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1 ALINE VIRGÍNIA SANTOS OS EFEITOS DE SENTIDOS NOS DIZERES DE PROFESSORES SOTEROPOLITANOS SOBRE A LEI 10.639/03 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens PPGEL, Linha Linguagens, Discurso e Sociedade, Área de Concentração Análise do Discurso, vinculado ao Departamento de Ciências Humanas- DCH, Campus I, da Universidade do Estado da Bahia UNEB, como avaliação parcial para obtenção do título de Mestre em Linguagens. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral Salvador 2012

OS EFEITOS DE SENTIDOS NOS DIZERES DE … · da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

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ALINE VIRGÍNIA SANTOS

OS EFEITOS DE SENTIDOS NOS DIZERES DE

PROFESSORES SOTEROPOLITANOS SOBRE A LEI

10.639/03

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Estudo de Linguagens – PPGEL, Linha Linguagens, Discurso e

Sociedade, Área de Concentração Análise do Discurso,

vinculado ao Departamento de Ciências Humanas- DCH,

Campus I, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como

avaliação parcial para obtenção do título de Mestre em

Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral

Salvador

2012

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OS EFEITOS DE SENTIDOS NOS DIZERES DE

PROFESSORES SOTEROPOLITANOS SOBRE A LEI

10.639/03

FOLHA DE APROVAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Estudo de Linguagens – PPGEL, Linha Linguagens, Discurso e

Sociedade, Área de Concentração Análise do Discurso,

vinculado ao Departamento de Ciências Humanas- DCH,

Campus I, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como

avaliação parcial para obtenção do título de Mestre em

Linguagens.

APROVADA EM: _______ de dezembro de 2012.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Professor Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral (orientador) - UNEB

_______________________________________________________

Professor Dr. João Antônio de Santana Neto

Universidade do Estado da Bahia - UNEB

_______________________________________________________

Professora Dra. Palmira Virgínia Bahia Heine - UFBA

Salvador

2012

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À minha mãe e à minha avó, com muito

amor. Vocês são a razão da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por seu amor infinito e incondicional de Pai; por me conduzir zelosamente às minhas

grandes realizações e conquistas.

À minha mãe, D. Elena, e à minha vó, D. Santinha, por me ensinarem sobre a vida com amor

e carinho, por me ensinarem (desde a tenra idade) que os estudos é o melhor caminho; por

todo esforço que fizeram e dedicação para que eu tivesse uma vida confortável e feliz. A elas

tudo devo. A elas dedico tudo que sou e tudo que conquistei. Muito obrigada, meus amores.

Ao meu professor e orientador, Gilberto, pela paciência, pela extrema compreensão e

dedicação durante o processo de produção deste trabalho.

Aos meus professores inesquecíveis de graduação: Adelaide Augusta, Norma Lopes, Rosa

Helena, João Santana e Rosa Borges; por terem contribuído em minha formação profissional e

pessoal.

Às minhas tias que amo muito, Célia, Edna e Sônia, por sempre acreditarem em meu

potencial e me incetivarem nos estudos; e aos meus tios, Paulo e Henrique, in memorian, por

terem me amado como filha e por me ensinarem a sonhar e realizar os sonhos, enfim, por me

ensinarem que tudo é possível quando se tem esforço e determinação.

Aos amigos George Velame, Antônio Carlos Sobrinho e Rafaela Elisa, por me ajudarem,

sempre tão carinhosamnete nos momentos de dificuldades, no processo de produção desta

pesquisa.

Aos amigos queridos: Carol, Dijane, Maria da Purificação, Meire, Jeane, João,

Mardônio,Vanessa, Maicon, Bárbara Valente, Henrique, Bárbara Catarina, Sheila, Jô Rosa e

Conceição que compartilham do meu dia a dia e que tanto me deram incentivo e ânimo para

desenvolver mais este projeto em minha vida. A Danilo e Camila do PPGEL, pela paciência e

tratamento sempre cordial e solícito durante esses anos de mestrado.

Às minhas amigas confidentes: Lisandra e Vanessa, pela paciência e amizade verdadeiras.

A George Nery, meu namorado, sempre paciente, carinhoso e atento às minhas necessidades.

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“Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de

uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades

humanas e não há homens isolados (...). Se a vocação ontológica do homem é a de

ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre

suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto

mais for levado a refletir sobre situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-

temporal, mais ‘emergerá’ dela conscientemente “carregado” de compromisso com

sua realidade, da qual, porque é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve

intervir cada vez mais” (Paulo Freire, 1979, p. 61).

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RESUMO

Nesta dissertação, foram analisados, na perspectiva teórica da Análise de Discurso de linha

francesa de Michel Pêcheux, os dizeres de dez professores, por meio de entrevistas gravadas e

escritas, sobre a lei 10.639/03 da rede pública e privada de Salvador. A referida lei propõe o

ensino da cultura afro-brasileira nas instituições de ensino do país, e nesta pesquisa buscaram-

se esclarecimentos sobre as práticas pedagógicas dos professores, na perspectiva da lei, por

meio das suas materialidades discursivas. Para tanto, conceitos como formação ideológica e

formação discursiva, bem como o sujeito e sua interpelação ideológica e constituição de

imagem e identidades foram utilizados. Este trabalho poderá acrescentar à academia dados e

informações relevantes nas diferentes áreas como a Pedagogia e a Linguística, bem como

enriquecer as discussões a cerca da educação e os valores culturais através dela estabelecidos

e difundidos, os quais são transmitidos principalmente através dos dizeres de educadores, pois

é certo que o debate acadêmico reflete na formação de profissionais da educação, que levarão

o que aprenderem as suas salas de aula.

PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso. Professores. Lei 10.639/03.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation was to analyze what ten teachers had to say about the application

of bill 10.639/03 in their classrooms in both public and private schools in Salvador. The bill

determines the teaching of Brazilian Afro culture as part of the curriculum in all schools and

at all levels. Interviews were used to collect data and were analyzed according to the

principles of Pecheux’s discourse analysis theory. This research was designed to identify and

clarify teaching practices within the principles of the bill through teachers’ discourse.

Concepts such as ideological and discursive formation, the subject and his ideological

interpellation, image and identity were used in the analysis. The results presented here may

contribute with relevant data and information in areas such as Pedagogy and Linguistics as

well as enrich discussion in Education since the academic debate reflects upon the education

of teachers who will take what they learn to their classrooms.

Kew Words: Discourse Analysis. Teachers. Law 10.639/03.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

AD Análise do Discurso

DP Discurso Pedagógico

FNB Frente Negra do Brasil

FD Formação Discursiva

FI Formação ideológica

TEN Teatro Experimental Negro

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SUMÁRIO

RESUMO 6

ABSTRACT 7

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES 8

1 INTRODUÇÃO 11

2 REVISITANDO A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO 18

2.1 O NEGRO NO BRASIL 24

2.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO 29

2.2.1 Mestiçagem: conceitos e teorias 32

2.2.2 Mestiçagem e o mito da democracia racial no Brasil 35

2.2.3 O Movimento Negro, as Ações Afirmativas no Brasil e a Lei 10.639/03 46

3 AS IMAGENS DO PROFESSOR 59

4 OS EFEITOS DE SENTIDOS SOBRE A LEI 10.639/03 78

4.1 OS SILÊNCIOS 91

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 97

REFERÊNCIAS 101

APÊNDICE A -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante I 106

APÊNDICE B -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante II 107

APÊNDICE C -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante III 108

APÊNDICE D -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IV 109

APÊNDICE E -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante V 110

APÊNDICE F -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VI 111

APÊNDICE G -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VII 112

APÊNDICE H -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VIII 113

APÊNDICE I -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IX 114

APÊNDICE J -QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante X 115

APÊNDICE K - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante I

116

APÊNDICE L - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante II

117

APÊNDICE M - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - 118

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Informante III

APÊNDICE N - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante IV

119

APÊNDICE O - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante V

120

APÊNDICE P - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante VI

121

APÊNDICE Q - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante VII

123

APÊNDICE R - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante VIII

124

APÊNDICE S - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante IX

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APÊNDICE T - QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral -

Informante X

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1 INTRODUÇÃO

Após séculos de prevalecência da ideologia de inferioridade dos negros e mestiços

no Brasil, já é possível ver mudanças do ponto de vista ideológico e comportamental na

sociedade a esse respeito. A atuação dos movimentos negros durante décadas e a

implementação de leis a partir do governo do presidente Luís Inácio da Silva acabaram por

contribuir para a formação de uma nova ideologia no que tange à valorização da cultura afro-

brasileira e à participação do povo negro na construção do arcabouço cultural do país.

Uma das propostas implementadas com esse propósito foi a Lei 10.639/2003 que

entrou em vigor em 9 de janeiro de 2003, que, desde então, obriga as instituições de ensino

regular brasileiras a ensinarem, em seus diferentes níveis, a cultura afro-brasileira e a história

da África. É dentro desse particular que este trabalho se configura. Dessa forma, considerando

como aporte referencial o Artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação no

Brasil, o qual rege o seguinte:

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo

da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra

brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do

povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados

no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e

de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de

2003).

Ao se considerar o que diz a lei, algumas questões podem ser levantadas: quais têm

sido os dizeres dos professores e os efeitos de sentidos que seus dizeres provocam diante das

questões raciais no Brasil? Se a ideologia se manifesta nos discursos através da língua, quais

são os dizeres dos educadores a respeito das leis de reparação em favor dos negros?

O que ainda é perceptível é uma resistência ou quase necessidade latente de muitos

educadores não mencionarem em sala de aula o que a lei 10.639/03 determina e propõe; o

silêncio e/ou a manifestação de preconceitos sobre os grupos étnicos, como negros, índios e

mestiços, bem como sobre as suas respectivas contribuições têm sido a opção de muitos

desses profissionais. Tentar compreender o que motiva esse silêncio e/ou demonstrações

explícitas de intolerância cultural e preconceito, como também a falta de desejo de descobrir e

de ensinar sobre a identidade cultural de matriz africana, em especial por causa da lei, através

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dos dizeres dos docentes, foi o motivo pelo qual surgiu o interesse em desenvolver esta

pesquisa.

Analisar os dizeres dos professores sob o viés da Análise de Discurso pecheutiana

possibilitará considerar a relação sujeito-história e a constituição de seus dizeres,

considerando as ideologias apreendidas, materializadas e transmitidas por meio dos discursos.

De acordo com Orlandi (2009), o sujeito do discurso se constitui na e pela linguagem, e nela

as ideologias se materializam e são externalizadas. Para essa autora, não há sujeito sem

ideologia. A ideologia e o inconsciente estão materialmente ligados, sendo aquela

materializada no discurso, que, por sua vez, é realizado pela linguagem em forma de texto.

Os dizeres analisados podem revelar qual tem sido o papel do educador

soteropolitano no exercício da lei e de sua prática docente. Independentemente dos resultados

obtidos, neste trabalho propõe-se, principalmente, uma análise das materialidaes discursivas

de educadores e consequentemente a reflexão sobre a lei 10.639/03 e a valorização de

diferentes grupos etnicos que compõem a sociedade brasileira.

A pluralidade cultural está presente no cotidiano brasileiro, e é possível notar isso

nas diferentes formas de manifestação do povo através de danças, músicas, língua, entre

outras. É importante lembrar que essa diversidade cultural e étnica no contexto educacional

não pode ser ensinada de forma folclorizada, de maneira que se desvalorizem as diferenças

existentes no Brasil.

Nesse sentido, a educação torna-se extremamente importante para uma sociedade, na

medida em que possibilita aos indivíduos a compreensão necessária à valorização das

diferenças, percebendo estes a sua complexidade; do contrário, o entendimento delas tornar-

se-á difícil e acabará culminando em preconceitos.

Segundo Freire (2005), nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão

sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das

sociedades humanas e não há homens isolados. Em um país como o Brasil, é necessário que o

processo de construção e significação das diversidades sociais seja bem compreendido, e isso

se dá quando há o reconhecimento positivo da pluralidade cultural, ao passo que se valorizem

também as singularidades de cada cultura.

O Brasil é inegavelmente um país com imensurável influência da cultura africana,

introduzida no período colonial, quando os negros africanos eram trazidos e aqui

escravizados. Hoje é impossível educar cidadãos brasileiros sem levar em consideração a

cultura desse povo. O homem tem a vocação de ser sujeito e não objeto, e só poderá

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desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-

se nelas de maneira crítica (FREIRE, 2005).

Diante de uma cultura tão heterogênea, a escola ainda permanece seguindo uma

proposta universalista, eurocêntrica ou etnocêntrica no Brasil. Tal conduta não é coerente com

uma sociedade multicultural, e escolher algumas poucas culturas para privilegiar e adotar

como padrão de ensino é, no mínimo, preconceito em alto grau.

Em um país composto por grande parte de afro-descendentes, requerer a autoestima

dos mesmos quando se tem uma educação que não promove sua identificação é contraditório.

É exatamente nesta contradição que tem emergido o conflito gerador da busca pela

identidade. Como aponta Mercer (apud HALL, 2006), “a identidade somente se torna uma

questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é

deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza”.

A instituição escolar está construída sobre a afirmação da igualdade, segundo

Candau (2002), enfatizando a base cultural comum a que todos os cidadãos e cidadãs

deveriam ter acesso e colaborar para a sua permanente construção. Articular igualdade e

diferença à base cultural comum e expressões da pluralidade social e cultural constitui hoje

um grande desafio para todos os educadores, e não é o que acontece, aparentemente, na

prática nas salas de aula de Salvador.

Para promover os direitos dos negros em diferentes áreas sociais, o movimento negro

trouxe à tona medidas que visavam e visam à promoção, ao longo dos últimos 40 anos, da

igualdade e de seus direitos.

O termo dado ao conjunto de medidas que objetivam minorar os problemas sociais

dos negros é ação afirmativa. A expressão teve origem nos Estados Unidos, nos anos 60,

período no qual os norteamericanos reivindicavam a democracia interna cuja bandeira

principal era a igualdade de oportunidades a todos. Esse movimento assumiu formas através

das principais áreas de atuação social, como: o mercado de trabalho (com a contratação,

qualificação e promoção de funcionários); o sistema educacional (especialmente o ensino

superior); a representação política; além, é claro, do sistema de cotas, que estabelece um

determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por grupos definidos.

O modernismo político, segundo Habermans (1998), acostumou a sociedade a tratar

igualmente seres desiguais, em vez de tratá-los de modo desigual. Daí a justificativa de uma

política preferencial no sentido de uma discriminação positiva; é nesse contexto que se

ressalta a importância da implementação de políticas de ação afirmativa, entre as quais a

experiência das cotas, que, pelas vivências de outros países tais como Índia, Canadá e

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Austrália, afirmou-se como um instrumento veloz de transformação, sobretudo, no domínio

da mobilidade socioeconômica.

No Brasil, o movimento negro, enquanto instituição socialmente organizada, é

atuante desde o período da ditadura militar; no entanto, faz-se importante lembrar que, em seu

sentido mais amplo, tal movimento existe desde o início da colonização do Brasil. Com a

redemocratização, alguns movimentos sociais passaram a exigir uma postura mais ativa do

poder público diante das questões de gênero, etnia e adoção de medidas específicas para sua

solução através das ações afirmativas.

Em 1980, houve a primeira formulação de um projeto de lei nesse sentido quando o

deputado Abdias Nascimento propôs uma ação compensatória, que estabelecia medidas de

compensação para os afro-brasileiros; no entanto, esse projeto não foi implantado, sequer

aprovado no congresso, mas as lutas continuaram.

Em 2003, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou a lei 10.639, uma

proposta multicultural de ensino que propõe a valorização de uma cultura, até então, colocada

à margem da educação brasileira. Segundo Candau (2002), uma ação docente

multiculturalmente orientada requer uma postura que supere o daltonismo cultural1

frequentemente presente nas escolas. É necessária também uma abordagem que valorize e

leve em consideração a riqueza promovida pela existência de diferentes culturas no ambiente

escolar. Especialistas em educação multicultural têm proposto estratégias pedagógicas que

permitem lidar com essa heterogeneidade.

De acordo com MCCarthy (1998), é essencial que o educador esteja situado na

prática pedagógica multicultural, além de possuir uma visão das culturas como algo

interrelacionado e procurar facilitar a compreensão do mundo pelo olhar do subalternizado.

Para o currículo, trata-se de desestabilizar o modo como o outro é mobilizado e representado.

Segundo esse autor, o olhar de poder, as suas normas e os seus pressupostos ainda precisam

ser desconstruídos diante de uma nova sociedade que já se configurou multiculturalmente.

A resistência da escola soteropolitana em educar numa perspectiva multicultural

pode ser observada nos dizeres (analisados) dos educadores acerca dos negros,

afrodescendentes, de sua história e de sua cultura. Na terceira seção deste trabalho, constata-

se que o saber discursivo sobre preconceito racial foi constituído ao longo da história do

1 A autora não define de forma específica o significado de daltonismo cultural, no entanto, pode-se interpretar tal

conceito a partir de sua proposta a qual versa sobre a valorização das diferentes culturas no ambiente escolar, que

até então têm sido vistas de forma nebulosa ou equivocada.

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Brasil, dizeres foram produzidos e possibilitados aos sujeitos da sociedade brasileira pela

memória (ORLANDI, 2009).

Os resquícios desses discursos escravistas ainda circulam e fazem eco na sociedade

de hoje. Uma espécie de memória, e por que não dizer discursiva (Interdiscurso) dolorosa e

preconceituosa, a respeito da comunidade negra do Brasil. Através da lei 10.639-03, os

educadores têm em mãos a oportunidade de tratar positivamente das questões referentes aos

negros que estão, em grande parte, dentre os mais alijados do processo social brasileiro.

A maneira como os educandos adquirem e apreendem os saberes e como os

educadores mediam o conhecimento a respeito da cultura afro-brasileira têm relação direta

com suas experiências sociais – meio familiar e escolar e diferentes relações sociais

estabelecidas ao longo de sua formação –, com o contexto sócio-histórico em que estão

inseridos, nas suas memórias e na sua historicidade, e tudo isso é refletido em seus dizeres. De

acordo com o que explicitam os teóricos da A.D acerca da constituição do discurso e das

condições de sua produção e o que foi verificado nas análises das materialidades discursivas

dos professores, pode-se afirmar que muitos deles, hoje, diante da determinação da lei

10.639/03, têm resistido à implantação da temática negra, devido ao passado de escravidão do

Brasil.

Era e ainda é comum, nas escolas, o ensino da cultura negra a partir da ênfase nos

castigos corporais, na humilhação da escravidão e na religião – o candomblé – de maneira

folclorizada e depreciativa. Agindo desta forma, pode, ao longo do tempo, ocorrer o

esvaziamento da proposta inicial da lei 10.630/03, que é o de fazer com que a população

brasileira conheça a história do Brasil que não foi contada, que foi ocultada pela classe

dominante durante séculos de dominação econômica e cultural. Através das suas falas, o

professor pode promover outro processo de desvalorização de culturas, principalmente se ele

for movido por emoções ou pelo senso comum.

O professor, que hoje tem o desafio de levar os debates sociais para a sala de aula, é

interpelado por ideologias ao longo de sua história enquanto indivíduo social através do

assujeitamento à língua e, para conseguir remover de suas crenças os obstáculos impostos

pelas forças ideológicas de cunho racista e poder ser agente de transformação social através

da educação, precisa romper com tradições e propor novas ideias, novas discursividades.

Essas discursividades precisam ser capazes de atingir as bases populares e convencê-

las de que, sem adesão às novas propostas de abordagens educacionais e culturais, elas serão

sempre vítimas fáceis da classe dominante e de suas ideologias perpetuadoras de preconceitos.

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Para Pêcheux (1997), a ideologia tem materialidade no discurso, assim, ao se analisar

a relação da ideologia com o discurso, é preciso se reportar a dois conceitos tradicionais da

análise de discurso: o de formação ideológica; e o de formação discursiva – “a região do

materialismo histórico que interessa ao estudo do discurso é a da superestrutura ideológica

(formação ideológica) ligada ao modo de sua produção dominante na formação social

considerada (formação discursiva)”.

Compreende-se que o ensino da história africana não se restringe exclusivamente à

história em si como mais uma disciplina. É preciso que a lei 10.639/03 não seja executada

como a maioria das leis no Brasil que, ao saírem do papel, ou são aplicadas de maneira

equivocada ou são esquecidas após o modismo provocado por elas. Não é interessante ver

uma conquista, como foi a aprovação e a validação da lei, ser tratada como uma bandeira

política apenas em períodos eleitorais ou como uma maneira de acalmar o movimento negro,

ou melhor, mantê-lo quieto por algum tempo diante de uma suposta vitória legalmente

reconhecida.

A lei 10.639/03 não deve ser esquecida, não deve ser preterida. É importante que os

educadores apostem na possibilidade e perspectivas emanadas por essa nova proposta de

ensino; que pensem na viabilidade de se estabelecer marcos de reflexão na educação escolar

brasileira e assim possam ser construídas novas ideologias, sepultando as antigas que tanto

mal fizeram no processo de identificação etnico-cultural brasileiro.

Visa-se a uma educação voltada para as relações étnico-raciais e para o ensino de

história e cultura afro-brasileiras, e que ela possa promover a igualdade entre as pessoas, e não

a sua discriminação. Almeja-se um futuro em que os negros possam participar efetivamente

em condições de igualdade de acesso às universidades, aos cargos e às funções em diversos

setores da sociedade.

A fim de identificar as ideologias que dominam os discursos de educadores da cidade

de Salvador, são utilizados nesta pesquisa os dispositivos teóricos e metodológicos da Análise

de Discurso de linha francesa. A teoria é aplicada às entrevistas de dez professores – cinco de

escolas públicas e cinco de escolas privadas de Salvador. Esses entrevistados lecionam a

disciplina de Língua Portuguesa há pelo menos sete anos, período estimado após a

promulgação da lei 10.639/03. Os depoimentos foram colhidos por meio de entrevistas

escritas e orais (gravadas), devidamente analisadas no capítulo referente aos efeitos de

sentido.

Alguns conceitos da AD (Análise de Discurso), como: condições de produção,

ideologia, formações ideológicas, formações discursivas e o sujeito discursivo estão presentes

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na composição da seção dedicada às discussões teóricas. A teoria de Pêcheux possibilitará que

seja unido o desejo de entender o silêncio e como os professores têm aplicado a lei 10.639/03

ao anseio por uma reflexão posterior à pesquisa, permitindo a compreensão do preconceito

manifestado por muitos educadores através da análise de seus dizeres/discursos sobre a

referida lei. Por meio dos resultados das análises, será possível vislumbrar uma educação que

possibilite contribuições de diferentes grupos culturais na construção de uma identidade

nacional e cultural; um sistema educacional cujo enfoque seja a redução dos preconceitos e a

busca pela igualdade de oportunidades educacionais e de justiça social para todos.

Portanto, faz-se pertinente a aplicação desta teoria ao objeto proposto uma vez que o

discurso do educador reflete a ideologia da sociedade que o circunda de maneira que seus

discursos a materializem.

É um projeto de análise qualitativa, cujos dispositivos teórico-metodológicos têm

fundamento na AD e o objeto de análise são os dizeres de dez professores, das redes particular

e pública de Salvador, adquiridos por meio de entrevistas escritas e orais (gravadas), a fim de

identificar as ideologias que dominam os discursos desses educadores.

Este trabalho está estruturado a partir de três seções assim intituladas: Revisitando a

história; As imagens do professor; Os Efeitos de Sentido; Considerações Finais; Referências;

Apêndices e Anexos.

A seção Revisitando a história apresentará um histórico sobre a diáspora negra no

Brasil e o surgimento dos discursos de ideologia racista, como o mito da igualdade racial e os

conceitos de mestiçagem no mundo, no Brasil, sendo ainda feito um breve histórico sobre os

movimentos negros no Brasil e como sua atuação contribuiu para o surgimento da lei

10.639/03.

A seção As imagens do professor trata dos conceitos de identidade e da formação das

imagens contruídas dos professores por meio das ideologias dominantes presentes na

sociedade.

A seção Os efeitos de sentidos sobre a lei 10.639/03 traz as análises das entrevistas

dos informantes pelo viés da Análise de Discurso de linha fancesa, na perspectica teórica de

Michel Pêcheux e uma reflexão, na sub-seção Os Silêncios, acerca do silêncio dos professores

sobre a lei 10.639/03 sob a luz da teoria norteadora deste trabalho.

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2 REVISITANDO A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO

A escravidão é um regime social definido pela lei e pelos costumes de um

determinado grupo como a forma mais absolutamente involuntária de servidão humana.

Neste sentido, Moura (1981) afirma que o trabalho ou os serviços de um escravo são obtidos

pela força, e a pessoa física é considerada propriedade de seu dono, o qual dispõe de sua vida.

Segundo Van Dijk (2008), a escravidão dos negros durou cerca de trezentos anos, e o

Brasil foi a última nação a abolir o regime de trabalho baseado em escravizados africanos. A

colonização portuguesa trouxe, além dos negros cativos, o mito da supremacia da Europa

sobre a África para o Brasil. Em terras brasileiras, a partir da segunda metade do século XVI,

os europeus recorreram ao sistema escravista. Mas, antes da chegada dos negros, os índios

foram a mão de obra utilizada, sendo, então, destituídos de sua cultura, da liberdade e

submetidos animalescamente ao trabalho. Os aborígenes, no entanto, eram conhecedores do

território e resistiram à escravidão – tanto quanto os negros – fugindo e escondendo-se nas

matas brasileiras.

A resistência dos indígenas teve consequências favoráveis à vinda dos negros para o

Brasil, pois, de acordo com Munanga (2006), o extermínio em massa dos autóctones

brasileiros teria justificado a busca de escravos em território africano para que estes fizessem

o que aqueles não se dispuderam fazer.

No século XVI, os portugueses tiveram como objetivo a exploração do cultivo da

cana de açúcar, após descobrir o quão lucrativo seria explorar o solo de massapê característico

do nordeste brasileiro com esse cultivo, fazendo dessa atividade, associada à escravidão dos

negros, o meio de tirar maior proveito do Brasil.

Essa substituição do trabalhador escravizado gestou um discurso, posteriormente,

aproveitado pelos literatos românticos acerca da não-submissão indígena – discurso que,

ainda hoje, tem força na sociedade. Sintomático, pois, que seja comum encontrar, em livros

didáticos de história do Brasil, afirmações como a que se pode observar a seguir:

O índio, acostumado com a liberdade, recusou-se ao trabalho escravo, o que obrigou

o colonizador português a ir buscar essa mão de obra escrava no continente africano,

onde os negros, acostumados com a escravidão já existente em sua terra, não se

importavam com sua sorte (MUNANGA, 2006, p. 22).

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Esse autor, ao parafrasear o discurso reproduzido pela literatura histórica, acrescenta

que o mesmo livrava os brancos da culpa e da lembrança “das atrocidades cometidas no

passado ao transferir esta responsabilidade aos reis e príncipes africanos” (MUNANGA,

2006).

Esse autor ainda afirma que o conceito de escravidão na África tem pouco a ver

daquele aplicado ao Brasil. Conclui tal autor que enunciados como esses fizeram com que o

discurso sobre a aceitação e a passividade do negro diante da escravidão virasse uma das

verdades instituídas pelos portugueses para justificar o sistema escravista.

De um lado posicionam-se historiadores, sociólogos, antropólogos e economistas que

tentavam e tentam, ainda hoje, descrever o escravo como um instrumento passivo diante do

domínio dos senhores de escravos brancos. De outro, segundo Orlandi (2003, p. 59):

Contrapõe-se a abordagem do negro como agente ativo que se rebela contra o

escravismo. Destruir, portanto, a perspectiva histórica de que os escravos não

lutaram contra o cativeiro é o mote fundamental deste discurso de reação. Neste

plano, a estratégia é transformar em mito a passividade do negro e estabelecer a

resistência e o atavismo dos escravos como a verdade histórica.

Em considerações sobre discursos fundadores, Orlandi (2003, p. 7) afirma que estes

são instituídos “em relação à história de um país e funcionam como referência básica no

imaginário constitutivo desse país”. Várias são as maneiras com as quais se podem instituir

verdades. No Brasil, muitos foram os mitos criados pelos brancos com o propósito de manter

o status da raça branca e justificar a colonização e seus mecanismos de dominação escravista.

Ao se analisar a relação antonímica existente entre o mito da passividade do negro e

o da subversão e insubordinação indígena, devem-se levar em consideração vários elementos,

pois a questão não é simples e não deve ser abordada de maneira tão superficial como tem

sido.

Primeiro, deve-se considerar o fato de os índios serem conhecedores do território no

qual era escravizado, e tal condição possibilitava-lhes as fugas constantes. Em qualquer

contexto, de índios, durante a colonização, a guerrilheiros urbanos contra a Ditadura Militar,

todos necessitam deste conhecimento como forma de resistência ou de sucesso em uma

invasão, como afirma Marighela (2003)2:

O melhor aliado do guerrilheiro é o terreno porque o conhece como a palma de sua

mão.Ter o terreno como um aliado significa saber como utilizar suas irregularidades

com inteligência, seus pontos mais altos e baixos, suas curvas, suas passagens

2 Político e guerrilheiro baiano (1912-1969). Um dos principais organizadores da luta armada contra o Regime

Militar de 1964.

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regulares e secretas, áreas abandonadas, terrenos baldios, etc., tirando a vantagem

máxima de tudo isto para o êxito das ações armadas, fugas, retiradas, encobrimento

e esconderijos. Os lugares impenetráveis e os lugares estreitos, as ruas sob

construção, pontos de controle de polícia, zonas militares e ruas fechadas, entradas e

saídas de túneis e aqueles que o inimigo possa bloquear viadutos que devem ser

cruzados, esquinas controladas pela polícia ou vigiadas, suas luzes e sinais, tudo isto

tem que ser completamente estudado para poder evitar erros fatais.

Como se sabe, o domínio do conhecimento da topografia é de suma importância nas

relações bélicas e, no caso dos índios, foi fator decisivo no processo de resistência à

escravidão.

Os negros não conheciam o solo brasileiro, o que, de certo modo, contribuiu para a

manutenção da escravidão desses indivíduos; além disso, os africanos viviam os traumas da

separação de sua gente, hábitos e cultura, e isso certamente os imobilizava emocionalmente,

sendo um fator relevante para conter inicialmente as fugas e subversões. A prova disso é que,

com o passar dos anos, os negros passaram a fugir para quilombos, como forma de

resistência, já que, com o tempo, o terrotório deixara de ser desconhecido. Ainda assim, foram

muitas as formas de resitência negra, contrariando o pensamento de passividade dos negros

ante o sistema escravista da literatura histórica tradicional.

Conforme afirmação de Risério (2007), o escravo era especialista em mentiras e

simulações por necessidade, roubavam, sabotavam serviços, envenenavam os senhores,

suicidavam-se, as escravas abortavam voluntariamente, enfim, tudo com o propósito, segundo

o autor, de ferir o sistema.

Como se pode observar, os negros deram muito trabalho à elite branca brasileira,

portanto, o argumento utilizado pela literatura histórica tradicional de que os africanos foram

facilmente escravizados por estarem acostumados ao sistema escravocrata é improcedente.

De fato, a escravidão era conhecida em muitas nações africanas, mas, nelas, o

conceito de escravo era completamente diferente do que se conheceu no Brasil. Na África,

havia grandes impérios como Congo, Mali, além de aldeias cujos moradores eram agrupados

por laços de parentesco. A expansão desses reinos, o trânsito de mercadores e o controle de

rotas comerciais resultavam muitas vezes em guerras entre povos africanos. Desses conflitos,

saíam vitoriosos e derrotados, e estes se tornavam escravos daqueles. Esse tipo de escravidão

é denominada de “doméstica” e, de acordo com Albuquerque e Filho (2006), tinha como

propósito aprisionar alguém para utilizar sua força de trabalho, geralmente em atividades

agrícolas.

