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1
ALINE VIRGÍNIA SANTOS
OS EFEITOS DE SENTIDOS NOS DIZERES DE
PROFESSORES SOTEROPOLITANOS SOBRE A LEI
10.639/03
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudo de Linguagens – PPGEL, Linha Linguagens, Discurso e
Sociedade, Área de Concentração Análise do Discurso,
vinculado ao Departamento de Ciências Humanas- DCH,
Campus I, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como
avaliação parcial para obtenção do título de Mestre em
Linguagens.
Orientador: Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral
Salvador
2012
2
OS EFEITOS DE SENTIDOS NOS DIZERES DE
PROFESSORES SOTEROPOLITANOS SOBRE A LEI
10.639/03
FOLHA DE APROVAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudo de Linguagens – PPGEL, Linha Linguagens, Discurso e
Sociedade, Área de Concentração Análise do Discurso,
vinculado ao Departamento de Ciências Humanas- DCH,
Campus I, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como
avaliação parcial para obtenção do título de Mestre em
Linguagens.
APROVADA EM: _______ de dezembro de 2012.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Professor Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral (orientador) - UNEB
_______________________________________________________
Professor Dr. João Antônio de Santana Neto
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
_______________________________________________________
Professora Dra. Palmira Virgínia Bahia Heine - UFBA
Salvador
2012
3
À minha mãe e à minha avó, com muito
amor. Vocês são a razão da minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, por seu amor infinito e incondicional de Pai; por me conduzir zelosamente às minhas
grandes realizações e conquistas.
À minha mãe, D. Elena, e à minha vó, D. Santinha, por me ensinarem sobre a vida com amor
e carinho, por me ensinarem (desde a tenra idade) que os estudos é o melhor caminho; por
todo esforço que fizeram e dedicação para que eu tivesse uma vida confortável e feliz. A elas
tudo devo. A elas dedico tudo que sou e tudo que conquistei. Muito obrigada, meus amores.
Ao meu professor e orientador, Gilberto, pela paciência, pela extrema compreensão e
dedicação durante o processo de produção deste trabalho.
Aos meus professores inesquecíveis de graduação: Adelaide Augusta, Norma Lopes, Rosa
Helena, João Santana e Rosa Borges; por terem contribuído em minha formação profissional e
pessoal.
Às minhas tias que amo muito, Célia, Edna e Sônia, por sempre acreditarem em meu
potencial e me incetivarem nos estudos; e aos meus tios, Paulo e Henrique, in memorian, por
terem me amado como filha e por me ensinarem a sonhar e realizar os sonhos, enfim, por me
ensinarem que tudo é possível quando se tem esforço e determinação.
Aos amigos George Velame, Antônio Carlos Sobrinho e Rafaela Elisa, por me ajudarem,
sempre tão carinhosamnete nos momentos de dificuldades, no processo de produção desta
pesquisa.
Aos amigos queridos: Carol, Dijane, Maria da Purificação, Meire, Jeane, João,
Mardônio,Vanessa, Maicon, Bárbara Valente, Henrique, Bárbara Catarina, Sheila, Jô Rosa e
Conceição que compartilham do meu dia a dia e que tanto me deram incentivo e ânimo para
desenvolver mais este projeto em minha vida. A Danilo e Camila do PPGEL, pela paciência e
tratamento sempre cordial e solícito durante esses anos de mestrado.
Às minhas amigas confidentes: Lisandra e Vanessa, pela paciência e amizade verdadeiras.
A George Nery, meu namorado, sempre paciente, carinhoso e atento às minhas necessidades.
5
“Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de
uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades
humanas e não há homens isolados (...). Se a vocação ontológica do homem é a de
ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre
suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto
mais for levado a refletir sobre situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-
temporal, mais ‘emergerá’ dela conscientemente “carregado” de compromisso com
sua realidade, da qual, porque é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve
intervir cada vez mais” (Paulo Freire, 1979, p. 61).
6
RESUMO
Nesta dissertação, foram analisados, na perspectiva teórica da Análise de Discurso de linha
francesa de Michel Pêcheux, os dizeres de dez professores, por meio de entrevistas gravadas e
escritas, sobre a lei 10.639/03 da rede pública e privada de Salvador. A referida lei propõe o
ensino da cultura afro-brasileira nas instituições de ensino do país, e nesta pesquisa buscaram-
se esclarecimentos sobre as práticas pedagógicas dos professores, na perspectiva da lei, por
meio das suas materialidades discursivas. Para tanto, conceitos como formação ideológica e
formação discursiva, bem como o sujeito e sua interpelação ideológica e constituição de
imagem e identidades foram utilizados. Este trabalho poderá acrescentar à academia dados e
informações relevantes nas diferentes áreas como a Pedagogia e a Linguística, bem como
enriquecer as discussões a cerca da educação e os valores culturais através dela estabelecidos
e difundidos, os quais são transmitidos principalmente através dos dizeres de educadores, pois
é certo que o debate acadêmico reflete na formação de profissionais da educação, que levarão
o que aprenderem as suas salas de aula.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso. Professores. Lei 10.639/03.
7
ABSTRACT
The aim of this dissertation was to analyze what ten teachers had to say about the application
of bill 10.639/03 in their classrooms in both public and private schools in Salvador. The bill
determines the teaching of Brazilian Afro culture as part of the curriculum in all schools and
at all levels. Interviews were used to collect data and were analyzed according to the
principles of Pecheux’s discourse analysis theory. This research was designed to identify and
clarify teaching practices within the principles of the bill through teachers’ discourse.
Concepts such as ideological and discursive formation, the subject and his ideological
interpellation, image and identity were used in the analysis. The results presented here may
contribute with relevant data and information in areas such as Pedagogy and Linguistics as
well as enrich discussion in Education since the academic debate reflects upon the education
of teachers who will take what they learn to their classrooms.
Kew Words: Discourse Analysis. Teachers. Law 10.639/03.
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AD Análise do Discurso
DP Discurso Pedagógico
FNB Frente Negra do Brasil
FD Formação Discursiva
FI Formação ideológica
TEN Teatro Experimental Negro
9
SUMÁRIO
RESUMO 6
ABSTRACT 7
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES 8
1 INTRODUÇÃO 11
2 REVISITANDO A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO 18
2.1 O NEGRO NO BRASIL 24
2.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO 29
2.2.1 Mestiçagem: conceitos e teorias 32
2.2.2 Mestiçagem e o mito da democracia racial no Brasil 35
2.2.3 O Movimento Negro, as Ações Afirmativas no Brasil e a Lei 10.639/03 46
3 AS IMAGENS DO PROFESSOR 59
4 OS EFEITOS DE SENTIDOS SOBRE A LEI 10.639/03 78
4.1 OS SILÊNCIOS 91
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 97
REFERÊNCIAS 101
APÊNDICE A -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante I 106
APÊNDICE B -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante II 107
APÊNDICE C -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante III 108
APÊNDICE D -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IV 109
APÊNDICE E -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante V 110
APÊNDICE F -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VI 111
APÊNDICE G -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VII 112
APÊNDICE H -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VIII 113
APÊNDICE I -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IX 114
APÊNDICE J -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante X 115
APÊNDICE K - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante I
116
APÊNDICE L - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante II
117
APÊNDICE M - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - 118
10
Informante III
APÊNDICE N - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante IV
119
APÊNDICE O - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante V
120
APÊNDICE P - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante VI
121
APÊNDICE Q - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante VII
123
APÊNDICE R - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante VIII
124
APÊNDICE S - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante IX
125
APÊNDICE T - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -
Informante X
126
11
1 INTRODUÇÃO
Após séculos de prevalecência da ideologia de inferioridade dos negros e mestiços
no Brasil, já é possível ver mudanças do ponto de vista ideológico e comportamental na
sociedade a esse respeito. A atuação dos movimentos negros durante décadas e a
implementação de leis a partir do governo do presidente Luís Inácio da Silva acabaram por
contribuir para a formação de uma nova ideologia no que tange à valorização da cultura afro-
brasileira e à participação do povo negro na construção do arcabouço cultural do país.
Uma das propostas implementadas com esse propósito foi a Lei 10.639/2003 que
entrou em vigor em 9 de janeiro de 2003, que, desde então, obriga as instituições de ensino
regular brasileiras a ensinarem, em seus diferentes níveis, a cultura afro-brasileira e a história
da África. É dentro desse particular que este trabalho se configura. Dessa forma, considerando
como aporte referencial o Artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação no
Brasil, o qual rege o seguinte:
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e
de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de
2003).
Ao se considerar o que diz a lei, algumas questões podem ser levantadas: quais têm
sido os dizeres dos professores e os efeitos de sentidos que seus dizeres provocam diante das
questões raciais no Brasil? Se a ideologia se manifesta nos discursos através da língua, quais
são os dizeres dos educadores a respeito das leis de reparação em favor dos negros?
O que ainda é perceptível é uma resistência ou quase necessidade latente de muitos
educadores não mencionarem em sala de aula o que a lei 10.639/03 determina e propõe; o
silêncio e/ou a manifestação de preconceitos sobre os grupos étnicos, como negros, índios e
mestiços, bem como sobre as suas respectivas contribuições têm sido a opção de muitos
desses profissionais. Tentar compreender o que motiva esse silêncio e/ou demonstrações
explícitas de intolerância cultural e preconceito, como também a falta de desejo de descobrir e
de ensinar sobre a identidade cultural de matriz africana, em especial por causa da lei, através
12
dos dizeres dos docentes, foi o motivo pelo qual surgiu o interesse em desenvolver esta
pesquisa.
Analisar os dizeres dos professores sob o viés da Análise de Discurso pecheutiana
possibilitará considerar a relação sujeito-história e a constituição de seus dizeres,
considerando as ideologias apreendidas, materializadas e transmitidas por meio dos discursos.
De acordo com Orlandi (2009), o sujeito do discurso se constitui na e pela linguagem, e nela
as ideologias se materializam e são externalizadas. Para essa autora, não há sujeito sem
ideologia. A ideologia e o inconsciente estão materialmente ligados, sendo aquela
materializada no discurso, que, por sua vez, é realizado pela linguagem em forma de texto.
Os dizeres analisados podem revelar qual tem sido o papel do educador
soteropolitano no exercício da lei e de sua prática docente. Independentemente dos resultados
obtidos, neste trabalho propõe-se, principalmente, uma análise das materialidaes discursivas
de educadores e consequentemente a reflexão sobre a lei 10.639/03 e a valorização de
diferentes grupos etnicos que compõem a sociedade brasileira.
A pluralidade cultural está presente no cotidiano brasileiro, e é possível notar isso
nas diferentes formas de manifestação do povo através de danças, músicas, língua, entre
outras. É importante lembrar que essa diversidade cultural e étnica no contexto educacional
não pode ser ensinada de forma folclorizada, de maneira que se desvalorizem as diferenças
existentes no Brasil.
Nesse sentido, a educação torna-se extremamente importante para uma sociedade, na
medida em que possibilita aos indivíduos a compreensão necessária à valorização das
diferenças, percebendo estes a sua complexidade; do contrário, o entendimento delas tornar-
se-á difícil e acabará culminando em preconceitos.
Segundo Freire (2005), nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão
sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das
sociedades humanas e não há homens isolados. Em um país como o Brasil, é necessário que o
processo de construção e significação das diversidades sociais seja bem compreendido, e isso
se dá quando há o reconhecimento positivo da pluralidade cultural, ao passo que se valorizem
também as singularidades de cada cultura.
O Brasil é inegavelmente um país com imensurável influência da cultura africana,
introduzida no período colonial, quando os negros africanos eram trazidos e aqui
escravizados. Hoje é impossível educar cidadãos brasileiros sem levar em consideração a
cultura desse povo. O homem tem a vocação de ser sujeito e não objeto, e só poderá
13
desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-
se nelas de maneira crítica (FREIRE, 2005).
Diante de uma cultura tão heterogênea, a escola ainda permanece seguindo uma
proposta universalista, eurocêntrica ou etnocêntrica no Brasil. Tal conduta não é coerente com
uma sociedade multicultural, e escolher algumas poucas culturas para privilegiar e adotar
como padrão de ensino é, no mínimo, preconceito em alto grau.
Em um país composto por grande parte de afro-descendentes, requerer a autoestima
dos mesmos quando se tem uma educação que não promove sua identificação é contraditório.
É exatamente nesta contradição que tem emergido o conflito gerador da busca pela
identidade. Como aponta Mercer (apud HALL, 2006), “a identidade somente se torna uma
questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é
deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza”.
A instituição escolar está construída sobre a afirmação da igualdade, segundo
Candau (2002), enfatizando a base cultural comum a que todos os cidadãos e cidadãs
deveriam ter acesso e colaborar para a sua permanente construção. Articular igualdade e
diferença à base cultural comum e expressões da pluralidade social e cultural constitui hoje
um grande desafio para todos os educadores, e não é o que acontece, aparentemente, na
prática nas salas de aula de Salvador.
Para promover os direitos dos negros em diferentes áreas sociais, o movimento negro
trouxe à tona medidas que visavam e visam à promoção, ao longo dos últimos 40 anos, da
igualdade e de seus direitos.
O termo dado ao conjunto de medidas que objetivam minorar os problemas sociais
dos negros é ação afirmativa. A expressão teve origem nos Estados Unidos, nos anos 60,
período no qual os norteamericanos reivindicavam a democracia interna cuja bandeira
principal era a igualdade de oportunidades a todos. Esse movimento assumiu formas através
das principais áreas de atuação social, como: o mercado de trabalho (com a contratação,
qualificação e promoção de funcionários); o sistema educacional (especialmente o ensino
superior); a representação política; além, é claro, do sistema de cotas, que estabelece um
determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por grupos definidos.
O modernismo político, segundo Habermans (1998), acostumou a sociedade a tratar
igualmente seres desiguais, em vez de tratá-los de modo desigual. Daí a justificativa de uma
política preferencial no sentido de uma discriminação positiva; é nesse contexto que se
ressalta a importância da implementação de políticas de ação afirmativa, entre as quais a
experiência das cotas, que, pelas vivências de outros países tais como Índia, Canadá e
14
Austrália, afirmou-se como um instrumento veloz de transformação, sobretudo, no domínio
da mobilidade socioeconômica.
No Brasil, o movimento negro, enquanto instituição socialmente organizada, é
atuante desde o período da ditadura militar; no entanto, faz-se importante lembrar que, em seu
sentido mais amplo, tal movimento existe desde o início da colonização do Brasil. Com a
redemocratização, alguns movimentos sociais passaram a exigir uma postura mais ativa do
poder público diante das questões de gênero, etnia e adoção de medidas específicas para sua
solução através das ações afirmativas.
Em 1980, houve a primeira formulação de um projeto de lei nesse sentido quando o
deputado Abdias Nascimento propôs uma ação compensatória, que estabelecia medidas de
compensação para os afro-brasileiros; no entanto, esse projeto não foi implantado, sequer
aprovado no congresso, mas as lutas continuaram.
Em 2003, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou a lei 10.639, uma
proposta multicultural de ensino que propõe a valorização de uma cultura, até então, colocada
à margem da educação brasileira. Segundo Candau (2002), uma ação docente
multiculturalmente orientada requer uma postura que supere o daltonismo cultural1
frequentemente presente nas escolas. É necessária também uma abordagem que valorize e
leve em consideração a riqueza promovida pela existência de diferentes culturas no ambiente
escolar. Especialistas em educação multicultural têm proposto estratégias pedagógicas que
permitem lidar com essa heterogeneidade.
De acordo com MCCarthy (1998), é essencial que o educador esteja situado na
prática pedagógica multicultural, além de possuir uma visão das culturas como algo
interrelacionado e procurar facilitar a compreensão do mundo pelo olhar do subalternizado.
Para o currículo, trata-se de desestabilizar o modo como o outro é mobilizado e representado.
Segundo esse autor, o olhar de poder, as suas normas e os seus pressupostos ainda precisam
ser desconstruídos diante de uma nova sociedade que já se configurou multiculturalmente.
A resistência da escola soteropolitana em educar numa perspectiva multicultural
pode ser observada nos dizeres (analisados) dos educadores acerca dos negros,
afrodescendentes, de sua história e de sua cultura. Na terceira seção deste trabalho, constata-
se que o saber discursivo sobre preconceito racial foi constituído ao longo da história do
1 A autora não define de forma específica o significado de daltonismo cultural, no entanto, pode-se interpretar tal
conceito a partir de sua proposta a qual versa sobre a valorização das diferentes culturas no ambiente escolar, que
até então têm sido vistas de forma nebulosa ou equivocada.
15
Brasil, dizeres foram produzidos e possibilitados aos sujeitos da sociedade brasileira pela
memória (ORLANDI, 2009).
Os resquícios desses discursos escravistas ainda circulam e fazem eco na sociedade
de hoje. Uma espécie de memória, e por que não dizer discursiva (Interdiscurso) dolorosa e
preconceituosa, a respeito da comunidade negra do Brasil. Através da lei 10.639-03, os
educadores têm em mãos a oportunidade de tratar positivamente das questões referentes aos
negros que estão, em grande parte, dentre os mais alijados do processo social brasileiro.
A maneira como os educandos adquirem e apreendem os saberes e como os
educadores mediam o conhecimento a respeito da cultura afro-brasileira têm relação direta
com suas experiências sociais – meio familiar e escolar e diferentes relações sociais
estabelecidas ao longo de sua formação –, com o contexto sócio-histórico em que estão
inseridos, nas suas memórias e na sua historicidade, e tudo isso é refletido em seus dizeres. De
acordo com o que explicitam os teóricos da A.D acerca da constituição do discurso e das
condições de sua produção e o que foi verificado nas análises das materialidades discursivas
dos professores, pode-se afirmar que muitos deles, hoje, diante da determinação da lei
10.639/03, têm resistido à implantação da temática negra, devido ao passado de escravidão do
Brasil.
Era e ainda é comum, nas escolas, o ensino da cultura negra a partir da ênfase nos
castigos corporais, na humilhação da escravidão e na religião – o candomblé – de maneira
folclorizada e depreciativa. Agindo desta forma, pode, ao longo do tempo, ocorrer o
esvaziamento da proposta inicial da lei 10.630/03, que é o de fazer com que a população
brasileira conheça a história do Brasil que não foi contada, que foi ocultada pela classe
dominante durante séculos de dominação econômica e cultural. Através das suas falas, o
professor pode promover outro processo de desvalorização de culturas, principalmente se ele
for movido por emoções ou pelo senso comum.
O professor, que hoje tem o desafio de levar os debates sociais para a sala de aula, é
interpelado por ideologias ao longo de sua história enquanto indivíduo social através do
assujeitamento à língua e, para conseguir remover de suas crenças os obstáculos impostos
pelas forças ideológicas de cunho racista e poder ser agente de transformação social através
da educação, precisa romper com tradições e propor novas ideias, novas discursividades.
Essas discursividades precisam ser capazes de atingir as bases populares e convencê-
las de que, sem adesão às novas propostas de abordagens educacionais e culturais, elas serão
sempre vítimas fáceis da classe dominante e de suas ideologias perpetuadoras de preconceitos.
16
Para Pêcheux (1997), a ideologia tem materialidade no discurso, assim, ao se analisar
a relação da ideologia com o discurso, é preciso se reportar a dois conceitos tradicionais da
análise de discurso: o de formação ideológica; e o de formação discursiva – “a região do
materialismo histórico que interessa ao estudo do discurso é a da superestrutura ideológica
(formação ideológica) ligada ao modo de sua produção dominante na formação social
considerada (formação discursiva)”.
Compreende-se que o ensino da história africana não se restringe exclusivamente à
história em si como mais uma disciplina. É preciso que a lei 10.639/03 não seja executada
como a maioria das leis no Brasil que, ao saírem do papel, ou são aplicadas de maneira
equivocada ou são esquecidas após o modismo provocado por elas. Não é interessante ver
uma conquista, como foi a aprovação e a validação da lei, ser tratada como uma bandeira
política apenas em períodos eleitorais ou como uma maneira de acalmar o movimento negro,
ou melhor, mantê-lo quieto por algum tempo diante de uma suposta vitória legalmente
reconhecida.
A lei 10.639/03 não deve ser esquecida, não deve ser preterida. É importante que os
educadores apostem na possibilidade e perspectivas emanadas por essa nova proposta de
ensino; que pensem na viabilidade de se estabelecer marcos de reflexão na educação escolar
brasileira e assim possam ser construídas novas ideologias, sepultando as antigas que tanto
mal fizeram no processo de identificação etnico-cultural brasileiro.
Visa-se a uma educação voltada para as relações étnico-raciais e para o ensino de
história e cultura afro-brasileiras, e que ela possa promover a igualdade entre as pessoas, e não
a sua discriminação. Almeja-se um futuro em que os negros possam participar efetivamente
em condições de igualdade de acesso às universidades, aos cargos e às funções em diversos
setores da sociedade.
A fim de identificar as ideologias que dominam os discursos de educadores da cidade
de Salvador, são utilizados nesta pesquisa os dispositivos teóricos e metodológicos da Análise
de Discurso de linha francesa. A teoria é aplicada às entrevistas de dez professores – cinco de
escolas públicas e cinco de escolas privadas de Salvador. Esses entrevistados lecionam a
disciplina de Língua Portuguesa há pelo menos sete anos, período estimado após a
promulgação da lei 10.639/03. Os depoimentos foram colhidos por meio de entrevistas
escritas e orais (gravadas), devidamente analisadas no capítulo referente aos efeitos de
sentido.
Alguns conceitos da AD (Análise de Discurso), como: condições de produção,
ideologia, formações ideológicas, formações discursivas e o sujeito discursivo estão presentes
17
na composição da seção dedicada às discussões teóricas. A teoria de Pêcheux possibilitará que
seja unido o desejo de entender o silêncio e como os professores têm aplicado a lei 10.639/03
ao anseio por uma reflexão posterior à pesquisa, permitindo a compreensão do preconceito
manifestado por muitos educadores através da análise de seus dizeres/discursos sobre a
referida lei. Por meio dos resultados das análises, será possível vislumbrar uma educação que
possibilite contribuições de diferentes grupos culturais na construção de uma identidade
nacional e cultural; um sistema educacional cujo enfoque seja a redução dos preconceitos e a
busca pela igualdade de oportunidades educacionais e de justiça social para todos.
Portanto, faz-se pertinente a aplicação desta teoria ao objeto proposto uma vez que o
discurso do educador reflete a ideologia da sociedade que o circunda de maneira que seus
discursos a materializem.
É um projeto de análise qualitativa, cujos dispositivos teórico-metodológicos têm
fundamento na AD e o objeto de análise são os dizeres de dez professores, das redes particular
e pública de Salvador, adquiridos por meio de entrevistas escritas e orais (gravadas), a fim de
identificar as ideologias que dominam os discursos desses educadores.
Este trabalho está estruturado a partir de três seções assim intituladas: Revisitando a
história; As imagens do professor; Os Efeitos de Sentido; Considerações Finais; Referências;
Apêndices e Anexos.
A seção Revisitando a história apresentará um histórico sobre a diáspora negra no
Brasil e o surgimento dos discursos de ideologia racista, como o mito da igualdade racial e os
conceitos de mestiçagem no mundo, no Brasil, sendo ainda feito um breve histórico sobre os
movimentos negros no Brasil e como sua atuação contribuiu para o surgimento da lei
10.639/03.
A seção As imagens do professor trata dos conceitos de identidade e da formação das
imagens contruídas dos professores por meio das ideologias dominantes presentes na
sociedade.
A seção Os efeitos de sentidos sobre a lei 10.639/03 traz as análises das entrevistas
dos informantes pelo viés da Análise de Discurso de linha fancesa, na perspectica teórica de
Michel Pêcheux e uma reflexão, na sub-seção Os Silêncios, acerca do silêncio dos professores
sobre a lei 10.639/03 sob a luz da teoria norteadora deste trabalho.
18
2 REVISITANDO A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO
A escravidão é um regime social definido pela lei e pelos costumes de um
determinado grupo como a forma mais absolutamente involuntária de servidão humana.
Neste sentido, Moura (1981) afirma que o trabalho ou os serviços de um escravo são obtidos
pela força, e a pessoa física é considerada propriedade de seu dono, o qual dispõe de sua vida.
Segundo Van Dijk (2008), a escravidão dos negros durou cerca de trezentos anos, e o
Brasil foi a última nação a abolir o regime de trabalho baseado em escravizados africanos. A
colonização portuguesa trouxe, além dos negros cativos, o mito da supremacia da Europa
sobre a África para o Brasil. Em terras brasileiras, a partir da segunda metade do século XVI,
os europeus recorreram ao sistema escravista. Mas, antes da chegada dos negros, os índios
foram a mão de obra utilizada, sendo, então, destituídos de sua cultura, da liberdade e
submetidos animalescamente ao trabalho. Os aborígenes, no entanto, eram conhecedores do
território e resistiram à escravidão – tanto quanto os negros – fugindo e escondendo-se nas
matas brasileiras.
A resistência dos indígenas teve consequências favoráveis à vinda dos negros para o
Brasil, pois, de acordo com Munanga (2006), o extermínio em massa dos autóctones
brasileiros teria justificado a busca de escravos em território africano para que estes fizessem
o que aqueles não se dispuderam fazer.
No século XVI, os portugueses tiveram como objetivo a exploração do cultivo da
cana de açúcar, após descobrir o quão lucrativo seria explorar o solo de massapê característico
do nordeste brasileiro com esse cultivo, fazendo dessa atividade, associada à escravidão dos
negros, o meio de tirar maior proveito do Brasil.
Essa substituição do trabalhador escravizado gestou um discurso, posteriormente,
aproveitado pelos literatos românticos acerca da não-submissão indígena – discurso que,
ainda hoje, tem força na sociedade. Sintomático, pois, que seja comum encontrar, em livros
didáticos de história do Brasil, afirmações como a que se pode observar a seguir:
O índio, acostumado com a liberdade, recusou-se ao trabalho escravo, o que obrigou
o colonizador português a ir buscar essa mão de obra escrava no continente africano,
onde os negros, acostumados com a escravidão já existente em sua terra, não se
importavam com sua sorte (MUNANGA, 2006, p. 22).
19
Esse autor, ao parafrasear o discurso reproduzido pela literatura histórica, acrescenta
que o mesmo livrava os brancos da culpa e da lembrança “das atrocidades cometidas no
passado ao transferir esta responsabilidade aos reis e príncipes africanos” (MUNANGA,
2006).
Esse autor ainda afirma que o conceito de escravidão na África tem pouco a ver
daquele aplicado ao Brasil. Conclui tal autor que enunciados como esses fizeram com que o
discurso sobre a aceitação e a passividade do negro diante da escravidão virasse uma das
verdades instituídas pelos portugueses para justificar o sistema escravista.
De um lado posicionam-se historiadores, sociólogos, antropólogos e economistas que
tentavam e tentam, ainda hoje, descrever o escravo como um instrumento passivo diante do
domínio dos senhores de escravos brancos. De outro, segundo Orlandi (2003, p. 59):
Contrapõe-se a abordagem do negro como agente ativo que se rebela contra o
escravismo. Destruir, portanto, a perspectiva histórica de que os escravos não
lutaram contra o cativeiro é o mote fundamental deste discurso de reação. Neste
plano, a estratégia é transformar em mito a passividade do negro e estabelecer a
resistência e o atavismo dos escravos como a verdade histórica.
Em considerações sobre discursos fundadores, Orlandi (2003, p. 7) afirma que estes
são instituídos “em relação à história de um país e funcionam como referência básica no
imaginário constitutivo desse país”. Várias são as maneiras com as quais se podem instituir
verdades. No Brasil, muitos foram os mitos criados pelos brancos com o propósito de manter
o status da raça branca e justificar a colonização e seus mecanismos de dominação escravista.
Ao se analisar a relação antonímica existente entre o mito da passividade do negro e
o da subversão e insubordinação indígena, devem-se levar em consideração vários elementos,
pois a questão não é simples e não deve ser abordada de maneira tão superficial como tem
sido.
Primeiro, deve-se considerar o fato de os índios serem conhecedores do território no
qual era escravizado, e tal condição possibilitava-lhes as fugas constantes. Em qualquer
contexto, de índios, durante a colonização, a guerrilheiros urbanos contra a Ditadura Militar,
todos necessitam deste conhecimento como forma de resistência ou de sucesso em uma
invasão, como afirma Marighela (2003)2:
O melhor aliado do guerrilheiro é o terreno porque o conhece como a palma de sua
mão.Ter o terreno como um aliado significa saber como utilizar suas irregularidades
com inteligência, seus pontos mais altos e baixos, suas curvas, suas passagens
2 Político e guerrilheiro baiano (1912-1969). Um dos principais organizadores da luta armada contra o Regime
Militar de 1964.
20
regulares e secretas, áreas abandonadas, terrenos baldios, etc., tirando a vantagem
máxima de tudo isto para o êxito das ações armadas, fugas, retiradas, encobrimento
e esconderijos. Os lugares impenetráveis e os lugares estreitos, as ruas sob
construção, pontos de controle de polícia, zonas militares e ruas fechadas, entradas e
saídas de túneis e aqueles que o inimigo possa bloquear viadutos que devem ser
cruzados, esquinas controladas pela polícia ou vigiadas, suas luzes e sinais, tudo isto
tem que ser completamente estudado para poder evitar erros fatais.
Como se sabe, o domínio do conhecimento da topografia é de suma importância nas
relações bélicas e, no caso dos índios, foi fator decisivo no processo de resistência à
escravidão.
Os negros não conheciam o solo brasileiro, o que, de certo modo, contribuiu para a
manutenção da escravidão desses indivíduos; além disso, os africanos viviam os traumas da
separação de sua gente, hábitos e cultura, e isso certamente os imobilizava emocionalmente,
sendo um fator relevante para conter inicialmente as fugas e subversões. A prova disso é que,
com o passar dos anos, os negros passaram a fugir para quilombos, como forma de
resistência, já que, com o tempo, o terrotório deixara de ser desconhecido. Ainda assim, foram
muitas as formas de resitência negra, contrariando o pensamento de passividade dos negros
ante o sistema escravista da literatura histórica tradicional.
Conforme afirmação de Risério (2007), o escravo era especialista em mentiras e
simulações por necessidade, roubavam, sabotavam serviços, envenenavam os senhores,
suicidavam-se, as escravas abortavam voluntariamente, enfim, tudo com o propósito, segundo
o autor, de ferir o sistema.
Como se pode observar, os negros deram muito trabalho à elite branca brasileira,
portanto, o argumento utilizado pela literatura histórica tradicional de que os africanos foram
facilmente escravizados por estarem acostumados ao sistema escravocrata é improcedente.
De fato, a escravidão era conhecida em muitas nações africanas, mas, nelas, o
conceito de escravo era completamente diferente do que se conheceu no Brasil. Na África,
havia grandes impérios como Congo, Mali, além de aldeias cujos moradores eram agrupados
por laços de parentesco. A expansão desses reinos, o trânsito de mercadores e o controle de
rotas comerciais resultavam muitas vezes em guerras entre povos africanos. Desses conflitos,
saíam vitoriosos e derrotados, e estes se tornavam escravos daqueles. Esse tipo de escravidão
é denominada de “doméstica” e, de acordo com Albuquerque e Filho (2006), tinha como
propósito aprisionar alguém para utilizar sua força de trabalho, geralmente em atividades
agrícolas.
Comumente, os cativos masculinos serviam ao rei, podiam casar-se com mulheres
livres, mas não podiam reconhecer a paternidade de seus filhos, que nasciam livres por
21
integrarem a comunidade da mãe. As mulheres cativas integravam haréns e eram
reprodutoras, e, por essa razão, eram mais valorizadas no processo de escravidão africano.
