vossas foices; diga o fraco: Eu sou forte”. Porém em Isaías 2:4 e Miquéias 4:3, foi predito um tempo em que os homens de Judá “... converterão as suas espadas em enxadões [pás] e as suas lanças em foices...”, o que demonstra a precedência de Joel.

3) Derramamento do Espírito - Joel prediz mais explicitamente do que nenhum outro o derramamento do Espírito sobre toda a carne (Joel 2:28-29). Essa predição tem lhe valido o epíteto de “O Profeta do Pentecostes”, mesmo que Joel tivesse apenas uma vaga idéia da verdadeira significação destas palavras no grande programa divino. Para ele talvez não significasse outra coisa além de uma percepção mais clara da verdade por meio de sonhos e visões - um cumprimento do desejo de Moisés, conforme Números 11:29: “Porém, Moisés lhe disse: Tens tu ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do SENHOR fosse profeta, e

que o SENHOR pusesse o seu espírito sobre ele!” Pelo visto Joel não era tão profundamente espiritual, pois não começa elevando-se às alturas da comparação com Javé, segundo fala Oséias, nem aos cumes altíssimos da santidade de Javé, conforme Isaías. Ao contrário, ele une aos dons do Espírito bênçãos materiais, tais como a chuva temporã e a serôdia, o mosto, o azeite, a abundância e a satisfação das necessidades humanas (Joel 2:23-26): “E vós, filhos de Sião, regozijai-vos e alegrai-vos no SENHOR vosso Deus, porque ele vos dará em justa medida a chuva temporã; fará descer a chuva no primeiro mês, a temporã e a serôdia. E as eiras se encherão de trigo, e os lagares transbordarão de mosto e de azeite. E restituir-vos-ei os anos que comeu o gafanhoto, a locusta, e o pulgão e a lagarta, o meu grande exército que enviei contra vós. E comereis abundantemente e vos fartareis, e louvareis o nome do SENHOR vosso Deus, que procedeu para convosco maravilhosamente; e o meu povo nunca mais será envergonhado”. Ele trata estas coisas como se relacionando umas às outras, quase como causa e efeito, colocando o material antes do espiritual. Há, portanto, uma originalidade primitiva nesta fase de suas profecias, o que significa escrever a palavra “espírito” em letra minúscula, conforme se vê na edição revisada da BKJ em Inglês. Além disso, a limitada oferta de salvação no verso 32 demonstra a originalidade primitiva do profeta.

VII - Conclusão - Franz Delitzsch declarou, confiantemente, há 40 anos, que a grande antiguidade do profeta Joel é uma “certeza”. Por outro lado, há 20 anos, Cornill afirmou com a mesma ousadia que “poucos resultados da crítica do Velho Testamento são estabelecida tão segura e firmemente como a que o Livro de Joel é datado do século de Esdras e Alexandre, o Grande”. Calvino foi mais cauteloso, deixando o assunto sem solução. As opiniões da crítica colocam Joel na geração seguinte aos Macabeus. Porém o caráter apocalíptico do livro deve aconselhar o estudante a não ser dogmático demais. Porque ninguém pode adivinhar quando Deus vai revelar-se no Apocalipse.

Há um fato, sem dúvida, o qual, mais do que nenhum outro, pode determinar a data do livro, que é a sua colocação entre os Doze. Tanto no cânon hebraico como na Septuaginta, Joel está agrupado entre os profetas primitivos que viveram antes do desterro. Desse modo, no cânon hebraico a ordem é a seguinte: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, etc., enquanto na Septuaginta é esta: Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Abdias, Jonas, etc. Isso mostra que os rabinos da antiguidade consideravam Joel como um dos primeiros profetas. Esse fato cria, portanto, a forte suposição de ter sido ele um profeta anterior. Também, se o livro fora escrito depois, mais ou menos no tempo da canonização dos profetas, pareceria estranho que os encarregados do cânon o tivessem considerado anterior.

A evidência interna, sem dúvida, merece exame e consideração. E sua preponderância favorece uma origem anterior, como veremos a seguir:

1. Joel não menciona rei algum, assim como também não o fazem Naum, Miquéias e Habacuque.

2. Ele não menciona ídolos nem faz alusão ao Reino do Norte de Israel. Ele pregava para Judá e Jerusalém, onde havia pelo menos um culto nominal a Javé.

3. Ele não menciona a Assíria, assim como também não o faz Amós.

4. Ele fala de “anciãos”, como se estes constituíssem a classe governante do século. Ao contrário do que seriam os “sheiks” em tempos posteriores (Joel 1:2, 14), estes são apresentados como cidadãos experientes da comunidade e não como oficiais do estado em Joel 2:16, onde são postos em conjunto com as crianças e os bebês de peito.

5. O profeta exibe um grau de devoção aos sacrifícios e ao ritual, porém o verso 2:13 independe de todo o ritual. De fato, nenhum outro profeta apresenta a religião hebraica com menos ritual.

6. Não há denúncias proféticas, enquanto os profetas posteriores ao desterro não deixam de repreender os pecados especiais.

7. Os “gregos” são mencionados como agentes ativos no comércio de escravos em seus dias (Joel 3:6). Contudo, Amós também se queixa do comércio de escravos em seu tempo (Amós 1:6-9) e sabemos, pela arqueologia, que os gregos são mencionados por Sargão II nas taboas de Tel-el-Amarna, no século 14 a.C.

8. Os filisteus são mencionados (Joel 3:4), enquanto quase não se ouve falar destes após o cativeiro.

9. Edom e Egito também são mencionados (Joel 3:9). Contudo, sabemos que Edom havia se rebelado sob o rei Jorão, no século 9 a.C (2 Reis 8:20-22) e que Sisaque do Egito invadiu Judá no tempo do rei Roboão (1 Reis 14:25-28).

10. Entende-se que Jerusalém fora invadida por estranhos (Joel 3:17), provavelmente por Sisaque, conforme 1 Reis 14:26.

11. O povo é descrito como espalhado, como opróbrio (Joel 3:2) entre as nações (Joel 2:19), porém essa linguagem não parece referir-se à queda de Jerusalém em 586 a.C.

12. Javé promete reverter o cativeiro de Judá e Jerusalém (Joel 3:1-4), enquanto Oséias e Amós, quando falam por si mesmos, prometem a mesma esperança a Israel e na mesma linguagem (Oséias 6:1,11 e Amós 9:14).

13. Joel fala do “remanescente” [ou sobreviventes] (Joel 2:32), palavra usada por Isaías 1:9. Além disso, este conceito expresso em sinônimos distintos é muitíssimo empregado pelos profetas, muito antes do cativeiro babilônico.

14. Finalmente, Joel tomou emprestado dos outros, a não ser que os outros dele tenham tomado emprestado. Calcula-se que 27 frases, clausulas e expressões dos 73 versos do Livro de Joel têm paralelo com outros escritos do Velho Testamento. Porém Joel 2:2 é claramente citado em Sofonias 1:15: “Aquele dia será um dia de indignação, dia de tribulação e de angústia, dia de alvoroço e de assolação, dia de trevas e de escuridão, dia de nuvens e de densas trevas”, sendo comum às duas citações as frases “de tribulação e de angústia”, “de nuvens e de densas trevas”. Em Joel elas são uma parte integrante da praga de gafanhotos, quando estes se aproximam, enquanto em Sofonias elas são mais um adorno retórico, reforçando a elaborada descrição do “Dia do Senhor”.

Pois bem, em sua maior parte estes dados são indefinidos, quando se trata de grande valor para decidir a data da ação do profeta, visto com a história de nenhum período dá uma conta perfeita de todas as referências contidas no livro. Por isso é preciso que nos escoremos novamente na ordem dos Doze, bem como no fato de sua tão clara originalidade. Isso para que possamos crer que Joel floresceu bem cedo na história do reino dividido, talvez nos últimos anos do século 9 a.C. Pode não haver provas suficientes para estabelecer isso, porém é muito mais convincente do que o argumento puramente arbitrário de McFadyen, que diz: “A questão não é somente acadêmica, pois de sua solução vai depender todo o nosso conceito do desenrolar da profecia hebraica... É costume negar que os profetas que viveram antes do cativeiro tenham pronunciado qualquer promessa ou consolo ao seu povo”. Essa é uma questão que não pode ser facilmente resolvida. Credner, em 1831, afirmou que o livro de Joel teve sua origem no cativeiro. Vatke, no mesmo período, foi o primeiro a colocá-lo depois do cativeiro.

Entrementes, Haupt e Sellers, seguindo Michaellis (1782) e John (embora crendo que Joel escreveu o seu livro em 690 a.C, disseram que as profecias de Joel se referem à época dos Macabeus), as colocam entre 140 e 130 a.C.

VII - O estilo - “O estilo de Joel apresenta um notável contraste em relação ao estilo monótono - para não dizer pomposo - de Ageu e dos períodos semi-rabinos de Malaquias”, diz G. B. Gray. Bewer confirma esse juízo e declara que Joel é caracterizado pela clareza, fluidez e beleza, adicionando que “como poeta lírico, ele é um dos melhores do Velho Testamento, sendo gráfico, puro e muito efetivo”. Joel se assemelha a Amós, o qual, mesmo sendo um dos profetas mais primitivos, foi autor do Hebraico mais puro e clássico da Bíblia. Ewald considerava a pureza do estilo de Joel como evidência de sua antiguidade.

A literatura hebraica se caracteriza por um ritmo conforme é ostentado por Joel. Os destroços dos gafanhotos são descritos em linguagem poética, num movimento breve e rítmico muito adequado para descrever a rápida propagação da praga e do seu irresistível ataque à cidade. Em geral, segundo observa Wunsche, “sua poesia se distingue por uma fantasia magnífica e pela originalidade, beleza e variedade de imagens e semelhanças”. Em todas essas coisas existem poucos que superam Joel. Até a nossa perícia no uso do paralelismo (Joel 1:10) e da hipérbole (Joel 2:30-31) condescende com o que Isaías emprega, num jogo de palavras, a fim de preparar as suas descrições mais gráficas e mais vivas. (Joel 1:12,15; 3:12).

IX - Ensino religioso - 1). O ensino fundamental de valor religioso permanente no livro de Joel é o conceito claro, definido e até mesmo original do “Dia do Senhor”. Esta expressão aparece cinco vezes no livro (na BKJ, “The day of the Lord”), em Joel 1:15; 2:1, 11, 31;3:14) a fim de significar, conforme bem o expressou Davidson, “o momento em que Javé toma mais resolutamente as rédeas que parecia ter soltado, e quando as correntes do Seu governo moral, que antes corriam ao seu bel prazer, recebem um avivamento misterioso e a obra do Senhor sobre a terra é feita adequadamente”.

Ou ainda como expressa Gabaelein, significando que “o Dia em que Javé se manifestará como Deus”, o último dia de Javé; um dia tanto de terror como de bênção; um dia de vingança e ano dos remidos. O dia em que os princípios eternos da justiça divina e do dever humano serão demonstrados, o Dia do Juízo Final. Joel anuncia esse dia a Judá, como Amós o anunciaria mais tarde a Israel

(Amós 1,2; 6:3 e 9:11-15). Este é o ensino principal de Joel. 2). Desta primeira descrição iriam resultar grandes ensinos, outros de caráter prático, um dos quais era o arrependimento, prometendo o Senhor que por meio deste alguns poderiam livrar-se do dia do terror. Obedecendo a Sua exortação a praga de gafanhotos seria aniquilada e seguir-se-iam bênçãos materiais e espirituais (Joel 2:18-32).

Essa urgente convocação do profeta ao arrependimento foi adotada pela Igreja Anglicana para o primeiro dia da Quaresma. 3). Outro grande ensino do livro é o derramamento do Espírito sobre toda a carne (Joel 2:28-29). Essa profecia (Atos 2:16) seria o cumprimento de Números 11:29, a qual foi cumprida no Dia de Pentecostes, quem sabe, cumprida mas não esgotada. É uma promessa que havia sido destinada a se cumprir, conforme Pedro falou, citando a profecia de Joel, naquela ocasião memorável, quando não escondeu o seu terror. A graça e o juízo sempre caminham lado a lado. A queda de Jerusalém seguiu-se ao Pentecostes [logo após os setenta anos de preparação para um evento tão tenebroso]. Todo o pensamento de Joel é eminentemente escatológico, tendo sido o seu principal objetivo exortar e consolar o povo do seu tempo. É semelhante à profecia de Jeremias sobre a aliança nova (Jeremias 31:31-34). Mesmo não havendo predição do Messias no livro de Joel, sem dúvida alguma o estudo desse livro deve conduzir-nos a Cristo e ao batismo no Espírito Santo. Assim Joel começa a abrir o caminho ao reino da graça.

Capítulo 3

Amós, o profeta da justiça

I - O homem - Muitos supõem que Amós é o profeta mais antigo entre aqueles cujos escritos possuímos. Se é assim, então o seu livro é o mais antigo volume de “sermões”. Quer seja verdade ou não, Amós é um dos pregadores mais efetivos do arrependimento e do juízo dos escritos encontrados no Velho Testamento. Como bem observa Cornill, “Amós é um dos aparecimentos mais maravilhosos na história do espírito humano”. Sem dúvida o seu nome, que significa “carga” ou “carregador”, deve ser distinguido cuidadosamente de Amoz, o pai de Isaías, visto como são escritos de modo diferente no Hebraico. Como Elias, Lutero e outros reformadores religiosos, Amós foi tanto um produto como um representante do seu tempo. Severo, ousado, dono de si mesmo, um homem de granito, com uma mente poderosa e exata e uma viva imaginação, sendo uma das figuras que mais chamam a atenção em toda a história dos hebreus. Ele não só foi o primeiro dos profetas que escrevia o que pregava, como foi o primeiro de uma nova era.

II - Seu lugar e principal ocupação - Criado às margens do deserto, 19 Km ao sul de Jerusalém, Amós foi um dos pastores de Tecoa (Amós 1:1), um homem rústico como Miquéias. Como o nome de seu pai não é mencionado em parte alguma, conclui-se que ele provinha de família pobre e obscura. Era um pastor e, portanto, nasceu para ser um pregador. Ele cuidava de uma espécie peculiar de ovelhas pequenas, cuja lá era fina (conforme indica a palavra hebraica “noked” em Amós 1:1, auxiliado pelo cognome árabe), uma espécie de aparência feia, mas altamente estimada pela sua lã. Ele também se apresenta como um colhedor de figos selvagens (Amós 7:14) e tinha uma relação íntima com a natureza. Nos desolados distritos de Judá, que desciam bruscamente para o Mar Morto até o Oriente, onde as feras perambulavam com freqüência, sem dúvida Amós havia estudado pormenorizadamente as estrelas, observando as distintas fases da lua e olhando com admiração o sol, quando este despontava por trás das montanhas de Moabe. Respirando sempre o ar fresco e vigorante do deserto e escalando com freqüência os picos mais altos, Amós vivia diante de amplos horizontes, observando o panorama do deserto como sacramentos da presença divina. Naturalmente sua ocupação o levou aos mercados de lã, nas cidades setentrionais. Ali chegou ele a conhecer a vida e a religião do povo. Mesmo tendo pouca cultura, por ter vivido como um pastor nas regiões ilhadas do deserto de Tecoa, e sendo por natureza um camponês moralmente nobre, são e vigoroso (como João Batista, o qual, muitos anos depois, iria pisar o mesmo deserto), Amós foi se desenvolvendo como um reformador religioso e por fim chegou a interessar-se de modo supremo pelos direitos de Deus e pela justiça.

III - Seu chamado à pregação - Amós não teve qualquer preparação especial, profissional ou formal para pregar, tendo se educado, de preferência, na escola da vigilância. Por descendência não era profeta, filho de profeta, isto é, não pertencia a qualquer grêmio estabelecido, tal como “os filhos dos profetas”. Ao contrário, Javé o tomou, conforme se diz, “quando ele seguia atrás do

rebanho”, dizendo-lhe: “Vai e profetiza ao meu povo Israel” (Amós 7:14,15). Ali, na solidão do deserto, talvez “em meio ao terror de uma tempestade” [como iria acontecer, séculos mais tarde com Lutero], caiu sobre a sua alma uma sombra que o fez reconhecer os juízos vindouros de Deus, sombra que o obrigou a levantar a voz em lamentação sobre o seu povo (Amós 5:1). Semelhantes rústicos, quando chamados da vida livre do campo para a calorosa atmosfera da cidade, com freqüência tornavam-se peritos na sociedade, trazendo com eles “realizações na política e na religião”. Sua missão era especialmente para Israel do Norte. Por isso ele seguiu para Betel, a 19 Km ao norte de Jerusalém, e ali, à própria sombra do palácio real, Amós ergueu a sua voz, clamando vigorosa e apaixonadamente por justiça.

IV - Seu período - O título de suas profecias descreve o seu período como “nos dias de Uzias, rei de Israel,... dois anos antes do terremoto” (Amós 1:1). Essas declarações são em geral confirmadas amplamente pelo conteúdo de sua profecia (Amós 6:13; 7:11). A data do terremoto sem dúvida é meio incerta. Contudo deve ter sido de uma gravidade inusitada, visto como dele faz alusão Zacarias, que iria pregar mais de 200 anos depois (Zacarias 14:5). Parece que o terremoto foi acompanhado de um eclipse total do sol (ao qual supostamente se refere Amós 8:9), eclipse que, segundo cálculos dos astrônomos, aconteceu em 15/06/763 a.C. Isso fixa a data do ministério do profeta em 760 a.C.

Essa foi a época de ouro de Israel do Norte, com um apogeu de prosperidade nacional. Foi quando Jeroboão II ocupava o trono. Este era um rei forte, governando uma grande extensão territorial, como Jonas havia predito (2 Reis 14:25). Infelizmente, porém, mesmo possuindo grandes riquezas, a sabedoria da nação era pouca. Festas e banquetes substituíram o fervor religioso, com um espírito de avareza dominando a sociedade. A corrupção da justiça era um pecado comum abraçado pelos poderosos. Dia após dia, eles se apropriavam dos terrenos alheios. Os abastados se valiam de toda a máquina legal, a fim de oprimir os pobres. O fato é que os ricos ficavam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Com indiferença e menosprezo viviam os homens “sossegados em Sião” (Amós 6:1). Prevalecia o amor ao luxo, como aconteceria antes da queda de Roma e no início da Revolução Francesa. A religião perdeu toda a vitalidade e a moral era completamente desprezada [Como acontece nos dias de hoje, no Ocidente]. A falta de sinceridade, a desonestidade, a corrupção, a injúria, o desperdício criminoso e a segurança cega de tal modo se apoderaram dos ricos, voluptuosos e arrogantes que estes se tornaram pagãos em todos os sentidos, exceto no nome. Não é de estranhar que o profeta do deserto se tenha horrorizado completamente, tendo predito, indignado, um castigo sobre a nação. O que surpreende é que ele não tenha condenado os bezerros de Betel e Dan, nem tenha anunciado o agente de sua destruição. Também estranho é que ele jamais tenha se referido à Assíria.

V - Seu estilo literário - Mesmo tendo sido um dos primeiros profetas e o primeiro a escrever suas profecias, nada existe de tosco e incompleto, nem de inculto em seu estilo. Pelo contrário, ele é o autor do mais puro e clássico Hebraico de todo o Velho Testamento. Jerônimo o descreve como “tosco no falar, porém não no saber”. Contudo, entre os hebreus, o melhor escrito é uma tradução não afetada da melhor maneira de expressar-se oralmente. E assim deve ser sempre em todo lugar. A tradição judaica o acusou de ter um problema na língua, mas essa tradição não é justificada pelo discurso do profeta. Amós foi um orador. Seu estilo é grave, comedido e retórico. Ele usa orações breves e

concisas, valendo-se, com freqüência, de perguntas, apóstrofes e exclamações. Ele entende o poder da repetição e enriquece a sua mensagem com variadas imagens e figuras bucólicas derivadas da natureza, da qual, obviamente, foi um ardente e constante estudioso. Por exemplo, ele exorta Israel a buscar “ao que faz o Sete- estrelo e o Órion”, admoestando-o a se salvar do inimigo “como o pastor livra da boca do leão as duas pernas, ou um pedaço da orelha”.

A nação está madura para o juízo e prestes a recebê-lo. Amós foi o primeiro entre os profetas a declarar a sentença do Reino do Norte. No dia em que uma grande festa foi iniciada em Betel, ele clamou com lamentações: “A virgem de Israel caiu, e não mais tornará a levantar-se; desamparada está na sua terra, não há quem a levante” (Amós 5:2). Foi esse o canto fúnebre da nação. Realmente, a situação era grave demais. Havia chegado o dia do castigo de Israel - o Dia do Senhor. Amós pregou essa idéia do ponto em que Joel havia parado, começando com “O Senhor bramará de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; os prados dos pastores prantearão, e secar-se-á o cume do Carmelo” (Amós 1:2). Foi um dia de revelação nacional. Com uma audácia sem paralelo, Amós anunciou ao povo adormecido e embrutecido pela prosperidade os resultados que inevitavelmente irão chegar, sempre que a religião se desvia da moralidade. Pois, com a maior ênfase e com uma clareza sem precedentes ele anunciou a destruição... As causas do juízo eram patentes: as riquezas e o luxo; a frivolidade e a corrupção; a opulência e a opressão; os palácios de verão e inverno; as camas de marfim; os cantos das orgias e o vinho – isso era bastante para convencer o profeta, que não deixava de clamar à Providência. Além disso, havia crimes específicos ainda mais culpáveis e merecedores de censura, como a opressão aos pobres, o confisco de suas vestes em pagamento de dívidas; a injúria não refreada, ainda que sob a capa da religião; o ato hipócrita de dizimar, a observância fingida do sábado e até as peregrinações a santuários distantes [um retrato vivo do Catolicismo Romano em todos os tempos]. Esses e outros males faziam com que a alma sensível de Amós ardesse em indignação, de tal maneira que não seria possível ele deixar de erguer a sua voz em protesto. Amós descobriu em toda parte a enfermidade moral e convenceu-se clara e absolutamente de que Javé o havia escolhido como reformador moral daquela época. Sua mensagem, portanto, era o evangelho da Lei e não da Graça.

VII - Análise e conteúdo do seu livro - Suas profecias correspondem, naturalmente, a três divisões:

1. - Capítulos 1 e 2 - Uma série de oito juízos formais sobre Israel e seus vizinhos. Desse modo, repetidos oito vezes, por três transgressões e por quatro não retirarei o castigo de:

1. Damasco, por pisar Gileade (Amós 1:1-5).

2. Gaza, por entregar cativos a Edom (Amós 1:6-8).

3. Tiro, também por entregar cativos a Edom (Amós 1:9-10).

4. Edom, por perseguir sem piedade o seu irmão Amós 1:11-12).

5. Amom, por crueldade contra Gileade (Amós 1:13-15).

6. Moabe, por queimar os ossos do rei de Edom, até as cinzas (Amós 2:1-3).

7. Judá, por rechaçar a Lei de Javé (Amós 2:4-5).

8. Israel, por vender “o justo por dinheiro, e o necessitado por um par de sapatos” (Amós 2:6-16), ensinando toda a série de princípios fundamentais da sociologia bíblica, a saber: 1) A soberania universal de Deus. 2) O pecado da desumanidade. 3) A responsabilidade moral da humanidade. Amós foi o primeiro entre os profetas hebreus a pregar o universalismo, uma coisa tipo moralidade internacional.

2. - Capítulos 3-6 - Aqui temos três discursos de ameaças e condenação, começando com a exortação “Ouvi esta palavra...” (Amós 3:1; 4:1 e 5:1), todas fortemente ameaçadoras: 1. A eleição de Israel por Javé foi condicional (cap. 3, o mais extenso do livro). 2. Uma admoestação às mulheres de Samaria [por ele chamadas “vacas de Basã”], inescusavelmente consideradas egoístas e cruéis. (Cap. 4, comparar com Isaías 3:6 e seguintes). Porque, apesar das reiteradas admoestações, a) fome (v. 6); b) seca (vs. 7,8); c) queimadura e ferrugem (v. 9); d) peste e espada (v. 10); terremoto (v. 11), se não se voltarem a Javé. Por conseguinte, clama o profeta: “... prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus” (v. 12). Uma elegia sobre a nação, cuja restauração é impossível (caps. 5-6); porque a) menosprezam a justiça (5:7); b) Abominam a repreensão (5:10); ousam desejar o dia do juízo (5:18); d) reduzem a religião ao ritualismo (5:21); e) menosprezam as exortações divinas, as quais dizem: “Buscai ao Senhor e vivei” (5:4,6,14). Por isso o profeta pronuncia uma condenação dupla sobre Israel e seus príncipes: “Irão em cativeiro...” Seus palácios serão destruídos (6:7,8,11).

3. - Capítulos 7-9 - Uma série de cinco visões, interrompidas pelo sacerdote de Betel (7:10-17), terminando com um epílogo de esperança e consolo (9:7-15): 1. Visão de gafanhotos (7:1-3). 2. Visão de fogo consumidor. 3. Visão do prumo da retidão (7:7-9). Neste ponto, Amazias, o sacerdote de Betel, nega ao profeta o direito de fulminar assim tão veementemente a casa de Jeroboão. Em resposta, Amós repudia, ousadamente, a acusação do sacerdote de que o profeta profetiza para manter-se, garantindo que a sua inspiração independe de toda educação artificial nas escolas. Por isso ele desafia, corajosamente, tanto o sacerdote como o rei (7:10-17). Este incidente faz-nos lembrar John Knox e o lema que ele escreveu nas quatro paredes do seu “estúdio” na Rua Alta, Edimburgo, onde se lia: “Estou no lugar onde a consciência me manda falar a verdade, por isso digo a verdade e quem quiser que me condene”.