Comumente, os cativos masculinos serviam ao rei, podiam casar-se com mulheres

livres, mas não podiam reconhecer a paternidade de seus filhos, que nasciam livres por

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integrarem a comunidade da mãe. As mulheres cativas integravam haréns e eram

reprodutoras, e, por essa razão, eram mais valorizadas no processo de escravidão africano.

Em geral, os africanos preferiam mulheres como escravas por dois motivos:

primeiro, porque as mulheres eram responsáveis pelo trabalho agrícola na maioria das

sociedades africanas; e segundo, porque eles poderiam tomar essas mulheres por esposas,

aumentando assim a sua família e a sua influência política na comunidade local. As crianças,

por sua vez, também eram consideradas escravos ideais pelos africanos, uma vez que

poderiam ser facilmente assimiladas pela comunidade dos seus senhores.

Contrariamente ao que acontecia com as mulheres, os africanos procuravam se

desfazer logo de escravos homens, que poderiam representar um perigo para a sociedade

local, especialmente em se tratando de soldados capturados em guerra. Nesse sentido, o

tráfico de escravos pelo Atlântico, por exemplo, contribuiu para aliviar os senhores africanos

desses tipos, já que as plantações do Novo Mundo demandavam de mais escravos homens que

mulheres.

Em outras comunidades na África, os cativos não tinham nenhuma ocupação e eram

apenas bens para serem ostentados pela vitória em uma guerra. Eles podiam ser imolados ou

enterrados vivos em cerimônias religiosas. Esse hábito era maior entre cativos homens, uma

vez que mulheres eram economicamente rentáveis por serem reprodutoras e dominarem as

técnicas agrícolas (SILVA, 2010).

Outra modalidade do escravismo nos moldes africanos era o penhor. Nesses casos,

um parente poderia ser penhorado pela comunidade credora em troca de comida ou do que

necessitassem. Obviamente, esse critério para escravizar era utilizado em situações de

extrema necessidade, uma vez que os negros eram agrupados por vínculos de parentesco, e a

origem dos indivíduos na condição de escravo era respeitada e mantida, até porque essa

condição era provisória até a quitação da dívida. Nos casos de escravidão em que as mulheres

negras geravam filhos de seus senhores, estes não podiam ser vendidos e, com o tempo, os

descendentes tornavam-se parte da mesma linhagem (ALBUQUERQUE e FILHO, 2006).

A escravidão por punição era também praticada na África; nessa modalidade, quem

era condenado por crimes, como assassinatos, roubos, entre outros, podia ser escravizado.

Para alguns autores, como Munanga (2006, p. 24), na escravidão praticada na África, não se

estabelecem as práticas de exploração como um sistema escravista, pois:

(...) a exploração não era renovada sistematicamente e não suscitava uma categoria

de indivíduos mantida institucionalmente (de fato e de direito) em uma relação de

subordinação. A escravidão como modo de exploração só pode existir se se

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constituir uma classe distinta de indivíduos com um mesmo estatuto social.Essa

classe distinta, dita escrava, deve-se renovar de forma contínua e institucional, de tal

modo que as funções a ela destinadas possam ser garantidas de maneira permanente

e que as relações de exploração e a classe explorada (dos senhores), que delas se

beneficiam, possam também se reconstituir e continuamente. Nenhuma dessas

formas de organizar a escravidão existiu na África antes do tráfico negreiro.

De acordo com o autor supracitado, a própria cultura africana não permitia que o

sistema escravista – que visava ao lucro nos moldes praticados pelos portugueses – fosse

realizado na África, pois, por exemplo, no Brasil, filhos de escravos eram escravos também;

naquele continente, eram livres, ou seja, não havia a noção de posse e de propriedade. Ainda

de acordo com as relações da escravidão africana, há autores defensores da ideia de que,

inicialmente, o sistema escravista por lá foi essencialmente doméstico, mas, a partir do final

do século XVII, quando os árabes ocuparam o Egito e o norte da África, a escravidão passou

a ser comercial e praticada pelos próprios africanos.

(...) a escravidão doméstica, de pequena escala, passou a conviver com o comércio

mais intenso de escravos. A escravidão africana foi transformada significativamente

com a ofensiva dos muçulmanos. Os árabes organizaram e desenvolveram o tráfico

de escravos como empreendimento comercial de grande escala na África. Não se

tratava mais de alguns poucos cativos, mas de centenas deles a serem trocados e

vendidos, tanto dentro da própria África quanto no mundo árabe e, posteriormente,

no tráfico transatlântico para as Américas, inclusive para o Brasil

(ALBUQUERQUE e FILHO, 2006, p. 15).

Desta forma, a escravidão exercida no Brasil não assemelha à que acontecia em

território africano, uma vez que a motivação do sistema servil brasileiro relacionava-se à

propriedade e à despersonalização dos escravos. A escravidão como um sistema que impõe a

lógica da exploração a fim de obter lucros na perspectiva capitalista praticada pelos

portugueses no período das grandes navegações passou a ser praticada em solo africano após

a interferência estrangeira – inicialmente muçulmana e, em seguida, europeia. Tal fato se deu,

a princípio, através das guerras santas, Jihads, quando os muçulmanos tinham como propósito

converter líderes políticos e escravizar os que não confessassem a fé em Alá. Para escapar da

escravidão, muitos se convertiam.

O Corão não condenava o cativeiro. Para os seguidores do profeta Maomé, a

escravização era uma espécie de missão religiosa. O infiel, ao ser escravizado,

“ganhava” a oportunidade da conversão e, depois de devidamente instruído nos

preceitos islâmicos, tinha direito a voltar a ser livre. Entretanto, não bastava se

converter para ter direito a alforria. Havia razões bem mais comerciais e bem

menos altruístas a justificar o crescimento do número de escravos no mundo

muçulmano (ALBUQUERQUE e FILHO, 2006, p. 18).

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Os negros passaram a ser valiosos na economia do mundo árabe, pois, além de

moeda de troca, eram carregadores das mercadorias vendidas em toda Europa e soldados dos

Jihads.

Com o tempo, a escravidão tornou-se um sistema econômico que visava a lucros na

perspectiva colonialista, especialmente no século XVI, quando, além dos árabes, os europeus

fizeram da África a principal região exportadora de mão de obra escrava. Holandeses,

ingleses, espanhóis e especialmente portugueses ganharam muito dinheiro com o comércio de

escravos africanos. A priori, o interesse dessas nações era o de explorar metais preciosos,

como o ouro, na região que corresponde hoje ao Senegal.

Segundo Albuquerque e Filho (2006), os portugueses eram conhecidos, em muitas

regiões exportadoras de escravos (especialmente o litoral), como canibais. Existia o mito de

que usavam o sangue dos negros para tingir tecidos e fabricar vinho. Por conta disso, os

portugueses encontraram resistência em comercializar com vendedores de escravos africanos,

o que dificultou o acesso ao ouro local.

Àquela altura, o comércio interno de escravos, já desenvolvido em virtude da

expansão árabe, era intenso, e, quando os portugueses perceberam o quão rentável era este

comércio, começaram a comprar e vender escravos ao longo da própria costa africana. Eles

contavam com a vantagem de terem caravelas que facilitavam o transporte das mercadorias

por serem mais ágeis do que as embarcações locais. Essa iniciativa lusitana acirrou as

disputas entre Reinos africanos de forma que as guerras eram constantes, com o propósito de

capturar cativos e vendê-los. Por conta do crescente comércio de escravos, o litoral africano

passou a ser uma região bastante povoada e a atividade econômica ali era intensa.

Os portugueses tinham fortalezas e entrepostos por toda a costa da África, mas eles

faziam pouco comércio de escravos com a Costa do Ouro, onde se encontrava um de seus

mais antigos estabelecimentos: o Castelo de São Jorge da Mina. Nesse lugar, o objeto do

tráfico era o ouro. Estabelecido tal princípio, navegadores portugueses trocavam barras de

ferro por escravos no Congo para permutar, em seguida, por ouro, no Castelo de São Jorge da

Mina. Assim, os portugueses conseguiram, além da mão de obra necessária para as colônias,

o ouro africano. Esse período foi chamado por Pierre Verger (2002) de O Ciclo da Guiné –

denominação dada pelo antropólogo ao período da vinda de escravos oriundos da costa oeste

da África, ao norte do Equador, em torno de 1540.

A avidez por escravos, motivada pelo comércio implementado pelos comerciantes

lusitanos, fez com que reinos da África vivessem o apogeu econômico entre os séculos XVII

e XVIII, por causa do tráfico negreiro. Em territórios como Damé, o tráfico era tão rentável

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que, no final do século XVII, embaixadores dessa região visitaram a Bahia no intuito de selar

acordos de monopólio comercial. Outra nação bem relacionada com os portugueses foi o

Kongo, onde, assim como Angola, as guerras foram constantes, e a captura de escravos era

intensa. Segundo Castro (2011), a introdução estimada, em trezentos anos de escravidão no

Brasil, é de:

5.000.000 de africanos, para substituir o trabalho escravo ameríndio, originando um

contingente populacional de 75% de negros em relação ao número de portugueses e

outros colonizadores europeus, conforme o censo demográfico de 1822, ano da

Independência do Brasil.

O tráfico transatlântico foi uma atividade na qual os africanos atuaram como vítimas

e agentes e certamente deixou sequelas visíveis ainda hoje no continente. Praticada por tanto

tempo entre europeus e africanos, tal atividade possuía poucos motivos para acabar, por conta

da sua rentabilidade econômica.

O que se percebe, enfim, é que o tráfico negreiro foi praticado com intensidade em

várias regiões da costa africana e, por isso, não é difícil mensurar o impacto dessa atividade

no continente. Em Benin, na costa do Congo e em Angola, por exemplo, onde o tráfico foi

mais expressivo, o impacto é associado à violência, a uma grande crise demográfica e à

expansão da escravidão no território africano.

No Brasil, a escravidão deixou máculas fortes. A população brasileira, ainda hoje,

vivencia as consequências da escravidão, tais como o surgimento de uma sociedade de classes

pautada nos elementos fenotípicos, no racismo, na desigualdade social, na marginalização de

negros e mestiços e na dificuldade de valorização das matrizes africanas. Além disso, não se

deve esquecer que as relações de produção postas em movimento durante a escravidão

marcaram as relações posteriores, e que o preconceito racial foi utilizado, principalmente

desde a Abolição, como uma justificativa para a condição de miséria dos imensos

contingentes populacionais deste país.

2.1 O NEGRO NO BRASIL

Depois da extenuante viagem feita ao longo do Atlântico e de desembarcar no Brasil

em portos, quando o comércio de escravos era legal ou em praias desertas após a proibição do

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comércio de escravos, os negros escravizados deparavam-se com a dura realidade que teriam

de enfrentar dali por diante, pois teriam de conviver com o trauma do desenraizamento das

terras dos seus ancestrais e com a falta de amigos e parentes que deixaram do outro lado do

Atlântico ( ALBUQUERQUE e FILHO, 2006).

Não demorava muito para eles perceberem que ser escravo no Brasil era o mesmo

que ser uma propriedade, o que permitia a venda, a permuta, a doação, o leilão, bem como os

mais diversos castigos ao bel prazer do senhor proprietário. Sabiam que seriam explorados e

trabalhariam para os senhores a fim de aumentarem as riquezas destes (ALBUQUERQUE e

FILHO, 2006).

A data de chegada dos primeiros negros ao Brasil não é exata; sabe-se, porém, que o

tráfico se estabeleceu a partir da primeira metade do século XVI e estendeu-se por três

séculos. Nesse período, as mãos negras construíram a riqueza de senhores brasileiros e

ajudaram a enriquecer nações que usufruíam dos produtos exportados pelo Brasil, como o

açucar, o café, o cacau, o ouro, o algodão, dentre outros.

Os africanos trazidos para o Brasil vieram de três regiões distintas: da África

Ocidental (atuais Senegal, Nigéria, Gana, Costa do Marfim,Guiné Bissal, São Tomé e

Príncipe); da África Centro-Ocidental (atuais Gabão, Angola, República do Congo); e da

África Austral (atuais Moçambique, África do Sul, Namíbia).

Dados concretos sobre a origem destes negros deportados não existem em

abundância, pois os registros de chegada foram queimados a mando de Rui Barbosa, então

ministro das relações exteriores do Brasil. As estimativas em torno dos escravos traficados

para o Brasil giram em torno de três milhões e meio de africanos. Destes, a metade foi

traficada ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, cabendo a este último um total

aproximado de 1.700.000 escravos. Nesse século, o Brasil era o destino das embarcações que

saíam de duas grandes áreas fornecedoras: a costa ocidental (chamada da Mina), que para cá

enviou aproximadamente 600 mil escravos; e a costa centro-ocidental (chamada Angola),

que transportou cerca de 1.100.000 escravos (GOULART, 1975).

Uma estimativa de Goulart aponta que, no final do século XVI, a população

africana e afrodescendente da colônia devia estar em torno de 12 a 15 mil indivíduos.

De acordo com Albuquerque e Filho (2006), em algumas partes do Brasil, o número

de escravos chegou a superar o número de pessoas livres. Ainda segundo esses autores (2006,

p. 66).

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Em 1872, no município de Campinas, São Paulo, então grande produtor de café, a

população escrava era de 13.685 pessoas, enquanto a livre era de 8.281 pessoas. Até

meados daquele século, quando foi abolido o tráfico, a maior parte dos escravos era

nascida na África. Para se ter uma ideia, os africanos representavam 63 por cento da

população escrava de Salvador. No Rio de Janeiro, os nascidos na África

constituíam cerca de 70 por cento.

No Brasil, a escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela

determinou lugares e desigualdades sociais, instituiu condutas, perpetuou preconceitos. No

período colonial, os negros não podiam participar da vida política da colônia e, tal como eles,

os mestiços e negros libertos eram considerados inferiores em relação aos brancos europeus.

Movidos por essa ideologia, os senhores castigavam fisicamente os escravos e exploravam

sua mão de obra.

De acordo com Albuquerque e Filho (2006), ao longo da história da escravidão no

Brasil, os negros trabalhavam na lavoura de cana de açúcar (Nordeste), nas fazendas de café

(Sudeste), na mineração – na extração de ouro e diamante – (Minas Gerais), na criação de

gado (Sul do país) e:

(...) eram também obrigados a construir e reparar cercas, cavar fossos, consertar

estradas e pontes, prover a casa-grande de lenha, reparar os barcos e os carros de

boi, pastorear o gado, cuidar do pomar e das criações dos senhores. Além disso,

tinham que providenciar parte do seu próprio alimento caçando, pescando ou

cuidando da própria roça. Estava instituído o racismo no Brasil (p. 74).

Eles – os escravos – viviam em condições precárias. A moradia – as senzalas – não

dispunha do mínimo conforto, e as vestimentas eram doadas pelos senhores. A alimentação

também era precária e consistia no estritamente necessário para que os fôlegos vivos (como

eram chamados) não se enfraquecessem demais ou não morressem devido ao grave prejuízo

dos trabalhos que deles se exigia.

Interessava ao proprietário conservá-los, como às bestas de carga, em boas

condições de uso Alimentação, quase sempre, não passava de feijão bichado e angu

mal cozido. Em outros casos, a pobre besta escravizada tinha de se contentar com

laranja, banana e farinha de mandioca (FREIRO, 1982, p. 119).

A desnutrição foi certamente um dos motivos da baixa expectativa de vida dos

escravos. Uma das doenças que mais matou negros escravos no Brasil foi a tuberculose. A

esse respeito, Rios (2009, p. 24) discorre:

(...) desnutridos, extenuados pela longa viagem e alocados em senzalas insalubres,

facilitou ainda mais a expansão da tuberculose no Brasil. Porém, os números reais

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de casos de tuberculose que envolviam escravos não são precisos, devido a uma

série de fatores: deficiência dos censos sobre as causas de mortalidade entre os

cativos, péssimas condições de vida a que os escravos estavam submetidos, falta de

atendimento médico que acompanhasse os doentes em seus cativeiros,

aglomerações de escravos doentes e sãos na mesma senzala, entre outros fatores.

Por sua condição de propriedade, os cativos não recebiam tratamento adequado e

nem mesmo entravam nas estatísticas oficiais. Mesmo que existam indicações de

terem sido altos os índices de óbitos entre os escravos tísicos, esses números foram

calados e enterrados no interior das senzalas.

Nas diferentes regiões do país, onde havia trabalho escravo, havia também

resistência. A literatura histórica narra diversas investidas de negros que se utilizavam de

fugas para escapar do julgo do trabalho escravo e afirma também que havia mais liberdade de

movimento dos escravos nas cidades do que na zona rural. Essa liberdade de movimento teria

trazido resultados importantes no que se refere à sociabilidade, ao lazer e à acumulação de

pecúlio, utilizado muitas vezes para comprar a alforria.

Nos centros urbanos, os negros executavam atividades domésticas e externas, mas

não era permitido o trânsito deles sem autorização documentada dos seus senhores,

especialmente à noite, quando eram monitorados por policiais. A esse respeito Albuquerque e

Filho (2006, p. 86) relata que

A presença deles nas ruas durante a noite era estritamente controlada pela polícia.

Temia-seque camuflados pela escuridão poderiam cometer crimes, fugas e preparar

revoltas. O escravo que vagasse à noite sem autorização de seus senhores podia ser

preso como suspeito de fugido. Em 1829, acâmara municipal da cidade de Vitória,

província do Espírito Santo,determinou: “todo escravo que for encontrado na cidade

sem bi-lhete do senhor será conduzido à cadeia e no dia seguinte castigado no

Pelourinho com cinqüenta açoites; se for mulher, receberá quatro dúzias de

palmatoadas e, se reincidente, será até seis dúzias”.Em todos os centros urbanos do

país, depois do toque de recolher, às oito horas, os cativos só podiam circular pelas

ruas com licenças escritas pelos senhores ou por autoridades policiais. As patrulhas e

rondas policiais vigiavam também os locais de culto afro-brasileiro, freqüentemente

prendendo seus membros e destruindo ou apreendendo objetos e instrumentos rituais.

O exposto prova que os negros eram temidos e, por isso, vigiados pela polícia.

Naquele tempo, aqueles negros que circulavam pelas ruas levantavam suspeitas de que a

qualquer momento pudessem se rebelar. Suspeitas essas que não eram de todo sem

fundamento, já que, insatisfeitos com a condição de escravos, os negros dos centros urbanos

protagonizaram as mais organizadas rebeliões do período imperial, como a Conjuração

Baiana, também conhecida como a Revolta dos Alfaiates. Mas a suspeita frequentemente se

transformava em paranoia, algo que tornava os negros – fossem escravos, libertos ou livres –

alvo de medidas abusivas de controle policial.

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No intuito de barrar as manifestações e rebeliões dos escravos, os senhores podiam

recorrer ao poder público, como policiais, pagando-os para castigar os subversivos ou

espancá-los nos pelourinhos, local determinado pela municipalidade.

A resistência ao sistema escravista não somente ocorreu na perspectiva política

através das fugas ou assassinatos de senhores, mas também na esfera cultural. O sincretismo

religioso, ou seja, a participação dos negros nas manifestações de origem católica poderia

representar a conversão religiosa dessas populações e a perda de sua identidade. Contudo,

muitos escravos, mesmo se reconhecendo como cristãos, não abandonaram a fé nos orixás,

voduns e inquices3 oriundos de sua terra natal.

É a partir dessa situação que se pode compreender por que vários santos católicos

equivalem a determinadas divindades de origem africana. A população negra, como os demais

pobres livres, por sua vez, resistiam, infringiam as leis locais e realizavam seus sambas e

festas, enfim, desenvolviam sua vida lúdica, sua cultura, sua religiosidade com ou sem

consentimento das autoridades:

(...) um conjunto de diferentes e diferenças, em movimento constante, misturando-se,

mas também chocando-se, antagonizando-se, superpondo-se, em ritmos que às vezes

são lentos e outras vezes são velozes, de maneira harmoniosa e/ou conflituosa

(PAIVA, 2001, p. 32).

As rodas de capoeira, os batuques nas senzalas, os cultos aos deuses africanos, rodas

de samba ao som dos tambores, que eram usados para manter vivas as suas crenças e cultuar

seus deuses, foram espaços de liberdade dos negros escravos “e as batidas policiais não

conseguiram jamais macular o conteúdo mais sagrado da religião afro-brasileira, e muito

menos o profundo compromisso de seus adeptos com as divindades” (BRAGA, 1995. p. 21).

Os negros foram arrancados de sua terra, escravizados, submetidos a um intenso

bombardeio ideológico e foram encontrar somente em sua religião a possibilidade de manter

vivas suas raízes culturais. A religião foi, ainda, fator de amálgama social dos negros,

promovendo o reagrupamento institucinalizado deles e de seus descendentes e por isso é

correto afirmar que o Candomblé funcionou como espaço e, ao mesmo tempo, como agente

mantenedor e transformador das memórias do povo negro. Apesar de todos os esforços da

sociedade elitista e do Estado brasileiro para tentar silenciar e apagar essas memórias, não

conseguiram. Foi por meio, principalmente, do camdomblé que as lembranças de lutas, as

3 Inquices : Orixá, nos candomblés de Angola e do Congo.

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29

resistências, a reafirmação da crença e de identidades foram asseguradas, recuperadas e

revisitadas.

Ao longo do tempo, a religião ganhou contornos distintos daqueles encontrados na

África. Dessa forma, a religião afro-brasileira, genericamente denominada Candomblé, possui

hoje outros nomes em diferentes regiões do país, como, por exemplo: Xangô, no Recife;

Macumba ou Umbanda, no Rio de Janeiro e em São Paulo; e é certamente um importante

patrimônio sociocultural eregido pelo negro no Brasil.

2.2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO

Com a chegada da família real ao Brasil, a população branca cresceu, porém a

imigração intensificou-se somente a partir de 1818 com a chegada dos primeiros imigrantes

não-portugueses, que chegaram ao Brasil no período da regência de D. João VI.

Nos séculos seguintes, devido ao enorme tamanho do território brasileiro e ao

desenvolvimento das plantações de café, a imigração teve uma grande importância para o

desenvolvimento do país, principalmente no século XIX.

A maior dos imigrantes que vieram para o Brasil foi de portugueses desde o período

da Independência. Em busca de oportunidades na terra nova, desembarcaram aqui imigrantes

de diferentes lugares da Europa, como: os suíços, em 1819, os quais se instalaram no Rio de

Janeiro (Nova Friburgo); os alemães, que chegaram pouco depois, em 1824, e foram para o

Rio Grande do Sul (Novo Hamburgo, São Leopoldo, Santa Catarina, Blumenau, Joinville e

Brusque); também vieram os eslavos, originários da Ucrânia e Polônia, que se fixaram no

Paraná; os turcos e os árabes, que se concentraram na Amazônia; os italianos

de Veneza, Gênova, Calábria e Lombardia, que em sua maior parte foram para São Paulo; os

japoneses; entre outros.

Segundo Oliveira (2002), o curso da civilização ocidental foi motivado pela

existência de novos espaços, ou seja, a ideia de uma fronteira aberta a qual atraiu e

possibilitou a movimentação de grupos que se deslocavam da Europa para Oeste, em direção

ao continente.

Se isto acontecia desde os Descobrimentos, um período de imigração em massa da

Europa aconteceu entre 1870 e 1930. Estima-se que 40 milhões tenham

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atravessado o Atlântico, migrando do Velho para o Novo Mundo. Outras fontes

falam de 31 milhões (OLIVEIRA, 2002, p. 11).

Especialmente depois da abolição da escravatura, em 1888, houve um aumento

substancial da população branca no Brasil. Nessa época, políticos, à luz das ciências e teorias

racistas, começaram a pôr em prática os princípios da eugenia, ou seja, das políticas de

embraquecimento da população brasileira. Assim motivado, o governo brasileiro incentivou a

entrada de imigrantes europeus com o argumento da necessidade de mão de obra qualificada

para substituir os escravos. Foi quando milhares de italianos e alemães chegaram para

trabalhar nas fazendas de café do interior de São Paulo, nas indústrias e na zona rural do sul

do país. No ano de 1908, começou a imigração japonesa. Estes também buscavam os

empregos nas fazendas de café do oeste paulista.

Tantas influências étnicas resultaram em uma pluralidade cultural que só pode ser

entendida se for possível conhecer cada elemento formador desse mosaico cultural que é o

Brasil. Para compreender a identidade do povo brasileiro, é importante estudar cada matriz

cultural. Entretanto, ao longo da história, o que se viu foi um silenciamento absoluto sobre a

cultura negra, que foi paulatinamente posta às sombras.

Nas escolas brasileiras, infelizmente, não se conhece cada elemento formador da

identidade cultural, e ainda se percebe a predileção pelo ensino da cultura do colonizador

europeu. Em relação à matriz africana, o que se vê nos livros é uma visão estrábica dos fatos.

Focam-se doenças, guerras tribais, subdesenvolvmento; assim, “o povo brasileiro ficou por

muito tempo privado da memória de seus ancestrais” (MUNANGA, 2006, p. 30).

O processo de abolicionismo durou muitos anos. Em 1850, foi proibido o tráfico de

escravos africanos através do oceano Atlântico pelos ingleses. As questões que levaram a

Inglaterra a implementar represálias aos traficantes de escravos eram econômicas, pois sentia-

se prejudicada com o tráfico negreiro e a escravidão, uma vez que os produtos de suas

colônias não conseguiam concorrer igualmente com a produção de regiões escravistas.

Em 1845, então, os ingleses decretaram perseguição às nações que praticavam o

tráfico negreiro através do Bill Aberdeen – medida que dava poder a sua marinha para

perseguir navios negreiros e atacá-los no oceâno Atlântico.

Em 1850, sob a ameaça da Inglaterra, o governo brasileiro promulgou a lei Eusébio

de Queiroz. Essa Lei, assim como a Lei dos Sexagenários (1885) e a Lei do Vente Livre

(1865) compõe a política emancipacionista do Segundo Império, que planejava extinguir a

escravidão no Brasil, em 1899, por vias naturais, isto é, com a redução paulatina do número

de escravizados. As leis visavam também beneficiar os donos de escravos, pois estes eram

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31

indenizados pelo Estado brasileiro por cada filho de negras escravas nascidos a partir da

promulgação da Lei do Ventre Livre e por cada idoso com mais de sessenta anos, a partir da

data de promulgação da Lei do Sexagenério.

A cessão do tráfico externo de escravos em 1850 determinou novas características à

escravidão no Brasil. A impossibilidade de trazer africanos para o país e vendê-los como

escravos indicava o fim desse comércio transatlântico, pois não haveria reposição da mão de

obra. Dessa forma, a abolição era algo visto como inevitável, e muitas foram as iniciativas

para barrar esse processo. Assim o foram com as Leis emancipacionistas criadas e tinham

como uma de suas preocupações a preservação das propriedades e investimentos dos

senhores.

A lei 2040, de 1871, regulamentava a possibilidade do escravo comprar sua

liberdade mediante ressarcimento ao proprietário do seu valor avaliado. Essa lei “configurou-

se também como um importante passo em direção à abolição” (MENDONÇA, 2007, p. 24).

Para tanto, era permitido ao cativo a constituição de um pecúlio, uma poupança que poderia

ser composta por meio de doações, heranças ou com o que pudessem obter por meio de seu

trabalho, consentido pelo senhor.

Os escravos urbanos tinham mais possibilidades de executar tarefas remuneradas e,

portanto, suas possibilidades de acumular pecúlio eram maiores. No caso dos escravos de

ganho – escravos que, no período colonial e no Império, realizavam tarefas remuneradas,

entregando ao senhor uma quota diária do pagamento recebido – havia a possibilidade de

uma renda excedente (MENDONÇA, 2007).

Em 1885, aos idosos escravos foi conferida a liberdade. O Estado também ressarcia

fazendeiros por libertarem escravos idosos, os poucos que conseguiam atingir 60 anos, após

trabalho escravo durante anos. Escravos idosos eram estorvos para os fazendeiros, e livrar-se

deles foi, na verdade, um alívio para muitos senhores de escravos. A última lei foi a de 1888,

a Lei Áurea, que declarava a liberdade de todos os negros escravos no Brasil.

As Leis abordadas foram, na verdade, reflexos de uma sociedade que não visava

politicamente à abolição dos escravos, mas sim ceder às exigências da conjuntutra política

internacional, imposta pela Inglaterra, de forma que os senhores, ou seja, a elite branca do

país não fosse prejudicada; por essa razão, o processo de libertação deveria ser gradativo e

indenizatório. Prova disso é que, após a abolição da escravatura, segundo Van Dijk (2008, p.

75):

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32

(...) as relações sociais e políticas entre brancos e negros são marcadas por três

processos principais: a) O país adotou legislação de segregação etnico-racial, não

tendo ocorrido, portanto, definição de pertença racial; b) o país não desenvolveu

uma política específica de integração entre negros recém-libertos à sociedade

envolvente, o que fortaleceu as bases do histórico processo de desigualdades sociais

entre brancos e negros que perdura até os dias atuais; c) O país incentivou a

migração europeia branca em acordo com a política de Estado (passagem do século

XIX para o XX) de branqueamento da população em consonância com as políticas

racistas eugenistas nascidas na Europa do século XIX.

O governo brasileiro, durante o processo de libertação dos escravos, portanto, não

desenvolveu políticas de inclusão dos negros e mestiços herdeiros do jugo da escravidão. O

que se viu foi uma política de exclusão articulada e praticada sob a luz do determinismo social

e das teorias racistas. Esse contexto facilitou o surgimento do mito da democracia racial, que

foi eregido logo após a abolição no imaginário da população brasileira. Muitos pesquisadores

atribuem a Freyre (2006) a autoria deste mito, que foi ratificado com a publicação da obra que

o oficializou: Casa-Grande & Senzala.

2.2.1 Mestiçagem: conceitos e teorias

A migração é tão antiga quanto a raça humana, e tal fato implica naturalmente o

cruzamento de grupos. A existência de raças negróides e mongolóides na Europa pré-histórica

é outra prova de que a mestiçagem não é um fenômeno recente, e que as mais antigas

populações da Europa são o resultado desta miscigenação no decorrer de milhares de anos

(COMAS, 1970).

A mestiçagem no império romano foi, por exemplo, uma realidade incontestável, ao

ponto de o Conde Joseph Arthur de Gobineau, autor do ensaio sobre A Desigualdade das

Raças Humanas (1855, apud COMAS, 1970), apoiar-se na decadência desse império para

justificar a queda das civilizações mestiças. A premissa de Gobineau era entender a

mestiçagem como agente deletério das potencialidades superiores de um povo, logo os

grandes impérios tenderiam a desaparecer a partir do momento que começassem a se

miscigenar com os povos dominados inferiores.

Ao longo da história, muitos estudiosos conceituaram a mestiçagem. No Iluminismo,

os filósofos das luzes tratavam os mestiços como seres ambivalentes (MUNANGA, 2008),

pois ora eram vistos como os mesmos e ora como os outros. Nesse período, para autores como

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33

Georges Buffon e Denis Diderot, a mestiçagem servia para justificar a unidade da raça

humana. Outros estudiosos negavam o que era afirmado por estes, como foi o caso de

François-Marie Arouet, conhecido por Voltaire. Para esse filósofo, a mestiçagem era uma

anomalia, fruto da união escandalosa entre homens de naturezas totalmente distintas, portanto,

o mulato seria, para ele, uma raça bastarda.

Contemporâneo de Voltaire, Buffon era favorável ao fenômeno da mestiçagem e

afirmava que esse – o mulato – nada tinha de escandaloso, e que a terra era, de certo modo,

povoada por mestiços. Esse filósofo defendia ainda que fatores climáticos e culturais eram a

explicação da variabilidade humana e da mistura entre diferentes raças, e que, após quatro

gerações, poderiam reconduzir a espécie a suas características originais (COMAS, 1970).

Segundo Munanga (2008), ainda entre os iluministas, Diderot era o que

compartilhava da ideia de Buffon, acreditando que a fecundidade das mestiças era a prova da

unidade da espécie humana, pois todos que, por meio da copulação, perpetuam-se,

conservando características comuns, deveriam ser considerados seres de uma mesma espécie.