Em geral, os africanos preferiam mulheres como escravas por dois motivos:
primeiro, porque as mulheres eram responsáveis pelo trabalho agrícola na maioria das
sociedades africanas; e segundo, porque eles poderiam tomar essas mulheres por esposas,
aumentando assim a sua família e a sua influência política na comunidade local. As crianças,
por sua vez, também eram consideradas escravos ideais pelos africanos, uma vez que
poderiam ser facilmente assimiladas pela comunidade dos seus senhores.
Contrariamente ao que acontecia com as mulheres, os africanos procuravam se
desfazer logo de escravos homens, que poderiam representar um perigo para a sociedade
local, especialmente em se tratando de soldados capturados em guerra. Nesse sentido, o
tráfico de escravos pelo Atlântico, por exemplo, contribuiu para aliviar os senhores africanos
desses tipos, já que as plantações do Novo Mundo demandavam de mais escravos homens que
mulheres.
Em outras comunidades na África, os cativos não tinham nenhuma ocupação e eram
apenas bens para serem ostentados pela vitória em uma guerra. Eles podiam ser imolados ou
enterrados vivos em cerimônias religiosas. Esse hábito era maior entre cativos homens, uma
vez que mulheres eram economicamente rentáveis por serem reprodutoras e dominarem as
técnicas agrícolas (SILVA, 2010).
Outra modalidade do escravismo nos moldes africanos era o penhor. Nesses casos,
um parente poderia ser penhorado pela comunidade credora em troca de comida ou do que
necessitassem. Obviamente, esse critério para escravizar era utilizado em situações de
extrema necessidade, uma vez que os negros eram agrupados por vínculos de parentesco, e a
origem dos indivíduos na condição de escravo era respeitada e mantida, até porque essa
condição era provisória até a quitação da dívida. Nos casos de escravidão em que as mulheres
negras geravam filhos de seus senhores, estes não podiam ser vendidos e, com o tempo, os
descendentes tornavam-se parte da mesma linhagem (ALBUQUERQUE e FILHO, 2006).
A escravidão por punição era também praticada na África; nessa modalidade, quem
era condenado por crimes, como assassinatos, roubos, entre outros, podia ser escravizado.
Para alguns autores, como Munanga (2006, p. 24), na escravidão praticada na África, não se
estabelecem as práticas de exploração como um sistema escravista, pois:
(...) a exploração não era renovada sistematicamente e não suscitava uma categoria
de indivíduos mantida institucionalmente (de fato e de direito) em uma relação de
subordinação. A escravidão como modo de exploração só pode existir se se
22
constituir uma classe distinta de indivíduos com um mesmo estatuto social.Essa
classe distinta, dita escrava, deve-se renovar de forma contínua e institucional, de tal
modo que as funções a ela destinadas possam ser garantidas de maneira permanente
e que as relações de exploração e a classe explorada (dos senhores), que delas se
beneficiam, possam também se reconstituir e continuamente. Nenhuma dessas
formas de organizar a escravidão existiu na África antes do tráfico negreiro.
De acordo com o autor supracitado, a própria cultura africana não permitia que o
sistema escravista – que visava ao lucro nos moldes praticados pelos portugueses – fosse
realizado na África, pois, por exemplo, no Brasil, filhos de escravos eram escravos também;
naquele continente, eram livres, ou seja, não havia a noção de posse e de propriedade. Ainda
de acordo com as relações da escravidão africana, há autores defensores da ideia de que,
inicialmente, o sistema escravista por lá foi essencialmente doméstico, mas, a partir do final
do século XVII, quando os árabes ocuparam o Egito e o norte da África, a escravidão passou
a ser comercial e praticada pelos próprios africanos.
(...) a escravidão doméstica, de pequena escala, passou a conviver com o comércio
mais intenso de escravos. A escravidão africana foi transformada significativamente
com a ofensiva dos muçulmanos. Os árabes organizaram e desenvolveram o tráfico
de escravos como empreendimento comercial de grande escala na África. Não se
tratava mais de alguns poucos cativos, mas de centenas deles a serem trocados e
vendidos, tanto dentro da própria África quanto no mundo árabe e, posteriormente,
no tráfico transatlântico para as Américas, inclusive para o Brasil
(ALBUQUERQUE e FILHO, 2006, p. 15).
Desta forma, a escravidão exercida no Brasil não assemelha à que acontecia em
território africano, uma vez que a motivação do sistema servil brasileiro relacionava-se à
propriedade e à despersonalização dos escravos. A escravidão como um sistema que impõe a
lógica da exploração a fim de obter lucros na perspectiva capitalista praticada pelos
portugueses no período das grandes navegações passou a ser praticada em solo africano após
a interferência estrangeira – inicialmente muçulmana e, em seguida, europeia. Tal fato se deu,
a princípio, através das guerras santas, Jihads, quando os muçulmanos tinham como propósito
converter líderes políticos e escravizar os que não confessassem a fé em Alá. Para escapar da
escravidão, muitos se convertiam.
O Corão não condenava o cativeiro. Para os seguidores do profeta Maomé, a
escravização era uma espécie de missão religiosa. O infiel, ao ser escravizado,
“ganhava” a oportunidade da conversão e, depois de devidamente instruído nos
preceitos islâmicos, tinha direito a voltar a ser livre. Entretanto, não bastava se
converter para ter direito a alforria. Havia razões bem mais comerciais e bem
menos altruístas a justificar o crescimento do número de escravos no mundo
muçulmano (ALBUQUERQUE e FILHO, 2006, p. 18).
23
Os negros passaram a ser valiosos na economia do mundo árabe, pois, além de
moeda de troca, eram carregadores das mercadorias vendidas em toda Europa e soldados dos
Jihads.
Com o tempo, a escravidão tornou-se um sistema econômico que visava a lucros na
perspectiva colonialista, especialmente no século XVI, quando, além dos árabes, os europeus
fizeram da África a principal região exportadora de mão de obra escrava. Holandeses,
ingleses, espanhóis e especialmente portugueses ganharam muito dinheiro com o comércio de
escravos africanos. A priori, o interesse dessas nações era o de explorar metais preciosos,
como o ouro, na região que corresponde hoje ao Senegal.
Segundo Albuquerque e Filho (2006), os portugueses eram conhecidos, em muitas
regiões exportadoras de escravos (especialmente o litoral), como canibais. Existia o mito de
que usavam o sangue dos negros para tingir tecidos e fabricar vinho. Por conta disso, os
portugueses encontraram resistência em comercializar com vendedores de escravos africanos,
o que dificultou o acesso ao ouro local.
Àquela altura, o comércio interno de escravos, já desenvolvido em virtude da
expansão árabe, era intenso, e, quando os portugueses perceberam o quão rentável era este
comércio, começaram a comprar e vender escravos ao longo da própria costa africana. Eles
contavam com a vantagem de terem caravelas que facilitavam o transporte das mercadorias
por serem mais ágeis do que as embarcações locais. Essa iniciativa lusitana acirrou as
disputas entre Reinos africanos de forma que as guerras eram constantes, com o propósito de
capturar cativos e vendê-los. Por conta do crescente comércio de escravos, o litoral africano
passou a ser uma região bastante povoada e a atividade econômica ali era intensa.
Os portugueses tinham fortalezas e entrepostos por toda a costa da África, mas eles
faziam pouco comércio de escravos com a Costa do Ouro, onde se encontrava um de seus
mais antigos estabelecimentos: o Castelo de São Jorge da Mina. Nesse lugar, o objeto do
tráfico era o ouro. Estabelecido tal princípio, navegadores portugueses trocavam barras de
ferro por escravos no Congo para permutar, em seguida, por ouro, no Castelo de São Jorge da
Mina. Assim, os portugueses conseguiram, além da mão de obra necessária para as colônias,
o ouro africano. Esse período foi chamado por Pierre Verger (2002) de O Ciclo da Guiné –
denominação dada pelo antropólogo ao período da vinda de escravos oriundos da costa oeste
da África, ao norte do Equador, em torno de 1540.
A avidez por escravos, motivada pelo comércio implementado pelos comerciantes
lusitanos, fez com que reinos da África vivessem o apogeu econômico entre os séculos XVII
e XVIII, por causa do tráfico negreiro. Em territórios como Damé, o tráfico era tão rentável
24
que, no final do século XVII, embaixadores dessa região visitaram a Bahia no intuito de selar
acordos de monopólio comercial. Outra nação bem relacionada com os portugueses foi o
Kongo, onde, assim como Angola, as guerras foram constantes, e a captura de escravos era
intensa. Segundo Castro (2011), a introdução estimada, em trezentos anos de escravidão no
Brasil, é de:
5.000.000 de africanos, para substituir o trabalho escravo ameríndio, originando um
contingente populacional de 75% de negros em relação ao número de portugueses e
outros colonizadores europeus, conforme o censo demográfico de 1822, ano da
Independência do Brasil.
O tráfico transatlântico foi uma atividade na qual os africanos atuaram como vítimas
e agentes e certamente deixou sequelas visíveis ainda hoje no continente. Praticada por tanto
tempo entre europeus e africanos, tal atividade possuía poucos motivos para acabar, por conta
da sua rentabilidade econômica.
O que se percebe, enfim, é que o tráfico negreiro foi praticado com intensidade em
várias regiões da costa africana e, por isso, não é difícil mensurar o impacto dessa atividade
no continente. Em Benin, na costa do Congo e em Angola, por exemplo, onde o tráfico foi
mais expressivo, o impacto é associado à violência, a uma grande crise demográfica e à
expansão da escravidão no território africano.
No Brasil, a escravidão deixou máculas fortes. A população brasileira, ainda hoje,
vivencia as consequências da escravidão, tais como o surgimento de uma sociedade de classes
pautada nos elementos fenotípicos, no racismo, na desigualdade social, na marginalização de
negros e mestiços e na dificuldade de valorização das matrizes africanas. Além disso, não se
deve esquecer que as relações de produção postas em movimento durante a escravidão
marcaram as relações posteriores, e que o preconceito racial foi utilizado, principalmente
desde a Abolição, como uma justificativa para a condição de miséria dos imensos
contingentes populacionais deste país.
2.1 O NEGRO NO BRASIL
Depois da extenuante viagem feita ao longo do Atlântico e de desembarcar no Brasil
em portos, quando o comércio de escravos era legal ou em praias desertas após a proibição do
25
comércio de escravos, os negros escravizados deparavam-se com a dura realidade que teriam
de enfrentar dali por diante, pois teriam de conviver com o trauma do desenraizamento das
terras dos seus ancestrais e com a falta de amigos e parentes que deixaram do outro lado do
Atlântico ( ALBUQUERQUE e FILHO, 2006).
Não demorava muito para eles perceberem que ser escravo no Brasil era o mesmo
que ser uma propriedade, o que permitia a venda, a permuta, a doação, o leilão, bem como os
mais diversos castigos ao bel prazer do senhor proprietário. Sabiam que seriam explorados e
trabalhariam para os senhores a fim de aumentarem as riquezas destes (ALBUQUERQUE e
FILHO, 2006).
A data de chegada dos primeiros negros ao Brasil não é exata; sabe-se, porém, que o
tráfico se estabeleceu a partir da primeira metade do século XVI e estendeu-se por três
séculos. Nesse período, as mãos negras construíram a riqueza de senhores brasileiros e
ajudaram a enriquecer nações que usufruíam dos produtos exportados pelo Brasil, como o
açucar, o café, o cacau, o ouro, o algodão, dentre outros.
Os africanos trazidos para o Brasil vieram de três regiões distintas: da África
Ocidental (atuais Senegal, Nigéria, Gana, Costa do Marfim,Guiné Bissal, São Tomé e
Príncipe); da África Centro-Ocidental (atuais Gabão, Angola, República do Congo); e da
África Austral (atuais Moçambique, África do Sul, Namíbia).
Dados concretos sobre a origem destes negros deportados não existem em
abundância, pois os registros de chegada foram queimados a mando de Rui Barbosa, então
ministro das relações exteriores do Brasil. As estimativas em torno dos escravos traficados
para o Brasil giram em torno de três milhões e meio de africanos. Destes, a metade foi
traficada ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, cabendo a este último um total
aproximado de 1.700.000 escravos. Nesse século, o Brasil era o destino das embarcações que
saíam de duas grandes áreas fornecedoras: a costa ocidental (chamada da Mina), que para cá
enviou aproximadamente 600 mil escravos; e a costa centro-ocidental (chamada Angola),
que transportou cerca de 1.100.000 escravos (GOULART, 1975).
Uma estimativa de Goulart aponta que, no final do século XVI, a população
africana e afrodescendente da colônia devia estar em torno de 12 a 15 mil indivíduos.
De acordo com Albuquerque e Filho (2006), em algumas partes do Brasil, o número
de escravos chegou a superar o número de pessoas livres. Ainda segundo esses autores (2006,
p. 66).
26
Em 1872, no município de Campinas, São Paulo, então grande produtor de café, a
população escrava era de 13.685 pessoas, enquanto a livre era de 8.281 pessoas. Até
meados daquele século, quando foi abolido o tráfico, a maior parte dos escravos era
nascida na África. Para se ter uma ideia, os africanos representavam 63 por cento da
população escrava de Salvador. No Rio de Janeiro, os nascidos na África
constituíam cerca de 70 por cento.
No Brasil, a escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela
determinou lugares e desigualdades sociais, instituiu condutas, perpetuou preconceitos. No
período colonial, os negros não podiam participar da vida política da colônia e, tal como eles,
os mestiços e negros libertos eram considerados inferiores em relação aos brancos europeus.
Movidos por essa ideologia, os senhores castigavam fisicamente os escravos e exploravam
sua mão de obra.
De acordo com Albuquerque e Filho (2006), ao longo da história da escravidão no
Brasil, os negros trabalhavam na lavoura de cana de açúcar (Nordeste), nas fazendas de café
(Sudeste), na mineração – na extração de ouro e diamante – (Minas Gerais), na criação de
gado (Sul do país) e:
(...) eram também obrigados a construir e reparar cercas, cavar fossos, consertar
estradas e pontes, prover a casa-grande de lenha, reparar os barcos e os carros de
boi, pastorear o gado, cuidar do pomar e das criações dos senhores. Além disso,
tinham que providenciar parte do seu próprio alimento caçando, pescando ou
cuidando da própria roça. Estava instituído o racismo no Brasil (p. 74).
Eles – os escravos – viviam em condições precárias. A moradia – as senzalas – não
dispunha do mínimo conforto, e as vestimentas eram doadas pelos senhores. A alimentação
também era precária e consistia no estritamente necessário para que os fôlegos vivos (como
eram chamados) não se enfraquecessem demais ou não morressem devido ao grave prejuízo
dos trabalhos que deles se exigia.
Interessava ao proprietário conservá-los, como às bestas de carga, em boas
condições de uso Alimentação, quase sempre, não passava de feijão bichado e angu
mal cozido. Em outros casos, a pobre besta escravizada tinha de se contentar com
laranja, banana e farinha de mandioca (FREIRO, 1982, p. 119).
A desnutrição foi certamente um dos motivos da baixa expectativa de vida dos
escravos. Uma das doenças que mais matou negros escravos no Brasil foi a tuberculose. A
esse respeito, Rios (2009, p. 24) discorre:
(...) desnutridos, extenuados pela longa viagem e alocados em senzalas insalubres,
facilitou ainda mais a expansão da tuberculose no Brasil. Porém, os números reais
27
de casos de tuberculose que envolviam escravos não são precisos, devido a uma
série de fatores: deficiência dos censos sobre as causas de mortalidade entre os
cativos, péssimas condições de vida a que os escravos estavam submetidos, falta de
atendimento médico que acompanhasse os doentes em seus cativeiros,
aglomerações de escravos doentes e sãos na mesma senzala, entre outros fatores.
Por sua condição de propriedade, os cativos não recebiam tratamento adequado e
nem mesmo entravam nas estatísticas oficiais. Mesmo que existam indicações de
terem sido altos os índices de óbitos entre os escravos tísicos, esses números foram
calados e enterrados no interior das senzalas.
Nas diferentes regiões do país, onde havia trabalho escravo, havia também
resistência. A literatura histórica narra diversas investidas de negros que se utilizavam de
fugas para escapar do julgo do trabalho escravo e afirma também que havia mais liberdade de
movimento dos escravos nas cidades do que na zona rural. Essa liberdade de movimento teria
trazido resultados importantes no que se refere à sociabilidade, ao lazer e à acumulação de
pecúlio, utilizado muitas vezes para comprar a alforria.
Nos centros urbanos, os negros executavam atividades domésticas e externas, mas
não era permitido o trânsito deles sem autorização documentada dos seus senhores,
especialmente à noite, quando eram monitorados por policiais. A esse respeito Albuquerque e
Filho (2006, p. 86) relata que
A presença deles nas ruas durante a noite era estritamente controlada pela polícia.
Temia-seque camuflados pela escuridão poderiam cometer crimes, fugas e preparar
revoltas. O escravo que vagasse à noite sem autorização de seus senhores podia ser
preso como suspeito de fugido. Em 1829, acâmara municipal da cidade de Vitória,
província do Espírito Santo,determinou: “todo escravo que for encontrado na cidade
sem bi-lhete do senhor será conduzido à cadeia e no dia seguinte castigado no
Pelourinho com cinqüenta açoites; se for mulher, receberá quatro dúzias de
palmatoadas e, se reincidente, será até seis dúzias”.Em todos os centros urbanos do
país, depois do toque de recolher, às oito horas, os cativos só podiam circular pelas
ruas com licenças escritas pelos senhores ou por autoridades policiais. As patrulhas e
rondas policiais vigiavam também os locais de culto afro-brasileiro, freqüentemente
prendendo seus membros e destruindo ou apreendendo objetos e instrumentos rituais.
O exposto prova que os negros eram temidos e, por isso, vigiados pela polícia.
Naquele tempo, aqueles negros que circulavam pelas ruas levantavam suspeitas de que a
qualquer momento pudessem se rebelar. Suspeitas essas que não eram de todo sem
fundamento, já que, insatisfeitos com a condição de escravos, os negros dos centros urbanos
protagonizaram as mais organizadas rebeliões do período imperial, como a Conjuração
Baiana, também conhecida como a Revolta dos Alfaiates. Mas a suspeita frequentemente se
transformava em paranoia, algo que tornava os negros – fossem escravos, libertos ou livres –
alvo de medidas abusivas de controle policial.
28
No intuito de barrar as manifestações e rebeliões dos escravos, os senhores podiam
recorrer ao poder público, como policiais, pagando-os para castigar os subversivos ou
espancá-los nos pelourinhos, local determinado pela municipalidade.
A resistência ao sistema escravista não somente ocorreu na perspectiva política
através das fugas ou assassinatos de senhores, mas também na esfera cultural. O sincretismo
religioso, ou seja, a participação dos negros nas manifestações de origem católica poderia
representar a conversão religiosa dessas populações e a perda de sua identidade. Contudo,
muitos escravos, mesmo se reconhecendo como cristãos, não abandonaram a fé nos orixás,
voduns e inquices3 oriundos de sua terra natal.
É a partir dessa situação que se pode compreender por que vários santos católicos
equivalem a determinadas divindades de origem africana. A população negra, como os demais
pobres livres, por sua vez, resistiam, infringiam as leis locais e realizavam seus sambas e
festas, enfim, desenvolviam sua vida lúdica, sua cultura, sua religiosidade com ou sem
consentimento das autoridades:
(...) um conjunto de diferentes e diferenças, em movimento constante, misturando-se,
mas também chocando-se, antagonizando-se, superpondo-se, em ritmos que às vezes
são lentos e outras vezes são velozes, de maneira harmoniosa e/ou conflituosa
(PAIVA, 2001, p. 32).
As rodas de capoeira, os batuques nas senzalas, os cultos aos deuses africanos, rodas
de samba ao som dos tambores, que eram usados para manter vivas as suas crenças e cultuar
seus deuses, foram espaços de liberdade dos negros escravos “e as batidas policiais não
conseguiram jamais macular o conteúdo mais sagrado da religião afro-brasileira, e muito
menos o profundo compromisso de seus adeptos com as divindades” (BRAGA, 1995. p. 21).
Os negros foram arrancados de sua terra, escravizados, submetidos a um intenso
bombardeio ideológico e foram encontrar somente em sua religião a possibilidade de manter
vivas suas raízes culturais. A religião foi, ainda, fator de amálgama social dos negros,
promovendo o reagrupamento institucinalizado deles e de seus descendentes e por isso é
correto afirmar que o Candomblé funcionou como espaço e, ao mesmo tempo, como agente
mantenedor e transformador das memórias do povo negro. Apesar de todos os esforços da
sociedade elitista e do Estado brasileiro para tentar silenciar e apagar essas memórias, não
conseguiram. Foi por meio, principalmente, do camdomblé que as lembranças de lutas, as
3 Inquices : Orixá, nos candomblés de Angola e do Congo.
29
resistências, a reafirmação da crença e de identidades foram asseguradas, recuperadas e
revisitadas.
Ao longo do tempo, a religião ganhou contornos distintos daqueles encontrados na
África. Dessa forma, a religião afro-brasileira, genericamente denominada Candomblé, possui
hoje outros nomes em diferentes regiões do país, como, por exemplo: Xangô, no Recife;
Macumba ou Umbanda, no Rio de Janeiro e em São Paulo; e é certamente um importante
patrimônio sociocultural eregido pelo negro no Brasil.
2.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO
Com a chegada da família real ao Brasil, a população branca cresceu, porém a
imigração intensificou-se somente a partir de 1818 com a chegada dos primeiros imigrantes
não-portugueses, que chegaram ao Brasil no período da regência de D. João VI.
Nos séculos seguintes, devido ao enorme tamanho do território brasileiro e ao
desenvolvimento das plantações de café, a imigração teve uma grande importância para o
desenvolvimento do país, principalmente no século XIX.
A maior dos imigrantes que vieram para o Brasil foi de portugueses desde o período
da Independência. Em busca de oportunidades na terra nova, desembarcaram aqui imigrantes
de diferentes lugares da Europa, como: os suíços, em 1819, os quais se instalaram no Rio de
Janeiro (Nova Friburgo); os alemães, que chegaram pouco depois, em 1824, e foram para o
Rio Grande do Sul (Novo Hamburgo, São Leopoldo, Santa Catarina, Blumenau, Joinville e
Brusque); também vieram os eslavos, originários da Ucrânia e Polônia, que se fixaram no
Paraná; os turcos e os árabes, que se concentraram na Amazônia; os italianos
de Veneza, Gênova, Calábria e Lombardia, que em sua maior parte foram para São Paulo; os
japoneses; entre outros.
Segundo Oliveira (2002), o curso da civilização ocidental foi motivado pela
existência de novos espaços, ou seja, a ideia de uma fronteira aberta a qual atraiu e
possibilitou a movimentação de grupos que se deslocavam da Europa para Oeste, em direção
ao continente.
Se isto acontecia desde os Descobrimentos, um período de imigração em massa da
Europa aconteceu entre 1870 e 1930. Estima-se que 40 milhões tenham
30
atravessado o Atlântico, migrando do Velho para o Novo Mundo. Outras fontes
falam de 31 milhões (OLIVEIRA, 2002, p. 11).
Especialmente depois da abolição da escravatura, em 1888, houve um aumento
substancial da população branca no Brasil. Nessa época, políticos, à luz das ciências e teorias
racistas, começaram a pôr em prática os princípios da eugenia, ou seja, das políticas de
embraquecimento da população brasileira. Assim motivado, o governo brasileiro incentivou a
entrada de imigrantes europeus com o argumento da necessidade de mão de obra qualificada
para substituir os escravos. Foi quando milhares de italianos e alemães chegaram para
trabalhar nas fazendas de café do interior de São Paulo, nas indústrias e na zona rural do sul
do país. No ano de 1908, começou a imigração japonesa. Estes também buscavam os
empregos nas fazendas de café do oeste paulista.
Tantas influências étnicas resultaram em uma pluralidade cultural que só pode ser
entendida se for possível conhecer cada elemento formador desse mosaico cultural que é o
Brasil. Para compreender a identidade do povo brasileiro, é importante estudar cada matriz
cultural. Entretanto, ao longo da história, o que se viu foi um silenciamento absoluto sobre a
cultura negra, que foi paulatinamente posta às sombras.
Nas escolas brasileiras, infelizmente, não se conhece cada elemento formador da
identidade cultural, e ainda se percebe a predileção pelo ensino da cultura do colonizador
europeu. Em relação à matriz africana, o que se vê nos livros é uma visão estrábica dos fatos.
Focam-se doenças, guerras tribais, subdesenvolvmento; assim, “o povo brasileiro ficou por
muito tempo privado da memória de seus ancestrais” (MUNANGA, 2006, p. 30).
O processo de abolicionismo durou muitos anos. Em 1850, foi proibido o tráfico de
escravos africanos através do oceano Atlântico pelos ingleses. As questões que levaram a
Inglaterra a implementar represálias aos traficantes de escravos eram econômicas, pois sentia-
se prejudicada com o tráfico negreiro e a escravidão, uma vez que os produtos de suas
colônias não conseguiam concorrer igualmente com a produção de regiões escravistas.
Em 1845, então, os ingleses decretaram perseguição às nações que praticavam o
tráfico negreiro através do Bill Aberdeen – medida que dava poder a sua marinha para
perseguir navios negreiros e atacá-los no oceâno Atlântico.
Em 1850, sob a ameaça da Inglaterra, o governo brasileiro promulgou a lei Eusébio
de Queiroz. Essa Lei, assim como a Lei dos Sexagenários (1885) e a Lei do Vente Livre
(1865) compõe a política emancipacionista do Segundo Império, que planejava extinguir a
escravidão no Brasil, em 1899, por vias naturais, isto é, com a redução paulatina do número
de escravizados. As leis visavam também beneficiar os donos de escravos, pois estes eram
31
indenizados pelo Estado brasileiro por cada filho de negras escravas nascidos a partir da
promulgação da Lei do Ventre Livre e por cada idoso com mais de sessenta anos, a partir da
data de promulgação da Lei do Sexagenério.
A cessão do tráfico externo de escravos em 1850 determinou novas características à
escravidão no Brasil. A impossibilidade de trazer africanos para o país e vendê-los como
escravos indicava o fim desse comércio transatlântico, pois não haveria reposição da mão de
obra. Dessa forma, a abolição era algo visto como inevitável, e muitas foram as iniciativas
para barrar esse processo. Assim o foram com as Leis emancipacionistas criadas e tinham
como uma de suas preocupações a preservação das propriedades e investimentos dos
senhores.
A lei 2040, de 1871, regulamentava a possibilidade do escravo comprar sua
liberdade mediante ressarcimento ao proprietário do seu valor avaliado. Essa lei “configurou-
se também como um importante passo em direção à abolição” (MENDONÇA, 2007, p. 24).
Para tanto, era permitido ao cativo a constituição de um pecúlio, uma poupança que poderia
ser composta por meio de doações, heranças ou com o que pudessem obter por meio de seu
trabalho, consentido pelo senhor.
Os escravos urbanos tinham mais possibilidades de executar tarefas remuneradas e,
portanto, suas possibilidades de acumular pecúlio eram maiores. No caso dos escravos de
ganho – escravos que, no período colonial e no Império, realizavam tarefas remuneradas,
entregando ao senhor uma quota diária do pagamento recebido – havia a possibilidade de
uma renda excedente (MENDONÇA, 2007).
Em 1885, aos idosos escravos foi conferida a liberdade. O Estado também ressarcia
fazendeiros por libertarem escravos idosos, os poucos que conseguiam atingir 60 anos, após
trabalho escravo durante anos. Escravos idosos eram estorvos para os fazendeiros, e livrar-se
deles foi, na verdade, um alívio para muitos senhores de escravos. A última lei foi a de 1888,
a Lei Áurea, que declarava a liberdade de todos os negros escravos no Brasil.
As Leis abordadas foram, na verdade, reflexos de uma sociedade que não visava
politicamente à abolição dos escravos, mas sim ceder às exigências da conjuntutra política
internacional, imposta pela Inglaterra, de forma que os senhores, ou seja, a elite branca do
país não fosse prejudicada; por essa razão, o processo de libertação deveria ser gradativo e
indenizatório. Prova disso é que, após a abolição da escravatura, segundo Van Dijk (2008, p.
75):
32
(...) as relações sociais e políticas entre brancos e negros são marcadas por três
processos principais: a) O país adotou legislação de segregação etnico-racial, não
tendo ocorrido, portanto, definição de pertença racial; b) o país não desenvolveu
uma política específica de integração entre negros recém-libertos à sociedade
envolvente, o que fortaleceu as bases do histórico processo de desigualdades sociais
entre brancos e negros que perdura até os dias atuais; c) O país incentivou a
migração europeia branca em acordo com a política de Estado (passagem do século
XIX para o XX) de branqueamento da população em consonância com as políticas
racistas eugenistas nascidas na Europa do século XIX.
O governo brasileiro, durante o processo de libertação dos escravos, portanto, não
desenvolveu políticas de inclusão dos negros e mestiços herdeiros do jugo da escravidão. O
que se viu foi uma política de exclusão articulada e praticada sob a luz do determinismo social
e das teorias racistas. Esse contexto facilitou o surgimento do mito da democracia racial, que
foi eregido logo após a abolição no imaginário da população brasileira. Muitos pesquisadores
atribuem a Freyre (2006) a autoria deste mito, que foi ratificado com a publicação da obra que
o oficializou: Casa-Grande & Senzala.
2.2.1 Mestiçagem: conceitos e teorias
A migração é tão antiga quanto a raça humana, e tal fato implica naturalmente o
cruzamento de grupos. A existência de raças negróides e mongolóides na Europa pré-histórica
é outra prova de que a mestiçagem não é um fenômeno recente, e que as mais antigas
populações da Europa são o resultado desta miscigenação no decorrer de milhares de anos
(COMAS, 1970).
A mestiçagem no império romano foi, por exemplo, uma realidade incontestável, ao
ponto de o Conde Joseph Arthur de Gobineau, autor do ensaio sobre A Desigualdade das
Raças Humanas (1855, apud COMAS, 1970), apoiar-se na decadência desse império para
justificar a queda das civilizações mestiças. A premissa de Gobineau era entender a
mestiçagem como agente deletério das potencialidades superiores de um povo, logo os
grandes impérios tenderiam a desaparecer a partir do momento que começassem a se
miscigenar com os povos dominados inferiores.
Ao longo da história, muitos estudiosos conceituaram a mestiçagem. No Iluminismo,
os filósofos das luzes tratavam os mestiços como seres ambivalentes (MUNANGA, 2008),
pois ora eram vistos como os mesmos e ora como os outros. Nesse período, para autores como
33
Georges Buffon e Denis Diderot, a mestiçagem servia para justificar a unidade da raça
humana. Outros estudiosos negavam o que era afirmado por estes, como foi o caso de
François-Marie Arouet, conhecido por Voltaire. Para esse filósofo, a mestiçagem era uma
anomalia, fruto da união escandalosa entre homens de naturezas totalmente distintas, portanto,
o mulato seria, para ele, uma raça bastarda.
Contemporâneo de Voltaire, Buffon era favorável ao fenômeno da mestiçagem e
afirmava que esse – o mulato – nada tinha de escandaloso, e que a terra era, de certo modo,
povoada por mestiços. Esse filósofo defendia ainda que fatores climáticos e culturais eram a
explicação da variabilidade humana e da mistura entre diferentes raças, e que, após quatro
gerações, poderiam reconduzir a espécie a suas características originais (COMAS, 1970).
Segundo Munanga (2008), ainda entre os iluministas, Diderot era o que
compartilhava da ideia de Buffon, acreditando que a fecundidade das mestiças era a prova da
unidade da espécie humana, pois todos que, por meio da copulação, perpetuam-se,
conservando características comuns, deveriam ser considerados seres de uma mesma espécie.