4. A visão de um cesto de frutos de verão (Kayitz), com Javé anunciando o fim” (Katz) (8:1-14). Aqui há um jogo de palavras que Amós põe na boca de Javé.

5. Visão de um santuário, representado por pessoas sepultadas sob os escombros da falsa religião.

O livro termina com uma promessa de restauração - um parágrafo de notável beleza, expressando tanto a esperança como o consolo e assegurando a Israel que a nação será completamente cirandada e que o remanescente será, finalmente, restaurado (9:7-15).

VIII - O valor permanente de sua mensagem para nós - Nestes breves sermões do profeta podemos colher certas grandes e fundamentais verdades de especial valor eterno, como por exemplo:

1. Amós vindica a personalidade moral de Deus, dando ênfase ao fato de que a essência da natureza divina é a justiça absoluta. Por muito tempo tem sido o costume considerar-se Amós o criador do monoteísmo ético. Ele foi apenas o arauto mais profundo, firme e eloqüente de uma verdade que há muito tempo já era conhecida. A missão de Amós foi interpretar Javé como um Deus de justiça. Ele não procurou entregar um sistema de teologia nem um tratado de filosofia, mas procurou despertar a consciência de Israel, assinalando a perfeita justiça de Javé. Porque o Deus de Amós não é apenas o Deus Todo Poderoso e internacional, mas é também o Deus ético e espiritual. As três apóstrofes do profeta dirigidas a Javé são notavelmente majestosas (Amós 4:13; 5:8 e 9:5,6).

2. Amós também ensinou que o culto elaborado, não sendo sincero, é apenas um insulto a Deus: “Odeio, desprezo as vossas festas, e as vossas assembléias solenes não me exalarão bom cheiro. E ainda que me ofereçais holocaustos, ofertas de alimentos, não me agradarei delas; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias das tuas violas”. (Amós 5:21-23).

Estas palavras são mais eloqüentes para as gerações atuais do que para aquela geração à qual foram destinadas. Muitos cristãos modernos parecem incapazes de conceber a salvação sem os sacramentos e as cerimônias de sua própria igreja. Amós ensinou a Israel que a religião significa muito mais do que o mero culto e que não é o cheiro do holocausto que Deus aceita, mas o incenso de um coração sincero e leal.

3. Além disso, Amós ensinou que deve haver justiça social de homem para homem: “Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso” (Amós 5:24). Sua grande visão era essencialmente a de um reformador, cuja obra era evitar abusos, derrubar maus conceitos estabelecidos, preparando, assim, o caminho à reconstrução que, necessariamente, teria de ser passada adiante. É de profetas assim que o nosso mundo tanto carece, com a mesma paixão de Amós pela justiça social. Para ele era este o maior e mais fundamental postulado da sociedade. Por isso ele ensinou energicamente o caráter inexorável da lei moral (Amós 2:6-8). A moralidade era a maior necessidade de Israel. Os requisitos divinos são sempre morais. Os resultados morais determinam o curso da história. Por meio de idêntica pregação Amós acendeu uma tocha social em Israel, a qual jamais se extinguiu e nem se extinguirá jamais. Toda a sua mensagem serve de um prelúdio idôneo à definição de religião que Tiago 1:27 iria nos dar: “A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo”.

4. Outra grande verdade ensinada por Amós é o fato de que o privilégio envolve responsabilidade: “De todas as famílias da terra só a vós vos tenho conhecido; portanto eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades” (Amós 3:2). Ser privilegiado significa cumprir, antes de tudo, o dever.

5. Outra é a significação e o propósito da calamidade: “Por isso também vos dei limpeza de dentes em todas as vossas cidades, e falta de pão em todos os vossos lugares; contudo não vos convertestes a mim, disse o SENHOR” (Amós 4:6 e seguintes). Todo o desastre era apenas um chamado ao arrependimento (Comparar com Lucas 13:1-5).

6. Outra coisa, a admoestação nunca é antiquada. Essa grande verdade é ensinada praticamente em todo o livro. Há um evangelho em Amós, porém “o evangelho do rugido do leão”.

7. Outra lição é a necessidade da convicção pessoal em um profeta (Amós 7:14,15). A religião é um assunto pessoal, assim como é, também, a convicção, e não pode ser herdada.

8. Finalmente, o livro de Amós tem um valor histórico especial, sendo o mais antigo dos escritos proféticos que não é disputado, tornando-se um teste importante das crenças religiosas correntes em Israel, durante o século 8 a.C. Amós não apenas reconhece os preceitos morais de Javé como obrigatórios para Israel (Amós 5:21-27), mas julga Israel conforme um amplo modelo moral que se torna obrigatório para todas as nações. Por causa desses ensinos ele influenciou os profetas que o seguiram, como Isaías, Jeremias, Ezequiel e Miquéias.

IX - Passagens especiais de interesse particular

1) Como Amós 3:3: “Porventura andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?” Esta passagem é tipicamente oriental. É fato bem conhecido, ser perigoso viajar por vales profundos e caminhos ásperos, com acompanhantes desconhecidos, não testados e, possivelmente inimigos, nas montanhas do Oriente.

2) Sem dúvida alguma, Javé é o Senhor: “Certamente o Senhor DEUS não fará coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas” (Amós 3:7)... Deus revela os Seus segredos aos que desejam falar em Seu Nome.

3) O verso Amós 5:25: “Oferecestes-me vós sacrifícios e oblações no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? “ dá a entender que não o fizeram, porque, segundo o ponto de vista do profeta: “... o obedecer é melhor do que o sacrificar” (1 Samuel 15:22).

4) “Ai dos que vivem sossegados em Sião, e dos que estão confiados no monte de Samaria, que têm nome entre as primeiras das nações, e aos quais vem a casa de Israel!” (Amós 6:1). Ao que Carlyle observa: “Sócrates era terrivelmente descuidado”.

5) “Para que possuam o restante de Edom, e todos os gentios que são chamados pelo meu nome, diz o SENHOR, que faz essas coisas” (Amós 9:12).

Por ligeiras mudanças, quase infinitesimais no Hebraico, os tradutores da Septuaginta [que o erudito bíblico americano Dr. Samuel Gipp garante que jamais existiu] assim traduziram essa passagem: “Para que o restante dos homens (adham) possa buscar (yidreshu) o Senhor”, conforme citado por Tiago no Concílio de Jerusalém, em 50 d.C. (Atos 15:17). Esta passagem é especialmente interessante, como um notável exemplo da crítica textual.

6) “Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que o que lavra alcançará ao que sega, e o que pisa as uvas ao que lança a semente; e os montes destilarão mosto, e todos os outeiros se derreterão” (Amós 9:13). Nesta declaração está condensada toda a esperança do profeta no futuro de Israel. Embora a descrição seja de todos os séculos, ela é uma expressão clássica do reino messiânico, o qual envolverá Israel em toda a sua glória e grandeza exterior.

Capítulo 4

Obadias, o crítico da Bíblia

I - O Livro - Obadias é o livro mais curto do Velho Testamento, tendo apenas 21 versículos. Não é citado no Novo Testamento e neste não há referência alguma a Obadias, a não ser que tomemos a idéia de que no verso 21 esteja refletida a idéia de Apocalipse 11:15, versos que apresentamos a seguir: “E subirão salvadores ao monte Sião, para julgarem o monte de Esaú; e o reino será do SENHOR”... “E o sétimo anjo tocou a sua trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: Os reinos do mundo vieram a ser de nosso SENHOR e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre”.

O livro aparece na escala dos Doze, logo depois de Amós. Alguns se dão conta de sua posição aqui, supondo que os organizadores do Cânon devem ter visto Obadias como uma expansão da curta predição contra Edom, exposta em Amós 9:12. O título descreve o livro como uma visão: “Visão de Obadias: Assim diz o Senhor DEUS a respeito de Edom: Temos ouvido a pregação do SENHOR, e foi enviado aos gentios um emissário, dizendo: Levantai-vos, e levantemo-nos contra ela para a guerra”. Esta foi chamada de “uma oração indignada”. Mesmo sendo breve, Obadias é um livro difícil, com uma dificuldade nada proporcional ao seu tamanho.

II - O Autor - Obadias não tem uma história pessoal. Sem dúvida o seu nome, cujo significado é “Adorador de Javé”, é sugestivo. Esse era um nome muito

comum entre os semitas, especialmente após o cativeiro. Compare-se com Abdiel “Servo de Javé” (1 Crônicas 5:15) e com Abdala (nome árabe), que significa “Servo de Deus”. Esforços têm sido feitos no sentido de identificar o profeta Obadias com alguns outros homônimos, em número de doze ou mais, no Velho Testamento, como por exemplo:

1. Obadias, o mordomo do palácio de Acabe, o qual escondeu os profetas de Javé em duas covas - cinqüenta em cada cova (1 Reis 18:3-6).

2. Obadias, o mestre da Lei enviado por Josafá entre as cidades de Judá (2 Crônicas 17:7).

3. O “homem de Deus” no tempo de Amazias, o qual aconselhou o rei a não permitir que o exército de Israel do Norte o acompanhasse na luta contra os edomitas (2 Crônicas 25:7).

4. Obadias, um dos superintendentes empregados no reparo do templo, sob o reinado de Josias (2 Crônicas 34:12).

Para o nosso profeta, sem dúvida, “sua obra era mais importante que o obreiro e por causa dessa obra ele permitiu que a sua personalidade fosse relegada ao fundo”.

III - A Mensagem - Toda a mensagem de Obadias pode ser resumida em duas frases: 1. A destruição de Edom (versos 1-16). 2. A restauração de Israel (versos 17-21). Sem dúvida o profeta dirige suas palavras, não tanto como uma admoestação a Edom, mas como uma mensagem de consolo a Israel. O livro pode ser assim dividido:

1. A ruína de Edom, mesmo estando abrigada com segurança em meio às serras rochosas (Versos 1-9).

2. Os motivos, isto é, a sua crueldade com Israel e o seu regozijo pela adversidade de Judá (Versos 10-14).

3. A retribuição divina a Edom e a restauração de Israel.

A interpretação e o arranjo cronológico de Bewer relativos a esta profecia ilustram a escola modernista. Ele considera o livro como o produto de 4 autores diferentes, os quais teriam vivido em tempos separados:

1. Primeiramente foram engastadas no livro profecias de um antigo vidente, o qual vivera antes do cativeiro e que, ao ouvir dizer que certas nações iriam se reunir para atacar Edom, estando certo de que tal movimento provinha de Javé, achou que essas seriam vitoriosas, predizendo, assim, a derrota de Edom (Versos 1-4).

2. As palavras desse vidente (o qual teria vivido em 450 a.C) foram por Obadias adotadas, no devido tempo, quando sobreveio uma grande catástrofe a Edom, com a invasão dos nabateus e árabes primitivos. Vendo o seu cumprimento e recordando-se de como os edomitas haviam se regozijado com a queda de Jerusalém em 586 a.C., o profeta deixou-se dominar pela emoção, tendo rompido em apaixonadas admoestações, dizendo: “Se viessem a ti ladrões, ou

assaltantes de noite (como estás destruído!), não furtariam o que lhes bastasse? Se a ti viessem os vindimadores, não deixariam algumas uvas? ... Nem parar nas encruzilhadas, para exterminares os que escapassem; nem entregar os que lhe restassem, no dia da angústia. Porque o dia do SENHOR está perto, sobre todos os gentios; como tu fizeste, assim se fará contigo; a tua recompensa voltará sobre a tua cabeça” (Obadias 5, 14, 15).

3. Então, talvez cem anos depois, quando os edomitas foram expulsos para Neguebe e Judá do Sul, tendo desse modo chegado a se tornar os mais próximos vizinhos dos judeus, continuando a se odiarem mutuamente, outro profeta desconhecido, cheio de patriotismo, levantou sua voz e declarou que algum dia Javé iria restaurar Israel ao seu antigo esplendor e glória (Versos 15,16,18).

4. Finalmente, quando se levantaram os Macabeus (168 a. C), outra pessoa fez a conclusão do livro, e assegurou aos judeus que o reino de Javé seria estabelecido e que somente Ele iria reinar (Versos 19-21).

Alguns outros comentaristas apóiam a opinião de Bewer. Contudo, existem poucas razões para se pensar que o profeta, ao predizer o futuro, estivesse realmente descrevendo o passado, ou que falasse do que os edomitas haviam feito, como de coisas que deveriam fazer.

IV - Data - Visto como o livro não é introduzido com uma data histórica ou cronológica, o que permitiria determinar a sua data, precisamos nos valer das evidências internas. Desse modo, muitas datas divergentes têm sido sugeridas, datas que se estendem desde o tempo de Jorão, rei de Judá (850 a.C), em cujo reinado os filisteus e árabes atacaram Jerusalém, tendo levado os tesouros do palácio real (2 Crônicas 21:16-17), até 312 a.C, quando os nabateus tomaram Edom e Antígono ordenou que fosse enviada uma expedição contra eles. Vários fatores entram na decisão deste assunto:

1. O lugar de Obadias entre os Doze - No Hebraico ele é o quarto, seguindo esta ordem: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, etc. No Grego ele é o quinto: Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Obadias, Jonas, etc. Isso mostra claramente que os organizadores do Cânon (200 a.C) consideravam Obadias como primitivo.

2. A unidade do livro - sacrificada pelos que o colocam depois. Contudo pode ser possível o caráter composto de um livro, mesmo tão curto, como é o caso deste.

3. O caráter vivo dos versos 10-14 – os quais parecem descrever como história a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, em 586 a.C. Elmslie diz: “Não é apenas um estado arruinado, ou uma capital parcialmente saqueada que aqui têm sido descritos, mas uma nação desmembrada, despojada e dispersa”. Claro que não se trata do juízo universal. Pusey, por exemplo, crê que estes versos são uma predição, em vez de uma descrição da ruína de Jerusalém. Entrementes, David acha um lugar apropriado para estes no reinado de Acaz (731 a.C), quando freqüentes calamidades sobrevieram a Judá:

1. - Rezim, rei da Síria, livrou Elate dos judeus, lançando-os para fora e permitindo que os edomitas ali residissem (2 Reis 16:6 - Septuaginta).

2. - Peca, rei de Israel, matou 120 mil judeus e levou 200 mil em cativeiro (2 Crônicas 28:6-8).

3. - Zicri, homem poderoso de Efraim, matou Maasias, o filho do Rei (2 Crônicas 28:7).

4. - Os edomitas vieram a Judá e levaram presos em cativeiro (2 Crônicas 28:17).

5. - Os filisteus também invadiram várias cidades da campina e do sul de Judá (2 Crônicas 28:18).

6. Acaz tomou até os tesouros do templo, a fim de pagar tributo ao rei da Assíria (2 Reis 16:8).

Sem dúvida, condições como estas podem muito bem explicar a descrição feita por Obadias da calamidade de Jerusalém como “infortúnio”, “ruína” e “angústia” (Verso 12). É bem provável, portanto, que essa profecia tenha sido feita no século 8.

V - Edom - Como já foi dito, Obadias profetizou a respeito de Edom e mais particularmente contra a cidade rochosa de Edom, conforme o verso 3: “A soberba do teu coração te enganou, como o que habita nas fendas das rochas, na sua alta morada, que diz no seu coração: Quem me derrubará em terra?”

As rochas a que ele aqui se refere são quase na certa as de Petra, a qual, desde os tempos mais remotos, era a fortaleza central da nação. Os árabes modernos a chamam de Wady Musa. Os antigos sírios, segundo Josefo, a chamavam de Requém, por causa de Requém, o príncipe midianita que caiu numa batalha contra Israel, em Moabe, nos dias de Finéias, [quando também foi morto Balaão, o profeta filho de Beor] (Números 31:8). Pela sua situação e beleza natural, Petra é única entre todas as outras cidades da terra. É quase impossível descrevê-la adequadamente. Sua situação bem abaixo e em meio às montanhas de Seir, rodeada de todos os lados por rochas coloridas, de uma beleza e grandeza inigualáveis, fizeram de Petra uma das maravilhas do deserto. Nela se entra por uma garganta estreita, com mais de um quilômetro de extensão, chamada Sik ou fenda. Esse desfiladeiro é uma das avenidas mais formosas e românticas do gênero em toda a natureza, com um pequeno arroio ao fundo, em quase toda a sua extensão. A garganta é estreita e profunda, sendo por vezes tão reduzida que fica quase às escuras em pleno meio dia. As rochas que a limitam são formosas, ostentando quase todas as cores do arco-íris. Ao sair da mesma, em grande planície (com mais de um quilômetro de extensão por 2/3 de quilômetro de largura), o explorador se depara com moradias cortadas na rocha, sepulcros, templos e outras escavações, por todos os lados. Centenas destes em sua maior parte são, de fato, mausoléus originais, cortados literalmente na sólida rocha granítica. As ruínas de um castelo, de edifícios e dos arcos de uma ponte, além de colunas, são vistos espalhados ao fundo do sítio da cidade. As cores das rochas aumentam imensamente o atrativo do local. A natureza tem organizado em faixas alternadas as cores mais belas, tais como o roxo, púrpura, alaranjado, amarelo, branco, lilás e outras cores, as quais se matizam artisticamente entre si, fazendo ondulações com esplendorosas e fantásticas figuras causadas pela filtração dos óxidos e ferro, manganês e outras substâncias, as quais, com freqüência produzem nos granitos variedades de cores e uma formosura especial. A cidade inteira e seus arredores formam um imenso labirinto de montanhas e rochas, escavações, gargantas e vales estreitos, planícies e mesas, pequenos vales sombreados e alegres promontórios, tudo muito grandioso e

belo. Aqui se tem justamente um ideal de beleza e proteção que pode satisfazer qualquer nômade oriental, como uma fortaleza de tráfico e comércio.

Infelizmente, reina agora uma desolação dentro e ao redor de Petra, e por todos os lados, o que tem atestado tristemente as admoestações de Obadias.

VI - Ensinos - Não seria de esperar que um livro tão curto pudesse ensinar tantas lições de enorme valor. Podemos mencionar três:

1. A admoestação do profeta contra o escárnio (verso 12) - O escárnio se origina no orgulho. Quando zombamos dos outros, revelamos o espírito orgulhoso que existe em nós. O escárnio revela falta de amor fraternal e com freqüência pode evidenciar um verdadeiro ódio. Edom e Israel se menosprezavam e odiavam mutuamente em toda a sua história. Durante vários séculos a inimizade entre ambos foi implacável. Sempre se guerreavam por vingança. Na maior parte isso provinha de um patriotismo egoísta e de ciúmes tribais. Para muitos o patriotismo não passa de egoísmo nacional, o qual facilmente degenera em arrogância. Segundo Tolstoi, “O patriotismo é um vício e pertence ao período das tribos”.

2. Sua doutrina da estrita retribuição - (Versos 10-15) - Obadias ensinou com ênfase especial o caráter indestrutível do juízo eterno. O “Dia do Senhor”, disse ele, virá sobre Edom: “Porventura não acontecerá naquele dia, diz o SENHOR, que farei perecer os sábios de Edom, e o entendimento do monte de Esaú? E os teus poderosos, ó Temã, estarão atemorizados, para que do monte de Esaú seja cada um exterminado pela matança” (Versos 8 e 9). E “Por causa da violência feita a teu irmão Jacó, cobrir-te-á a confusão, e serás exterminado para sempre ... Porque o dia do SENHOR está perto, sobre todos os gentios; como tu fizeste, assim se fará contigo; a tua recompensa voltará sobre a tua cabeça” (Versos 10,15).

3. Sua segura esperança de que há de chegar uma Era de Ouro para Israel: “Mas no monte Sião haverá livramento, e ele será santo; e os da casa de Jacó possuirão as suas herdades” (Verso 17).

Finalmente lemos no verso 21: “E subirão salvadores ao monte Sião, para julgarem o monte de Esaú; e o reino será do SENHOR”. Edom subjugada seria uma Edom incorporada. Essa promessa constitui o lado brilhante do “Dia do Senhor”, assinalando toda a consumação da história da humanidade. Aqui o profeta estende suas predições originais de catástrofe sobre Edom, incluindo escatologicamente “um juízo universal sobre todos os pagãos e a conseqüente restauração de Israel”. Esta é a palavra final, não só de Obadias, mas de toda a profecia bíblica. É realmente um vislumbre do reino messiânico, pelo qual ansiavam todos os profetas [E também todos os judeus ortodoxos e os cristãos verdadeiros], sendo também uma interpretação da consciência de Israel. Nos dias atuais as palavras do profeta estão tendo um cumprimento lento e silencioso e em breve, conforme Apocalipse 11:15: “E ... houve no céu grandes vozes, que diziam: Os reinos do mundo vieram a ser de nosso SENHOR e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre”. [Ora, vem Senhor Jesus!”]

Capítulo 5

Jonas, o profeta universal

O livro de Jonas é quase totalmente biográfico, havendo, à parte de sua oração no capítulo 2, apenas uma declaração que se possa chamar de profecia (Jonas 3:4). As experiências pessoais dos outros profetas são, às vezes, narradas em seus livros (Comparar com Oséias 1:3; Amós 7:10-15 e Jeremias 1:25-29; 36-38).

I - O homem e sua história - Sabe-se que Jonas foi um personagem histórico. Ele é identificado por quase todos os eruditos como “Jonas, filho de

Amitai”, o qual profetizou a Jeroboão a restauração de Israel aos seus antigos limites (2 Reis 14:25). Sellin declara, sem hesitação nem modificação: “o herói da narrativa é um personagem histórico, que viveu no tempo de Jeroboão II, pouco antes de Amós”. Sua identificação parece estar assegurada, visto que, tanto o nome de Jonas como o de seu pai, não são mencionados em outra parte do Velho Testamento. Ele era natural de Gate-Hefer, na Galiléia, que distava 7 Km. de Nazaré, conhecida pelos árabes modernos como el Meshed (2 Reis 14:25).

Quando Jonas foi chamado por Javé para ir a Nínive, a fim de ali pregar, essa tarefa foi-lhe tão repugnante que ele fugiu “da presença do Senhor” (Jonas 1:3,10), indo para Tarsis, ao sudoeste da Espanha, abandonando sua obra profética. Pusey acredita que Jonas, nesse tempo, já era avançado em idade, tendo estado, provavelmente, “na presença do Senhor”, durante anos. (Gênesis 4:16). Jonas era um legítimo cainita.

Mais adiante, na história, é dito francamente o motivo de Jonas para viajar até o Ocidente, aventurando-se no mar, o que era evitado pelos hebreus, em vez de ir para o Oriente: “E orou ao SENHOR, e disse: Ah! SENHOR! Não foi esta minha palavra, estando ainda na minha terra? Por isso é que me preveni, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal” (Jonas 4:2). Sem dúvida ele havia ido a Nínive para certificar-se de que Deus iria realmente destruir aquela cidade. Mas, sendo um patriota mesquinho, ciumento e vingativo, Jonas não podia entender porque Deus desejava que ele pregasse a um povo que queria devorar Israel. O verdadeiro cristão, ao contrário, deseja o bem estar, até mesmo dos seus inimigos (Lucas 6:27-28).

Indo a Jope, o principal porto de mar da Terra Santa, ali encontrou um vapor que se fazia ao mar, rumo ao Ocidente. Pagou a passagem e embarcou, descendo até o porão, onde foi dormir, exatamente como o fez Sisera, na tenda da traidora Jael (Juízes 4:21). Sua consciência também ficou adormecida porque Jonas se enganava, achando que logo estaria longe de Deus. Jesus também dormia calmamente durante uma tempestade, segundo Marcos 4:35-41: “E, naquele dia, sendo já tarde, disse-lhes: Passemos para o outro lado. E eles, deixando a multidão, o levaram consigo, assim como estava, no barco; e havia também com ele outros barquinhos. E levantou-se grande temporal de vento, e subiam as ondas por cima do barco, de maneira que já se enchia. E ele estava na popa, dormindo sobre uma almofada, e despertaram-no, dizendo-lhe: Mestre, não se te dá que pereçamos? E ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao mar: Cala-te, aquieta-te. E o vento se aquietou, e houve grande bonança. E disse-lhes: Por que sois tão tímidos? Ainda não tendes fé? E sentiram um grande temor, e diziam uns aos outros: Mas quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?”. Sempre que alguém se propõe a frustrar os planos divinos, contra ele se levanta uma tempestade.

O mar se enfureceu. Cada marinheiro orava ao seu próprio deus, mas a tempestade continuava. Concluíram, então, que algum deus devia estar ofendido. O piloto do navio foi até Jonas e ordenou-lhe que clamasse ao seu Deus. Jonas, realmente, não tinha Deus. Os marinheiros, convencidos da existência de algum culpado a bordo, lançaram sortes e esta recaiu sobre Jonas. Perguntaram-lhe ansiosamente de onde ele era natural, qual era a sua ocupação, qual era o seu povo e Jonas confessou francamente que estava fugindo “da presença do Senhor”. Naquele momento ele era apenas um pagão naquele navio. Contudo, redimiu-se ao dizer, voluntariamente, que deveriam lançá-lo ao mar, para conseguirem ser salvos. Os marinheiros não queriam oferecer Jonas

como um sacrifício humano, até que houvessem consultado o Deus de Jonas: “Então clamaram ao SENHOR, e disseram: Ah, SENHOR! Nós te rogamos, que não pereçamos por causa da alma deste homem, e que não ponhas sobre nós o sangue inocente; porque tu, SENHOR, fizeste como te aprouve. E levantaram a Jonas, e o lançaram ao mar, e cessou o mar da sua fúria” (Jonas 1:14-15). Vendo isso, os marinheiros ficaram tão impressionados que “ofereceram sacrifício ao Senhor e fizeram votos” (v. 16).