Para Diderot, em relação às nações colonizadas na América, no Novo Mundo, a

consanguinidade faria logo dos estrangeiros e naturais do país uma só e única família, e, nessa

relação, o selvagem não tardaria a aprender as artes e saberes do ocidente.

No século XVIII, precisamente na segunda metade, Julien Offray, cientista francês,

afirmava que os diferentes povos do universo provêm do cruzamento do homem branco com

outros animais (DUCHET, 1995). Para ele, as raças humanas eram o resultado de uma

mestiçagem primitiva que corrompeu o homem branco, que se misturou ao sangue de animais,

portanto, se o homem de cor é um degenerado, a mestiçagem era o instrumento de

contaminação.

Nesse mesmo período, Pierre Maupertuis, também estudioso do fenômeno da

mestiçagem do século XVIII, presumiu que o primeiro negro nasceu de um casal de brancos,

cujas partes seminais continham acidentalmente o princípo negro, dessa forma, graças à

mestiçagem, abrira-se a possibilidade de criar novas espécies variadas, mas não reconduziu o

homem a sua espécie original (DUCHET, 1995).

Outro filósofo a tratar da questão da mestiçagem foi Immanuel Kant (BONNIOL,

1992); segundo ele, esse fenômeno – da mestiçagem – não era nem de longe um meio de

melhorar a espécie e, sim, de estragá-la, pois degrada a boa raça sem melhorar a raça ruim.

Como se pode observar, entre os filósofos das luzes, não havia consistência científica

nem consenso entre as teorias defendidas, com o tempo, como será possível verficar adiante, a

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34

mestiçagem foi-se transformando em conceitos que favoreciam às estruturas políticas que iam

compondo o cenário colonial do Novo Mundo.

Com o início da colonização africana e a descoberta da América e do caminho para

as Índias, houve um considerável aumento dos preconceitos de cor (COMAS, 1970). Tal fato

pode ser explicado devido aos interesses econômicos e políticos próprios do colonialismo

imperialista. Para a tranquilidade de suas consciências, os homens brancos instituíram a

verdade de que o negro não era apenas um ser inferior, apenas algo diferente dos irracionais.

Para corroborar com os anseios colonialistas, foi divulgada, na Europa, a teoria de Charles

Darwin, que falava da sobrevivência dos mais fortes e adaptados, exaltada pelos brancos

como um argumento favorável à sua política de expansão, às custas da submissão dos povos

de raça inferior.

Segundo Comas (1970), na política internacional do século XVIII e XIX, o racismo

serviu de desculpa às agressões aos seres inferiores. Neste período, teóricos, como Jon Mjoen,

cientista norueguês, consideravam a miscigenação perigosa para o futuro da humanidade, pois

afirmavam que ela era fonte de degeneração física, e que a imunidade de certas doenças

diminuía nos indivíduos mestiços; alegavam também que as prostitutas e os vagabundos eram

mais comuns entre estes do que entre indivíduos de raça pura.

Além de Mjoen, outros cientistas, como Charles Davenport e Davy Humphrey,

demonstravam em seus estudos deformidades físicas e comportamentais nos indivíduos

mestiços, afirmavam que estes eram suscetíveis a condutas amorais e taras sociais.

Além da interpretação interesseira, feita pela elite branca, e mal feita da teoria de

Charles Darwin, o preconceito de cor foi ratificado por obras científicas da época, chegando-

se até mesmo a pretender a capacidade intelectual dos mulatos, de forma que esta era

diretamente proporcional à quantidade de sangue branco que corresse em suas veias. Dessa

forma, os mulatos eram considerados a evolução do negro, pois o sangue branco refreava-lhes

os impulsos herdados do sangue da raça inferior, negra (COMAS, 1970).

Gordon, cientista do século XVIII, afirmava também que a deficiência cerebral

congênita é uma característica do negro. A esse respeito, Hankins, no século XIX, defendia

que o volume do cérebro dos negros era menor, e este fato era uma evidência de que o negro

era mentalmente inferior.

Outra obra que fortaleceu, nas nações europeias, a ideologia de inferioridade da raça

negra e dos mestiços foi o Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas, publicado em

quatro volumes entre 1853 e 1855, de Gobineau – já mencionado –, nos quais o ensaísta

desenvolveu suas ideias, partindo da seguinte questão: como as civilizações nascem e por que

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35

desaparecem? Para esse autor, os povos desapareciam porque eram degenerados, e esse termo

era usado com o significado de contaminação do sangue ocasionada por sucessivas

mestiçagens.

Ainda de acordo com as ideias de Gobineau (apud MUNANGA, 2008), dentro do

contexto colonialista, uma civilização só se desenvolve a partir da conquista de outras e foram

nestas conquistas que se misturaram diferentes raças, porém, somente um povo superior e

soberano seria capaz de dominar um povo de raça inferior. Para o cientista, a raça branca

possuía originalmente o monopólio da beleza, da inteligência e da força e, nas misturas, das

quais surgiam os mestiços, provinha a decadência das grandes civilizações. Gobineau

considerava ainda que a raça ariana era superior e suprema entre os homens, da qual os

alemães eram os representantes legítimos. Para Gobineau, todas as piores misturas raciais

eram formadas pelo casamento de brancos e negros.

Certamente Adolf Hitler, que em seu livro Mein Kampf, de 1926, decretou uma

hierarquia entre as raças humanas, tivera como base os aportes teoricos racistas de Gobianeau.

Em sua obra, Hitler (1983, p. 192) condenou a mestiçagem e a considerava uma vergonha

social.

2.2.2 Mestiçagem e mito da democracia racial no Brasil

O homem do século XIX viu nascerem e desenvolverem muitas teorias que

objetivavam entender o mundo por meio das ciências naturais. A palavra já não bastava, era

preciso comprovar, e, só pelo respaldo do discurso científico, as palavras tinham valor. O

status do qual usufrui a ciência se justifica pelo fato de que ela possui o discurso competente;

na perspectiva de Chauí (1982, p. 7):

(...) aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado. É

o discurso instituído, aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser

assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro, qualquer coisa

em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se,

pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada. Confunde-se,

assim, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente

reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as

circunstâncias já foram predeterminados para que seja permitido falar e ouvir e,

enfim, no qual o conteúdo e a forma foram autorizados respeitando os cânones da

esfera de sua própria competência.

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36

No século XIX, o discurso científico foi bastante revelador de uma humanidade que

buscava comprovar fenômenos naturais e sociais a partir do avanço tecnológico promovido

pela Revolução Industrial. Desde então, os cientistas começaram a fazer o uso significativo de

conhecimentos científicos e das inovações ocorridas na indústria química e nos usos da

energia elétrica.

A necessidade de se comprovar a supremacia da raça ariana através da associação

entre características fenotípicas e capacidade mental foi o objetivo de muitos cientistas, como

Paul Broca e Lewis Henry Morgan, que desenvolveram as técnicas de craniometria e

frenologia, respectivamente, mais tarde utilizadas no Brasil por Nina Rodrigues e valorizadas

por João Batista Lacerda4. Essas técnicas repercutiram mundialmente por serem utilizadas em

exames médico-legais de indivíduos considerados criminosos, através de medições da

circunferência craniana, diâmetro, índice encefálico, índice auricular, nasal e facial. Estes

exames eram considerados importantes para penalizar indivíduos de personalidade delituosa e

considerados fora dos padrões normais de medições (SÁ, 2010).

Na época, a vantagem – aos olhos da elite – destes tipos de abordagens laboratoriais

era que os criminosos podiam ser presos antes de cometerem o delito, o que protegia a

sociedade e assegurava a vida do próprio criminoso. Isso era possível por meio de observação

apurada de traços físicos – estes foram determinados, em 1876, por Cesare Lombroso –, ou

seja, estigmas, como: testa baixa, arqueada, olhos duros e astutos, orelhas grandes e em forma

de alça, um nariz achatado ou empinado e mandíbula projetada para frente (como nos negros

e animais), incisivos grandes, braços longos, barba rala e calvície, insensibilidade à dor, pouca

inteligência e cinismo eram característcas de criminosos (SÁ, 2010).

De acordo com Herman (2006), Lombroso e outros cientistas, que comungavam das

mesmas ideias, os criminosos transmitiam essas características ou não a seus descendentes, ou

seja, pelo fenômeno de transmissão de caracteríticas de raças inferiores – o atavismo5. Ainda

segundo esse cientista, o criminoso poderia cometer crimes por seu atavismo ou por alguma

ocasião encontrada, ou seja, havia a possibilidade de indivíduos tornarem-se criminosos (40

% dos casos) movidos por sentimentos como dor ou paixões. Dessa forma, Lombroso não

corria o risco de ter sua teoria refutada.

4 Nina Rodrigues e João Batista Lacerda foram cientistas que desenvolveram teorias racistas no Brasil.

Conforme será exposto mais adiante nesta seção.

5 Atavismo (do latim, atavus, quarto avô, + ismo) ou regressão evolucionária são termos usados em genética que

significam o ressurgimento numa determinada geração de certos sintomas ou caracteres tidos como já extintos

(SILVA, 2006).

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A teoria desse cientista influenciou análises de processos criminais e produziu

discursos racistas em diferentes esferas da sociedade, como na literatura, a exemplos das

seguintes obras: O médico e o Monstro, de Roberto Louis Stevenson (1886), e Drácula, de

Bram Stoker (1897); criando, assim, uma memória discursiva que contribui até hoje para a

perpetuação de estereótipos que distinguem negros de brancos em uma escala de valores

depreciativos bem marcados.

No Brasil, Nina Rodrigues (1862-1906), médico, etnólogo e professor da Faculdade

de Medicina da Bahia, imbuído das teorias racistas oriundas da Europa, propôs ao governo

brasileiro que houvesse penalidades específicas de acordo com a raça dos infratores. Assim

sendo, para o cientista brasileiro, o princípio da isonomia, presente na lei brasileira e que

garantia a igualdade de todos perante a lei, era um grande erro. Nina Rodrigues quis mudar as

leis brasileiras. Em seu livro Mestiçagem, Degenerescência e Crime, de 1900, Rodrigues

relata pesquisas realizadas no interior da Bahia e, por meio destas, afirmou que doenças, como

a loucura, o alcoolismo, a histeria, o nanismo e a tendência a engordar, assim como o suicídio

e a solterice eram traços degenerativos associados à mestiçagem. Para ele, a criminalidade era

resultado da miscigenação.

O crime, como as outras manifestações da degeneração dos povos mestiços, tais

como a teratologia, a degenerescência doentia, a degenerescência simples

incapacidade social, está intimamente ligada, no Brasil, à decadência produzida pela

mestiçagem defeituosa da raças muito diferentes antropologicamente

(RODRIGUES, 1982, p. 30).

Enquanto muitos cientistas brasileiros, contemporâneos de Nina Rodrigues, como

Silvio Romero, acreditavam no branqueamento da população, e, por meio deste, na salvação

da população brasileira, o médico legista advogava na contramão deste pensamento, pois

criou a inviabilidade do progresso do país caso fosse permitido o cruzamento entre raças.

Sobre isso, ele afirmava:

Não acredito na unidade ou quase unidade étnica, presente ou futura, da população

brasileira, admitida pelo doutor Silvio Romero: não acredito na futura extensão do

mestiço luso-africano a todo território do país: considero pouco provável qua a raça

branca consiga predominar o seu tipo em toda a população brasileira (RODRIGUES, 1982, p. 126).

A esse respeito, cabe citar também Vianna (1956, p. 281), que defendia em 1922 a

ideia de que, no futuro, o povo brasileiro não deixaria de ser um povo moreno, por maior que

fosse o grau de arianização da população. Esse autor tentou explicar, na época, o que ele

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chamava de resistência do melanismo, defendendo a permanência da cor morena, não

somente pela influência da miscigenação, mas pela presença desse elemento nos imigrantes

europeus não germânicos e pela atuação do clima tropical que, por sua vez, contribuía para

intensificar cada vez mais esse melanismo que, segundo ele, era fundamental.

Em oposição a Rodrigues e Vianna, estavam João Batista Lacerda e Silvio Romero6,

os quais acreditavam no branqueamento da população. O primeiro era mais otimista e

apontava para uma estimativa de 100 anos para que fosse possível clarear os brasileiros; o

segundo considerava 100 anos muito pouco (MUNANGA, 2008).

As discussões, no Brasil, sobre a viabilidade do mestiço se mantinha sob duas égides:

alguns cientistas brasileiros acreditavam que o sangue branco prevaleceria em algum

momento e a salvação seria possível; outros rechaçavam essa ideia e criam que os males do

sangue negro por meio do atavismo levariam à estagnação social e à extinção da espécie. Para

estes últimos, o atavismo era o germe da degeneração e inevitável. Partindo das ciências

biológica e criminal, os eugenistas viam a população brasileira como exemplo de

degeneração, pois era formada em sua maioria por negros inferiores e mulatos corrompidos

biologicamente.

Além disso, para completar o quadro de degeneração da raça, essa população estava

imersa em costumes vistos como nefastos e sujeita ao triste clima dos trópicos, daí, algumas

questões eram levantadas pelos cientistas brasileiros do século XIX, a saber: como redimir a

nação da miscigenação presente na população e que a condenava? Como garantir a salvação e

desenvolvimento do Brasil diante de perspectivas científicas tão funestas? Como construir um

conceito de identidade nacional em condições tão adversas? O que fazer diante desse

fatalismo?

As políticas de eugenia instituídas no Brasil do século XIX foram as soluções

encontradas. A eugenia é um termo criado pelo cientista Francis Galton, em 1883, que servia

para definir ações de melhoramento da humanidade a partir das teorias de Darwin, tomando

como base a hereditariedade. Para ele, era como ajudar no processo de seleção natural,

traçando perfis de casamentos ou mesmo esterelizações involuntárias e a eutanásia, como foi

o caso dos Estados Unidos. No mundo, a eugenia ficou muito conhecida pela associação ao

nazismo e às atrocidades cometidas pelo ideal de pureza da raça ariana almejada por Hitler, na

Alemanha (STEPAN, 2005).

6 Silvio Romero era um cientista político do final século século XIX que defendia a homogeneização da

sociedade brasileira através da mestiçagem, apostando com otimismo no futuro da nação brasileira cada vez mais

branca.

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39

No Brasil, medidas eugênicas distintas foram tomadas. A política de higiene mental

(1922) instituída por médicos e cientistas renomados, como Juliano Moreira, Miguel Couto,

Carlos Chagas, Roquette Pinto e Afrânio Peixoto, visava a desenvolver campanhas que

preveniam males provenientes da degeneração racial, como os desvios mentais, o alcoolismo

e as falhas de caráter.

Segundo Ramos (1939), a política de higiene mental era fundamental, pois “não

podemos aceitar a maldição que sobre nós lançou o cientificismo apressado de Bryce, quando

prognosticou, a negralização da nossa raça”. E foi assim que problemas étnico-culturais foram

tratados, aqui, como problemas de saúde pública no final do século XIX e início do século

XX.

Outra medida eugenística, desta vez concentrada no âmbito político brasileiro, foi o

incentivo dado à vinda de imigrantes europeus pelos governantes do país, a fim de promover

o embranquecimento da população através do cruzamento entre mestiços e europeus.

Nesse sentido, a imigração europeia, especialmente de italianos e alemães, foi

incentivada no intuito de acelerar o processo de embranquecimento. Para estudiosos, como

João Batista Lacerda, o aumento do fluxo de estrangeiros brancos e a redução de negros e

mestiços eram garantias de um futuro com brasileiros não mais de mestiços atávicos, e sim

brancos (MUNANGA, 2008).

Tal medida harmonizava-se com a ideia dos cientistas que acreditavam, como Silvio

Romero, na possibilidade de embranquecer a população exterminando os causadores da

degenerescência – os negros –, incentivando o cruzamento entre mestiços e brancos. Segundo

Ortiz (2006, p. 41), “o dilema dos intelectuais desta época é compreender a defasagem entre

teoria e realidade, o que se consubstancia na construção de uma identidade nacional”.

O que se pode depreender do século XIX no Brasil sobre as questões de construção

de identidade nacional é que os políticos tinham o papel de fazer uma nação civilizada nos

moldes europeus; já os cientistas buscavam medidas que ajudassem a redimir o mal da

mestiçagem. Oscilava-se entre a inviabilidade da nação brasileira e da salvação por meio de

políticas de branqueamento da população.

Em países colonizados, como o Brasil, a busca pela identidade provém da

necessidade de um povo saber quem é diante do outro que influenciou sua cultura, costumes,

instituições e pensamentos sobre ele, com a latência de construir um imaginário mesmo diante

daquilo que não lhe pertence. É como ser um desterrado em sua própria terra, como afirma

Holanda (2004). Como pensar em unidade em meio à heterogeneidade racial e cultural que

acometeu o povo brasileiro em fins do século XIX? Essa unidade só era possível, na ótica da

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classe dominante, a partir da aceitação do mulato como indivíduo intermedário do ideal de

embranquecimento. Na época, pensar na pluralidade cultural como perspectiva era

desconsiderar todo o discurso científico que dividia a humanidade em raças superiores e

inferiores. Vianna (apud MUNANGA, 2008, p. 86), a esse respeito, afirmou que:

Não há perigo de que o problema negro venha a surgir no Brasil.Antes que pudesse

surgir seria logo resolvido pelo amor. A miscigenação roubou o elemento negro de

sua importância numérica, diluindo-o na população branca. Aqui o mulato, a

começar da segunda geração, quer ser branco, e o homem branco (com rara exceção)

acolhe-o, estima-o e aceita-o no seu meio. Como nos asseguram os etnólogos, e

como pode ser confirmado à primeira vista, a mistura de raças é facilitada pela

prevalência do “elemento superior”. Por isso mesmo, mais cedo ou mais tarde, ela

vai eliminar a raça negra daqui. É óbvio que isso já começou a ocorrer. Quando a

imigração, que julgo ser a primeira necessidade do Brasil, aumentar, irá, pela

inevitável mistura, acelerar o processo de seleção.

Assim, ficou clara, no discurso de Vianna, a necessidade da emergência de um

discurso pacifista que valorizasse o elemento mestiço constituinte da população brasileira,

anulando, dessa forma, a superioridade numérica do negro e alienando os mestiços com a

ideologia do embranquecimento, o que se poderia evitar conflitos raciais, acreditando-se no

desenvolvimento da nação e, ao mesmo tempo, mantendo o país sob o comando da elite

branca.

Diante da Modernidade iminente do final do século XIX e de um progresso

necessário, pensar o Brasil enquanto nação e os brasileiros enquanto povo representava tarefa

complicada, devido à heterogeneidade racial da população, a uma história de desigualdades e

de estratificação social, legados de um passado colonial.

O desejo de se enxergar como nação, com uma identidade que a distinguisse dos

portugueses, especialmente após a independência em 1822, era latente. Foi preciso, portanto,

criar no país as condições necessárias para se construir um conceito de nacionalidade, que, no

início do século XIX, estava inserido nos moldes de civilização europeia e norteamericana.

Em finais desse mesmo século, no entanto, a necessidade de se considerar o mestiço como

representante dessa nacionalidade se fez presente. Ele deixara de ser um degenerado, de

acordo com as teorias científicas do início do século, e passara a condição de raça

intermediária, herdeira de sangue branco e, consequentemente, superior aos negros.

Para a construção de uma identidade nacional e o desenvolvimento social, as teorias

racistas do final do século XIX não mais poderiam servir e embasar tais anseios. Então,

alguns pesquisadores, mesmo considerando o discurso de inferioridade dos negros,

precisavam considerar o mestiço como elemento intermediário e que apontava para o

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embranquecimento – para eles necessário – da população. Para Vianna (1956), por exemplo, o

mulato era importante pelo fato de sua existência apontar para um país branco. Para o autor,

cedo ou tarde o negro seria eliminado do Brasil, e a nação almejaria o desejado

desenvolvimento político e econômico.

Nesse contexto, despontou Gilberto Freyre – sociólogo, antropólogo e escritor

brasileiro, considerado um dos grandes nomes da história do Brasil – no bojo do debate racial

brasileiro e deu uma grande contribuição com a obra Casa-Grande & Senzala, publicada em

1933.

Gilberto Freyre narra uma história social do mundo agrário e escravista do nordeste

brasileiro nos séculos XVI e XVII. No quadro de uma economia latifundiária

baseada na monocultura de cana de açúcar, nota-se um desequilíbrio entre sexos

caracterizado pela escassez de mulheres brancas. Daí a necessidade de aproximação

sexual entre escravas e índias como os senhores brancos; aproximação que, apesar

da assimetria e da relação de poder entre senhores e escravos, não impediu a criação

de uma zona de confraternização à flexibilidade natural do português. Assim,

explica-se a origem histórica da miscigenação que veio diminuir a distância entre a

casa grande e a senzala, contrariando a aristocratização resultante da monocultura

latifundiária e escravocrata (MUNANGA, 2008. p. 76).

A obra de Freyre pode ser considerada importante por trazer contribuições positivas

no que tange à contribuição dos povos negro e índígena na constituição da cultura brasilera, à

medida que se propõe a formação do Brasil a partir de uma sociedade agrária, escravocrata e

híbrida. Como se pode observar nas palavras de Freyre (2006, p. 66), “a singular

predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos, explica-a

em grande parte o seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a

África”.

Desta forma, o autor considera ainda que a mestiçagem é uma herança portuguesa, e

não uma novidade brasileira, inovando no âmbito da discussão de identidade nacional,

pertinente e latente ao brasileiro do início do século XX, ao retomar a temática racial,

deslocando-a do eixo científico de raça, porém, não o abandonando, para o conceito de cultura

sincrética.

Freyre (2006), ao contrário do que a literatura histórica defende, não renega as

teorias de supremacia de raças, o que lhe confere um status de ambivalência mediante a

questão. Isso pode ser observado nos trechos em que esse autor afirma que a

“...espontaneidade, (o) frescor, e (a)emoção” oriundos das culturas africanas e indígenas com

“o pensamento adiantado da Europa” , provenientes dos portugueses (FREYRE, 2006, p.

127). E, em outros momentos do texto, quando o autor diz que “não se negam diferenças

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mentais entre brancos e negros (p. 380) e ninguém ousará negar que várias qualidades e

atitudes psicológicas do homem possam ser condicionadas biologicamente pela raça”

(FREYRE, 2006, p. 805).

Como se pode observar em Freyre (2006), há paradoxos. Ao mesmo tempo em que

abre novas perspectivas de discussões, defendendo a contribuição positiva dos negros e índios

na formação da cultura brasileira, não está totalmente livre de ideais eugenistas. A esse

respeito, Teixeira Sobrinho (2012) faz as seguintes considerações:

Paradoxos à parte, um olhar que se detenha criticamente sobre a produção

gilbertiana, ainda que deslumbrado pela excelência da escrita, nota facilmente a

insistência com que o autor deriva algumas explicações da imbricação das categorias

de raça e cultura, o que constitui um amálgama impreciso dos alcances de um e de

outro (p. 65).

(...)

Dito de outro modo, Freyre estabelece emblemas eufêmicos, baseados no olhar

comparativo de um eu superior supostamente distanciado, que indicam distinções de

superioridade e inferioridade (p. 66).

Freyre consegue, então, promover parcialmente a separação entre o biológico daquilo

que é concernente à cultura, mas não nega, por meio de seu discurso, a influência da ideologia

racista, na constituição dela.

O que ficou dessas contradições freyreanas, enfim, no imaginário nacional, nos

discursos circulantes da sociedade brasileira foi o que era do interesse da elite branca – que

temia insurgências de negros e mestiços –: a ideia da miscigenação cultural; considerando que

aquilo que seria atavicamente uma catástrofe, tornou-se o arcabouço cultural brasileiro

instituído a partir da fusão das raças negra, indígena e branca, pois, para o autor, as três raças

promoveram, a partir do cruzamento racial, a mestiçagem cultural. Tal fato fica evidenciado,

por exemplo, neste trecho de Freyre (2006, p. 66):

A singular predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos

trópicos, explica-a em grande parte do passado étnico, ou antes, cultural, de povo

indefinido entre Europa e a África. Nem intransigentemente de uma nem de outra,

mas das duas. A influência africana fervendo sob européia e dando um acre

requeime à vida sexual, à alimentação, à religião; o sangue mouro ou negro correndo

por grande população brancarana quando não predominando em regiões ainda hoje

de gente escura; o ar da África, um ar quente, oleoso, amolecendo as instituições e

nas formas de cultura as durezas germânicas; corrompendo a rigidez moral e

doutrinária da Igreja medieval; tirando os ossos ao cristianismo, ao feudalismo, à

arquitetura gótica, à disciplina canônica, ao direito visigótico, ao latim, ao próprio

caráter do povo. A Europa reinando, mas sem governar; governando antes a África.

Em consequência do discurso de importância das três raças constituvas do tecido

cultural brasileiro, surgiu lentamente o mito da democracia racial, que fazia ecoar uma voz

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que dizia “somos uma democracia porque a mistura gerou um povo sem barreira, sem

preconceito” (MUNANGA apud, ORTIZ, 1994, p. 41).

Segundo Munanga (2008), o mito da democracia racial no Brasil teve uma

penetração muito profunda na sociedade, pois exaltava a ideia de convivência harmoniosa

entre os indivíduos de todas as camadas sociais e os grupos étnicos, permitindo à elite branca

dissimular as igualdades, além de impedir que os membros das comunidades negra e mestiça

tivessem consciência dos mecanismos velados de exclusão dos quais eram vítimas, como

também, é claro, de retirar a culpa dos problemas sociais – as desigualdades, por exemplo –

dos brancos.

O mito da democracia racial camuflou os conflitos existentes na sociedade brasileira

e criou o discurso da unidade na diversidade, como referencia Ortiz (1994, p. 93), uma vez

que o contato cultural transcendia as divergências que de fato pudessem existir.

Para Domingues (2005, p. 1), “democracia racial consiste em um sistema sem

impedimentos institucionais para a igualdade social e desprovido de preconceito ou

discriminação”. Mas como falar em democracia racial entre raças, se as condições de

sobrevivência de negros e mestiços, especialmente após a abolição, eram as piores possíveis?

Em 1888, os negros foram libertos; em 1889, houve a proclamção da república, que

garantia o direito à cidadania aos negros, estes poderiam gozar de uma igualdade de direitos

em relação aos brancos nas áreas socias, como emprego, saúde, educação, entre outros. Na

prática, porém, não foi o que aconteceu. Os negros sequer tinham direito ao voto.

Teoricamente, o insucesso do negro era atribuído a ele mesmo, pois o sistema lhe dera

oportunidades iguais a dos brancos, segundo o mito eregido por meio das ideias de Freyre.

Abdias do Nascimento (1978) – militante do movimento negro, ex-deputado federal, senador

e secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de

Janeiro, de 1991 a 1994 – considerava a esse respeito que:

(...) eregiu-se no Brasil o conceito de democracia racial; segundo esta, pretos e

brancos convivem harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de

existência (p. 41).

(...)

No entanto, devemos compreender democracia racial como significando a metáfora

perfeita para designar o racismo estilo brasileiro: não tão óbvio como o racismo dos

Estado Unidos e nem legalizado qual o apartheid da África do Sul, mas eficazmente

institucionalizado nos níveis oficiais de governo assim como difuso no tecido social,

psicológico, econômico, político e cultural da sociedade do país (p. 92).

Referindo-se ao que Freyre chamou de “relação harmônica entre negras e brancos” –

que se envolviam sexualmente por causa da escassez de mulheres brancas por sua tendência

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às relações híbridas – Nascimento (1978) afirmou que o mulato brasileiro é o fruto da

violência sexual sofrida pela mulher negra que, segundo o autor, era vítima fácil por estar

vulnerável a qualquer agressão dos senhores brancos, os quais utilizavam de seu poder para

hostilizá-la.

Esse autor considera absurdo apresentar o mulato, fruto de um covarde cruzamento

de sangue, como prova de uma saudável relação entre as diferentes raças no Brasil. E ainda

critica o que, de fato, observa-se em grande parte das obras literárias no Brasil, as quais

colocam a mulher brasileira como mulata sensual e exótica. Para esse militante político:

Já que a existência da mulata significa o produto de prévio estupro da mulher

africana, a implicação está em que, após a brutal violação, a mulata tornou-se só

objeto de fornicação, enquanto a mulher negra continuou relegada à sua função

original, ou seja, o trabalho compulsório. Exploração econômica e lucro definem,

ainda outra vez, seu papel social (NASCIMENTO,1978, p. 62).

O mito – da democracia racial – assim como as leis abolicionistas beneficiaram os

brancos providencialmente, uma vez que aquele, de certa forma, acalmou os negros, evitando

que se insurgissem contra a elite branca; evitou também que o Estado sentisse a obrigação de

promover medidas compensatórias para os ex-escravos.

O clima fraternal era difundido com naturalidade e, por essa razão, durante anos, foi

muito difícil combater o racismo em solo brasileiro – já que era negado, não havia razão para

embates. Muitos jornais da época, escritos por jornalistas negros, endossavam o mito da

democracia racial, como foi o caso de um editorial publicado em 1928, em O clarim da

Alvorada (apud, DOMINGUES, 2005, p. 122) que dizia: “Aqui não existe preconceito algum

para se combater. Vivemos em comunhão perfeita, não somente com os brasileiros brancos,

mas também com o próprio elemento estrangeiro”.

Tais afirmações eram feitas por tomarem como parâmetro o sanguinário processo de

abolição dos Estados Unidos, de forma que qualquer descriminação não institucionalizada,

como ocorrera no Brasil, era compreendida como ausência de racismo. A ideologia dominante

da igualdade racial alienava os negros, que acreditavam na teoria pertinente a ela, mas eles

não a sentiam na prática.

Por essas razões, estrangeiros descreviam o período pós-abolicionista brasileiro de

maneira romântica e utópica. Nesse contexto, o mulato era aquele que ocupava o lugar

intermediário entre o branco e o negro, era a representação do povo brasileiro. Essa ideia fez

emergir, de certa forma, uma divisão da população negra em pretos e mulatos. Estes gozavam

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de benefícios e facilidades como direitos civis, políticos e religiosos que não eram conferidos

aos negros.

Ao longo de todo o século XIX, barreiras raciais definiram limites à ascensão social

do ex-escravo e seus descendentes. A cor da pele era um elemento poderoso de

classificação social dos indivíduos, apesar de não haver discriminação legal como

ocorria nos Estados Unidos. Para o branco pobre e até o mestiço, apadrinhamento e

acesso a financiamento podiam abrir as portas para o ingresso nas camadas mais

altas e em cargos públicos. Mas as barreiras se erguiam para os que tinham pele

mais escura, sobretudo os crioulos e africanos, estes últimos genericamente

chamados de pretos. Os mestiços de pele mais clara podiam romper barreiras quase

sempre ao custo de muitos artifícios para calar ou esconder o lado africano de sua

ascendência.

(...)

Nas cidades brasileiras oitocentistas havia negros libertos que, mesmo não fazendo

parte da elite econômica, possuíam situação financeira estável. Mulatos conseguiram

ser médicos, advogados, professores, engenheiros, padres, periodistas, escritores.

Alguns ocuparam cargos públicos no legislativo e no executivo. Incomodados com

eles, setores da sociedade costumavam criticar a forma como usavam bengala,

botinas, pistola, chapéu alto, luva e anel de ouro, enfim os símbolos de ascensão

social e poder que só os brancos ricos admitiam utilizar (ALBUQUERQUE E

FILHO, 2006, p 164 -165).

Essa foi, decerto, mais uma das ferramentas ideológicas da elite branca usada para

impedir a unidade da população negra no período após a abolição, impossibilitando-a de

enxergar que possuía interesses comuns e assim continuar a subjulgá-la.