Para Diderot, em relação às nações colonizadas na América, no Novo Mundo, a
consanguinidade faria logo dos estrangeiros e naturais do país uma só e única família, e, nessa
relação, o selvagem não tardaria a aprender as artes e saberes do ocidente.
No século XVIII, precisamente na segunda metade, Julien Offray, cientista francês,
afirmava que os diferentes povos do universo provêm do cruzamento do homem branco com
outros animais (DUCHET, 1995). Para ele, as raças humanas eram o resultado de uma
mestiçagem primitiva que corrompeu o homem branco, que se misturou ao sangue de animais,
portanto, se o homem de cor é um degenerado, a mestiçagem era o instrumento de
contaminação.
Nesse mesmo período, Pierre Maupertuis, também estudioso do fenômeno da
mestiçagem do século XVIII, presumiu que o primeiro negro nasceu de um casal de brancos,
cujas partes seminais continham acidentalmente o princípo negro, dessa forma, graças à
mestiçagem, abrira-se a possibilidade de criar novas espécies variadas, mas não reconduziu o
homem a sua espécie original (DUCHET, 1995).
Outro filósofo a tratar da questão da mestiçagem foi Immanuel Kant (BONNIOL,
1992); segundo ele, esse fenômeno – da mestiçagem – não era nem de longe um meio de
melhorar a espécie e, sim, de estragá-la, pois degrada a boa raça sem melhorar a raça ruim.
Como se pode observar, entre os filósofos das luzes, não havia consistência científica
nem consenso entre as teorias defendidas, com o tempo, como será possível verficar adiante, a
34
mestiçagem foi-se transformando em conceitos que favoreciam às estruturas políticas que iam
compondo o cenário colonial do Novo Mundo.
Com o início da colonização africana e a descoberta da América e do caminho para
as Índias, houve um considerável aumento dos preconceitos de cor (COMAS, 1970). Tal fato
pode ser explicado devido aos interesses econômicos e políticos próprios do colonialismo
imperialista. Para a tranquilidade de suas consciências, os homens brancos instituíram a
verdade de que o negro não era apenas um ser inferior, apenas algo diferente dos irracionais.
Para corroborar com os anseios colonialistas, foi divulgada, na Europa, a teoria de Charles
Darwin, que falava da sobrevivência dos mais fortes e adaptados, exaltada pelos brancos
como um argumento favorável à sua política de expansão, às custas da submissão dos povos
de raça inferior.
Segundo Comas (1970), na política internacional do século XVIII e XIX, o racismo
serviu de desculpa às agressões aos seres inferiores. Neste período, teóricos, como Jon Mjoen,
cientista norueguês, consideravam a miscigenação perigosa para o futuro da humanidade, pois
afirmavam que ela era fonte de degeneração física, e que a imunidade de certas doenças
diminuía nos indivíduos mestiços; alegavam também que as prostitutas e os vagabundos eram
mais comuns entre estes do que entre indivíduos de raça pura.
Além de Mjoen, outros cientistas, como Charles Davenport e Davy Humphrey,
demonstravam em seus estudos deformidades físicas e comportamentais nos indivíduos
mestiços, afirmavam que estes eram suscetíveis a condutas amorais e taras sociais.
Além da interpretação interesseira, feita pela elite branca, e mal feita da teoria de
Charles Darwin, o preconceito de cor foi ratificado por obras científicas da época, chegando-
se até mesmo a pretender a capacidade intelectual dos mulatos, de forma que esta era
diretamente proporcional à quantidade de sangue branco que corresse em suas veias. Dessa
forma, os mulatos eram considerados a evolução do negro, pois o sangue branco refreava-lhes
os impulsos herdados do sangue da raça inferior, negra (COMAS, 1970).
Gordon, cientista do século XVIII, afirmava também que a deficiência cerebral
congênita é uma característica do negro. A esse respeito, Hankins, no século XIX, defendia
que o volume do cérebro dos negros era menor, e este fato era uma evidência de que o negro
era mentalmente inferior.
Outra obra que fortaleceu, nas nações europeias, a ideologia de inferioridade da raça
negra e dos mestiços foi o Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas, publicado em
quatro volumes entre 1853 e 1855, de Gobineau – já mencionado –, nos quais o ensaísta
desenvolveu suas ideias, partindo da seguinte questão: como as civilizações nascem e por que
35
desaparecem? Para esse autor, os povos desapareciam porque eram degenerados, e esse termo
era usado com o significado de contaminação do sangue ocasionada por sucessivas
mestiçagens.
Ainda de acordo com as ideias de Gobineau (apud MUNANGA, 2008), dentro do
contexto colonialista, uma civilização só se desenvolve a partir da conquista de outras e foram
nestas conquistas que se misturaram diferentes raças, porém, somente um povo superior e
soberano seria capaz de dominar um povo de raça inferior. Para o cientista, a raça branca
possuía originalmente o monopólio da beleza, da inteligência e da força e, nas misturas, das
quais surgiam os mestiços, provinha a decadência das grandes civilizações. Gobineau
considerava ainda que a raça ariana era superior e suprema entre os homens, da qual os
alemães eram os representantes legítimos. Para Gobineau, todas as piores misturas raciais
eram formadas pelo casamento de brancos e negros.
Certamente Adolf Hitler, que em seu livro Mein Kampf, de 1926, decretou uma
hierarquia entre as raças humanas, tivera como base os aportes teoricos racistas de Gobianeau.
Em sua obra, Hitler (1983, p. 192) condenou a mestiçagem e a considerava uma vergonha
social.
2.2.2 Mestiçagem e mito da democracia racial no Brasil
O homem do século XIX viu nascerem e desenvolverem muitas teorias que
objetivavam entender o mundo por meio das ciências naturais. A palavra já não bastava, era
preciso comprovar, e, só pelo respaldo do discurso científico, as palavras tinham valor. O
status do qual usufrui a ciência se justifica pelo fato de que ela possui o discurso competente;
na perspectiva de Chauí (1982, p. 7):
(...) aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado. É
o discurso instituído, aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser
assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro, qualquer coisa
em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se,
pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada. Confunde-se,
assim, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente
reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as
circunstâncias já foram predeterminados para que seja permitido falar e ouvir e,
enfim, no qual o conteúdo e a forma foram autorizados respeitando os cânones da
esfera de sua própria competência.
36
No século XIX, o discurso científico foi bastante revelador de uma humanidade que
buscava comprovar fenômenos naturais e sociais a partir do avanço tecnológico promovido
pela Revolução Industrial. Desde então, os cientistas começaram a fazer o uso significativo de
conhecimentos científicos e das inovações ocorridas na indústria química e nos usos da
energia elétrica.
A necessidade de se comprovar a supremacia da raça ariana através da associação
entre características fenotípicas e capacidade mental foi o objetivo de muitos cientistas, como
Paul Broca e Lewis Henry Morgan, que desenvolveram as técnicas de craniometria e
frenologia, respectivamente, mais tarde utilizadas no Brasil por Nina Rodrigues e valorizadas
por João Batista Lacerda4. Essas técnicas repercutiram mundialmente por serem utilizadas em
exames médico-legais de indivíduos considerados criminosos, através de medições da
circunferência craniana, diâmetro, índice encefálico, índice auricular, nasal e facial. Estes
exames eram considerados importantes para penalizar indivíduos de personalidade delituosa e
considerados fora dos padrões normais de medições (SÁ, 2010).
Na época, a vantagem – aos olhos da elite – destes tipos de abordagens laboratoriais
era que os criminosos podiam ser presos antes de cometerem o delito, o que protegia a
sociedade e assegurava a vida do próprio criminoso. Isso era possível por meio de observação
apurada de traços físicos – estes foram determinados, em 1876, por Cesare Lombroso –, ou
seja, estigmas, como: testa baixa, arqueada, olhos duros e astutos, orelhas grandes e em forma
de alça, um nariz achatado ou empinado e mandíbula projetada para frente (como nos negros
e animais), incisivos grandes, braços longos, barba rala e calvície, insensibilidade à dor, pouca
inteligência e cinismo eram característcas de criminosos (SÁ, 2010).
De acordo com Herman (2006), Lombroso e outros cientistas, que comungavam das
mesmas ideias, os criminosos transmitiam essas características ou não a seus descendentes, ou
seja, pelo fenômeno de transmissão de caracteríticas de raças inferiores – o atavismo5. Ainda
segundo esse cientista, o criminoso poderia cometer crimes por seu atavismo ou por alguma
ocasião encontrada, ou seja, havia a possibilidade de indivíduos tornarem-se criminosos (40
% dos casos) movidos por sentimentos como dor ou paixões. Dessa forma, Lombroso não
corria o risco de ter sua teoria refutada.
4 Nina Rodrigues e João Batista Lacerda foram cientistas que desenvolveram teorias racistas no Brasil.
Conforme será exposto mais adiante nesta seção.
5 Atavismo (do latim, atavus, quarto avô, + ismo) ou regressão evolucionária são termos usados em genética que
significam o ressurgimento numa determinada geração de certos sintomas ou caracteres tidos como já extintos
(SILVA, 2006).
37
A teoria desse cientista influenciou análises de processos criminais e produziu
discursos racistas em diferentes esferas da sociedade, como na literatura, a exemplos das
seguintes obras: O médico e o Monstro, de Roberto Louis Stevenson (1886), e Drácula, de
Bram Stoker (1897); criando, assim, uma memória discursiva que contribui até hoje para a
perpetuação de estereótipos que distinguem negros de brancos em uma escala de valores
depreciativos bem marcados.
No Brasil, Nina Rodrigues (1862-1906), médico, etnólogo e professor da Faculdade
de Medicina da Bahia, imbuído das teorias racistas oriundas da Europa, propôs ao governo
brasileiro que houvesse penalidades específicas de acordo com a raça dos infratores. Assim
sendo, para o cientista brasileiro, o princípio da isonomia, presente na lei brasileira e que
garantia a igualdade de todos perante a lei, era um grande erro. Nina Rodrigues quis mudar as
leis brasileiras. Em seu livro Mestiçagem, Degenerescência e Crime, de 1900, Rodrigues
relata pesquisas realizadas no interior da Bahia e, por meio destas, afirmou que doenças, como
a loucura, o alcoolismo, a histeria, o nanismo e a tendência a engordar, assim como o suicídio
e a solterice eram traços degenerativos associados à mestiçagem. Para ele, a criminalidade era
resultado da miscigenação.
O crime, como as outras manifestações da degeneração dos povos mestiços, tais
como a teratologia, a degenerescência doentia, a degenerescência simples
incapacidade social, está intimamente ligada, no Brasil, à decadência produzida pela
mestiçagem defeituosa da raças muito diferentes antropologicamente
(RODRIGUES, 1982, p. 30).
Enquanto muitos cientistas brasileiros, contemporâneos de Nina Rodrigues, como
Silvio Romero, acreditavam no branqueamento da população, e, por meio deste, na salvação
da população brasileira, o médico legista advogava na contramão deste pensamento, pois
criou a inviabilidade do progresso do país caso fosse permitido o cruzamento entre raças.
Sobre isso, ele afirmava:
Não acredito na unidade ou quase unidade étnica, presente ou futura, da população
brasileira, admitida pelo doutor Silvio Romero: não acredito na futura extensão do
mestiço luso-africano a todo território do país: considero pouco provável qua a raça
branca consiga predominar o seu tipo em toda a população brasileira (RODRIGUES, 1982, p. 126).
A esse respeito, cabe citar também Vianna (1956, p. 281), que defendia em 1922 a
ideia de que, no futuro, o povo brasileiro não deixaria de ser um povo moreno, por maior que
fosse o grau de arianização da população. Esse autor tentou explicar, na época, o que ele
38
chamava de resistência do melanismo, defendendo a permanência da cor morena, não
somente pela influência da miscigenação, mas pela presença desse elemento nos imigrantes
europeus não germânicos e pela atuação do clima tropical que, por sua vez, contribuía para
intensificar cada vez mais esse melanismo que, segundo ele, era fundamental.
Em oposição a Rodrigues e Vianna, estavam João Batista Lacerda e Silvio Romero6,
os quais acreditavam no branqueamento da população. O primeiro era mais otimista e
apontava para uma estimativa de 100 anos para que fosse possível clarear os brasileiros; o
segundo considerava 100 anos muito pouco (MUNANGA, 2008).
As discussões, no Brasil, sobre a viabilidade do mestiço se mantinha sob duas égides:
alguns cientistas brasileiros acreditavam que o sangue branco prevaleceria em algum
momento e a salvação seria possível; outros rechaçavam essa ideia e criam que os males do
sangue negro por meio do atavismo levariam à estagnação social e à extinção da espécie. Para
estes últimos, o atavismo era o germe da degeneração e inevitável. Partindo das ciências
biológica e criminal, os eugenistas viam a população brasileira como exemplo de
degeneração, pois era formada em sua maioria por negros inferiores e mulatos corrompidos
biologicamente.
Além disso, para completar o quadro de degeneração da raça, essa população estava
imersa em costumes vistos como nefastos e sujeita ao triste clima dos trópicos, daí, algumas
questões eram levantadas pelos cientistas brasileiros do século XIX, a saber: como redimir a
nação da miscigenação presente na população e que a condenava? Como garantir a salvação e
desenvolvimento do Brasil diante de perspectivas científicas tão funestas? Como construir um
conceito de identidade nacional em condições tão adversas? O que fazer diante desse
fatalismo?
As políticas de eugenia instituídas no Brasil do século XIX foram as soluções
encontradas. A eugenia é um termo criado pelo cientista Francis Galton, em 1883, que servia
para definir ações de melhoramento da humanidade a partir das teorias de Darwin, tomando
como base a hereditariedade. Para ele, era como ajudar no processo de seleção natural,
traçando perfis de casamentos ou mesmo esterelizações involuntárias e a eutanásia, como foi
o caso dos Estados Unidos. No mundo, a eugenia ficou muito conhecida pela associação ao
nazismo e às atrocidades cometidas pelo ideal de pureza da raça ariana almejada por Hitler, na
Alemanha (STEPAN, 2005).
6 Silvio Romero era um cientista político do final século século XIX que defendia a homogeneização da
sociedade brasileira através da mestiçagem, apostando com otimismo no futuro da nação brasileira cada vez mais
branca.
39
No Brasil, medidas eugênicas distintas foram tomadas. A política de higiene mental
(1922) instituída por médicos e cientistas renomados, como Juliano Moreira, Miguel Couto,
Carlos Chagas, Roquette Pinto e Afrânio Peixoto, visava a desenvolver campanhas que
preveniam males provenientes da degeneração racial, como os desvios mentais, o alcoolismo
e as falhas de caráter.
Segundo Ramos (1939), a política de higiene mental era fundamental, pois “não
podemos aceitar a maldição que sobre nós lançou o cientificismo apressado de Bryce, quando
prognosticou, a negralização da nossa raça”. E foi assim que problemas étnico-culturais foram
tratados, aqui, como problemas de saúde pública no final do século XIX e início do século
XX.
Outra medida eugenística, desta vez concentrada no âmbito político brasileiro, foi o
incentivo dado à vinda de imigrantes europeus pelos governantes do país, a fim de promover
o embranquecimento da população através do cruzamento entre mestiços e europeus.
Nesse sentido, a imigração europeia, especialmente de italianos e alemães, foi
incentivada no intuito de acelerar o processo de embranquecimento. Para estudiosos, como
João Batista Lacerda, o aumento do fluxo de estrangeiros brancos e a redução de negros e
mestiços eram garantias de um futuro com brasileiros não mais de mestiços atávicos, e sim
brancos (MUNANGA, 2008).
Tal medida harmonizava-se com a ideia dos cientistas que acreditavam, como Silvio
Romero, na possibilidade de embranquecer a população exterminando os causadores da
degenerescência – os negros –, incentivando o cruzamento entre mestiços e brancos. Segundo
Ortiz (2006, p. 41), “o dilema dos intelectuais desta época é compreender a defasagem entre
teoria e realidade, o que se consubstancia na construção de uma identidade nacional”.
O que se pode depreender do século XIX no Brasil sobre as questões de construção
de identidade nacional é que os políticos tinham o papel de fazer uma nação civilizada nos
moldes europeus; já os cientistas buscavam medidas que ajudassem a redimir o mal da
mestiçagem. Oscilava-se entre a inviabilidade da nação brasileira e da salvação por meio de
políticas de branqueamento da população.
Em países colonizados, como o Brasil, a busca pela identidade provém da
necessidade de um povo saber quem é diante do outro que influenciou sua cultura, costumes,
instituições e pensamentos sobre ele, com a latência de construir um imaginário mesmo diante
daquilo que não lhe pertence. É como ser um desterrado em sua própria terra, como afirma
Holanda (2004). Como pensar em unidade em meio à heterogeneidade racial e cultural que
acometeu o povo brasileiro em fins do século XIX? Essa unidade só era possível, na ótica da
40
classe dominante, a partir da aceitação do mulato como indivíduo intermedário do ideal de
embranquecimento. Na época, pensar na pluralidade cultural como perspectiva era
desconsiderar todo o discurso científico que dividia a humanidade em raças superiores e
inferiores. Vianna (apud MUNANGA, 2008, p. 86), a esse respeito, afirmou que:
Não há perigo de que o problema negro venha a surgir no Brasil.Antes que pudesse
surgir seria logo resolvido pelo amor. A miscigenação roubou o elemento negro de
sua importância numérica, diluindo-o na população branca. Aqui o mulato, a
começar da segunda geração, quer ser branco, e o homem branco (com rara exceção)
acolhe-o, estima-o e aceita-o no seu meio. Como nos asseguram os etnólogos, e
como pode ser confirmado à primeira vista, a mistura de raças é facilitada pela
prevalência do “elemento superior”. Por isso mesmo, mais cedo ou mais tarde, ela
vai eliminar a raça negra daqui. É óbvio que isso já começou a ocorrer. Quando a
imigração, que julgo ser a primeira necessidade do Brasil, aumentar, irá, pela
inevitável mistura, acelerar o processo de seleção.
Assim, ficou clara, no discurso de Vianna, a necessidade da emergência de um
discurso pacifista que valorizasse o elemento mestiço constituinte da população brasileira,
anulando, dessa forma, a superioridade numérica do negro e alienando os mestiços com a
ideologia do embranquecimento, o que se poderia evitar conflitos raciais, acreditando-se no
desenvolvimento da nação e, ao mesmo tempo, mantendo o país sob o comando da elite
branca.
Diante da Modernidade iminente do final do século XIX e de um progresso
necessário, pensar o Brasil enquanto nação e os brasileiros enquanto povo representava tarefa
complicada, devido à heterogeneidade racial da população, a uma história de desigualdades e
de estratificação social, legados de um passado colonial.
O desejo de se enxergar como nação, com uma identidade que a distinguisse dos
portugueses, especialmente após a independência em 1822, era latente. Foi preciso, portanto,
criar no país as condições necessárias para se construir um conceito de nacionalidade, que, no
início do século XIX, estava inserido nos moldes de civilização europeia e norteamericana.
Em finais desse mesmo século, no entanto, a necessidade de se considerar o mestiço como
representante dessa nacionalidade se fez presente. Ele deixara de ser um degenerado, de
acordo com as teorias científicas do início do século, e passara a condição de raça
intermediária, herdeira de sangue branco e, consequentemente, superior aos negros.
Para a construção de uma identidade nacional e o desenvolvimento social, as teorias
racistas do final do século XIX não mais poderiam servir e embasar tais anseios. Então,
alguns pesquisadores, mesmo considerando o discurso de inferioridade dos negros,
precisavam considerar o mestiço como elemento intermediário e que apontava para o
41
embranquecimento – para eles necessário – da população. Para Vianna (1956), por exemplo, o
mulato era importante pelo fato de sua existência apontar para um país branco. Para o autor,
cedo ou tarde o negro seria eliminado do Brasil, e a nação almejaria o desejado
desenvolvimento político e econômico.
Nesse contexto, despontou Gilberto Freyre – sociólogo, antropólogo e escritor
brasileiro, considerado um dos grandes nomes da história do Brasil – no bojo do debate racial
brasileiro e deu uma grande contribuição com a obra Casa-Grande & Senzala, publicada em
1933.
Gilberto Freyre narra uma história social do mundo agrário e escravista do nordeste
brasileiro nos séculos XVI e XVII. No quadro de uma economia latifundiária
baseada na monocultura de cana de açúcar, nota-se um desequilíbrio entre sexos
caracterizado pela escassez de mulheres brancas. Daí a necessidade de aproximação
sexual entre escravas e índias como os senhores brancos; aproximação que, apesar
da assimetria e da relação de poder entre senhores e escravos, não impediu a criação
de uma zona de confraternização à flexibilidade natural do português. Assim,
explica-se a origem histórica da miscigenação que veio diminuir a distância entre a
casa grande e a senzala, contrariando a aristocratização resultante da monocultura
latifundiária e escravocrata (MUNANGA, 2008. p. 76).
A obra de Freyre pode ser considerada importante por trazer contribuições positivas
no que tange à contribuição dos povos negro e índígena na constituição da cultura brasilera, à
medida que se propõe a formação do Brasil a partir de uma sociedade agrária, escravocrata e
híbrida. Como se pode observar nas palavras de Freyre (2006, p. 66), “a singular
predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos, explica-a
em grande parte o seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a
África”.
Desta forma, o autor considera ainda que a mestiçagem é uma herança portuguesa, e
não uma novidade brasileira, inovando no âmbito da discussão de identidade nacional,
pertinente e latente ao brasileiro do início do século XX, ao retomar a temática racial,
deslocando-a do eixo científico de raça, porém, não o abandonando, para o conceito de cultura
sincrética.
Freyre (2006), ao contrário do que a literatura histórica defende, não renega as
teorias de supremacia de raças, o que lhe confere um status de ambivalência mediante a
questão. Isso pode ser observado nos trechos em que esse autor afirma que a
“...espontaneidade, (o) frescor, e (a)emoção” oriundos das culturas africanas e indígenas com
“o pensamento adiantado da Europa” , provenientes dos portugueses (FREYRE, 2006, p.
127). E, em outros momentos do texto, quando o autor diz que “não se negam diferenças
42
mentais entre brancos e negros (p. 380) e ninguém ousará negar que várias qualidades e
atitudes psicológicas do homem possam ser condicionadas biologicamente pela raça”
(FREYRE, 2006, p. 805).
Como se pode observar em Freyre (2006), há paradoxos. Ao mesmo tempo em que
abre novas perspectivas de discussões, defendendo a contribuição positiva dos negros e índios
na formação da cultura brasileira, não está totalmente livre de ideais eugenistas. A esse
respeito, Teixeira Sobrinho (2012) faz as seguintes considerações:
Paradoxos à parte, um olhar que se detenha criticamente sobre a produção
gilbertiana, ainda que deslumbrado pela excelência da escrita, nota facilmente a
insistência com que o autor deriva algumas explicações da imbricação das categorias
de raça e cultura, o que constitui um amálgama impreciso dos alcances de um e de
outro (p. 65).
(...)
Dito de outro modo, Freyre estabelece emblemas eufêmicos, baseados no olhar
comparativo de um eu superior supostamente distanciado, que indicam distinções de
superioridade e inferioridade (p. 66).
Freyre consegue, então, promover parcialmente a separação entre o biológico daquilo
que é concernente à cultura, mas não nega, por meio de seu discurso, a influência da ideologia
racista, na constituição dela.
O que ficou dessas contradições freyreanas, enfim, no imaginário nacional, nos
discursos circulantes da sociedade brasileira foi o que era do interesse da elite branca – que
temia insurgências de negros e mestiços –: a ideia da miscigenação cultural; considerando que
aquilo que seria atavicamente uma catástrofe, tornou-se o arcabouço cultural brasileiro
instituído a partir da fusão das raças negra, indígena e branca, pois, para o autor, as três raças
promoveram, a partir do cruzamento racial, a mestiçagem cultural. Tal fato fica evidenciado,
por exemplo, neste trecho de Freyre (2006, p. 66):
A singular predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos
trópicos, explica-a em grande parte do passado étnico, ou antes, cultural, de povo
indefinido entre Europa e a África. Nem intransigentemente de uma nem de outra,
mas das duas. A influência africana fervendo sob européia e dando um acre
requeime à vida sexual, à alimentação, à religião; o sangue mouro ou negro correndo
por grande população brancarana quando não predominando em regiões ainda hoje
de gente escura; o ar da África, um ar quente, oleoso, amolecendo as instituições e
nas formas de cultura as durezas germânicas; corrompendo a rigidez moral e
doutrinária da Igreja medieval; tirando os ossos ao cristianismo, ao feudalismo, à
arquitetura gótica, à disciplina canônica, ao direito visigótico, ao latim, ao próprio
caráter do povo. A Europa reinando, mas sem governar; governando antes a África.
Em consequência do discurso de importância das três raças constituvas do tecido
cultural brasileiro, surgiu lentamente o mito da democracia racial, que fazia ecoar uma voz
43
que dizia “somos uma democracia porque a mistura gerou um povo sem barreira, sem
preconceito” (MUNANGA apud, ORTIZ, 1994, p. 41).
Segundo Munanga (2008), o mito da democracia racial no Brasil teve uma
penetração muito profunda na sociedade, pois exaltava a ideia de convivência harmoniosa
entre os indivíduos de todas as camadas sociais e os grupos étnicos, permitindo à elite branca
dissimular as igualdades, além de impedir que os membros das comunidades negra e mestiça
tivessem consciência dos mecanismos velados de exclusão dos quais eram vítimas, como
também, é claro, de retirar a culpa dos problemas sociais – as desigualdades, por exemplo –
dos brancos.
O mito da democracia racial camuflou os conflitos existentes na sociedade brasileira
e criou o discurso da unidade na diversidade, como referencia Ortiz (1994, p. 93), uma vez
que o contato cultural transcendia as divergências que de fato pudessem existir.
Para Domingues (2005, p. 1), “democracia racial consiste em um sistema sem
impedimentos institucionais para a igualdade social e desprovido de preconceito ou
discriminação”. Mas como falar em democracia racial entre raças, se as condições de
sobrevivência de negros e mestiços, especialmente após a abolição, eram as piores possíveis?
Em 1888, os negros foram libertos; em 1889, houve a proclamção da república, que
garantia o direito à cidadania aos negros, estes poderiam gozar de uma igualdade de direitos
em relação aos brancos nas áreas socias, como emprego, saúde, educação, entre outros. Na
prática, porém, não foi o que aconteceu. Os negros sequer tinham direito ao voto.
Teoricamente, o insucesso do negro era atribuído a ele mesmo, pois o sistema lhe dera
oportunidades iguais a dos brancos, segundo o mito eregido por meio das ideias de Freyre.
Abdias do Nascimento (1978) – militante do movimento negro, ex-deputado federal, senador
e secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de
Janeiro, de 1991 a 1994 – considerava a esse respeito que:
(...) eregiu-se no Brasil o conceito de democracia racial; segundo esta, pretos e
brancos convivem harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de
existência (p. 41).
(...)
No entanto, devemos compreender democracia racial como significando a metáfora
perfeita para designar o racismo estilo brasileiro: não tão óbvio como o racismo dos
Estado Unidos e nem legalizado qual o apartheid da África do Sul, mas eficazmente
institucionalizado nos níveis oficiais de governo assim como difuso no tecido social,
psicológico, econômico, político e cultural da sociedade do país (p. 92).
Referindo-se ao que Freyre chamou de “relação harmônica entre negras e brancos” –
que se envolviam sexualmente por causa da escassez de mulheres brancas por sua tendência
44
às relações híbridas – Nascimento (1978) afirmou que o mulato brasileiro é o fruto da
violência sexual sofrida pela mulher negra que, segundo o autor, era vítima fácil por estar
vulnerável a qualquer agressão dos senhores brancos, os quais utilizavam de seu poder para
hostilizá-la.
Esse autor considera absurdo apresentar o mulato, fruto de um covarde cruzamento
de sangue, como prova de uma saudável relação entre as diferentes raças no Brasil. E ainda
critica o que, de fato, observa-se em grande parte das obras literárias no Brasil, as quais
colocam a mulher brasileira como mulata sensual e exótica. Para esse militante político:
Já que a existência da mulata significa o produto de prévio estupro da mulher
africana, a implicação está em que, após a brutal violação, a mulata tornou-se só
objeto de fornicação, enquanto a mulher negra continuou relegada à sua função
original, ou seja, o trabalho compulsório. Exploração econômica e lucro definem,
ainda outra vez, seu papel social (NASCIMENTO,1978, p. 62).
O mito – da democracia racial – assim como as leis abolicionistas beneficiaram os
brancos providencialmente, uma vez que aquele, de certa forma, acalmou os negros, evitando
que se insurgissem contra a elite branca; evitou também que o Estado sentisse a obrigação de
promover medidas compensatórias para os ex-escravos.
O clima fraternal era difundido com naturalidade e, por essa razão, durante anos, foi
muito difícil combater o racismo em solo brasileiro – já que era negado, não havia razão para
embates. Muitos jornais da época, escritos por jornalistas negros, endossavam o mito da
democracia racial, como foi o caso de um editorial publicado em 1928, em O clarim da
Alvorada (apud, DOMINGUES, 2005, p. 122) que dizia: “Aqui não existe preconceito algum
para se combater. Vivemos em comunhão perfeita, não somente com os brasileiros brancos,
mas também com o próprio elemento estrangeiro”.
Tais afirmações eram feitas por tomarem como parâmetro o sanguinário processo de
abolição dos Estados Unidos, de forma que qualquer descriminação não institucionalizada,
como ocorrera no Brasil, era compreendida como ausência de racismo. A ideologia dominante
da igualdade racial alienava os negros, que acreditavam na teoria pertinente a ela, mas eles
não a sentiam na prática.
Por essas razões, estrangeiros descreviam o período pós-abolicionista brasileiro de
maneira romântica e utópica. Nesse contexto, o mulato era aquele que ocupava o lugar
intermediário entre o branco e o negro, era a representação do povo brasileiro. Essa ideia fez
emergir, de certa forma, uma divisão da população negra em pretos e mulatos. Estes gozavam
45
de benefícios e facilidades como direitos civis, políticos e religiosos que não eram conferidos
aos negros.
Ao longo de todo o século XIX, barreiras raciais definiram limites à ascensão social
do ex-escravo e seus descendentes. A cor da pele era um elemento poderoso de
classificação social dos indivíduos, apesar de não haver discriminação legal como
ocorria nos Estados Unidos. Para o branco pobre e até o mestiço, apadrinhamento e
acesso a financiamento podiam abrir as portas para o ingresso nas camadas mais
altas e em cargos públicos. Mas as barreiras se erguiam para os que tinham pele
mais escura, sobretudo os crioulos e africanos, estes últimos genericamente
chamados de pretos. Os mestiços de pele mais clara podiam romper barreiras quase
sempre ao custo de muitos artifícios para calar ou esconder o lado africano de sua
ascendência.
(...)
Nas cidades brasileiras oitocentistas havia negros libertos que, mesmo não fazendo
parte da elite econômica, possuíam situação financeira estável. Mulatos conseguiram
ser médicos, advogados, professores, engenheiros, padres, periodistas, escritores.
Alguns ocuparam cargos públicos no legislativo e no executivo. Incomodados com
eles, setores da sociedade costumavam criticar a forma como usavam bengala,
botinas, pistola, chapéu alto, luva e anel de ouro, enfim os símbolos de ascensão
social e poder que só os brancos ricos admitiam utilizar (ALBUQUERQUE E
FILHO, 2006, p 164 -165).
Essa foi, decerto, mais uma das ferramentas ideológicas da elite branca usada para
impedir a unidade da população negra no período após a abolição, impossibilitando-a de
enxergar que possuía interesses comuns e assim continuar a subjulgá-la.