Dois pequenos versos resumem a história do resgate de Jonas (Jonas 1:17; 2:10). O Senhor preparou um grande peixe para engolir Jonas e nas entranhas deste ele ficou “três dias e três noites”. Duas colunas perto de Alexandria, ao norte de Antioquia, na costa Síria, assinalam o local onde, segundo a tradição, Jonas foi vomitado à terra seca. Contudo Josefo diz que isso aconteceu às margens do Mar Egeu.

Por ter Jonas reconhecido o seu parentesco com os marinheiros pagãos, teve outra oportunidade para ir pregar aos pagãos de Nínive. Dessa vez ele obedeceu, tornando-se, então, o “primeiro apóstolo aos gentios”. Entrando nas ruas de Nínive, Jonas começou a clamar em sua própria língua materna: “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida” (Jonas 3:4).

Só podemos imaginar com que prazer o vingativo profeta anunciou essa admoestação. Claro que alguém poderia imaginar que Jonas pronunciou essas palavras solenes como um austero pregador, com a mesma ênfase de um Natã (2 Samuel 12:7) ou de um Paulo (Atos 24:25), ou de um Lutero, cuja ardente sinceridade derreteu os corações hostis. Com uma semelhante monotonia, sem dúvida João Batista iria repetir posteriormente o seu apelo profético: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus” (Mateus 3:2). Jonas falou apenas cinco palavras em Hebraico. Contudo essas eram palavras de condenação, tendo causado grande impacto, a ponto dos ninivitas se arrependerem e em conseqüência proclamarem um jejum e se cobrirem de sacos, em sinal de arrependimento, o que levou Deus a se arrepender do mal que lhes tinha anunciado, não o tendo feito (Jonas 3:5-10).

Jonas se enojou com a protelação do Senhor em executar juízo contra aquela cidade má. Ficou revoltado, não por sentir-se desacreditado aos olhos humanos dos ninivitas, nem porque sua posição de profeta fosse arruinada pelo fracasso de sua pregação, mas pela clemência divina em favor de Nínive. Por que continuaria Deus perdoando uma cidade que vivia prejudicando Israel através da guerra e da exigência de tributos cada vez mais pesados? Na verdade, Jonas estava revoltado por causa do mesquinho patriotismo que o cegava. Por sentir que Deus havia perdido a oportunidade e que, por causa disso, o seu próprio povo, mais cedo ou mais tarde, seria condenado à destruição. Melhor seria morrer, diz ele, do que viver mais tempo neste mundo governado por um Deus assim. Em seu desgosto Jonas se assemelha a Elias (1 Reis 19:1-18). Contudo, houve entre eles uma diferença. Jonas sentiu o mesmo desespero de Elias, porém sem as desculpas deste. A diferença é que Elias sentia zelo por Deus e Jonas sentia ciúmes de Deus.

Jonas esperava ver Nínive destruída, aguardando o desfecho lá de cima de um monte, a leste de Nínive, onde fazia muito calor. O Senhor admoestou-o contra a sua ira, mas em vão. Para se proteger do cansaço do calor, Deus fez crescer sobre a cabeça de Jonas, com extrema rapidez, uma aboboreira (Ricinus Communis), com o que Jonas muito se alegrou. Porém, com a mesma rapidez,

Deus enviou um verme, o qual feriu a aboboreira e esta se secou (Jonas 4:7). Por causa dessa fatal calamidade Jonas se irou novamente e desmaiou, desejando a própria morte (v. 8). Ele havia se irado porque Nínive fora perdoada e agora se irava porque a aboboreira não fora perdoada. O Senhor lhe responde, comparando a aboboreira à cidade e comparando a compaixão e solidariedade de cada um consigo mesmo, terminando, assim, a história (vs. 9-11).

Seja qual for a nossa opinião sobre o Livro de Jonas - cujo valor não se pode subestimar - devemos confessar que o próprio Jonas ocupa um lugar inferior no catálogo dos profetas do Velho Testamento. Jonas era um homem egoísta, orgulhoso, briguento, colérico, enfatuado e perverso. Claro que ele era um bom patriota, que amava Israel com lealdade. Como pregador, provavelmente, ele era tão bom como os pregadores daquela época. Ora, quem de nós não terá se regozijado quando numa guerra o inimigo perdeu os seus melhores soldados? Jonas tinha ciúmes dos ninivitas, porém apenas um pouco mais do que sentimos dos nossos inimigos nacionais ou dos pagãos. Os judaizantes dos tempos apostólicos certamente sentiam ciúmes por ter Paulo oferecido o evangelho aos gentios, nos mesmos termos em que este lhes fora oferecido. Se a atitude de Jonas mudou para com os ninivitas como resultado da admoestação do Senhor, não sabemos. Mas até onde somos informados, Jonas era um profeta patriota vingativo e sedento de sangue, o qual pregava com extraordinário êxito, sem, contudo, enxergar o seu êxito.

Em última análise, Jonas era um homem em quem a piedade e o dever sempre estiveram em conflito, um homem temente a Deus tendo, contudo, abandonado a sua tarefa (Jonas 1:3,9). Um homem em quem o espírito de humanidade foi quase afogado pelo patriotismo. Em suma, ele foi um homem, cuja religião residia na emoção, bem mais que na esfera da vontade. Ao contrário de Jonas, Jesus chorou sobre Jerusalém!

III - Os tempos do profeta - Como sabemos, Jonas viveu no tempo de Jeroboão II, rei de Israel do Norte, o qual reinou de 790 até 750 a.C. Jeroboão recebera um reino fraco porque desde o tempo de Jeú, seu bisavô, o povo vinha pagando continuamente tributos à Assíria. Sob Jeroboão, sem dúvida, o povo começou a recobrar suas forças anteriores. Ele tomou Hamate e Damasco, restaurando a Israel todo o território que se estende desde Hamate até o Mar Morto, conforme Jonas havia predito (2 Reis 14:25). Em verdade Jeroboão foi o mais poderoso de todos os monarcas que se sentaram no trono de Samaria e havia muitas esperanças de prosperidade quanto ao futuro do reino.

Na Assíria, contudo, as condições prevalecentes eram justamente o oposto. Tudo era desanimador, com a Assíria perdendo terreno. Em outras palavras, Israel crescia, enquanto a Assíria declinava. O reinado de Adadmirari IV (810-782 a.C) acabava de encerrar-se. Em suas três expedições à Palestina e às terras ocidentais, ele havia recebido tributos dos heteus, de Tiro e de Sidom “a terra de Omri”, ou seja, Israel do Norte, Sidom e Filístia. E por suas amplas vitórias ele havia se tornado um dos maiores reis da Assíria. Antes dele, nenhum rei assírio havia realmente dominado um território tão extenso, e nenhum havia possuído além disso, um círculo tão grande de estados que lhe pagavam tributo. Foi esse rei quem favoreceu Amenofis IV, da Dinastia XVIII do Egito, uma espécie de monoteísmo religioso, e que deixou uma inscrição notável que diz: “Confia em Nebo. Não confies em outro deus”. Winckler sugere que teria sido Adadmirari quem, como rei de nínive, deu as boas vindas a Jonas, quando este ali chegou para pregar. Contudo, é mais provável que esse rei já tivesse morrido e que a

deterioração moral de Nínive já houvesse começado. Porque depois do seu reinado, acontecera, lenta, mas regularmente, um período de estranha decadência, o qual fizera Jonas desejar que a Assíria decaísse cada vez mais. Sem dúvida aqui se apresenta uma dificuldade pelo fato de que, nesse tempo especial e até o tempo de Senaqueribe (705 a.C), Calah e não Nínive era a capital da Assíria. Contudo, essa dificuldade é facilmente explicada quando se recorda que Calah e Nínive eram apenas nomes diferentes de uma e a mesma cidade, distando cerca de 32 Km uma da outra. E que Nínive não é realmente chamada de capital da Assíria no livro de Jonas. Segundo Cetesias e Deodoro “pode ser que Nínive significasse uma província, isto é, a própria Assíria entre os quatro rios”. A verdadeira extensão da cidade, como nos diz Deodoro, era de 1.800 acres. De todas as maneiras sabemos que Nínive era uma cidade antiga, tendo sido fundada por Ninrode (Gênesis 10:11), a qual é mencionada duas vezes nas cartas de Te-el-Amarna, carta que data de 800 anos antes de Jonas. Os monumentos também informam que o seu povo estava entre os mais violentos e cruéis de todas as nações da antiguidade. Foi nessa cidade, portanto, e em tempos muito desanimadores para a Assíria, mas não para Israel, que Jonas foi comissionado a pregar.

III - Análise do Livro - As divisões em capítulos assinalam as suas divisões naturais.

Cap. 1 - A desobediência de Jonas, o qual “fugiu da presença do Senhor”.

Cap. 2 - Sua oração ouvida por Javé.

Cap. 3 - Sua pregação em Nínive -Jonas levantou-se e foi a Nínive.

Cap. 4 - Suas queixas culpando o Senhor.

IV – Os dois grandes milagres - Ambos são caracteristicamente orientais.

1. - O grande peixe – Provavelmente nenhuma outra história na Bíblia tem causado tantas alusões enganosas, tanta irritação tola, tanta mofa velhaca e tanta exposição errada como “a história de Jonas e a baleia”. Como diz Moore: “Quase poderia ser dito que o monstro marinho tragou os comentaristas, assim como tragou o profeta”. Os detalhes de um incidente comparativamente trivial têm sido indevidamente exagerados, colocando-se ênfase nas coisas que não têm valores supremos. Alguns expositores têm sido tão imprudentes que têm levado a crer na maravilha do peixe como uma prova de ortodoxia. Porém, sem dúvida, não foi o propósito do autor que pensássemos tanto na baleia a ponto de nos esquecermos de Deus! Num sentido muito verdadeiro, claro que a introdução do peixe nas solenidades da história não foi uma coisa ridícula, porque aquele peixe fez o profeta!

A questão não é se pode existir um peixe desse tamanho, a ponto de tragar um homem sem o mutilar. Tubarões gigantes brancos têm sido capturados e a baleia conhecida tecnicamente como “catodon macrocephalus”, a qual poderia tragar não apenas o profeta mas até cavalos. Por exemplo, aquela que foi capturada na costa da Flórida, em 1912, a qual se encontra no museu do Instituto Smithsoniano, em Washington, D.C., com 14,4 metros de comprimento, pesando 14,8 toneladas, e que tinha no estômago, ao ser capturada, um peixe de, aproximadamente, 680 Kg.

É de muito maior importância a questão de como o profeta continuou vivo nas entranhas de um peixe, por três dias e três noites. Ao citarem-se analogias, dão-se explicações. Outro exemplo é o caso do marinheiro que em 1758 caiu de um barco no Mediterrâneo e foi tragado por um tubarão, o qual, por sua vez, ao ser ferido por uma bala de canhão, o vomitou são e salvo. Também existe o caso de um índio tragado por um tubarão e encontrado ainda com vida, após ter sido o animal capturado e aberto, tendo o índio falecido logo depois. O finado professor Macloskie, de Princeton, explicou o caso especial de Jonas, supondo que o profeta “ficou na cavidade da laringe, onde podia respirar mais facilmente do que se estivesse no estômago, onde, provavelmente teria sido sufocado”.

Contudo, essas explicações apologéticas do fenômeno são frívolas e indignas. Porque ou o incidente é histórico e, portanto, um milagre genuíno, ou é uma anedota oriental sem fundamento algum, não proposto nem ensinado. A declaração de que Jonas esteve no ventre do peixe por “três dias e três noites” (Jonas 11:17) é a maneira oriental de expressar o fato de que ele esteve tanto tempo dentro de um peixe e que, se não fora pelo poder sustentador de Deus, estaria morto e fora da possibilidade humana de ser restaurado à vida (Comparar com João 11:17). O autor, estamos certos, pensava representar a conservação de Jonas na morte ou o seu regresso à vida, como algo sobrenatural.

2. - A conversão de Nínive - Está é a maior maravilha das duas. A do peixe era física, esta é moral. Para muitos a idéia de que uma grande cidade se arrependeu, de repente, através da pregação de um hebreu estrangeiro, é inacreditável. Nínive era a Londres do tempo de Jonas, tendo sido construída com despojos de guerra. Era populosa, tendo mais de 600 mil habitantes [dos quais presumivelmente 120 mil crianças] (Jonas 4:11). Também era opulenta, orgulhosa e bem fortificada. Seus muros, como afirma Deodoro, tinham 30 metros de altura. Dentro de sua área havia hortas e jardins e talvez até prados para o muito gado (Jonas 4:11). É descrita como uma “cidade muito grande” para Deus (Jonas 3:3), frase que expressa o hábito devoto da mente hebraica, a qual reconhece Deus em tudo. O livro dá a entender que Jonas foi comissionado a pregar numa cidade nada obscura, o que se constituía em grande tarefa.

Nínive também é descrita como uma cidade “de três dias de caminho” , uma expressão tipicamente oriental. Nada tem a ver com o diâmetro ou com a circunferência da cidade. Deodoro a descreve como tendo 480 estádios, cerca de 96 Km. As cidades orientais em geral são construídas de maneira muito compacta. O fato é mais bem referido pela necessidade de três dias para ser visitada em todos os seus pontos principais e de interesse. Por exemplo, um natural da Palestina iria responder, atualmente, do mesmo modo. O autor deste comentário certa vez perguntou em Nazaré: “Qual das duas cidades é melhor: Nazaré ou Beirute?” A resposta imediata foi “Ó, Beirute é uma cidade de três dias”, referindo-se à superioridade do seu tamanho.

Entrando em Nínive, “caminho de um dia” (Jonas 3:4), Jonas começou a pregar e através de sua severa e misteriosa mensagem de arrependimento logo aconteceu um pânico generalizado. Pela primeira vez na história da cidade a sabedoria clamava através de suas ruas (Pv. 1:20). Jamais poderemos entender o efeito mágico, e quase trágico, de sua mensagem, até que apreciemos a seriedade com que ele, como um oriental, a anunciava. E também o caráter psicológico dos ninivitas. Jonas mostrava no semblante o ardor do sobrenatural. Depois daquela experiência no mar, provavelmente ele pregou como alguém que

fora levado à morte. Sem dúvida o seu rosto resplandecia com a glória de Deus, como o de Moisés. Seus olhos brilhavam na fronte sisuda, enquanto seus lábios clamavam: “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida!” (Jonas 3:4). Macauley descreve a oratória de Demóstenes como “a razão ardendo com a paixão”. Jonas descarregava trovões e relâmpagos de oratória divina. Parece que o profeta havia morrido e voltado à vida. Às vezes é preciso haver uma experiência como a dele para que seja produzido um bom pregador.

Os ninivitas eram ignorantes e supersticiosos, especialmente nesse período em que a rebelião era crônica. Muitas de suas províncias e a cidade estavam sempre em perigo de sitiadores, que poderiam chegar aos seus portões, a qualquer momento, daí ficarem facilmente amedrontados. Em geral é fácil amedrontar os orientais até o ponto em que se tornam fanáticos, anunciando a vinda de algum juízo que seja temido. Por isso Belsazar ficou tão apavorado com a escritura na parede (Daniel 5:5-6). Do mesmo modo, Herodes, o Grande, ao ouvir o anúncio dos magos, “perturbou-se, e toda Jerusalém com ele” (Mateus 2:3). O arqueólogo Layard relata como um sacerdote católico, em certa ocasião, assustou toda uma população maometana, anunciando um terremoto. Quatro anos antes da destruição de Jerusalém, no Ano 70 d.C, um rústico ignorante chamado Jesus Ben Anan, de repente começou a proclamar ao povo, durante a Festa dos Tabernáculos, gritando repetidas vezes: “Uma voz do Oriente, uma voz do Ocidente, uma voz dos quatro ventos, uma voz sobre Jerusalém e o Templo, uma voz sobre os noivos e noivas, uma voz sobre todo o povo!”. A cidade se assustou terrivelmente. Sabe-se, por crônicas antigas, que, pouco antes da verdadeira queda de Nínive, os governantes da cidade haviam ordenado um solene jejum de 100 dias para suplicar ao deus Sol que lhes perdoasse os pecados.

Assim, a admoestação solene e imperiosa de Jonas, pronunciada em tons veementes e impetuosos, como o breve sermão de Pedro no Dia de Pentecostes, despertou a consciência adormecida dos ninivitas, que ficaram tomados de pânico pelo temor da iminente calamidade. E logo foi proclamado um jejum e que se vestissem de sacos (Jonas 3:5). E quando o rei ouviu o que acontecia, “levantou-se do seu trono, e tirou de si as suas vestes, e cobriu-se de saco, e sentou-se sobre a cinza” (v. 6). Idênticas Expressões de temor e arrependimento eram comuns entre os antigos. Heródoto nos conta como os persas cortaram as crinas dos cavalos e de suas bestas de carga, a fim de que parecessem estar participando do luto da nação, por causa de certo general chamado Masistio, que caiu em Platéia. E Xenofonte relata que “quando chegou a Atenas a notícia da destruição de sua frota em Egospotami, o clamor e a angústia começaram no Pireo e se espalharam por toda a cidade e naquela noite ninguém dormiu por causa da angústia e do terror do passado, do futuro e por causa do remorso”. Porque sentiam que o que lhes sobrevinha era uma retribuição de sua própria crueldade traidora e atroz com Egina, Melos e Scione. O mundo, apesar de tudo, é regido não pela verdade, mas pela opinião. Um verdadeiro profeta jamais carece de aliados.

O arrependimento dos ninivitas não foi, imagina-se, um arrependimento no sentido cristão. Foi como o de Jonas no navio, temporário e superficial, gerado apenas até onde chegava a sua capacidade intelectual e religiosa, o qual perdura somente enquanto existe o medo. Seu único argumento foi: “Quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos?” (Jonas 3:9). O maior de todos os milagres é o milagre da GRAÇA.

V - A melhor interpretação - Há três opiniões: a mítica, a histórica e a alegórica.

1). - Interpretação Mítica - Simpson nos garante que quando o Livro de Jonas é considerado um mito ou lenda “então tudo se torna pequeno”. Segundo essa interpretação, o neófito mítico no livro de Jonas recebe ordem de ir a Nínive, porém desobedece e embarca num navio para Tarsis, quando na imaginação do autor desaba uma tempestade e o iniciado é arrojado ao mar, isto é, ao Sheol ou sepulcro, sendo o peixe uma figura do “ventre do inferno” (v. 2:2). Porém depois de três dias ele é levantado novamente e restaurado à vida. Isso, pretende Simpson, é análogo a outros muitos contos e rituais antigos, em que a morte simulada é seguida de um renascimento na que fora considerada uma nova pessoa ou uma outra vida, esquecendo-se com freqüência o noviço de quanto havia conhecido antes. Os Mistérios Eleusianos, em que a história de Demétrio e Cora foi representada como um drama por sacerdotes e sacerdotisas, eram desse mesmo tipo iniciatório. Uma espécie de “drama místico”. Os ritos iniciatórios foram, desse modo, regeneradores em seu simbolismo. A história de Jonas, segundo Simpson, era uma lenda iniciatória. O próprio nome “Jonas” significa “pomba”, sendo para ele uma forte evidência do caráter mítico do profeta, como Afrodite, a quem a pomba era consagrada, saiu do mar. Da mesma maneira Simpson mostra que o Êxodo dos israelitas da terra do Egito era uma lenda iniciatória. Assim também a ressurreição, assim também Salomão, que era o deus peixe, sendo este no Grego o nome místico de Cristo. Como evidência Simpson apela a Agostinho, que disse: “Descendo vivo às profundezas desta vida mortal, como faria o abismo das águas”. E mais especialmente Tertuliano, que diz explicitamente: “Somos pequenos peixes em Cristo, o nosso grande peixe. Porque somos nascidos em água e somente nela podemos estar salvos”.

Claro que existe muito de atrativo nesta opinião sobre o livro de Jonas, mas à interpretação de Simpson falta tudo para seja conveniente.

2). - Interpretação histórica - Segundo esta a história de Jonas é historicamente certa, estando embasada nos fatos e na experiência do profeta. A prova desta opinião tem várias considerações de importância. Vejamos:

1. A forma do próprio livro - que é a de uma narrativa resumidamente histórica e assim foi vista, tanto pelos judeus como pelos cristãos, até o primeiro século d.C.

2. O livro de Tobias (Tb. 14:4-8) datado do século 2 a.C e o livro III Macabeus (6:8) datado do século 1 a.C., assim como as Antiguidades de Josefo Vol. IX, 10, 2, escritos até o final do século 1 d.C, todos tratam do chamamento de Jonas e de sua pregação em Nínive como um fato verídico.

3. Jonas não foi o único profeta do Velho Testamento a ter ministrado às nações estrangeiras. Comparem-se a missão de Elias em Sarepta (1 Reis 17:8 e seguintes) e com Oséias 5:13.

4. A maioria dos críticos modernos está de acordo em que existe algo de verdade na história de Jonas, pelo menos em que este realmente esteve pregando em Nínive.

5. Acrescente-se a isso a idêntica experiência doméstica do profeta Oséias (Oséias 1:3) e assim o naufrágio de Jonas tem um paralelo trágico. De fato,

ambos os profetas foram “vocacionados” por meio de providências muito maravilhosas de Deus [Romanos 8:28].

3.) - Interpretação alegórica ou parabólica - Esta opinião repousa sobre a convicção de que mesmo que haja milagres genuínos na Bíblia, Deus não está acostumado a fazer milagres do gênero descrito no Livro de Jonas. Porque se a história é literalmente correta, então o êxito de Jonas eclipsa o de todos os outros profetas do Velho Testamento, até mesmo a vitória de Elias no Carmelo (1 Rs. 18). Se a história é literalmente certa, então por que são passados por alto certos detalhes históricos, tais como os pecados e o nome do rei de Nínive, o tamanho da cidade e o efeito da repreensão sobre Jonas?

Portanto, argumenta-se que Jonas não passa de mero indivíduo na história, um tipo humano, um profeta simbólico histórico, e que os fatos dessa história são de menos importância que as lições ensinadas. De fato em Jonas “estamos numa terra de maravilhas”, sendo essa história apenas poesia semelhante ao caráter do Livro de Jó e às parábolas do Filho Pródigo, do Bom Samaritano e do Peregrino (de Bunyan). Que ela ostenta em todas as partes os sinais da alegoria, do símbolo e da parábola. Desse modo, Jonas é apresentado como o representante de Israel; o peixe como o cativeiro de Israel na Babilônia, etc. De fato, Nabucodonosor é descrito em Jeremias 51:34,41 como tendo “tragado” Israel (Comparar com Oséias 6:1-2). Há também muitas outras alegorias no Velho Testamento, como por exemplo a de Natã apresentada a Davi (2 Samuel 12:1-7), da mulher de Tecoa (2 Samuel 14:1-10), do prisioneiro posto em liberdade por um profeta anônimo que falou com Acabe (1 Reis 20:39-41), e outras.

Contudo, há duas objeções sérias, senão fatais a esta interpretação:

1. - Nenhuma outra alegoria em todo o Velho Testamento em como herói uma pessoa histórica. Os novelistas modernos podem produzir o que chamamos novela histórica, porém, até onde sabemos, os hebreus jamais o fizeram. Além disso, o autor havia apenas condenado um profeta sem culpa, no tempo de Jeroboão, a semelhante ignomínia perdurável, a menos que tivesse algum fundamento histórico substancial e certo para a história. O esforço que tem sido feito por um autor para encontrar um paralelo no Novo Testamento, na parábola das minas, que se supõe ser embasada nos incidentes bem conhecidos da visita de Herodes, o Grande, e Arquelau a Roma, é sugestivo do fato de que Jonas não tenha analogia. A parábola do Homem Rico e Lázaro e sua referência ao “seio de Abraão” não faz com que Abraão seja o herói da parábola. Era bem mais o nome comum no tempo de Cristo para significar “paraíso” ou “céu”. Se o Livro de Jonas é uma alegoria ou parábola, então o herói da história não pode ser o Jonas histórico de 2 Reis 14:25. É bem melhor supor que esse herói também é parabólico. Budde evidentemente sentia a força deste argumento; porque explica o livro como “Midrash” sugerido de fato pela 2 Reis 14:25, pertencendo, contudo, ao maior “livro dos reis” mencionado no 2 Crônicas 24:27.

2. - Outra objeção a esta interpretação é a presença do milagre nele contido. Qualquer coisa milagrosa é diretamente contrária ao mesmo gênero da alegoria ou parábola. Por sua natureza as parábolas e alegorias se opõem a tudo que é grotesco e inacreditável. Nelas o pensamento e o fato são a mesma coisa e a verdade é aceita facilmente por ser evidenciada. A história do peixe, portanto, e da conversão dos ninivitas destroem completamente a natureza de uma parábola ou de uma alegoria, conforme as conhecemos na Bíblia.

VI - O emprego de Jonas por Nosso Senhor - Nos sinóticos é dito duas vezes que os escribas e fariseus suplicaram que Jesus lhes desse um sinal de sua condição messiânica e Ele contestou por duas vezes, citando-lhes o caso do profeta Jonas e sua pregação em Nínive (Mateus 12:38-42 e 16:4; Lucas 11:29-32). É possível que o uso deste livro feito por Nosso Senhor possa ajudar-nos a interpretá-lo. É estranho que tantos expositores modernos ignorem por completo essa possibilidade. Naturalmente vamos fazer duas perguntas: a) - Do que buscavam os escribas e fariseus um sinal? Do seu caráter, missão, pretensões messiânicas, o seu direito como judeu de pregar uma redenção universal sobre a base do arrependimento. Ou do que? b) - Em que sentido Ele dava a entender que nenhum sinal lhes seria dado a não ser o do profeta Jonas?