O mito da igualdade racial fez com que, durante décadas, a ideologia de que

oportunidades iguais foram dadas aos negros libertos – assim como aos mulatos – fosse

difundida, fazendo com que o insucesso daqueles em detrimento destes era-lhes considerado

falta de capacidade inata, (re) emergindo assim o discurso da inferioridade intelectual da raça

negra. Foi esta a maior contribuição do mito da democracial racial: a validação do complexo

de inferioridade dos negros que os fez sentirem-se responsáveis pelos seus fracassos durante

décadas.

Ainda hoje, luta-se para combater os efeitos da escravidão e do mito da democracia

racial. Para promover os direitos dos negros em diferentes áreas sociais, o movimento negro

trouxe à tona ao longo dos anos medidas que visavam e visam à promoção de seus direitos

como cidadãos brasileiros. Ao conjunto de medidas que objetivam minorar os problemas

sociais dos negros atribui-se o nome de ação afirmativa, e é por meio dela que a comunidade

negra e mestiça no Brasil vem conseguindo, lentamente, afirmar-se perante a sociedade.

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2.2.3 O Movimento Negro, as Ações Afirmativas no Brasil e a Lei

10.639/03

O movimento negro existe no Brasil desde o momento em que o negro teve

consciência de sua condição de pertença aos senhores brancos. A historiografia tradicional

ensina que a resistência à escravidão aconteceu somente a partir dos surgimentos de

quilombos. Tal fato corrobora com a constituição de discursos que afirmam a passividade dos

negros mediante o escravismo.

Se passado em revista o processo histórico do negro no Brasil, é possível perceber

que a passividade e a apatia nunca fizeram parte da história deles nesse país. As lutas e a

organização negras existem desde a época da escravidão. Diversas foram as formas de

resistência ao trabalho escravo. Muitos cometiam suicídio ou morriam de banzo7 ou eram

insubordinados às regras dos trabalhos nas roças ou plantações onde trabalhavam; os escravos

também fugiam, assassinavam os senhores e seus familiares; as negras cometiam abortos,

enfim, o objetivo era desestruturar o sistema escravista (MUNANGA; GOMES, 2006).

A resistência cultural foi uma das mais fortes exercida pela negritude no Brasil, pois

estava presente no cotidiano dos brasileiros. Este fato pode ser constatado nos dias de hoje,

especialmente através da religião de raiz africana: o candomblé. A via religiosa foi

indubitavelmente a que mais contribuiu para a resistência da cultura afro no Brasil, porém não

foi a única. A dança, a culinária e as músicas foram meios de preservação cultural dos negros.

Eles puderam defender e preservar suas identidades, e conseguiram também, ao longo dos

anos, modelar a cultura e a identidade cultural brasileiras. As religiões africanas eram e são

inegavelmente o lugar onde a resistência à escravidão se manifestou com muita força. Durante

muitos anos, os cultos africanos eram condenados pela elite branca e considerados atos

demoníacos. A cultura cristã, que impregnava a colônia brasileira, considerava toda e

qualquer manifestação religiosa dos negros uma aberração.

O candomblé , segundo Prandi (1996), é uma religião que afirma o mundo,

reorganiza seus valores e reveste de estima muitas coisas que outras religiões consideram

más, por exemplo, o dinheiro, os prazeres da carne, o sucesso, a dominação e o poder. O

7 Banzo sm. 1. Nostalgia ou profunda tristeza que levava à morte os negros africanos que eram escravizados e

exilados de suas terras. Adj. 2. Triste, abatido; pensativo (FERREIRA, 2001, p. 94).

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candomblé não distingue, de acordo com o autor, o bem e o mal do mesmo modo como se

aprende no cristianismo.

Durante o período da escravidão, os cultos africanos eram proibidos e, por essa

razão, houve a necessidade de se associar santos católicos a entidades espirituais africanas. O

sincretismo religioso, conhecido hoje no Brasil, surgiu da resistência religiosa dos africanos

escravizados desejosos de presevar suas matrizes culturais.

Conforme Munanga e Gomes (2006), “nem sempre os cultos aos orixás puderam

acontecer livremente em nosso país, Anos atrás, eles eram proibidos e perseguidos pela

polícia”. Esses autores afirmam ainda que foi somente no governo de Getúlio Vargas que

acabaram as perseguições aos terreiros, quando a Mãe de Santo Dona Eugênia Anna dos

Santos, a Mãe Aninha, conseguiu a autorização do então presidente para a realização livre

dessa prática religiosa no Brasil.

Sob a ótica cultural, outro símbolo de resistência negra era a capoeira8. De acordo

com Areias (1983, p. 8), a capoeira é a música, a poesia, a diversão e, acima de tudo, uma

forma de luta, manifestação e expressão de um povo oprimido que vivia em busca da

sobrevivência, liberdade e dignidade. Esse autor menciona que os escaravos não dispunham

de armas suficientes para se defenderem e viam na luta, disfarçada pela dança e ginga, uma

das formas de enfrentar o julgo da escravidão. O berimbau9 - instrumento que ainda hoje faz

da capoeira mais que uma luta, uma dança – era usado para emitir sinais de alerta quando

chegavam pessoas estranhas ou os feitores.

As resistências também aconteceram por meio de fugas e revoltas, que marcaram

vários momentos da história do Brasil. Os quilombos, por exemplo, eram uma estratégia de

reação ao sistema escravista e, no Brasil, inúmeros deles foram constituídos no século XIX,

especialmente nas últimas décadas. Os habitantes dos quilombos eram chamados de

quilombolas ou calhambolas, os quais eram perseguidos por feitores, senhores e militares.

Nesses lugares, habitavam homens, crianças e mulheres que se recusavam a viver sob o

regime escravocrata e rebelavam-se contra este sistema.

No Brasil, o Quilombo dos Palmares foi o mais conhecido pela extensão e força de

resistência. Localizava-se na Serra da Barriga em Pernambuco. Palmares era um conjunto de

quilombos; o seu crescimento se deu por volta de 1580 e preocupava o governador da

8 Capoeira Bras. sf. 2. Jogo atlético individual, com um sistema de ataque e defesa (FERREIRA, 2001, p. 137).

9 Berimbau sm. 2. Bras. Instrumento de percussão, com o qual se acompanha a capoeira(2): arco de madeira

retesado por um fio de arame, com uma cabeça presa ao dorso da extremidade inferior; urucungo (FERREIRA,

2001, p. 103).

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Capitania de Pernambuco. Durante um longo período, o local passou a sofrer ataques

frequentes. Proprietários de escravos e o governo da Capitania de Pernambuco passaram a

investir em expedições, as entradas, com o objetivo de destruir o local. Em troca, prometiam

aos vencedores terras e negros. Foram realizadas cerca de 18 expedições contra a região. Em

1678, depois de sofrer inúmeros ataques, Ganga-Zumba, primeiro grande líder de Palmares,

que conseguiu unir os mocambos em torno de uma Confederação liderada por um

comandante-geral, decidiu negociar com as autoridades um acordo de paz. No entanto, os

demais líderes dos mocambos não concordaram com a negociação, o que gerou conflito e a

quebra da unidade da Confederação do quilombo. Zumbi, que não acreditava na paz com os

brancos, conquistou a maioria do Conselho. Ganga-Zumba morreu envenenado, e Zumbi

passou a liderar a comunidade de Palmares e conseguiu repelir os sucessivos ataques por 16

anos.

Em 1692, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho aceitou a proposta de

conquistar e destruir o Quilombo dos Palmares, sendo derrotado na primeira tentativa, porém,

depois de dois anos, voltou a Palmares com cerca de nove mil homens e seis canhões.

Palmares resistiu por quarenta e dois dias aos ataques dos invasores.

De acordo com Albuquerque e Filho (2006), acabar com Palmares exigia, além de

perseverança, muito dinheiro. Era caro e perigoso organizar uma entrada. Exigia armas,

munição, mantimentos, escravos para carregar a bagagem e remuneração para os

combatentes.

Desanimados com vitórias sempre parciais e com o custo das expedições, as

autoridades coloniais resolveram propor uma trégua aos quilombolas de Palmares. Mas, em 5

de fevereiro de 1694, Macaco, a capital do quilombo na Serra da Barriga, foi destruída. Mais

de 400 quilombolas morreram no local e cerca de 500 foram presos e vendidos fora da Capital

de Pernambuco. Muitos fugiram, mas quase todos acabaram capturados. Zumbi escapou, mas,

em 20 de novembro de 1695, foi capturado e morto. Sua cabeça foi exposta em local público,

no Recife, para lembrar aos escravos de que eles deveriam obedecer a seus senhores

(ALBUQUERQUE e FILHO, 2006).

Além dos quilombos, as revoltas urbanas também foram fundamentais para a história

de resistência dos negros no Brasil. Durante a primeira metade do século XIX, os escravos

baianos ficaram conhecidos no país pelas revoltas que promoviam. Algumas das mais

importantes lideradas e constituídas por negros foram: a Revolta dos Alfaiates, a Revolta dos

Malês e a Balaiada.

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A Revolta dos Alfaiates, também conhecida como Conjuração Baiana, contou com a

participação de mulatos, negros livres e escravos, que advogavam pela modificação interna da

sociedade, que era preconceituosa e se baseava nos privilégios dos grandes proprietários de

terra e na exploração do trabalho escravo. Nesse movimento, destacou-se Manuel Faustino,

alfaiate pardo e forro, que sabia ler e escrever. Ele afirmava que a conjuração proporcionaria a

formação de um governo de iguais a partir da independência do Brasil, da liberdade de

comércio, da criação de uma república, do combate à Igreja Católica, da libertação dos

escravos e do fim do preconceito de cor.

Esse movimento aconteceu em 12 de agosto de 1798. Nesse dia, por meio de cartazes

afixados e panfletos distribuídos em Salvador que continham os objetivos da revolta e as

propostas pleiteadas pelo movimento, os revoltosos esperavam a adesão da população baiana,

mas, antes que a mesma compreendesse o ocorrido, os revoltosos foram delatados, e o

governo controlou o movimento. No dia 25 de agosto do mesmo ano, todos os envolvidos na

conspiração foram presos. Os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga e os alfaiates João de

Deus e Manuel Faustino foram enforcados.

Os pertencentes à elite, como Cipriano Barata, foram inocentados. Do mesmo modo

que a Inconfidência Mineira pleiteava a emancipação política e a prática dos ideais

republicanos, os envolvidos na Conjuração Baiana também o fizeram. Eles almejavam uma

estrutura política representativa que fomentaria o sistema educacional e a industrialização do

país. Entretanto, somente o movimento da Bahia contou com a participação de pessoas do

povo e teve caráter abolicionista. Os inconfidentes mineiros pertenciam à elite da sociedade

colonial de Minas. Tiradentes, o único que foi executado, foi uma exceção, pois tinha raízes

populares. Os líderes do movimento baiano pertenciam às camadas menos favorecidas e, por

isso, foram executados.

Em 1835, os negros malês, escravos muçulmanos, principalmente os nagôs e haussás

foram elementos importantes na organização e na tentativa da montagem de uma rede

conspiratória à submissão a qual estavam sujeitos: configurava-se a chamada Revolta dos

Malês. Segundo Reis (2003), na Bahia, malês não denominavam o conjunto de uma etnia

africana particular, mas o africano que tivesse adotado o Islã. Os negros malês, juntamente

com negros não islamizados, intentavam tomar o poder e matar todos os nascidos no Brasil,

inclusive negros. Segundo esse autor, essa informação, todavia, não pode ser credível, uma

vez que quem a relatou desta forma foram as autoridades em documentos da época. Ainda de

acordo com esse autor, alguns historiadores acreditam que a religião islâmica foi a razão que

desencadeou o levante, unindo escravos contra a opressão do dominador.

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O terceiro movimento, na sequência, foi a Guerra da Balaiada, em 1838. A revolta

começou por questões políticas entre partidos, mas acabou por ser assumida por vaqueiros e

homens sem posses em geral, os quais lutavam contra o recrutamento forçado para as forças

militares e contra os desmandos de chefes políticos locais e, finalmente, por quilombolas, que

sustentaram o combate até o fim, conforme apontam diversos historiadores. Foi uma das

maiores e mais significativas rebeliões populares já registradas em terras do Maranhão e com

forte repercussão em todo o país (REIS, 2003).

A insatisfação popular, os movimentos e as leis abolicionistas – já citadas neste

trabalho – e a pressão exercida pela Inglaterra, que condenava o escravismo por questões

econômicas, possibilitaram em 1888 a promulgação da Lei Áurea. Antes disso, os negros

libertos pelas leis abolicionistas, como a Lei do Sexagenário, do Ventre Livre ou mesmo

aqueles que se tornavam livres por meio de pecúlio, sofriam restrições sociais. A liberdade

institucional para esses negros era real, mas a realidade deles era cruel.

Os cidadãos brasileiros eram apenas os libertos nascidos no país. Isso significava que

os libertos africanos continuavam estrangeiros e precisavam adquirir títulos de naturalização

para terem alguns direitos como cidadãos. Os libertos brasileiros também tinham seus direitos

civis restritos; constitucionalmente, podiam votar se tivessem uma renda, que era estipulada

pelo governo, mas não podiam ser eleitos para cargos políticos, como membros das

assembléias de província, deputados, senadores.

Brasileiro ou africano, o liberto não podia portar armas nem circular livremente entre

as cidades. Para viajar, os forros10 precisavam provar sua condição sob a pena de serem

confundidos com escravos fugidos. Frequentemente, os libertos se viam envolvidos em

conflitos por reagirem às discriminações e ao não reconhecimento de sua condição

(ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).

Com a Promulgação da Lei Áurea, em 1888, foi banida a escravidão em solo

brasileiro. Essa lei foi, sem dúvidas, o resultado de muita resistência dos negros brasileiros ao

longo de todo o período escravista. Após a abolição, o processo de resistência ganhou novos

contornos. O fato de, mesmo sendo considerados livres legalmente, os negros não poderem

usufruir dos mesmos direitos políticos dos brancos foi o que motivou o surgimento de novas

formas de resistência.

Na luta pela conquista da cidadania, muito sangue foi derramado. O pós-

abolicionismo foi o início de uma luta ainda maior do que a que os negros travaram pela

10 Forro adj. 1. Liberto; alforriado (FERREIRA, 2001, p. 356).

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liberdade instituída. A luta passou a ser pela cidadania e foi difícil, por ser em um ambiente

hostil, onde se viam negros sob a ótica das teorias racistas do século XIX.

De acordo com Albuquerque e Filho (2006), no início do século XX, algumas

sociedades negras foram criadas para o enfrentamento de situações específicas de

discriminação. Em 1909, por ter sido barrada a posse de um deputado federal negro, foi

fundado, no Rio Grande do Sul, o Centro Etiópico Monteiro Lopes, nome do candidato. Na

época, o Centro Etiópico teve papel fundamental de mobilização popular e pressionou para

que a câmara do estado desse o direito de posse do deputado.

Segundo Albuquerque e Filho (2006), algumas associações negras foram criadas com

a finalidade de atender às necessidades de recreação e lazer, porque os negros frequentemente

eram impedidos de adentrarem em áreas frequentadas por brancos. À proporção que a

comunidade negra se organizava, surgia a necessidade de meios de comunicação, como os

jornais, que pudessem dar visibilidade às reivindicações dos negros. Assim, desde o início do

século XX, surgiram alguns jornais escritos por negros e a estes destinados. O objetivo dos

periódicos era noticiar e discutir problemas vivenciados pela população negra, mas que não

encontravam espaço na grande imprensa.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, A Alvorada, A Vanguarda, A Cruzada e O

Exemplo noticiavam a agenda das associações negras, contribuindo para a organização dos

afrobrasileiros no sul do país. Em 1928, O Clarim d'Alvorada anunciou a intenção de

organizar um Congresso da Mocidade Negra, os jornais da grande imprensa paulista reagiram

indignados à iniciativa. A possibilidade de que os negros pudessem se organizar e manifestar

politicamente suas aspirações assustava a elite brasileira. Houve quem se perguntasse: “que

necessidade há nisso? O que se vai falar nesse congresso?” (ALBUQUERQUE E FILHO

2006).

O Brasil era de todos, diziam os opositores, mas os negros sabiam que não era e

lutavam para que realmente fosse. Na verdade, negar a existência do racismo e desconhecer

suas consequências nefastas para a população negra era a maneira de manifestar o racismo.

A partir da terceira década do século XX, as lutas tornaram-se institucionalizadas, e

surgiram grupos reconhecidos pelo Estado brasileiro. O primeiro deles foi a Frente Negra

Brasileira (FNB), fundada por Abdias Nascimento, com objetivos políticos e pretensões

eleitorais. Os representantes da FNB desejavam que os negros tivessem o direito de participar

da vida política do país e acreditavam que estar presentes na política era também uma maneira

de fazer oposição a possíveis projetos segregacionistas de brancos que intentavam em favor

do isolamento e fracasso dos negros na sociedade. A Frente Negra não tinha propostas

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assistencialistas como as associações de auxílio, as quais tinham um caráter

predominantemente assistencial que ofereciam atendimento médico e odontológico a preços

mais populares, além de cursos. A FNB inovou nesse sentido.

A comunidade negra que compunha o movimento negro do início do século XX

objetivava que o Estado brasileiro entendesse que o país era mestiço e que o racismo não

fosse aceito. Os movimentos desse período também pleiteavam do Estado o amparo devido à

população negra e mestiça que amargava os sintomas da pobreza. Na década de 1940, outro

movimento importante surgiu, dessa vez representativo nas artes, era o Teatro Experimental

Negro (TEN) idealizado e fundado também pelo ativista negro Abdias Nascimento, quando,

no teatro, atores brancos pintavam o rosto de preto para representarem os negros. Foi quando

Abdias Nascimento, negro consciente e militante, decidiu mudar essa tendência racista no

teatro.

Em 13 de outubro de 1944, esse militante criou o Teatro Experimental do Negro, que

teve como sede a cidade do Rio de Janeiro. Por duas vezes o TEN foi impedido de participar

de festivais negros internacionais pelo próprio governo brasileiro. Segundo a historiadora

Mendes (1993, p. 51) esses fatos não devem ser compreendidos apenas como fruto da

discriminação racial, pois “...os movimentos de vanguarda, e o TEN era um deles, sempre

enfrentaram grandes dificuldades, não só por falta de apoio oficial, como pela natural reação

do público [...] habituado às comédias de costumes inconsequentes ou dramas convencionais”.

O Teatro Experimental do Negro nunca atingiu a importância social que pretendia

em seu tempo. Mas, em termos de história do teatro, significou uma iniciativa pioneira, que

mobilizou a produção de novos textos, propiciou o surgimento de novos atores e grupos e

semeou uma discussão que permaneceria em aberto: a questão da ausência do negro na

dramaturgia e nos palcos de um país mestiço de maioria negra. O elenco era formado por

empregadas domésticas, operários e moradores das favelas, todos negros.

A proposta do TEN não era apenas cultural e artística, mas também social; segundo o

próprio Nascimento: “... necessidade de fundação desse movimento foi inspirada pelo

imperativo de organização”.

Segundo a Fundação Cultural Palmares11, a experiência trazida por Nascimento

marcou a história da luta pela verdadeira democracia racial, visando ao desenvolvimento

social da gente de cor, a elevação de seu nível cultural e seus valores individuais. Em 1968, o

TEN abriu outra frente de ação, quando lançou em exposição, no Museu da Imagem e do

11 Disponível em:< http://www.palmares.gov.br/2008/10/teatro-experimental-do-negro-a-militancia-pela-

arte/?lang=fr> Acesso em: set. 2012.

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Som, a primeira coleção de seu Museu de Arte Negra. Interrompido o projeto em razão da

perseguição política do regime militar, o teatro continuou em cena, já em termos

internacionais, através da atuação de seu fundador, exilado, denunciando o racismo brasileiro

em vários fóruns do mundo africano, da Europa, das Américas e dos Estados Unidos.

Com a redemocratização, após a ditadura militar que durou da década de 60 até a

década de 80, alguns movimentos sociais brasileiros passaram a exigir uma postura mais ativa

do poder público diante das questões de raça, gênero, etnia e adoção de medidas específicas

para sua solução através das ações afirmativas.

A expressão ação afirmativa, já mencionada anteriormente, teve origem nos Estados

Unidos nos anos 60, período no qual norteamericanos reivindicavam a democracia interna,

cuja bandeira principal era a igualdade de oportunidades a todos – negros e brancos. Esse

movimento assumiu contornos através das principais áreas de atuação social, como: mercado

de trabalho – com a contratação, qualificação e promoção de funcionários; o sistema

educacional – especialmente o ensino superior; a representação política; além, é claro, do

sistema de cotas – que estabelece um determinado número ou percentual a ser ocupado em

área específica por grupos definidos. Segundo Contins (1996, p. 210), as ações afirmativas

têm como função específica “a promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por

discriminação. Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que os beneficiados possam vir a

competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado de trabalho”.

No Brasil, somente em 1980 houve a primeira formulação de um projeto de lei nesse

sentido, quando o deputado Abdias Nascimento propôs uma ação compensatória que

estabelecia medidas de compensação para os afrobrasileiros. O projeto, porém, não foi

implantado, sequer aprovado no congresso, mas as lutas continuaram.

As ações afirmativas no Brasil são de fundamental importância, pois vozes

eloquentes, estudos acadêmicos qualitativos e quantitativos recentes, realizados por

instituições de pesquisa respeitadas como o IBGE e o IPEA, não deixam dúvidas sobre a

gravidade da exclusão dos negros e mestiços na sociedade brasileira.

No Brasil, a condição racial constitui um fator de privilégio para brancos e de

exclusão e desvantagem para os não-brancos. Algumas cifras assustam quem tem

preocupação social aguçada e compromisso com a busca de igualdade e equidade

nas sociedade humanas: do total dos universitários brasileiros, 97% são brancos, 2%

negros e 1% descendentes de orientais; sobre 22 milhões de brasileiros que vivem

abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros; sobre 53 milhões de brasileiros

que vivem na pobreza, 63% deles são negros (HENRIQUES apud, MUNANGA,

2001, p. 33).

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Foi pensando em mudar essa realidade que, em 2003, o presidente Luís Inácio da

Silva assinou a lei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade, nas unidades escolares públicas e

privadas do país, do ensino da história e da cultura da África e dos africanos, assim como o

processo efetivo da participação dos negros na construção da história do Brasil. A lei é uma

proposta multicultural de ensino, pois propõe a valorização de uma cultura até então colocada

à margem da educação brasileira. Sobre isso, Munanga (2008), numa entrevista concedida a

TV Brasil, discutiu sobre a presença da cultura africana e as consequências de uma educação

que a ocultou por séculos no Brasil.

Essa presença está no cotidiano do brasileiro, está no ar que o brasileiro respira, está

no ritmo do corpo do brasileiro, está na comida do brasileiro. Só que o brasileiro

também não percebe isso e gostaria de ser considerado como europeu, como

ocidental. Isso está claro no sistema de educação. Nosso modelo de educação é uma

educação eurocêntrica. A escola é o lugar onde se forma o cidadão, onde se ensina

uma profissão. Há escolas que sabem lidar com os dois lados da educação: ensinar a

cidadania e a profissão. A história que é ensinada é a história da Europa, dos gregos

e dos romanos. No entanto, quem são os brasileiros? (...) Então, há um problema no

Brasil, além de essas pessoas serem as maiores vítimas da discriminação social, no

sistema de educação formal elas não se encontram, elas são simplesmente

ocidentalizadas, são simplesmente embranquecidas (...) (MUNANGA,

Documentário Dia do Professor, 11/9/2008).

Para esse autor, a educação brasileira é defasada no que tange às questões raciais, e o

impacto disso é o que se chama de baixa autoestima da comunidade negra no Brasil. A escola

tem o papel de mudar os discursos, desconstruir os mitos eregidos pela classe dominante ao

longo do processo de constituição da sociedade brasileira. A baixa autoestima, ainda segundo

o autor, prejudica o processo de aprendizagem, pois não há identificação dos negros com o

que se estuda na escola brasileira, e assim é possível se justificar as altas taxas de evasão

escolar entre crianças negras. Munanga afirma ainda sobre isso que:

O aluno nunca vê a cara dele na escola. Ele se olha no espelho e não se vê. Ou,

quando se vê, quer se ver como branco. Na França, nós chamamos de pele negra,

marca branca. Isso faz parte do impacto, do impacto psicológico: a negação da

própria humanidade. Há um momento em que o negro introjeta tanto que naturaliza

isto: "Sou mesmo inferior, não tenho as mesmas aptidões morais, intelectuais. Não

sou capaz de entrar naquela universidade, porque não vou passar". Infelizmente, nós

não temos ferramentas para medir isso. Muitas vezes, quando falamos da questão do

negro, estamos falando das coisas invisíveis. É como o iceberg. Você vê a ponta do

iceberg, mas não dá para ver a parte mais profunda, que é o aspecto psicológico, as

consequências disso na educação (Id.).

A lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade da temática História e Cultura

Afro-brasileira no currículo da rede nacional de ensino, foi criada com o propósito de mudar a

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realidade de negação, esquecimento, silenciamento das contribuições do povo negro no

Brasil. A lei propõe, por meio da educação, a emergência de novos discursos sobre os negros

no Brasil, propõe discursos de valorização, sendo assim somada às conquistas do movimento

negro no Brasil. Entretanto, é preocupante a maneira como a mesma está sendo cumprida em

escolas do país, especificamente na cidade do Salvador (local onde a prática do escravismo foi

intensa e a população negra é grande atualmente), cenário desta pesquisa – por se tratar de

uma temática estigmatizada, que ainda evoca preconceitos e desconhecimentos por parte dos

educadores. A lei impõe uma quebra de paradigmas, sugere através da educação a construção

de novos dizeres sobre a cultura afro-brasileira.

É preciso pensar na cultura afro-brasileira de forma independente da cultura do

colonizador. Santos (2004) fala da necessidade que há em romper com os padrões

estabelecidos pela razão metonímica (que nega o outro, seus diferentes saberes e lógicas,

valores e modos de viver); esse autor afirma que a sociologia das ausências visa demonstrar

que o que não existe, na verdade, é produzido como não existente. Por exemplo, quantos

educadores estudaram a história do Brasil numa perspectiva não colonialista? Provavelmente

poucos, pois, conforme o que foi exposto neste trabalho sobre a história do negro no Brasil, os

brancos sempre tentaram negar os negros, excluí-los do processo de pertencimento social.

Boa parte dos professores não sabem a real história afro-brasileira, porque ela nunca foi

contada, foi produzida pela classe dominate como não existente. Por essa razão, muitos

educadores ensinam o que acreditam que sabem: quase nada. É necessário transformar o que

não se sabe em saberes, conforme Santos (2004), é necessário transformar objetos

impossíveis, em possíveis.

A lei 10.639/03 é o resultado de uma sociedade que já tenta transformar ausências

em presenças, pois, durante séculos, a inexistência conveniente da história do negro foi, e

ainda é, produzida sob a forma de inferioridade insuperável e, por isso, não pode ser uma

alternativa credível (digna de ser reconhecida) por quem se diz superior, conforme a lógica da

classificação social de Santos (2004).

É indispensável pensar nas questões culturais e identitárias para se esperar um futuro

concretamente menos preconceituoso em relação aos negros. A falta de conhecimento sobre a

afro-brasilidade é, inegavelmente, fruto de um apagamento histórico que interpela

ideologicamente o sujeito dos discursos (neste trabalho, os professores). Educar cidadãos

brasileiros, portanto, sem levar em consideração a cultura dos negros é inaceitável. Como se

pensar uma nação que se reconheça negra ou mestiça sem conhecer a sua verdadeira história?

Como se falar em identidade nacional no Brasil, se negros e mestiços não se veem como

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elementos de formação da cultura nacional importantes? Por isso, a lei 10.639/03 é tão

importante no processo de construção de novos discursos sobre identidade cultural no Brasil.

Para Freire (1979, p. 30-1):

O homem tem a vocação de ser sujeito e não objeto, e só poderá desenvolvê-la na

medida que refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas de

maneira crítica. Quanto mais o homem é levado a refletir sobre sua situacionalidade,

sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais “emergirá” dela conscientemente

carregado de compromisso com sua realidade, do qual, por que é sujeito, não deve

ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais

Compreende-se que o ensino da história africana não se refere exclusivamente em

deter-se à história em si, como mais uma disciplina. Não é interessante ver uma conquista

como foi a aprovação e validação da lei 10.639/03 ser tratada como uma bandeira política

apenas em períodos eleitorais, ou como uma maneira de acalmar o movimento negro, ou

melhor, mantê-lo quieto por algum tempo diante de uma suposta vitória legalmente

reconhecida.

É premente que professores sejam preparados em sua formação acadêmica para que

possam colocar a lei em prática sem preconceitos. É urgente a necessidade de educadores

apostarem nas possibilidades de inclusão social emanadas por esta nova proposta de ensino

através de reflexões a partir de uma educação voltada para as relações étnico-raciais e para o

ensino de história e cultura afro-brasileira. Assim, no futuro, os negros poderão participar

efetivamente, em condições de igualdade, do acesso às universidades, cargos e funções em

diversos setores da sociedade.

O brasileiro precisa enxergar-se também afro, para que seja possível perceber a

pluralidade e se perceber enquanto nação. Para Freire (2005), a pluralidade não só se

estabelece com relação aos diferentes desafios que faz o ambiente, mas também com relação

ao próprio desafio, o desafio de si mesmo. Ser negro no Brasil é um desafio, educar num país

com dierenças culturais, mais ainda. Os educadores devem estar capacitados em relação à

aplicação da lei 10.639/03 a fim de promoverem a historicamente sonhada democracia racial

– pautada na pluralidade – através de suas práticas pedagógicas viabilizadas pelos discursos.

O resultado de medidas como a lei 10.639/2003 é uma sociedade mais consciente de

sua história, de sua herança cultura, e, consequentemente, a elevação da autoestima dos

negros que começa a dar lugar ao complexo de inferioridade originado através do mito da

democracia racial. As mudanças já podem ser percebidas.

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De acordo com o censo demográfico de 2010 (IPEA), 97 milhões de pessoas se

declararam negras, ou seja, pretas ou pardas, e 91 milhões de pessoas, brancas. Ainda segundo

o órgão que desenvolveu um estudo sobre a Dinâmica demográfica da população negra

brasileira:

A população branca era maior que a negra entre 1980 e 2000. Em 2010, esta

situação se inverteu. Isso pode ser decorrente da fecundidade mais elevada

encontrada entre as mulheres negras, mas, também, de um possível aumento de

pessoas que se declararam pardas no censo de 2010 (IPEA, 2010).

Afirmar que a população negra aumentou por conta da maior taxa de fecundidade e

negar que tal fato possa ter ocorrido por efeito de consciência negra, seria desconsiderar os

dados do próprio Ipea em relação aos números das taxas de fecundidade entre negras e

brancas.

Entre 1999 e 2009, enquanto na população negra a taxa de fecundidade passou de 2,7

filhos para 2,1; na branca passou de 2,2 para 1,6; e, em 2009, os dois grupos apresentaram

taxas de fecundidade inferior ao nível de reposição (os nascimentos não repõem as mortes do

período), ou seja, de 1999 a 2009, houve uma redução de 0,6 filhos entre negras e 0,6 filhos

entre brancas (IPEA, 2010).

Deve-se considerar que a taxa de natalidade entre negras sempre foi mais alta e, se a

redução dessa taxa ocorre proporcionalmente às taxas de redução de natalidade entre

mulheres brancas, considerando ainda que os que nascem não são suficientes para repor os

que morrem em números populacionais e considerando também que a taxa de mortalidade

entre os negros é maior que as taxas dos brancos, isto é, morrem mais do que nascem, não é

possível afirmar que a razão do aumento de pessoas declaradas negras e pardas sejam por

questões de fecundidade.

Se, ao longo de dez anos, nascem brancos e negros, numa proporção igual, e se

morrem mais negros do que brancos em razão dos problemas sociais que os cercam, é notório

que não há crescimento por causa das taxas de fecundidade. É possível, sim, que a população

brasileira tenha começado a se identificar como afrodescendente assumindo a sua cor e a sua

identidade cultural.