O mito da igualdade racial fez com que, durante décadas, a ideologia de que
oportunidades iguais foram dadas aos negros libertos – assim como aos mulatos – fosse
difundida, fazendo com que o insucesso daqueles em detrimento destes era-lhes considerado
falta de capacidade inata, (re) emergindo assim o discurso da inferioridade intelectual da raça
negra. Foi esta a maior contribuição do mito da democracial racial: a validação do complexo
de inferioridade dos negros que os fez sentirem-se responsáveis pelos seus fracassos durante
décadas.
Ainda hoje, luta-se para combater os efeitos da escravidão e do mito da democracia
racial. Para promover os direitos dos negros em diferentes áreas sociais, o movimento negro
trouxe à tona ao longo dos anos medidas que visavam e visam à promoção de seus direitos
como cidadãos brasileiros. Ao conjunto de medidas que objetivam minorar os problemas
sociais dos negros atribui-se o nome de ação afirmativa, e é por meio dela que a comunidade
negra e mestiça no Brasil vem conseguindo, lentamente, afirmar-se perante a sociedade.
46
2.2.3 O Movimento Negro, as Ações Afirmativas no Brasil e a Lei
10.639/03
O movimento negro existe no Brasil desde o momento em que o negro teve
consciência de sua condição de pertença aos senhores brancos. A historiografia tradicional
ensina que a resistência à escravidão aconteceu somente a partir dos surgimentos de
quilombos. Tal fato corrobora com a constituição de discursos que afirmam a passividade dos
negros mediante o escravismo.
Se passado em revista o processo histórico do negro no Brasil, é possível perceber
que a passividade e a apatia nunca fizeram parte da história deles nesse país. As lutas e a
organização negras existem desde a época da escravidão. Diversas foram as formas de
resistência ao trabalho escravo. Muitos cometiam suicídio ou morriam de banzo7 ou eram
insubordinados às regras dos trabalhos nas roças ou plantações onde trabalhavam; os escravos
também fugiam, assassinavam os senhores e seus familiares; as negras cometiam abortos,
enfim, o objetivo era desestruturar o sistema escravista (MUNANGA; GOMES, 2006).
A resistência cultural foi uma das mais fortes exercida pela negritude no Brasil, pois
estava presente no cotidiano dos brasileiros. Este fato pode ser constatado nos dias de hoje,
especialmente através da religião de raiz africana: o candomblé. A via religiosa foi
indubitavelmente a que mais contribuiu para a resistência da cultura afro no Brasil, porém não
foi a única. A dança, a culinária e as músicas foram meios de preservação cultural dos negros.
Eles puderam defender e preservar suas identidades, e conseguiram também, ao longo dos
anos, modelar a cultura e a identidade cultural brasileiras. As religiões africanas eram e são
inegavelmente o lugar onde a resistência à escravidão se manifestou com muita força. Durante
muitos anos, os cultos africanos eram condenados pela elite branca e considerados atos
demoníacos. A cultura cristã, que impregnava a colônia brasileira, considerava toda e
qualquer manifestação religiosa dos negros uma aberração.
O candomblé , segundo Prandi (1996), é uma religião que afirma o mundo,
reorganiza seus valores e reveste de estima muitas coisas que outras religiões consideram
más, por exemplo, o dinheiro, os prazeres da carne, o sucesso, a dominação e o poder. O
7 Banzo sm. 1. Nostalgia ou profunda tristeza que levava à morte os negros africanos que eram escravizados e
exilados de suas terras. Adj. 2. Triste, abatido; pensativo (FERREIRA, 2001, p. 94).
47
candomblé não distingue, de acordo com o autor, o bem e o mal do mesmo modo como se
aprende no cristianismo.
Durante o período da escravidão, os cultos africanos eram proibidos e, por essa
razão, houve a necessidade de se associar santos católicos a entidades espirituais africanas. O
sincretismo religioso, conhecido hoje no Brasil, surgiu da resistência religiosa dos africanos
escravizados desejosos de presevar suas matrizes culturais.
Conforme Munanga e Gomes (2006), “nem sempre os cultos aos orixás puderam
acontecer livremente em nosso país, Anos atrás, eles eram proibidos e perseguidos pela
polícia”. Esses autores afirmam ainda que foi somente no governo de Getúlio Vargas que
acabaram as perseguições aos terreiros, quando a Mãe de Santo Dona Eugênia Anna dos
Santos, a Mãe Aninha, conseguiu a autorização do então presidente para a realização livre
dessa prática religiosa no Brasil.
Sob a ótica cultural, outro símbolo de resistência negra era a capoeira8. De acordo
com Areias (1983, p. 8), a capoeira é a música, a poesia, a diversão e, acima de tudo, uma
forma de luta, manifestação e expressão de um povo oprimido que vivia em busca da
sobrevivência, liberdade e dignidade. Esse autor menciona que os escaravos não dispunham
de armas suficientes para se defenderem e viam na luta, disfarçada pela dança e ginga, uma
das formas de enfrentar o julgo da escravidão. O berimbau9 - instrumento que ainda hoje faz
da capoeira mais que uma luta, uma dança – era usado para emitir sinais de alerta quando
chegavam pessoas estranhas ou os feitores.
As resistências também aconteceram por meio de fugas e revoltas, que marcaram
vários momentos da história do Brasil. Os quilombos, por exemplo, eram uma estratégia de
reação ao sistema escravista e, no Brasil, inúmeros deles foram constituídos no século XIX,
especialmente nas últimas décadas. Os habitantes dos quilombos eram chamados de
quilombolas ou calhambolas, os quais eram perseguidos por feitores, senhores e militares.
Nesses lugares, habitavam homens, crianças e mulheres que se recusavam a viver sob o
regime escravocrata e rebelavam-se contra este sistema.
No Brasil, o Quilombo dos Palmares foi o mais conhecido pela extensão e força de
resistência. Localizava-se na Serra da Barriga em Pernambuco. Palmares era um conjunto de
quilombos; o seu crescimento se deu por volta de 1580 e preocupava o governador da
8 Capoeira Bras. sf. 2. Jogo atlético individual, com um sistema de ataque e defesa (FERREIRA, 2001, p. 137).
9 Berimbau sm. 2. Bras. Instrumento de percussão, com o qual se acompanha a capoeira(2): arco de madeira
retesado por um fio de arame, com uma cabeça presa ao dorso da extremidade inferior; urucungo (FERREIRA,
2001, p. 103).
48
Capitania de Pernambuco. Durante um longo período, o local passou a sofrer ataques
frequentes. Proprietários de escravos e o governo da Capitania de Pernambuco passaram a
investir em expedições, as entradas, com o objetivo de destruir o local. Em troca, prometiam
aos vencedores terras e negros. Foram realizadas cerca de 18 expedições contra a região. Em
1678, depois de sofrer inúmeros ataques, Ganga-Zumba, primeiro grande líder de Palmares,
que conseguiu unir os mocambos em torno de uma Confederação liderada por um
comandante-geral, decidiu negociar com as autoridades um acordo de paz. No entanto, os
demais líderes dos mocambos não concordaram com a negociação, o que gerou conflito e a
quebra da unidade da Confederação do quilombo. Zumbi, que não acreditava na paz com os
brancos, conquistou a maioria do Conselho. Ganga-Zumba morreu envenenado, e Zumbi
passou a liderar a comunidade de Palmares e conseguiu repelir os sucessivos ataques por 16
anos.
Em 1692, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho aceitou a proposta de
conquistar e destruir o Quilombo dos Palmares, sendo derrotado na primeira tentativa, porém,
depois de dois anos, voltou a Palmares com cerca de nove mil homens e seis canhões.
Palmares resistiu por quarenta e dois dias aos ataques dos invasores.
De acordo com Albuquerque e Filho (2006), acabar com Palmares exigia, além de
perseverança, muito dinheiro. Era caro e perigoso organizar uma entrada. Exigia armas,
munição, mantimentos, escravos para carregar a bagagem e remuneração para os
combatentes.
Desanimados com vitórias sempre parciais e com o custo das expedições, as
autoridades coloniais resolveram propor uma trégua aos quilombolas de Palmares. Mas, em 5
de fevereiro de 1694, Macaco, a capital do quilombo na Serra da Barriga, foi destruída. Mais
de 400 quilombolas morreram no local e cerca de 500 foram presos e vendidos fora da Capital
de Pernambuco. Muitos fugiram, mas quase todos acabaram capturados. Zumbi escapou, mas,
em 20 de novembro de 1695, foi capturado e morto. Sua cabeça foi exposta em local público,
no Recife, para lembrar aos escravos de que eles deveriam obedecer a seus senhores
(ALBUQUERQUE e FILHO, 2006).
Além dos quilombos, as revoltas urbanas também foram fundamentais para a história
de resistência dos negros no Brasil. Durante a primeira metade do século XIX, os escravos
baianos ficaram conhecidos no país pelas revoltas que promoviam. Algumas das mais
importantes lideradas e constituídas por negros foram: a Revolta dos Alfaiates, a Revolta dos
Malês e a Balaiada.
49
A Revolta dos Alfaiates, também conhecida como Conjuração Baiana, contou com a
participação de mulatos, negros livres e escravos, que advogavam pela modificação interna da
sociedade, que era preconceituosa e se baseava nos privilégios dos grandes proprietários de
terra e na exploração do trabalho escravo. Nesse movimento, destacou-se Manuel Faustino,
alfaiate pardo e forro, que sabia ler e escrever. Ele afirmava que a conjuração proporcionaria a
formação de um governo de iguais a partir da independência do Brasil, da liberdade de
comércio, da criação de uma república, do combate à Igreja Católica, da libertação dos
escravos e do fim do preconceito de cor.
Esse movimento aconteceu em 12 de agosto de 1798. Nesse dia, por meio de cartazes
afixados e panfletos distribuídos em Salvador que continham os objetivos da revolta e as
propostas pleiteadas pelo movimento, os revoltosos esperavam a adesão da população baiana,
mas, antes que a mesma compreendesse o ocorrido, os revoltosos foram delatados, e o
governo controlou o movimento. No dia 25 de agosto do mesmo ano, todos os envolvidos na
conspiração foram presos. Os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga e os alfaiates João de
Deus e Manuel Faustino foram enforcados.
Os pertencentes à elite, como Cipriano Barata, foram inocentados. Do mesmo modo
que a Inconfidência Mineira pleiteava a emancipação política e a prática dos ideais
republicanos, os envolvidos na Conjuração Baiana também o fizeram. Eles almejavam uma
estrutura política representativa que fomentaria o sistema educacional e a industrialização do
país. Entretanto, somente o movimento da Bahia contou com a participação de pessoas do
povo e teve caráter abolicionista. Os inconfidentes mineiros pertenciam à elite da sociedade
colonial de Minas. Tiradentes, o único que foi executado, foi uma exceção, pois tinha raízes
populares. Os líderes do movimento baiano pertenciam às camadas menos favorecidas e, por
isso, foram executados.
Em 1835, os negros malês, escravos muçulmanos, principalmente os nagôs e haussás
foram elementos importantes na organização e na tentativa da montagem de uma rede
conspiratória à submissão a qual estavam sujeitos: configurava-se a chamada Revolta dos
Malês. Segundo Reis (2003), na Bahia, malês não denominavam o conjunto de uma etnia
africana particular, mas o africano que tivesse adotado o Islã. Os negros malês, juntamente
com negros não islamizados, intentavam tomar o poder e matar todos os nascidos no Brasil,
inclusive negros. Segundo esse autor, essa informação, todavia, não pode ser credível, uma
vez que quem a relatou desta forma foram as autoridades em documentos da época. Ainda de
acordo com esse autor, alguns historiadores acreditam que a religião islâmica foi a razão que
desencadeou o levante, unindo escravos contra a opressão do dominador.
50
O terceiro movimento, na sequência, foi a Guerra da Balaiada, em 1838. A revolta
começou por questões políticas entre partidos, mas acabou por ser assumida por vaqueiros e
homens sem posses em geral, os quais lutavam contra o recrutamento forçado para as forças
militares e contra os desmandos de chefes políticos locais e, finalmente, por quilombolas, que
sustentaram o combate até o fim, conforme apontam diversos historiadores. Foi uma das
maiores e mais significativas rebeliões populares já registradas em terras do Maranhão e com
forte repercussão em todo o país (REIS, 2003).
A insatisfação popular, os movimentos e as leis abolicionistas – já citadas neste
trabalho – e a pressão exercida pela Inglaterra, que condenava o escravismo por questões
econômicas, possibilitaram em 1888 a promulgação da Lei Áurea. Antes disso, os negros
libertos pelas leis abolicionistas, como a Lei do Sexagenário, do Ventre Livre ou mesmo
aqueles que se tornavam livres por meio de pecúlio, sofriam restrições sociais. A liberdade
institucional para esses negros era real, mas a realidade deles era cruel.
Os cidadãos brasileiros eram apenas os libertos nascidos no país. Isso significava que
os libertos africanos continuavam estrangeiros e precisavam adquirir títulos de naturalização
para terem alguns direitos como cidadãos. Os libertos brasileiros também tinham seus direitos
civis restritos; constitucionalmente, podiam votar se tivessem uma renda, que era estipulada
pelo governo, mas não podiam ser eleitos para cargos políticos, como membros das
assembléias de província, deputados, senadores.
Brasileiro ou africano, o liberto não podia portar armas nem circular livremente entre
as cidades. Para viajar, os forros10 precisavam provar sua condição sob a pena de serem
confundidos com escravos fugidos. Frequentemente, os libertos se viam envolvidos em
conflitos por reagirem às discriminações e ao não reconhecimento de sua condição
(ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).
Com a Promulgação da Lei Áurea, em 1888, foi banida a escravidão em solo
brasileiro. Essa lei foi, sem dúvidas, o resultado de muita resistência dos negros brasileiros ao
longo de todo o período escravista. Após a abolição, o processo de resistência ganhou novos
contornos. O fato de, mesmo sendo considerados livres legalmente, os negros não poderem
usufruir dos mesmos direitos políticos dos brancos foi o que motivou o surgimento de novas
formas de resistência.
Na luta pela conquista da cidadania, muito sangue foi derramado. O pós-
abolicionismo foi o início de uma luta ainda maior do que a que os negros travaram pela
10 Forro adj. 1. Liberto; alforriado (FERREIRA, 2001, p. 356).
51
liberdade instituída. A luta passou a ser pela cidadania e foi difícil, por ser em um ambiente
hostil, onde se viam negros sob a ótica das teorias racistas do século XIX.
De acordo com Albuquerque e Filho (2006), no início do século XX, algumas
sociedades negras foram criadas para o enfrentamento de situações específicas de
discriminação. Em 1909, por ter sido barrada a posse de um deputado federal negro, foi
fundado, no Rio Grande do Sul, o Centro Etiópico Monteiro Lopes, nome do candidato. Na
época, o Centro Etiópico teve papel fundamental de mobilização popular e pressionou para
que a câmara do estado desse o direito de posse do deputado.
Segundo Albuquerque e Filho (2006), algumas associações negras foram criadas com
a finalidade de atender às necessidades de recreação e lazer, porque os negros frequentemente
eram impedidos de adentrarem em áreas frequentadas por brancos. À proporção que a
comunidade negra se organizava, surgia a necessidade de meios de comunicação, como os
jornais, que pudessem dar visibilidade às reivindicações dos negros. Assim, desde o início do
século XX, surgiram alguns jornais escritos por negros e a estes destinados. O objetivo dos
periódicos era noticiar e discutir problemas vivenciados pela população negra, mas que não
encontravam espaço na grande imprensa.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, A Alvorada, A Vanguarda, A Cruzada e O
Exemplo noticiavam a agenda das associações negras, contribuindo para a organização dos
afrobrasileiros no sul do país. Em 1928, O Clarim d'Alvorada anunciou a intenção de
organizar um Congresso da Mocidade Negra, os jornais da grande imprensa paulista reagiram
indignados à iniciativa. A possibilidade de que os negros pudessem se organizar e manifestar
politicamente suas aspirações assustava a elite brasileira. Houve quem se perguntasse: “que
necessidade há nisso? O que se vai falar nesse congresso?” (ALBUQUERQUE E FILHO
2006).
O Brasil era de todos, diziam os opositores, mas os negros sabiam que não era e
lutavam para que realmente fosse. Na verdade, negar a existência do racismo e desconhecer
suas consequências nefastas para a população negra era a maneira de manifestar o racismo.
A partir da terceira década do século XX, as lutas tornaram-se institucionalizadas, e
surgiram grupos reconhecidos pelo Estado brasileiro. O primeiro deles foi a Frente Negra
Brasileira (FNB), fundada por Abdias Nascimento, com objetivos políticos e pretensões
eleitorais. Os representantes da FNB desejavam que os negros tivessem o direito de participar
da vida política do país e acreditavam que estar presentes na política era também uma maneira
de fazer oposição a possíveis projetos segregacionistas de brancos que intentavam em favor
do isolamento e fracasso dos negros na sociedade. A Frente Negra não tinha propostas
52
assistencialistas como as associações de auxílio, as quais tinham um caráter
predominantemente assistencial que ofereciam atendimento médico e odontológico a preços
mais populares, além de cursos. A FNB inovou nesse sentido.
A comunidade negra que compunha o movimento negro do início do século XX
objetivava que o Estado brasileiro entendesse que o país era mestiço e que o racismo não
fosse aceito. Os movimentos desse período também pleiteavam do Estado o amparo devido à
população negra e mestiça que amargava os sintomas da pobreza. Na década de 1940, outro
movimento importante surgiu, dessa vez representativo nas artes, era o Teatro Experimental
Negro (TEN) idealizado e fundado também pelo ativista negro Abdias Nascimento, quando,
no teatro, atores brancos pintavam o rosto de preto para representarem os negros. Foi quando
Abdias Nascimento, negro consciente e militante, decidiu mudar essa tendência racista no
teatro.
Em 13 de outubro de 1944, esse militante criou o Teatro Experimental do Negro, que
teve como sede a cidade do Rio de Janeiro. Por duas vezes o TEN foi impedido de participar
de festivais negros internacionais pelo próprio governo brasileiro. Segundo a historiadora
Mendes (1993, p. 51) esses fatos não devem ser compreendidos apenas como fruto da
discriminação racial, pois “...os movimentos de vanguarda, e o TEN era um deles, sempre
enfrentaram grandes dificuldades, não só por falta de apoio oficial, como pela natural reação
do público [...] habituado às comédias de costumes inconsequentes ou dramas convencionais”.
O Teatro Experimental do Negro nunca atingiu a importância social que pretendia
em seu tempo. Mas, em termos de história do teatro, significou uma iniciativa pioneira, que
mobilizou a produção de novos textos, propiciou o surgimento de novos atores e grupos e
semeou uma discussão que permaneceria em aberto: a questão da ausência do negro na
dramaturgia e nos palcos de um país mestiço de maioria negra. O elenco era formado por
empregadas domésticas, operários e moradores das favelas, todos negros.
A proposta do TEN não era apenas cultural e artística, mas também social; segundo o
próprio Nascimento: “... necessidade de fundação desse movimento foi inspirada pelo
imperativo de organização”.
Segundo a Fundação Cultural Palmares11, a experiência trazida por Nascimento
marcou a história da luta pela verdadeira democracia racial, visando ao desenvolvimento
social da gente de cor, a elevação de seu nível cultural e seus valores individuais. Em 1968, o
TEN abriu outra frente de ação, quando lançou em exposição, no Museu da Imagem e do
11 Disponível em:< http://www.palmares.gov.br/2008/10/teatro-experimental-do-negro-a-militancia-pela-
arte/?lang=fr> Acesso em: set. 2012.
53
Som, a primeira coleção de seu Museu de Arte Negra. Interrompido o projeto em razão da
perseguição política do regime militar, o teatro continuou em cena, já em termos
internacionais, através da atuação de seu fundador, exilado, denunciando o racismo brasileiro
em vários fóruns do mundo africano, da Europa, das Américas e dos Estados Unidos.
Com a redemocratização, após a ditadura militar que durou da década de 60 até a
década de 80, alguns movimentos sociais brasileiros passaram a exigir uma postura mais ativa
do poder público diante das questões de raça, gênero, etnia e adoção de medidas específicas
para sua solução através das ações afirmativas.
A expressão ação afirmativa, já mencionada anteriormente, teve origem nos Estados
Unidos nos anos 60, período no qual norteamericanos reivindicavam a democracia interna,
cuja bandeira principal era a igualdade de oportunidades a todos – negros e brancos. Esse
movimento assumiu contornos através das principais áreas de atuação social, como: mercado
de trabalho – com a contratação, qualificação e promoção de funcionários; o sistema
educacional – especialmente o ensino superior; a representação política; além, é claro, do
sistema de cotas – que estabelece um determinado número ou percentual a ser ocupado em
área específica por grupos definidos. Segundo Contins (1996, p. 210), as ações afirmativas
têm como função específica “a promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por
discriminação. Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que os beneficiados possam vir a
competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado de trabalho”.
No Brasil, somente em 1980 houve a primeira formulação de um projeto de lei nesse
sentido, quando o deputado Abdias Nascimento propôs uma ação compensatória que
estabelecia medidas de compensação para os afrobrasileiros. O projeto, porém, não foi
implantado, sequer aprovado no congresso, mas as lutas continuaram.
As ações afirmativas no Brasil são de fundamental importância, pois vozes
eloquentes, estudos acadêmicos qualitativos e quantitativos recentes, realizados por
instituições de pesquisa respeitadas como o IBGE e o IPEA, não deixam dúvidas sobre a
gravidade da exclusão dos negros e mestiços na sociedade brasileira.
No Brasil, a condição racial constitui um fator de privilégio para brancos e de
exclusão e desvantagem para os não-brancos. Algumas cifras assustam quem tem
preocupação social aguçada e compromisso com a busca de igualdade e equidade
nas sociedade humanas: do total dos universitários brasileiros, 97% são brancos, 2%
negros e 1% descendentes de orientais; sobre 22 milhões de brasileiros que vivem
abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros; sobre 53 milhões de brasileiros
que vivem na pobreza, 63% deles são negros (HENRIQUES apud, MUNANGA,
2001, p. 33).
54
Foi pensando em mudar essa realidade que, em 2003, o presidente Luís Inácio da
Silva assinou a lei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade, nas unidades escolares públicas e
privadas do país, do ensino da história e da cultura da África e dos africanos, assim como o
processo efetivo da participação dos negros na construção da história do Brasil. A lei é uma
proposta multicultural de ensino, pois propõe a valorização de uma cultura até então colocada
à margem da educação brasileira. Sobre isso, Munanga (2008), numa entrevista concedida a
TV Brasil, discutiu sobre a presença da cultura africana e as consequências de uma educação
que a ocultou por séculos no Brasil.
Essa presença está no cotidiano do brasileiro, está no ar que o brasileiro respira, está
no ritmo do corpo do brasileiro, está na comida do brasileiro. Só que o brasileiro
também não percebe isso e gostaria de ser considerado como europeu, como
ocidental. Isso está claro no sistema de educação. Nosso modelo de educação é uma
educação eurocêntrica. A escola é o lugar onde se forma o cidadão, onde se ensina
uma profissão. Há escolas que sabem lidar com os dois lados da educação: ensinar a
cidadania e a profissão. A história que é ensinada é a história da Europa, dos gregos
e dos romanos. No entanto, quem são os brasileiros? (...) Então, há um problema no
Brasil, além de essas pessoas serem as maiores vítimas da discriminação social, no
sistema de educação formal elas não se encontram, elas são simplesmente
ocidentalizadas, são simplesmente embranquecidas (...) (MUNANGA,
Documentário Dia do Professor, 11/9/2008).
Para esse autor, a educação brasileira é defasada no que tange às questões raciais, e o
impacto disso é o que se chama de baixa autoestima da comunidade negra no Brasil. A escola
tem o papel de mudar os discursos, desconstruir os mitos eregidos pela classe dominante ao
longo do processo de constituição da sociedade brasileira. A baixa autoestima, ainda segundo
o autor, prejudica o processo de aprendizagem, pois não há identificação dos negros com o
que se estuda na escola brasileira, e assim é possível se justificar as altas taxas de evasão
escolar entre crianças negras. Munanga afirma ainda sobre isso que:
O aluno nunca vê a cara dele na escola. Ele se olha no espelho e não se vê. Ou,
quando se vê, quer se ver como branco. Na França, nós chamamos de pele negra,
marca branca. Isso faz parte do impacto, do impacto psicológico: a negação da
própria humanidade. Há um momento em que o negro introjeta tanto que naturaliza
isto: "Sou mesmo inferior, não tenho as mesmas aptidões morais, intelectuais. Não
sou capaz de entrar naquela universidade, porque não vou passar". Infelizmente, nós
não temos ferramentas para medir isso. Muitas vezes, quando falamos da questão do
negro, estamos falando das coisas invisíveis. É como o iceberg. Você vê a ponta do
iceberg, mas não dá para ver a parte mais profunda, que é o aspecto psicológico, as
consequências disso na educação (Id.).
A lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade da temática História e Cultura
Afro-brasileira no currículo da rede nacional de ensino, foi criada com o propósito de mudar a
55
realidade de negação, esquecimento, silenciamento das contribuições do povo negro no
Brasil. A lei propõe, por meio da educação, a emergência de novos discursos sobre os negros
no Brasil, propõe discursos de valorização, sendo assim somada às conquistas do movimento
negro no Brasil. Entretanto, é preocupante a maneira como a mesma está sendo cumprida em
escolas do país, especificamente na cidade do Salvador (local onde a prática do escravismo foi
intensa e a população negra é grande atualmente), cenário desta pesquisa – por se tratar de
uma temática estigmatizada, que ainda evoca preconceitos e desconhecimentos por parte dos
educadores. A lei impõe uma quebra de paradigmas, sugere através da educação a construção
de novos dizeres sobre a cultura afro-brasileira.
É preciso pensar na cultura afro-brasileira de forma independente da cultura do
colonizador. Santos (2004) fala da necessidade que há em romper com os padrões
estabelecidos pela razão metonímica (que nega o outro, seus diferentes saberes e lógicas,
valores e modos de viver); esse autor afirma que a sociologia das ausências visa demonstrar
que o que não existe, na verdade, é produzido como não existente. Por exemplo, quantos
educadores estudaram a história do Brasil numa perspectiva não colonialista? Provavelmente
poucos, pois, conforme o que foi exposto neste trabalho sobre a história do negro no Brasil, os
brancos sempre tentaram negar os negros, excluí-los do processo de pertencimento social.
Boa parte dos professores não sabem a real história afro-brasileira, porque ela nunca foi
contada, foi produzida pela classe dominate como não existente. Por essa razão, muitos
educadores ensinam o que acreditam que sabem: quase nada. É necessário transformar o que
não se sabe em saberes, conforme Santos (2004), é necessário transformar objetos
impossíveis, em possíveis.
A lei 10.639/03 é o resultado de uma sociedade que já tenta transformar ausências
em presenças, pois, durante séculos, a inexistência conveniente da história do negro foi, e
ainda é, produzida sob a forma de inferioridade insuperável e, por isso, não pode ser uma
alternativa credível (digna de ser reconhecida) por quem se diz superior, conforme a lógica da
classificação social de Santos (2004).
É indispensável pensar nas questões culturais e identitárias para se esperar um futuro
concretamente menos preconceituoso em relação aos negros. A falta de conhecimento sobre a
afro-brasilidade é, inegavelmente, fruto de um apagamento histórico que interpela
ideologicamente o sujeito dos discursos (neste trabalho, os professores). Educar cidadãos
brasileiros, portanto, sem levar em consideração a cultura dos negros é inaceitável. Como se
pensar uma nação que se reconheça negra ou mestiça sem conhecer a sua verdadeira história?
Como se falar em identidade nacional no Brasil, se negros e mestiços não se veem como
56
elementos de formação da cultura nacional importantes? Por isso, a lei 10.639/03 é tão
importante no processo de construção de novos discursos sobre identidade cultural no Brasil.
Para Freire (1979, p. 30-1):
O homem tem a vocação de ser sujeito e não objeto, e só poderá desenvolvê-la na
medida que refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas de
maneira crítica. Quanto mais o homem é levado a refletir sobre sua situacionalidade,
sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais “emergirá” dela conscientemente
carregado de compromisso com sua realidade, do qual, por que é sujeito, não deve
ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais
Compreende-se que o ensino da história africana não se refere exclusivamente em
deter-se à história em si, como mais uma disciplina. Não é interessante ver uma conquista
como foi a aprovação e validação da lei 10.639/03 ser tratada como uma bandeira política
apenas em períodos eleitorais, ou como uma maneira de acalmar o movimento negro, ou
melhor, mantê-lo quieto por algum tempo diante de uma suposta vitória legalmente
reconhecida.
É premente que professores sejam preparados em sua formação acadêmica para que
possam colocar a lei em prática sem preconceitos. É urgente a necessidade de educadores
apostarem nas possibilidades de inclusão social emanadas por esta nova proposta de ensino
através de reflexões a partir de uma educação voltada para as relações étnico-raciais e para o
ensino de história e cultura afro-brasileira. Assim, no futuro, os negros poderão participar
efetivamente, em condições de igualdade, do acesso às universidades, cargos e funções em
diversos setores da sociedade.
O brasileiro precisa enxergar-se também afro, para que seja possível perceber a
pluralidade e se perceber enquanto nação. Para Freire (2005), a pluralidade não só se
estabelece com relação aos diferentes desafios que faz o ambiente, mas também com relação
ao próprio desafio, o desafio de si mesmo. Ser negro no Brasil é um desafio, educar num país
com dierenças culturais, mais ainda. Os educadores devem estar capacitados em relação à
aplicação da lei 10.639/03 a fim de promoverem a historicamente sonhada democracia racial
– pautada na pluralidade – através de suas práticas pedagógicas viabilizadas pelos discursos.
O resultado de medidas como a lei 10.639/2003 é uma sociedade mais consciente de
sua história, de sua herança cultura, e, consequentemente, a elevação da autoestima dos
negros que começa a dar lugar ao complexo de inferioridade originado através do mito da
democracia racial. As mudanças já podem ser percebidas.
57
De acordo com o censo demográfico de 2010 (IPEA), 97 milhões de pessoas se
declararam negras, ou seja, pretas ou pardas, e 91 milhões de pessoas, brancas. Ainda segundo
o órgão que desenvolveu um estudo sobre a Dinâmica demográfica da população negra
brasileira:
A população branca era maior que a negra entre 1980 e 2000. Em 2010, esta
situação se inverteu. Isso pode ser decorrente da fecundidade mais elevada
encontrada entre as mulheres negras, mas, também, de um possível aumento de
pessoas que se declararam pardas no censo de 2010 (IPEA, 2010).
Afirmar que a população negra aumentou por conta da maior taxa de fecundidade e
negar que tal fato possa ter ocorrido por efeito de consciência negra, seria desconsiderar os
dados do próprio Ipea em relação aos números das taxas de fecundidade entre negras e
brancas.
Entre 1999 e 2009, enquanto na população negra a taxa de fecundidade passou de 2,7
filhos para 2,1; na branca passou de 2,2 para 1,6; e, em 2009, os dois grupos apresentaram
taxas de fecundidade inferior ao nível de reposição (os nascimentos não repõem as mortes do
período), ou seja, de 1999 a 2009, houve uma redução de 0,6 filhos entre negras e 0,6 filhos
entre brancas (IPEA, 2010).
Deve-se considerar que a taxa de natalidade entre negras sempre foi mais alta e, se a
redução dessa taxa ocorre proporcionalmente às taxas de redução de natalidade entre
mulheres brancas, considerando ainda que os que nascem não são suficientes para repor os
que morrem em números populacionais e considerando também que a taxa de mortalidade
entre os negros é maior que as taxas dos brancos, isto é, morrem mais do que nascem, não é
possível afirmar que a razão do aumento de pessoas declaradas negras e pardas sejam por
questões de fecundidade.