O resumo da resposta de Nosso Senhor parece ser este: “Assim como Jonas pregou o arrependimento a todos os homens, incluindo gentios, assim eu faço. Assim como Jonas teve que morrer, por assim dizer, antes de ser usado por Deus no cumprimento de sua missão, o mesmo acontecerá comigo. E assim como ele morreu em sentido muito verdadeiro, como um substituto pelo seu povo, isso mesmo tenho de fazer. Os homens de Nínive, sem dúvida, corresponderam à mensagem de arrependimento que lhes foi entregue por Jonas; contudo, vós não me dais ouvidos. Por isso eles se levantarão em juízo e os condenarão porque há muito mais coisas que vos chamam ao arrependimento do que aquelas que os chamaram!”. Assim Jesus repreende os escribas e fariseus por insistirem em provas externas. Como Ele sabia, é raro convencer homens que não têm a luz em si. E o próprio Jonas não fez milagre.

Porém o assunto que nos concerne principalmente é este: Nosso Senhor usou o livro de Jonas como história, como parábola ou como outra coisa? Na mesma conexão ele prossegue falando: “A rainha do meio-dia se levantará no dia do juízo com esta geração, e a condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis que está aqui quem é maior do que Salomão” (Mateus 12:42). Certamente parece improvável que no mesmo contexto o Senhor tivesse misturado nomes reais e fictícios. Se a narrativa da Rainha do Meio dia (ou do Sul) foi um fato histórico e a de Jonas fosse uma ficção, provavelmente Jesus teria discernido entre elas por uma questão de honestidade intelectual.

Porém negar a historicidade do livro de Jonas de modo nenhum envolve uma negação de Cristo e sua ressurreição. Todo o assunto é em sentido muito verdadeiro, sendo mais uma questão de interpretação do que de fé. Certamente não podemos tomar ao pé da letra tudo que Jesus falou sobre Jonas. Por exemplo, Jesus não esteve literalmente três dias e três noites no seio da terra (Mateus 12:40) e por isso não devemos escavar sobre este ponto tão difícil. Jesus usava com freqüência grande amplitude ao interpretar o Velho Testamento e muitas vezes Ele mesmo falou em parábolas. Por isso Ele pode ter assimilado o profundo simbolismo do livro de Jonas como sendo do mesmo gênero. Em certa ocasião Ele até predisse a sua própria morte violenta por meio da parábola dos lavradores maus (Mateus 21:33-39). Obviamente o seu objetivo principal ao citar Jonas como um sinal para os fariseus eram os três dias de Jonas no ventre do grande peixe e o arrependimento dos ninivitas, apoiando a relação de causa e efeito. E que como Jonas morreu e ressuscitou, tendo êxito na pregação, assim o Filho do Homem deveria morrer e ressuscitar para que os homens cressem nele. Orelli percebe a verdadeira significação da referência de nosso Senhor, quando diz: “Quem quiser, então, sinta a grandeza religiosa do livro e aceite como autoridade a atitude do próprio Filho de Deus com relação à sua significação histórica. Que

seja conduzido a aceitar o grande feito divino de baixar ao hades e voltar a levantar-se, como uma experiência atual de Jonas em sua fuga do Senhor”.

VII - Ensino permanente - O autor do Livro de Jonas ensina a teologia mais sublime do Velho Testamento. Na generosidade, no amor pela humanidade e na apreciação do caráter de Deus, este livrinho é preeminente como o mais nobre, o mais liberal e o mais cristão de toda a literatura do vetero-testamentária. Ele contém uma verdade muito avançada para a época de Jonas, verdade que não perderá o valor, enquanto os homens tiverem coração e apreciarem o evangelho. Segundo Jerônimo, Cipriano converteu-se através desse livro. Cornill testifica que “não se pode abrir este maravilhoso livro ou sequer falar dele sem ter os olhos marejados de lágrimas”. Sellin o considera “uma das jóias mais preciosas da literatura hebraica”. Vamos destacar algumas das grandes verdades por ele sugeridas:

1. - A universalidade da graça divina - sendo esta a principal lição do livro. O autor a preserva até o fim (Jonas 4:10,11) e termina o livro dando-lhe ênfase. É a imagem de João 3:16 no Novo Testamento: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Terêncio expressa um pensamento famoso e muito citado, semelhante ao que é ensinado no livro, quando diz: “Sou homem e não considero nada estranho para mim de quanto é humano”. Porém o autor de Jonas nos diz melhor o que Deus pensa das massas. Como um grande estadista missionário, ele antecipa a universalidade do programa evangélico de Jesus. Para o autor de Jonas, Deus não é uma divindade restrita a uma tribo. Os pagãos, assim como a descendência de Abraão, estão incluídos na eleição divina.

“Porque o amor de Deus é mais amplo

que a medida da mente humana.

E o coração do Eterno

é maravilhosamente bondoso”.

Como diz Teodoreto: “O Livro de Jonas prefigura a pregação do evangelho sobre toda a terra”. Sem dúvida ele revela o coração da Bíblia e faz sua própria apelação silenciosa em favor de missões estrangeiras.

2. - Um patriotismo mais alto - Contrastando com o patriotismo de espírito mesquinho e depreciável de Jonas, o qual representava sua nação, o autor nos dá, como já vimos, a descrição de um Deus amoroso, paternal e universal. A comparação tinha o propósito de repreender asperamente Israel pelo seu fanatismo e dureza de coração. Era uma repreensão inconsciente ao espírito do “irmão mais velho” na parábola do Filho Pródigo, que não havia se pronunciado. Jonas era intensamente patriota, embora também fosse ciumento e vingativo. Seu patriotismo era do tipo comum, baixo e estreito, portanto falso. O patriotismo de muitos cristãos não é melhor.

George Adam Smith fala do terrível ódio do turco infiel contra as igrejas orientais da Turquia, na atualidade. Ele diz: “Durante séculos não tem havido qualquer intercâmbio espiritual entre eles. Procurar converter um muçulmano tem sido por mil e duzentos anos um crime capital. Certa vez indaguei a um leigo

culto e devoto da Igreja Grega: ‘Por que, então, criou Deus tantos muçulmanos?’ A calorosa resposta veio num instante: ‘Para poder encher o inferno’ ” Contudo, esse espírito não está, de modo algum, limitado ao Oriente. Pelo contrário, este é o verdadeiro patriotismo ensinado no livro de Jonas, inclusive em outras nações e também entre os povos pagãos.

3. - O caráter condicional da profecia – especialmente as ameaças de Deus. Ewald opina ser este o principal objetivo do livro. Ele ensina que quando Deus ameaça, suas ameaças são sempre condicionais. O livro nos dá uma ilustração prática de Jeremias 18:7-8 e de Ezequiel cap. 33. Os ninivitas sentiam, como todos nós temos o direito de sentir, que quando Deus ameaça, está prometendo. Quando Ele se acerca, de qualquer maneira é para a nossa salvação, ou como dizem os teólogos mais antigos: “Deus não tem obrigação de cumprir suas promessas” [E como arrepender-se é também um ato divino, Deus muitas vezes se arrepende do mal que ia fazer]. A consciência despertada sente, instintivamente, que as ameaças divinas não podem ser as últimas palavras que Deus nos dirige e que devem ter sido feitas sem a obrigação de serem cumpridas. De fato, o castigo por meio do arrependimento pode ser transformado em salvação.

4. - O segredo da pregação efetiva - O livro contém uma lição especial para os pregadores. Ele ensina que para ser um pregador efetivo, alguém precisa morrer primeiro, por assim dizer, e em seguida renascer, como aconteceu com Jonas. “O caminho da cruz é o caminho da luz”. Esta é a lei da profecia efetiva em todas as partes do mundo. Somos mais facilmente conduzidos ao arrependimento e ao Senhor por meio do sacrifício vicário de Jesus... Todo verdadeiro cristão precisa ter no coração um lugar reservado a toda a humanidade.

5. - A necessidade da obediência - Esta é a lição mais patente no Livro de Jonas. Ele tentou fugir da presença do Senhor. Contudo, homem nenhum pode escapar do seu destino divinamente assinalado, nem evitar a vontade de Deus em sua vida. É tão mau quanto inútil evitar um dever que nos é imposto por Deus.

VIII - Canonicidade - Kirkpatrick em sua obra “Doutrina dos Profetas” excluiu o livro de Jonas, “porque não é uma narrativa de ensino de um profeta, mas a narrativa da obra de um profeta”. Mesmo assim ele não teve coragem de excluí-lo do Cânon. Jamais existiu uma evidência de que o livro de Jonas tivesse corrido o perigo de ser excluído do seu lugar entre os escritores canônicos. Seu espírito e seu ensino não apenas são iguais aos de todos os outros profetas do Velho Testamento, como se equiparam com os maiores dentre estes. Foi, então, um justo instinto que moveu os organizadores do Cânon a incluir este livro, colocando-o entre os profetas menores. Konig procura explicar o seu exato lugar entre os Doze, como vindo depois de Obadias, por causa de uma frase com a qual ele começa: “...Temos ouvido a pregação do SENHOR, e foi enviado aos gentios um emissário...” (Obadias 1:1). Jonas teria sido esse mensageiro e por isso o seu livro tem sido às vezes chamado de “O Comentário de Deus Sobre Obadias”. Os judeus costumam ler este livro no Grande Dia da Propiciação.

Capítulo 6

Miquéias, o profeta dos pobres

I - Nome – Miquéias, o número seis entre os Doze, teve um nome que por si mesmo era um credo, pois a forma mais ampla e provavelmente mais antiga - Mikayahu - significa “Quem é semelhante a Javé?” (Mq. 1:1; 7:18; Jr. 26:18). Como Miguel, que significa “Quem é como Deus?". Miquéias tem quase o mesmo significado.

Nosso profeta não deve ser confundido com Micaías, que era detestado por Acabe (1 Reis 22:8).

II - Lugar - Ele é chamado “morastita” (1:1), visto ter nascido em Moreset-Gat (Mq. 1:14), local situado 32 Km. ao sudoeste de Jerusalém. Jerônimo colocou Moreset a leste de Eleutherópolis, a moderna Beit-gibrin.

Como Amós, Miquéias era natural do campo. Em geral existe mais religião no lar do campo do que no da cidade. Aparentemente Miquéias não gostava da cidade (Mq. 1:5;5:11;6:9).

III - Personalidade - Miquéias deve ter tido uma personalidade muito forte. Era um homem valoroso e de fortes convicções. O segredo de sua força está revelado em Mq. 3:8: “Mas eu estou cheio do poder do Espírito do SENHOR, e de juízo e de força, para anunciar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado”. Como um verdadeiro patriota e pregador fiel, ele denunciou

vibrantemente o pecado e assinalou o local da vinda de Cristo. Ele foi, antes de tudo, um profeta dos pobres e um amigo dos oprimidos. Sua alma foi plena de simpatia leal pelos tiranizados. Sentia a mesma paixão de Amós pela justiça e tinha o mesmo coração amoroso de Oséias. Miquéias era um Amós redivivo. Sua grande sinceridade contrasta notavelmente com os lisonjeiros ensinos de seus contemporâneos, os quais, como falsos profetas, idealizavam as mensagens conforme os seus soldos (Mq. 3:5).

IV - Seu tempo - Conforme o título do seu livro, Miquéias profetizou “nos dias de Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá” (Mq. 1:1). Esta é uma data amplamente confirmada por evidência interna e também por Jeremias 26:18, o qual cita Miquéias 3:12. Foi, portanto, um contemporâneo de Isaías. Ele deve ter pregado tanto antes como depois da queda de Samaria (722 a. C) e muito provavelmente desde cerca de 735 até 715 a.C. Mackay opina ter ele pregado por mais de 40 anos.

Sob o reinado de Jotão, o luxo era esplêndido. Sua ambição de construir fortalezas e palácios em Jerusalém custou a vida de muitos camponeses. Sob o reinado de Acaz, Judá foi obrigada a pagar tributos à Assíria, tributos que juntamente com o custo da guerra sírio-efraimita, em 734 a.C., caíram como uma pesada carga sobre todas as classes. Tanto os ricos como os pobres sofreram. Os arrendatários egoístas e avarentos usavam o seu poder para oprimir, confiscando os bens dos pobres e até mesmo expulsando as viúvas de suas casas. Todo tipo de crimes era perpetrado, com os ricos devorando as classes humildes, “como ovelhas comendo a erva”. Sob Ezequias, que procurou reformar o estado, as condições se tornaram ainda mais desesperadoras. Os homens deixaram de confiar uns nos outros, enchendo Jerusalém de facções e intrigas. Os conselheiros do rei se dividiram na política, alguns advogando uma aliança com o Egito contra a Assíria e outros advogando uma submissão à Assíria. Os encarregados da lei abusavam de seus poderes. Os nobres roubavam os pobres. Os juízes aceitavam suborno. Os profetas adulavam os ricos e os sacerdotes ensinavam em troca de remuneração (Cap. 2). A cobiça das riquezas imperava de todos os lados. Os tiranos opulentos se enganavam quanto a um possível juízo. A comercialização e o materialismo quase suplantaram o último vestígio do ético e do espiritual. Em semelhante crise apareceu Miquéias, procurando conduzir a nação de volta a Deus e aos seus deveres.

Sellin acredita que Mq. 3:11,12 seriam mais inteligíveis depois da centralização do culto empreendida por Ezequias.

V - Mensagem - A mensagem de Miquéias suplementou a de Isaías. Isaías era um cortesão, Miquéias um rústico. Isaías era um estadista, Miquéias um evangelista e sociólogo. Isaías tratou das questões políticas, Miquéias quase exclusivamente da religião pessoal e da moralidade social. Ele era mais democrático do que Isaías. Suas relações pessoais não eram com o rei, mas com o povo. Era um profeta do povo. Isaías ensinou a inviolabilidade de Sião, Miquéias predisse a sua destruição (Mq. 3:12). A nobreza tinha um conceito equivocado de Deus, imaginando que, por serem pessoas respeitáveis, o castigo era impossível. E como argumento indagavam: “Não está o Senhor no meio de nós?” Completando: “Nenhum mal nos sobrevirá” (Mq. 3:11).

Miquéias possuía idéias avançadas sobre o reino de Deus e elevou muito alto o modelo da religião e da ética, conforme Mq. 6:8: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques

a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus?” Toda a sua mensagem poderia ser expressa nesta declaração: “os que vivem de modo egoísta e luxuoso, mesmo que ofereçam sacrifícios dispendiosos, aos olhos de Deus são vampiros que sugam o sangue vital dos pobres”. Suas palavras também emocionam.

VI - Análise - Apesar da fórmula “OUVI”, repetida três vezes (Mq. 1:2; 3:1 e 6:1-2), a qual introduz as três principais seções do livro, a melhor divisão do material, conforme o caráter dos assuntos, é como segue: Caps. 1-3 - Juízo; Caps. 4-5 - Consolo; Caps. 6-7 - O caminho da salvação. Esta serve de rascunho até mesmo para um sermão moderno.

Caps. 1-3 – Denúncia severa e completa condenação. Estão cheios de invectivas apaixonadas contra os oficiais da igreja e do estado, acompanhadas de trovões de juízo, admoestação e ameaça, até que as censuras do profeta se tornam desagradáveis e os que as escutam ordenam que se cale (Mq. 2:6). Miquéias foi o primeiro entre os profetas a ameaçar Jerusalém com a destruição (Mq. 3:12). Contudo, a sorte do restante da nação foi clara e distintamente resguardada da sorte da capital. Suas ameaças, felizmente, foram seguidas de promessas de restauração.

Caps. 4-5 - Vislumbres da glória vindoura, com promessa se salvação, incluindo esperanças messiânicas e escatológicas [Restauração que somente acontecerá no Reinado Milenar de Cristo, o Messias de Israel]. Miquéias olha para trás do mesmo modo como contempla o futuro. Como sempre acontece no Velho Testamento, sua visão do futuro está alicerçada nos feitos do presente. No livramento vindouro de Judá (como de Senaqueribe, 701 a.C.), Miquéias vê o futuro triunfo da justiça. Dois quadros se apresentam em sua mente - a exaltação de Sião e o nascimento do Messias, em Belém.

a) Mq.4:1-5 - fazem uma descrição de Sião destinada, conforme ele vê, a se tornar a metrópole espiritual do mundo inteiro (sob a soberania do Deus de Israel), com as nações aceitando a lei do Senhor como o seu árbitro, um tempo de paz universal. Israel será supremo no que toca à religião. A idade áurea, por tanto tempo ansiada, tornar-se-á uma realidade.

b) Mq.5:2 e seguintes - profetizam que o Messias haveria de nascer em Belém, como Davi. Isaías 7:14 havia predito: “...Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel”. Miquéias prediz o seu nascimento numa vila. Setecentos anos depois, no reinado de Herodes, o Grande, os magos que procuravam o local, com a ajuda dos rabinos judeus, obtiveram desta passagem a direção para prosseguir sua viagem (Mateus 2:1-6).

Caps. 6-7 - A controvérsia de Javé, diálogo sumamente dramático, que vindica a providência de Javé. O povo enxerga Deus como um Senhor austero, avarento e exigente, o qual procura submetê-lo a requisitos injustos. Eles querem saber quando Deus ficará satisfeito. Por meio de métodos cruéis e equivocados, os judeus tentam apaziguar a ira divina, oferecendo os frutos do seu ventre pelos pecados de suas almas (Mq.6:7). Javé lhes responde na que é considerada uma das maiores passagens do Velho Testamento: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus” (Mq. 6:8). Huxley

chama esta passagem de “o perfeito ideal da religião”, pois ela engloba todo o dever do homem: o verdadeiro culto é o verdadeiro ritual e a verdadeira moralidade. Logo o profeta prossegue fazendo, com grande ênfase, uma das mais acerbas críticas a uma comunidade comercial que se encontra em toda a literatura, denunciando: “a medida escassa” (Mq. 6:10) e os pecados sociais da nação, os quais estão empurrando todo o povo, irremediavelmente, para a destruição (Mq. 6:15-16). Nesta seção, todas as classes, e não somente os líderes, como nos caps. 1-3, e todo o povo comum é denunciado como sendo mau. Não existe homem bom (Comparar com Romanos 3:10-18). “O melhor deles é como um espinho...” (Mq. 7:4). O profeta termina com uma lindíssima oração, como uma nobre apóstrofe a Javé, o incomparável Deus do perdão e da graça (Mq. 7:7-20).

VII - Os três grandes textos de Miquéias

1. Mq. 3:12 : “Portanto, por causa de vós, Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará em montões de pedras, e o monte desta casa como os altos de um bosque”. Este texto é a chave e o clímax da mensagem do profeta, famoso por ter sido lembrado depois de um século, o que possibilitou a salvação da vida de Jeremias: “Então disseram os príncipes, e todo o povo aos sacerdotes e aos profetas: Este homem não é réu de morte, porque em nome do SENHOR, nosso Deus, nos falou” (Jr. 26:18). Muito raramente um profeta do Velho Testamento cita outro. Evidentemente, a reforma de Ezequias pode ter sido animada, até certo ponto, por Miquéias (Comparar com 2 Reis 18:4).

2. Mq. 5:2 : “E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre os milhares de Judá, de ti me sairá o que governará em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade”. Miquéias foi o primeiro entre os profetas a fixar os olhos em Belém, como sendo o local do nascimento do futuro Libertador. Ele seria um servo. Não iria nascer ali na capital, ignorando todas as necessidades rurais, irmão dos patrícios. Seria um homem de origem humilde, participante das cargas dos pobres - de fato, um Libertador dos pobres. Miquéias, o profeta dos pobres, previu um Messias dos pobres.

3. Mq. 6:8 : “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus? “ Este verso é o lema escrito no Departamento de Religião, no salão de leitura do Congresso de Washington. Contém os três maiores requisitos da verdadeira religião, isto é, fazer justiça, usar de misericórdia e andar humildemente. Ele resume nestas três fases todo o ensino da religião hebraica. A simplificação da religião sempre foi a vocação do profeta. Davi reduziu - como sugere o Talmude - os 613 mandamentos do Pentateuco ao que está no Salmo 15. Miquéias os reduziu a três. E Jesus os reduziu a dois: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:37,39). Comparem estas passagens com Tiago 1:27.

a) Fazer justiça - a justiça na Bíblia é reconhecida como a moral elementar. Ela é a base de todo o caráter moral, a qualidade essencial de um homem bom. É um dos atributos de Deus. Ela significa dar aos semelhantes tudo quanto estes têm o direito de esperar. Não estamos falando da justiça de Shylock [personagem de Shakespeare], o qual insistiu teimosamente em tirar a sua libra de carne. Nem da de Rob Roy, que sustentava: “Tomem os que têm poder e guardem os que puderem”. A mera justiça não basta. De preferência a justiça ideal do profeta é a

eterna Regra de Ouro citada por Jesus em Mateus 7:12: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lhos também vós, porque esta é a lei e os profetas”.

b) Amar a bondade (hesed), a compaixão e a misericórdia - Esta é a palavra favorita de Oséias e expressa uma qualidade mais elevada que a mera justiça. Muitos cumprem esta deixando de cumprir aquela. A misericórdia inclui a bondade. Às vezes a justiça denota uma dúvida, enquanto a bondade sempre denota graça e favor. É a bondade que, realmente, garante a prática da justiça. Quando alguém não ama um princípio ele faz o possível para evitar a sua aplicação. A verdade é que a pessoa que faz o bem sem amar não é uma boa pessoa. Ela até finge que é boa, mas deixaria de fazer o bem, se isso lhe fosse possível. Deus deseja menos dos outros do que de nós mesmos.

“A qualidade da misericórdia não é forçada;

ela cai como a chuva suave do céu,

sobre o lugar que está abaixo.

É duas vezes abençoada,

pois abençoa a quem dá

E abençoa a quem recebe” [Comparar com o amor da 1 Coríntios 13].

c) Andar humildemente - Este terceiro requisito é uma conseqüência dos dois anteriores. Não se pode obedecer aos dois primeiro sem obedecer ao terceiro (Amós 3:3: “Porventura andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?”) [Pode alguém andar com Deus sem seguir a Sua Palavra Santa?] Enoque e Noé “andaram com Deus” (Gênesis 5:24 e 6:9). Um homem não pode andar com o deus do panteísmo. Andar humildemente significa render-se à pessoa, “inclinando-se para baixo”, como o fazem as crianças. A humildade é o maior adorno da religião.

Estes três requisitos: a justiça, a misericórdia e a humildade - a honestidade, a magnanimidade e um coração manso - são, conforme Miquéias, as três coisas essenciais de uma vida religiosa. O Cristianismo não as modifica perceptivelmente e dá-lhes uma aplicação mais ampla e profunda. Só que Miquéias deixa, conforme Maclaren, de nos falar do poder de Deus, a fim de podermos cumprir esses requisitos. Somente na cruz poderemos encontrar o caminho.

VIII - Lições permanentes - A influência de Miquéias foi sentida, como já vimos, cem anos depois, no reinado de Joaquim (Jeremias 26:18) e até hoje não se tem imposto silêncio a essa voz. Entre as muitas lições ensinadas pela profecia estão as seguintes:

1. Voltar a Belém - É uma contra-senha notável. Para o profeta e seus contemporâneos significa voltar a Davi, que venceu os inimigos da nação e assegurou paz na mesma. A Davi, que estabeleceu uma capital nacional e organizou um governo central. A Davi, que executou o juízo e a justiça na terra. A Davi, de quem Jeremias predisse que Javé levantaria “um Renovo justo”

(Jeremias 23:5 e 33:15). A Davi, ideal constante de teocracia. A Davi, sobre cujo descendente profetizou Isaías 16:5: “Porque o trono se firmará em benignidade, e sobre ele no tabernáculo de Davi se assentará em verdade um que julgue, e busque o juízo, e se apresse a fazer justiça”. Finalmente o Messias da futura Idade de Ouro de Israel seria um homem como Davi.

Para nós essa mensagem significa muito mais. Significa voltar-nos para Jesus Cristo, o Filho de Davi, o qual também nasceu em Belém. A Jesus Cristo, o segundo e maior Davi, o Príncipe da Casa de Davi. A Jesus Cristo, o Salvador da humanidade, tanto dos pobres como dos ricos. A Jesus Cristo, que era um trabalhador e um servo, nascido num estábulo, filho de uma camponesa, ele mesmo um carpinteiro. A Jesus Cristo, que em suas parábolas tinha prazer em falar dos campos e dos rebanhos; dos semeadores e dos ceifeiros; de ovelhas e de bois. A Jesus Cristo, que lavou os pés dos discípulos e carregou a sua própria cruz. A Jesus Cristo, o amigo dos pecadores humildes, e que aos pobres pregou o evangelho, que as pessoas comuns se deleitavam em ouvir. Tenhamos cuidado de não separar Jesus Cristo das pessoas comuns!