Segundo o IPEA (2010), “em resumo, a população negra predomina no Brasil, é

mais jovem, tem mais filhos, é mais pobre e está mais exposta à mortalidade por causas

externas, especialmente homicídios”. Esta é uma realidade que ainda precisa ser superada,

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uma herança da escravidão, do mito da igualdade racial, imprimido com mais força pelo mito

da mestiçagem. Os primeiros passos foram dados.

O Brasil ainda tem muito a avançar no debate racial. A educação é o caminho pelo

qual se deve começar a mudança ideológica. A lei 10.639/2003 é uma conquista

institucionalizada. É um bom começo.

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3 AS IMAGENS DO PROFESSOR

Considerando que discurso é a palavra em movimento e que analisar discurso é

observar o homem falando, nesta seção, objetiva-se traçar o perfil dos entrevistados enquanto

educadores, ou seja, verificar como eles se percebem como docentes e sua importância para a

sociedade por meio da análise de seus dizeres, levando em consideração o aporte teórico da

Análise de Discurso (ORLANDI, 2009).

A Análise de Discurso nasceu na França no final da década de 1960, época em que o

estruturalismo linguístico se apresenta como destaque nos estudos das ciências humanas.

Nessa década, a Europa vivia um momento de bastante contestação social em consequência

do pós-guerra que promoveu uma crise muito grande na França, colocando em

questionamento todas as teorias filosóficas vigentes, de forma que fez emergir grandes

pensadores, como Althusser, Foucault, Pêcheux, Lacan, Bourdieu, entre outros.

Esses estudiosos debatiam sobre os assuntos que estavam em evidência, como

estruturas e marxismo, e pôde-se então concluir que as guerras mundiais fizeram ruir muitas

das teorias vigentes até então, ou seja, a razão de os iluministas conduzirem o mundo ao caos.

Por isso, esses pensadores, do século XX, propuseram releituras de teorias tradicionais, como

o Estruturalismo, o Marxismo e a Psicanálise.

O historiador Hobsbawm (2002), a esse respeito, explica que, naquele período, não

houvera a crise de um sistema organizacional da sociedade, mas de todas as formas, sejam

elas capitalistas ou socialistas, e tudo que era sólido se desmanchava no ar, inclusive o

estruturalismo linguístico de Saussure.

As constantes releituras que se faziam das obras de Saussure provocaram movências

epistemológicas tanto do objeto como do método da linguística. Foram postos em xeque e em

discussão a sistematicidade da Langue e a assistematicidade da Parole. Assim, estudiosos

passaram a considerar a linguagem uma área de estudo muito complexa para ser limitada às

teorias de Saussure. Foi nesse contexto que surgiu a Análise de Discurso, criada pelo filósofo

Michel Pêcheux que intencionava intervir teoricamente no campo das ciências sociais,

considerando fatos históricos e a linguagem. A esse respeito, Ferreira (2003, p. 213) afirma:

A Análise do Discurso nasceu em uma zona já povoada e tumultuada – de um lado,

numa esquina, ocupando quase todo o quarteirão – a lingüística; na outra ponta,

espaçoso, o materialismo histórico; e, no meio, dividindo o espaço lado a lado com a

psicanálise, a teoria do discurso. Portanto, essa contiguidade, esse convívio fronteiriço

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entre análise do discurso e psicanálise vem de longe, vem desde o início. Tais

vizinhas, contudo, ainda que bastante próximas, guardam distância e não confundem

seus espaços comuns – são íntimas, mas nem tanto, donde há “estranha intimidade”.

O teórico Pêcheux propôs, por meio da Análise de Discurso, um novo olhar sobre os

estudos da linguística, sugerindo uma reflexão sobre o discurso; sua ideia era fomentar uma

análise que colocasse em questionamento a prática tradicional dos estudos de linguagem e das

Ciências Humanas, instigando que as ciências se confrontassem e não permanecessem

isoladas.

A AD (daqui em diante será assim chamada) procura estabelecer essa relação de

forma mais imanente, considerando as condições de produção (exterioridade, processo

histórico-social, inconsciente) como constitutivas da linguagem. Dessa forma considerada, a

linguagem é, para a AD, a mediação entre o homem e sua realidade natural e social

(ORLANDI, 2005, p.15).

De acordo com Amaral (1999), a exterioridade do discurso corresponde aos

discursos já-ditos e com os quais o discurso se constitui como outro e fazem sentido.

A produção do mesmo é ideológica, tal como afirma Bakhtin, quando diz que toda

palavra é ideológica e toda utilização da língua está ligada a uma ideologia. Para esse autor:

(...) a palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas

relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida

cotidiana, nas relações de caráter político... As palavras são tecidas a partir de uma

multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos

os domínios (BAKHTIN, 1999, p. 39).

Consequentemente, assim como a palavra, o discurso não pode ser desvinculado “da

situação social mais imediata ou do meio social mais amplo” (BAKHTIN, 1999).

Com esse mesmo pensamento, Pêcheux (1988, p. 160) afirma que o sentido das

palavras não pertence à própria palavra, não é dado diretamente em sua relação com a

“literalidade do significante; ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão

em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são

produzidas”. Assim, são as posições ideológicas, que estão em jogo no processo sócio-

histórico, que determinam o sentido das palavras.

Esse pensamento apresenta o entendimento das condições de produção do discurso,

pois nele é exposta a relação contraditória entre produção e reprodução da vida dos homens

em sociedade, como também a relação do discurso como o resultado de um extenso e

complexo processo de constituição do sujeito pela ideologia, sendo, por isso, que as

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expressões desse sujeito já não são expressões de um indivíduo singular, mas de um sujeito

histórico que se define em relação às formações ideológicas12 de uma dada formação social

(AMARAL, 1999).

Para Orlandi (1988, p. 17), tomar a palavra é um ato social e, como tal, implica

conflitos, reconhecimentos, relações de poder e constituição de identidade. Para se

compreender esses processos, faz-se necessário explicitar aqui alguns conceitos fundamentais

para a Análise de Discurso.

A começar pelo sujeito discursivo, que não é o sujeito empírico e social, aquele que

faz parte de uma comunidade; é aquele que emerge do seu dizer; é atravessado por ideologias

dominantes e pelo inconsciente. Esse sujeito ocupa diferentes posições de acordo com as

condições de produção, ou seja, o contexto sócio-histórico, por essa razão pode ser chamado

de sujeito descentrado, pois é social e, por isso, é interpelado, através da linguagem, por

ideologias que são inconscientemente materializadas em seus dizeres.

O sujeito do discurso não é a origem do que diz, dizeres outros constituem seus

dizeres e, por essa razão, ele é também chamado de sujeito heterogêneo. Entretanto, ele

acredita ser a origem de tudo o que diz e crê que é livre para dizer, quando, na verdade,

reelabora os discursos que constituem o interdiscurso – o conjunto de já-ditos – e assim o

sujeito discursivo acredita também que seu dizer é único e que só tem um significado, uma

forma de se dizer, ou seja, a sua forma.

Os sentidos dos dizeres dos sujeitos do discurso se reproduzem a partir de outros

dizeres – os já-ditos – cristalizados na sociedade. Assim, analisar discurso é tentar entender

como os sentidos de uma materialidade linguística se constroem e como se articulam com a

historicidade (as condições de produção) e a sociedade que os produziu, considerando as

ideologias que são materializadas nos discursos por meio da linguagem.

Assim, o sujeito discursivo se inscreve numa dada Formação Discursiva (FD)–

conjunto de dizeres que podem ser ditos em um determinado grupo social – por conta das

condições de produção, esse fato contribui para a constituição de sua identidade, pois, ao se

inscrever por afinidade a uma formação discursiva, o sujeito se identifica e produz sentido ao

seu dizer. Mas, até mesmo as preferências ou a suposta adesão a uma dada formação

discursiva se dão por imposição, inconsciente, de ideologias dominantes. A escola é um lugar

12 As formações ideológicas comportam, necessariamente, como um de seus componentes, uma ou mais

formações discursivas interligadas, que determinam aquilo que se pode e se deve dizer (articulado sob a forma

de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir de uma posição

dada em uma conjuntura dada” (HAROCHE, HENRY, PÊCHEUX, 1971, p. 102-3).

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de reprodução dessas ideologias. Educadores, cujos dizeres são a materialidade discursiva

analisadas neste trabalho, e alunos são interpelados pelas ideologias e os sujeitos de seus

discursos podem mostrar como isso se processa no ambiente escolar.

A escola, segundo Bourdieu (1974), é a sede da reprodução cultural, e o sistema de

ensino é a solução mais dissimulada para o problema da transmissão do poder, pois contribui

para a reprodução da estrutura das relações de classe, dissimulando, sob a aparência da

neutralidade, o cumprimento desta função. Desta forma, é correto afirmar que a escola é o

lugar de reprodução das ideologias e estruturas sociais impostas pela classe dominante através

dos discursos de educadores.

A escola cumpre esse papel através do discurso que Orlandi chama de Discurso

Pedagógico (DP). O DP é considerado um discurso autoritário. Neste tipo de discurso, não há

interlocutores, há um agente exclusivo, e a voz que fala é segura e autossuficiente, já que o

professor se apropria do discurso científico para instituir conhecimentos que são considerados

valorizados e legítimos. A Análise de Discurso toma como base as ideias desenvolvidas por

Althusser (1985) para definir discurso e suas formas.

Para Orlandi (2009,1b), os discursos em funcionamento se classificam em três tipos:

o lúdico, o polêmico e o autoritário. O primeiro é caracterizado pela autora como “aquele em

que seu objeto se mantém presente e os interlocutores se expõem a essa presença resultando

disso o que chamaríamos de polissemia aberta (o exagero é o non-sense)”. O segundo

discurso se caracteriza como aquele que mantém a presença do objeto, sendo que os

participantes “não se expõem, mas ao contrário, procuram dominar o seu referente, dando-lhe

uma direção, indicando perspectivas particularizantes pelas quais se o olha e se o diz, o que

resulta na polissemia controlada (o exagero é injúria)”. E, finalmente, o discurso autoritário,

que é o que interessa aqui neste trabalho, pois o Discurso Pedagógico difundido pelo

professor na escola é assim classificado, e tem o seu referente ausente, ou seja, oculto pelo

dizer; “não há realmente interlocutores, mas um agente exclusivo, o que resulta na polissemia

contida (o exagero é a ordem no sentido em que se diz “isso é uma ordem”, em que o sujeito

passa a instrumento de comando)”.

Retomar o conceito de ideologia proposto por Althusser (1985) e o que ele afirma

sobre os Aparelhos Ideológicos se faz pertinente, para a compreensão dos efeitos de sentido

produzidos pelos dizeres dos professores entrevistados, que se categoriza como Discurso

Pedagógico.

Esse autor define ideologia baseado nos princípios marxistas, uma vez que Marx

considera ideologia as verdades impostas pela classe dominante, capazes de reproduzir a ideia

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das relações de produção que se realizam através de uma luta de classe e que opõe a classe

dominante à classe explorada. Ao retomar Marx, Althusser pretendia compreender como a

classe dominante se reproduz, especialmente, em termos materiais e percebeu que tal fato se

dava por meio de ideias impostas, as quais eram reproduzidas pelo o que autor chamou de

Aparelhos Ideológicos e Aparelho de Repressão.

A escola foi enquadrada, por Althusser, no que se instituiu chamar de Aparelhos

Ideológicos, considerando que a burguesia, para manter o Estado em seu poder e se manter

como classe dominante, controlava e manipulava ideologicamente as instituições a fim de

reproduzir e manter seu status quo.

Além da escola, outras instituições são utilizadas neste propósito como a igreja, a

família, os sindicatos, o direito, as leis e outros. A classe dominante, detentora do poder do

Estado, portanto, age reproduzindo um sistema que exclui e que é desigual socialmente

através das próprias pessoas que, por ele, são exploradas e utilizadas como meio difusor de

suas ideologias. Nesse sentido, a escola é utilizada como a principal instituição que impõe

ideologias da classe dominante, garantindo assim as condições de perpetuação do poder da

elite burguesa.

Em outras palavras, a escola (assim como outras instituições do Estado, como a

Igreja e outros aparelhos como o Exército) ensina o know-how (como fazer), mas sob a forma

de assegurar a submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua prática.

Aqui, cabe buscar a compreensão do sancionamento da lei 10.639/03, considerando

que não é objetivo do Estado promover a classe que não é dominante. No ano de 2003,

quando a lei foi sancionada pelo presidente Lula, havia uma grande expectativa em relação ao

mesmo e à sua gestão, que sinalizava tendências populistas. Lula promoveu um sentimento de

nacionalismo por meio de medidas governamentais que atendiam à demanda social da

população negra e carente do país, como o incentivo às cotas para afrodescendentes, a Lei

10.639/03, as bolsas (escola, família).

Voltar o olhar para a população negra era uma maneira de ostentar o status de

presidente popular. Assim sendo, todos os envolvidos no processo da produção, da exploração

e da repressão, sem falar dos profissionais da ideologia, devem, de uma forma ou de outra,

estar imbuídos desta ideologia para desempenhar conscensiosamente suas tarefas, seja a de

explorados, seja de exploradores , seja de auxiliares na exploração, seja de grandes sacerdotes

da ideologia dominante (ALTHUSSER, 1985).

Ainda de acordo com o autor, o Estado nada mais é do que o reflexo da classe

dominante. Ele é um meio de repressão no qual a burguesia assegura sua dominação frente à

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classe operária, para submetê-la ao processo da extorsão da mais valia, ao processo da

exploração capitalista declarada. Ele (Estado) tem aparelhos que reprimem através de seus

mais variados órgãos como polícia, tribunais, presídios, a serviço das elites frente ao

proletariado, tendo por função a reprodução do modo capitalista de produção (Ibid., p. 62-3).

Dentre as materialidades discursivas dos informantes dessa pesquisa, verificou-se a

presença da ideologia de dominação do Estado. O informante V, ao ser inquerido sobre a

importância da implantação da lei aqui em discussão afirmou achar “uma imposição” (Inf.V).

Da mesma forma verificou-se, nas sequências discursivas do informante VI, quando

lhe foi feito o mesmo questionamento: “Conheço a lei. Ela é uma tentativa frustrada do

governo em impor o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas do Brasil” (Inf. VI).

Observa-se que o sujeito que emerge desses dizeres é interpelado pela ideologia de dominação

do estado. O sujeito do discurso do informante VI ainda a esse respeito se contradiz,

evidenciando filiações a diferentes formações discursivas em relação ao papel do estado,

como se observa em: “Como disse anteriormente é uma boa iniciativa de se propor um novo

olhar sobre as questões sociais e raciais no Brasil, mas não funciona. Acho que deveriam

preparar os professores e também fiscalizar a aplicação da lei” ( Inf.VI). Vê-se aí que esse

sujeito ora condena a imposição da lei e o papel impositivo do estado, ora solicita do mesmo

fiscalização, ou seja, controle, na aplicabilidade da lei, que ele mesmo se mostra contra ao

denominá-la tentativa frustrada.

Os Aparelhos Ideológicos impõem as ideias burguesas e os Aparelhos de Repressão

garantem a prática e a perpetuação delas. O que irá distinguir, no fundo, um do outro é que o

Aparelho de Repressão atua através da violência, e o Aparelho Ideológico, através da

ideologia (ALTHUSSER, 1985, p. 69), esse é aqui representado pela escola e pela lei

10.639/03

É por meio dos Aparelhos Ideológicos do Estado que o modo de produção capitalista

se repete e é inculcado na mente das pessoas. A educação escolar implementada pelos

professores, criada já com base no sistema capitalista de ideologias da classe dominate,

transmite a ideia da exclusão social como algo naturalizado. Todos os Aparelhos Ideológicos

do Estado, segundo Althusser (1985), corroboram – e daí não se pode excluir a escola – para

um mesmo propósito: que é a reprodução do modo de produção do capital. Para esse autor, a

escola é o Aparelho dominante, pois ela se encarrega das pessoas de todas as classes sociais

desde a educação infantil até o nível superior inculcando-lhes os saberes pertencentes à

ideologia da classe dominante.

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O informante IX, em um de seus dizeres deixa clara essa ideia, quando questionado

sobre o papel do educador. O sujeito disse considerar a transmissão de conhecimento seu

papel social, como se verifica em: “Transmitir conhecimentos” (Inf. IX). A pergunta seria:

quais conhecimentos devem ser transferidos?

Para Althusser (1985, p. 80), a escola, através dos professores, produz e reproduz a

relação de exploradores e explorados do princípio capitalista. Isso é feito de maneira

encoberta e dissimulada:

(...) por uma ideologia da escola universalmente aceita, que é uma das formas

essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a escola

como neutra, desprovida de ideologia, onde os professores, respeitosos da

‘consciência’ e da ‘liberdade’ das crianças que lhes são confiadas pelos ‘pais’, que

também são ‘livres’, entenda-se proprietários de seus filhos, conduzem-nas à

liberdade, à moralidade, à responsabilidade adulta pelo seu exemplo, conhecimento,

literatura e virtudes em geral libertárias

A escola está a serviço da manutenção do domínio de uma classe sobre a outra, por

meio de um discurso ideológico que aliena e perpetua as relações de produção e a distribuição

social e econômica desigual.

Os saberes disseminados pelos professores são o que se chama em Análise de

Discurso de referente e, no Discurso Pedagógico (DP), esse referente é impregnado de

ideologias dominantes. Orlandi (20091b), fazendo alusão ao que Althusser chama de

inculcação (o processo de disseminação de ideologias de classes na escola), afirma que

ensinar é mais do que informar, explicar, influenciar ou persuadir.

Para essa autora, ensinar aparece na escola como inculcar, ou seja, impor ideologias

da classe dominante. O processo de inculcação se dá por vários meios, e o primeiro deles é o

da quebra das leis do discurso (DUCROT, 1972, apud ORLANDI, 2009b, p. 17); como a lei

da informatividade, a lei do interesse e a lei da utilidade. Ao desenvolver estes princípios,

Ducrot afirmava que, em qualquer processo de comunicação, se há o objetivo de informar, é

preciso que o ouvinte desconheça o referente (informatividade), que o ouvinte se interesse

pelo referente (interesse) e que o mesmo seja útil (utilidade).

No caso do professor, a quebra destas leis se justifica pelo fato de ser autoridade e se

serve deste lugar hierárquico para apresentar as razões do sistema como razões de fato

(ORLANDI, 2009b, p. 18), ou seja, o professor cria uma visão de utilidade e interesse, que

Orlandi chama de motivação, por meio de expressões e palavras, como é preciso, deve, entre

outras. Além da quebra das leis mencionadas, outra forma de promover a inculcação por meio

do Discurso Pedagógico é através do que Orlandi chama de “é porque é” e a cientificidade. O

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“é porque é” corresponde à apresentação feita pelo professor das razões em relação ao

referente, de forma que a razão do objeto em estudo fica, em detrimento da razão,

estabelecida pela autoridade.

Quanto à importância da cientificidade no processo de inculcação, pode-se

considerar que isso se dá pelo fato de a natureza das informações transmitidas pelo professor

ser de caráter científico.

A esse respeito, verificou-se nas sequências discursivas analisadas a presença

unânime de dizeres que consideram a lei importante (utilidade), portanto, útil, mas, ao mesmo

tempo, emerge também um discurso de não aplicabilidade da mesma por falta de preparo,

como, por exemplo, em: “Considero muito importante e um avanço no debate sobre as

questões raciais. Conhecer a contribuição do povo negro é o caminho para se mudar falsos

juízos de valor e preconceitos” (Inf. VII). No entanto, esse mesmo sujeito afirma “Acho que

preciso de mais conhecimento sobre o assunto”.

O informante VI segue a mesma perspectiva: “... é uma boa tentativa de se propor

um novo olhar sobre as questões sociais e raciais no Brasil (...) e tento usar, mas sinto que

falta conhecimento” (Inf VI). Se os sujeitos consideram a lei da utilidade, porque não buscam

esse conhecimento? As sequências discursivas denunciam professores, donos do saber

científico que não buscam informações sobre a lei.

Os sujeitos argumentam sempre a falta de aplicação da lei em suas aulas por falta de

preparo, como mostram as materialidades. Se o professor se vê como o detentor do saber,

presume-se que deve buscá-lo. Percebe-se também a presença de dizeres que transferem a

responsabilidade dessa busca pelo conhecimento da lei para a formação insuficiente nas

universidades como se observa nas materialidades seguintes: “Eu acho de suma importância.

É uma pena que nós, professores, não estamos preparados para falar da cultura afro-brasileira.

Falta melhor formação nas universidades” (Inf. III) e “Eu não sei se sou um exemplo de

educadora que usa a lei, mas tento dentro de minhas limitações. Acho que faltam cursos de

aperfeiçoamento ou uma melhor formação nas universidades que formam os professores. Não

adianta implantar a lei se não preparam os professores” (Inf. IV). Observa-se nesses discursos

uma tentativa de responsabilizar unicamente o Estado pela não aplicação da lei, isentando-se

– os sujeitos – de quaisquer responsabilidades pela não busca pelo saber específico, ou seja, o

Estado sancionou a lei e deve dar conta dos treinamentos e dos aportes teóricos necessários ao

professor. Não se deve ignorar, de fato, a participação negativa do Estado em relação à

política educacional do Brasil. É sabido que não há investimentos suficientes e políticas

educacionais capazes de melhorar a qualidade da educação brasileira. Tal fato é

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desestimulante e provoca nos educadores, muitas vezes, um efeito negativo de desestímulo e

falta de crença em leis como a 10.639/03. No entanto, é necessário considerar que, embora

muitos desses sujeitos se posicionem à espera de ações do governo, a responsabilidade pela

aplicação da lei deve ser compartilhada por eles, mesmo julgando haver uma necessidade de

terem uma suposta verdade (do Estado) a seguirem.

O professor “apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se explicite sua

voz de mediador” (ORLANDI, 2009 1b, p. 21), logo seu dizer e saber (Estado) tornam- se

equivalentes, ou seja, a voz do saber fala no professor, dessa forma é apagada a função de

mediação que ele tem. Nesse contexto, têm-se então as imagens instituídas socialmente do

professor (aquele que possui o saber e está na escola para ensinar o que sabe) e do aluno (o

que não sabe e está na escola para aprender). Para a Análise de Discurso, o professor fala de

um lugar socialmente compreendido como hierarquicamente superior ao lugar de aluno, por

isso suas palavras significam de modo diferente do que se falasse do lugar de aluno

(ORLANDI, 2009 1b, p. 39).

Assim, a sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são as chamadas

relações de força, que se sustentam no poder desses diferentes lugares que se estabelecem na

comunicação, assim, a fala do professor tem mais valor do que a fala do aluno (ORLANDI,

2009, 1b). Esses mecanismos de funcionamento dos discursos constituem o que a AD chama

de formações imaginárias, ou seja, não são o que se chama de sujeito empírico, o qual ocupa

um lugar na hierarquia social, que funcionam no discurso, mas sim suas imagens que são o

resultado de suas projeções, e estas permitem ao sujeito empírico passar dessa condição

(lugar) para a posição de sujeito do discurso.

As imagens (as projeções) constituem diferentes posições, e isso se faz de forma que

o que funciona no discurso, por exemplo, não é o professor visto empiricamente, mas o

professor enquanto posição discursiva produzida pelas formações imaginárias. Essas posições,

ou seja, as imagens significam sempre em relação a um contexto sócio-histórico e à memória

(o saber discursivo já-dito). Assim, tem-se a imagem da posição do sujeito locutor (quem sou

eu para falar assim?), e também a posição do sujeito interlocutor (quem é ele para me falar

assim ou para que eu lhe fale assim?). Há ainda a imagem do objeto do discurso, o referente

(do que estou lhe falando, do que ele me fala) e o jogo de imagens nas quais se estabelem as

relações de força em que coexistem as imagens que o professor tem de si mesmo, a imagem

que o professor tem do aluno e a imagem que o professor acha que o aluno tem dele. E ainda,

há a imagem que o aluno tem do professor, a imagem que o aluno tem dele mesmo e a

imagem que o aluno acha que o professor tem dele.

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Considerando os conceitos de escola, aqui apresentados, e as entrevistas (escritas)

dos professores, que compõem o corpus deste trabalho, é possível verificar se a imagem

historicamente construída do professor é reproduzida por eles por meio de seus discursos.

A maioria dos professores (90% deles) disse ser graduada e licenciada em Letras, em

instituições de ensino públicas e privadas. Quando perguntados sobre a razão de escolherem o

magistério como profissão, esses profissionais apresentaram, em geral, a vocação como

justificativa da opção, considerando um gosto hereditário (herança), dom e prazer. É

interessante observar que os sujeitos discursivos I e X colocam o fator herança (é hereditário)

como determinante em suas opções, conforme pode-se observar:

Sempre achei bonito ser professor. Minha mãe é professora. Acredito na

importância que a educação tem de mudar o mundo. O professor pode mudar

preconceitos, mediar conhecimentos...( Inf.I).

Venho de uma família de educadores, acho que foi isso. O educador tem o papel de

tornar a sociedade mais fácil de se viver (Inf. X).

Já os sujeitos dos discursos II, III e IV consideram ser um dom/vocação o fato terem

escolhido ser professores, como se verifica em:

Ensinar é dom. Gosto de fazer as pessoas pensarem. Acredito que o papel do

educador é esse: ensinar a pensar(Inf.II).

Não sei explicar, acho que nunca me vi atuando em outra coisa. Penso que o papel

do educador é sermedidor dos conhecimentos, ele facilita o acesso ao conhecimento

(Inf.III).

Fui motivada pela vocação. Adoro o que eu faço. Educar para mim é expandir os

horizontes. É descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...é mediar os saberes

do mundo (Inf. IV).

Há ainda os sujeitos que consideram o prazer como motivador da sua escolha,

segundo o que se pode verificar em: “Gosto de ensinar. Gosto muito. Educar é mais que

impor verdades. Educar é transfomar o ser” (Inf.V) e “O prazer de ensinar me motivou.

Sempre gostei. O professor é quem faz do conhecimento algo mais acessível, mais fácil. O

professor precisa ser desprovido de preconceitos e promover o desenvolvimento de senso

crítico” (Inf.VIII).

Cabe aqui um questionamento: como escolher uma profissão por um prazer não antes

sentido? Não há legitimidade nas respostas presentes nessas sequências discursivas, mas, em

relação ao informante IX, cabem algumas considerações especiais. Observemos os dizeres

que seguem:

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(Aline) O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do

educador, em sua opinião?

Inf. IX - Transmitir conhecimentos.

Pode-se considerar a respeito das materialidades enunciadas que o sujeito silencia

sobre sua motivação, respondendo somente sobre o papel do educador; nota-se que, para o

mesmo, motivação e papel são sinônimos, não sendo possível classificar a motivação

profissinal desse sujeito.

Em relação à importância que atribuem à função social do professor, os entrevistados

são unânimes em considerar que esta é uma profissão quase heroica, como se observa na

afirmação do informante I: “Acredito na importância que a educação tem de mudar o mundo”.

Ou seja, os educadores se veem como fundamentais nas mudanças sociais a partir do seu

poder de influência. Observou-se que os informantes (professores) se veem (as imagens que

eles fazem deles mesmos) como detentores, mediadores ou responsáveis pelo saber científico,

como se verifica claramente nos dizeres seguintes: “Penso que o papel do educador é ser

mediador dos conhecimentos, ele facilita o acesso ao conhecimento (Inf.III); e Educar para

mim é expandir os horizontes. É descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...é mediar os

saberes do mundo” (Inf. IV).

Os professores justificam também a importância da sua função por meio da utilidade

e informatividade daquilo que ensina, conforme se pode observar em: “Acredito muito no

papel de formador de opiniões do professor. Ele pode mudar preconceitos como podem fazê-

los se perpetuarem. Prefiro desfazer preconceitos” (Inf. VI) e “O prazer de ensinar me

motivou. Sempre gostei. O professor é quem faz do conhecimento algo mais acessível, mais

fácil” (Inf. VIII).

O que se percebe é que, unanimemente, os professores perpetuam em seus dizeres a

imagem que, historicamente, tem-se deles. Os informantes têm imagens claras de si mesmos e

acreditam que são responsáveis pela transmissão do saber científico ou que são mediadores

deste conhecimento. Observa-se também uma tendência à crença de que o professor tem o

papel de intervenção social a partir da construção de novas ideologias. Tal fato está claro nos

dizeres dos informantes I, IV e VI, respectivamente, a conferir: “O professor pode mudar

preconceitos, mediar conhecimentos...” (Inf. I); “Educar para mim é expandir os horizontes. É

descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...” (Inf.IV); “Ele pode mudar preconceitos

como podem fazê-los se perpetuarem” (Inf. VI). A questão do preconceito emerge desses

dizeres, pois a lei 10.639/03, ao propor o estudo da cultura afrobrasileira, faz com que, por

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meio do conhecimento, diluam-se os pré-conceitos, ou seja, desfaçam-se equívocos sobre os

negros e sua história.

Diante do exposto, é possível afirmar que esses professores reconhecem a

importância e o poder dos seus discursos. É perceptícel também, nos dizeres anteriores dos

informantes, a imagem que os professores têm dos alunos, ou seja, uma imagem de indivíduos

que não sabem e precisam saber ou aqueles que precisam ser transformados.

É interessante também observar que os sujeitos filiam-se, quando é conveniente, a

duas formações discursivas distintas ao falarem de seu papel; mostram-se

conservadores/tradicionalistas e, em outro momento, filiados à ideologia da pedagogia

moderna. Quando afirmam “...os educadores precisam ser treinados” (Inf.I) “e educar é

transformar o ser” (Inf.V) ou ainda “...o professor...precisa promover o desenvolvimento de

senso crítico” (Inf.VIII). Essas materialidades evidenciam, respectivamente, a ideia de

treinamento que nos permite analisar que o educador precisa fazer o que lhe é mandado,

determinado; e a ideia de que educar é considerar o aluno uma tabula rasa13, um depósito de

conhecimentos; conceitos cristalizados historicamente como característicos da pedagogia

tradicionalista que se baseia no Behaviorismo14.

Os mesmos sujeitos deixam, no entanto, emergir de suas materialidades discursivas a

filiação a uma FD da pedagogia moderna, considerando os conceitos de Paulo Freire, por

exemplo, como se pode verificar em: “O professor pode... mediar conhecimentos” (Inf.I),

“Educar é mais que impor verdades” (Inf.V), “O professor é quem faz do conhecimento algo

mais acessível, mais fácil” (Inf. VIII). Os sujeitos discursivos dos informantes I e VIII

consideram o professor como possível mediador do conhecimento.

13 Na visão das teorias empiristas, cujo princípio é tão longínquo quanto os ensinamentos de Aristóteles, as

bases do conhecimento estão nos objetos, em sua observação. Para estes, o aluno é tabula rasa e o conhecimento

é algo fluido, que pode ser repassado de um para outro pelo contato entre eles, seja de forma oral, escrita,

gestual, etc. É nesta teoria que baseiam-se a maioria das correntes pedagógicas que conhecemos, entre elas

o behaviorismo . O aluno não é concebido como o agente do processo e sim como uma tábula rasa que nada sabe

e precisa de alguém para transmitir as informações, sendo que essas estão desvinculadas

da vida do aluno e da sua realidade social.

14 Nesta visão a hegemonia prévia do professor ou do aluno está distanciada do processo, pois tanto o professor

como o aluno tem a sua visão de mundo e de homem[3] e na sua bagagem traz conhecimentos sistematizados ou

não que fazem parte do seu mundo.

Behaviorismo Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), que se tornou o representante mais importante da corrente

comportamental. Ele lançou o conceito de "condicionamento operante" a partir das suas experiências com ratos

em laboratório, utilizando o equipamento que ficou conhecido como Caixa de Skinner (1953). Por esse conceito

explicou que, quando um comportamento é seguido da apresentação de um reforço positivo (recompensa) ou

negativo (supressão de algo desagradável), a frequência deste comportamento aumenta.