Se, ao longo de dez anos, nascem brancos e negros, numa proporção igual, e se
morrem mais negros do que brancos em razão dos problemas sociais que os cercam, é notório
que não há crescimento por causa das taxas de fecundidade. É possível, sim, que a população
brasileira tenha começado a se identificar como afrodescendente assumindo a sua cor e a sua
identidade cultural.
Segundo o IPEA (2010), “em resumo, a população negra predomina no Brasil, é
mais jovem, tem mais filhos, é mais pobre e está mais exposta à mortalidade por causas
externas, especialmente homicídios”. Esta é uma realidade que ainda precisa ser superada,
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uma herança da escravidão, do mito da igualdade racial, imprimido com mais força pelo mito
da mestiçagem. Os primeiros passos foram dados.
O Brasil ainda tem muito a avançar no debate racial. A educação é o caminho pelo
qual se deve começar a mudança ideológica. A lei 10.639/2003 é uma conquista
institucionalizada. É um bom começo.
59
3 AS IMAGENS DO PROFESSOR
Considerando que discurso é a palavra em movimento e que analisar discurso é
observar o homem falando, nesta seção, objetiva-se traçar o perfil dos entrevistados enquanto
educadores, ou seja, verificar como eles se percebem como docentes e sua importância para a
sociedade por meio da análise de seus dizeres, levando em consideração o aporte teórico da
Análise de Discurso (ORLANDI, 2009).
A Análise de Discurso nasceu na França no final da década de 1960, época em que o
estruturalismo linguístico se apresenta como destaque nos estudos das ciências humanas.
Nessa década, a Europa vivia um momento de bastante contestação social em consequência
do pós-guerra que promoveu uma crise muito grande na França, colocando em
questionamento todas as teorias filosóficas vigentes, de forma que fez emergir grandes
pensadores, como Althusser, Foucault, Pêcheux, Lacan, Bourdieu, entre outros.
Esses estudiosos debatiam sobre os assuntos que estavam em evidência, como
estruturas e marxismo, e pôde-se então concluir que as guerras mundiais fizeram ruir muitas
das teorias vigentes até então, ou seja, a razão de os iluministas conduzirem o mundo ao caos.
Por isso, esses pensadores, do século XX, propuseram releituras de teorias tradicionais, como
o Estruturalismo, o Marxismo e a Psicanálise.
O historiador Hobsbawm (2002), a esse respeito, explica que, naquele período, não
houvera a crise de um sistema organizacional da sociedade, mas de todas as formas, sejam
elas capitalistas ou socialistas, e tudo que era sólido se desmanchava no ar, inclusive o
estruturalismo linguístico de Saussure.
As constantes releituras que se faziam das obras de Saussure provocaram movências
epistemológicas tanto do objeto como do método da linguística. Foram postos em xeque e em
discussão a sistematicidade da Langue e a assistematicidade da Parole. Assim, estudiosos
passaram a considerar a linguagem uma área de estudo muito complexa para ser limitada às
teorias de Saussure. Foi nesse contexto que surgiu a Análise de Discurso, criada pelo filósofo
Michel Pêcheux que intencionava intervir teoricamente no campo das ciências sociais,
considerando fatos históricos e a linguagem. A esse respeito, Ferreira (2003, p. 213) afirma:
A Análise do Discurso nasceu em uma zona já povoada e tumultuada – de um lado,
numa esquina, ocupando quase todo o quarteirão – a lingüística; na outra ponta,
espaçoso, o materialismo histórico; e, no meio, dividindo o espaço lado a lado com a
psicanálise, a teoria do discurso. Portanto, essa contiguidade, esse convívio fronteiriço
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entre análise do discurso e psicanálise vem de longe, vem desde o início. Tais
vizinhas, contudo, ainda que bastante próximas, guardam distância e não confundem
seus espaços comuns – são íntimas, mas nem tanto, donde há “estranha intimidade”.
O teórico Pêcheux propôs, por meio da Análise de Discurso, um novo olhar sobre os
estudos da linguística, sugerindo uma reflexão sobre o discurso; sua ideia era fomentar uma
análise que colocasse em questionamento a prática tradicional dos estudos de linguagem e das
Ciências Humanas, instigando que as ciências se confrontassem e não permanecessem
isoladas.
A AD (daqui em diante será assim chamada) procura estabelecer essa relação de
forma mais imanente, considerando as condições de produção (exterioridade, processo
histórico-social, inconsciente) como constitutivas da linguagem. Dessa forma considerada, a
linguagem é, para a AD, a mediação entre o homem e sua realidade natural e social
(ORLANDI, 2005, p.15).
De acordo com Amaral (1999), a exterioridade do discurso corresponde aos
discursos já-ditos e com os quais o discurso se constitui como outro e fazem sentido.
A produção do mesmo é ideológica, tal como afirma Bakhtin, quando diz que toda
palavra é ideológica e toda utilização da língua está ligada a uma ideologia. Para esse autor:
(...) a palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas
relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida
cotidiana, nas relações de caráter político... As palavras são tecidas a partir de uma
multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos
os domínios (BAKHTIN, 1999, p. 39).
Consequentemente, assim como a palavra, o discurso não pode ser desvinculado “da
situação social mais imediata ou do meio social mais amplo” (BAKHTIN, 1999).
Com esse mesmo pensamento, Pêcheux (1988, p. 160) afirma que o sentido das
palavras não pertence à própria palavra, não é dado diretamente em sua relação com a
“literalidade do significante; ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão
em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são
produzidas”. Assim, são as posições ideológicas, que estão em jogo no processo sócio-
histórico, que determinam o sentido das palavras.
Esse pensamento apresenta o entendimento das condições de produção do discurso,
pois nele é exposta a relação contraditória entre produção e reprodução da vida dos homens
em sociedade, como também a relação do discurso como o resultado de um extenso e
complexo processo de constituição do sujeito pela ideologia, sendo, por isso, que as
61
expressões desse sujeito já não são expressões de um indivíduo singular, mas de um sujeito
histórico que se define em relação às formações ideológicas12 de uma dada formação social
(AMARAL, 1999).
Para Orlandi (1988, p. 17), tomar a palavra é um ato social e, como tal, implica
conflitos, reconhecimentos, relações de poder e constituição de identidade. Para se
compreender esses processos, faz-se necessário explicitar aqui alguns conceitos fundamentais
para a Análise de Discurso.
A começar pelo sujeito discursivo, que não é o sujeito empírico e social, aquele que
faz parte de uma comunidade; é aquele que emerge do seu dizer; é atravessado por ideologias
dominantes e pelo inconsciente. Esse sujeito ocupa diferentes posições de acordo com as
condições de produção, ou seja, o contexto sócio-histórico, por essa razão pode ser chamado
de sujeito descentrado, pois é social e, por isso, é interpelado, através da linguagem, por
ideologias que são inconscientemente materializadas em seus dizeres.
O sujeito do discurso não é a origem do que diz, dizeres outros constituem seus
dizeres e, por essa razão, ele é também chamado de sujeito heterogêneo. Entretanto, ele
acredita ser a origem de tudo o que diz e crê que é livre para dizer, quando, na verdade,
reelabora os discursos que constituem o interdiscurso – o conjunto de já-ditos – e assim o
sujeito discursivo acredita também que seu dizer é único e que só tem um significado, uma
forma de se dizer, ou seja, a sua forma.
Os sentidos dos dizeres dos sujeitos do discurso se reproduzem a partir de outros
dizeres – os já-ditos – cristalizados na sociedade. Assim, analisar discurso é tentar entender
como os sentidos de uma materialidade linguística se constroem e como se articulam com a
historicidade (as condições de produção) e a sociedade que os produziu, considerando as
ideologias que são materializadas nos discursos por meio da linguagem.
Assim, o sujeito discursivo se inscreve numa dada Formação Discursiva (FD)–
conjunto de dizeres que podem ser ditos em um determinado grupo social – por conta das
condições de produção, esse fato contribui para a constituição de sua identidade, pois, ao se
inscrever por afinidade a uma formação discursiva, o sujeito se identifica e produz sentido ao
seu dizer. Mas, até mesmo as preferências ou a suposta adesão a uma dada formação
discursiva se dão por imposição, inconsciente, de ideologias dominantes. A escola é um lugar
12 As formações ideológicas comportam, necessariamente, como um de seus componentes, uma ou mais
formações discursivas interligadas, que determinam aquilo que se pode e se deve dizer (articulado sob a forma
de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir de uma posição
dada em uma conjuntura dada” (HAROCHE, HENRY, PÊCHEUX, 1971, p. 102-3).
62
de reprodução dessas ideologias. Educadores, cujos dizeres são a materialidade discursiva
analisadas neste trabalho, e alunos são interpelados pelas ideologias e os sujeitos de seus
discursos podem mostrar como isso se processa no ambiente escolar.
A escola, segundo Bourdieu (1974), é a sede da reprodução cultural, e o sistema de
ensino é a solução mais dissimulada para o problema da transmissão do poder, pois contribui
para a reprodução da estrutura das relações de classe, dissimulando, sob a aparência da
neutralidade, o cumprimento desta função. Desta forma, é correto afirmar que a escola é o
lugar de reprodução das ideologias e estruturas sociais impostas pela classe dominante através
dos discursos de educadores.
A escola cumpre esse papel através do discurso que Orlandi chama de Discurso
Pedagógico (DP). O DP é considerado um discurso autoritário. Neste tipo de discurso, não há
interlocutores, há um agente exclusivo, e a voz que fala é segura e autossuficiente, já que o
professor se apropria do discurso científico para instituir conhecimentos que são considerados
valorizados e legítimos. A Análise de Discurso toma como base as ideias desenvolvidas por
Althusser (1985) para definir discurso e suas formas.
Para Orlandi (2009,1b), os discursos em funcionamento se classificam em três tipos:
o lúdico, o polêmico e o autoritário. O primeiro é caracterizado pela autora como “aquele em
que seu objeto se mantém presente e os interlocutores se expõem a essa presença resultando
disso o que chamaríamos de polissemia aberta (o exagero é o non-sense)”. O segundo
discurso se caracteriza como aquele que mantém a presença do objeto, sendo que os
participantes “não se expõem, mas ao contrário, procuram dominar o seu referente, dando-lhe
uma direção, indicando perspectivas particularizantes pelas quais se o olha e se o diz, o que
resulta na polissemia controlada (o exagero é injúria)”. E, finalmente, o discurso autoritário,
que é o que interessa aqui neste trabalho, pois o Discurso Pedagógico difundido pelo
professor na escola é assim classificado, e tem o seu referente ausente, ou seja, oculto pelo
dizer; “não há realmente interlocutores, mas um agente exclusivo, o que resulta na polissemia
contida (o exagero é a ordem no sentido em que se diz “isso é uma ordem”, em que o sujeito
passa a instrumento de comando)”.
Retomar o conceito de ideologia proposto por Althusser (1985) e o que ele afirma
sobre os Aparelhos Ideológicos se faz pertinente, para a compreensão dos efeitos de sentido
produzidos pelos dizeres dos professores entrevistados, que se categoriza como Discurso
Pedagógico.
Esse autor define ideologia baseado nos princípios marxistas, uma vez que Marx
considera ideologia as verdades impostas pela classe dominante, capazes de reproduzir a ideia
63
das relações de produção que se realizam através de uma luta de classe e que opõe a classe
dominante à classe explorada. Ao retomar Marx, Althusser pretendia compreender como a
classe dominante se reproduz, especialmente, em termos materiais e percebeu que tal fato se
dava por meio de ideias impostas, as quais eram reproduzidas pelo o que autor chamou de
Aparelhos Ideológicos e Aparelho de Repressão.
A escola foi enquadrada, por Althusser, no que se instituiu chamar de Aparelhos
Ideológicos, considerando que a burguesia, para manter o Estado em seu poder e se manter
como classe dominante, controlava e manipulava ideologicamente as instituições a fim de
reproduzir e manter seu status quo.
Além da escola, outras instituições são utilizadas neste propósito como a igreja, a
família, os sindicatos, o direito, as leis e outros. A classe dominante, detentora do poder do
Estado, portanto, age reproduzindo um sistema que exclui e que é desigual socialmente
através das próprias pessoas que, por ele, são exploradas e utilizadas como meio difusor de
suas ideologias. Nesse sentido, a escola é utilizada como a principal instituição que impõe
ideologias da classe dominante, garantindo assim as condições de perpetuação do poder da
elite burguesa.
Em outras palavras, a escola (assim como outras instituições do Estado, como a
Igreja e outros aparelhos como o Exército) ensina o know-how (como fazer), mas sob a forma
de assegurar a submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua prática.
Aqui, cabe buscar a compreensão do sancionamento da lei 10.639/03, considerando
que não é objetivo do Estado promover a classe que não é dominante. No ano de 2003,
quando a lei foi sancionada pelo presidente Lula, havia uma grande expectativa em relação ao
mesmo e à sua gestão, que sinalizava tendências populistas. Lula promoveu um sentimento de
nacionalismo por meio de medidas governamentais que atendiam à demanda social da
população negra e carente do país, como o incentivo às cotas para afrodescendentes, a Lei
10.639/03, as bolsas (escola, família).
Voltar o olhar para a população negra era uma maneira de ostentar o status de
presidente popular. Assim sendo, todos os envolvidos no processo da produção, da exploração
e da repressão, sem falar dos profissionais da ideologia, devem, de uma forma ou de outra,
estar imbuídos desta ideologia para desempenhar conscensiosamente suas tarefas, seja a de
explorados, seja de exploradores , seja de auxiliares na exploração, seja de grandes sacerdotes
da ideologia dominante (ALTHUSSER, 1985).
Ainda de acordo com o autor, o Estado nada mais é do que o reflexo da classe
dominante. Ele é um meio de repressão no qual a burguesia assegura sua dominação frente à
64
classe operária, para submetê-la ao processo da extorsão da mais valia, ao processo da
exploração capitalista declarada. Ele (Estado) tem aparelhos que reprimem através de seus
mais variados órgãos como polícia, tribunais, presídios, a serviço das elites frente ao
proletariado, tendo por função a reprodução do modo capitalista de produção (Ibid., p. 62-3).
Dentre as materialidades discursivas dos informantes dessa pesquisa, verificou-se a
presença da ideologia de dominação do Estado. O informante V, ao ser inquerido sobre a
importância da implantação da lei aqui em discussão afirmou achar “uma imposição” (Inf.V).
Da mesma forma verificou-se, nas sequências discursivas do informante VI, quando
lhe foi feito o mesmo questionamento: “Conheço a lei. Ela é uma tentativa frustrada do
governo em impor o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas do Brasil” (Inf. VI).
Observa-se que o sujeito que emerge desses dizeres é interpelado pela ideologia de dominação
do estado. O sujeito do discurso do informante VI ainda a esse respeito se contradiz,
evidenciando filiações a diferentes formações discursivas em relação ao papel do estado,
como se observa em: “Como disse anteriormente é uma boa iniciativa de se propor um novo
olhar sobre as questões sociais e raciais no Brasil, mas não funciona. Acho que deveriam
preparar os professores e também fiscalizar a aplicação da lei” ( Inf.VI). Vê-se aí que esse
sujeito ora condena a imposição da lei e o papel impositivo do estado, ora solicita do mesmo
fiscalização, ou seja, controle, na aplicabilidade da lei, que ele mesmo se mostra contra ao
denominá-la tentativa frustrada.
Os Aparelhos Ideológicos impõem as ideias burguesas e os Aparelhos de Repressão
garantem a prática e a perpetuação delas. O que irá distinguir, no fundo, um do outro é que o
Aparelho de Repressão atua através da violência, e o Aparelho Ideológico, através da
ideologia (ALTHUSSER, 1985, p. 69), esse é aqui representado pela escola e pela lei
10.639/03
É por meio dos Aparelhos Ideológicos do Estado que o modo de produção capitalista
se repete e é inculcado na mente das pessoas. A educação escolar implementada pelos
professores, criada já com base no sistema capitalista de ideologias da classe dominate,
transmite a ideia da exclusão social como algo naturalizado. Todos os Aparelhos Ideológicos
do Estado, segundo Althusser (1985), corroboram – e daí não se pode excluir a escola – para
um mesmo propósito: que é a reprodução do modo de produção do capital. Para esse autor, a
escola é o Aparelho dominante, pois ela se encarrega das pessoas de todas as classes sociais
desde a educação infantil até o nível superior inculcando-lhes os saberes pertencentes à
ideologia da classe dominante.
65
O informante IX, em um de seus dizeres deixa clara essa ideia, quando questionado
sobre o papel do educador. O sujeito disse considerar a transmissão de conhecimento seu
papel social, como se verifica em: “Transmitir conhecimentos” (Inf. IX). A pergunta seria:
quais conhecimentos devem ser transferidos?
Para Althusser (1985, p. 80), a escola, através dos professores, produz e reproduz a
relação de exploradores e explorados do princípio capitalista. Isso é feito de maneira
encoberta e dissimulada:
(...) por uma ideologia da escola universalmente aceita, que é uma das formas
essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a escola
como neutra, desprovida de ideologia, onde os professores, respeitosos da
‘consciência’ e da ‘liberdade’ das crianças que lhes são confiadas pelos ‘pais’, que
também são ‘livres’, entenda-se proprietários de seus filhos, conduzem-nas à
liberdade, à moralidade, à responsabilidade adulta pelo seu exemplo, conhecimento,
literatura e virtudes em geral libertárias
A escola está a serviço da manutenção do domínio de uma classe sobre a outra, por
meio de um discurso ideológico que aliena e perpetua as relações de produção e a distribuição
social e econômica desigual.
Os saberes disseminados pelos professores são o que se chama em Análise de
Discurso de referente e, no Discurso Pedagógico (DP), esse referente é impregnado de
ideologias dominantes. Orlandi (20091b), fazendo alusão ao que Althusser chama de
inculcação (o processo de disseminação de ideologias de classes na escola), afirma que
ensinar é mais do que informar, explicar, influenciar ou persuadir.
Para essa autora, ensinar aparece na escola como inculcar, ou seja, impor ideologias
da classe dominante. O processo de inculcação se dá por vários meios, e o primeiro deles é o
da quebra das leis do discurso (DUCROT, 1972, apud ORLANDI, 2009b, p. 17); como a lei
da informatividade, a lei do interesse e a lei da utilidade. Ao desenvolver estes princípios,
Ducrot afirmava que, em qualquer processo de comunicação, se há o objetivo de informar, é
preciso que o ouvinte desconheça o referente (informatividade), que o ouvinte se interesse
pelo referente (interesse) e que o mesmo seja útil (utilidade).
No caso do professor, a quebra destas leis se justifica pelo fato de ser autoridade e se
serve deste lugar hierárquico para apresentar as razões do sistema como razões de fato
(ORLANDI, 2009b, p. 18), ou seja, o professor cria uma visão de utilidade e interesse, que
Orlandi chama de motivação, por meio de expressões e palavras, como é preciso, deve, entre
outras. Além da quebra das leis mencionadas, outra forma de promover a inculcação por meio
do Discurso Pedagógico é através do que Orlandi chama de “é porque é” e a cientificidade. O
66
“é porque é” corresponde à apresentação feita pelo professor das razões em relação ao
referente, de forma que a razão do objeto em estudo fica, em detrimento da razão,
estabelecida pela autoridade.
Quanto à importância da cientificidade no processo de inculcação, pode-se
considerar que isso se dá pelo fato de a natureza das informações transmitidas pelo professor
ser de caráter científico.
A esse respeito, verificou-se nas sequências discursivas analisadas a presença
unânime de dizeres que consideram a lei importante (utilidade), portanto, útil, mas, ao mesmo
tempo, emerge também um discurso de não aplicabilidade da mesma por falta de preparo,
como, por exemplo, em: “Considero muito importante e um avanço no debate sobre as
questões raciais. Conhecer a contribuição do povo negro é o caminho para se mudar falsos
juízos de valor e preconceitos” (Inf. VII). No entanto, esse mesmo sujeito afirma “Acho que
preciso de mais conhecimento sobre o assunto”.
O informante VI segue a mesma perspectiva: “... é uma boa tentativa de se propor
um novo olhar sobre as questões sociais e raciais no Brasil (...) e tento usar, mas sinto que
falta conhecimento” (Inf VI). Se os sujeitos consideram a lei da utilidade, porque não buscam
esse conhecimento? As sequências discursivas denunciam professores, donos do saber
científico que não buscam informações sobre a lei.
Os sujeitos argumentam sempre a falta de aplicação da lei em suas aulas por falta de
preparo, como mostram as materialidades. Se o professor se vê como o detentor do saber,
presume-se que deve buscá-lo. Percebe-se também a presença de dizeres que transferem a
responsabilidade dessa busca pelo conhecimento da lei para a formação insuficiente nas
universidades como se observa nas materialidades seguintes: “Eu acho de suma importância.
É uma pena que nós, professores, não estamos preparados para falar da cultura afro-brasileira.
Falta melhor formação nas universidades” (Inf. III) e “Eu não sei se sou um exemplo de
educadora que usa a lei, mas tento dentro de minhas limitações. Acho que faltam cursos de
aperfeiçoamento ou uma melhor formação nas universidades que formam os professores. Não
adianta implantar a lei se não preparam os professores” (Inf. IV). Observa-se nesses discursos
uma tentativa de responsabilizar unicamente o Estado pela não aplicação da lei, isentando-se
– os sujeitos – de quaisquer responsabilidades pela não busca pelo saber específico, ou seja, o
Estado sancionou a lei e deve dar conta dos treinamentos e dos aportes teóricos necessários ao
professor. Não se deve ignorar, de fato, a participação negativa do Estado em relação à
política educacional do Brasil. É sabido que não há investimentos suficientes e políticas
educacionais capazes de melhorar a qualidade da educação brasileira. Tal fato é
67
desestimulante e provoca nos educadores, muitas vezes, um efeito negativo de desestímulo e
falta de crença em leis como a 10.639/03. No entanto, é necessário considerar que, embora
muitos desses sujeitos se posicionem à espera de ações do governo, a responsabilidade pela
aplicação da lei deve ser compartilhada por eles, mesmo julgando haver uma necessidade de
terem uma suposta verdade (do Estado) a seguirem.
O professor “apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se explicite sua
voz de mediador” (ORLANDI, 2009 1b, p. 21), logo seu dizer e saber (Estado) tornam- se
equivalentes, ou seja, a voz do saber fala no professor, dessa forma é apagada a função de
mediação que ele tem. Nesse contexto, têm-se então as imagens instituídas socialmente do
professor (aquele que possui o saber e está na escola para ensinar o que sabe) e do aluno (o
que não sabe e está na escola para aprender). Para a Análise de Discurso, o professor fala de
um lugar socialmente compreendido como hierarquicamente superior ao lugar de aluno, por
isso suas palavras significam de modo diferente do que se falasse do lugar de aluno
(ORLANDI, 2009 1b, p. 39).
Assim, a sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são as chamadas
relações de força, que se sustentam no poder desses diferentes lugares que se estabelecem na
comunicação, assim, a fala do professor tem mais valor do que a fala do aluno (ORLANDI,
2009, 1b). Esses mecanismos de funcionamento dos discursos constituem o que a AD chama
de formações imaginárias, ou seja, não são o que se chama de sujeito empírico, o qual ocupa
um lugar na hierarquia social, que funcionam no discurso, mas sim suas imagens que são o
resultado de suas projeções, e estas permitem ao sujeito empírico passar dessa condição
(lugar) para a posição de sujeito do discurso.
As imagens (as projeções) constituem diferentes posições, e isso se faz de forma que
o que funciona no discurso, por exemplo, não é o professor visto empiricamente, mas o
professor enquanto posição discursiva produzida pelas formações imaginárias. Essas posições,
ou seja, as imagens significam sempre em relação a um contexto sócio-histórico e à memória
(o saber discursivo já-dito). Assim, tem-se a imagem da posição do sujeito locutor (quem sou
eu para falar assim?), e também a posição do sujeito interlocutor (quem é ele para me falar
assim ou para que eu lhe fale assim?). Há ainda a imagem do objeto do discurso, o referente
(do que estou lhe falando, do que ele me fala) e o jogo de imagens nas quais se estabelem as
relações de força em que coexistem as imagens que o professor tem de si mesmo, a imagem
que o professor tem do aluno e a imagem que o professor acha que o aluno tem dele. E ainda,
há a imagem que o aluno tem do professor, a imagem que o aluno tem dele mesmo e a
imagem que o aluno acha que o professor tem dele.
68
Considerando os conceitos de escola, aqui apresentados, e as entrevistas (escritas)
dos professores, que compõem o corpus deste trabalho, é possível verificar se a imagem
historicamente construída do professor é reproduzida por eles por meio de seus discursos.
A maioria dos professores (90% deles) disse ser graduada e licenciada em Letras, em
instituições de ensino públicas e privadas. Quando perguntados sobre a razão de escolherem o
magistério como profissão, esses profissionais apresentaram, em geral, a vocação como
justificativa da opção, considerando um gosto hereditário (herança), dom e prazer. É
interessante observar que os sujeitos discursivos I e X colocam o fator herança (é hereditário)
como determinante em suas opções, conforme pode-se observar:
Sempre achei bonito ser professor. Minha mãe é professora. Acredito na
importância que a educação tem de mudar o mundo. O professor pode mudar
preconceitos, mediar conhecimentos...( Inf.I).
Venho de uma família de educadores, acho que foi isso. O educador tem o papel de
tornar a sociedade mais fácil de se viver (Inf. X).
Já os sujeitos dos discursos II, III e IV consideram ser um dom/vocação o fato terem
escolhido ser professores, como se verifica em:
Ensinar é dom. Gosto de fazer as pessoas pensarem. Acredito que o papel do
educador é esse: ensinar a pensar(Inf.II).
Não sei explicar, acho que nunca me vi atuando em outra coisa. Penso que o papel
do educador é sermedidor dos conhecimentos, ele facilita o acesso ao conhecimento
(Inf.III).
Fui motivada pela vocação. Adoro o que eu faço. Educar para mim é expandir os
horizontes. É descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...é mediar os saberes
do mundo (Inf. IV).
Há ainda os sujeitos que consideram o prazer como motivador da sua escolha,
segundo o que se pode verificar em: “Gosto de ensinar. Gosto muito. Educar é mais que
impor verdades. Educar é transfomar o ser” (Inf.V) e “O prazer de ensinar me motivou.
Sempre gostei. O professor é quem faz do conhecimento algo mais acessível, mais fácil. O
professor precisa ser desprovido de preconceitos e promover o desenvolvimento de senso
crítico” (Inf.VIII).
Cabe aqui um questionamento: como escolher uma profissão por um prazer não antes
sentido? Não há legitimidade nas respostas presentes nessas sequências discursivas, mas, em
relação ao informante IX, cabem algumas considerações especiais. Observemos os dizeres
que seguem:
69
(Aline) O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do
educador, em sua opinião?
Inf. IX - Transmitir conhecimentos.
Pode-se considerar a respeito das materialidades enunciadas que o sujeito silencia
sobre sua motivação, respondendo somente sobre o papel do educador; nota-se que, para o
mesmo, motivação e papel são sinônimos, não sendo possível classificar a motivação
profissinal desse sujeito.
Em relação à importância que atribuem à função social do professor, os entrevistados
são unânimes em considerar que esta é uma profissão quase heroica, como se observa na
afirmação do informante I: “Acredito na importância que a educação tem de mudar o mundo”.
Ou seja, os educadores se veem como fundamentais nas mudanças sociais a partir do seu
poder de influência. Observou-se que os informantes (professores) se veem (as imagens que
eles fazem deles mesmos) como detentores, mediadores ou responsáveis pelo saber científico,
como se verifica claramente nos dizeres seguintes: “Penso que o papel do educador é ser
mediador dos conhecimentos, ele facilita o acesso ao conhecimento (Inf.III); e Educar para
mim é expandir os horizontes. É descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...é mediar os
saberes do mundo” (Inf. IV).
Os professores justificam também a importância da sua função por meio da utilidade
e informatividade daquilo que ensina, conforme se pode observar em: “Acredito muito no
papel de formador de opiniões do professor. Ele pode mudar preconceitos como podem fazê-
los se perpetuarem. Prefiro desfazer preconceitos” (Inf. VI) e “O prazer de ensinar me
motivou. Sempre gostei. O professor é quem faz do conhecimento algo mais acessível, mais
fácil” (Inf. VIII).
O que se percebe é que, unanimemente, os professores perpetuam em seus dizeres a
imagem que, historicamente, tem-se deles. Os informantes têm imagens claras de si mesmos e
acreditam que são responsáveis pela transmissão do saber científico ou que são mediadores
deste conhecimento. Observa-se também uma tendência à crença de que o professor tem o
papel de intervenção social a partir da construção de novas ideologias. Tal fato está claro nos
dizeres dos informantes I, IV e VI, respectivamente, a conferir: “O professor pode mudar
preconceitos, mediar conhecimentos...” (Inf. I); “Educar para mim é expandir os horizontes. É
descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...” (Inf.IV); “Ele pode mudar preconceitos
como podem fazê-los se perpetuarem” (Inf. VI). A questão do preconceito emerge desses
dizeres, pois a lei 10.639/03, ao propor o estudo da cultura afrobrasileira, faz com que, por
70
meio do conhecimento, diluam-se os pré-conceitos, ou seja, desfaçam-se equívocos sobre os
negros e sua história.
Diante do exposto, é possível afirmar que esses professores reconhecem a
importância e o poder dos seus discursos. É perceptícel também, nos dizeres anteriores dos
informantes, a imagem que os professores têm dos alunos, ou seja, uma imagem de indivíduos
que não sabem e precisam saber ou aqueles que precisam ser transformados.
É interessante também observar que os sujeitos filiam-se, quando é conveniente, a
duas formações discursivas distintas ao falarem de seu papel; mostram-se
conservadores/tradicionalistas e, em outro momento, filiados à ideologia da pedagogia
moderna. Quando afirmam “...os educadores precisam ser treinados” (Inf.I) “e educar é
transformar o ser” (Inf.V) ou ainda “...o professor...precisa promover o desenvolvimento de
senso crítico” (Inf.VIII). Essas materialidades evidenciam, respectivamente, a ideia de
treinamento que nos permite analisar que o educador precisa fazer o que lhe é mandado,
determinado; e a ideia de que educar é considerar o aluno uma tabula rasa13, um depósito de
conhecimentos; conceitos cristalizados historicamente como característicos da pedagogia
tradicionalista que se baseia no Behaviorismo14.
Os mesmos sujeitos deixam, no entanto, emergir de suas materialidades discursivas a
filiação a uma FD da pedagogia moderna, considerando os conceitos de Paulo Freire, por
exemplo, como se pode verificar em: “O professor pode... mediar conhecimentos” (Inf.I),
“Educar é mais que impor verdades” (Inf.V), “O professor é quem faz do conhecimento algo
mais acessível, mais fácil” (Inf. VIII). Os sujeitos discursivos dos informantes I e VIII
consideram o professor como possível mediador do conhecimento.
13 Na visão das teorias empiristas, cujo princípio é tão longínquo quanto os ensinamentos de Aristóteles, as
bases do conhecimento estão nos objetos, em sua observação. Para estes, o aluno é tabula rasa e o conhecimento
é algo fluido, que pode ser repassado de um para outro pelo contato entre eles, seja de forma oral, escrita,
gestual, etc. É nesta teoria que baseiam-se a maioria das correntes pedagógicas que conhecemos, entre elas
o behaviorismo . O aluno não é concebido como o agente do processo e sim como uma tábula rasa que nada sabe
e precisa de alguém para transmitir as informações, sendo que essas estão desvinculadas
da vida do aluno e da sua realidade social.
14 Nesta visão a hegemonia prévia do professor ou do aluno está distanciada do processo, pois tanto o professor
como o aluno tem a sua visão de mundo e de homem[3] e na sua bagagem traz conhecimentos sistematizados ou
não que fazem parte do seu mundo.