2. Voltar à justiça ética: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus?” A justiça no Velho Testamento era e sempre há de ser uma das três virtudes cardeais da religião permanente. Assim como a natureza humana tem uma pequena parcela de constância, também os requisitos essenciais da religião são sempre, fundamentalmente, os mesmos. De uma vez para sempre Miquéias considerou o sacrifício, até mesmo o holocausto do primogênito, como de menor importância, quando comparado à justiça ética. Como Oséias, ele ensinou que a religião e a ética são inseparáveis (Oséias 6:6). Também o seu conceito de Israel, isso é, da nação, era o de uma personalidade gigantesca, a qual pecava como um e deveria arrepender-se como um. Miquéias simpatizava inteiramente com as classes pobres. Considerava Javé como o Vingador dos oprimidos mudos de Israel. Observou os rostos angustiados dos proletários desamparados e pronunciou invectivas mais fortes contra a aristocracia, que continuava somando bens aos seus bens: “E cobiçam campos, e roubam-nos, cobiçam casas, e arrebatam-nas; assim fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança” (Mq. 2:2). Ele se recusou a reconhecer as pretensões dos que desejavam ser olhados como a nobreza. Ele sabia que a terra de Israel pertencia a Javé (uma coisa que a ONU e os governantes mundiais da atualidade ainda não aprenderam] e que o Ano do Jubileu era necessário, a fim de que todos pudessem recomeçar. Desse modo, ao pregar a justiça ética, Miquéias antecipou o sociólogo moderno, dando a única solução possível para o descontentamento social. Os patrícios do seu tempo eram egoístas e os plebeus eram suas vítimas. Cuidemos para que o egoísmo não se apodere de nós.

3. Voltar ao Príncipe da Paz : “E julgará entre muitos povos, e castigará nações poderosas e longínquas, e converterão as suas espadas em pás, e as suas lanças em foices; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra” (Miquéias 4:3. Também Mq. 5:5). Ele foi o primeiro a prever a utopia pacífica na qual Sião um dia iria se transformar, conforme Mq. 4:1-5 (Comparar com Isaías 2:2-4), tendo dado ênfase ao sublime ideal da profecia que prevalecia no século 8 a.C., da verdadeira essência da sociologia em todos os tempos, na qual a paz e a prosperidade são garantidas. A paz universal, à base da lei e da justiça, sempre foi o ideal social do Velho Testamento. Sobre a base do evangelho ela vem a ser a expressão do amor fraternal. Não deixemos de guardar este ponto!

IX - Estilo - Vivência e ênfase, relâmpagos de indignação pelos males sociais, rápidas transmissões de ameaça, de misericórdia, emoção veemente e simpática ternura. A força, a cadência e o ritmo retóricos, muitas vezes elevados e sublimes. São estas algumas das características mais notáveis do estilo literário do profeta. Ele escreveu em excelente Hebraico. Tanto os seus pensamentos como a sua linguagem justificam sua pretensão de falar com o poder e a inspiração de Javé: “Mas eu estou cheio do poder do Espírito do SENHOR, e de juízo e de força, para anunciar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado” (Mq. 3:8). Nos versos 1:10-16, Miquéias se vale de uma série de jogos de palavras, alguns dos quais Mofat procura expressar em sua tradução:

Verta lágrimas na cidade das lágrimas (Bochim).

Revolta de poeira na cidade da poeira (Bet-afra).

Passa, desnuda e com vergonha, a cidade formosa (Safir).

Não ousam sair os homens da cidade da saída (Zaanã).

Bet-ezel...

E Morot (amargura) espera em vão,

visto como o mal desceu do Eterno à própria Jerusalém.

Ata aos carros teus velozes corcéis e corre,

ó cidade dos cavalos (Laquis).

Ó fonte do pecado de Sião,

onde se encontram as transgressões de Israel!

Ó filha de Sião, tens que desapossar-te

de Moreset-gat (a possessão de Gat)

E os reis de Israel estão sempre enganados,

na cidade do engano (Aczibe).

Ainda que devores quem te possui,

ó moradora de Maresa (possessão);

até Adulão (justiça do povo) venderá a glória de Israel.

Faze-te calva, raspa a cabeça

por causa dos filhos dos teus deleites.

Alarga a tua calva como um abutre,

porque todos terão ido em cativeiro!

Capítulo 7

Naum, o Poeta

I - Nome - Praticamente nada se sabe do profeta, com exceção do seu nome e, mesmo assim, esse nome não é mencionado em nenhuma outra parte da Bíblia, exceto na genealogia de José, o suposto pai de Jesus (Lucas 3:26). Como muitos outros profetas, Naum é apenas uma voz. Sem dúvida o nome que ele levou tem a sugestiva significação de um “Consolador”.

II - Lugar de Nascimento - Ele é apresentado como “Naum, o elcosita”, frase que, provavelmente, tem como base designar o seu local de nascimento, embora, como sugere o Targum, seja o nome dos seus antepassados.. Compare-se com “Elias, o tesbita” (1 Reis 17:1). A Septuaginta o chama de “Naum, o elquesita”. Quatro conjecturas têm sido feitas a respeito do seu local de nascimento: 1. – Al-Kush, uma vila que fica 38 Km ao norte de Mosul, em frente de Nínive, a qual foi por muito tempo um sítio dos patriarcas nestorianos, onde o seu sepulcro é reverentemente assinalado, tanto por cristãos como por maometanos, e, especialmente, pelos judeus que ali residem. Se o profeta viveu e profetizou ali, suas descrições gráficas de Nínive seriam mais bem explicadas e seria ele, naturalmente, um membro das Dez Tribos que foram levadas por Tiglate-Pilesser, em 734 a.C. Ewald aceitou essa identificação. Contudo, a tradição que associa Naum com Al-Kush não pode se atrasar além do século 6 a.C. Ain-Japhata, um povoado situado ao sul da Babilônia, desde 1165 d.C., assinalou a Benjamim de Tudela outro sepulcro tradicional de Naum. O Kause, uma pequena vila de Galiléia setentrional (Jerônimo). Ainda Hitzig identificou Cafarnaum com o local de nascimento do profeta, por causa do nome árabe Kefr-Nanhum (A Cidade Naum). Compare-se, contudo, João 7:52. Elkese, “mais para lá de Betogabra”, isto é, Beit Jibrim, fica 32 Km ao sul de Jerusalém, na tribo de Simeão. Também na visão siríaca da obra “A Vida dos Profetas”, datada de 367 d.C., atribuída erroneamente a Epifânio, Bispo de Salamina. Também Cirilo de Alexandria e a Septuaginta. Nove quilômetros a leste de Beit Jibrim, no Waldyes Sulk, existe na atualidade um poço chamado pelos nativos de Bir-el-Kaus. Nestlé favorece essa identificação. De fato esta parece ser a mais provável de todas as identificações sugeridas. Porque às vezes Naum parece falar a partir do ponto de vista de Judá. E como um profeta entusiasta, ele dá a entender as circunstâncias locais (Naum 1:4, 15; 2:1 e 3:17).

III - Seu tempo - A data de Naum é indicada com bastante clareza em Naum 3:8-10, versos que tratam da queda de No-amón, isto é, Tebas, no Alto Egito, conforme já verificado, e de Nínive, como coisa preste a se realizar. A primeira foi capturada por Assurbanipal, em 663 a.C., e a última por Nabopalassar, em 606 a.C., ou então, conforme foi recentemente descoberto, em 612 a.C. O período do profeta, portanto, estaria dentro desses limites.

Assurbanipal era extremamente cruel. Ele até se jactava de sua violência e de suas atrocidades, como arrancar os lábios e os membros dos reis, tendo forçado três governantes de Elam, capturados, a puxar seus carros pelas ruas, compelido um príncipe a levar pendurada ao pescoço a cabeça decapitada do seu rei, e de como ele e sua rainha comiam no jardim com a cabeça de um monarca caldeu, a quem obrigara a suicidar-se, pendurada numa árvore sobre eles. Nenhum outro rei da Assíria se jactava de barbaridades tão desumanas e atrozes. Conta-se que ao rumar para o Egito em uma de suas expedições, vinte e dois reis lhe tributaram homenagem. Ali chegando, tanto em Memfis, capital do Baixo Egito, como em Tebas, capital do Alto Egito, eles foram roubados e cruelmente castigados. O pobre povo de Judá e Jerusalém foi expectador de todas essas barbaridades. Em verdade eles já haviam presenciado, por várias gerações, uma sucessão interminável de invasões assírias à Palestina. Salmanasser II, em 842 a.C.; Tiglate-Pilesser, em 734 a.C.; Salamasser IV e Sargão II, em 724-722 a. C.; Senaqueribe, em 701. Esaardon, em 672, e agora Assurbanipal. E parecia que o pior ainda estava por vir. Parecia que Naum e seus compatriotas em Jerusalém estavam atados e impotentes nas mãos de um inimigo cruel e tirano (Naum 1:15-2:2). Nínive ainda se achava no ápice da glória (Naum 3:16,17). Pelo tom da profecia, podemos deduzir com razão que a

destruição de Tebas era um evento relativamente recente e que a queda de Nínive ainda não havia acontecido, embora profeticamente próxima. Por isso a data exata do ministério de Naum provavelmente não foi antes de 650 a.C.

Se assim foi, na certa o profeta exibiu um ousado vôo de fé, declarando a segura destruição de Nínive, quando a nação ainda não mostrava sinal algum de declínio. Outras datas propostas para as atividades de Naum, tais como a do reinado de Ezequias, ou Joaquim, ou Zedequias, não estão seguramente atestadas pelos eventos históricos. O esforço de Happel para atribuir Naum a uma Escritura pseudo-epigráfica da era dos Macabeus é suficientemente refutada pela menção prévia de “Os Doze Profetas” de Jesus ben Sirac, em Eclesiástico 41:10, o qual floresceu em 180 a.C. Porém, seja qual for a data correta do profeta, os anais assírios não deixam dúvida de que por toda a história da nação os assírios sempre foram cruéis, violentos e bárbaros, sempre jactando-se de suas vitórias, regozijando-se de que “já não havia espaço para tantos cadáveres”, de que “fizeram pirâmides de cabeças humanas” e de que “cobriam colunas com as peles de seus rivais”. Foi sobre um povo assim que Naum foi ordenado a pronunciar a destruição inexorável.

IV - Nínive - A cidade ficava no lado oriental do Tigre, em frente à moderna povoação de Mosul. Foi fundada por Ninrode de Babilônia (Gênesis 10:11) e dedicada especialmente à deusa Istar. Era a capital dos reis da Assíria, de 1100 até 880 a.C., e em seguida, novamente, depois que Senaqueribe tornou-se rei, em 705 e seguintes a.C. Era considerada, de fato, como a cidade principal do império.

Nínive era três vezes fortificada por muros e fossos, fortalezas e torres, tendo seus muros 12 Km de circunferência, sendo tão largos que sobre eles podiam trafegar 3 carros, lado a lado. Era essa Nínive a capital da raça de homens provavelmente mais sensuais, ferozes e diabolicamente atrozes que já existiram no mundo inteiro. Eram grandes sitiadores de homens, gritando continuamente: “sítio, sítio, sítio!” Contudo, Naum declara que esses mesmos sitiadores do mundo seriam no final sitiados (Naum 3:1 e seguintes). As ameaças de Naum foram cumpridas de maneira extraordinária. Esaradon foi o último rei de Nínive. Os medos com os babilônios e outros derrubaram em primeiro lugar todas as fortalezas existentes ao redor da cidade (Naum 3:12) e em seguida sitiaram a cidade. Os ninivitas proclamaram um jejum de cem dias, tentando apaziguar os seus deuses (Ver Jonas 3:15), mas apesar disso, a cidade caiu. Kitesias descreve como a cidade sitiada passou sua última noite em orgias e bebedeira, seguindo o exemplo do rei efeminado (Naum 1:10; 2:5). Para precipitar a catástrofe, o Tigre transbordou, abrindo brechas nos muros, quando o rei, ao constatar a iminente ruína da cidade, queimou-se vivo dentro do palácio (Naum 3:15-19) e a cidade foi saqueada de todos o seu rico despojo, em seguida (Naum 2:10-14). Nínive caiu em cerca de 611 a.C. Sua destruição foi completa. Na atualidade nada mais resta da antiga cidade, além das grandes montanhas chamadas Konyunjik e Nebi-Yunis. Tão completa foi em verdade a ruína de Nínive que apenas Xenofontes reconheceu o local da mesma. Alexandre, o Grande, por ali passou “sem saber que um império universal estava sepultado sob os seus pés”. Luciano escreveu: “Nínive pereceu e não ficou um rastro sequer de onde existira antes”. Gibbon narra que logo em 62 D.C., “a cidade e ainda suas ruínas já há muito haviam desaparecido”. O viajante Niehbur, em 1766, por ali passou sem saber. Somente depois que Layard e Botta identificaram o local, em 1842, é que a cidade começou a ser reconhecida pelo mundo moderno.

IV - Conteúdo - As profecias de Naum correspondem naturalmente a três grandes divisões: 1. - Capítulo 1 - Um canto de triunfo sobre a queda iminente de Nínive, um canto sublime. 2. - Capítulo 2 - O juízo que virá: “a guarda dos leões” da cidade será destruída; a defesa é impossível. 3. - a iniqüidade da cidade: sua crueldade e avareza, sua diplomacia desonrada, sura prostituição e sua traição. Por isso, diz o profeta, Nínive há de cair totalmente, sob os aplausos das nações, nada restando para a consolar. O poeta parece regozijar-se muito com essa destruição.

V - Forma poética - Conforme sua estrutura poética o livro pode ser dividido em oito versos de tamanho quase igual.

1. - Capítulo 1:2-6 - Uma descrição de Javé vingador, o qual não deixará impune o crime.

2. - Capítulo 1:7-12 - Para ser fiel ao seu povo, Javé precisa destruir Nínive.

3. - Capítulo 1:13 a 2:2 - O livramento prometido a Judá e o juízo prometido a Nínive.

4. - Capítulo 2:3-8 - Uma serie de brilhantes descrições da captura da cidade; fora, os inimigos brandindo gloriosamente suas armas, carros correndo pelas ruas, brilhando como relâmpagos. Contudo, ai, ai, ai, tarde demais! As portas foram abertas e seus guerreiros deram as costas, fugindo às pressas. A rainha foi feita cativa e suas donzelas se lamentavam, batendo no peito.

5. - Capítulos 2:9 a 3:1 - Os habitantes se enchem de grande terror: de “joelhos trêmulos”. A cidade sanguinária, antes cheia, agora é saqueada.

6. - Capítulo 3:2-7 - Novos carros correm contra a cidade condenada. Nada os atrapalha, exceto as montanhas de cadáveres que enchem as ruas da cidade. A desavergonhada rameira está prostrada e desnuda.

7. - Capítulo 3:8-13 – Assim, No-amón se rendeu; assim também terá de fazê-lo Nínive. Não há como escapar.

8. - Capítulo 3:14-19 - A resistência será em vão. Como a locusta devoradora, virão os inimigos de Nínive. De fato, seu rei já pereceu e o seu povo se encontra esparso como ovelhas sem pastor. Ao ver a sua queda, as nações se regozijam.

Quanto à forma poética, o livro de Naum é um dos mais lindos de todo o Velho Testamento. Nenhum outro profeta, exceto Isaías, pode-se dizer que se iguala a Naum em arrojo, ardor e sublimidade. Suas descrições são sumamente vivas e impetuosas. Sua linguagem é forte e brilhante, seu ritmo tem o estrondo do trovão, saltando e brilhando como um relâmpago, quando ele descreve os homens a cavalo e os carros. Por consenso geral, Naum é considerado um dos mestres do estilo hebraico. Sua excelência suprema não é a emoção, mas o poder de descrição, o qual, pelo seu indômito vigor e cor resplandecente, pelo expressivo, pinturesco e dramático de sua fraseologia, jamais foi superado.

VII - Mensagem - O profeta realmente resume a sua mensagem em Naum 1:7-9. Ele é preeminentemente um profeta que tem uma só idéia - a destruição de Nínive. Convencido de que Javé, mesmo sendo tardio e irar-se, não deixará de se

vingar dos seus adversários, Naum projeta a luz do governo moral de Deus sobre Nínive, entoando o canto fúnebre do opressor maior do mundo. É o castigo do Senhor, por tanto tempo adiado, mas que é seguro e será completo e final.

Naum se diferencia notavelmente dos seus predecessores, bem como dos seus contemporâneos - Jeremias e Sofonias - os quais visavam primeiramente a reforma de Israel. Em vez disso, o estribilho ou refrão de sua mensagem é uma certa forma de ardente indignação, a qual quase se assemelha a animosidade e vingança, expressando os sentimentos reprimidos dos seus compatriotas, os quais têm sofrido perseguições durante gerações, sentimentos que agora crepitam como chamas de fogo sobre o inimigo nacional de Israel. É a humanidade ultrajada que desperta e pede vingança. Duas vezes se escuta o refrão que diz: “Eis que eu estou contra ti, diz o SENHOR dos Exércitos, e queimarei na fumaça os teus carros, e a espada devorará os teus leõezinhos, e arrancarei da terra a tua presa, e não se ouvirá mais a voz dos teus mensageiros” (Naum 2:13 e 3:5).

VIII - O valor de sua mensagem para nós - Três importantes lições ensinadas implicitamente por Naum são de fato permanentes:

1. - A universalidade do governo divino.

2. - Seu caráter de retribuição.

3. - Sua subordinação ao plano da graça.

Lições como essas jamais podem se tornar antiquadas. Supõe-se que Naum, em primeiro lugar, falava à sua própria geração. Contudo, ele expressou os seus pensamentos de modo a se adaptarem às necessidades e consolo dos homens em todas as eras. Ele mostra que a destruição de Nínive não é um ato de soberania caprichosa, mas uma justa retribuição de suas iniqüidades. Quando interpretamos de maneira escatológica o seu livro, como devemos fazer, este adquire um valor incomparavelmente mais alto em relação ao que agora lhe tem sido geralmente atribuído. Ele não é o produto de um mero ódio nacional, mas um hino, ao mesmo tempo poético e divino, do que inexoravelmente há de se realizar na história. Não é o orgulho de Israel que tem de defender-se, nem a rendição do seu povo, que vem primeiro, mas a vindicação do seu Deus. Em outras palavras, a grande lição do livro é que Deus jamais deixa de castigar a iniqüidade nacional e pessoal. Ele age com as nações do mesmo modo como age com os indivíduos. Como e lê em Tiago 1:15: “Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte”. O gozo de Naum, repetimos, não é meramente a exultação de um patriota irritado sobre o inimigo vencido, mas antes a expressão alegre de uma sólida fé no Deus de seus pais. Para ele a destruição de Nínive estava subordinada à misericórdia salvadora que Javé precisava mostrar ao seu povo e, por meio deste, ao mundo inteiro.

Seu oráculo é essencialmente, embora não explicitamente, messiânico, conforme Apocalipse 19:10: “... porque o testemunho de Jesus é o espírito de profecia”. E de Atos 3:24: “Sim, e todos os profetas, desde Samuel, todos quantos depois falaram, também predisseram estes dias”. Quando assim interpretamos o oráculo do profeta, este se torna uma mensagem de consolo, conforme o significado do seu nome. Ele não apontou claramente para o Redentor. O que ele fez foi preparar o seu povo para um tempo em que havia a

probabilidade deste ceder ao desespero. Naum viu que o reino das trevas teria de cair, antes que se apresentasse o reino da luz. A destruição de Nínive, portanto, deveria acontecer antes de ser inaugurado o reinado do Príncipe da Paz. Mensagem como esta tem valor para todos os tempos e para tudo que sobreviva ao espírito de Nínive [Sadam Hussein e Bin Laden, por exemplo]. Mesmo que o livro não esteja em contraste com o caráter gracioso do Novo Testamento, nem seja citado por nenhum dos seus escritores, o Espírito Santo tem ensinado implicitamente que todo poder temporal deve cair, antes que venha o Reino de Deus.

IX - Passagens importantes - Certas passagens são especialmente preciosas e, a menos que as assinalemos e lhes demos ênfase, existe o perigo de que nos passem despercebidas, neste livro que talvez tenha sido pouco lido.

1. - Verso 1:3 – “O SENHOR é tardio em irar-se, mas grande em poder, e ao culpado não tem por inocente; o SENHOR tem o seu caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó dos seus pés”. Uma sugestão do provérbio italiano: “Deus não costuma remunerar o sábado”.

2. - Verso 1:7 - “O SENHOR é bom, ele serve de fortaleza no dia da angústia, e conhece os que confiam nele”.

3. - Verso 1:15 - “Eis sobre os montes os pés do que traz as boas novas, do que anuncia a paz! Celebra as tuas festas, ó Judá, cumpre os teus votos, porque o ímpio não tornará mais a passar por ti; ele é inteiramente exterminado”. Aqui se lê sobre o arauto da salvação temporal e espiritual. Talvez o original desta passagem seja a forma ampliada de Isaías 52:7: “Quão formosos são, sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina!”

4. - Verso 2:10: “Vazia, esgotada e devastada está; derrete-se o seu coração, e tremem os joelhos, e em todos os lombos há dor, e os rostos de todos eles enegrecem.”

Como todos os profetas do Velho Testamento, Naum gosta de usar o jogo de palavras. Mofat procura reproduzir o Hebraico, traduzindo assim: “Esta devastada, desolada e infeliz, desmaiando-lhe o coração e tremendo-lhe os joelhos”.

Capítulo 8

Habacuque, o Filósofo

I - Nome e personalidade - Nada se sabe, realmente, a respeito de Habacuque, fora do livro que contém o seu nome. Às vezes até se duvida que o seu nome seja originalmente um nome pessoal ou meramente uma designação simbólica (Comparar com o nome Malaquias). De todos os modos é uma forma singular e poderia haver-se derivado, se é que não foi tomado de empréstimo, da palavra assíria “hambkuku” (uma espécie de hortaliça) ou da raiz “habkak”, cujo significado é “abrasar”. Também pode ser “alguém que luta com Deus”, ou “amado de Deus” ou ainda “consolador do seu povo”. Lutero aceitou esta etimologia, observando que “Habacuque tem um nome de acordo como seu ofício. Porque significa um animador, ou um que toma o outro em seus braços e no coração, como se consola uma criança que chora, dizendo-lhe que se cale.” Como Ageu e Zacarias, Habacuque é chamado explicitamente “o profeta” (Hc. 1:1), o que pode dá a entender que foi um homem de Judá e um residente bem conhecido em Jerusalém e, portanto, intimamente familiarizado com a situação política local (Hc. 1:3-4). De todas as maneiras, há suficiente motivo para se crer que Habacuque tenha sido uma das grandes personalidades de sua época.

Não como um dos falsos profetas a quem Jeremias desejou a morte. Ele também poderia ter sido um membro importante da escola de Isaías, isto é, um discípulo deste (Isaías 8:16). É verdade que ele era um livre pensador entre os profetas e em certo sentido o pai da dúvida religiosa. Contudo, ele era também um homem de grande fé, precisamente o gênero de homem que Deus deseja comissionar para a inauguração de uma nova época na história da igreja. Ele deve ser identificado com a “sentinela” mencionada em Isaías 21:6, enviada em busca de sinais da queda de Babilônia. Ou como sugerem os rabinos judeus, com o filho da mulher sunamita que Eliseu ressuscitou (2 Reis 4:36-37), mas não podemos garantir. Mesmo assim, sabemos que o profeta era um filósofo sério e puro, dono de uma originalidade e força moral incomuns. Que ele era sensível e especulativo.

O “suplicante” entre os profetas e um pregador do otimismo teocrático.

A tradição acrescenta muitos detalhes de nenhum valor a respeito dele, como por exemplo, a história de “Bel e o Dragão” (vs. 33-39) diz que ele levou uma sopa a Daniel, que havia sido atirado pela segunda vez à cova dos leões por Ciro, na Babilônia. Segundo o prefácio à mesma história no Códice Chisianus da Septuaginta, ele era um homem da tribo de Levi, enquanto na obra “Vidas dos Profetas” ele pertencia à tribo de Simeão... O profeta teria fugido para o oeste de El-Arish, na costa Egípcia, tendo regressado à sua terra, onde faleceu antes do regresso dos judeus da Babilônia, em 536 a.C. Eusébio em seu onomástico acrescenta que no seu tempo o sepulcro de Habacuque era mostrado, tanto em Gabaah como em Keilah.

II - Propósito - O único propósito do profeta foi o de predizer a vindoura destruição dos caldeus e assim animar Judá no tempo da crise. Muito apropriadamente o livro começa com o título que descreve o seu caráter: “O peso que viu o profeta Habacuque” (Hc. 1:1). “A palavra ´peso´ [ou “burden” = carga na BKJ, ou “sentença” na ARA] prepara o leitor para uma “declaração solene, ou um juízo ameaçador ou uma sentença judicial contra algum inimigo estrangeiro”. Outros profetas em geral começavam expondo os pecados do seu próprio povo, tendo ficado a Habacuque o encargo de enfatizar a violência e os excessos cometidos pelos opressores de Judá - os caldeus.

III - Data - A data das profecias de Habacuque depende da identificação dos caldeus como os tiranos do seu tempo, mais exatamente ao tempo específico em que teria começado a sua carreira de conquistas (Hc. 1:6). Porque não há indicação no livro de que até então ele se houvesse intrometido nos assuntos de Judá. Muitas autoridades assinalam o ano de 604-603 a.C. Nínive havia caído em 606 ou possivelmente antes, por volta de 612 a.C. Nabucodonosor acabara de iniciar a sua célebre carreira de conquistas na Ásia Ocidental. Em Carquemis ele derrotou o Faraó Neco do Egito (605 a.C) e essa vitória mudou a história daquela época. O Egito, que tanto havia molestado Judá, entre 608 e 605 a.C, foi, então, humilhado pelos conquistadores caldeus. Em Judá era grande a ansiedade. A reforma de Josias, em 621, havia sido provada como superficial. A destruição e violência eram perpetradas pelos caldeus nas nações em geral (Hc. 1:6,10,13; 2:5-6). Judá não havia ainda sido invadida, mas o Líbano começara a sofrer (Hc. 2:17) e o inimigo estava cada vez mais próximo, trazendo uma tremenda insegurança à vida de Judá. Todas essas considerações reunidas assinalam uma data pouco depois das batalha de Carquemis, ou cerca de 603 a.C.