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A pedagogia moderna é centrada nas relações, os diálogos estão presentes entre os

atores do processo do ensinoaprendizagem (PIAGET, 1976). Os fundamentos

epistemológicos dessa pedagogia têm na teoria Interacionista do tipo construtivista,

defendidas pelos teóricos Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henry Wallon, seus alicerces.

No Brasil, Paulo Freire destacou-se por considerar os princípios dialógicos da

educação. A esse respeito, Freire (1988, p. 78) se refere ao diálogo entre educadores e

educandos como “o encontro dos homens, mediatizados pelo mundo”, assim, o diálogo

constitui-se condição para a mediação dos conhecimentos, pois é a partir da tomada de

consciência sobre os fatos do cotidiano que o homem, interagindo com a realidade, supera o

conhecimento do senso comum, passando a pensar de forma crítica. Desta forma, ele poderá

intervir como agente transformador de si mesmo e dessa realidade. Há, nessa perspectiva da

educação contemporânea, uma crítica ao modelo de educação bancária e ao teor autoritário do

discurso pedagógico, apresentada por Freire (1988):

[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se

solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser

transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um

sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem

consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1988, p. 79).

Esses conceitos freireanos são muito trabalhados nos cursos formadores de

professores nas universidades. Assim, os sujeitos dos dizeres I, V e VIII filiam-se à FD que

defende essa teoria, mas também à FD que impõe o poder do professor por consequência do

saber que detém – o saber científico.

Considerando as convicções dos sujeitos de que são capazes, por meio de seus

conhecimentos, de “mudar preconceitos, como podem fazê-los se perpetuarem” (Inf. VI),

“mudar o mundo... mudar preconceitos...” (Inf. I), ou ainda de serem eles a “ponte entre

alunos e conhecimento” e facilitadores do conhecimento pretendido pelo aluno, os

professores, em seus dizeres, evidenciam a imagem que eles pensam que seus alunos têm

deles, ou seja, a imagem do indivíduo que sabe e que é modelo e é referência do saber

científico. Estabelecer aqui as imagens dos alunos não foi possível, pois estes não foram

entrevistados, logo, não compõem o corpus desta pesquisa.

Considerando, então, a lei 10. 639/2003, os sujeitos dos discursos analisados, quando

perguntados sobre o conhecimento da mesma e sua importância para a escola brasileira,

deixaram emergir sentidos, em sua maioria – 70% dos informantes –, que sugerem a não

aplicação da lei. Esses informantes, ao se subjetivarem, afirmam que não usam a lei em

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questão por serem conhecedores superficialmente da mesma e do tema que ela propõe

discussão, como se observa em: “Sou um educador que desperta os alunos para a criticidade,

mas não utilizo a lei. Não me sinto preparado” (Inf. I), ou ainda em “Eu não uso a lei nas

aulas porque me considero despreparada para falar do assunto” (Inf. II) e “Não, não me sinto

preparado para essa discussão” (Inf. VII). Há ainda aqueles professores que consideram a lei

importante, mas não a põem em prática por se considerarem despreparados, como se pode

verificar em: “Eu acho de suma importância. É uma pena que nós professores não estamos

preparados para falar da cultura afro-brasileira. Falta melhor formação nas universidades”

(Inf.III). Outros professores demonstram pouca simpatia ou total desconhecimento da lei,

conforme se observa no que afirma o informante V: “Acho uma imposição. Nada imposto dá

certo. Antes de impor, o governo deve capacitar o professor” (Inf.V) e no informante IX “Não

posso falar, pois não conheço” (Inf. IX). Aqui, cabe discutir a razão de tantos sujeitos

posicionarem-se ideologicamente como comodistas à espera da formação e não a buscarem.

Pode-se verificar nesses dizeres o discurso do despreparo. Para tanto, utilizam-se da

culpabilidade do Estado ou da má formação nas universidades. O que se vê é uma necessidade

de culpar alguém pela falta de interesse em conhecer sobre a temática pertinente à lei aqui

abordada.

A história do negro no Brasil, abordada na seção primeira desse trabalho, é a

condição de produção desse discurso cujo sentido nos remete ao desinteresse, contrário, no

entanto, ao papel do educador – papel esse reconhecido pelos mesmos – de conhecer para

mediar o saber. Nesses casos, não se conhece nem há o interesse em conhecer, e a razão é

ideologicamente compreendida: silenciar sobre os negros sempre se fez necessário para

manter o status da classe e para não denunciar a crueldade praticada contra os negros no

Brasil.

É interessante perceber como o educador, detentor do saber dominante – conforme

analisa Althusser (1985) quando se refere à escola – sente a necessidade de estudar para

conhecer a cultura afro-brasileira, ou seja, a sua própria cultura. Mas, como aqueles que se

veem como a fonte do saber afirmam não saberem? Chama atenção a esta questão se for

considerada a histórica tentativa de se apagar a história dos negros no Brasil, então, de fato

não sabem ou não a reconhecem?

De acordo com os dados colhidos, os sujeitos não a reconhecem. Nas entrevistas os

sujeitos dos informantes I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII afirmam não estarem preparados para

ensinar a cultura afro-brasileira, como se verifica nas materialidades seguintes:

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Sou um educador que desperta os alunos para a criticidade, mas não utilizo a lei.

Não me sinto preparado (Inf.I).

Eu não uso a lei nas aulas porque me considero despreparada para falar do assunto

(Inf.II).

Eu acho de suma importância. É uma pena que nós professores não estamos

preparados para falar da cultura afro-brasileira. Falta melhor formação nas

universidades (Inf.III).

Eu não sei se sou um exemplo de educadora que usa a lei, mas tento dentro de

minhas limitações. Acho que faltam cursos de aperfeiçoamento ou uma melhor

formação nas universidades que formam os professores. Não adianta implantar a lei

se não preparam os educadores (Inf.IV).

Acho uma imposição. Nada imposto dá certo. Antes de impor, o governo deve

capacitar o professor (Inf. V).

Como disse anteriormente é uma boa iniciativa de se propor um novo olhar sobre as

questões soaciais e raciais no Brasil, mas não funciona. Acho que deveriam preparar

os professores e também fiscalizar a aplicação da lei (Inf.VI).

Não, não me sinto preparado para essa discussão (Inf. VII).

Eu promovo debates, trabalho textos, filmes, poemas. Acho que preciso ainda de

mais conhecimento sobre o assunto (Inf.VIII).

Tal dado – o fato de 8 sujeitos afirmarem estarem despreparados para utilização da

temática afro-brasileira nas aulas – pressupõe um distanciamento deles – os educadores – da

cultura na qual estão inseridos. O fato de não conhecerem ainda se agrava com o fato de não

desejarem conhecer. Nas materialidades mostradas, eles não explicitam esse desejo, mas

põem a culpa da desinformação no Estado ou na formação acadêmica. Fala-se da cultura afro-

brasileira com distanciamento, como se não fizessem parte dela e precisassem de um preparo

especial.

Dessa forma, os professores, envolvidos pela ideologia da classe dominante (branca)

e detentores do saber (por dons, méritos e competências), convertem hierarquias sociais (que

determina a importância da cultura europeia em detrimento da cultura africana) em

hierarquias escolares (priorizando conteúdos a partir de ideologias da classe dominate) e, com

isso, corroboram para a perpetuação da ordem social, repleta de preconceitos, de forma que

os bens culturais tanto quanto os bens econômicos pertençam àqueles dignos e capazes de os

terem, só os possui quem já tem condições de possuí-los.

O fato é que os professores não se veem afro-brasileiros, e por isso se distanciam,

teoricamente, da cultura – a qual vivem na prática, no cotidiano. Se for considerada a histórica

tentativa de se apagar a história dos negros no Brasil, tal dado (80 % dos sujeitos discursivos

não praticam a lei por não se sentirem preparados ou não dominarem o tema da cultura afro-

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brasileira) revela a perpetuação de uma ordem social que institui o negro e suas contribuições

sociais como irrelevantes e sem importância; além deles, os informantes IX e X, ao se

subjetivarem em sujeitos de seus dizeres, evidenciam que não são conhecedores da lei,

portanto, há um silenciamento no que diz respeito à lei 10.639/03.

Dos sujeitos conhecedores da lei (8 do total), somente 3 afirmam que tentam aplicar

a lei nas suas aulas; mas, mesmo assim, com muita insegurança ao fazê-lo, como se verifica

em “Eu não sei se sou um exemplo de educador que usa a lei, mas tento dentro de minhas

limitações” (Inf. IV). Os professores que usam a lei confessaram se esforçarem em aplicá-la,

como se observa em: “Tento, sim, usar, mas sinto que falta conhecimento aprofundado(Inf.

VI), Acho que sim. Tento” (Inf. VIII). Os demais declaram que não aplicam a lei pelos

motivos já apresentados anteriormente.

É revelador o distanciamento dos professores com o que a lei impõe. Na verdade, ela

determina a discussão teórica dessa cultura; mas os conhecimentos empíricos da mesma que

os professores têm, afinal, são todos brasileiros, são silenciados. A imagem que os

professores, em sua maioria, têm de si mesmos além da de serem os representantes do saber

científico, é a de não pertencemento da cultura afro-brasileira, pois afirmam que não

comungam deste saber, portanto, é como não fazer parte dessa cultura.

O discurso da classe dominante, historicamente construído e introduzido pelos

europeus no Brasil, faz com que os professores ocupem posições discursivas, ou seja,

inscrevam-se em uma formação discursiva – o lugar de constituição e identificação do sujeito

(nela, o sujeito adquire identidade) (ORLANDI, 2001b, p. 103) – de não pertencimento da

cultura afro-brasileira, ou seja, a interpelação do indivíduo (professor) em sujeito de seu

discurso se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina

(isto é, na qual ele é constituído como sujeito).

No caso dos professores entrevistados, a formação discursiva predominante é a da

classe dominante que se coloca contra as leis, no instante em que não se identificam com a

cultura afro-brasileira e são contra a reparação social em favor dos afrodescendentes. Essa

identificação (ou falta dela) é fundadora da unidade (imaginária) do sujeito, que constitui, em

seu discurso, os traços daquilo que o determina (PÊCHEUX ,1997).

Dessa forma, professores não se identificam como afrodescendentes por se

encontrarem interpelados pela ideologia da classe dominante que, historicamente, é detentora

dos bens materiais e culturais. Assim, a formação discursiva, na qual se inscrevem os

professores entrevistados, é a dos detentores do saber dominante, logo, distantes da cultura

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afro-brasileira, e, por essa razão, dizem desconhecê-la. Cabe aqui, portanto, uma discussão

acerca do conceito de identidade proposto pela Análise de Discurso.

Para Orlandi (2009,1a), as identidades (neste caso, culturais) resultam dos processos

de identificação, em que as imagens se estabelecem a partir das condições de produção nas

quais se constituem. Dessa forma, os professores, a partir das relações de imagem que

estabelecem deles (detentores do saber científico) e da comunidade afro-brasileira

(cientificamente defendida no século XIX como inferior), instituiram-se como a base do saber

científico, que está, no Brasil, historicamente atrelado – nas questões raciais – ao discurso da

classe dominante. Essa classe considerou por séculos a inferioridade do povo negro (como

fora explicitado na primeira seção deste trabalho a partir de teorias racistas desenvolvidas no

Brasil por Nina Rodrigues, por exemplo).

Como, para a Análise de Discurso, essas identidades não podem ser construídas fora

dos discursos, pois são íntrinsecas aos sujeitos e surgem a partir da interação entre eles, é

justificada, assim, a não identificação dos professores/informantes subjetivados em sujeitos

discursivos, desta pesquisa, ao que se chama cultura afro-brasileira, uma vez que se

reconhecem como detentores do saber científico tradicional, saber este que desconsiderou,

secularmente, a história do povo negro no Brasil.

Se, para que ocorra a construção de identidade cultural, é necessária a relação de

imagens (como eu me vejo e como o outro me vê), os professores não se veem afro-

brasileiros, assim como a sociedade não os vê também, pois representam o saber. Pode ser

essa a razão da existência de racismo ainda no Brasil, pois é dessa forma que os processos de

construção dos sentidos sociais se estabelecem, considerando as condições de produção do

discurso, ou seja, lugares sociais e a história.

Ainda sobre identidade, Hall (2006, p. 13) afirma que o sujeito pós-moderno é um

ser fragmentado, visto “como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente, já que

ele assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são

unificadas ao redor de um 'eu' coerente”.

Para a AD, este conceito é pertinente, pois ela considera as posições que o sujeito do

discurso pode ocupar em diferentes locais sociais. Por exemplo, quando convém, os

professores defendem o uso da lei 10.639/03 por ser politicamente correto (inscrevem-se em

uma formação discursiva favorável às medidas de reparação), considerando uma tendência

atual de se respeitar as diferenças. Por exemplo, dos dizeres dos sujeitos aqui em análise, essa

tendência da valorização da lei, como se pode observar em: “Acho que é muito importante

conhecermos a história dos nossos antepassados” (Inf. II), “Qualquer iniciativa que promova

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inclusão social é válida” (Inf. VII), no entanto, esses mesmos informantes inscrevem-se em

outra formação discursiva – de negação das medidas de reparação racial – ao afirmarem que

não usam a lei porque desconhecem a cultura afro-brasileira, como se pode verificar em: “Eu

não uso a lei nas aulas porque me considero despreparada para falar do assunto (Inf. II) e Não,

não me sinto preparado para essa discussão” (Inf. VII). Dessa forma, verifica-se o

posicionamento em diferentes posições-sujeito dentro de uma mesma FI (o que é

politicamente correto em relação às medidas de reparação racial).

Como há nos indivíduos identidades contraditórias, essas identificações estão sendo

continuamente deslocadas, ou seja, o sujeito do discurso é descentrado em função das

condições de produção que podem ser culturais, de gênero, de classe social, de posição

política e religiosa, enfim, das várias identificações que formam o sujeito fragmentado da pós-

modernidade, adotando posições convenientes a cada situação comunicativa. Portanto, a

identidade, segundo Hall (2006), não é pronta e fixa, é constantemente construída e exercida

de forma múltipla, pois os indivíduos estão sempre em contato com diferentes interlocutores,

ora assumindo a identidade de professor, ora de aluno, e assim sucessivamente. No mundo

contemporâneo, fala-se cada vez mais de identidades plurais ou ainda de identificações que

teriam o caráter provisório, porque está em constante devir. A identidade estaria, tal como

definiu Taylor (1994, p. 41-2), estreitamente vinculada à ideia de reconhecimento.

[Ela] designa algo que se assemelha à percepção que as pessoas têm de si mesmas e

das características fundamentais que as definem como seres humanos. A tese é que

nossa identidade é parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela ausência dele,

ou ainda pela má percepção que os outros têm dela (...). O não-reconhecimento ou o

reconhecimento inadequado pode prejudicar e constituir uma forma de opressão,

aprisionando certas pessoas em um modo de ser falso, deformado ou reduzido.

Fala-se em identidade cultural quando se quer referir a grupos que não se apoiam em

um Estado-Nação, mas que reivindicam a pertença a uma cultura comum. Nesse caso, os

negros brasileiros reivindicam o reconhecimento de sua cultura, pois se reconhecem afro, mas

a sociedade ainda não os reconhece como importantes na formação do arcabuço cultural

brasileiro. Dá-se então o conflito que origina o questionamento da identidade nacional. Isso

implica a revisão da história e o questionamento da cultura hegemônica; a lei 10.639/03

surgiu com esse propósito.

Os processos de construção de identidade coletiva, nacional ou cultural são similares

no que tange ao estabelecimento de um modelo com o mesmo fim, ou seja, o reconhecimento.

O que os distingue, como explicita Taylor (1994), é o fato de que, quando se trata de grupos

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minoritários, ser reconhecido não é uma necessidade, mas uma exigência junto aos

interlocutores com os quais esses grupos, cada vez mais específicos e numerosos nas

sociedades democráticas, dialogam. O termo exigência de reconhecimento esclarece a

natureza desse anseio; ele indica que essas reivindicações dizem respeito a mudanças na

legislação desses países em função dos interesses de cada grupo.

Assim sendo, a lei 10.639/03 é justificada por haver a necessidade de

reconhecimento da contribuição cultural negra no Brasil e menosprezar a importância dessa

cultura por causa da mediação europeia é desconhecer a história. Conhecê-la se faz urgente,

entretanto, segundo Appiah (1997, p. 248), se é papel do intelectual (professor) buscar a

verdade, é tentador também “celebrar e endossar as identidades que, no momento, parecem

oferecer a melhor esperança de promover nossos outros objetivos, e silenciar sobre (o que se

considera) as mentiras e os mitos”.

Silenciar sobre a lei, como fazem os sujeitos cujos dizeres foram aqui analisados, é

perpetuar o status quo da classe dominate branca (e almejado pelos professores),

historicamente detentora do saber e poder no Brasil. Tal postura dos educadores promove

ainda racismo, e, por conseguinte, o surgimento do racismo às avessas, pois esta é a única

resposta que poderá satisfazer àqueles que são ainda discriminados, numa tentativa de se

impor na sociedade.

O afirmacionismo negro no Brasil promete ter vida longa, pois o que deve ou não ser

ensinado passa pelo crivo do professor, que determina o que é relevante ou não por meio do

discurso de autoridade, considerando a posição discursiva que ocupa e que foi historicamente

construída pela elite branca.

O professor determina o que deve ser ensinado, privando, assim, os alunos de

conhecerem a história da formação cultural original do povo brasileiro fora de uma

perspectiva europeia/dominante Isso acaba por perpetuar ideologias de superioridade e

inferioridade a partir do que aquele sujeito considera relevante ou não nas salas de aula,

considerando as imagens historicamente construídas que tem de si e dos alunos.

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4 OS EFEITOS DE SENTIDOS SOBRE A LEI 10.639/03

Partindo dos conceitos da Análise de Discurso, o indivíduo social é interpelado em

sujeito pelas ideologias para que seja produzido o dizer. Assim sendo, através da linguagem e

na linguagem, o sujeito do discurso materializa as ideologias.

Assim sendo, a ideologia não é ocultação, conforme Orlandi (2009, 1a), mas função

da relação necessária entre linguagem e mundo; os sentidos produzidos pelos dizeres,

portanto, é uma relação determinada do sujeito, que é afetado pela língua, com a história.

Dessa forma, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia.

O discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve

questões de natureza não estritamente linguística, como, por exemplo, aspectos sociais e

ideológicos que estão impregnados nas palavras (FERNANDES, 2007).

Os discursos não permanecem os mesmos, mudam, não são fixos. Mudanças sociais

promovem rupturas ideológicas que possibilitam novos dizeres, novas discursividades.

Através da AD é possível compreender como os sujeitos de uma sociedade se relacionam com

os novos e velhos dizeres e quais as implicações destes, por exemplo, a respeito dos negros e

sua inclusão social por meio de políticas compensatórias.

Durante muito tempo, os resquícios da escravidão permearam os dizeres a respeito

dos negros, de forma negativa e preconceituosa; no entanto, após a abolição da escravatura,

passando pelo surgimento e fortalecimento das instituições oficiais do movimento negro e

chegando aos dias de hoje, muitos discursos se constituíram sobre a negritude e seu lugar na

sociedade.

A lei 10. 639/03 é uma conquista institucional para os brasileiros, não somente para

negros e mestiços do Brasil, uma vez que oportuniza o conhecimento da história e

contribuições culturais da negritude no país. Por meio da Análise de Discurso, busca-se

perceber os processos de produção dos sentidos sobre a lei em questão bem como sobre o

negro na sociedade, considerando os dizeres gravados e transcritos de dez professores, como

exposto na seção anterior.

Considerando que todo processo discursivo constitui-se a partir de outros discursos,

pode-se afirmar que o processo de significação é histórico e que, assim sendo, os dizeres dos

professores que compõem o corpus deste trabalho têm relação com o que fora produzido

historicamente acerca dos negros no Brasil.

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Os discursos não devem ser analisados linearmente, mas sim ideológica e

historicamente, considerando as mudanças pelas quais passou a sociedade. Assim sendo,

novos discursos não surgem do nada; eles são produzidos numa dada condição sócio-

histórica. A lei 10.639/03, enquanto discurso, surgiu em uma época quando discutir os

direitos de negros era uma necessidade urgente. O ano de 2003 foi marcado por alguns

acontecimentos importantes para a história do país: chegou à presidência da república uma

figura popular, Luís Inácio Lula da Silva, considerado um representante do povo, por ter

origem humilde – ex-torneiro mecânico, militante político e um dos fundadores do Partido

dos Trabalhadores (PT).

As perguntas feitas aos professores versaram sobre a lei 10.639/03, tais como a

importância e a utilização da mesma por esses docentes. Todos os entrevistados são

graduados em nível superior, sendo que 90% possuem formação em Letras Vernáculas ou

Letras com Inglês e 10% apresenta formação em Comunicação Social. Esse informante não

foi selecionado por nenhuma razão especial, durante a visita à escola onde o mesmo leciona,

foi solicitado que o corpo docente de língua portuguesa fosse entrevistado; e ele foi

selecionado pela instituição para poder conceder a entrevista.

Os docentes foram selecionados propositadamente da seguinte maneira: 50% foram

estudantes de graduação de faculdades particulares e 50% foram estudantes de graduação de

universidades públicas, porém, o que se detectou, ao serem analisados os dados, é que esta se

tornou uma variante sem relevância para a pesquisa, ou seja, essa informação relacionada à

formação do docente não apresentou alteração nos dados que aqui serão apresentados, visto

que o fato de serem ou não formados em instituições públicas ou particulares não os fazem

mais obedientes à lei.

Considerando que os discursos produzidos pelos professores é, para a AD, o lugar de

manifestação ideológica, o lugar no qual o linguístico e o histórico se articulam (GADET;

PÊCHEUX, 2004), faz-se necessário compreender as condições de produção imediata e

histórica de produção discursiva, bem como as Formações Discursivas e Ideológicas lugar em

que se inscrevem esses discursos. Cada formação ideológica constitui um conjunto complexo

de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam

mais ou menos diretamente em posições de classe em conflito umas com as outras.

Neste trabalho, verificou-se a presença da Formação Ideológica que diz respeito à lei

10.639/03, ou seja, nesta formação há uma força ideológica que entra em confronto com

outras FIs na conjuntura ideológica das questões raciais no Brasil como, por exemplo, a FI

sobre as cotas para afrodescendentes.

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As FIs são constiuídas de Formações Discursivas (FDs) que, interligadas,

determinam o que pode e o que deve ser dito em uma dada conjuntura, ou seja, em uma dada

relação de lugares no interior de um aparelho ideológico e inscrita em uma relação de classes

(PÊCHEUX, 1997b).

Os informantes desta pesquisa filiam-se à mesma formação ideológica que alude às

atitudes e representações da lei 10.639/03. Essa FI é constituída por FDs que correspondem

aos dizeres sobre a lei em uma dada conjuntura. Os dizeres em favor da igualdade entre

negros e brancos, na sociedade, por exemplo, coexistem com os dizeres que são contra, eles

estão diponíveis no Interdiscurso e são acionados sempre, dependendo do lugar que o sujeito

discursivo se inscreve em uma dada formação discursiva. Professores a favor da lei compõem,

por exemplo, uma FD, e os que são contra constituem outra FD. As FDs, no entanto, não

possuem limites rígidos, o sujeito pode transitar entre elas, ocupando diferentes posições-

sujeito.

A esse respeito, Pêcheux (1997) explica que “desidentificar-se implica não mais estar

identificado com uma determinada formação discursiva porque, de fato, este mesmo sujeito já

identificou-se com outra formação discursiva”. O sujeito discursivo posiciona-se a partir de

formações imaginárias construídas pelo seu grupo social, na relação com as FDs, cujas

fronteiras são porosas e permitem a produção de efeitos de sentidos de outras FDs. Para

melhor analisar os dados, considerou-se a existência de duas FDs: FD1(Professores que são

favoráveis à lei) e FD2 (professores que não são favoráveis à lei).

Verificou-se que 100% dos informantes se subjetivam em sujeitos discursivos, em

uma FD cujos dizeres favoráveis à lei se manifestam. Nenhum dos sujeitos coloca-se por meio

de suas materialidades discursivas contra a lei 10.639/03. No entanto, as posições-sujeito

ocupadas por esses sujeitos são distintas. Os sujeitos presentes nos dizeres dos informantes I,

III, V, IX e X, por exemplo, mostram-se a favor da lei em questão, mas não acreditam na

eficácia da mesma se colocada em prática. Verifiquemos as materialidades desses sujeitos

separadamente.

O sujeito que emerge dos dizeres do informante I afirma ser “totalmente a favor!” da

lei, mas desacredita de sua funcionalidade, pois os professores, segundo ele, não estão

preparados, como se observa a seguir:

(...) não funciona nem vai funcionar... Os professores não estão preparados. Eu

mesmo, quando me graduei, não tive essa...essa matéria na aula da faculdade. Hoje,

é...eu tento, me viro...praaa...tentar né. Mas é difícil. Tem uma lacuna na minha

fomação(Inf.I).

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Esse sujeito, ao afirmar que “... não funciona, nem vai funcionar”, permite-nos

compreender o seu determinismo e pessimismo em relação ao futuro da lei na educação

brasileira. Tal fato se dá por considerar as leis no Brasil habitualmente rodeadas por falhas,

como ele mesmo defende em: “...como toda lei nesse país né...nunca se cumpre a lei como

deveria” (Inf.I). Associado a esse fator, o informante considera que há uma formação

insuficiente dos professores, que, ao colocarem em prática a lei, correm, por essa razão, o

risco de fazê-lo de forma errada “como sempre aconteceu” (Inf.I).

Considerando ainda as materialidades discursivas do sujeito dos dizeres do

informante I, verificou-se que há a presença de um equívoco discursivo quando se confrontou

suas entrevistas escrita e oral. Na primeira, o informante afirmou não usar a lei em suas aulas:

“Eu não utilizo” (Inf.I), embora a reconhecesse como positiva, como se verifica em:

É uma iniciativa muito boa, porém não vai funcionar. Os educadores precisam ser

treinados para tratar da cultura dos negros no Brasil. Não há formação suficiente

para falar dessa cultura (Inf.I).

No entanto, na entrevista oral, que aconteceu dez dias após a entrevista escrita (com

todos os informantes foi mantido esse intervalo de tempo), o mesmo sujeito afirmou, ao ser

perguntado se considerava ser um educador que corresponde às expectativas da lei, que tenta

e que promove a discussão com regularidade, como se pode observar a seguir: “Sim. Sempre

promovo debates a partir de obras como As vítimas algozes, por exemplo, discuto com eles a

questão do preconceito e tal...” (Inf.I). Na mesma situação, observou-se o sujeito dos dizeres

do informante VIII. Ele se filia, assim como os outros sujeitos, a FD favorável à lei, mas não a

aplica, porém, no questionário (oral), ora manifesta-se como professor que não aplica a lei por

desconhecê-la, ora como professor que “tenta” aplicá-la.

Considerando que o discurso é lugar de manifestação da ideologia e que o sujeito

discursivo se constitui ideologicamente por meio da linguagem, os sujeitos que emergem

desses dizeres são contraditórios. Eles se inscrevem em uma formação discursiva favorável à

lei, porém ocupam posições-sujeito de não aplicabilidade. Assim como esses sujeitos,

aqueles, que emergem dos dizeres dos informantes III, V, IX e X, posicionam-se

favoravelmente à legislação aqui abordada, mas não a consideram credível, mediante o

cenário da educação brasileira; como se precebe em:

(Aline) - O que acha da lei? É contra a lei?

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Inf. III - Acho excelente, de uma importância incrível para a educação brasileira.

Pena que não é posta em prática com eficiência”/ Não. Sou contra a forma como está

sendo desenvolvida. Tem professor que não domina a temática e quando vai dar aula

termina sendo limitado. Recentemente aqui na escola...é...teve uma professora

que...teve um problema. Acho que ela tava falando de...num sei bem....não me

lembro direito...mas acho que foi de danças do candomblé...ela....parece que fez uma

encenação e deu confusão por causa dos crentes... (risos) ainda tem isso viu minha

filha!!.

Inf.V - Falha / Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de

capacitação, de formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula.

Inf. IX - Não, mas não a utilizo.

Inf. X - Olha, Aline, importante...porém falha. Não estamos preparados criticamente

para essa discussão...somos ainda de uma geração preconceituosa...é difícil romper

com isso por causa de uma lei...

Como se pode verificar, ao se subjetivar nessa posição-sujeito, o informante III diz-

se a favor da lei, mas contraditoriamente lamenta por aqueles que não sabem o suficiente para

fazer a abordagem correta da mesma. Esse mesmo sujeito vale-se do argumento do erro de

uma colega para justificar a sua não aplicabilidade da lei nas aulas.

Já o sujeito V mostra-se a favor da lesgislação, mas não a usa por desacreditá-la ao

jugá-la “falha” e por considerar-se despreparado.

Dos dizeres do sujeito X, emerge um sujeito que se diz também favorável à lei, mas

nem tanto, pois desacredita da mesma, e por meio de um dizer que nos remete a discursos

racistas, coloca-se contra ela, embora afirme o contrário e assim ele justifica a não aplicação

da lei em suas aulas. Esse sujeito, ao usar a primeira pessoa – “somos ainda uma geração

preconceituosa” – filia-se a uma outra formação discursiva: contra a lei 10.639/03 (FD2). Nas

análises, verificou-se também que o sujeito do discurso do informante X, quando inquerido

ainda sobre qual razão justifica considerar sua prática docente em obediência à lei, no entanto,

falha, retoma a ideologia de preconceito racial que, para o sujeito desses dizeres, é algo

inerente à sociedade, como se verifica em:

(Aline)- Por qual razão?

Inf. X - Por falta de preparo e por ainda vivermos num contexto de

preconceitos evidentes.

(Aline)- A senhora é contra a lei?

Inf. X - Não...não sou.

(Aline)- A senhora se considera uma professora que corresponde às

perspectivas da lei?

Inf. X - Sempre que dá discuto nas aulas de interpretação de textos.

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Na materialidade em questão, observa-se como o informante se subjetiva na

formação discursiva favorável à lei, mas que a vê como falha. Verifica-se que o uso da

primeira pessoa evidencia que esse sujeito também se considera preconceituoso. Nota-se

também uma ocultação sobre quando costuma utilizá-la, com que frequência e responde:

“sempre que dá”, que permite, uma interpretação de sim (ele usa) ou não (ele não usa), pois

quando é que dá? Não fica claro nas materialidades, especialmente se consideraddas outras

sequências discursivas desse sujeito, como já explicitado.

Assim como ele, os demais sujeitos, cujos dizeres foram anteriormente analisados,

filiam-se ideologicamente a FD favorável à lei FD1, considerando o que é politicamente

correto, ou seja, dizer ser favorável à lei, tratando-se da posição social que ocupam, a de

professores, e, considerando o lugar social ocupado pelo entrevistador: professor, também.

Relevante é considerar as imagens – cujo conceito fora abordado na seção anterior – que o

professor faz de si mesmo e pensa que o outro (também professor) faz dele. Portanto, ao

longo das entrevistas, os sujeitos desses discursos mostram-se contra a lei. Tal afirmação

comprova-se nas materialidades a seguir:

Acho excelente, de uma importância incrível para a educação brasileira/

Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve/Quando dá

discuto, mas evito polêmicas...se não já viu (Inf.III).

Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de capacitação, de

formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula (Inf.V).

Não, mas não a utilizo./ Eu nem sei...não acho importante( a lei). Primeiro preparem

melhor e remunerem também, depois exijam de nós (Inf.IX).

Como ser a favor da lei, achá-la excelente e importante e sequer ter o trabalho de

conhecê-la para usá-la nas aulas? Como ser favorável à lei e posicionar-se de forma

determinista, negativando-a com o preconceito racial? Verificam-se equívocos nos dizeres

desses sujeitos. Os sujeitos desses dizeres filiam-se a FD1 (favorável à lei 10.639/03), porém

não se vê uma adesão completa a essa formação discursiva, de modo que a filiação a FD2

(contrária à lei) se mostra evidente nos dizeres dos sujeitos. Há de se considerar as condições

de produção desses dizeres.