Behaviorismo Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), que se tornou o representante mais importante da corrente
comportamental. Ele lançou o conceito de "condicionamento operante" a partir das suas experiências com ratos
em laboratório, utilizando o equipamento que ficou conhecido como Caixa de Skinner (1953). Por esse conceito
explicou que, quando um comportamento é seguido da apresentação de um reforço positivo (recompensa) ou
negativo (supressão de algo desagradável), a frequência deste comportamento aumenta.
71
A pedagogia moderna é centrada nas relações, os diálogos estão presentes entre os
atores do processo do ensinoaprendizagem (PIAGET, 1976). Os fundamentos
epistemológicos dessa pedagogia têm na teoria Interacionista do tipo construtivista,
defendidas pelos teóricos Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henry Wallon, seus alicerces.
No Brasil, Paulo Freire destacou-se por considerar os princípios dialógicos da
educação. A esse respeito, Freire (1988, p. 78) se refere ao diálogo entre educadores e
educandos como “o encontro dos homens, mediatizados pelo mundo”, assim, o diálogo
constitui-se condição para a mediação dos conhecimentos, pois é a partir da tomada de
consciência sobre os fatos do cotidiano que o homem, interagindo com a realidade, supera o
conhecimento do senso comum, passando a pensar de forma crítica. Desta forma, ele poderá
intervir como agente transformador de si mesmo e dessa realidade. Há, nessa perspectiva da
educação contemporânea, uma crítica ao modelo de educação bancária e ao teor autoritário do
discurso pedagógico, apresentada por Freire (1988):
[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se
solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um
sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem
consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1988, p. 79).
Esses conceitos freireanos são muito trabalhados nos cursos formadores de
professores nas universidades. Assim, os sujeitos dos dizeres I, V e VIII filiam-se à FD que
defende essa teoria, mas também à FD que impõe o poder do professor por consequência do
saber que detém – o saber científico.
Considerando as convicções dos sujeitos de que são capazes, por meio de seus
conhecimentos, de “mudar preconceitos, como podem fazê-los se perpetuarem” (Inf. VI),
“mudar o mundo... mudar preconceitos...” (Inf. I), ou ainda de serem eles a “ponte entre
alunos e conhecimento” e facilitadores do conhecimento pretendido pelo aluno, os
professores, em seus dizeres, evidenciam a imagem que eles pensam que seus alunos têm
deles, ou seja, a imagem do indivíduo que sabe e que é modelo e é referência do saber
científico. Estabelecer aqui as imagens dos alunos não foi possível, pois estes não foram
entrevistados, logo, não compõem o corpus desta pesquisa.
Considerando, então, a lei 10. 639/2003, os sujeitos dos discursos analisados, quando
perguntados sobre o conhecimento da mesma e sua importância para a escola brasileira,
deixaram emergir sentidos, em sua maioria – 70% dos informantes –, que sugerem a não
aplicação da lei. Esses informantes, ao se subjetivarem, afirmam que não usam a lei em
72
questão por serem conhecedores superficialmente da mesma e do tema que ela propõe
discussão, como se observa em: “Sou um educador que desperta os alunos para a criticidade,
mas não utilizo a lei. Não me sinto preparado” (Inf. I), ou ainda em “Eu não uso a lei nas
aulas porque me considero despreparada para falar do assunto” (Inf. II) e “Não, não me sinto
preparado para essa discussão” (Inf. VII). Há ainda aqueles professores que consideram a lei
importante, mas não a põem em prática por se considerarem despreparados, como se pode
verificar em: “Eu acho de suma importância. É uma pena que nós professores não estamos
preparados para falar da cultura afro-brasileira. Falta melhor formação nas universidades”
(Inf.III). Outros professores demonstram pouca simpatia ou total desconhecimento da lei,
conforme se observa no que afirma o informante V: “Acho uma imposição. Nada imposto dá
certo. Antes de impor, o governo deve capacitar o professor” (Inf.V) e no informante IX “Não
posso falar, pois não conheço” (Inf. IX). Aqui, cabe discutir a razão de tantos sujeitos
posicionarem-se ideologicamente como comodistas à espera da formação e não a buscarem.
Pode-se verificar nesses dizeres o discurso do despreparo. Para tanto, utilizam-se da
culpabilidade do Estado ou da má formação nas universidades. O que se vê é uma necessidade
de culpar alguém pela falta de interesse em conhecer sobre a temática pertinente à lei aqui
abordada.
A história do negro no Brasil, abordada na seção primeira desse trabalho, é a
condição de produção desse discurso cujo sentido nos remete ao desinteresse, contrário, no
entanto, ao papel do educador – papel esse reconhecido pelos mesmos – de conhecer para
mediar o saber. Nesses casos, não se conhece nem há o interesse em conhecer, e a razão é
ideologicamente compreendida: silenciar sobre os negros sempre se fez necessário para
manter o status da classe e para não denunciar a crueldade praticada contra os negros no
Brasil.
É interessante perceber como o educador, detentor do saber dominante – conforme
analisa Althusser (1985) quando se refere à escola – sente a necessidade de estudar para
conhecer a cultura afro-brasileira, ou seja, a sua própria cultura. Mas, como aqueles que se
veem como a fonte do saber afirmam não saberem? Chama atenção a esta questão se for
considerada a histórica tentativa de se apagar a história dos negros no Brasil, então, de fato
não sabem ou não a reconhecem?
De acordo com os dados colhidos, os sujeitos não a reconhecem. Nas entrevistas os
sujeitos dos informantes I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII afirmam não estarem preparados para
ensinar a cultura afro-brasileira, como se verifica nas materialidades seguintes:
73
Sou um educador que desperta os alunos para a criticidade, mas não utilizo a lei.
Não me sinto preparado (Inf.I).
Eu não uso a lei nas aulas porque me considero despreparada para falar do assunto
(Inf.II).
Eu acho de suma importância. É uma pena que nós professores não estamos
preparados para falar da cultura afro-brasileira. Falta melhor formação nas
universidades (Inf.III).
Eu não sei se sou um exemplo de educadora que usa a lei, mas tento dentro de
minhas limitações. Acho que faltam cursos de aperfeiçoamento ou uma melhor
formação nas universidades que formam os professores. Não adianta implantar a lei
se não preparam os educadores (Inf.IV).
Acho uma imposição. Nada imposto dá certo. Antes de impor, o governo deve
capacitar o professor (Inf. V).
Como disse anteriormente é uma boa iniciativa de se propor um novo olhar sobre as
questões soaciais e raciais no Brasil, mas não funciona. Acho que deveriam preparar
os professores e também fiscalizar a aplicação da lei (Inf.VI).
Não, não me sinto preparado para essa discussão (Inf. VII).
Eu promovo debates, trabalho textos, filmes, poemas. Acho que preciso ainda de
mais conhecimento sobre o assunto (Inf.VIII).
Tal dado – o fato de 8 sujeitos afirmarem estarem despreparados para utilização da
temática afro-brasileira nas aulas – pressupõe um distanciamento deles – os educadores – da
cultura na qual estão inseridos. O fato de não conhecerem ainda se agrava com o fato de não
desejarem conhecer. Nas materialidades mostradas, eles não explicitam esse desejo, mas
põem a culpa da desinformação no Estado ou na formação acadêmica. Fala-se da cultura afro-
brasileira com distanciamento, como se não fizessem parte dela e precisassem de um preparo
especial.
Dessa forma, os professores, envolvidos pela ideologia da classe dominante (branca)
e detentores do saber (por dons, méritos e competências), convertem hierarquias sociais (que
determina a importância da cultura europeia em detrimento da cultura africana) em
hierarquias escolares (priorizando conteúdos a partir de ideologias da classe dominate) e, com
isso, corroboram para a perpetuação da ordem social, repleta de preconceitos, de forma que
os bens culturais tanto quanto os bens econômicos pertençam àqueles dignos e capazes de os
terem, só os possui quem já tem condições de possuí-los.
O fato é que os professores não se veem afro-brasileiros, e por isso se distanciam,
teoricamente, da cultura – a qual vivem na prática, no cotidiano. Se for considerada a histórica
tentativa de se apagar a história dos negros no Brasil, tal dado (80 % dos sujeitos discursivos
não praticam a lei por não se sentirem preparados ou não dominarem o tema da cultura afro-
74
brasileira) revela a perpetuação de uma ordem social que institui o negro e suas contribuições
sociais como irrelevantes e sem importância; além deles, os informantes IX e X, ao se
subjetivarem em sujeitos de seus dizeres, evidenciam que não são conhecedores da lei,
portanto, há um silenciamento no que diz respeito à lei 10.639/03.
Dos sujeitos conhecedores da lei (8 do total), somente 3 afirmam que tentam aplicar
a lei nas suas aulas; mas, mesmo assim, com muita insegurança ao fazê-lo, como se verifica
em “Eu não sei se sou um exemplo de educador que usa a lei, mas tento dentro de minhas
limitações” (Inf. IV). Os professores que usam a lei confessaram se esforçarem em aplicá-la,
como se observa em: “Tento, sim, usar, mas sinto que falta conhecimento aprofundado(Inf.
VI), Acho que sim. Tento” (Inf. VIII). Os demais declaram que não aplicam a lei pelos
motivos já apresentados anteriormente.
É revelador o distanciamento dos professores com o que a lei impõe. Na verdade, ela
determina a discussão teórica dessa cultura; mas os conhecimentos empíricos da mesma que
os professores têm, afinal, são todos brasileiros, são silenciados. A imagem que os
professores, em sua maioria, têm de si mesmos além da de serem os representantes do saber
científico, é a de não pertencemento da cultura afro-brasileira, pois afirmam que não
comungam deste saber, portanto, é como não fazer parte dessa cultura.
O discurso da classe dominante, historicamente construído e introduzido pelos
europeus no Brasil, faz com que os professores ocupem posições discursivas, ou seja,
inscrevam-se em uma formação discursiva – o lugar de constituição e identificação do sujeito
(nela, o sujeito adquire identidade) (ORLANDI, 2001b, p. 103) – de não pertencimento da
cultura afro-brasileira, ou seja, a interpelação do indivíduo (professor) em sujeito de seu
discurso se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina
(isto é, na qual ele é constituído como sujeito).
No caso dos professores entrevistados, a formação discursiva predominante é a da
classe dominante que se coloca contra as leis, no instante em que não se identificam com a
cultura afro-brasileira e são contra a reparação social em favor dos afrodescendentes. Essa
identificação (ou falta dela) é fundadora da unidade (imaginária) do sujeito, que constitui, em
seu discurso, os traços daquilo que o determina (PÊCHEUX ,1997).
Dessa forma, professores não se identificam como afrodescendentes por se
encontrarem interpelados pela ideologia da classe dominante que, historicamente, é detentora
dos bens materiais e culturais. Assim, a formação discursiva, na qual se inscrevem os
professores entrevistados, é a dos detentores do saber dominante, logo, distantes da cultura
75
afro-brasileira, e, por essa razão, dizem desconhecê-la. Cabe aqui, portanto, uma discussão
acerca do conceito de identidade proposto pela Análise de Discurso.
Para Orlandi (2009,1a), as identidades (neste caso, culturais) resultam dos processos
de identificação, em que as imagens se estabelecem a partir das condições de produção nas
quais se constituem. Dessa forma, os professores, a partir das relações de imagem que
estabelecem deles (detentores do saber científico) e da comunidade afro-brasileira
(cientificamente defendida no século XIX como inferior), instituiram-se como a base do saber
científico, que está, no Brasil, historicamente atrelado – nas questões raciais – ao discurso da
classe dominante. Essa classe considerou por séculos a inferioridade do povo negro (como
fora explicitado na primeira seção deste trabalho a partir de teorias racistas desenvolvidas no
Brasil por Nina Rodrigues, por exemplo).
Como, para a Análise de Discurso, essas identidades não podem ser construídas fora
dos discursos, pois são íntrinsecas aos sujeitos e surgem a partir da interação entre eles, é
justificada, assim, a não identificação dos professores/informantes subjetivados em sujeitos
discursivos, desta pesquisa, ao que se chama cultura afro-brasileira, uma vez que se
reconhecem como detentores do saber científico tradicional, saber este que desconsiderou,
secularmente, a história do povo negro no Brasil.
Se, para que ocorra a construção de identidade cultural, é necessária a relação de
imagens (como eu me vejo e como o outro me vê), os professores não se veem afro-
brasileiros, assim como a sociedade não os vê também, pois representam o saber. Pode ser
essa a razão da existência de racismo ainda no Brasil, pois é dessa forma que os processos de
construção dos sentidos sociais se estabelecem, considerando as condições de produção do
discurso, ou seja, lugares sociais e a história.
Ainda sobre identidade, Hall (2006, p. 13) afirma que o sujeito pós-moderno é um
ser fragmentado, visto “como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente, já que
ele assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são
unificadas ao redor de um 'eu' coerente”.
Para a AD, este conceito é pertinente, pois ela considera as posições que o sujeito do
discurso pode ocupar em diferentes locais sociais. Por exemplo, quando convém, os
professores defendem o uso da lei 10.639/03 por ser politicamente correto (inscrevem-se em
uma formação discursiva favorável às medidas de reparação), considerando uma tendência
atual de se respeitar as diferenças. Por exemplo, dos dizeres dos sujeitos aqui em análise, essa
tendência da valorização da lei, como se pode observar em: “Acho que é muito importante
conhecermos a história dos nossos antepassados” (Inf. II), “Qualquer iniciativa que promova
76
inclusão social é válida” (Inf. VII), no entanto, esses mesmos informantes inscrevem-se em
outra formação discursiva – de negação das medidas de reparação racial – ao afirmarem que
não usam a lei porque desconhecem a cultura afro-brasileira, como se pode verificar em: “Eu
não uso a lei nas aulas porque me considero despreparada para falar do assunto (Inf. II) e Não,
não me sinto preparado para essa discussão” (Inf. VII). Dessa forma, verifica-se o
posicionamento em diferentes posições-sujeito dentro de uma mesma FI (o que é
politicamente correto em relação às medidas de reparação racial).
Como há nos indivíduos identidades contraditórias, essas identificações estão sendo
continuamente deslocadas, ou seja, o sujeito do discurso é descentrado em função das
condições de produção que podem ser culturais, de gênero, de classe social, de posição
política e religiosa, enfim, das várias identificações que formam o sujeito fragmentado da pós-
modernidade, adotando posições convenientes a cada situação comunicativa. Portanto, a
identidade, segundo Hall (2006), não é pronta e fixa, é constantemente construída e exercida
de forma múltipla, pois os indivíduos estão sempre em contato com diferentes interlocutores,
ora assumindo a identidade de professor, ora de aluno, e assim sucessivamente. No mundo
contemporâneo, fala-se cada vez mais de identidades plurais ou ainda de identificações que
teriam o caráter provisório, porque está em constante devir. A identidade estaria, tal como
definiu Taylor (1994, p. 41-2), estreitamente vinculada à ideia de reconhecimento.
[Ela] designa algo que se assemelha à percepção que as pessoas têm de si mesmas e
das características fundamentais que as definem como seres humanos. A tese é que
nossa identidade é parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela ausência dele,
ou ainda pela má percepção que os outros têm dela (...). O não-reconhecimento ou o
reconhecimento inadequado pode prejudicar e constituir uma forma de opressão,
aprisionando certas pessoas em um modo de ser falso, deformado ou reduzido.
Fala-se em identidade cultural quando se quer referir a grupos que não se apoiam em
um Estado-Nação, mas que reivindicam a pertença a uma cultura comum. Nesse caso, os
negros brasileiros reivindicam o reconhecimento de sua cultura, pois se reconhecem afro, mas
a sociedade ainda não os reconhece como importantes na formação do arcabuço cultural
brasileiro. Dá-se então o conflito que origina o questionamento da identidade nacional. Isso
implica a revisão da história e o questionamento da cultura hegemônica; a lei 10.639/03
surgiu com esse propósito.
Os processos de construção de identidade coletiva, nacional ou cultural são similares
no que tange ao estabelecimento de um modelo com o mesmo fim, ou seja, o reconhecimento.
O que os distingue, como explicita Taylor (1994), é o fato de que, quando se trata de grupos
77
minoritários, ser reconhecido não é uma necessidade, mas uma exigência junto aos
interlocutores com os quais esses grupos, cada vez mais específicos e numerosos nas
sociedades democráticas, dialogam. O termo exigência de reconhecimento esclarece a
natureza desse anseio; ele indica que essas reivindicações dizem respeito a mudanças na
legislação desses países em função dos interesses de cada grupo.
Assim sendo, a lei 10.639/03 é justificada por haver a necessidade de
reconhecimento da contribuição cultural negra no Brasil e menosprezar a importância dessa
cultura por causa da mediação europeia é desconhecer a história. Conhecê-la se faz urgente,
entretanto, segundo Appiah (1997, p. 248), se é papel do intelectual (professor) buscar a
verdade, é tentador também “celebrar e endossar as identidades que, no momento, parecem
oferecer a melhor esperança de promover nossos outros objetivos, e silenciar sobre (o que se
considera) as mentiras e os mitos”.
Silenciar sobre a lei, como fazem os sujeitos cujos dizeres foram aqui analisados, é
perpetuar o status quo da classe dominate branca (e almejado pelos professores),
historicamente detentora do saber e poder no Brasil. Tal postura dos educadores promove
ainda racismo, e, por conseguinte, o surgimento do racismo às avessas, pois esta é a única
resposta que poderá satisfazer àqueles que são ainda discriminados, numa tentativa de se
impor na sociedade.
O afirmacionismo negro no Brasil promete ter vida longa, pois o que deve ou não ser
ensinado passa pelo crivo do professor, que determina o que é relevante ou não por meio do
discurso de autoridade, considerando a posição discursiva que ocupa e que foi historicamente
construída pela elite branca.
O professor determina o que deve ser ensinado, privando, assim, os alunos de
conhecerem a história da formação cultural original do povo brasileiro fora de uma
perspectiva europeia/dominante Isso acaba por perpetuar ideologias de superioridade e
inferioridade a partir do que aquele sujeito considera relevante ou não nas salas de aula,
considerando as imagens historicamente construídas que tem de si e dos alunos.
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4 OS EFEITOS DE SENTIDOS SOBRE A LEI 10.639/03
Partindo dos conceitos da Análise de Discurso, o indivíduo social é interpelado em
sujeito pelas ideologias para que seja produzido o dizer. Assim sendo, através da linguagem e
na linguagem, o sujeito do discurso materializa as ideologias.
Assim sendo, a ideologia não é ocultação, conforme Orlandi (2009, 1a), mas função
da relação necessária entre linguagem e mundo; os sentidos produzidos pelos dizeres,
portanto, é uma relação determinada do sujeito, que é afetado pela língua, com a história.
Dessa forma, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia.
O discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve
questões de natureza não estritamente linguística, como, por exemplo, aspectos sociais e
ideológicos que estão impregnados nas palavras (FERNANDES, 2007).
Os discursos não permanecem os mesmos, mudam, não são fixos. Mudanças sociais
promovem rupturas ideológicas que possibilitam novos dizeres, novas discursividades.
Através da AD é possível compreender como os sujeitos de uma sociedade se relacionam com
os novos e velhos dizeres e quais as implicações destes, por exemplo, a respeito dos negros e
sua inclusão social por meio de políticas compensatórias.
Durante muito tempo, os resquícios da escravidão permearam os dizeres a respeito
dos negros, de forma negativa e preconceituosa; no entanto, após a abolição da escravatura,
passando pelo surgimento e fortalecimento das instituições oficiais do movimento negro e
chegando aos dias de hoje, muitos discursos se constituíram sobre a negritude e seu lugar na
sociedade.
A lei 10. 639/03 é uma conquista institucional para os brasileiros, não somente para
negros e mestiços do Brasil, uma vez que oportuniza o conhecimento da história e
contribuições culturais da negritude no país. Por meio da Análise de Discurso, busca-se
perceber os processos de produção dos sentidos sobre a lei em questão bem como sobre o
negro na sociedade, considerando os dizeres gravados e transcritos de dez professores, como
exposto na seção anterior.
Considerando que todo processo discursivo constitui-se a partir de outros discursos,
pode-se afirmar que o processo de significação é histórico e que, assim sendo, os dizeres dos
professores que compõem o corpus deste trabalho têm relação com o que fora produzido
historicamente acerca dos negros no Brasil.
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Os discursos não devem ser analisados linearmente, mas sim ideológica e
historicamente, considerando as mudanças pelas quais passou a sociedade. Assim sendo,
novos discursos não surgem do nada; eles são produzidos numa dada condição sócio-
histórica. A lei 10.639/03, enquanto discurso, surgiu em uma época quando discutir os
direitos de negros era uma necessidade urgente. O ano de 2003 foi marcado por alguns
acontecimentos importantes para a história do país: chegou à presidência da república uma
figura popular, Luís Inácio Lula da Silva, considerado um representante do povo, por ter
origem humilde – ex-torneiro mecânico, militante político e um dos fundadores do Partido
dos Trabalhadores (PT).
As perguntas feitas aos professores versaram sobre a lei 10.639/03, tais como a
importância e a utilização da mesma por esses docentes. Todos os entrevistados são
graduados em nível superior, sendo que 90% possuem formação em Letras Vernáculas ou
Letras com Inglês e 10% apresenta formação em Comunicação Social. Esse informante não
foi selecionado por nenhuma razão especial, durante a visita à escola onde o mesmo leciona,
foi solicitado que o corpo docente de língua portuguesa fosse entrevistado; e ele foi
selecionado pela instituição para poder conceder a entrevista.
Os docentes foram selecionados propositadamente da seguinte maneira: 50% foram
estudantes de graduação de faculdades particulares e 50% foram estudantes de graduação de
universidades públicas, porém, o que se detectou, ao serem analisados os dados, é que esta se
tornou uma variante sem relevância para a pesquisa, ou seja, essa informação relacionada à
formação do docente não apresentou alteração nos dados que aqui serão apresentados, visto
que o fato de serem ou não formados em instituições públicas ou particulares não os fazem
mais obedientes à lei.
Considerando que os discursos produzidos pelos professores é, para a AD, o lugar de
manifestação ideológica, o lugar no qual o linguístico e o histórico se articulam (GADET;
PÊCHEUX, 2004), faz-se necessário compreender as condições de produção imediata e
histórica de produção discursiva, bem como as Formações Discursivas e Ideológicas lugar em
que se inscrevem esses discursos. Cada formação ideológica constitui um conjunto complexo
de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam
mais ou menos diretamente em posições de classe em conflito umas com as outras.
Neste trabalho, verificou-se a presença da Formação Ideológica que diz respeito à lei
10.639/03, ou seja, nesta formação há uma força ideológica que entra em confronto com
outras FIs na conjuntura ideológica das questões raciais no Brasil como, por exemplo, a FI
sobre as cotas para afrodescendentes.
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As FIs são constiuídas de Formações Discursivas (FDs) que, interligadas,
determinam o que pode e o que deve ser dito em uma dada conjuntura, ou seja, em uma dada
relação de lugares no interior de um aparelho ideológico e inscrita em uma relação de classes
(PÊCHEUX, 1997b).
Os informantes desta pesquisa filiam-se à mesma formação ideológica que alude às
atitudes e representações da lei 10.639/03. Essa FI é constituída por FDs que correspondem
aos dizeres sobre a lei em uma dada conjuntura. Os dizeres em favor da igualdade entre
negros e brancos, na sociedade, por exemplo, coexistem com os dizeres que são contra, eles
estão diponíveis no Interdiscurso e são acionados sempre, dependendo do lugar que o sujeito
discursivo se inscreve em uma dada formação discursiva. Professores a favor da lei compõem,
por exemplo, uma FD, e os que são contra constituem outra FD. As FDs, no entanto, não
possuem limites rígidos, o sujeito pode transitar entre elas, ocupando diferentes posições-
sujeito.
A esse respeito, Pêcheux (1997) explica que “desidentificar-se implica não mais estar
identificado com uma determinada formação discursiva porque, de fato, este mesmo sujeito já
identificou-se com outra formação discursiva”. O sujeito discursivo posiciona-se a partir de
formações imaginárias construídas pelo seu grupo social, na relação com as FDs, cujas
fronteiras são porosas e permitem a produção de efeitos de sentidos de outras FDs. Para
melhor analisar os dados, considerou-se a existência de duas FDs: FD1(Professores que são
favoráveis à lei) e FD2 (professores que não são favoráveis à lei).
Verificou-se que 100% dos informantes se subjetivam em sujeitos discursivos, em
uma FD cujos dizeres favoráveis à lei se manifestam. Nenhum dos sujeitos coloca-se por meio
de suas materialidades discursivas contra a lei 10.639/03. No entanto, as posições-sujeito
ocupadas por esses sujeitos são distintas. Os sujeitos presentes nos dizeres dos informantes I,
III, V, IX e X, por exemplo, mostram-se a favor da lei em questão, mas não acreditam na
eficácia da mesma se colocada em prática. Verifiquemos as materialidades desses sujeitos
separadamente.
O sujeito que emerge dos dizeres do informante I afirma ser “totalmente a favor!” da
lei, mas desacredita de sua funcionalidade, pois os professores, segundo ele, não estão
preparados, como se observa a seguir:
(...) não funciona nem vai funcionar... Os professores não estão preparados. Eu
mesmo, quando me graduei, não tive essa...essa matéria na aula da faculdade. Hoje,
é...eu tento, me viro...praaa...tentar né. Mas é difícil. Tem uma lacuna na minha
fomação(Inf.I).
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Esse sujeito, ao afirmar que “... não funciona, nem vai funcionar”, permite-nos
compreender o seu determinismo e pessimismo em relação ao futuro da lei na educação
brasileira. Tal fato se dá por considerar as leis no Brasil habitualmente rodeadas por falhas,
como ele mesmo defende em: “...como toda lei nesse país né...nunca se cumpre a lei como
deveria” (Inf.I). Associado a esse fator, o informante considera que há uma formação
insuficiente dos professores, que, ao colocarem em prática a lei, correm, por essa razão, o
risco de fazê-lo de forma errada “como sempre aconteceu” (Inf.I).
Considerando ainda as materialidades discursivas do sujeito dos dizeres do
informante I, verificou-se que há a presença de um equívoco discursivo quando se confrontou
suas entrevistas escrita e oral. Na primeira, o informante afirmou não usar a lei em suas aulas:
“Eu não utilizo” (Inf.I), embora a reconhecesse como positiva, como se verifica em:
É uma iniciativa muito boa, porém não vai funcionar. Os educadores precisam ser
treinados para tratar da cultura dos negros no Brasil. Não há formação suficiente
para falar dessa cultura (Inf.I).
No entanto, na entrevista oral, que aconteceu dez dias após a entrevista escrita (com
todos os informantes foi mantido esse intervalo de tempo), o mesmo sujeito afirmou, ao ser
perguntado se considerava ser um educador que corresponde às expectativas da lei, que tenta
e que promove a discussão com regularidade, como se pode observar a seguir: “Sim. Sempre
promovo debates a partir de obras como As vítimas algozes, por exemplo, discuto com eles a
questão do preconceito e tal...” (Inf.I). Na mesma situação, observou-se o sujeito dos dizeres
do informante VIII. Ele se filia, assim como os outros sujeitos, a FD favorável à lei, mas não a
aplica, porém, no questionário (oral), ora manifesta-se como professor que não aplica a lei por
desconhecê-la, ora como professor que “tenta” aplicá-la.
Considerando que o discurso é lugar de manifestação da ideologia e que o sujeito
discursivo se constitui ideologicamente por meio da linguagem, os sujeitos que emergem
desses dizeres são contraditórios. Eles se inscrevem em uma formação discursiva favorável à
lei, porém ocupam posições-sujeito de não aplicabilidade. Assim como esses sujeitos,
aqueles, que emergem dos dizeres dos informantes III, V, IX e X, posicionam-se
favoravelmente à legislação aqui abordada, mas não a consideram credível, mediante o
cenário da educação brasileira; como se precebe em:
(Aline) - O que acha da lei? É contra a lei?
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Inf. III - Acho excelente, de uma importância incrível para a educação brasileira.
Pena que não é posta em prática com eficiência”/ Não. Sou contra a forma como está
sendo desenvolvida. Tem professor que não domina a temática e quando vai dar aula
termina sendo limitado. Recentemente aqui na escola...é...teve uma professora
que...teve um problema. Acho que ela tava falando de...num sei bem....não me
lembro direito...mas acho que foi de danças do candomblé...ela....parece que fez uma
encenação e deu confusão por causa dos crentes... (risos) ainda tem isso viu minha
filha!!.
Inf.V - Falha / Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de
capacitação, de formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula.
Inf. IX - Não, mas não a utilizo.
Inf. X - Olha, Aline, importante...porém falha. Não estamos preparados criticamente
para essa discussão...somos ainda de uma geração preconceituosa...é difícil romper
com isso por causa de uma lei...
Como se pode verificar, ao se subjetivar nessa posição-sujeito, o informante III diz-
se a favor da lei, mas contraditoriamente lamenta por aqueles que não sabem o suficiente para
fazer a abordagem correta da mesma. Esse mesmo sujeito vale-se do argumento do erro de
uma colega para justificar a sua não aplicabilidade da lei nas aulas.
Já o sujeito V mostra-se a favor da lesgislação, mas não a usa por desacreditá-la ao
jugá-la “falha” e por considerar-se despreparado.
Dos dizeres do sujeito X, emerge um sujeito que se diz também favorável à lei, mas
nem tanto, pois desacredita da mesma, e por meio de um dizer que nos remete a discursos
racistas, coloca-se contra ela, embora afirme o contrário e assim ele justifica a não aplicação
da lei em suas aulas. Esse sujeito, ao usar a primeira pessoa – “somos ainda uma geração
preconceituosa” – filia-se a uma outra formação discursiva: contra a lei 10.639/03 (FD2). Nas
análises, verificou-se também que o sujeito do discurso do informante X, quando inquerido
ainda sobre qual razão justifica considerar sua prática docente em obediência à lei, no entanto,
falha, retoma a ideologia de preconceito racial que, para o sujeito desses dizeres, é algo
inerente à sociedade, como se verifica em:
(Aline)- Por qual razão?
Inf. X - Por falta de preparo e por ainda vivermos num contexto de
preconceitos evidentes.
(Aline)- A senhora é contra a lei?
Inf. X - Não...não sou.
(Aline)- A senhora se considera uma professora que corresponde às
perspectivas da lei?
Inf. X - Sempre que dá discuto nas aulas de interpretação de textos.
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Na materialidade em questão, observa-se como o informante se subjetiva na
formação discursiva favorável à lei, mas que a vê como falha. Verifica-se que o uso da
primeira pessoa evidencia que esse sujeito também se considera preconceituoso. Nota-se
também uma ocultação sobre quando costuma utilizá-la, com que frequência e responde:
“sempre que dá”, que permite, uma interpretação de sim (ele usa) ou não (ele não usa), pois
quando é que dá? Não fica claro nas materialidades, especialmente se consideraddas outras
sequências discursivas desse sujeito, como já explicitado.
Assim como ele, os demais sujeitos, cujos dizeres foram anteriormente analisados,
filiam-se ideologicamente a FD favorável à lei FD1, considerando o que é politicamente
correto, ou seja, dizer ser favorável à lei, tratando-se da posição social que ocupam, a de
professores, e, considerando o lugar social ocupado pelo entrevistador: professor, também.
Relevante é considerar as imagens – cujo conceito fora abordado na seção anterior – que o
professor faz de si mesmo e pensa que o outro (também professor) faz dele. Portanto, ao
longo das entrevistas, os sujeitos desses discursos mostram-se contra a lei. Tal afirmação
comprova-se nas materialidades a seguir:
Acho excelente, de uma importância incrível para a educação brasileira/
Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve/Quando dá
discuto, mas evito polêmicas...se não já viu (Inf.III).
Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de capacitação, de
formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula (Inf.V).
Não, mas não a utilizo./ Eu nem sei...não acho importante( a lei). Primeiro preparem
melhor e remunerem também, depois exijam de nós (Inf.IX).
Como ser a favor da lei, achá-la excelente e importante e sequer ter o trabalho de
conhecê-la para usá-la nas aulas? Como ser favorável à lei e posicionar-se de forma
determinista, negativando-a com o preconceito racial? Verificam-se equívocos nos dizeres
desses sujeitos. Os sujeitos desses dizeres filiam-se a FD1 (favorável à lei 10.639/03), porém
não se vê uma adesão completa a essa formação discursiva, de modo que a filiação a FD2
(contrária à lei) se mostra evidente nos dizeres dos sujeitos. Há de se considerar as condições
de produção desses dizeres.
Na entrevista escrita, os informantes não estavam na presença do entrevistador, nas
entrevistas orais eles contavam com essa presença e sabiam da condição de professor do
mesmo. Sabe-se que, para a AD, o sujeito discursivo posiciona-se partindo das formações
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imaginárias constituídas pelo seu grupo social, assim sendo os sujeitos anteciparam-se ao seu
interlocutor quanto ao sentido de suas palavras, considerando que, no lugar social de
professor, ele deve ser teoricamente um executor das leis educacionais. Tal fator é
determinante para que os sujeitos mantenham-se filiados à FD1, mas o que absorveram da
ideologia dominante sobre os negros e políticas de reparação conduzem-nos a outra FD2,
ainda que parcialmente. A esse mecanismo de antecipar-se ao outro para dizer o que dever ser
dito, Orlandi (2005, p. 39) afirma que:
Segundo o mecanismo de antecipação, todo sujeito tem capacidade de experimentar,
ou melhor, de colocar-se no lugar em que seu interlocutor “ouve” suas palavras. Ele
antecipa-se assim a seu interlocutor quanto ao sentido que suas palavras produzem.
Esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo,
ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte.
O professor pensa que controla seu dizer ao tentar mostrar-se pedagogicamente
correto, mas é interpelado pela ideologia dominante e historicamente validada de recusa às
políticas afirmativas. A esse respeito ilustra bem Orlandi (2005, p. 35):
Alguma coisa mais forte – que vem pela história, que não pede licença, que vem
pela memória, pelas filiações de sentidos constituídos em outros dizeres, em muitas
vozes, no jogo da língua que vai-se historicizando aqui e ali, indiferentemente, mas
marcada pela ideologia e pelas posições relativas ao poder– traz em sua
materialidade os efeitos que atingem esses sujeitos apesar de suas vontades (...) o
sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobro o modo
pelo qual os sentidos se constituem nele.
Além dos sujeitos discursivos dos informantes I, III, V, IX e X, que se posicionam na
FD1 em favor da lei, mas não acreditam na sua eficácia, há também alguns que se filiam a
essa FD, porém seus dizeres evidenciam que não a conhecem, conforme se pode observar nas
materialidades dos sujeitos discursivos II e VII, quando afirmam, ao serem perguntados se são
conhecedores da lei e o que acham dela, que:
Já ouvi falar, mas não tenho domínio sobre a questão...é a lei que fala do ensino da
África né? / Olhe, acho legal querer que os jovens aprendam mais sobre suas
origens negras. Conhecer é sempre bom (Inf.II).
Não muito. Desde que promova a inclusão social, acho boa (Inf.VII).
Observam-se aí sujeitos que são incoerentes ao afirmarem que são a favor de uma lei,
a qual desconhecem. Fica claro, nas materialidades, o desconhecimento dos sujeitos quando
dizem, ao serem inqueridos sobre seus conhecimentos sobre a lei, “Já ouvi falar” ou ainda
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“não muito”. Mais uma vez verifica-se a necessidade de ser politicamente correto diante do
entrevistador, que, como já foi dito, é também professor.
Os sujeitos dos dizeres também justificam o não uso da lei na falta de preparo, como
já observado anteriormente, e, no momento em que manifesta esta consciência – da falta –
eles subjetivam-se em sujeito de seus dizeres e ocupam também uma posição sujeito
tradicional da educação como se verifica em seus dizeres ao afirmar sobre a lei que “é muito
importante...como aprender as normas gramaticais, ou as escolas literárias” (Inf.II). Ainda
sobre o sujeito que emerge dos dizeres do informante VII, pode-se dizer que ele, por ser
desconhecerdor da lei, mostra-se com reservas ao falar da mesma, utiliza-se de poucas
palavras, como se verifica em:
(Aline)- O senhor conhece a lei 10.639/03?
Inf. VII - Não muito.
(Aline)- O que acha da lei?
Inf. VII - Desde que promova a inclusão social, acho boa.
(Aline)- O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?
Inf. VII - Não.
Observa-se aí uma forma de silenciamento. O sujeito oriundo do informante VI
também manifesta-se favorável à lesgislação aqui em questão e também silencia, quando
inquerido sobre a maneira como ele poderia usar a lei em suas aulas, caso a conhecesse
melhor:
No caso de língua portuguesa, como sou professor de língua portuguesa e espanhola,
eu poderia fazer essa leitura dentro de literatura associando com literatura africana
em sala de aula...que sequer e tocada né? Poderia mostrar como é...(tosse) na
verdade que essa literatura aconteça. Desde 2003 as editoras estabeleceram uma
estreita relação com as editoras africanas, especialmente angolanos e moçambicanos
e... é... assim, isso possibilitou a...é...a inserção de muitos livros no mercado
brasileiro. Porque esse interesse? Porque se trabalhar com esta linha em sala de aula
é possibilitar conhecer mais...se eu soubesse mais possibilitaria um trabalho
diferenciado com meus alunos...se eu soubesse lançaria essas questões para meus
alunos (Inf.VI).
Observa-se nessa materialidade uma fuga, um desvio do assunto. O sujeito fala do
mercado gráfico, mas não fala da maneira como poderia aplicar a lei nas suas aulas. A Análise
de Discurso considera esse silenciamento como uma estratégia do sujeito, na tentativa de não
dizer que não sabe aplicar a lei ou não a conhece.
Nos três casos (informantes II,VII e VI), o que se verifica em comum é um
posicionamento favorável à lei, mas seus dizeres denunciam o contrário. Não é possível ser
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favorável a uma lei sem conhecê-la. As formas-sujeito desses discursos ocupam distintas
posições-sujeito dentro da FD a qual ele se filia (a favor da lei, colocando-a em prática ou
não), mas verificou-se também a contradição, o equívoco do discurso presente na
materialidade discursiva desses sujeitos, que dizem estar filiados a FD1 (favorável), mas seus
dizeres denunciam uma filiação contrária (FD2) à legislação.
Segundo Orlandi (2001), a formação discursiva representa o lugar de constituição do
sujeito e de identificação do mesmo. Com a noção de heterogeneidade discursiva, abandona-
se a ideia de um discurso homogêneo e, também, desestabilizam-se os conceitos de unidade
do sujeito e unidade do texto dos estudos tradicionais da linguagem. Como o sujeito e o
discurso já são heterogêneos na sua constituição, a ilusão de unidade, tanto no sujeito quanto
no texto, não passam de efeitos ideológicos, pois o sujeito só tem condições de construir sua
identidade na interação com o outro e, para a AD, o centro da relação entre identidade e
alteridade está no espaço discursivo criado entre ambos. Dessa forma, pôde-se detectar a
ocorrência de sujeitos favoráveis à legislação, porém podem ocupar posições-sujeito que
aplicam a lei e que não aplicam a lei.
Todos os Informantes, a citar IV,VI e VIII, por exemplo, manifestam-se, em ambas
as entrevistas (orais e escrita), a favor da lei 10.639/03 e também dizem aplicá-las em suas
aulas. Esses, quando nas entrevistas gravadas foram inqueridos sobre a importância da
mesma, responderam:
Olha... eu... a considero muito válida...sim...muito válida. Veja bem, Aline, penso
que educar é fazer ruir preconceitos...essa lei ajuda a fazer isso. Não é?
Especialmente porque tira o professor da regularidade...daaaa...história tradicional e
mentirosa!não é....bem...é isso (Inf. IV).
Na verdade, a lei “tá” instituindo uma coisa que já deveria ter a muito tempo né?
Algumas coisas de muito tempo...infelizmente não sei se por causa da formação dos
professores ou se por causa da própria visão que a sociedade tem de África, não se
trabalha nas escolas quer seja pública ou particular, onde há maior rejeição (Inf.VI).
Acho interessante, importante, no papel...não prática sabemos que não funciona
porque não tamos preparados. Você bem sabe disso né? (Inf.VIII).
Estes sujeitos, que emergem dessas sequências discursivas, mantiveram a opinião
acerca da importância e aplicabilidade da lei quando comparadas às materialidades
discursivas escritas e orais. Não houve contradição como houvera com o sujeito do
informante I.
Observa-se que os sujeitos discursivos veem a lei como uma política afirmativa
válida, o que faz com que eles compartilhem da mesma FD, porém ocupam distintas posições-
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sujeito, pois os sujeitos dos informantes VI e VIII veem obstáculos na aplicabilidade da lei
uma vez que os professores não são preparados para isso, enquanto que o sujeito IV não o faz,
como se pode observar:
(Aline) O senhor se considera um professor que põe a lei em prática, que
corresponde às expectativas da lei?
Inf. VIII - Não...não me considero porque a própria formação no ensino superior não
me permitiu a isso. Certo? Mas na minha formação tive uma professora de literatura
africana que me deu uma noção...ela tinha formação nessa área...mas assim...eu
a...entendo que foi pouco para o vasto mundo que é a literatura africana em língua
portuguesa.Me permitiu teruma visão diferenciada de muitos professores que está há
mais tempo no mercado,mas ainda foi pouco. Deveria ter mais.
Inf. VIII - Porque não deram cursos de capacitação para os professores antes. Nem
perguntaram a nós o que a gente achava dessa lei. Agora veja, a gente vai ensinar
sem saber e sem sequer ser perguntado...coisa do estado!!
Inf. IV - Promovo debates após leituras de poemas de escritores africanos de língua
portuguesa, também debatemos quando trabalho livros quer permitam a discussão.
Dentre outras coisas...
(Aline) É tão importante quanto o quê? Por exemplo, essa temática nas suas aulas?
Inf. IV - Difícil responder...mas garanto que faz parte de mim.Eu não sei fazer
diferente. É minha cultura...está na minha vida todo dia...(risos)
A identificação a uma FD e as posições-sujeito nelas ocupadas têm relação com as
interferências ideológicas. A ideologia, segundo Chauí (1978), é um sistema de
representações e normas que nos ensinam como agir e pensar. Desta forma, ela silencia a
história, pois não admite o que é inaugural por medo de perder a hegemonia sobre a sociedade
em que atua. A ideologia sobre os negros e as políticas de reparação são inaugurais e,
portanto, ameaçam o status quo da ideologia dominante, que tenta silenciar, ou melhor, não
dar voz a esses novos saberes.
Verifica-se uma suposta adesão à FD1, por uma determinação legal e politicamente
correta no contexto histórico atual (condições de produção desses dizeres), mas essa adesão
não se processa totalmente, uma vez que os sujeitos, com exceção do IV, dizem ser favoráveis
à lei, mas não a utilizam e, se a usam, fazem-no sem preparo e sem otimismo.
Os sujeitos discursivos VI e VIII, de forma inconsciente, tentam obstaculizar, como
já mencionado, a aplicabalidade da lei aqui discutida em prol do conhecimento da classe
dominante, pois é assim que a AD compreende os fenômenos discursivos operados pela
ideologia. Um saber só adentra na ideologia quando é adestrado, ou seja, deixa de ser
fundador para ser instituído e funciona dentro da lógica da burocracia e organização do
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Estado moderno. A lei 10.639/03 é um produto de um saber fundador e, por essa razão, é
ainda rejeitada pelos educadores.
Os três informantes afirmaram também aplicar a lei em questão, especialmente, em
aulas de Literatura, considerando os textos literários mais próprios para esse tipo de discussão,
como se percebe nos trechos:
Promovo debates após leituras de poemas de escritores africanos de língua
portuguesa, também debatemos quando trabalho livros que permitam a discussão.
Dentre outras coisas... (Inf. IV)
No caso de língua portuguesa, como sou professor de língua portuguesa e espanhola,
eu poderia fazer essa leitura dentro de literatura associando com literatura africana
em sala de aula...que sequer e tocada né? Poderia mostrar como é...(tosse) na
verdade que essa literatura aconteça. Desde 2003 as editoras estabeleceram uma
estreita relação com as editoras africanas, especialmente angolanos e moçambicanos
e... é... assim, isso possibilitou a...é...a inserção de muitos livros no mercado
brasileiro. Porque esse interesse? Porque se trabalhar com esta linha em sala de aula
é possibilitar conhecer mais...se eu soubesse mais possibilitaria um trabalho
diferenciado com meus alunos...se eu soubesse lançaria essas questões para meus
alunos (Inf.VI).
Trabalho mais quando dou aula de literatura porque tem livros que nos permitem
uma discussão melhorzinha (Inf.VIII).
Os dizeres acima convergem para a tendência a utilizar a Literatura como veículo de
difusão desse novo saber. Isso ocorre na esteira de um novo saber, que é oriundo das novas
relações sociais que se estabeleceram por meio das lutas pela reparação racial e social; essas,
já assimiladas por aquele componente curricular, por meio dos estudos culturais, tornam esse
discurso competente dentro da mesma lógica da burocracia e organização do Estado moderno.
Esse conhecimento, no entanto, ainda é inaugural, pois não adentrou em todas as áreas do
saber, mas, numa única área onde já foi instituída (a Literatura), é reconhecida como discurso
competente.
Esses informantes compõem a FD dos professores que dizem ser favoráveis à lei,
mas, diante do exposto, pode-se verificar a heterogeneidade dessa FD (que corresponde às
práticas da lei 10.639/03) a partir das posições-sujeito que ocupam nela.
Em meio às entrevistas, verificou-se um grupo de informantes cujos sujeitos
discursivos apontam para outra posição-sujeito, a dos professores que são a favor dela, mas
não a usam. Mesmo sendo a favor da mesma, cinco informantes afirmam não serem
executores da lei como se verifica em seus dizeres:
(Aline) A senhora é contra a lei?
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Inf. II - Não, eu não sou contra a nada que possa promover reparações sociais e
reconhecer o valor de um povo.
(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da
lei?
Inf. II - Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas quando conhecer,
corresponderei.
(Aline) O senhor é contra a lei?
Inf. III - Não. Sou contra a forma como está sendo desenvolvida. Tem professor que
não domina a temática e quando vai dar aula termina sendo limitado. Recentemente
aqui na escola...é...teve uma professora que...teve um problema. Acho que ela tava
falando de...num sei bem....não me lembro direito...mas acho que foi de danças do
candomblé...ela....parece que fez uma encenação e deu confusão por causa dos
crentes... (risos) ainda tem isso viu minha filha!!
(Aline) O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?
Inf. III - Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve.
(Aline) A senhora é contra a lei?
Inf. V - Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de capacitação,
de formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula.
(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da
lei?
Inf. V - Não.
(Aline) - O senhor é contra a lei?
Inf. V – Não. Como falei na sua pergunta anterior, sou a favor desde que promova a
inclusão dos negros.
(Aline) Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Inf. VII - Não me sinto preparado.
(Aline)- O senhor é contra a lei?
Inf. IX - Não, mas não a utilizo.
(Aline) Então o senhor se considera um professor que não corresponde às
perspectivas da lei?
Inf. IX - Acho que sim.
(Aline) Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Inf. IX - Normalmente não. Muito polêmico.
Como se pode verificar, os informantes que se subjetivam na FD de professores na
posição-sujeito de não excutores da lei têm em comum os argumentos da falta de capacitação
e o receio da polêmica, que justifica o silenciamento sobre a temática conferida à lei. A partir
de suas materialidades discursivas, os informantes demonstram que se filiam à ideologia que
tenta apagar a importância do negro na constituição da sociedade brasileira.
A Análise de Discurso leva em consideração a constituição dos dizeres na sociedade
que se faz por meio de dizeres outros; estes compõem a memória discursiva de grupos sociais,
dessa forma, a ideia de aceitação desses dizeres (dos informantes) não significa que os
educadores devam executar a lei, conforme eles mesmos colocam. Essas ponderações feitas
90
pelos sujeitos ajudam a evidenciar a relação que a história estabelece com a língua, se for
considerada a memória discursiva sobre os negros no Brasil, lugar em que o simbólico é
responsável por instaurar na linguagem os dizeres outros sobre o assunto contruído
historicamente.
A memória, por sua vez, tem características, quando pensada em relação ao
discurso. E, nessa perspectiva, ela é tratada como interdiscurso. Este é definido
como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que
chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e
que retorna sob forma de pré-cosntruído, o já-dito que está na base do dizível,
sustentando cada tomada de palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que
afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada
(ORLANDI, 2005, p. 31).
Assim sendo, os professores retomam, inconscientemente, os dizeres que negam a
importância da cultura negra no Brasil e do preconceito que polemiza a temática, mas, ao
mesmo tempo, sentem a necessidade de serem a favor da lei, pois é o politicamente correto
hoje. Dessa forma, o que eles dizem é o que pode e deve ser dito na FD na qual se inscrevem:
educadores que apoaim a lei, mas não a praticam de fato e, se o fazem, segundo eles mesmos,
isso acontece sem qualquer preparo.
A AD, voltando-se para os efeitos do inconsciente e da historicidade que se
manisfestam na língua, considera que os sujeitos discursivos manifestam dois tipos de
esquecimento: o esquecimento número 1 e o de número 2 (2007,1a).
O esquecimento número um, também chamado de esquecimento ideológico: ele é da
instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia.
Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na
realidade, retomamos sentidos pré existentes. O esquecimento número dois, que é da
ordem da enunciação: ao falarmos o fazemos de uma maneira e não de outra, e, ao
longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que indicam que o dizer
sempre podia ser outro(...) esse “esquecimento” produz em nós a impressão da
realidade do pensamento. Essa impressão, que é denominada ilusão referencial, nos
faz acreditar que há uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo,
de tal modo que pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras
e não outras, que só pode ser assim.
O sujeito desses discursos tem a ilusão da originalidade de seus dizeres e não são
conscientes das ideologias presentes e materializadas neles por meio da língua. A AD não
concebe o sujeito como um indivíduo da sociedade, que tem existência particular. Ela
considera os sujeitos como indivíduos que têm sua existência centrada no social, em seus
momentos históricos e nas ideologias. Esse sujeito é fragmentado, pois se faz sujeito pela
91
interação social que se estabelece entre os diferentes sujeitos, e já que ele se constitui sujeito
na e pela linguagem, é por meio dela que ele se relaciona e se constitui.
Os sujeitos, cujos dizeres foram aqui analisados, são fragmentados no sentido em que
filiam-se a uma FD em favor da lei, mas deslocam-se, conforme a necessidade imposta pela
ideologia dominante ou pelas condições de produção de seus dizeres, em posições-sujeito
distintas ( usam a lei, não usam a lei, desacreditam da eficácia da lei, acreditam na eficácia da
lei). Nesse ponto, as FDs funcionam como o espaço de reformulação-paráfrase dos já-ditos
sobre os negros e sobre a lei em questão, nas quais os dizeres todos fazem sentido.
4.1 OS SILÊNCIOS
Nesta pesquisa, chegou-se a um dado importante: 90% dos educadores entrevistados
não fazem uso da lei e 10% (o sujeito discursivo IV) aplicam-na. A maioria dos professores
em questão, mesmo afirmando que são favoráveis à lei e que tentam utilizá-la, não a utilizam
de fato em suas práticas pedagógicas, conforme é evidenciado nas análises feitas.
Chama a atenção o fato de que há hoje um apelo muito grande em prol da
valorização das diferenças de toda espécie – sexual, religiosa, étnica e de gênero –, e que o
educador historicamente é considerado a voz do saber e, por isso, deve ser aquele quem deve
ensinar.
O mais curioso dentro dessa perspectiva é que esses educadores não são, na
totalidade, desconhecedores da lei, ainda que superficialmente, mas afirmam não a utilizarem
como prática docente por se sentirem despreparados, unanimamente. Eles afirmaram, ao
serem perguntados se consideram-se educadores que correspondem às expectativas da lei ou
se a aplicam nas aulas, por exemplo, o seguinte:
Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas..., quando a conhecer, corresponderei
(Inf. II).
Não como um tema específico ou separado de outros temas. Não há um trabalho
voltado só para isso. Dentro de tantos temas, tantas discussões, essa questão racial se
insere, mas não como algo separado (Inf. V).
Não me sinto preparado (Inf. VII).
Normalmente não. Muito polêmico (Inf. X).
92
Os sujeitos dessas sequências discursivas evidenciam a falta de preparo ou o receio
das polêmicas que circundam a temática. Todos os informantes que afirmaram não usar a lei
10.639/03 direta ou indiretamente (subentendidamente), exceto o sujeito dos dizeres do
informante IV, disseram ser a falta de preparo entre docentes o empecilho à aplicação da
mesma no Brasil. Os informantes IX e III afirmaram, além disso, que preferem não se expor
às polêmicas pertinentes à temática.
Em ambos os argumentos, os efeitos de sentido remetem à ideia da desinformação,
pois os sujeitos discursivos evidenciam por meio das materialidades que não usam a lei por
medo de polêmicas (falta informação para lidar com elas) e falta preparo (falta conhecimento
teórico). São estas as jusitifcativas dadas para o silenciamento dos educadores a respeito da lei
10.639/03. A opção pelo silêncio justifica-se, porque silenciar é não permitir que emerja a
ideologia de valorização do negro e sua cultura, de forma que prevaleça a ideologia da classe
dominante representada pelo professor, por meio de seu discurso do saber científico. Dessa
forma, perpetua-se a tentativa de ocultar a história de participação do negro na constituição da
cultura brasileira.
Para a Análise de Discurso, o silêncio é um discurso. Na visão de Orlandi (2002), o
não-dito é, na verdade, o que não é ouvido, mas existe. Os professores entrevistados preferem
afirmar que são favoráveis à lei, embora não a utilizem, considerando as condições de
produção do discurso que a possibilitaram: um cenário social de valorização das culturas
diversas e do politicamente correto; definindo o que pode e deve ser dito sobre os negros e a
sua contribuição cultural. O silêncio é a opção de 9 informantes, ou seja, 90% dos deles
afirmam silenciar sobre a lei 10639/03 em suas aulas. Analisar esse silêncio se mostrou, ao
longo dessa pesquisa, uma necessidade maior.
Para Orlandi (2002), o silêncio não fala, ele significa e pode ser dividido em duas
grandes áreas: o silêncio fundador e a política do silêncio. O primeiro permite toda
significação. Quando se fala, sabe-se que o silêncio é constitutivo da comunicação e que,
entre as palavras ditas, as frases, as sílabas, há silêncio. Ele é uma outra forma de expressão.
O silêncio é linguagem, o que intercala a conversação. Os espaços em branco entre as práticas
enunciativas operam como silêncios, pausas, e são próprios, por exemplo, dos diálogos. O
sujeito da enunciação, no entanto, não utiliza somente o silêncio como repouso, mas sim
como momento de reflexão, de forma que o sujeito enunciativo poderá interiorizar, completar,
retificar ou anular o dito.
93
O silêncio é o princípio de toda significação, é a própria condição de produção de
sentido, portanto, não é vazio ou sem sentido; contrariamente, ele é o indício de uma instância
significativa. Para Orlandi (2007), o silêncio não é ausência de sons e palavras, ele é sons e
palavras e não sendo vazio é a própria completude; não sendo ausência é presença. Assim, o
silêncio se movimenta em tudo o que passa ter significância e não é o implícito, e sim o
sentido apagado ou excluído.O silêncio é o não-dito necessário para o dito.
O segunto tipo de silêncio – o político – divide-se em outros dois tipos: o silêncio
constitutivo e silêncio local.
O silêncio constitutivo, segundo Orlandi (2007, p.75-6):
(...) pertence à própria ordem de produção do sentido e preside qualquer produção
de linguagem. Representa a política do silêncio como um efeito de discurso que
instala o antiimplícito: se diz “x” para não (deixar) dizer “y”, este sendo o sentido a
descartar do dito. É o não-dito necessariamente excluído. Por aí se apagam os
sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho significativo
de uma “outra” formação discursiva, uma "outra” região de sentidos. O silêncio
trabalha assim os limites das formações discursivas, determinando
consequentemente os limites do dizer.
Dessa forma, o silêncio constitutivo impõe o conjunto do que é preciso não dizer
para poder dizer. Um exemplo desse silêncio é o mito da democracia racial, que, ao afirmar
uma democracia de raças no Brasil, apaga a existência de racismo da história brasileira.
O silêncio local, por sua vez, é a manifestação mais visível desta política do silêncio:
a da interdição do dizer, exemplificado por Orlandi (2007) na censura. Trata-se, segundo a
autora, “da produção do silêncio sob a forma fraca, isto é, é uma estratégia política
circunstanciada em relação à política dos sentidos: é a produção do interdito, do proibido”.
Diante do exposto, o que diferencia o silêncio fundador da política do silêncio é que
esta produz um recorte entre o que se diz e o que não se diz, enquanto que aquele não
estabelece nenhuma divisão: “ele significa em (por) si mesmo” (ORLANDI, 2007, p. 75).
As materialidades discursivas dos professores que compõem o corpus desse trabalho
revelaram sentidos que remetem à não aplicabilidade da lei 10.639/03. 90% dos informantes
evidenciaram um silenciamento sobre a lei em suas práticas pedagógicas.
Considerando o conceito de silêncio da Análise de Discurso e sua categorização, já
mencionados, pode-se afirmar que o silenciamento dos professores se processa por meio do
silêncio político. Esse silêncio opera por meio do apagamento de outros sentidos possíveis, os
quais não são desejáveis em determinada situação discursiva. Os professores, ao preferirem
não abordar a lei 10.639/03 em suas aulas, subjetivam-se em FD que reconhecem a
94
importância da mesma, mas não a aplicam, silenciando e excluindo sentidos outros e
possíveis caso a utilizassem por meio de seus dizeres.
O objetivo é manter suas posições socialmente instituídas através do discurso
pedagógico e as formas simbólicas e ideológicas para estabelecerem as relações de
desigualdades nos acessos aos bens materiais e simbólicos. A mobilização de significados
para manter desigualdades sociais ocorre em diferentes planos, atuando para além da
dominação de classe, também no estabelecimento e sustentação de outras relações de
desigualdades, como etnia, gênero, idade e nação.
Para Orlandi (2009), a escola é a sede do Discurso Pedagógico, e é o fato de estar
vinculado o ela, que o faz aquilo que ele é: um dizer institucionalizado sobre as coisas. A
escola, ainda segundo a autora, atua através dos regulamentos do sentido de dever que preside
ao Discurso Pedagógico, e este veicula. A escola se define como ordem legítima por se
orientar em máximas, as quais aparecem como modelos de conduta.
Foucault (2005) afirma que todo saber é político, jamais neutro e ainda tem gênese
nas relações de poder; logo, não há relação de poder sem constituição de um campo de saber.
Assim, a escola está na origem da pedagogia, é um poder institucionalizado. O que faz com
que o poder se mantenha e seja aceito é simplesmente porque ele não pesa só como uma força
que diz não, mas porque, de fato, ele permeia e produz coisas.
Nessa perspectiva, o silêncio pode ser compreendido como uma estratégia ideológica
relacionada ao modo de operação descrito por Thompson (1995) como dissimulação15, visto
que sistematicamente opera para ocultar o processo social de desigualdade racial.
Como exemplo, pode-se citar o mito da democracial racial, amplamente discutido
na primeira seção deste trabalho. Para a análise dos discursos racistas no Brasil, é preciso
estar atento ao silenciamento produzido que é atuante na hierarquização entre brancos e
negros. O sentido do silêncio se articula com complexa “etiqueta das relações raciais do
racismo à brasileira” (SILVA, 2008). Por exemplo, na educação escolar, o silêncio é quem
mantém o discurso que tenta construir a igualdade entre alunos a partir de um ideal de
democracia racial. O silêncio que os professores subjetivados em seus dizeres preferem fazer
15 Formas simbólicas são representadas de modos que desviam a atenção por meio de deslocamento –
transferência de sentidos, conotações positivas ou negativas, de pessoa ou objeto a outro ; eufemização – ações
instituições ou relações sociais são trasnferidas de forma a suavizar suas características e estabelecer valoração
mais positiva; tropo –Tropo: uso figurativo das formas simbólicas: Sinédoque: tropo caracterizado pelo uso do
todo pela parte, do plural pelo singular, do gênero pela espécie, ou vice-versa. Metonímia: tropo caracterizado
pelo uso de atributo ou característica de algo para designar a própria coisa. Metáfora: tropo que consiste na
aplicação de termo ou frase a outro, de âmbito semântico distinto e silêncio – ausência ou falta no discurso que
atua ativamente para construir sentidos).
95
em relação à lei 10.639/03 pode ser comprovado nas materialidades discursivas, por exemplo,
dos informantes a seguir:
(Aline) O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?
Inf. III - Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve.
(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da
lei?
Inf. II- Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas quando conhecer,
corresponderei.
(Aline) O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?
Inf. VII – Não.
(Aline) Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Inf. IX - Normalmente não. Muito polêmico.
(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da
lei?
Inf. V- Não.
(Aline) O senhor se considera um professor que põe a lei em prática, que
corresponde às expectativas da lei?
Inf. VI - Não...não me considero porque a própria formação no ensino superior não
me permitiu a isso. Certo?Mas na minha formação tive uma professora de literatura
africana que me deu uma noção...ela tinha formação nessa área...mas assim...eu
a...entendo que foi pouco para o vasto mundo que é a literatura africana em língua
portuguesa. Me permitiu ter uma visão diferenciada de muitos professores que está
há mais tempo no mercado,mas ainda foi pouco. Deveria ter mais.
Conforme exposto nas sequências discursivas, o silêncio, ou seja, a opção de
silenciar sobre a lei em suas práticas discursivas em aulas de Língua Portuguesa opera em prol
da manutenção do racismo.
Os docentes, pela posição que ocupam na instituição/escola (como autoridade), têm o
poder de impor verdades, de manipular conceitos (ou pré-conceitos), pois seus dizeres ou o
silenciamento são validados pela instituição da escola como equivalentes a saberes. Quando
os informantes – 90% deles – através de seus dizeres, afirmaram que não estão preparados
para aplicar a lei 10.639/2003, estão legitimando o preconceito através do silêncio sobre a
mesma. Os sujeitos discursivos são interpelados pela ideologia que estabelece o branco como
norma de humanidade e, ao silenciar sobre a cultura afro-brasileira, permitem o surgimento de
sentidos outros sobre a existência de grupos étnicos desviantes.
A branquidade (GIROUX, 1999), via de regra, não se mostra de forma explícita,
opera de forma invisível, não-dita, para estabelecer o branco como norma e como desejável,
como plasmado em uma série de reproduções culturais.
96
Assim sendo, pode-se considerar que o silêncio tem significância própria “no
silêncio o sentido é” (ORLANDI, 2007), e o silêncio dos professores é um não-dito que está
lá cujo sentido é a negação das ações afirmativas que beneficiam o negro e o dignificam,
considerando a história do negro no Brasil e a tentativa também histórica de apagá-lo da
história da constituição do povo brasileiro de forma positiva.
O silêncio não é diretamente observável e, no entanto ele não é vazio [...] Para torná-
lo visível, é preciso observá-lo indiretamente por métodos (discursivos) históricos,
críticos, des-construtivistas. [...] Sem considerar a historicidade do texto, os
processos de construção dos efeitos de sentidos, é impossível compreender o
silêncio (ORLANDI, 1993, p. 47).