A tradição judaica atribui o livro ao tempo de Manassés. Outros lhe dão outras datas, sendo a última o ano 170 a.C. , no reinado de Antíoco IV. Contudo, a data que prevalece é 603 a.C, quando, ao que parece, ainda existia o primeiro templo.

IV - Análise e conteúdo - O livro começa com um diálogo entre Javé e o profeta e em seguida narra certos castigos que sobrevirão ao violento opressor da humanidade, concluindo com um lindo poema de confiança em que Deus há de livrar o seu povo. Podemos facilmente dividi-lo em 6 partes distintas e características:

1. - A queixa do profeta - (Hc. 1:2-4) - a qual começa com um desesperado lamento: “Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvarás? Por que razão me mostras a iniqüidade, e me fazes ver a opressão? Pois que a destruição e a violência estão diante de mim, havendo também quem suscite a contenda e o litígio. Por esta causa a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta; porque o ímpio cerca o justo, e a justiça se manifesta distorcida”. Aqui se apresenta um problema de agravo à Torá, pois ninguém deve queixar-se contra Deus, mas a Deus. Não se indaga o que significa tudo isso, pois sabe-se que é “para juízo” e para “correção”. (V. 12). Tão pouco se indaga diretamente porque se permite que a maldade triunfe sobre o bem, mas se pergunta o resultado: “Até quando” a maldade assediará o justo e frustrará o seu propósito e por que, então, Deus não intervém?

Contudo, naturalmente uma questão se apresenta: “Quais eram os males lamentados pelo profeta nestes versículos?” Seriam internos, isto, é, cometidos pelos hebreus contra os hebreus em Judá? Ou seriam os efeitos funestos de um

inimigo que se aproximava ameaçando, de fora, como os caldeus? Existe uma diferença de opiniões, mas em vista do verso 13 é mais natural pensar na última. A iminente invasão ameaçadora dos caldeus produzia atrito, descontentamento e discórdia, depreciando as leis e provocando a anarquia, daí a razão do clamor de Habacuque.

2. - A resposta de Javé - (Hc. 1:5-11). O verso 5 diz: “Vede entre os gentios e olhai, e maravilhai-vos, e admirai-vos; porque realizarei em vossos dias uma obra que vós não crereis, quando for contada”, usando um método drástico de levantamento dos caldeus para açoitar o seu povo. Estes versos contêm uma descrição muito gráfica do caráter e das conquistas dos caldeus, aquela “nação amarga e impetuosa, que marcha sobre a largura da terra, para apoderar-se de moradas que não são suas”. Nação que despojava os habitantes da terra, reunindo cativos como a areia do mar, zombando dos reis, capturando fortalezas, tomando cidades, a qual ousa divinizar a sua própria potência.

3. - O problema moral do profeta - (Hc. 1:12 a 2:1) - A resposta de Javé, mesmo reforçando a fé do profeta, cria um novo e mais sério problema moral, deixando- o perplexo: “Não és tu desde a eternidade, ó SENHOR meu Deus, meu Santo? Nós não morreremos. Ó SENHOR, para juízo o puseste, e tu, ó Rocha, o fundaste para castigar. Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal, e a opressão não podes contemplar. Por que olhas para os que procedem aleivosamente, e te calas quando o ímpio devora aquele que é mais justo do que ele?” (vs. 12-13). Não há providência divina! (v. 17). O problema de Habacuque penetra a significação moral da história e da experiência de Israel. É o problema da força dos maus contrastando com a humilhação dos justos. Haverá solução para esse enigma somente quanto aumentar a fé do atalaia. Porque ainda que ele veja o mundo ruindo ao seu redor, de repente é levado de volta a uma crença firme na providência divina: “Sobre a minha guarda estarei, e sobre a fortaleza me apresentarei e vigiarei, para ver o que falará a mim, e o que eu responderei quando eu for argüido” (Hc. 2:1).

4. - A resposta final de Javé - (Hc. 2:2-4). Parado sobre o atalaia, Habacuque não precisa esperar muito tempo pela resposta de Javé. Recebe uma visão e lhe é ordenado: “...Escreve a visão e torna bem legível sobre tábuas, para que a possa ler quem passa correndo”. O cumprimento dessa mensagem está no futuro. Por isso Javé exorta: “Porque a visão é ainda para o tempo determinado, mas se apressa para o fim, e não enganará; se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará” (v. 3). A figura parece ser a de uma cidade entrincheirada contra a invasão do inimigo. O profeta sente que precisa defender um posto, guardar um baluarte. Deste ponto alto até o fim haverá a chave do enigma que o tem feito sofrer por tanto tempo e por ela Habacuque é inspirado a anunciar o grande princípio moral da verdadeira religião, isto é, o orgulho e a tirania não podem, pela sua própria natureza, perdurar. Porém os justos que continuarem fiéis hão de sobreviver: “Eis que a sua alma está orgulhosa, não é reta nele; mas o justo pela sua fé viverá” (v. 4). Em outras palavras, o futuro pertence aos justos e os que se alimentam de soberba e arrogância não têm futuro algum. Os caldeus são egoístas e por isso estão condenados. Os justo olham para Deus e por isso permanecem.

5. - Uma série de cinco castigos - (Hc. 2:5-20) - Numa série de cinco anátemas, as nações vencidas e escravizadas erguem a voz condenando os opressores caldeus (v. 5). A acusação de Habacuque faz lembrar as que foram proferidas por Naum contra Nínive. O profeta crê que aqueles que os caldeus têm fustigado por eles serão depois açoitados e que a tirania é um suicídio. Que os caldeus são

criminosos e que a injustiça conduz, necessariamente, ao declínio de uma nação. Falando em nome das nações desoladas, ele amontoa sobre elas uma invectiva quadruplicada e sarcástica.

1ª. Ai daquele que ambiciona novas conquistas com o fim de ganhar despojos. Semelhante despojador será ele mesmo despojado e como saqueou, assim também será saqueado! (Hc. 2:6-8).

2ª. Ai daquele que só se agrada da ganância pessoal e procura engrandecer-se, tratando de assegurar apenas os seus próprios recursos, guardando-se contra as desgraças. Semelhante política é um suicídio e o que a favorece, no devido tempo, perde a sua própria alma! (vs. 9-11).

3ª. Ai daquele que oprime os outros sem escrúpulos, porque as cidades edificadas sobre a crueldade e a violência serão destruídas (vs. 12-14).

4ª. Ai daquele que barbaramente reduz um povo à completa impotência com o fim de gozar de sua condição de subjugador, porque com a medida com que mediu será também medido” (vs. 15-17).

5ª. Ai daquele que invoca loucamente os ídolos em busca de instruções. Porque a idolatria é tola e irracional e uma imagem esculpida não é senão um mestre da mentira (vs. 18-20) Javé reina!!!

6. - Uma Ode ou rapsódia - (cap. 3) - O terceiro capítulo de Habacuque é um dos mais lindos cantos de louvor do Velho Testamento. É ousado no conceito, sublime no pensamento, majestoso na dicção e puro na retórica. Ewald chama esse capítulo de “A Ode Pindárica de Habacuque”. Ele compreende naturalmente três divisões:

1ª. Uma oração na qual roga que Javé avive a sua obra de livramento nesse tempo (Hc. 3:2).

2ª. Uma teofania – com Javé vindo a Temã e Parã, como na antiguidade (vs. 3-15).

3ª. O efeito da maravilhosa aparição de Javé produzido sobre o profeta, a princípio só temor e suspensão, mas em seguida por calma e confiança repletas de gozo. (vs. 26-19).

Esse poema, como os capítulos 1 e 2, foi escrito numa época de crise nacional, quando a terra estava sendo ameaçada de invasão (Hc. 3:16). Seu sentimento concorda admiravelmente com o das profecias não disputadas dos capítulos 1 e 2 de Habacuque. Nessas profecias ele começa o mistério da interrogação (Hc. 1:2). No canto ele conclui com certeza e afirmação (Hc. 3:19). O mesmo tom e caráter sublimes se complementam. O canto suplanta a mensagem do profeta, sendo o propósito de ambos animar e conservar vivo dentro da nação o espírito de esperança e de confiança em Deus. Por conseguinte, ele representa Javé como vindo envolto em tronos e nuvens, a partir de sua morada nas montanhas do deserto, para livrar o seu povo dos inimigos deste. A teofania é somente para a salvação e livramento de Israel (v. 13) [profetizando o que acontecerá, quando o verdadeiro Messias de Israel – Jesus Cristo - vier em toda a sua glória, sobre as nuvens, a fim de libertar o seu povo dos inimigos, na

batalha do Armagedom.] O argumento de Habacuque é que Aquele que tão maravilhosamente livra o seu povo na juventude, jamais há de abandoná-lo em anos futuros. Tendo Javé operado a redenção de Javé nos dias de Moisés e dos Juízes, há de voltar a fazer o mesmo, naquela crise atual. Por isso o profeta aguarda uma nova parusia de Javé, uma revelação de sua Pessoa, e uma repentina exposição de sua glória para a salvação do seu povo. E nessa expectação de fé, o profeta conclui com uma absoluta e ilimitada confiança em Deus, afirmando enfaticamente que ainda todos os sinais visíveis do seu amor venham faltar e ele fique reduzido à pobreza e à penúria, mesmo assim ele se alegrará no Deus de sua salvação: “Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado; Todavia eu me alegrarei no SENHOR; exultarei no Deus da minha salvação (vs. 17-18).

O Salmo 77:15-20 poderia ter exercido influência na composição deste belo poema. É verdade que o salmista mostra sinais de haver pertencido a um tempo e a um hinário da comunidade judaica... Contudo, por não ter paralelo com outros livros proféticos, não é preciso concluir-se que Habacuque tenha composto este poema inspirado no Salmo 77, visto como os capítulos 1 e 2 do seu livro provam suficientemente que ele foi, de fato, um poeta!

V - Ensino permanente - Habacuque se contenta em anunciar apenas uma grande verdade, porém de maneira tão magistral que esta não somente chega a ser o tema do Judaísmo como também do Cristianismo evangélico - a doutrina da justificação pela fé. (Hc. 2:4). Não foram Paulo, Agostinho e Lutero que ensinaram pela primeira vez este grande princípio. Foi Habacuque quem o fez, às vésperas da invasão de Judá pelos caldeus. Este tema pode ser desenvolvido em vários componentes:

1º. O fato da disciplina divina - O enigma constante do Velho Testamento “não é a sobrevivência do mais idôneo, mas o sofrimento do melhor”. Em Jó foi o sofrimento de um indivíduo, em Habacuque, o de uma nação.

2º. O fato de que o mal se destrói a si mesmo - Com uma visível arrogância, os caldeus estavam cegos quanto ao fato de que eles eram apenas a vara da disciplina de Javé contra o seu povo. Jeremias e Habacuque foram contemporâneos. Jeremias ensinou que a maldade é condenada no próprio povo de Deus. Habacuque ensinou que a maldade dos caldeus também é condenada. A tirania sempre carrega em seu bojo as sementes da própria destruição [Um exemplo moderno é o de Sadam Hussein].

3º. O fato de que a fé é a condição da vida - “O justo viverá pela fé”. Este é o grande ensino de Habacuque. Nele o profeta fez uma contribuição muito original e significativa à teologia global. A fé, no conceito do profeta, significava mais que uma simples confiança. A forma é um abstrato feminino “emunah” dando a idéia, conforme permite o uso da palavra em outras partes do Velho Testamento: (Êxodo 17:12; Isaías 36:6; 2 Reis 7; 1 Crônicas 9:22,26; Provérbios 12:17), do caráter que a fé produz, isto é, fidelidade, firmeza, sofrimento, persistência, paciência e também lealdade. E “a vida”, segundo Habacuque, não significa uma mera prosperidade nacional, mas a segurança moral, mesmo em meio à calamidade. Em outras palavras, uma fé viva determina o destino: permanecendo em vida e sobrevivendo ao juízo. Habacuque, como um filósofo,

percorreu todo o caminho: desde a dúvida até a fé sublime. Esta passagem de Hc. 2:4 é citada três vezes no Novo Testamento (Romanos 1:17; Gálatas 3:11 e Hebreus 10:37).

Habacuque ensina ainda outras lições importantes em seu livro:

1. - A vaidade da violência - “Não és tu desde a eternidade, ó SENHOR meu Deus, meu Santo? Nós não morreremos. Ó SENHOR, para juízo o puseste, e tu, ó Rocha, o fundaste para castigar” (Hc. 1:12).

2. - O valor em tempo de crise - Habacuque exorta implicitamente os seus leitores a terem valor e serem felizes. Ele exorta a alma despojada de toda posse exterior a ser valorosa e feliz em Deus, como o único objeto de confiança. Aparentemente isso era inerente e, portanto natural, porque ele possuía uma confiança sempre repleta do gozo de que o Senhor iria trazer salvação ao seu povo.

Capítulo 9

Sofonias, o Orador

I - Nome e Genealogia - Outros dois Sofonias, além do profeta, são mencionados no Velho Testamento: um coatita, antepassado de Hemã, o cantor (1 Crônicas 6:36); o outro, um segundo sacerdote, contemporâneo de Jeremias (2 Reis 25:18; Jeremias 21:1; 37:3). Etimologicamente o nome significa “Aquele a quem Javé tem escondido e protegido” (Comparar com o Salmo 27:5), uma significação especialmente apropriada à mensagem do profeta. Com efeito, sua personalidade é demonstrada em sua mensagem. Como nos casos de Isaías, Jeremias, Joel e Zacarias, o mesmo acontece com a genealogia de Sofonias, a qual sem dúvida traz detalhes inusitados, como sendo tataraneto de Ezequias, o qual, provavelmente era o rei de Judá, pois de outro modo não haveria motivos racionais para atrasar a sua genealogia em quatro gerações. Que Sofonias pertenceu a um ramo da família real é cronologicamente possível, visto como Manassés, filho de Ezequias, tinha 45 anos quando lhe nasceu o filho Amon (2 Reis 21:1, 19). Nesse caso, Ananias, irmão de Manassés, poderia facilmente ter tido um neto (Cusi) e por isso Sofonias ter tido tantos anos como Josias. Se, pois, Sofonias tinha sangue real, suas censuras sobre os príncipes e outros potentados de Jerusalém (Sofonias 1:8-9) se tornam mais interessantes e muito mais pertinentes. Evidentemente, ele viveu em Jerusalém, conforme indica a sua familiaridade com “a porta do peixe” e o “Morteiro” (provavelmente algum bairro

especial de negócios da cidade) (Sofonias 1:11), especialmente a sua referência “deste lugar” (Sofonias 1:4).

II - Período e Data - O título do livro declara que Sofonias profetizou “nos dias de Josias” (639-608 a.C) e com essa declaração o conteúdo do livro está de pleno acordo. Nada existe no livro que justifique a mais débil suspeita de que ele não tenha pertencido a esse período. Sem dúvida, mesmo condenando o povo pela sua idolatria e corrupção, violência e injustiça, a plena verdade é que ele se desprende de toda a história, pois o caráter universal de sua mensagem exclui o trato completo de eventos históricos. Com efeito não se pode dizer que Sofonias tivesse falado claramente de pânico ou perigo particular, tal como a invasão escita, que veio sobre a Palestina, mais ou menos nesse tempo, 627 a. C., (Heródoto 1:104 e seguintes), ainda que isto seja possível. Sofonias, de preferência, se mostra cuidadosamente indefinido acerca de todos os eventos do seu tempo.

Sem dúvida, se ele profetizou antes do descobrimento do Livro da Lei, no oitavo ano do reinado de Josias, em 621 a.C. (2 Reis 22:8), como crê a maioria dos eruditos modernos, ou depois desse importante evento, como crêem outros, vai depender em grande parte da interpretação que teremos das seguintes referências: 1) – “ o restante de Baal” (Sofonias 1:4), que parecia colocá-lo pelo menos depois do décimo segundo ano de Josias, quando este começou as reformas (2 Crônicas 34:3). 2) - “e os filhos do rei” (Sofonias 1:8). Será que o rei Josias já tinha filhos com apenas 20 anos de idade? (2 Reis 22:1-3). 3) - A ameaça do profeta de que Nínive vai ser destruída e desolada (Sofonias 2:13-15) nada tem a ver com o rancor de Naum. Desse modo, Sofonias pode ter vivido um pouco antes de Naum. 4) – “fizeram violência à lei”. Esta passagem poderia indicar um tempo depois da reforma de Josias, em 621 a.C. Contudo, Jeremias faz alusão a “os sacerdotes” e à lei, no exato princípio do seu ministério (Jeremias 2:8), sendo que este e Sofonias eram contemporâneos próximos, tendo começado a pregar em 626 a.C. Por isso podemos dizer que Sofonias profetizou entre os anos 12 e 18 do reinado de Josias, ou em cerca de 625 a.C.

III - Conteúdo - Três fases distintas podem ser descobertas no livro de Sofonias, quando tratamos do seu único e grandioso tema do Dia (vindouro) de Javé.

1. - Ameaças e Juízos – (Capítulo 1) - Anunciando com juízos e ameaças o dia da ira do Senhor, a qual englobará toda a terra, mas que foi dirigida particularmente aos idólatras e apóstatas de Judá e Jerusalém.

2. - Admoestações dirigidas às nações - (Capítulo 2) Filístia, Moabe, Amon, Etiópia e Assíria. Estas são seguidas de uma fervorosa admoestação contra Jerusalém, para que se arrependa, a fim de escapar do castigo destinado aos pecadores voluntários (Sofonias 3:1-7).

3. - Ânimo e promessas - (Capítulo 3:8-20) - Haverá salvação para os arrependidos, especialmente para o “remanescente de Israel”, o qual gozará de fama universal como o redimido de Javé, morando para sempre em sua presença.

IV - Tema - O grande e único tema de Sofonias é o vindouro “Dia do Senhor”, quando Ele se revelará em sua plenitude ao mundo inteiro, julgando os malfeitores e cumprindo o seu propósito de redenção entre nós. Contudo, o juízo

não é considerado por Sofonias como um fim em si mesmo. Antes, ele é um meio de Javé se dar a conhecer ao mundo, iniciando o seu reino de salvação. Portanto, o seu tema é, de um certo modo, escatológico, tratando da “consumação do século”.

Para Sofonias o “Dia do Senhor” não significa tanto um dia de juízo diante do Juiz, como um dia de batalha, um conflito apocalíptico que está para vir. O povo estava “assentado sobre as sua fezes”, isso é, se havia corrompido e tornado egoísta, com a sua vida estagnada no indiferentismo, o qual era pouco melhor que o ateísmo, e por isso a matança e a destruição o esperavam. Os hóspedes de Javé já estão convidados para o grande sacrifício e tudo vai ser queimado. “Um dia de indignação” (Sofonias 1:15). Este texto serviu de base aos mais notáveis hinos medievais “Dies Irae, Dies Illa” - “Dia de Luto”. Porque a nota de condenação de Sofonias parece haver ecoado pelos séculos, até cair nos ouvidos do franciscano Tomás de Celano, um monge italiano do século 13. Como resultado transformou-se num poema de 19 versos, entregue ao mundo como reconhecida obra prima, tão terrível em sua grandeza e tão intensa em seu fervor e tristeza que nela ouvimos algo como “o estrondo final do universo”. A mensagem de Sofonias pode ter ajudado na reforma de Josias. Pois ele dirigiu os seus golpes contra o sincretismo religioso - uma mistura do culto a Baal, Milcon e as estrelas - exortando o seu povo a buscar a mansidão e justiça, prometendo que, se o fizesse, tudo iria acabar bem. Não é justo dizer que sua mensagem é totalmente negativa e destrutiva. Essa declaração é verdadeira somente quando as porções promissoras são separadas de uma crítica lógica e científica.

V - Valor - O livro de Sofonias, mesmo pequeno, é valioso. Muitos deixam de apreciá-lo e a maioria de nós passa desapercebida, como se ele fosse despojado de texto para o púlpito. Ao contrário, ele tem valor permanente e como livro não deve ser subestimado pelo seu tamanho. Aqui temos alguns dos seus ensinos permanentes:

1. - A necessidade constante de admoestação – (Sofonias 1:14-16) - Sofonias deu o exemplo a todos os ministros modernos de como devem relembrar aos homens as terríveis realidades do mundo moral.

2. - O tom moral profundamente sério que permeia todo o livro - Sofonias é profundamente sensível aos pecados do seu povo e à necessidade moral que impele Javé a visitá-lo com disciplina e juízo. Seu evangelho é conciso e austero. Uma mudança moral é necessária (Sofonias 3:7-13).

3. - A natureza espiritual do reino de Deus - (Sofonias 3:14-20) - Esta seção é um dos apocalipses do Velho Testamento. É o melhor do livro e contém duas promessas maravilhosas: a) - “Javé está no meio de ti” (Sofonias 3:15-17). b) - “Farei de vós um nome e um louvor entre todos os povos da terra” (verso 20), porque depois da tribulação vem a glorificação. O cativeiro de Judá será removido e tudo acabará bem. Judá será salvo ainda que “passando de raspão pelo fogo”.

O remanescente de Judá gozará de uma modesta idade áurea. Mesmo não havendo aqui uma explícita referência a um Messias pessoal, sem dúvida não faremos mal em crer que, o que quer que tenha sido visto na visão apocalíptica do profeta, suas palavras apontam para o grande livramento da obra de Cristo. Mais notável é o fato de que o seu conceito de reino celestial inclui toda a humanidade.

VI - Estilo - O estilo de Sofonias é direto e forte, portanto de acordo com o caráter imperativo de sua mensagem. O que lhe falta em graça e encanto, até certo ponto, é suprido de vigor e clareza de linguagem. Nenhum outro profeta tornou mais real a descrição do “Dia do Senhor’. O estrondo da ira divina, cantado hoje em todo o mundo musical como réquiem, deixa ressoarem os ecos poderosos e fúnebres de uma visão drástica, tão musicais e tão famosos que nenhum tradutor pode vertê-lo para outro idioma sem uma grande perda. Budda foi o primeiro a reconhecer que a maior parte do livro foi escrita nesse ritmo ou metro elegíaco. Para um anúncio de castigo e aflição, este gênero de poesia que leva o acento na 3ª. e na 5ª. sílabas de cada linha, é o metro adequado. Com exceção de Sofonias 3:8-11, todo o livro está praticamente metrificado dessa forma. Em Sofonias 3:11-13, temos uma passagem de estranha beleza.

Sofonias é talvez menos original que a maioria dos outros profetas. Ele mostra afinidade com os seus predecessores, especialmente com o estilo de Isaías. Sem dúvida a corrente do seu discurso flui mansa e gravemente. Suas repetições de palavras e frases servem para acrescentar ênfase. Ocasionalmente, ele se vale do jogo de palavras, por exemplo, em Sofonias 2:4: “Porque Gaza será desamparada, e Ascalom assolada; Asdode ao meio dia será expelida, e Ecrom será desarraigada”. Alguns dos seus epigramas são muito notáveis, como por exemplo: “E há de ser que, naquele tempo, esquadrinharei a Jerusalém com lanternas, e castigarei os homens que se espessam como a borra do vinho, que dizem no seu coração: O SENHOR não faz o bem nem faz o mal” (Sofonias 1:12). “...e santificou os seus convidados” (Sofonias 1:7). “ó nação não desejável” (Sofonias 2:1). “... porque toda esta terra será consumida pelo fogo do meu zelo” (Sofonias 3:7). Dizem que se alguém deseja ver as declarações dos profetas sucintamente expressadas, deve ler o curto livro de Sofonias. Diz Ewald: “O que é novo em Sofonias é especialmente o amplo conhecimento que ele tem de todas as terras e nações e a percepção dos assuntos espirituais de toda a terra”.

Capítulo 10

Ageu, o Profeta da Construção do Templo

I - História pessoal - Pouco se sabe a respeito de Ageu, além do fato de ter sido ele o primeiro profeta da recém-estabelecida colônia judaica, formada pelos que regressaram da Babilônia à Palestina, em 536 a.C. Tanto em seu livro como em Esdras 5:1, ele é apresentado simplesmente como “Ageu, o profeta”. De Ageu 2:3 Ewald deduziu que ele já era um ancião, quando profetizou, tendo provavelmente entre 70 e 80 anos de idade. Em todo o caso, parece que tinha mais idade do que Zacarias, pois quando os seus nomes aparecem juntos, Ageu é sempre mencionado em primeiro lugar (Esdras 5:1;6:14). Uma tradição antiga

declara com certeza que ele nasceu em Jerusalém, tendo sido levado cativo por Nabucodonosor, e que lhe foi permitido por Ciro o regresso à Cidade Santa. Por outro lado, Epifânio em sua “Vida dos Profetas”, afirma que ele voltou da Babilônia enquanto ainda era jovem.

As versões gregas, latinas e siríacas associam o seu nome ao de Zacarias, no princípio de certos salmos, como o seu provável autor. Por exemplo, o Salmo 111 na Vulgata e os Salmos 125 e 126 na Peshita. O Salmo 137 na Septuaginta e na Peshita e o Salmo 245 na Septuaginta, na Peshita e na Vulgata. Contudo, alguns estudiosos acham provável que esses salmos fossem apenas apresentados nos serviços do Templo por recomendação desses profetas, que eram homens de grande fé (Comparar com Ageu 2:2-9). Ageu, especialmente, era um profeta cuja fé quase chegava à certeza (Ageu 1:13). Possivelmente ele também foi um sacerdote (Ageu 2:10-19). Segundo a tradição judaica ele era membro da Grande Sinagoga.