Na entrevista escrita, os informantes não estavam na presença do entrevistador, nas

entrevistas orais eles contavam com essa presença e sabiam da condição de professor do

mesmo. Sabe-se que, para a AD, o sujeito discursivo posiciona-se partindo das formações

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imaginárias constituídas pelo seu grupo social, assim sendo os sujeitos anteciparam-se ao seu

interlocutor quanto ao sentido de suas palavras, considerando que, no lugar social de

professor, ele deve ser teoricamente um executor das leis educacionais. Tal fator é

determinante para que os sujeitos mantenham-se filiados à FD1, mas o que absorveram da

ideologia dominante sobre os negros e políticas de reparação conduzem-nos a outra FD2,

ainda que parcialmente. A esse mecanismo de antecipar-se ao outro para dizer o que dever ser

dito, Orlandi (2005, p. 39) afirma que:

Segundo o mecanismo de antecipação, todo sujeito tem capacidade de experimentar,

ou melhor, de colocar-se no lugar em que seu interlocutor “ouve” suas palavras. Ele

antecipa-se assim a seu interlocutor quanto ao sentido que suas palavras produzem.

Esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo,

ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte.

O professor pensa que controla seu dizer ao tentar mostrar-se pedagogicamente

correto, mas é interpelado pela ideologia dominante e historicamente validada de recusa às

políticas afirmativas. A esse respeito ilustra bem Orlandi (2005, p. 35):

Alguma coisa mais forte – que vem pela história, que não pede licença, que vem

pela memória, pelas filiações de sentidos constituídos em outros dizeres, em muitas

vozes, no jogo da língua que vai-se historicizando aqui e ali, indiferentemente, mas

marcada pela ideologia e pelas posições relativas ao poder– traz em sua

materialidade os efeitos que atingem esses sujeitos apesar de suas vontades (...) o

sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobro o modo

pelo qual os sentidos se constituem nele.

Além dos sujeitos discursivos dos informantes I, III, V, IX e X, que se posicionam na

FD1 em favor da lei, mas não acreditam na sua eficácia, há também alguns que se filiam a

essa FD, porém seus dizeres evidenciam que não a conhecem, conforme se pode observar nas

materialidades dos sujeitos discursivos II e VII, quando afirmam, ao serem perguntados se são

conhecedores da lei e o que acham dela, que:

Já ouvi falar, mas não tenho domínio sobre a questão...é a lei que fala do ensino da

África né? / Olhe, acho legal querer que os jovens aprendam mais sobre suas

origens negras. Conhecer é sempre bom (Inf.II).

Não muito. Desde que promova a inclusão social, acho boa (Inf.VII).

Observam-se aí sujeitos que são incoerentes ao afirmarem que são a favor de uma lei,

a qual desconhecem. Fica claro, nas materialidades, o desconhecimento dos sujeitos quando

dizem, ao serem inqueridos sobre seus conhecimentos sobre a lei, “Já ouvi falar” ou ainda

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“não muito”. Mais uma vez verifica-se a necessidade de ser politicamente correto diante do

entrevistador, que, como já foi dito, é também professor.

Os sujeitos dos dizeres também justificam o não uso da lei na falta de preparo, como

já observado anteriormente, e, no momento em que manifesta esta consciência – da falta –

eles subjetivam-se em sujeito de seus dizeres e ocupam também uma posição sujeito

tradicional da educação como se verifica em seus dizeres ao afirmar sobre a lei que “é muito

importante...como aprender as normas gramaticais, ou as escolas literárias” (Inf.II). Ainda

sobre o sujeito que emerge dos dizeres do informante VII, pode-se dizer que ele, por ser

desconhecerdor da lei, mostra-se com reservas ao falar da mesma, utiliza-se de poucas

palavras, como se verifica em:

(Aline)- O senhor conhece a lei 10.639/03?

Inf. VII - Não muito.

(Aline)- O que acha da lei?

Inf. VII - Desde que promova a inclusão social, acho boa.

(Aline)- O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?

Inf. VII - Não.

Observa-se aí uma forma de silenciamento. O sujeito oriundo do informante VI

também manifesta-se favorável à lesgislação aqui em questão e também silencia, quando

inquerido sobre a maneira como ele poderia usar a lei em suas aulas, caso a conhecesse

melhor:

No caso de língua portuguesa, como sou professor de língua portuguesa e espanhola,

eu poderia fazer essa leitura dentro de literatura associando com literatura africana

em sala de aula...que sequer e tocada né? Poderia mostrar como é...(tosse) na

verdade que essa literatura aconteça. Desde 2003 as editoras estabeleceram uma

estreita relação com as editoras africanas, especialmente angolanos e moçambicanos

e... é... assim, isso possibilitou a...é...a inserção de muitos livros no mercado

brasileiro. Porque esse interesse? Porque se trabalhar com esta linha em sala de aula

é possibilitar conhecer mais...se eu soubesse mais possibilitaria um trabalho

diferenciado com meus alunos...se eu soubesse lançaria essas questões para meus

alunos (Inf.VI).

Observa-se nessa materialidade uma fuga, um desvio do assunto. O sujeito fala do

mercado gráfico, mas não fala da maneira como poderia aplicar a lei nas suas aulas. A Análise

de Discurso considera esse silenciamento como uma estratégia do sujeito, na tentativa de não

dizer que não sabe aplicar a lei ou não a conhece.

Nos três casos (informantes II,VII e VI), o que se verifica em comum é um

posicionamento favorável à lei, mas seus dizeres denunciam o contrário. Não é possível ser

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favorável a uma lei sem conhecê-la. As formas-sujeito desses discursos ocupam distintas

posições-sujeito dentro da FD a qual ele se filia (a favor da lei, colocando-a em prática ou

não), mas verificou-se também a contradição, o equívoco do discurso presente na

materialidade discursiva desses sujeitos, que dizem estar filiados a FD1 (favorável), mas seus

dizeres denunciam uma filiação contrária (FD2) à legislação.

Segundo Orlandi (2001), a formação discursiva representa o lugar de constituição do

sujeito e de identificação do mesmo. Com a noção de heterogeneidade discursiva, abandona-

se a ideia de um discurso homogêneo e, também, desestabilizam-se os conceitos de unidade

do sujeito e unidade do texto dos estudos tradicionais da linguagem. Como o sujeito e o

discurso já são heterogêneos na sua constituição, a ilusão de unidade, tanto no sujeito quanto

no texto, não passam de efeitos ideológicos, pois o sujeito só tem condições de construir sua

identidade na interação com o outro e, para a AD, o centro da relação entre identidade e

alteridade está no espaço discursivo criado entre ambos. Dessa forma, pôde-se detectar a

ocorrência de sujeitos favoráveis à legislação, porém podem ocupar posições-sujeito que

aplicam a lei e que não aplicam a lei.

Todos os Informantes, a citar IV,VI e VIII, por exemplo, manifestam-se, em ambas

as entrevistas (orais e escrita), a favor da lei 10.639/03 e também dizem aplicá-las em suas

aulas. Esses, quando nas entrevistas gravadas foram inqueridos sobre a importância da

mesma, responderam:

Olha... eu... a considero muito válida...sim...muito válida. Veja bem, Aline, penso

que educar é fazer ruir preconceitos...essa lei ajuda a fazer isso. Não é?

Especialmente porque tira o professor da regularidade...daaaa...história tradicional e

mentirosa!não é....bem...é isso (Inf. IV).

Na verdade, a lei “tá” instituindo uma coisa que já deveria ter a muito tempo né?

Algumas coisas de muito tempo...infelizmente não sei se por causa da formação dos

professores ou se por causa da própria visão que a sociedade tem de África, não se

trabalha nas escolas quer seja pública ou particular, onde há maior rejeição (Inf.VI).

Acho interessante, importante, no papel...não prática sabemos que não funciona

porque não tamos preparados. Você bem sabe disso né? (Inf.VIII).

Estes sujeitos, que emergem dessas sequências discursivas, mantiveram a opinião

acerca da importância e aplicabilidade da lei quando comparadas às materialidades

discursivas escritas e orais. Não houve contradição como houvera com o sujeito do

informante I.

Observa-se que os sujeitos discursivos veem a lei como uma política afirmativa

válida, o que faz com que eles compartilhem da mesma FD, porém ocupam distintas posições-

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sujeito, pois os sujeitos dos informantes VI e VIII veem obstáculos na aplicabilidade da lei

uma vez que os professores não são preparados para isso, enquanto que o sujeito IV não o faz,

como se pode observar:

(Aline) O senhor se considera um professor que põe a lei em prática, que

corresponde às expectativas da lei?

Inf. VIII - Não...não me considero porque a própria formação no ensino superior não

me permitiu a isso. Certo? Mas na minha formação tive uma professora de literatura

africana que me deu uma noção...ela tinha formação nessa área...mas assim...eu

a...entendo que foi pouco para o vasto mundo que é a literatura africana em língua

portuguesa.Me permitiu teruma visão diferenciada de muitos professores que está há

mais tempo no mercado,mas ainda foi pouco. Deveria ter mais.

Inf. VIII - Porque não deram cursos de capacitação para os professores antes. Nem

perguntaram a nós o que a gente achava dessa lei. Agora veja, a gente vai ensinar

sem saber e sem sequer ser perguntado...coisa do estado!!

Inf. IV - Promovo debates após leituras de poemas de escritores africanos de língua

portuguesa, também debatemos quando trabalho livros quer permitam a discussão.

Dentre outras coisas...

(Aline) É tão importante quanto o quê? Por exemplo, essa temática nas suas aulas?

Inf. IV - Difícil responder...mas garanto que faz parte de mim.Eu não sei fazer

diferente. É minha cultura...está na minha vida todo dia...(risos)

A identificação a uma FD e as posições-sujeito nelas ocupadas têm relação com as

interferências ideológicas. A ideologia, segundo Chauí (1978), é um sistema de

representações e normas que nos ensinam como agir e pensar. Desta forma, ela silencia a

história, pois não admite o que é inaugural por medo de perder a hegemonia sobre a sociedade

em que atua. A ideologia sobre os negros e as políticas de reparação são inaugurais e,

portanto, ameaçam o status quo da ideologia dominante, que tenta silenciar, ou melhor, não

dar voz a esses novos saberes.

Verifica-se uma suposta adesão à FD1, por uma determinação legal e politicamente

correta no contexto histórico atual (condições de produção desses dizeres), mas essa adesão

não se processa totalmente, uma vez que os sujeitos, com exceção do IV, dizem ser favoráveis

à lei, mas não a utilizam e, se a usam, fazem-no sem preparo e sem otimismo.

Os sujeitos discursivos VI e VIII, de forma inconsciente, tentam obstaculizar, como

já mencionado, a aplicabalidade da lei aqui discutida em prol do conhecimento da classe

dominante, pois é assim que a AD compreende os fenômenos discursivos operados pela

ideologia. Um saber só adentra na ideologia quando é adestrado, ou seja, deixa de ser

fundador para ser instituído e funciona dentro da lógica da burocracia e organização do

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Estado moderno. A lei 10.639/03 é um produto de um saber fundador e, por essa razão, é

ainda rejeitada pelos educadores.

Os três informantes afirmaram também aplicar a lei em questão, especialmente, em

aulas de Literatura, considerando os textos literários mais próprios para esse tipo de discussão,

como se percebe nos trechos:

Promovo debates após leituras de poemas de escritores africanos de língua

portuguesa, também debatemos quando trabalho livros que permitam a discussão.

Dentre outras coisas... (Inf. IV)

No caso de língua portuguesa, como sou professor de língua portuguesa e espanhola,

eu poderia fazer essa leitura dentro de literatura associando com literatura africana

em sala de aula...que sequer e tocada né? Poderia mostrar como é...(tosse) na

verdade que essa literatura aconteça. Desde 2003 as editoras estabeleceram uma

estreita relação com as editoras africanas, especialmente angolanos e moçambicanos

e... é... assim, isso possibilitou a...é...a inserção de muitos livros no mercado

brasileiro. Porque esse interesse? Porque se trabalhar com esta linha em sala de aula

é possibilitar conhecer mais...se eu soubesse mais possibilitaria um trabalho

diferenciado com meus alunos...se eu soubesse lançaria essas questões para meus

alunos (Inf.VI).

Trabalho mais quando dou aula de literatura porque tem livros que nos permitem

uma discussão melhorzinha (Inf.VIII).

Os dizeres acima convergem para a tendência a utilizar a Literatura como veículo de

difusão desse novo saber. Isso ocorre na esteira de um novo saber, que é oriundo das novas

relações sociais que se estabeleceram por meio das lutas pela reparação racial e social; essas,

já assimiladas por aquele componente curricular, por meio dos estudos culturais, tornam esse

discurso competente dentro da mesma lógica da burocracia e organização do Estado moderno.

Esse conhecimento, no entanto, ainda é inaugural, pois não adentrou em todas as áreas do

saber, mas, numa única área onde já foi instituída (a Literatura), é reconhecida como discurso

competente.

Esses informantes compõem a FD dos professores que dizem ser favoráveis à lei,

mas, diante do exposto, pode-se verificar a heterogeneidade dessa FD (que corresponde às

práticas da lei 10.639/03) a partir das posições-sujeito que ocupam nela.

Em meio às entrevistas, verificou-se um grupo de informantes cujos sujeitos

discursivos apontam para outra posição-sujeito, a dos professores que são a favor dela, mas

não a usam. Mesmo sendo a favor da mesma, cinco informantes afirmam não serem

executores da lei como se verifica em seus dizeres:

(Aline) A senhora é contra a lei?

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Inf. II - Não, eu não sou contra a nada que possa promover reparações sociais e

reconhecer o valor de um povo.

(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da

lei?

Inf. II - Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas quando conhecer,

corresponderei.

(Aline) O senhor é contra a lei?

Inf. III - Não. Sou contra a forma como está sendo desenvolvida. Tem professor que

não domina a temática e quando vai dar aula termina sendo limitado. Recentemente

aqui na escola...é...teve uma professora que...teve um problema. Acho que ela tava

falando de...num sei bem....não me lembro direito...mas acho que foi de danças do

candomblé...ela....parece que fez uma encenação e deu confusão por causa dos

crentes... (risos) ainda tem isso viu minha filha!!

(Aline) O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?

Inf. III - Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve.

(Aline) A senhora é contra a lei?

Inf. V - Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de capacitação,

de formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula.

(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da

lei?

Inf. V - Não.

(Aline) - O senhor é contra a lei?

Inf. V – Não. Como falei na sua pergunta anterior, sou a favor desde que promova a

inclusão dos negros.

(Aline) Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Inf. VII - Não me sinto preparado.

(Aline)- O senhor é contra a lei?

Inf. IX - Não, mas não a utilizo.

(Aline) Então o senhor se considera um professor que não corresponde às

perspectivas da lei?

Inf. IX - Acho que sim.

(Aline) Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Inf. IX - Normalmente não. Muito polêmico.

Como se pode verificar, os informantes que se subjetivam na FD de professores na

posição-sujeito de não excutores da lei têm em comum os argumentos da falta de capacitação

e o receio da polêmica, que justifica o silenciamento sobre a temática conferida à lei. A partir

de suas materialidades discursivas, os informantes demonstram que se filiam à ideologia que

tenta apagar a importância do negro na constituição da sociedade brasileira.

A Análise de Discurso leva em consideração a constituição dos dizeres na sociedade

que se faz por meio de dizeres outros; estes compõem a memória discursiva de grupos sociais,

dessa forma, a ideia de aceitação desses dizeres (dos informantes) não significa que os

educadores devam executar a lei, conforme eles mesmos colocam. Essas ponderações feitas

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pelos sujeitos ajudam a evidenciar a relação que a história estabelece com a língua, se for

considerada a memória discursiva sobre os negros no Brasil, lugar em que o simbólico é

responsável por instaurar na linguagem os dizeres outros sobre o assunto contruído

historicamente.

A memória, por sua vez, tem características, quando pensada em relação ao

discurso. E, nessa perspectiva, ela é tratada como interdiscurso. Este é definido

como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que

chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e

que retorna sob forma de pré-cosntruído, o já-dito que está na base do dizível,

sustentando cada tomada de palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que

afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada

(ORLANDI, 2005, p. 31).

Assim sendo, os professores retomam, inconscientemente, os dizeres que negam a

importância da cultura negra no Brasil e do preconceito que polemiza a temática, mas, ao

mesmo tempo, sentem a necessidade de serem a favor da lei, pois é o politicamente correto

hoje. Dessa forma, o que eles dizem é o que pode e deve ser dito na FD na qual se inscrevem:

educadores que apoaim a lei, mas não a praticam de fato e, se o fazem, segundo eles mesmos,

isso acontece sem qualquer preparo.

A AD, voltando-se para os efeitos do inconsciente e da historicidade que se

manisfestam na língua, considera que os sujeitos discursivos manifestam dois tipos de

esquecimento: o esquecimento número 1 e o de número 2 (2007,1a).

O esquecimento número um, também chamado de esquecimento ideológico: ele é da

instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia.

Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na

realidade, retomamos sentidos pré existentes. O esquecimento número dois, que é da

ordem da enunciação: ao falarmos o fazemos de uma maneira e não de outra, e, ao

longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que indicam que o dizer

sempre podia ser outro(...) esse “esquecimento” produz em nós a impressão da

realidade do pensamento. Essa impressão, que é denominada ilusão referencial, nos

faz acreditar que há uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo,

de tal modo que pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras

e não outras, que só pode ser assim.

O sujeito desses discursos tem a ilusão da originalidade de seus dizeres e não são

conscientes das ideologias presentes e materializadas neles por meio da língua. A AD não

concebe o sujeito como um indivíduo da sociedade, que tem existência particular. Ela

considera os sujeitos como indivíduos que têm sua existência centrada no social, em seus

momentos históricos e nas ideologias. Esse sujeito é fragmentado, pois se faz sujeito pela

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interação social que se estabelece entre os diferentes sujeitos, e já que ele se constitui sujeito

na e pela linguagem, é por meio dela que ele se relaciona e se constitui.

Os sujeitos, cujos dizeres foram aqui analisados, são fragmentados no sentido em que

filiam-se a uma FD em favor da lei, mas deslocam-se, conforme a necessidade imposta pela

ideologia dominante ou pelas condições de produção de seus dizeres, em posições-sujeito

distintas ( usam a lei, não usam a lei, desacreditam da eficácia da lei, acreditam na eficácia da

lei). Nesse ponto, as FDs funcionam como o espaço de reformulação-paráfrase dos já-ditos

sobre os negros e sobre a lei em questão, nas quais os dizeres todos fazem sentido.

4.1 OS SILÊNCIOS

Nesta pesquisa, chegou-se a um dado importante: 90% dos educadores entrevistados

não fazem uso da lei e 10% (o sujeito discursivo IV) aplicam-na. A maioria dos professores

em questão, mesmo afirmando que são favoráveis à lei e que tentam utilizá-la, não a utilizam

de fato em suas práticas pedagógicas, conforme é evidenciado nas análises feitas.

Chama a atenção o fato de que há hoje um apelo muito grande em prol da

valorização das diferenças de toda espécie – sexual, religiosa, étnica e de gênero –, e que o

educador historicamente é considerado a voz do saber e, por isso, deve ser aquele quem deve

ensinar.

O mais curioso dentro dessa perspectiva é que esses educadores não são, na

totalidade, desconhecedores da lei, ainda que superficialmente, mas afirmam não a utilizarem

como prática docente por se sentirem despreparados, unanimamente. Eles afirmaram, ao

serem perguntados se consideram-se educadores que correspondem às expectativas da lei ou

se a aplicam nas aulas, por exemplo, o seguinte:

Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas..., quando a conhecer, corresponderei

(Inf. II).

Não como um tema específico ou separado de outros temas. Não há um trabalho

voltado só para isso. Dentro de tantos temas, tantas discussões, essa questão racial se

insere, mas não como algo separado (Inf. V).

Não me sinto preparado (Inf. VII).

Normalmente não. Muito polêmico (Inf. X).

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Os sujeitos dessas sequências discursivas evidenciam a falta de preparo ou o receio

das polêmicas que circundam a temática. Todos os informantes que afirmaram não usar a lei

10.639/03 direta ou indiretamente (subentendidamente), exceto o sujeito dos dizeres do

informante IV, disseram ser a falta de preparo entre docentes o empecilho à aplicação da

mesma no Brasil. Os informantes IX e III afirmaram, além disso, que preferem não se expor

às polêmicas pertinentes à temática.

Em ambos os argumentos, os efeitos de sentido remetem à ideia da desinformação,

pois os sujeitos discursivos evidenciam por meio das materialidades que não usam a lei por

medo de polêmicas (falta informação para lidar com elas) e falta preparo (falta conhecimento

teórico). São estas as jusitifcativas dadas para o silenciamento dos educadores a respeito da lei

10.639/03. A opção pelo silêncio justifica-se, porque silenciar é não permitir que emerja a

ideologia de valorização do negro e sua cultura, de forma que prevaleça a ideologia da classe

dominante representada pelo professor, por meio de seu discurso do saber científico. Dessa

forma, perpetua-se a tentativa de ocultar a história de participação do negro na constituição da

cultura brasileira.

Para a Análise de Discurso, o silêncio é um discurso. Na visão de Orlandi (2002), o

não-dito é, na verdade, o que não é ouvido, mas existe. Os professores entrevistados preferem

afirmar que são favoráveis à lei, embora não a utilizem, considerando as condições de

produção do discurso que a possibilitaram: um cenário social de valorização das culturas

diversas e do politicamente correto; definindo o que pode e deve ser dito sobre os negros e a

sua contribuição cultural. O silêncio é a opção de 9 informantes, ou seja, 90% dos deles

afirmam silenciar sobre a lei 10639/03 em suas aulas. Analisar esse silêncio se mostrou, ao

longo dessa pesquisa, uma necessidade maior.

Para Orlandi (2002), o silêncio não fala, ele significa e pode ser dividido em duas

grandes áreas: o silêncio fundador e a política do silêncio. O primeiro permite toda

significação. Quando se fala, sabe-se que o silêncio é constitutivo da comunicação e que,

entre as palavras ditas, as frases, as sílabas, há silêncio. Ele é uma outra forma de expressão.

O silêncio é linguagem, o que intercala a conversação. Os espaços em branco entre as práticas

enunciativas operam como silêncios, pausas, e são próprios, por exemplo, dos diálogos. O

sujeito da enunciação, no entanto, não utiliza somente o silêncio como repouso, mas sim

como momento de reflexão, de forma que o sujeito enunciativo poderá interiorizar, completar,

retificar ou anular o dito.

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O silêncio é o princípio de toda significação, é a própria condição de produção de

sentido, portanto, não é vazio ou sem sentido; contrariamente, ele é o indício de uma instância

significativa. Para Orlandi (2007), o silêncio não é ausência de sons e palavras, ele é sons e

palavras e não sendo vazio é a própria completude; não sendo ausência é presença. Assim, o

silêncio se movimenta em tudo o que passa ter significância e não é o implícito, e sim o

sentido apagado ou excluído.O silêncio é o não-dito necessário para o dito.

O segunto tipo de silêncio – o político – divide-se em outros dois tipos: o silêncio

constitutivo e silêncio local.

O silêncio constitutivo, segundo Orlandi (2007, p.75-6):

(...) pertence à própria ordem de produção do sentido e preside qualquer produção

de linguagem. Representa a política do silêncio como um efeito de discurso que

instala o antiimplícito: se diz “x” para não (deixar) dizer “y”, este sendo o sentido a

descartar do dito. É o não-dito necessariamente excluído. Por aí se apagam os

sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho significativo

de uma “outra” formação discursiva, uma "outra” região de sentidos. O silêncio

trabalha assim os limites das formações discursivas, determinando

consequentemente os limites do dizer.

Dessa forma, o silêncio constitutivo impõe o conjunto do que é preciso não dizer

para poder dizer. Um exemplo desse silêncio é o mito da democracia racial, que, ao afirmar

uma democracia de raças no Brasil, apaga a existência de racismo da história brasileira.

O silêncio local, por sua vez, é a manifestação mais visível desta política do silêncio:

a da interdição do dizer, exemplificado por Orlandi (2007) na censura. Trata-se, segundo a

autora, “da produção do silêncio sob a forma fraca, isto é, é uma estratégia política

circunstanciada em relação à política dos sentidos: é a produção do interdito, do proibido”.

Diante do exposto, o que diferencia o silêncio fundador da política do silêncio é que

esta produz um recorte entre o que se diz e o que não se diz, enquanto que aquele não

estabelece nenhuma divisão: “ele significa em (por) si mesmo” (ORLANDI, 2007, p. 75).

As materialidades discursivas dos professores que compõem o corpus desse trabalho

revelaram sentidos que remetem à não aplicabilidade da lei 10.639/03. 90% dos informantes

evidenciaram um silenciamento sobre a lei em suas práticas pedagógicas.

Considerando o conceito de silêncio da Análise de Discurso e sua categorização, já

mencionados, pode-se afirmar que o silenciamento dos professores se processa por meio do

silêncio político. Esse silêncio opera por meio do apagamento de outros sentidos possíveis, os

quais não são desejáveis em determinada situação discursiva. Os professores, ao preferirem

não abordar a lei 10.639/03 em suas aulas, subjetivam-se em FD que reconhecem a

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importância da mesma, mas não a aplicam, silenciando e excluindo sentidos outros e

possíveis caso a utilizassem por meio de seus dizeres.

O objetivo é manter suas posições socialmente instituídas através do discurso

pedagógico e as formas simbólicas e ideológicas para estabelecerem as relações de

desigualdades nos acessos aos bens materiais e simbólicos. A mobilização de significados

para manter desigualdades sociais ocorre em diferentes planos, atuando para além da

dominação de classe, também no estabelecimento e sustentação de outras relações de

desigualdades, como etnia, gênero, idade e nação.

Para Orlandi (2009), a escola é a sede do Discurso Pedagógico, e é o fato de estar

vinculado o ela, que o faz aquilo que ele é: um dizer institucionalizado sobre as coisas. A

escola, ainda segundo a autora, atua através dos regulamentos do sentido de dever que preside

ao Discurso Pedagógico, e este veicula. A escola se define como ordem legítima por se

orientar em máximas, as quais aparecem como modelos de conduta.

Foucault (2005) afirma que todo saber é político, jamais neutro e ainda tem gênese

nas relações de poder; logo, não há relação de poder sem constituição de um campo de saber.

Assim, a escola está na origem da pedagogia, é um poder institucionalizado. O que faz com

que o poder se mantenha e seja aceito é simplesmente porque ele não pesa só como uma força

que diz não, mas porque, de fato, ele permeia e produz coisas.

Nessa perspectiva, o silêncio pode ser compreendido como uma estratégia ideológica

relacionada ao modo de operação descrito por Thompson (1995) como dissimulação15, visto

que sistematicamente opera para ocultar o processo social de desigualdade racial.

Como exemplo, pode-se citar o mito da democracial racial, amplamente discutido

na primeira seção deste trabalho. Para a análise dos discursos racistas no Brasil, é preciso

estar atento ao silenciamento produzido que é atuante na hierarquização entre brancos e

negros. O sentido do silêncio se articula com complexa “etiqueta das relações raciais do

racismo à brasileira” (SILVA, 2008). Por exemplo, na educação escolar, o silêncio é quem

mantém o discurso que tenta construir a igualdade entre alunos a partir de um ideal de

democracia racial. O silêncio que os professores subjetivados em seus dizeres preferem fazer

15 Formas simbólicas são representadas de modos que desviam a atenção por meio de deslocamento –

transferência de sentidos, conotações positivas ou negativas, de pessoa ou objeto a outro ; eufemização – ações

instituições ou relações sociais são trasnferidas de forma a suavizar suas características e estabelecer valoração

mais positiva; tropo –Tropo: uso figurativo das formas simbólicas: Sinédoque: tropo caracterizado pelo uso do

todo pela parte, do plural pelo singular, do gênero pela espécie, ou vice-versa. Metonímia: tropo caracterizado

pelo uso de atributo ou característica de algo para designar a própria coisa. Metáfora: tropo que consiste na

aplicação de termo ou frase a outro, de âmbito semântico distinto e silêncio – ausência ou falta no discurso que

atua ativamente para construir sentidos).

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em relação à lei 10.639/03 pode ser comprovado nas materialidades discursivas, por exemplo,

dos informantes a seguir:

(Aline) O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?

Inf. III - Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve.

(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da

lei?

Inf. II- Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas quando conhecer,

corresponderei.

(Aline) O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?

Inf. VII – Não.

(Aline) Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Inf. IX - Normalmente não. Muito polêmico.

(Aline) A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da

lei?

Inf. V- Não.

(Aline) O senhor se considera um professor que põe a lei em prática, que

corresponde às expectativas da lei?

Inf. VI - Não...não me considero porque a própria formação no ensino superior não

me permitiu a isso. Certo?Mas na minha formação tive uma professora de literatura

africana que me deu uma noção...ela tinha formação nessa área...mas assim...eu

a...entendo que foi pouco para o vasto mundo que é a literatura africana em língua

portuguesa. Me permitiu ter uma visão diferenciada de muitos professores que está

há mais tempo no mercado,mas ainda foi pouco. Deveria ter mais.

Conforme exposto nas sequências discursivas, o silêncio, ou seja, a opção de

silenciar sobre a lei em suas práticas discursivas em aulas de Língua Portuguesa opera em prol

da manutenção do racismo.

Os docentes, pela posição que ocupam na instituição/escola (como autoridade), têm o

poder de impor verdades, de manipular conceitos (ou pré-conceitos), pois seus dizeres ou o

silenciamento são validados pela instituição da escola como equivalentes a saberes. Quando

os informantes – 90% deles – através de seus dizeres, afirmaram que não estão preparados

para aplicar a lei 10.639/2003, estão legitimando o preconceito através do silêncio sobre a

mesma. Os sujeitos discursivos são interpelados pela ideologia que estabelece o branco como

norma de humanidade e, ao silenciar sobre a cultura afro-brasileira, permitem o surgimento de

sentidos outros sobre a existência de grupos étnicos desviantes.

A branquidade (GIROUX, 1999), via de regra, não se mostra de forma explícita,

opera de forma invisível, não-dita, para estabelecer o branco como norma e como desejável,

como plasmado em uma série de reproduções culturais.

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Assim sendo, pode-se considerar que o silêncio tem significância própria “no

silêncio o sentido é” (ORLANDI, 2007), e o silêncio dos professores é um não-dito que está

lá cujo sentido é a negação das ações afirmativas que beneficiam o negro e o dignificam,

considerando a história do negro no Brasil e a tentativa também histórica de apagá-lo da

história da constituição do povo brasileiro de forma positiva.

O silêncio não é diretamente observável e, no entanto ele não é vazio [...] Para torná-

lo visível, é preciso observá-lo indiretamente por métodos (discursivos) históricos,

críticos, des-construtivistas. [...] Sem considerar a historicidade do texto, os

processos de construção dos efeitos de sentidos, é impossível compreender o

silêncio (ORLANDI, 1993, p. 47).

Essa legitimação se dá, de acordo com Orlandi (2001), também por causa das

imagens sociais de professor e de aluno; o primeiro é ideologicamente aquele que possui o

saber e está na escola para ensinar; o segundo, por sua vez, é aquele que não sabe e está na

escola para aprender. Nesse contexto, estabelecer o silêncio é estratégia ideológica atuante no

estabelecimento do branco como norma de humanidade, como fora no século XIX por meio

das teorias racistas.

Segundo Gonçalves (1987), operam na escola brasileira duas formas correlatas de

silêncio: uma que se cala para particularidades culturais da população negra do Brasil; e outra

que nega processos de discriminação.

Para a Análise de Discurso, essas duas formas estão compreendidas no que se chama

de política do silêncio, definida por Orlandi (2007), como aquilo que não deve ser dito numa

dada conjuntura.