Essa legitimação se dá, de acordo com Orlandi (2001), também por causa das
imagens sociais de professor e de aluno; o primeiro é ideologicamente aquele que possui o
saber e está na escola para ensinar; o segundo, por sua vez, é aquele que não sabe e está na
escola para aprender. Nesse contexto, estabelecer o silêncio é estratégia ideológica atuante no
estabelecimento do branco como norma de humanidade, como fora no século XIX por meio
das teorias racistas.
Segundo Gonçalves (1987), operam na escola brasileira duas formas correlatas de
silêncio: uma que se cala para particularidades culturais da população negra do Brasil; e outra
que nega processos de discriminação.
Para a Análise de Discurso, essas duas formas estão compreendidas no que se chama
de política do silêncio, definida por Orlandi (2007), como aquilo que não deve ser dito numa
dada conjuntura.
Assim, pode-se compreender que o silêncio permite os limites das FDs (Formações
Discursivas) dentro de uma FI (formação ideológica). Desse modo, o silêncio (silenciamento
para a AD) atua como um mecanismo que permite ocultar desigualdades. Assim, esse
mecanismo figura principalmente como forma de ocultação de processos sociais, uma forma
de dissimulação que promove a naturalização da superioridade dos brancos em detrimento das
demais etnias. Como consequência disso, o fenômeno social da racialização e o
estabelecimento e manutenção do branco como norma e como superior é obliterado pelo
silêncio e, ao mesmo tempo, tomado como inevitável ou natural ao invés de histórico e social.
97
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A curiosidade em saber como os preconceitos são movidos pelas forças ideológicas e
como são disseminados por educadores – ou se de fato assim acontecia e acontece – por meio
da linguagem motivou a escolha pela teoria da Análise de Discurso como suporte teórico
neste trabalho. A AD possibilita, através da análise, a percepção conjuntural, social e histórica
dos discursos circulantes na sociedade, bem como permite a configuração dos sujeitos
interpelados inconscientemente pelas ideologias que emergem desses discursos e a
compreensão das práticas pedagógicas dos sujeitos/docentes em relação à lei 10.639/03.
O propósito deste estudo não se centra na busca de culpados ou inocentes no
processo de ensinoaprendizagem sobre a lei em questão. Na realidade, ao se escolher a AD
como aporte teórico, visou-se considerar a característica do assujeitamento do sujeito do
discurso à linguagem e, por meio dela, às ideologias. Os sujeitos discursivos não são
conscientes da ideologia dominante da qual estão a serviço. Portanto, os sujeitos empíricos
(professores) vivem em conflitos ideológicos frequentemente, filiando-se a distintas FD em
razão das ideologias que circulam na sociedade.
Observou-se uma unanimidade favorável à lei 10.639/03, no entanto, esse fato não
faz dos educadores obedientes a ela, pois, sem perceberem, defendem a ideologia da classe
dominante que considera os saberes emergentes na sociedade sobre a inclusão e a valorização
dos negros como algo irrelevante e indigno de credibilidade. É assim com as cotas e tem sido
em relação a essa lei.
Ficou claro, nesta pesquisa, o poder que a ideologia tem sob as escolhas do sujeito. A
heterogeneidade discursiva que identifica os sujeitos como heterogêneos também se fez clara,
como afirma Hall (2006), pois estes são contraditórios e, por vezes, apresentam identidades
não resolvidas. Para esse ator, a identidade dos sujeitos está em contínua transformação em
decorrência das relações ideológicas e culturais que os rodeiam. Assim sendo, os sujeitos que
emergem dos dizeres dos dez informantes desta pesquisa, que afirmam ser favoráveis à lei
10.639/03, mas, nas suas práticas discursivas, apenas um (Inf. IV), de fato, denuncia
coerência com o que se diz.
Tal fato remete-nos aos dizeres da pedagogia moderna que consideram os diferentes
saberes, a multiculturalidade. A educação multicultural ideal é algo extremamente importante
para uma sociedade, do contrário, não se tem a compreensão necessária para que se possam
98
valorizar as diferenças, de forma que perceber a complexidade delas tornar-se difícil,
culminando em preconceitos.
Segundo Freire (2005), nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão
sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das
sociedades humanas e não há homens isolados. Sendo assim, afirmar ser filiado à formação
discursiva em favor da lei é o que deve ser dito, considerando padrões multiculturalistas de
educação, porém, a força ideológica que vem pela história impele o sujeito a manifestar-se,
por vezes, contrário à legislação, evidenciando assim uma filiação a outra formação discursiva
contrária à lei. Assim, “somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao
menos temporariamente” (HALL, 2006, p. 13).
A temática proposta pela lei 10.639/03 coloca como conteúdo o estudo da história da
África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira, o negro na
formação da sociedade nacional, bem como a contribuição do povo negro nas áreas sociais,
econômicas e políticas pertinentes à história do Brasil. O que foi possível notar nesta pesquisa
foi a falta de preparo dos docentes, que, por sua vez, não se mobilizam em buscar esse
conhecimento que dizem faltar em sua formação. Observraram-se uma acomodação e uma
atitude que culpabiliza o governo em implantar uma lei sem prepará-los.
Tendo em vista tantas questões a serem discutidas e esclarecidas quanto à real função
da lei federal 10.639/03 e à maneira como esta vem sendo implantada no sistema de ensino
soteropolitano, pretendeu-se investigar como esta lei está sendo implementada nas escolas
públicas e privadas na cidade Salvador. Para tal, fez-se uma coleta de dados a fim de verificar
a formação e a capacitação dos educadores envolvidos em tamanho projeto, além de
investigar o nível de aceitabilidade de tal instituição por parte dos mesmos.
Assim sendo, na seção primeira, buscou-se traçar as condições de produção dos
discursos sobre os negros no Brasil, a fim de compreender melhor os sentidos dos dizeres
presentes nas entrevistas, que foram divididas em escritas e orais. As entrevistas escritas
compuseram o corpus de análise da segunda seção, onde se buscou identificar as imagens do
professor por ele mesmo estabelecidas. As demais entrevistas – orais – serviram de corpus
para a terceira seção, onde se analisaram os dizeres sobre a lei e seus sentidos.
Chamou, no entanto, a atenção o silêncio que 90% dos sujeitos dizem fazer sobre a
lei, ao passo que afirmam não a utilizar em suas aulas, evidencia-se um silenciamento que
corrobora com a perpetuação de preconceitos sobre a negritude brasileira. Sem dúvidas, a lei
10.639/03, de janeiro de 2008, que estabelece a inclusão no currículo oficial da rede de ensino
99
da obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", vem para ser somada às
conquistas do movimento negro no Brasil, em particular no estado da Bahia. Entretanto, é
preocupante a maneira como a lei está sendo implantada no sistema educacional do Estado. É
uma lei importante, e os sujeitos assim a consideram, mas não a põem em prática.
Os resultados desta pesquisa podem trazer esclarecimentos a respeito da prática
docente e da lei 10.639/03. Assim, considerando os dizeres sobre a mesma e tendo em vista a
escassez de estudos e pesquisas na área, este trabalho tem muito a acrescentar à academia em
diferentes áreas como a Pedagogia, a Linguística e a Sociologia. O objetivo foi, além
enriquecer as discussões acerca da educação e dos valores culturais através dela estabelecidos
(pois é certo que o debate acadêmico reflete na formação de profissionais da educação, que
levarão o que aprenderem às suas salas de aula), verificar como a lei está (ou não está) sendo
implantada nas escolas públicas e privadas de Salvador.
Este trabalho, certamente, contribui para que haja uma reflexão sobre as práticas
pedagógicas dos docentes em relação a temas como o que propõe a lei 10.639/03,
considerando que o poder de seus discursos não só pode diluir como também pode corroborar
para a manutenção de preconceitos, justamente por não conhecerem e não se fazerem
conhecedores da cultura afro-brasileira, ou seja, de sua própria cultura.
Hoje, em tempos pós-coloniais, tempos de cultura heterogênea, a escola ainda
permanece seguindo uma proposta universalista, eurocêntrica ou etnocêntrica. É complicado
numa sociedade multicultural escolher algumas poucas culturas para privilegiar e adotar como
padrão de ensino. Num país de afro-descendentes, desenvolver a autoestima dos mesmos,
quando se tem uma educação que não promove identificação com eles, é um contrasenso.
Nesse processo, o papel do professor é fundamental. Candau (2002) afirma que a instituição
escolar está construída sobre a afirmação da igualdade, enfatizando a base cultural comum a
que todos os cidadãos e cidadãs deveriam ter acesso e colaborar na sua permanente
construção. Articular igualdade e diferença à base cultural comum e às expressões da
pluralidade social e cultural constitui hoje um grande desafio para todos os educadores e não é
o que acontece na prática dentro das salas de aula de Salvador.
Em um país como o Brasil, é necessário que o processo de construção e significação
das diversidades sociais seja bem compreendido; isso se dá quando há o reconhecimento
positivo da pluralidade cultural ao passo que também são valorizadas as singularidades de
cada cultura. Não se pode negar a imensurável influência da cultura africana na cultura
brasileira, introduzida no período colonial quando negros eram trazidos e escravizados. Hoje,
é impossível educar cidadãos brasileiros sem levar em consideração a cultura dos negros.
100
O educador precisa refletir a respeito do que pode ser produzido, através do seu
discurso (de poder), em seus alunos quando ele faz uma abordagem equivocada da cultura
afro-brasileira ou mesmo quando não o faz. Conhecer essa cultura, hoje, é algo que já passou
do tempo de acontecer, fazê-lo é viabilizar um futuro de possibilidades plurais e concretas e
não totais (burguesas) e abstratas.
Um professor que transmite para seus alunos o resultado do que ele adquiriu através
do senso comum, ou seja, aprendeu o que foi e é repetido na sociedade, termina,
provavelmente, tirando desses jovens o desejo do novo, do confronto com a realidade
multicultural. A má condução de aulas sobre “história e cultura afro-brasileira” ou a ausência
delas pode culminar em uma geração de jovens passivos, desprovidos de criticidade e
munidos de rejeição ao outro.
101
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106
APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante I
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA - MESTRADO
1- Qual a sua formação?
Letras Vernáculas
2- Formou-se em qual instituição de nível superior?
Particular. Estudei na Universidade Católica
3- Você leciona há quantos anos?
Há 5 anos
4- Leciona na rede pública ou particular?
Na rede pública
5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua
opinião?
Sempre achei bonito ser professor. Minha mãe é professora. Acredito na importância que a
educação tem de mudar o mundo. O professor pode mudar preconceitos, mediar conhecimentos...
6- Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Conheço, é a lei que obriga o ensino da história dos africanos nas escolas do país.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
É uma iniciativa muito boa, porém não vai funcionar. Os educadores precisam ser treinados para
tratar da cultura dos negros no Brasil. Não há formação suficiente para falar dessa cultura.
8 - Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Sou um educador que desperta os alunos para a criticidade, mas não utilizo a lei. Não me sinto
preparado.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Eu não utilizo.
107
APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante II
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Sou formada em Letras Vernáculas
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Particular. Unijorge.
3-Você leciona há quantos anos?
Há 4 anos.
4- Leciona na rede pública ou particular?
Na rede pública e particular.
5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua
opinião?
Ensinar é dom. Gosto de fazer as pessoas pensarem. Acredito que o papel do educador é esse: ensinar
a pensar.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Sim eu já ouvi falar, mas não sei detalhes. Acho que fala do ensino da história da África.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Acho que é muito importante conhecermos a história dos nossos antepassados.
8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Eu não uso a lei nas aulas porque me considero despreparada para falar do assunto.
9-Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Não uso.
108
APÊNDICE C
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante III
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Estudei Letras com Inglês
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Estudei na Uneb. Pública.
3-Você leciona há quantos anos?
Há 7 anos.
4-Leciona na rede pública ou particular?
Leciono na rede particular.
5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua
opinião?
Não sei explicar, acho que nunca me vi atuando em outra coisa. Penso que o papel do educador é ser
medidor dos conhecimentos, ele facilita o acesso ao conhecimento.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
A lei fala do ensino da cultura afro-brasileira nas escolas do Brasil.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Eu acho de suma importância. É uma pena que nós professores não estamos preparados para falar da
cultura afro-brasileira. Falta melhor formação nas universidades.
8- Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Não, por não me sentir preparado. Temo ser preconceituoso por não conhecer.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Eu não utilizo a lei.
109
APÊNDICE D
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IV
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Estudei Letras Vernáculas.
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Estudei na Universidade Federal da Bahia.
3-Você leciona há quantos anos?
Há 15 anos.
4-Leciona na rede pública ou particular?
Leciono na rede particular.
5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua
opinião?
Fui motivada pela vocação. Adoro o que eu faço. Educar para mim é expandir os horizontes. É
descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...é mediar os saberes do mundo.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Sim, eu conheço essa lei ela obriga o ensino da cultura afro-brasileira em toda rede de ensino do país..
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Essa lei é uma grande conquista do povo negro. E nos educadores precisamos utilizá-la nas aulas.
8- Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Eu não sei se sou um exemplo de educadora que usa a lei, mas tento dentro de minhas limitações.
Acho que faltam cursos de aperfeiçoamento ou uma melhor formação nas universidades que formam
os professores. Não adianta implantar a lei se não preparam os educadores.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Trabalho poemas de escritores africanos, trabalho obras literárias voltadas para a temática do negro,
promovo debates sempre que possível.
110
APÊNDICE E
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante V
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Sou formada em comunicação social. Leciono Língua Portuguesa.
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Formei na Unifacs.
3-Você leciona há quantos anos?
Leciono há uns 8 anos
4-Leciona na rede pública ou particular?
Só na rede particular. Minha formação não me habilita a lecionar em rede pública.
5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua
opinião?
Gosto de ensinar. Gosto muito. Educar é mais que impor verdades. Educar é transfomar o ser.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Conheço e fala da obrigatoriedade em ensinar a história e cultura africana no Brasil.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Acho uma imposição. Nada imposto dá certo. Antes de impor, o governo deve capacitar o professor.
8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Não. Acho que há temas mais importantes para serem discutidos em sala de aula. Focar os negros é
torná-los especiais e diferentes, e não são.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Não utilizo.
111
APÊNDICE F
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VI
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Sou formado em Letras com Inglês.
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Sou formado pela Ucsal
3-Você leciona há quantos anos?
Leciono há uns 5 anos
4-Leciona na rede pública ou particular?
Atualmente ensino na rede pública.
5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua
opinião?
Sou muito ligado à educação. Meus pais são professores e cresci vendo a dedicação deles. Acredito
muito no papel de formador de opiniões do professor. Ele pode mudar preconceitos como podem fazê-
los se perpetuarem. Prefiro desfazer precoceitos.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Sim. Conheço a Lei. Ela é uma tentativa frustrada do governo em impor o ensino da cultura afro-
brasileira nas escolas do Brasil frustrada porque os educadores não a aplicam por falta de preparo. A
iniciativa é válida, porém fazer leis que não funcionam é normal no Brasil.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Como disse anteriormente, é uma boa iniciativa de se propor um novo olhar sobre as questões sociais e
raciais no Brasil, mas não funciona. Acho que deveriam preparar os professores e também fiscalizar a
aplicação da lei.
8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Tento sim usar, mas sinto que falta conhecimento aprofundado.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Trabalho livros com esse tema e filmes e promovo discussões.
112
APÊNDICE G
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VII
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Letras
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Universidade Estadual de Feira de Santana- Uefs
3-Você leciona há quantos anos?
Leciono há uns 3 anos
4-Leciona na rede pública ou particular?
Rede pública
5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua
opinião?
Vocação mesmo. Tem o papel de educar. Ser ponte entre alunos e conhecimentos.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Conheço, mas sem aprofundamento.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Qualquer iniciativa que promova a inclusão social é válida.
8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Não, não me sinto preparado para essa discussão.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Não.
113
APÊNDICE H
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VIII
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Letras vernáculas.
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Universidade do estado da Bahia
3-Você leciona há quantos anos?
Leciono há uns 8 anos
4-Leciona na rede pública ou particular?
Rede pública.
5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua
opinião?
O prazer de ensinar me motivou. Sempre gostei. O professor é quem faz do conhecimento algo mais
acessível, mais fácil. O professor precisa ser desprovido de preconceitos e promover o
desenvolvimento de senso crítico.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Conheço sim. Fala da cultura africana no Brasil.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Considero muito importante e um avanço no debate sobre as questões raciais. Conhecer a contribuição
do povo negro é o caminho para se mudar falsos juízos de valor e preconceitos.
8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Acho que sim. Tento.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Eu promovo debates, trabalho textos, filmes, poemas. Acho que preciso ainda de mais conhecimento
sobre o assunto.
114
APÊNDICE I
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IX
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Sou licenciado em Letras Vernáculas
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Univerisidade Católica de Salvador
3-Você leciona há quantos anos?
Leciono há uns 10 anos
4-Leciona na rede pública ou particular?
Rede púbuilica e particular.
5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua
opinião?
Transmitir conhecimentos
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Conheço não.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Não posso falar pois não conheço.
8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Não.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Não.
115
APÊNDICE J
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante X
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
1-Qual a sua formação?
Letras Vernáculas com Inglês.
2-Formou-se em qual instituição de nível superior?
Unijorge.
3-Você leciona há quantos anos?
Leciono há 7 anos
4-Leciona na rede pública ou particular?
Rede particular.
5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua
opinião?
Venho de uma família de educadores, acho que foi isso. O educador tem o papel de tornar a sociedade
mais fácil de se viver.
6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?
Posso até conhecer, mas não pelo número.
7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do
Brasil?
Não sei do que se trata pelo número da lei.
8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.
Não sei.
9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você
realiza utilizando a lei 10.639/2003?
Não sei.
116
APÊNDICE K
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante I
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professor, qual a sua formação?
Informante I- Letras Vernáculas
Aline- Formou-se onde?
Informante I- Católica
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante I- Eu... 5 anos.
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante I- Português
Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?
Informante I- Sim, conheço.
Aline- O que acha da lei?
Informante I- Continuo defendendo o que respondi no questionário que você me deu. Acho que a
iniciativa é válida. Uma vitória institucionalmente legalizada, mas não funciona nem vai funcionar. Os
professores não estão preparados. Eu mesmo quando me graduei, não tive essa...essa matéria na aula
da faculdade. Hoje, é...eu tento, me viro...praaa...tentar, né. Mas é difícil. Tem uma lacuna na minha
formação.
Aline- O senhor pensa que não funcionará, um dia, por qual razão?
Informante - Por que como toda lei nesse país né...nunca se cumpre a lei como deveria.
Aline- O senhor é contra a lei, então?
Informante I- Não! De jeito nenhum! Sou totalmente a favor! Mas deveriam formar melhor os
promotores dessa lei né...os professores...para não ensinar errado, como sempre aconteceu.
Aline- O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?
Informante I- Rapaz...eu tento.
Aline- Realiza alguma atividade que aborde questões raciais? Quais?
Informante I- Sim. Sempre promovo debates a partir de obras como As Vítimas Algozes, por exemplo,
discuto com eles a questão do preconceito e tal...
Aline- Para o senhor, promover essa discussão em torno da lei é tão importante quanto o quê?
Por exemplo?
Informante I- Rapaz...é tão importante...nem sei...quanto falar sobre a pobreza.
Aline- Ok, professor. Muito obrigada.
117
APÊNDICE L
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante II
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professora, qual a sua formação?
Informante II- Sou formada em Letras Vernáculas
Aline- Formou-se onde?
Informante II- Unijorge
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante II- anos
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante II- Leciono Língua Portuguesa é...no caso Redação, Literatura e Gramática.
Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?
Informante II- Já ouvi falar, mas não tenho domínio sobre a questão...é a lei que fala do ensino da
África né?
Aline- É...fala da obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira nas instituições de ensino
do país. Mas me diga...o que acha da lei?
Informante II- Olhe, acho legal querer que os jovens aprendam mais sobre suas origens negras.
Conhecer é sempre bom.
Aline- A senhora é contra a lei?
Informante II- Não, eu não sou contra a nada que posso promover reparações sociais e reconhecer o
valor de um povo.
Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?
Informante II- Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas quando conhecer, corresponderei.
Aline-Mesmo desconhecendo a lei, a senhora não realiza nenhuma atividade que aborde
questões raciais?
Informante II- Sim, quando trabalho com textos que retratam a realidade do negro no Brasil, sempre
promovo umas discussões para reflexão.
Aline- Para a senhora, discutir essa temática é tão importante quanto o quê? Por exemplo?
Informante II- Bom...acho que é muito importante...como aprender as normas gramaticais, ou as
escolas literárias.
Aline- Ok, professora, obrigada.
118
APÊNDICE M
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante III
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professor, qual a sua formação?
Informante III- Sou formado em Letras...é...letras com Inglês.
Aline- Formou-se onde?
Informante III- Na Uneb
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante III- Tem uns 7 anos
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante III- Menina...atualmente só Gramática.
Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?
Informante III- Conheço, claro... Sim...
Aline- O que acha da lei?
Informante III- Acho excelente, de uma importância incrível para a educação brasileira. Pena que não
é posta em prática com eficiência.
Aline- Por qual razão?
Informante III- Veja bem...porque...não tem preparo né! Assim...tipo o professor na...ainda
na...faculdade não teve uma formação para isso. Entende...então eu penso que fazer por faze não
adianta não viu.
Aline - O senhor é contra a lei?
Informante III- Não. Sou contra a forma como está sendo desenvolvida. Tem professor que não
domina a temática e quando vai dar aula termina sendo limitado. Recentemente aqui na
escola...é...teve uma professora que...teve um problema. Acho que ela tava falando de...num sei
bem....não me lembro direito...mas acho que foi de danças do candomblé...ela....parece que fez uma
encenação e deu confusão por causa dos crentes... (risos) ainda tem isso viu minha filha!!
Aline - O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?
Informante III- Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve.
Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Informante III- Quando dá discuto, mas evito polêmicas...se não já viu.
Aline - É tão importante quanto o quê esse assunto na sua aula? Por exemplo?
Informante III- Como qualquer questão social.
Aline - Ok, professor, obrigada.
119
APÊNDICE N
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante IV
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professora, qual a sua formação?
Informante IV- Estudei Letras Vernáculas.
Aline- Formou-se onde?
Informante IV- Sou graduada pela Universidade Federal Da Bahia
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante IV- Olha há um bom tempo...são quase 15 anos
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante IV- As três a qual fui habilitada a ensinar: Língua Portuguesa, Redação e Gramática.
Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?
Informante IV- Sim, conheço. Não é a lei que...deixa eu ver menina...(risos) determina a
obrigatoriedade do ensino da cultura afro- brasileira nas instituições de educação do país?
Aline- Sim, senhora. É essa a lei. Mas me diga, O que acha da lei?
Informante IV- Olha... eu... a considero muito válida...sim...muito válida. Veja bem, Aline, Penso que
educar é fazer ruir preconceitos...essa lei ajuda a fazer isso. Não é? Especialmente porque tira o
professor da regularidade...daaaa...história tradicional e mentirosa!não é....bem...é isso
Aline- A senhora, então não é contra a lei?
Informante IV- Não, não sou. De forma nenhuma. Sou a favor! Sou totalmente a favor.
Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?
Informante IV- Não sei dizer, é difícil se auto avaliar né? (risos) mas eu me esforço bastante. Faço
algumas atividades bem direcionadas para a questão racial sim...sempre faço.
Aline- Que atividades ?
Informante IV- Promovo debates após leituras de poemas de escritores africanos de língua portuguesa,
também debatemos quando trabalho livros quer permitam a discussão. Dentre outras coisas...
Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo, essa temática nas suas aulas?
Informante IV- Difícil responder...mas garanto que faz parte de mim.Eu não sei fazer diferente. É
minha cultura...está na minha vida todo dia...(risos)
Aline- Ok, professora, obrigada.
120
APÊNDICE O
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante V
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professora, qual a sua formação?
Informante V- Comunicação social
Aline- Formou-se onde?
Informante V- Unifacs
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante V- 8 anos
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante V- Língua Portuguesa, Redação e Gramática.
Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?
Informante V- Sim
Aline- O que acha da lei?
Informante V- Falha
Aline- Por qual razão?
Informante V- Por que antes de se implantar uma lei, tem que preparar o profissional que vai trabalhar
com ela, como relacioná-la aos conteúdos e não só instituir.
Aline- A senhora é contra a lei?
Informante V- Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de capacitação, de
formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula.
Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?
Informante V- Não
Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Informante V- Não como um tema específico, ou separado de outros temas. Não há um trabalho
voltado só para isso. Dentro de tantos temas, tantas discussões, essa questão racial se insere, mas não
como algo separado.
Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo?
Informante V- Como a questão do lixo e a reciclagem, a sustentabilidade, a questão da tolerãncia aos
homossexuais e portadores de deficiências especiais, a questão da violência contra a mulher e urbana,
o trabalho infantil, enfim...é um tema como outro qualquer.
Aline- Ok, professora, obrigada.
121
APÊNDICE P
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante VI
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Qual a sua formação?
Informante VI- Sou professor de Língua espanhola e portuguesa.
Aline- Formou- se onde?
Informante VI - Na Universidade Federal da Bahia
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante VI- há 4 anos
Aline - O senhor conhece a lei 10.639/03?
Informante VI- É a lei que instituiu o ensino de...é...história da Africanas escolas?
Aline - Isso.
Informante VI- Conheço
Aline- O que acha dela?
Informante VI- Na verdade a lei tá instituindo uma coisa que já deveria ter a muito tempo né?Algumas
coisa de muito tempo...infelizmente não sei se por causa da formação dos professores ou se por causa
da própria visão que a sociedade tem de África, não se trabalha nas escolas quer seja pública ou
particular,onde há maior rejeição.
Aline- O senhor se considera um professor que põe a lei em prática, que corresponde às
expectativas da lei?
Informante VI- Não...não me considero porque a própria formação no ensino superior não me permitiu
a isso. Certo? Mas na minha formação tive uma professora de literatura africana que me deu uma
noção...ela tinha formação nessa área...mas assim...eu a...entendo que foi pouco para o vasto mundo
que é a literatura africana em língua portuguesa.Me permitiu teruma visão diferenciada de muitos
professores que está há mais tempo no mercado,mas ainda foi pouco. Deveria ter mais.
Aline- Acha que o que o senhor sabe é insuficiente?
Informante VI- Sim, é insuficiente.
Aline - Caso o senhor tivesse o acesso a essas informações faria a lei ser posta em prática?
Informante VI- Exato
Aline - E não realiza nenhuma atividade dentro dessa proposta?
Informante VI- No caso de língua portuguesa, como sou professor de língua portuguesa e espanhola,
eu poderia fazer essa leitura dentro de literatura associando com literatura africana em sala de
aula...que sequer e tocada né? Poderia mostrar como é...(tosse) na verdade que essa literatura aconteça.
122
Desde 2003 as editoras estabeleceram uma estreita relação com as editoras africanas, especialmente
angolanos e moçambicanos e... é... assim, isso possibilitou a...é...a inerção de muitos livros no
mercado brasileiro. Porque esse interesse? Porque se trabalhar com esta linha em sala de aula é
possibilitar conhecer mais...se eu soubesse mais possibilitaria um trabalho diferenciado com meus
alunos...se eu soubesse lançaria essas questões para meus alunos.
Aline- Ok, professor. Obrigada.
123
APÊNDICE Q
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante VII
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professor, qual a sua formação?
Informante VII- Fiz Letras
Aline- Formou-se onde?
Informante VII- Na Uefs em Feira.
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante VII- Só 3 anos.
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante VII- Por enquanto só Redação.
Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?
Informante IV- Não muito.
Aline- O que acha da lei?
Informante VII- Desde que promova a inclusão social, acho boa.
Aline- O senhor é contra a lei?
Informante VII- Não. Como falei na sua pergunta anterior, sou a favor desde que promova a inclusão
dos negros.
Aline- O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?
Informante VII- Não
Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Informante VII- Não me sinto preparado.
Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo?
Informante VII- Quanto qualquer problema social.
Aline- Ok, professor, obrigada.
124
APÊNDICE R
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante VIII
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professora, qual a sua formação?
Informante VIII- Eu sou formado em Letras vernácula pela Uneb.
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante VIII- Há exatos...8 anos
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante VIII- Ensino Literatura em uma escola e aqui ensino Redação e Gramática.
Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?
Informante VIII- Sim, conheço, mas não aplico, vou logo lhe dizendo (risos)
Aline- Tudo bem, mas o que acha da lei?
Informante VIII- Acho interessante, importante, no papel...não prática sabemos que não funciona
porque não tamos preparados. Você bem sabe disso né?
Aline- Por qual razão?
Informante VIII- Porque não deram cursos decapacitação para os professores antes. Nem perguntaram
a nós o que a gente achava dessa lei. Agora veja, a gente vai ensinar sem saber e sem sequer ser
perguntado...coisa do estado!!
Aline- A senhora é contra a lei?
Informante VIII- Não, não Claro que não. Sou contra a forma como o estado obriga a gente ao que ele
determina e de qualquer jeito!
Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?
Informante VIII- Olhe, eu tento viu...eu tento.
Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Informante VIII - Trabalho mais quando dou aula de literatura porque tem livros que nos permitem
uma discussão melhorzinha.
Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo essa temática na aula?
Informante VIII- É importante como estudar história, para conhecer a origem dos problemas que
enfrentamos hoje né...
Aline- Ok, professor, obrigada.
125
APÊNDICE S
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante IX
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO
Aline- Professor, qual a sua formação?
Informante IX- Eu sou formado em Letras vernáculas.
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante IX- Há exatos..10 anos
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante IX- Eu...aqui é Gramática
Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?
Informante IX- Não.
Aline-Nunca ouviu falar?
Informante IX- Pelo número não...se você disser o teor, pode ser que eu conheça.
Aline- Tudo bem, é a lei que torna obrigatório o ensino da cultura e história afro-brasileira nas
escolas do Brasil.
Informante IX-Ah sim, já ouvi falar. O estado deu até uns cursos sobre isso.
Aline- O senhor é contra a lei?
Informante IX- Não, mas não a utilizo.
Aline- Então o senhor se considera um professor não que corresponde às perspectivas da lei?
Informante IX- Acho que sim.
Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?
Informante IX- Normalmente não. Muito polêmico.
Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo essa temática na aula?
Informante IX- Eu nem sei...não acho importante. Primeiro preparem melhor e remunerem também,
depois exijam de nós.
Aline- Ok, professor, obrigada.
126
APÊNDICE T
QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante X
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS
PESQUISA ORIENTADA - MESTRADO
Aline- Professora, qual a sua formação?
Informante X- Bom, sou formada em Letras com Inglês.
Aline- Formou-se onde?
Informante X- Na Unijorge
Aline- Leciona há quantos anos?
Informante X- Humm...pera...tem uns 6 pra 7 anos.
Aline- Qual disciplina ensina?
Informante X – Redação e Inglês
Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?
Informante X- Até o dia que responde ao questionário eu não conhecia pelo número não...aí fiquei
curiosa e fui pesquisar aí descobri. Mas conheço sim...só que pelo nome.
Aline- O que acha da lei?
Informante X- Olha, Aline, importante...porém falha. Não estamos preparados criticamente para essa
discussão...somos ainda de uma geração preconceituosa...é difícil romper com isso por causa de uma
lei...
Aline- Por qual razão?
Informante X- Por falta de preparo e por ainda vivermos num contexto de preconceitos evidentes.
Aline- A senhora é contra a lei?
Informante X- Não...não sou.
Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?
Informante X- Sempre que dá discuto nas aulas de interpretação de textos.
Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo?
Informante V- Como homofobia, meio ambiente...
Aline- Ok, professora, obrigada.