Seu nome em Hebraico tem uma raiz descritiva de movimento excitado e rápido, tal como a dança. Daí se pode deduzir ter ele nascido em algum dia de festa. Compare-se com o nome romano “Festo”. Os nomes hebreus eram às vezes formados dessa maneira. Por exemplo, “Barzilai” significa “homem de ferro”, oriundo de “Barzil” = ferro. Por outro lado, é possível que o nome “Hagga” seja uma contração de “Haggiah”, significando “Festival de Javé” (1 Crônicas 6:30). Assim como “Matenai” é uma contração de “Mataniah” (Esdras 10:26,33). Também o seu nome pode ser uma contração de “Hagariah” (Javé se move), bem como “Zaqueu” é uma abreviação de Zacarias.

II - Sua Obra - A reedificação do Templo é o centro de interesse ao redor do qual gira tudo que Ageu prega. Porque sua missão suprema era animar os judeus de Jerusalém a se levantarem para reedificar o Templo de Salomão, destruído por Nabucodonosor em 586 a.C. Nenhum profeta pregou mais direta e fervorosamente aos seus contemporâneos e nenhum outro conseguiu mais êxito. Seu colega mais jovem, Zacarias, também foi chamado a ajudar nessa grande tarefa. A diferença entre eles é que Ageu pregou durante um breve período de crise, enquanto Zacarias anexou profecias espirituais de edificação, para todos os tempos, às suas visões sobre a reconstrução do Templo.

III - Seu período e circunstâncias - Todas as profecias de Ageu (bem como muitas de Ezequiel) estão datadas como pertencentes ao segundo ano de Dario, lá pelo ano 520 a.C. (Ageu 1:1,15;2:10). O livro de Esdras, sem dúvida, dá mais detalhes da história do seu período e obra (Esdras 1:1-4:5;4:24-6:15). Ele nos conta como um segundo êxodo, por assim, dizer, aconteceu em 536 a.C, quando Ciro, rei da Pérsia, deu aos judeus permissão para regressarem a Jerusalém (Ageu 1:1-4) e 42.360 pessoas, sob a liderança de Zorobabel, cabeça civil da comunidade, e Josué, cabeça eclesiástica, regressaram à Terra Santa e se estabeleceram em Jerusalém, e nas povoações vizinhas a Belém, Betel, Anatote, Gabaa e outras partes (Ageu Cap. 2).

O livro de Esdras também nos diz como a permissão de Ciro para reconstruir o Templo transformou-se em letra morta durante anos (Ageu 4:1 e seguintes). Porque, ainda que os colonos judeus houvessem regressado da Babilônia ansiosos e entusiastas, a fim de restabelecer o culto no seu santuário, tendo edificado o altar dos holocaustos sobre o antigo local do mesmo (Ageu 3:2-3), sem dúvida sabemos que eles foram obrigados a desistir do seu término por causa dos ciúmes dos samaritanos semi-pagãos e meio judeus, os quais

descendiam dos colonos trazidos a Samaria pelo rei Sargão, em 722 a.C (2 Reis 17:24-41), cuja oferta para ajudar na construção havia sido terminantemente recusada (Ageu 4:1-5,24 - Comparar com Ageu 5:16). Por causa disso, o trabalho de reconstrução ficou parado por dezesseis anos. A apatia substituiu o entusiasmo e o sórdido afã de ganhar dinheiro absorveu-lhes o interesse principal.

De fato, parecia que, à medida em que o tempo passava, os judeus até começavam a regozijar-se com a oposição feita à sua tarefa, visto como isso lhes dava oportunidade de construir casas bem trabalhadas para eles mesmos (Ageu 1:4). Porém aconteceram anos de escassez, devido, como Ageu lhes recorda, ao desagrado de Javé (Ageu 1:1-11).

O Prof. W. H. Kosters (de Leiden), por outro lado, procurou mostrar, há vários anos, que não houve tal regresso dos judeus do cativeiro, sob Ciro, e que Ageu e Zacarias nunca fazem alusão a este, mas até consideravam o regresso de Israel como coisa futura (Zacarias 2:6-7) e pregavam ao restante dos judeus que havia ficado em Jerusalém, depois de Nabucodonosor ter levado para o cativeiro a nata da nação, em 586 a.C. Contudo, apesar da plausibilidade da teoria de Kosters, a narrativa contida em Esdras, Caps. 1-4, descrevendo o regresso de 42.360 judeus sob a direção de Zorobabel e Josué, merece ser crida como verdadeira. Kosters teve poucos discípulos.

Quando Dario, filho de Histaspes, subiu ao trono, uma nova era foi inaugurada na história da novel colônia. Politicamente, esse era um período crítico. No ano 521 a.C., tendo Dario despachado o usurpador que ocupara o trono por sete meses, começou a reinar sobre o desunido império persa. Sua obra era essencialmente a de reconstrução política. Seus antecessores, Ciro e Cambises, haviam se ocupado principalmente de guerras de conquistas. Por isso haviam tido pouca oportunidade de consolidar as várias tribos que estavam nominalmente sujeitas ao governo persa. Muitas dessas tribos estavam descontentes e rebeldes. Insurreições eclodiam em toda parte do império, no início do reinado de Dario (Ageu 2:7,22). Rebelaram-se as províncias de Susana, Média, Assíria, Armênia e Partia, ao todo vinte e três, causando sérias preocupações ao rei. Compare-se a famosa Inscrição Behistun de Dario. Este lutou em dezenove batalhas, subjugando as tribos recalcitrantes. Mesmo assim, o império persa foi sacudido até os fundamentos, especialmente no ano durante o qual Ageu pregou (520 a.C.). Estes acontecimentos dão conta das repetidas alusões do profeta ao fato de que Javé iria fazer “tremer todas as nações” (Ageu 2:6,7,21,22). Ele parece considerar esse abalo das nações como um prenúncio da era messiânica e a reedificação do Templo como a necessária preparação para a recepção do Rei Divino.

IV - Análise - As profecias de Ageu, por estarem datadas, são facilmente analisadas:

1. - Cap. 1:1-15 - Pronunciada no primeiro dia do sexto mês (setembro), contendo censuras do profeta à indiferença do povo em relação à Casa do Senhor, acusando-o fortemente, em o nome deste. Admoestando ainda por causa da apatia em relação à reedificação do Templo, o que havia feito com que Deus lhe negasse o produto do campo (Ageu 1:10, comparar com 2:16) e exortando-o a

“considerar” os seus caminhos (Ageu 1:5-7). O efeito dessa admoestação aberta e comovente foi que, vinte e quatro dias depois, o povo começou a trabalhar (Ageu 1:14,15).

2. - Cap. 2:1-9 - pronunciada no vigésimo primeiro dia do sétimo mês (outubro) contém uma nota verdadeiramente animadora para aqueles, cujas ambições para construir o Templo (o qual seria digno de comparar-se ao de Salomão) corriam o perigo de fracassar. Ao contrário, o profeta lhes assegura que Javé “fará tremer” as nações e as coisas preciosas de todas as nações hão de vir, para aformosear e glorificar o novo edifício (Ageu 2:7-8, comparar com Hebreus 12:26-27).

3. - Capítulo 2:10-19 - pronunciada no vigésimo quarto dia do nono mês (dezembro), exatamente três meses após ter sido relembrada a obra de reconstrução do Templo, contendo o primeiro discurso, uma repreensão ao povo por causa da sua inação e a declaração de que o seu descuido nesse sentido havia contaminado a sua vida moral. Uma parte desse discurso é expressa em forma de parábola (Ageu 2:11,14), por meio da qual é demonstrado como uma só culpa pode conduzir ao vício. Por outro lado, se os trabalhos de reconstrução do Templo se adiantam, Javé voltará a abençoá-los e com boas recompensas há de premiar o seu zelo renovado (Ageu 2:19; Zacarias 8:9-12).

4. - Capítulo 2:20-23 - pronunciada na mesma data do terceiro discurso, anunciando que a catástrofe se avizinha, quando “o trono dos reinos” será transtornado, Zorobabel será estabelecido como o representante da dinastia de Davi, a esperança patriótica de Israel, o vice-regente honrado por Deus - sim, o precioso ”anel de selar” na mão de Javé (Comparar com Jeremias 22:24).

V - Lições permanentes - A mensagem de Ageu, com apenas 38 versos (que se imagina constituírem apenas um breve resumo dos mais importantes discursos do profeta), causou um ímpeto efetivo na causa da reconstrução do Templo, assim como testifica Esdras nos caps. 5:1 e 6:14 do seu livro. O resultado de sua pregação foi uma grande vitória. Porque persuadir todo o povo a fazer sacrifício financeiro e adiar os seus próprios interesses particulares, a fim de construir um santuário público, não era uma tarefa fácil. Porém Ageu o conseguiu e pelo seu êxito tornou-se o verdadeiro fundador do Judaísmo pós-cativeiro. Sua obra serviu de preparação à de Esdras e Neemias.

Entre as lições de Ageu, que são de valor permanente, destacam-se:

1. - A origem divina de toda pregação que tenha êxito - A declaração mais notável de todos os escritos de Ageu é a que se encontra em Ageu 1:13: “... Eu sou convosco, diz o SENHOR”. Repetidas vezes o profeta nos diz que “foi-lhe feita a revelação de Javé” (Ageu 2:1,10,20). Com muita freqüência ele usa também a expressão “Assim fala [ou diz] o Senhor do Exércitos” (Ageu 1:2,5,6,7; 2:11 – Comparar com Ageu 1:9; 2:7,9,23 e também com Ageu 2:4,14,17).

Ele fala com freqüência da presença de Javé na nação: “...Eu sou convosco, diz o SENHOR” “... porque eu sou convosco, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ageu 1:13;2:4), prometendo da parte deste, por dez vezes, que ele fará coisas em prol de Israel: “Encherei esta Casa de glória”; “Darei a Paz”, “Transtornarei o trono dos reinos”, etc. Em verdade é por causa dessa convicção absoluta que Ageu se

aventura a exortar o seu povo com “considerai os vossos caminhos” (Ageu 1:5 - Comparar com Ageu 2:15,18).

2. - O caráter contagioso do pecado da demora - Com uma parábola um tanto inusitada - contida em Ageu 2:10-19 - o profeta ensina que mesmo não sendo a justiça contagiosa, a injustiça o é. “O apagado aroma de santidade exalado pelos sacrifícios do seu altar era demasiado débil para penetrar a atmosfera profana de sua vida”. Por outro lado, o grande adiamento de 16 anos na obra de reconstrução da Casa de Deus havia tornado o povo imundo à vista divina e lhe havia trazido o fungo, o granizo e a destruição, em vez da colheita abundante (Ageu 2:15-16). Ele argumenta que ainda que um homem saudável não possa comunicar saúde a outra pessoa, ao tocá-la, o enfermo pode facilmente comunicar contágio aos que o rodeiam. Em outras palavras, ele diz que há coisas mortas entre eles, isto é, o fato de que a Casa de Javé está deserta (Ageu 1:9;2:13,14) e que O tratando com indiferença, eles se tornaram imundos e contaminados.

3. - A igreja é o centro religioso do mundo – Ele diz: “E farei tremer todas as nações, e virão coisas preciosas de todas as nações, e encherei esta casa de glória, diz o SENHOR dos Exércitos. Minha é a prata, e meu é o ouro, disse o SENHOR dos Exércitos” (Ageu 2:7-8. Comparar com Isaías 2:2-4)). Assim o profeta atribui uma significação quase sacramental ao Templo (Comparar com Ezequiel, Caps. 40-48). Supõe-se que esse conceito não possa cumprir-se adequadamente, a não ser no sentido espiritual, conforme interpretado em Hebreus 12:26-28...

4. - A majestade do reinado - A última promessa de Ageu é que Javé tomará Zorobabel e o converterá em um “anel de selar... porque te escolhi” (Ageu 2:23). Wellhausen e outros interpretam estas palavras sobre Zorobabel como significando ser ele o Messias esperado, prometido pelos profetas anteriores. Mas provavelmente basta pensar que o profeta meramente o assinala como objeto das preciosas esperanças da nação. E que nas abaladas nações, ele, Zorobabel, o neto de Joaquim, que fora degradado das funções do ofício real (Jeremias 22:24), prosseguiria como o honrado vice-regente de Javé e assim uniria a esperança política da congregação posterior ao cativeiro à linha real das predições messiânicas de Judá. Isaías fala de Ciro em termos semelhantes, sem que haja qualquer implicação messiânica (Isaías 44:28; 45:1). Apesar disso, na proeminência que Ageu dá aqui ao Templo e a Zorobabel, temos a promessa de maior glória do segundo Templo por Jesus Cristo.

VI - Estilo - Ainda que o estilo de Ageu seja menos poético do que o dos seus predecessores, sem dúvida apenas se faz justiça ao falar dele como “áspero”, “mesquinho” e “pobre” em seu vocabulário. Porque o seu estilo convém admiravelmente à sua mensagem e ao fim proposto. Seu estilo, mesmo conciso e sem adornos, é, ao mesmo tempo, austero e forte. Suas afirmações são breves e agudas, exatamente o que a ocasião exigia para reformar, corrigir e restaurar. Ainda que o manto da profecia tenha caído sobre ele “em forma de andrajos e remendos”, não obstante suas palavras são as de um coração profundamente comovido por uma situação agitada. O seu propósito completa o que lhe falta em estilo. Mesmo usando um vocabulário limitado, repetindo com freqüência as mesmas fórmulas, Ageu é profundamente sério. Deve-se confessar que ele não carece de força, quando exorta, nem de emoção, quando repreende. “A magnitude profética de um poeta é medida, não pelo esplendor literário do seu estilo, mas pela obra que ele executa”.

Capítulo 11

Zacarias, o Vidente

I - Genealogia e Missão – Na introdução do seu livro lemos que Zacarias era “filho de Baraquias, filho de Ido” (Zc 1:1,7). Entretanto, em Esdras 5:1 e 6:14 é dito que ele era “filho de Ido” e, contudo, trata-se do mesmo profeta em ambas as passagens. Na última é dado a entender que ele foi contemporâneo de Ageu, o que está de perfeito acordo com as datas atribuídas às profecias destes dois videntes, em seus respectivos livros (Ageu 1:1 e 2:10. Zc 1:1,7). Porque a sua missão era em geral a mesma, isto é, induzir o povo a reedificar o Templo. Zacarias, provavelmente, era mais jovem do que Ageu (Comparar Zc 2:4; Ageu 2:3) e um homem de inusitada visão, quase sem paralelo. Sendo sacerdote, bem como profeta (Neemias 12:16) e cabeça da “casa paterna”, sua influência era muito grande. Seu nome, sem dúvida, demonstra dotes especiais, pois em Hebraico significa “Aquele de quem Javé se agrada”.

II - Caráter geral do livro - Existem poucos livros no Velho Testamento tão difíceis de se interpretar como o de Zacarias. Os expositores judeus, tais como Abarbanel e Jarchi, e os expositores cristãos, como Jerônimo, são forçados a confessar que “nenhum dos homens de força achou as próprias mãos” na exposição das visões do profeta (usando um modismo hebraico, exposto no Salmo 76:5) e que foram de um labirinto a outro e de uma nuvem a outra, até se perderem. Por certo o alcance da visão do profeta e a profundidade espiritual do seu pensamento exigem uma reflexão mais séria. Com efeito não é exagero afirmar que de todas as composições proféticas do Velho Testamento, as visões de Zacarias são as mais messiânicas e, por conseguinte, as mais difíceis, visto como estão mescladas e entremeadas de muito do que é apocalíptico e escatológico.

III - Seu tempo - A data mais remota em seu livro é “o segundo ano de Dario”, isto é, de Dario Histaspes, ao que se sabe, 520 a.C., e a mais tardia, “o ano quarto” do reinado deste rei (Zc 1:1,7; 7:1). Contudo, presume-se ser possível que o profeta tenha continuado exortando, pelo menos até que o Templo foi concluído, no ano 516 a.C. (Esdras 6:15). As circunstâncias e condições sob as quais Zacarias trabalhava eram em geral as do tempo de Ageu, visto como este começou justamente dois meses antes de Zacarias (Comparar com Ageu 1:1 e Zc 1:1). Era o ano 520 a.C. Por esse tempo, houve repetidos transtornos e comoções em toda a longitude e latitude do império persa. A declaração de Zc 1:11 de que “... toda a terra está tranqüila e quieta” era verdadeira apenas no sentido de que havia cessado toda a oposição aos judeus quanto à reedificação do Templo. Quando Dario subiu ao trono em 521 a.C., conforme é bem conhecido, muitas das tribos - que haviam sido forçadas a submeter-se ao domínio persa sob Ciro e Cambises - rebelaram-se. Insurreições eclodiram em toda parte do império, especialmente ao noroeste, e Dario teve de lutar 19 batalhas, antes que essas tribos rebeldes fossem subjugadas.

Contudo, as predições de Jeremias a respeito do domínio da Babilônia por “70 anos” haviam se cumprido (Jr 25:11;29:10) e 42.360 judeus haviam regressado a Jerusalém, em 536 a.C., sob a liderança de Zorobabel e Josué. A obra do Templo havia sido iniciada, mas a oposição que os seus vizinhos haviam feito atrasou a conclusão do edifício sagrado, levando os judeus a se desanimarem e se entristecerem por não conseguirem restaurar Sião. Havia muito que os alicerces do Templo foram colocados, mas até ali nada havia sido edificado sobre os mesmos (Esdras 3:8-10 e Zc 1:16). O altar dos holocaustos havia sido erguido sobre o sítio anterior, mas até então não havia sacerdotes dignos de oficiar no ritual do sacrifício (Esdras 3:2,3 e Zc 3:3). O povo havia se tornado apático e era necessário despertá-lo para a obrigação de terminar o santuário. Ageu já os havia animado a prosseguir (Ageu 1:1,15), porém foi deixada a Zacarias a tarefa de fazer com que a reedificação do Templo se tornasse uma realidade. Nisso ele teve êxito, pois a Casa foi concluída “no sexto ano do reinado do rei Dario” (Esdras 6:14,15), ou seja, no ano 516 a.C.

IV - Análise e conteúdo - As profecias de Zacarias normalmente se dividem em duas partes: capítulos 1-8 e 9-14, ambas começando no presente e contemplando, apocalipticamente, o futuro.

1. - Os caps. 1-8 consistem em três mensagens distintas, pronunciadas em três ocasiões separadas.

a) - Os Caps. 1:1-6 - São uma introdução pronunciada no oitavo mês do segundo ano de Dario (520 a.C.). Ela fornece a tônica de todo o livro, sendo uma das apelações mais fortes ao arrependimento e uma das mais intensamente espirituais que se podem encontrar no Velho Testamento.

b) - Os Caps. 1:7 a 6:15 - Mostram uma série de oito visões simbólicas de noite, seguida de uma cena de coroação. Ela foi toda pronunciada no dia 14 do undécimo mês do segundo ano de Dario, ou seja, exatamente dois meses após a colocação dos alicerces do Templo (Ageu 2:18; Zc 1:7). Essas oito visões tiveram como objetivo animar a colônia que havia regressado do cativeiro a continuar e completar a construção da Casa de Deus, dando, respectivamente, as seguintes lições:

b-1 - Os mensageiros celestiais (Zc 1:7-17) - mostrando o cuidado especial de Deus pelo seu povo, o qual afirma explicitamente: “Nela [Jerusalém] será edificada a minha casa” (Zc 1:16)

b-2 - Os quatro chifres e os quatro carpinteiros - (Zc 1:18-21), ensinando que os inimigos de Israel finalmente terão sido destruído por meio de guerras e que não haverá oposição à construção da Casa de Deus.

b-3 - Um homem que tinha na mão um cordel de medir - (cap. 2) - ensinando que Deus voltará a povoar e proteger Jerusalém e nela habitará, fazendo com que a cidade se estenda, até se tornar uma metrópole sem muros ao seu redor. De fato, o próprio Javé será a glória no meio dela, com um muro de fogo ao seu redor.

b-4 - Josué, o sumo sacerdote, vestido de vestes sujas (levando os seus próprios pecados e os do seu povo - cap. 3) - ensinando que o sacerdócio será purificado,

continuado e tornado mais típico do Messias, o varão que há de vir, em cujo dia a iniqüidade da terra será completamente aniquilada.

b-5 – O castiçal de ouro e as duas oliveiras - (cap. 4) - Ensinando que o visível terá de ceder lugar ao espiritual e que pelos “dois ungidos”, isto é, Zorobabel, o leigo, e Josué, o sacerdote (v. 14), arderá a luz divina com esplendor brilhante e que não será “...por força nem por violência, mas pelo meu Espírito” (v.6) que esta Casa realizará o seu objetivo [A meu ver, o reinado de Cristo sobre o mundo inteiro! Maranata!]

b-6 - O rolo volante – (Zc 5:1-4) - Ensinando que Deus tem pronunciado em sua lei uma maldição contra a iniqüidade e que Ele “pensa” em destruir todos os pecadores.

b-7 - (Zc 5:5-11) - Descrevendo a iniqüidade como personificada e levada longe demais, até a terra de Sinear, dizendo que quando o Templo for reedificado, o pecado será realmente excluído da terra [Isso só pode referir-se de fato ao reinado do Messias Jesus Cristo].

b-8 - Os quatro carros - (Zc 6:1-8) - Saindo da presença do Senhor de toda a terra e ensinando que a providência protetora de Deus estará sobre o seu povo e o seu santuário, mesmo quando os muros da cidade necessitem de um Neemias para os reconstruir.

Esses versos são seguidos de uma cena de coroação (Zc 6:9-15), na qual o sacerdote Josué é coroado e feito Messias - Varão, Sacerdote e Rei. Este é o retrato mais perfeito e completo do Messias vindouro, do qual se fala em todo o Velho Testamento.

c. - Os caps. 7-8 - São a resposta de Zacarias à comissão de Betel sobre o jejum, pronunciada no quarto dia do nono mês do quarto ano de Dario, ou seja, 528 a.C. Desde a queda de Jerusalém, em 586 a.C., os judeus haviam se acostumado a jejuar nos aniversários de quatro notáveis acontecimentos de sua história: 1. - Quando Nabucodonosor ocupou Jerusalém, no quarto mês (Jr 52:6). 2. - Quando o Templo foi queimado, no quinto mês (Jr 52:12). 3. - Quando Gedalias, o governador, foi assassinado, no sétimo mês (Jr 41:1-2). 4. - Quando começou o sítio a Jerusalém, no décimo mês do nono ano de Nabucodonosor (2 Reis 25:1).

Em sua resposta à comissão de Betel, diz enfaticamente o profeta que “os jejuns de Israel serão como festas, muitas nações se unirão aos judeus, a fim de buscar o Senhor dos Exércitos em Jerusalém” (Zc 8:18-23).

d. - Os caps. 9-14 – constituem a segunda parte do livro e são “o peso da palavra do Senhor contra a terra...”, oráculos sem data.

d-1 - Os caps. 9-11 - São um oráculo de promessa com relação à nova teocracia. Em geral esta seção contém promessas de uma terra onde morar, uma volta ao cativeiro, a vitória sobre uma potência hostil universal [Roma], e também bênçãos temporais e força nacional, concluindo com uma parábola de juízo causado pela apostasia de uma parte de Israel contra Javé e o seu pastor. Mais especificamente, no cap. 9, essas promessas se destinam a um Judá e a um

Efraim restaurados, unidos e tornados vitoriosos sobre os seus inimigos, prometendo-lhes uma terra e um rei. No cap. 10, Israel há ser salvo e fortificado. No cap. 11, Israel há se de ser castigado por abandonar o cuidado especial com Javé.

d-2 - Os caps. 12-14 - contêm um oráculo que descreve as vitórias da nova teocracia e o Dia (vindouro) do Senhor - Esta seção é enfaticamente escatológica e apresente três distintas descrições apocalípticas. No cap. 12, de como Jerusalém será sitiada pelos inimigos, mas salva pela intervenção de Javé. No cap. 13, Zacarias fala de como um remanescente será salvo. No cap. 14, vemos como as nações, após terem sitiado e ocupado a cidade, correrão até Jerusalém, a fim de se unirem na guarda e no gozo da Festa dos Tabernáculos. E de como todos, naquele tempo, até mesmo “sobre as campainhas dos cavalos”, “todas as panelas em Jerusalém serão consagradas ao Senhor dos Exércitos”, sendo toda esta seção uma visão apocalíptica de juízo e redenção.

V - Lições permanentes ensinadas por Zacarias

1. - Como a fé decaída de uma comunidade pode ser reanimada pela pregação de um profeta sincero e fervoroso, o qual, mesmo não sendo um gênio, possui uma grande fé. Zacarias viu a possibilidade de uma repentina e decisiva intervenção da parte de Javé em favor de Israel.

2. - Como, mesmo no tempo de Zacarias, se apelou “aos profetas anteriores” como norma de autoridade (ZC 1:4;7:12 - Comparar com 2 Timóteo 3:16-17). Parece que os seus escritos já estavam se tornando canônicos.

3. - Como os judeus, desde o tempo de sua primeira volta, começaram a entender que, algum dia, a verdadeira religião chegaria a ser universal (Zc 2:1; 6:15;8:23; 14:16).

4. - A reconstrução da Casa de Deus era uma condição indispensável para uma época melhor. (Zc 1:16). O profeta fala com freqüência da Casa de Deus, cinco vezes na primeira parte (Zc 1:16; 3:7;4:9;7:3;8:9) e quatro vezes na segunda (Zc 9:8;11:13;14:20,21). Não pode existir felicidade social permanente sem a presença da igreja.