Assim, pode-se compreender que o silêncio permite os limites das FDs (Formações

Discursivas) dentro de uma FI (formação ideológica). Desse modo, o silêncio (silenciamento

para a AD) atua como um mecanismo que permite ocultar desigualdades. Assim, esse

mecanismo figura principalmente como forma de ocultação de processos sociais, uma forma

de dissimulação que promove a naturalização da superioridade dos brancos em detrimento das

demais etnias. Como consequência disso, o fenômeno social da racialização e o

estabelecimento e manutenção do branco como norma e como superior é obliterado pelo

silêncio e, ao mesmo tempo, tomado como inevitável ou natural ao invés de histórico e social.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A curiosidade em saber como os preconceitos são movidos pelas forças ideológicas e

como são disseminados por educadores – ou se de fato assim acontecia e acontece – por meio

da linguagem motivou a escolha pela teoria da Análise de Discurso como suporte teórico

neste trabalho. A AD possibilita, através da análise, a percepção conjuntural, social e histórica

dos discursos circulantes na sociedade, bem como permite a configuração dos sujeitos

interpelados inconscientemente pelas ideologias que emergem desses discursos e a

compreensão das práticas pedagógicas dos sujeitos/docentes em relação à lei 10.639/03.

O propósito deste estudo não se centra na busca de culpados ou inocentes no

processo de ensinoaprendizagem sobre a lei em questão. Na realidade, ao se escolher a AD

como aporte teórico, visou-se considerar a característica do assujeitamento do sujeito do

discurso à linguagem e, por meio dela, às ideologias. Os sujeitos discursivos não são

conscientes da ideologia dominante da qual estão a serviço. Portanto, os sujeitos empíricos

(professores) vivem em conflitos ideológicos frequentemente, filiando-se a distintas FD em

razão das ideologias que circulam na sociedade.

Observou-se uma unanimidade favorável à lei 10.639/03, no entanto, esse fato não

faz dos educadores obedientes a ela, pois, sem perceberem, defendem a ideologia da classe

dominante que considera os saberes emergentes na sociedade sobre a inclusão e a valorização

dos negros como algo irrelevante e indigno de credibilidade. É assim com as cotas e tem sido

em relação a essa lei.

Ficou claro, nesta pesquisa, o poder que a ideologia tem sob as escolhas do sujeito. A

heterogeneidade discursiva que identifica os sujeitos como heterogêneos também se fez clara,

como afirma Hall (2006), pois estes são contraditórios e, por vezes, apresentam identidades

não resolvidas. Para esse ator, a identidade dos sujeitos está em contínua transformação em

decorrência das relações ideológicas e culturais que os rodeiam. Assim sendo, os sujeitos que

emergem dos dizeres dos dez informantes desta pesquisa, que afirmam ser favoráveis à lei

10.639/03, mas, nas suas práticas discursivas, apenas um (Inf. IV), de fato, denuncia

coerência com o que se diz.

Tal fato remete-nos aos dizeres da pedagogia moderna que consideram os diferentes

saberes, a multiculturalidade. A educação multicultural ideal é algo extremamente importante

para uma sociedade, do contrário, não se tem a compreensão necessária para que se possam

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valorizar as diferenças, de forma que perceber a complexidade delas tornar-se difícil,

culminando em preconceitos.

Segundo Freire (2005), nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão

sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das

sociedades humanas e não há homens isolados. Sendo assim, afirmar ser filiado à formação

discursiva em favor da lei é o que deve ser dito, considerando padrões multiculturalistas de

educação, porém, a força ideológica que vem pela história impele o sujeito a manifestar-se,

por vezes, contrário à legislação, evidenciando assim uma filiação a outra formação discursiva

contrária à lei. Assim, “somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e

cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao

menos temporariamente” (HALL, 2006, p. 13).

A temática proposta pela lei 10.639/03 coloca como conteúdo o estudo da história da

África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira, o negro na

formação da sociedade nacional, bem como a contribuição do povo negro nas áreas sociais,

econômicas e políticas pertinentes à história do Brasil. O que foi possível notar nesta pesquisa

foi a falta de preparo dos docentes, que, por sua vez, não se mobilizam em buscar esse

conhecimento que dizem faltar em sua formação. Observraram-se uma acomodação e uma

atitude que culpabiliza o governo em implantar uma lei sem prepará-los.

Tendo em vista tantas questões a serem discutidas e esclarecidas quanto à real função

da lei federal 10.639/03 e à maneira como esta vem sendo implantada no sistema de ensino

soteropolitano, pretendeu-se investigar como esta lei está sendo implementada nas escolas

públicas e privadas na cidade Salvador. Para tal, fez-se uma coleta de dados a fim de verificar

a formação e a capacitação dos educadores envolvidos em tamanho projeto, além de

investigar o nível de aceitabilidade de tal instituição por parte dos mesmos.

Assim sendo, na seção primeira, buscou-se traçar as condições de produção dos

discursos sobre os negros no Brasil, a fim de compreender melhor os sentidos dos dizeres

presentes nas entrevistas, que foram divididas em escritas e orais. As entrevistas escritas

compuseram o corpus de análise da segunda seção, onde se buscou identificar as imagens do

professor por ele mesmo estabelecidas. As demais entrevistas – orais – serviram de corpus

para a terceira seção, onde se analisaram os dizeres sobre a lei e seus sentidos.

Chamou, no entanto, a atenção o silêncio que 90% dos sujeitos dizem fazer sobre a

lei, ao passo que afirmam não a utilizar em suas aulas, evidencia-se um silenciamento que

corrobora com a perpetuação de preconceitos sobre a negritude brasileira. Sem dúvidas, a lei

10.639/03, de janeiro de 2008, que estabelece a inclusão no currículo oficial da rede de ensino

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99

da obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", vem para ser somada às

conquistas do movimento negro no Brasil, em particular no estado da Bahia. Entretanto, é

preocupante a maneira como a lei está sendo implantada no sistema educacional do Estado. É

uma lei importante, e os sujeitos assim a consideram, mas não a põem em prática.

Os resultados desta pesquisa podem trazer esclarecimentos a respeito da prática

docente e da lei 10.639/03. Assim, considerando os dizeres sobre a mesma e tendo em vista a

escassez de estudos e pesquisas na área, este trabalho tem muito a acrescentar à academia em

diferentes áreas como a Pedagogia, a Linguística e a Sociologia. O objetivo foi, além

enriquecer as discussões acerca da educação e dos valores culturais através dela estabelecidos

(pois é certo que o debate acadêmico reflete na formação de profissionais da educação, que

levarão o que aprenderem às suas salas de aula), verificar como a lei está (ou não está) sendo

implantada nas escolas públicas e privadas de Salvador.

Este trabalho, certamente, contribui para que haja uma reflexão sobre as práticas

pedagógicas dos docentes em relação a temas como o que propõe a lei 10.639/03,

considerando que o poder de seus discursos não só pode diluir como também pode corroborar

para a manutenção de preconceitos, justamente por não conhecerem e não se fazerem

conhecedores da cultura afro-brasileira, ou seja, de sua própria cultura.

Hoje, em tempos pós-coloniais, tempos de cultura heterogênea, a escola ainda

permanece seguindo uma proposta universalista, eurocêntrica ou etnocêntrica. É complicado

numa sociedade multicultural escolher algumas poucas culturas para privilegiar e adotar como

padrão de ensino. Num país de afro-descendentes, desenvolver a autoestima dos mesmos,

quando se tem uma educação que não promove identificação com eles, é um contrasenso.

Nesse processo, o papel do professor é fundamental. Candau (2002) afirma que a instituição

escolar está construída sobre a afirmação da igualdade, enfatizando a base cultural comum a

que todos os cidadãos e cidadãs deveriam ter acesso e colaborar na sua permanente

construção. Articular igualdade e diferença à base cultural comum e às expressões da

pluralidade social e cultural constitui hoje um grande desafio para todos os educadores e não é

o que acontece na prática dentro das salas de aula de Salvador.

Em um país como o Brasil, é necessário que o processo de construção e significação

das diversidades sociais seja bem compreendido; isso se dá quando há o reconhecimento

positivo da pluralidade cultural ao passo que também são valorizadas as singularidades de

cada cultura. Não se pode negar a imensurável influência da cultura africana na cultura

brasileira, introduzida no período colonial quando negros eram trazidos e escravizados. Hoje,

é impossível educar cidadãos brasileiros sem levar em consideração a cultura dos negros.

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O educador precisa refletir a respeito do que pode ser produzido, através do seu

discurso (de poder), em seus alunos quando ele faz uma abordagem equivocada da cultura

afro-brasileira ou mesmo quando não o faz. Conhecer essa cultura, hoje, é algo que já passou

do tempo de acontecer, fazê-lo é viabilizar um futuro de possibilidades plurais e concretas e

não totais (burguesas) e abstratas.

Um professor que transmite para seus alunos o resultado do que ele adquiriu através

do senso comum, ou seja, aprendeu o que foi e é repetido na sociedade, termina,

provavelmente, tirando desses jovens o desejo do novo, do confronto com a realidade

multicultural. A má condução de aulas sobre “história e cultura afro-brasileira” ou a ausência

delas pode culminar em uma geração de jovens passivos, desprovidos de criticidade e

munidos de rejeição ao outro.

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106

APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante I

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA - MESTRADO

1- Qual a sua formação?

Letras Vernáculas

2- Formou-se em qual instituição de nível superior?

Particular. Estudei na Universidade Católica

3- Você leciona há quantos anos?

Há 5 anos

4- Leciona na rede pública ou particular?

Na rede pública

5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua

opinião?

Sempre achei bonito ser professor. Minha mãe é professora. Acredito na importância que a

educação tem de mudar o mundo. O professor pode mudar preconceitos, mediar conhecimentos...

6- Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Conheço, é a lei que obriga o ensino da história dos africanos nas escolas do país.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

É uma iniciativa muito boa, porém não vai funcionar. Os educadores precisam ser treinados para

tratar da cultura dos negros no Brasil. Não há formação suficiente para falar dessa cultura.

8 - Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Sou um educador que desperta os alunos para a criticidade, mas não utilizo a lei. Não me sinto

preparado.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Eu não utilizo.

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APÊNDICE B

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante II

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Sou formada em Letras Vernáculas

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Particular. Unijorge.

3-Você leciona há quantos anos?

Há 4 anos.

4- Leciona na rede pública ou particular?

Na rede pública e particular.

5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua

opinião?

Ensinar é dom. Gosto de fazer as pessoas pensarem. Acredito que o papel do educador é esse: ensinar

a pensar.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Sim eu já ouvi falar, mas não sei detalhes. Acho que fala do ensino da história da África.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Acho que é muito importante conhecermos a história dos nossos antepassados.

8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Eu não uso a lei nas aulas porque me considero despreparada para falar do assunto.

9-Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Não uso.

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108

APÊNDICE C

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante III

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Estudei Letras com Inglês

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Estudei na Uneb. Pública.

3-Você leciona há quantos anos?

Há 7 anos.

4-Leciona na rede pública ou particular?

Leciono na rede particular.

5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua

opinião?

Não sei explicar, acho que nunca me vi atuando em outra coisa. Penso que o papel do educador é ser

medidor dos conhecimentos, ele facilita o acesso ao conhecimento.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

A lei fala do ensino da cultura afro-brasileira nas escolas do Brasil.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Eu acho de suma importância. É uma pena que nós professores não estamos preparados para falar da

cultura afro-brasileira. Falta melhor formação nas universidades.

8- Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Não, por não me sentir preparado. Temo ser preconceituoso por não conhecer.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Eu não utilizo a lei.

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109

APÊNDICE D

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IV

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Estudei Letras Vernáculas.

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Estudei na Universidade Federal da Bahia.

3-Você leciona há quantos anos?

Há 15 anos.

4-Leciona na rede pública ou particular?

Leciono na rede particular.

5- O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, na sua

opinião?

Fui motivada pela vocação. Adoro o que eu faço. Educar para mim é expandir os horizontes. É

descortinar o mundo, desconstruir preconceitos...é mediar os saberes do mundo.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Sim, eu conheço essa lei ela obriga o ensino da cultura afro-brasileira em toda rede de ensino do país..

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Essa lei é uma grande conquista do povo negro. E nos educadores precisamos utilizá-la nas aulas.

8- Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Eu não sei se sou um exemplo de educadora que usa a lei, mas tento dentro de minhas limitações.

Acho que faltam cursos de aperfeiçoamento ou uma melhor formação nas universidades que formam

os professores. Não adianta implantar a lei se não preparam os educadores.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Trabalho poemas de escritores africanos, trabalho obras literárias voltadas para a temática do negro,

promovo debates sempre que possível.

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110

APÊNDICE E

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante V

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Sou formada em comunicação social. Leciono Língua Portuguesa.

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Formei na Unifacs.

3-Você leciona há quantos anos?

Leciono há uns 8 anos

4-Leciona na rede pública ou particular?

Só na rede particular. Minha formação não me habilita a lecionar em rede pública.

5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua

opinião?

Gosto de ensinar. Gosto muito. Educar é mais que impor verdades. Educar é transfomar o ser.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Conheço e fala da obrigatoriedade em ensinar a história e cultura africana no Brasil.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Acho uma imposição. Nada imposto dá certo. Antes de impor, o governo deve capacitar o professor.

8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Não. Acho que há temas mais importantes para serem discutidos em sala de aula. Focar os negros é

torná-los especiais e diferentes, e não são.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Não utilizo.

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111

APÊNDICE F

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VI

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Sou formado em Letras com Inglês.

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Sou formado pela Ucsal

3-Você leciona há quantos anos?

Leciono há uns 5 anos

4-Leciona na rede pública ou particular?

Atualmente ensino na rede pública.

5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua

opinião?

Sou muito ligado à educação. Meus pais são professores e cresci vendo a dedicação deles. Acredito

muito no papel de formador de opiniões do professor. Ele pode mudar preconceitos como podem fazê-

los se perpetuarem. Prefiro desfazer precoceitos.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Sim. Conheço a Lei. Ela é uma tentativa frustrada do governo em impor o ensino da cultura afro-

brasileira nas escolas do Brasil frustrada porque os educadores não a aplicam por falta de preparo. A

iniciativa é válida, porém fazer leis que não funcionam é normal no Brasil.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Como disse anteriormente, é uma boa iniciativa de se propor um novo olhar sobre as questões sociais e

raciais no Brasil, mas não funciona. Acho que deveriam preparar os professores e também fiscalizar a

aplicação da lei.

8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Tento sim usar, mas sinto que falta conhecimento aprofundado.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Trabalho livros com esse tema e filmes e promovo discussões.

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112

APÊNDICE G

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VII

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Letras

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Universidade Estadual de Feira de Santana- Uefs

3-Você leciona há quantos anos?

Leciono há uns 3 anos

4-Leciona na rede pública ou particular?

Rede pública

5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua

opinião?

Vocação mesmo. Tem o papel de educar. Ser ponte entre alunos e conhecimentos.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Conheço, mas sem aprofundamento.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Qualquer iniciativa que promova a inclusão social é válida.

8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Não, não me sinto preparado para essa discussão.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Não.

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113

APÊNDICE H

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante VIII

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Letras vernáculas.

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Universidade do estado da Bahia

3-Você leciona há quantos anos?

Leciono há uns 8 anos

4-Leciona na rede pública ou particular?

Rede pública.

5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua

opinião?

O prazer de ensinar me motivou. Sempre gostei. O professor é quem faz do conhecimento algo mais

acessível, mais fácil. O professor precisa ser desprovido de preconceitos e promover o

desenvolvimento de senso crítico.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Conheço sim. Fala da cultura africana no Brasil.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Considero muito importante e um avanço no debate sobre as questões raciais. Conhecer a contribuição

do povo negro é o caminho para se mudar falsos juízos de valor e preconceitos.

8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Acho que sim. Tento.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Eu promovo debates, trabalho textos, filmes, poemas. Acho que preciso ainda de mais conhecimento

sobre o assunto.

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114

APÊNDICE I

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante IX

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Sou licenciado em Letras Vernáculas

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Univerisidade Católica de Salvador

3-Você leciona há quantos anos?

Leciono há uns 10 anos

4-Leciona na rede pública ou particular?

Rede púbuilica e particular.

5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua

opinião?

Transmitir conhecimentos

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Conheço não.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Não posso falar pois não conheço.

8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Não.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Não.

Page 115: OS EFEITOS DE SENTIDOS NOS DIZERES DE … · da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

115

APÊNDICE J

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Informante X

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

1-Qual a sua formação?

Letras Vernáculas com Inglês.

2-Formou-se em qual instituição de nível superior?

Unijorge.

3-Você leciona há quantos anos?

Leciono há 7 anos

4-Leciona na rede pública ou particular?

Rede particular.

5-O que motivou você escolher a profissão de professor? Qual o papel do educador, em sua

opinião?

Venho de uma família de educadores, acho que foi isso. O educador tem o papel de tornar a sociedade

mais fácil de se viver.

6-Você conhece a lei 10.639/2003? Do que ela fala?

Posso até conhecer, mas não pelo número.

7 - O que você acha da implantação da lei 10.639/2003 nos currículos escolares das escolas do

Brasil?

Não sei do que se trata pelo número da lei.

8-Você é um educador que corresponde às exigências da lei 10.639/2003? Justifique.

Não sei.

9- Caso utilize a lei em seu processo pedagógico, diga qual (quais) tipo (s) de atividade(s) você

realiza utilizando a lei 10.639/2003?

Não sei.

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116

APÊNDICE K

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante I

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professor, qual a sua formação?

Informante I- Letras Vernáculas

Aline- Formou-se onde?

Informante I- Católica

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante I- Eu... 5 anos.

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante I- Português

Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?

Informante I- Sim, conheço.

Aline- O que acha da lei?

Informante I- Continuo defendendo o que respondi no questionário que você me deu. Acho que a

iniciativa é válida. Uma vitória institucionalmente legalizada, mas não funciona nem vai funcionar. Os

professores não estão preparados. Eu mesmo quando me graduei, não tive essa...essa matéria na aula

da faculdade. Hoje, é...eu tento, me viro...praaa...tentar, né. Mas é difícil. Tem uma lacuna na minha

formação.

Aline- O senhor pensa que não funcionará, um dia, por qual razão?

Informante - Por que como toda lei nesse país né...nunca se cumpre a lei como deveria.

Aline- O senhor é contra a lei, então?

Informante I- Não! De jeito nenhum! Sou totalmente a favor! Mas deveriam formar melhor os

promotores dessa lei né...os professores...para não ensinar errado, como sempre aconteceu.

Aline- O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?

Informante I- Rapaz...eu tento.

Aline- Realiza alguma atividade que aborde questões raciais? Quais?

Informante I- Sim. Sempre promovo debates a partir de obras como As Vítimas Algozes, por exemplo,

discuto com eles a questão do preconceito e tal...

Aline- Para o senhor, promover essa discussão em torno da lei é tão importante quanto o quê?

Por exemplo?

Informante I- Rapaz...é tão importante...nem sei...quanto falar sobre a pobreza.

Aline- Ok, professor. Muito obrigada.

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117

APÊNDICE L

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante II

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professora, qual a sua formação?

Informante II- Sou formada em Letras Vernáculas

Aline- Formou-se onde?

Informante II- Unijorge

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante II- anos

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante II- Leciono Língua Portuguesa é...no caso Redação, Literatura e Gramática.

Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?

Informante II- Já ouvi falar, mas não tenho domínio sobre a questão...é a lei que fala do ensino da

África né?

Aline- É...fala da obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira nas instituições de ensino

do país. Mas me diga...o que acha da lei?

Informante II- Olhe, acho legal querer que os jovens aprendam mais sobre suas origens negras.

Conhecer é sempre bom.

Aline- A senhora é contra a lei?

Informante II- Não, eu não sou contra a nada que posso promover reparações sociais e reconhecer o

valor de um povo.

Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?

Informante II- Olha...não, porque eu não a conheço bem. Mas quando conhecer, corresponderei.

Aline-Mesmo desconhecendo a lei, a senhora não realiza nenhuma atividade que aborde

questões raciais?

Informante II- Sim, quando trabalho com textos que retratam a realidade do negro no Brasil, sempre

promovo umas discussões para reflexão.

Aline- Para a senhora, discutir essa temática é tão importante quanto o quê? Por exemplo?

Informante II- Bom...acho que é muito importante...como aprender as normas gramaticais, ou as

escolas literárias.

Aline- Ok, professora, obrigada.

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118

APÊNDICE M

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante III

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professor, qual a sua formação?

Informante III- Sou formado em Letras...é...letras com Inglês.

Aline- Formou-se onde?

Informante III- Na Uneb

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante III- Tem uns 7 anos

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante III- Menina...atualmente só Gramática.

Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?

Informante III- Conheço, claro... Sim...

Aline- O que acha da lei?

Informante III- Acho excelente, de uma importância incrível para a educação brasileira. Pena que não

é posta em prática com eficiência.

Aline- Por qual razão?

Informante III- Veja bem...porque...não tem preparo né! Assim...tipo o professor na...ainda

na...faculdade não teve uma formação para isso. Entende...então eu penso que fazer por faze não

adianta não viu.

Aline - O senhor é contra a lei?

Informante III- Não. Sou contra a forma como está sendo desenvolvida. Tem professor que não

domina a temática e quando vai dar aula termina sendo limitado. Recentemente aqui na

escola...é...teve uma professora que...teve um problema. Acho que ela tava falando de...num sei

bem....não me lembro direito...mas acho que foi de danças do candomblé...ela....parece que fez uma

encenação e deu confusão por causa dos crentes... (risos) ainda tem isso viu minha filha!!

Aline - O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?

Informante III- Rapaz...acho que não. Eu evito para não ter o problema que a colega teve.

Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Informante III- Quando dá discuto, mas evito polêmicas...se não já viu.

Aline - É tão importante quanto o quê esse assunto na sua aula? Por exemplo?

Informante III- Como qualquer questão social.

Aline - Ok, professor, obrigada.

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119

APÊNDICE N

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante IV

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professora, qual a sua formação?

Informante IV- Estudei Letras Vernáculas.

Aline- Formou-se onde?

Informante IV- Sou graduada pela Universidade Federal Da Bahia

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante IV- Olha há um bom tempo...são quase 15 anos

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante IV- As três a qual fui habilitada a ensinar: Língua Portuguesa, Redação e Gramática.

Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?

Informante IV- Sim, conheço. Não é a lei que...deixa eu ver menina...(risos) determina a

obrigatoriedade do ensino da cultura afro- brasileira nas instituições de educação do país?

Aline- Sim, senhora. É essa a lei. Mas me diga, O que acha da lei?

Informante IV- Olha... eu... a considero muito válida...sim...muito válida. Veja bem, Aline, Penso que

educar é fazer ruir preconceitos...essa lei ajuda a fazer isso. Não é? Especialmente porque tira o

professor da regularidade...daaaa...história tradicional e mentirosa!não é....bem...é isso

Aline- A senhora, então não é contra a lei?

Informante IV- Não, não sou. De forma nenhuma. Sou a favor! Sou totalmente a favor.

Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?

Informante IV- Não sei dizer, é difícil se auto avaliar né? (risos) mas eu me esforço bastante. Faço

algumas atividades bem direcionadas para a questão racial sim...sempre faço.

Aline- Que atividades ?

Informante IV- Promovo debates após leituras de poemas de escritores africanos de língua portuguesa,

também debatemos quando trabalho livros quer permitam a discussão. Dentre outras coisas...

Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo, essa temática nas suas aulas?

Informante IV- Difícil responder...mas garanto que faz parte de mim.Eu não sei fazer diferente. É

minha cultura...está na minha vida todo dia...(risos)

Aline- Ok, professora, obrigada.

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120

APÊNDICE O

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante V

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professora, qual a sua formação?

Informante V- Comunicação social

Aline- Formou-se onde?

Informante V- Unifacs

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante V- 8 anos

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante V- Língua Portuguesa, Redação e Gramática.

Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?

Informante V- Sim

Aline- O que acha da lei?

Informante V- Falha

Aline- Por qual razão?

Informante V- Por que antes de se implantar uma lei, tem que preparar o profissional que vai trabalhar

com ela, como relacioná-la aos conteúdos e não só instituir.

Aline- A senhora é contra a lei?

Informante V- Não, não sou. Sou a favor! Desde quando haja um processo de capacitação, de

formação, de senso do que deve ser abordado em sala de aula.

Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?

Informante V- Não

Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Informante V- Não como um tema específico, ou separado de outros temas. Não há um trabalho

voltado só para isso. Dentro de tantos temas, tantas discussões, essa questão racial se insere, mas não

como algo separado.

Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo?

Informante V- Como a questão do lixo e a reciclagem, a sustentabilidade, a questão da tolerãncia aos

homossexuais e portadores de deficiências especiais, a questão da violência contra a mulher e urbana,

o trabalho infantil, enfim...é um tema como outro qualquer.

Aline- Ok, professora, obrigada.

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APÊNDICE P

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante VI

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Qual a sua formação?

Informante VI- Sou professor de Língua espanhola e portuguesa.

Aline- Formou- se onde?

Informante VI - Na Universidade Federal da Bahia

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante VI- há 4 anos

Aline - O senhor conhece a lei 10.639/03?

Informante VI- É a lei que instituiu o ensino de...é...história da Africanas escolas?

Aline - Isso.

Informante VI- Conheço

Aline- O que acha dela?

Informante VI- Na verdade a lei tá instituindo uma coisa que já deveria ter a muito tempo né?Algumas

coisa de muito tempo...infelizmente não sei se por causa da formação dos professores ou se por causa

da própria visão que a sociedade tem de África, não se trabalha nas escolas quer seja pública ou

particular,onde há maior rejeição.

Aline- O senhor se considera um professor que põe a lei em prática, que corresponde às

expectativas da lei?

Informante VI- Não...não me considero porque a própria formação no ensino superior não me permitiu

a isso. Certo? Mas na minha formação tive uma professora de literatura africana que me deu uma

noção...ela tinha formação nessa área...mas assim...eu a...entendo que foi pouco para o vasto mundo

que é a literatura africana em língua portuguesa.Me permitiu teruma visão diferenciada de muitos

professores que está há mais tempo no mercado,mas ainda foi pouco. Deveria ter mais.

Aline- Acha que o que o senhor sabe é insuficiente?

Informante VI- Sim, é insuficiente.

Aline - Caso o senhor tivesse o acesso a essas informações faria a lei ser posta em prática?

Informante VI- Exato

Aline - E não realiza nenhuma atividade dentro dessa proposta?

Informante VI- No caso de língua portuguesa, como sou professor de língua portuguesa e espanhola,

eu poderia fazer essa leitura dentro de literatura associando com literatura africana em sala de

aula...que sequer e tocada né? Poderia mostrar como é...(tosse) na verdade que essa literatura aconteça.

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Desde 2003 as editoras estabeleceram uma estreita relação com as editoras africanas, especialmente

angolanos e moçambicanos e... é... assim, isso possibilitou a...é...a inerção de muitos livros no

mercado brasileiro. Porque esse interesse? Porque se trabalhar com esta linha em sala de aula é

possibilitar conhecer mais...se eu soubesse mais possibilitaria um trabalho diferenciado com meus

alunos...se eu soubesse lançaria essas questões para meus alunos.

Aline- Ok, professor. Obrigada.

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APÊNDICE Q

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante VII

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professor, qual a sua formação?

Informante VII- Fiz Letras

Aline- Formou-se onde?

Informante VII- Na Uefs em Feira.

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante VII- Só 3 anos.

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante VII- Por enquanto só Redação.

Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?

Informante IV- Não muito.

Aline- O que acha da lei?

Informante VII- Desde que promova a inclusão social, acho boa.

Aline- O senhor é contra a lei?

Informante VII- Não. Como falei na sua pergunta anterior, sou a favor desde que promova a inclusão

dos negros.

Aline- O senhor se considera um professor que corresponde às perspectivas da lei?

Informante VII- Não

Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Informante VII- Não me sinto preparado.

Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo?

Informante VII- Quanto qualquer problema social.

Aline- Ok, professor, obrigada.

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APÊNDICE R

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante VIII

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professora, qual a sua formação?

Informante VIII- Eu sou formado em Letras vernácula pela Uneb.

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante VIII- Há exatos...8 anos

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante VIII- Ensino Literatura em uma escola e aqui ensino Redação e Gramática.

Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?

Informante VIII- Sim, conheço, mas não aplico, vou logo lhe dizendo (risos)

Aline- Tudo bem, mas o que acha da lei?

Informante VIII- Acho interessante, importante, no papel...não prática sabemos que não funciona

porque não tamos preparados. Você bem sabe disso né?

Aline- Por qual razão?

Informante VIII- Porque não deram cursos decapacitação para os professores antes. Nem perguntaram

a nós o que a gente achava dessa lei. Agora veja, a gente vai ensinar sem saber e sem sequer ser

perguntado...coisa do estado!!

Aline- A senhora é contra a lei?

Informante VIII- Não, não Claro que não. Sou contra a forma como o estado obriga a gente ao que ele

determina e de qualquer jeito!

Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?

Informante VIII- Olhe, eu tento viu...eu tento.

Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Informante VIII - Trabalho mais quando dou aula de literatura porque tem livros que nos permitem

uma discussão melhorzinha.

Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo essa temática na aula?

Informante VIII- É importante como estudar história, para conhecer a origem dos problemas que

enfrentamos hoje né...

Aline- Ok, professor, obrigada.

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APÊNDICE S

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante IX

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA – MESTRADO

Aline- Professor, qual a sua formação?

Informante IX- Eu sou formado em Letras vernáculas.

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante IX- Há exatos..10 anos

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante IX- Eu...aqui é Gramática

Aline- O senhor conhece a lei 10.639/03?

Informante IX- Não.

Aline-Nunca ouviu falar?

Informante IX- Pelo número não...se você disser o teor, pode ser que eu conheça.

Aline- Tudo bem, é a lei que torna obrigatório o ensino da cultura e história afro-brasileira nas

escolas do Brasil.

Informante IX-Ah sim, já ouvi falar. O estado deu até uns cursos sobre isso.

Aline- O senhor é contra a lei?

Informante IX- Não, mas não a utilizo.

Aline- Então o senhor se considera um professor não que corresponde às perspectivas da lei?

Informante IX- Acho que sim.

Aline- Não realiza nenhuma atividade que aborde questões raciais?

Informante IX- Normalmente não. Muito polêmico.

Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo essa temática na aula?

Informante IX- Eu nem sei...não acho importante. Primeiro preparem melhor e remunerem também,

depois exijam de nós.

Aline- Ok, professor, obrigada.

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APÊNDICE T

QUESTIONÁRIO PROFESSOR – Entrevista Oral - Informante X

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS

PESQUISA ORIENTADA - MESTRADO

Aline- Professora, qual a sua formação?

Informante X- Bom, sou formada em Letras com Inglês.

Aline- Formou-se onde?

Informante X- Na Unijorge

Aline- Leciona há quantos anos?

Informante X- Humm...pera...tem uns 6 pra 7 anos.

Aline- Qual disciplina ensina?

Informante X – Redação e Inglês

Aline- A senhora conhece a lei 10.639/03?

Informante X- Até o dia que responde ao questionário eu não conhecia pelo número não...aí fiquei

curiosa e fui pesquisar aí descobri. Mas conheço sim...só que pelo nome.

Aline- O que acha da lei?

Informante X- Olha, Aline, importante...porém falha. Não estamos preparados criticamente para essa

discussão...somos ainda de uma geração preconceituosa...é difícil romper com isso por causa de uma

lei...

Aline- Por qual razão?

Informante X- Por falta de preparo e por ainda vivermos num contexto de preconceitos evidentes.

Aline- A senhora é contra a lei?

Informante X- Não...não sou.

Aline- A senhora se considera uma professora que corresponde às perspectivas da lei?

Informante X- Sempre que dá discuto nas aulas de interpretação de textos.

Aline- É tão importante quanto o quê? Por exemplo?

Informante V- Como homofobia, meio ambiente...

Aline- Ok, professora, obrigada.