5. - Como a contenda de Israel é realmente contra Satanás, seu inimigo espiritual, mais do que com as nações vizinhas (Zc 3:1). Satanás é sempre o maior adversário da igreja.

6. - Como convém aos crentes esperar sempre. Mesmo que a débil luz da igreja possa arder poucas vezes, sem dúvida não há de ser “por força nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4:6).

7. – Como os jejuns e as festas nada representam em si mesmos. Porque nenhum destes causou ou evitou o cativeiro de Israel. O que Deus exige do seu povo está nos versos Zc 8:16-17: “Estas são as coisas que deveis fazer: Falai a verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de verdade e de paz nas vossas portas. E nenhum de vós pense mal no seu coração contra o seu próximo, nem ameis o juramento falso; porque todas estas são coisas que eu odeio, diz o SENHOR”.

8. - Como Deus tem vontade de pastorear suas indignas ovelhas, tomando o cetro em lugar do simples cajado de pastor, com o objetivo de dedicar-se de maneira incomum ao ofício de pastor. Tão solícito Ele é pelo bem estar do seu povo. (Zc 11:7).

9. - Como o rebanho rebelde se lamentará, logo que reconhecer que está pelejando contra Deus. Como sugeriu Calvino, “Se um pecador não se coloca como se estivesse diante do tribunal de Deus, jamais terá o sentimento de um verdadeiro arrependimento”. (Zc 12:10. Comparar com João 19:37).

10. - Como, finalmente, a contenda entre o bem e o mal terminará num dia glorioso para Israel, quando o Messias vier para estabelecer o seu Reino e Javé se tornar o Rei de toda a terra, quando, então, não haverá mais maldição (Zc 14:9-11). Será um dia inesquecível, dia conhecido como O DIA DO SENHOR! Não será dia nem noite, mas sucederá que no tempo da tarde haverá luz. “E acontecerá que, se alguma das famílias da terra não subir a Jerusalém, para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, não virá sobre ela a chuva” (Zc 14:17).

[Que turismo abençoado, ó Senhor!] Aqui reside o legítimo otimismo!

Capítulo 12

Malaquias, o Conferencista

I - Nome do autor - Nada se sabe a respeito da pessoa de Malaquias, fora do livro que leva o seu nome. Como ele foi o último profeta do Velho Testamento, a priori seria de esperar que fosse bem conhecido dos organizadores do Cânon. O fato, sem dúvida, de que o seu nome não é mencionado em outra parte do Velho Testamento, traz dúvidas a alguns estudiosos se Malaquias foi o nome pessoal do profeta. Contudo, a partir de Áquila, Simaco e Teodociano, no século 2 d.C., “Malaquias” tem sido geralmente considerado como um nome próprio. Nenhum dos outros profetas do Velho Testamento é anônimo.

Seu nome significa “meu mensageiro” e corresponde exatamente na forma à expressão “meu mensageiro” em Ml 3:1, comparando-se com Ml 2:7. A partir de um ponto de vista lingüístico, “Malakhi” pode ser razoavelmente considerado como uma abreviação de “Malakhiyah”, cujo significado é “mensageiro de Javé” (Ageu 1:13). Contudo, o nome “Malaquias” pode ter sido apenas um título ou um nome de guerra adotado pelo profeta, em vez do seu nome de nascimento, como se supõe, sendo apenas o nome de sua vocação ao ofício profético. Porque ele, mais do que outro profeta, deve ter sido um herói espiritual para atacar o sacerdócio como o fez. A significação do seu nome é, portanto, expressiva.

O título do seu livro é sugestivo. A frase com que é iniciado “Peso da palavra do Senhor” também se encontra em Zacarias 9:1 e 12:1 e em nenhuma outra parte, nesta exata forma, em todo do Velho Testamento. Por isso presume-se que seja enfático, mesmo que se trate da obra de um editor. A Septuaginta agrega “pela mão do seu mensageiro” e o Targum de Jonatan “pela mão do meu

anjo”. Jerônimo também designa o livro como sendo de Esdras. Certas tradições o atribuem a Zorobabel e Neemias. Outros, todavia, a Malaquias, a quem designam como tendo sido um levita e um membro da Grande Sinagoga.

Talvez por causa disso a melhor significação do nome “Malaquias” seja tomá-lo como um adjetivo equivalente à palavra “Angelicus”, cujo significado é “encarregado de uma missão ou mensagem, portanto um missionário (Comparar o nome Ageu que significa “Festo”). O nome resulta, assim, num título apropriado a alguém, cuja mensagem encerra, por assim dizer, o Cânon profético do Velho Testamento. Finalmente, a identidade do autor não é essencial para a autenticidade de sua mensagem. Em todo o caso, o escritor possuía uma personalidade forte e vigorosa.

II - O período do profeta - O livro guarda silêncio quanto à data de sua composição. Existem várias opiniões (assinalando-se a de Winckler, exatamente o período anterior ao surgimento dos Macabeus), porém, universalmente, se reconhece que o autor foi contemporâneo de Esdras e Neemias, tendo escrito, mais ou menos, em 458 ou 422 a.C. Sellin, sem dúvida, prefere datá-lo de mais ou menos 470 a.C. As condições sociais retratadas são, indiscutivelmente, do período persa. O Templo, que havia sido reedificado e consagrado em 516 a.C., estava de pé e a rotina dos sacrifícios havia continuado a realizar-se, por muito tempo. Evidentemente, os edomitas estavam no desterro, pois haviam sido expulsos de sua pátria, nas montanhas, pelos nabateus, pouco depois da queda de Jerusalém, em 586 a.C. Sérios abusos haviam acontecido na vida dos judeus. Os sacerdotes haviam se tornado relaxados e degenerados. Sacrifícios defeituosos eram oferecidos sobre o altar do Templo, com o povo se descuidando de entregar o dízimo. O divórcio era comum, o pacto com Javé fora olvidado e o povo havia se tornado céptico em relação à sua justiça, duvidando seriamente de sua adoção como povo especial de Javé. Eram estas, como sabemos, precisamente, as condições que prevaleciam, também, no tempo de Neemias (Neemias 3:5; 5:1-13).

Na opinião de muitos, sem dúvida, Malaquias não poderia ter profetizado enquanto Neemias oficiava como governador. Porque em Ml 1:8 ele dá a entender que dádivas poderiam ser oferecidas ao governador, enquanto Neemias nos diz que ele próprio deixara de exigir os tributos oficiais (Neemias 5:15-18). Contudo, como acertadamente observa Elmslie, “uma dádiva para conseguir o favor é uma coisa bem distinta e, além disso, a referência não é pessoal nem local, mas geral e puramente ilustrativa”. Os abusos atacados pelo profeta correspondem, sem dúvida, aos que Neemias procurou corrigir em sua segunda visita a Jerusalém, em 432 a.C. (Neemias 13:7 e seguintes).

O que Malaquias exorta o povo a lembrar-se era da Lei de Moisés, a qual foi lida publicamente por Esdras, no ano 444 a.C. e está em perfeito acordo com esta conclusão, apesar do fato de que alguns, baseando-se na alegada publicação tardia dessa lei, argumentam por uma data mais recente, anterior ao tempo de Esdras (458 a.C.). Outros, até mais sensatamente, atribuem a origem do livro ao período entre as visitas de Neemias a Jerusalém, em 445 e 432 a.C. Contudo, seja qual for a nossa conclusão quanto à exata posição do livro, ele assinala uma época significativa da história religiosa de Israel, durante o reinado de Artaxerxes, rei da Pérsia, o qual reinou de 465 a 425 a.C.

III O estilo do autor- A unidade do livrinho de Malaquias (com apenas 55 versos) não se disputa. Ele se contentou em escrever em prosa, mesmo sendo

raras vezes prosaico. A expressão “diz o Senhor do Exércitos” aparece 20 vezes. Seu Hebraico é puro e comparativamente livre de “aramaicismos”. É difícil dizer se alguma vez Malaquias pronunciou como sermões o conteúdo do seu livro. Em todo o caso, os elementos substanciais que o compõem estão estreitamente ligados entre si, sendo o livro a obra de um advogado legal e de um racionalista moral, que tinha um plano definido e detalhado para argumentar. Sem dúvida, o seu estilo é inferior ao de alguns dos profetas de antes do cativeiro, mas, na certa, ele possui um vigor e uma força raramente superados por eles. De vez em quando ele revela uma imaginação profética digna dos seus antecessores. Também nele há um ritmo e um paralelismo próprios (Ml 1:11;3:1,6,10; 4:1). Suas figuras são sempre castiças e belas (Ml 1:6;3:2-3;4:1-3).

O método literário de Malaquias era o dos escribas, fazendo e respondendo perguntas. A forma do seu livro nos mostra que no seu tempo já não havia paciência com os pregadores proféticos. Ele tem de recorrer ao argumento. Era o Sócrates hebreu. Seu estilo era novo entre os judeus. É conhecido como método didático - dialético. Primeiro ele faz uma carga de acusações. Logo imagina que alguém faça uma objeção, a qual ele, em seguida, se dispõe a refutar em seus detalhes, provando a verdade de sua proposição original.

Encontram-se em seu livrinho sete exemplos desse método peculiar de: a) afirmação, b) interrogação; c) refutação. E a expressão “Mas vós dizeis” aparece 8 vezes (Ml 1:2,6,7;2:14,17;3:7,8,13), por exemplo:

1. - “Eu vos tenho amado, diz o SENHOR. Mas vós dizeis: Em que nos tem amado? Não era Esaú irmão de Jacó? disse o SENHOR; todavia amei a Jacó, e odiei a Esaú; e fiz dos seus montes uma desolação, e dei a sua herança aos chacais do deserto”.

2. - “O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome? Ofereceis sobre o meu altar pão imundo, e dizeis: Em que te havemos profanado? Nisto que dizeis: A mesa do SENHOR é desprezível” (Ml 1:6,7).

3. - “Não temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que agimos aleivosamente cada um contra seu irmão, profanando a aliança de nossos pais? Judá tem sido desleal, e abominação se cometeu em Israel e em Jerusalém; porque Judá profanou o santuário do SENHOR, o qual ele ama, e se casou com a filha de deus estranho. O SENHOR destruirá das tendas de Jacó o homem que fizer isto, o que vela, e o que responde, e o que apresenta uma oferta ao SENHOR dos Exércitos. Ainda fazeis isto outra vez, cobrindo o altar do SENHOR de lágrimas, com choro e com gemidos; de sorte que ele não olha mais para a oferta, nem a aceitará com prazer da vossa mão. E dizeis: Por quê? Porque o SENHOR foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira, e a mulher da tua aliança. E não fez ele somente um, ainda que lhe sobrava o espírito? E por que somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade. Porque o SENHOR, o Deus de Israel diz que odeia o repúdio, e aquele que encobre a violência com a sua roupa, diz o SENHOR dos Exércitos; portanto guardai-vos em vosso espírito, e não sejais desleais” (Ml 2:10-16).

4. – “Enfadais ao SENHOR com vossas palavras; e ainda dizeis: Em que o enfadamos? Nisto que dizeis: Qualquer que faz o mal passa por bom aos olhos

do SENHOR, e desses é que ele se agrada, ou, onde está o Deus do juízo?” (Ml 2:17).

5. - “Desde os dias de vossos pais vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós, diz o SENHOR dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar?” (Ml 3:7). Aqui Malaquias não perde tempo em responder, por causa da falta de sinceridade na pergunta deles.

6. - “Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas”. (Ml 3:8)

7. – “As vossas palavras foram agressivas para mim, diz o SENHOR; mas vós dizeis: Que temos falado contra ti? Vós tendes dito: Inútil é servir a Deus; que nos aproveita termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em andar de luto diante do SENHOR dos Exércitos?” (Ml 3:13-14).

Esse estilo de controvérsia é peculiarmente característico de Malaquias. Ele mostra claramente a influência das escolas e está se encaminhando para o tribunal. Além disso, o seu uso de “ainda” (Ml 1:13 e 2:13) que equivale ao nosso “em primeiro lugar e “em segundo lugar”, é uma evidência adicional ao mesmo efeito. Sem dúvida, apesar da uniformidade mecânica sob a qual ele trabalha, e às abruptas transições que ele faz de um tema para outro, suas profecias são cheias de vigor e força, aplicando verdades antigas com uma originalidade e fervor singulares. Pode-se dizer que o seu livro é o mais argumentativo de todas as profecias do Velho Testamento.

IV - Conteúdo do livro - Malaquias começa com uma declaração clara e definida do tema principal do profeta, isto é, que Javé ainda ama Israel (Ml 1:2-5) e termina com uma palavra de fervorosa exortação para que o povo se recorde da Lei de Moisés (Ml 4:4-6). O corpo do livro é composto de duas extensas polêmicas:

1. - Contra os sacerdotes infiéis que se tornaram descuidados e indiferentes na realização dos cultos no santuário (Ml 1:6 a 2:9)

2. - Contra o povo infiel que começa a duvidar, tanto do amor como da providência de Deus (Ml 2:10 a 4:3). Há dois objetos especiais de sua censura: a maneira indigna com que se observava o culto, do que eram os sacerdotes mais culpados que os outros, e o de se separarem, sob frívolos pretextos, das mulheres judias para se casarem com mulheres pagãs. Por causa disso virá o juízo de Javé. À parte do título ou sobrescrito (Ml 1:1), o livro compreende naturalmente as sete divisões seguintes:

1. - Cap. 1:1-5 - Em que o profeta mostra que Javé ainda ama Israel, porque a sorte de Israel está em contraste muito acentuado à de Edom. Mesmo após ter sido desterrado, Israel foi trazido de volta do cativeiro, tendo sido disciplinado apenas temporariamente. Edom, ao contrário, foi permanentemente expulso de suas montanhas e nunca mais voltará, ficando desterrado irreparável e inexoravelmente.

2. - Caps 1:6 a 2:9 - Uma denúncia contra os sacerdotes e levitas, que se tornaram relaxados em seu ofício sacerdotal, indiferentes à lei, tendo olvidado o pacto com Javé. Seria melhor fechar as portas do Templo, exclama o profeta, do

que oferecer semelhantes sacrifícios de maneira tão indiferente. Malaquias prega o arrependimento com intensa seriedade.

3. - Cap. 2:10-16 - Uma severa repreensão ao povo pela sua crassa idolatria e pelo divórcio. Esta seção só pode ser interpretada como apenas metafórica, referindo-se ao abandono de Israel da religião de sua juventude. Ao contrário, é claro que o povo é repreendido por repudiar, literalmente, suas próprias mulheres judias, a fim de contrair matrimônio com as estrangeiras. Esses matrimônios, diz o profeta, não são apenas uma forma de idolatria, mas também uma violação do desejo de Javé de conservar a descendência digna do Senhor. (Ml 2:14-15).

4. - Caps. 2:17 a 3:6 - Um anúncio do juízo vindouro. Os homens haviam chegado a duvidar seriamente da existência de um Deus de justiça (Ml 2:17). O profeta responde com uma linguagem messiânica de grande significação, dizendo que o Senhor a quem o povo busca virá repentinamente em juízo, tanto para purificar os filhos de Levi como para libertar a terra dos pecadores em geral. Sem dúvida, pelo fato de que Javé não muda, os filhos de Jacó serão todos consumidos (Ml 3:6).

5. - Cap. 3:7-12 - No que o profeta se detém para dar outros exemplos dos pecados do povo é que este tem deixado de entregar os seus dízimos e ofertas. Por isso tem sofrido a seca, a locusta e a fome. Contudo, se voltarem a entregar pontualmente as suas ofertas, a terra se tornará “uma terra deleitosa”.

6. - Caps. 3:13 a 4:3 – Uma seção dirigida aos desconfiados da época do profeta. Em Ml 2:17, eles perguntam: “Onde está o Deus do juízo?” Agora eles murmuram: “Inútil é servir a Deus; que nos aproveita termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em andar de luto diante do SENHOR dos Exércitos?” Os maus prosperam, assim como os bons (Ml 3:14-15), porém o profeta contesta que Javé conhece os seus e tem um memorial diante dele em favor dos que o temem e dos que se lembram do seu Nome (Ml 3:16). É possível que nisso tenhamos o germe da sinagoga dos tempos posteriores. Porque, quando chegar o Dia do Juízo e os bons forem separados dos maus, os que tiveram praticado iniqüidade serão exterminados. Entrementes, sobre os que tiverem praticado a justiça e temido o nome de Javé, “nascerá o sol da justiça”, trazendo eterna cura em suas asas.

7. - Cap. 4:4-6 - Conclui com uma exortação a que se obedeça a Lei de Moisés, com a promessa de que o Profeta Elias virá para convocá-los ao arrependimento (visto como este nada pode fazer a não ser condenar). É uma confissão tácita da parte de Malaquias de que ele está para cessar o seu ofício.

V - Avaliação da mensagem de Malaquias - Sendo um ardente patriota, sua linguagem era, por conseguinte, clara e, ao mesmo tempo, exigente. O seu primeiro objetivo quando à própria época era o de animar um povo já desencorajado, o qual, como se presume, estava decepcionado porque as predições otimistas de Ageu e Zacarias sobre o reino messiânico não haviam se cumprido. Uma séria reação havia começado, com homens começando a duvidar da providência de Deus. Uma nova reforma se fazia necessária.

Por outro lado, o seu propósito espiritual foi o de preparar o caminho para a vinda do Messias. Para fazer isso, ele deu ênfase aos seguintes pontos principais:

1. - O verdadeiro valor do ritual (Ml 1:6 e seguintes). Tanto quanto Ageu Malaquias dá ênfase ao ritual - um ritual honesto, aborrecendo um ritual comprometido de meia sinceridade. Convoca o povo ao fervor religioso e insiste na pureza e sinceridade do culto público. Os profetas antigos haviam denunciado a estrita adesão ao ritual, quando este usurpava o lugar do culto espiritual e ético de Javé. Porém as circunstâncias haviam mudado nos tempos de Malaquias e foi necessário insistir na própria observância da lei cerimonial. Para ele também a lei cerimonial não tinha valor em si mesma, a não ser quando expressava devoção, reverência e obediência. O mero ritual era pior do que qualquer culto e melhor do que as portas do Templo ficarem fechadas: “Quem há também entre vós que feche as portas por nada, e não acenda debalde o fogo do meu altar? Eu não tenho prazer em vós, diz o SENHOR dos Exércitos, nem aceitarei oferta da vossa mão. Mas desde o nascente do sol até ao poente é grande entre os gentios o meu nome; e em todo o lugar se oferecerá ao meu nome incenso, e uma oferta pura; porque o meu nome é grande entre os gentios, diz o SENHOR dos Exércitos”. (Ml 1:10-11).

Esta passagem se interpreta com freqüência como um reconhecimento da parte de Malaquias da sociedade religiosa dos gentios e como um tributo ao verdadeiro e melhor da religião pagã. Driver, por exemplo, usa isso como um texto ao pregar “A Religião Comparada”. Otley também crê que ele indica uma forma de devoção pagã, a qual Javé se inclina a aceitar. Porém a expressão “Meu Nome” usada três vezes no versículo faz com que essa interpretação seja altamente improvável. O ponto de vista de Malaquias é de preferência este: os judeus da dispersão além dos limites da Palestina, espalhados em todas as partes do mundo pagão, onde quer que existam colônias judaicas, (nessa época havia uma em Elefantina, no Alto Egito), trazem sacrifícios a Javé, os quais, como expressão de culto honesto, envergonham o culto de meia sinceridade e de nenhum valor dos sacerdotes indiferentes de Jerusalém. Como observa J. M. P. Smith: “É muito evidente que o autor desta profecia havia participado das opiniões dos colonos quanto à legitimidade do culto sacrifical em solo estrangeiro e tenha pensado, ao escrever, em santuários tais como o de Elefantina”. Malaquias não era um mero formalista.

2. - O crime do divórcio - (Ml 2:10 e seguintes) - Para ele o divórcio sem razão era um pecado contra o amor de Javé e um crime contra a fraternidade humana. Ele significava uma violência ao pacto sagrado com Deus, envolvendo a idolatria. Era uma traição à mulher de sua mocidade, destinada ao fracasso, por destruir a santidade do lar e o propósito divino de ser assegurada uma “descendência para Deus”. O ápice do argumento do profeta se encontra em Ml 2:15: “E não fez ele somente um, ainda que lhe sobrava o espírito? E por que somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade”. Nesse caso, Malaquias era um cristão em matéria de divórcio. Ninguém disse uma palavra mais elevada nesse sentido, além do próprio Senhor Jesus Cristo.

3. - A Vinda do Messias e o seu Reino - (Ml 3:1 e seguintes) - O ensino messiânico de Malaquias é muito resumido. O estabelecimento do Reino de Deus será precedido pelo Dia do Senhor, ocasião de purificar a refinar. O próprio Senhor vai inaugurá-lo: “EIS que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim; e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; e o mensageiro da aliança, a quem vós desejais, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).

Esse notável anúncio messiânico foi causado pelas dúvidas do povo - se Javé ainda era um Deus de justiça (Ml 2:17). O profeta lhe apresenta uma nova “teodicéia”, a qual não chega a ser nova, visto como Isaías já havia ensinado a doutrina do “remanescente fiel”. O Dia do Senhor de Joel foi adiado, dilação completamente devida ao amor de Javé. Ele ainda se dignará de enviar Elias, o grande advogado da decisão religiosa, a fim de sanar as dissensões na nação, antes que venha Aquele que é grande e terrível (Ml 4:6). A garantia aqui oferecida - de que estava para surgir uma Idade Áurea - deve ter animado sobremodo os decaídos e a fé vacilante do povo judeu.

Malaquias acreditava muito firmemente que em seu devido tempo viria o Libertador Divino. Por isso ele insiste veementemente com o povo para que este creia em seu próprio futuro. O caráter especial das passagens de Ml 3:14 e 4:2 é formoso.

4. - A disciplina eterna da lei - (Ml 4:4-6) - Finalmente Malaquias dá ênfase à necessidade da guarda da Lei de Moisés. Antes ele havia repreendido os sacerdotes em sua profecia, os quais eram guardiões e expositores da lei, por haver observado como muitos tropeçaram (Ml 2:7-8). Também havia admoestado o povo, dizendo-lhe que a obediência à lei é o único meio seguro de se alcançar a bênção, afirmando, com ênfase quase dramática, que a razão da maldição trazida à nação fora que o povo havia esquecido de guardar a lei (Ml 2:17; 3:12). É mais que evidente que o povo já começava a sentir o efeito de sua familiaridade mais íntima com as nações que estavam ao redor. Cada dia ele observava mais os antigos ritos e crenças. Malaquias contrabalançava essa tendência, examinando a Lei de Moisés, que havia sido a verdadeira causa da fortaleza nacional. Ele não era um criador, mas sabia como conservar a herança espiritual do passado. Entender a lei é fácil. Apreciá-la é uma tarefa bem mais difícil. Malaquias pensava, assim como o próprio Cristo, que nem um jota nem um til deveria ser esquecido.

“The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson

Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926

Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004

Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida

por que somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade”. Nesse caso, Malaquias era um cristão em matéria de divórcio. Ninguém disse uma palavra mais elevada nesse sentido, além do próprio Senhor Jesus Cristo.

3. - A Vinda do Messias e o seu Reino - (Ml 3:1 e seguintes) - O ensino messiânico de Malaquias é muito resumido. O estabelecimento do Reino de Deus será precedido pelo Dia do Senhor, ocasião de purificar a refinar. O próprio Senhor vai inaugurá-lo: “EIS que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim; e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; e o mensageiro da aliança, a quem vós desejais, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).

Esse notável anúncio messiânico foi causado pelas dúvidas do povo - se Javé ainda era um Deus de justiça (Ml 2:17). O profeta lhe apresenta uma nova “teodicéia”, a qual não chega a ser nova, visto como Isaías já havia ensinado a doutrina do “remanescente fiel”. O Dia do Senhor de Joel foi adiado, dilação completamente devida ao amor de Javé. Ele ainda se dignará de enviar Elias, o grande advogado da decisão religiosa, a fim de sanar as dissensões na nação, antes que venha Aquele que é grande e terrível (Ml 4:6). A garantia aqui oferecida - de que estava para surgir uma Idade Áurea - deve ter animado sobremodo os decaídos e a fé vacilante do povo judeu.

Malaquias acreditava muito firmemente que em seu devido tempo viria o Libertador Divino. Por isso ele insiste veementemente com o povo para que este creia em seu próprio futuro. O caráter especial das passagens de Ml 3:14 e 4:2 é formoso.

4. - A disciplina eterna da lei - (Ml 4:4-6) - Finalmente Malaquias dá ênfase à necessidade da guarda da Lei de Moisés. Antes ele havia repreendido os sacerdotes em sua profecia, os quais eram guardiões e expositores da lei, por haver observado como muitos tropeçaram (Ml 2:7-8). Também havia admoestado o povo, dizendo-lhe que a obediência à lei é o único meio seguro de se alcançar a bênção, afirmando, com ênfase quase dramática, que a razão da maldição trazida à nação fora que o povo havia esquecido de guardar a lei (Ml 2:17; 3:12). É mais que evidente que o povo já começava a sentir o efeito de sua familiaridade mais íntima com as nações que estavam ao redor. Cada dia ele observava mais os antigos ritos e crenças. Malaquias contrabalançava essa tendência, examinando a Lei de Moisés, que havia sido a verdadeira causa da fortaleza nacional. Ele não era um criador, mas sabia como conservar a herança espiritual do passado. Entender a lei é fácil. Apreciá-la é uma tarefa bem mais difícil. Malaquias pensava, assim como o próprio Cristo, que nem um jota nem um til deveria ser esquecido.

“The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson

Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926

Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004

Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida