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Os Efeitos tia Sentença F&imentar Duanto ao Falido na Lein°11101/2005

LUIS FELIPE SPINELLIDoutorando em Direito Comercial pela USP Mestre em Direito Privado pela UFRBS, Especialista em Direito Empresarial pela UFRGS, Advogado.

RODRIGO TELLECHEADoutorando em Direito Comercial pela USFj Especialista em Direito Empresarial pela UFRGS,Advogado.

JOÃO PEDRO SCALZILLIDoutorando em Direito Comercial pela USF Mestre em Direito Privado pela UFRGS, Especialista em Direito Empresarial pela UFROS, Advogado.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Efeitos da sentença falimentar quanto ao falido: empresário individual e

sociedade empresária; 1.1 Pessoa: inabilitação ao exercício da atividade empresária; 1.2 Bens: desapossamento e efeitos; 2 Direitos e deveres: panorama; 2.1 Dos direitos; 2.2 Dos deveres; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

A sentença falimentar produz uma série de consequências jurídicasque atingem diversos interesses inseridos em um processo falimentar. E,dentre os efeitos da sentença falimentar, tem-se aqueles que recaem sobre ofalido, tanto relacionados à sua pessoa (de caráter pessoal) quanto aos seusbens (de caráter patrimonial).

A Lei n° 11 .101/2005 (doravante Lei” ou “LFRE”), nos arts. 102 a1 04, prevê uma série de repercussões a partir da decretação da falência dodevedor. Como veremos a seguir, com a decretação da falência, o falido éafastado do controle das suas atividades, restando inabilitando para o exercício da atividade empresária e desapossado da propriedade de seus bens,além de a LFRE garantir uma série de direitos — mas impor uma série dedeveres ao devedor.

A explicação para a imposição dessas limitações é coerente com asistemática proposta pela Lei: a prolação da sentença declaratória da falência acarreta a criação de um novo estado jurídico para o devedor, o estado

RDE N°31 — Mar-AbI2O13 — SEÇÃO ESPECIAt — ACONTECE 181

de falido’, estabelecendo-lhe unia série de restrições e submetendo-o a umasérie de deveres, embora também lhe garanta direitos ao longo do curso doprocesso falimentar.

E é justamente disso que pretendemos tratar neste ensaio, analisando,sistematicamente, os arts. 102 a 104 da LFRE (Capítulo V — Da falência,Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres do falido) —disciplina essa que encontrava guarida nos arts. 34 ao 42 do Decreto-Lein° 7.661/1 945 (Título li — Dos efeitos jurídicos da sentença declaratória dafalência, Seção Segunda — Dos efeitos quanto à pessoa do falido, e SeçãoTerceira — Dos efeitos quanto aos bens do falido).

Objetiva-se, ao fim e ao cabo, estudar os efeitos da falência quantoà pessoa e aos bens do falido. Assim, pode-se dizer que o escopo do trabalho é muito claro: sistematizar a disciplina legal do tema no ordenamentojurídico brasileiro. Para tanto, não pretendemos realizar grandes incursões

1 Status é entendido como “(.1 ogni posizione assunta dali’individuo nell’ambito di colletività organizzate”(1RTI, Natahno. Introduzione alio studio dei dfritto privato. Padova: Cedam, 1990. p. 30). E, nesse sentido,Paulo Salvador Frontini leciona: “Na verdade, o estado de falido é uma nova situação jurídica que somente seconstitui após a sentença de falência. Ou seja, o empresário, até então posicionado em meio a um complexode relações jurídicas próprias de sua qualificação, torna-se, pela sentença de falência, um empresário falido.Ser falido constitui uma nova situação jurídica, anterior à precedente. Daí ser correto falar-se em estado defalido. ‘Estado’, aí, no sentido de status, um complexo de relações jurídicas, de deveres, direitos, obrigações,sujeições, que se ajusta ao que, na moderna teoria do negócio jurídico, se chama justamente situaçãojurídica” (FRONTINI, Paulo Salvador. Do estado de falido: sua configuração — Inovações da lei de recuperaçãoe falência. Revista de Direito Mercantil, industrial, Econômico e Fínanceiro, v. 44, n. 138, p. 7-24, p. 8,abr./jun. 2005 — grifos do autor). Já Renzo Provinciali manifesta-se da seguinte forma: ‘Come ho già avutooccasione di osservare, ii concetto stesso di status é dei piO tormentati e ha trovato, anche di recente, criticie negatori. Tutta via, anche superando questo iniziale dubbio, non si è d’accordo círca i’esistenza, o no, diuno ‘stato di fallito vaie a dire che la condizione giuridica de? faiiito, conseguentemente alia sentenzadichiarativa, 5/a, o no, ció che (ad onta dei dissensi esistenti) suol definirsi uno status e, comun que,nell’ipotesi affermativa, quali 5/ano la natura, gli effetti, i limiti, ecc., dei medesimo. in ogni ipotesi, parmi,ii concetto di ‘stato’ in relazione alia condizione giuridica dei failito, dovrebbe essere inteso, non in funzionedei concetto di capacità, bensi (o almeno prevaieratemente) in funzione di concetti, vari e piO límitati, qualiia iegittimazione, la disponibilità, l’amministrazione, ecc.; spesso, quindi, in relazione, non alia capacità didiritio, o di dirítti, ma a poteri e facoità, che rientrano quali elementi o componenti, in d/ritti di cui lo statodi fallito non verrebbe a privare o menomere /i soggetto che na ha ia titolarità. Part/co/are situazione nonsfuggita alia sensibiiità d’un nostro civilista, ii quale vede neila condizione giuridica dei failito, non tantouno stato o qualità deila persona, caratterizato dalia incapacità d’agire, quanto una perdita (temporanea,e relativa, aggiungerei) de/Ia iegittimazione a compiere tutti gil attï (come singoli) aventi per aggettobani, rapporti e diritti compresi nel fallimento’ “Parmi che questo modo de a/dera menti consenso: se siconfigura ii concetto di status come ii rapporto giuridico che lega i’individuo a una coliettività organ/zzata dicui fa parte quale componente e si caratter/zza naifa soggezione (con estremi di necessítà e permanenza)a determina ti doveni e nei riconoscimento cii determinati d/ritt/ verso i’aggregato, non puà piO inquadrarvisi(risuitando per certi aspetti in difetto e per aitri in eccesso) ia condiz/one giur/dica dei fallito (come tala).Quindi, piO che di ‘stato’ di failito me sembrerebbe próprio par/are di ‘situazione (magOo che ‘condizione’)giuridica’ (...) di falilmento; formula che, o(tre ai pregio di trasportare sul terreno obiettivo ia considerazionedei fenômeno, donde deve iogicamente partirsi per determinarne gil effetti (anche) soggetlivi, è ia piOampia e comprensiva e non contiene o presupporae gli elementi e caratteni che sono specifici ad esciusividei concetto di status” (PROVINC1ALI, Renzo. Trattato di diritto faliimentare. Milano: Giuffrè, v. H, 1974.p. 772-775). Por fim, lembramos que Giuseppe Ferri leciona que a decretação da falência acaba por alterara posição jurídica do empreendedor, refletindo-se nas relações estabelecidas com os credores, nos atosanteriormente praticados e nas relações empresariais em fase de execução (FERRI, Qiuseppe. Manuale didiritto commerciale. 30. ed. A cura di Carlos Angelici e Giovanni B. Ferri. Milano: UTET, 2011. p. 650).

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182 .NDE N 31 — Mar-Abr/2013 — SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE

históricas ou de direito comparado, fazendo-o em um ponto ou em outro,

mas somente naquilo em que possa auxiliar na interpretação e análise críti

ca da LFRE. Da mesma forma, não objetivamos realizar qualquer estudo de

análise econômica, tão em voga ultimamente em nosso país, já que isso de

mandaria estudo específico e aprofundado. Não intentamos, também, ana

lisar outros efeitos da sentença falimentar (i.e., quanto aos sócios do falido,

à situação dos credores do falido, às obrigações pré-existentes do-falido ou

aos atos prejudiciais aos credores — que podem dar ensejo à revogação ou

à ineficácia de atos praticados antes da falência), remetendo a eles somente

quando for necessário para a compreensão sistemática do ensaio.

Ainda quanto à metodologia do estudo dos efeitos da falência sobre

o falido, é extremamente importante realizar uma interpretação cuidadosa e

atenta da LFRE. Isso porque a Lei, em certa medida, ao regular os efeitos da

falência sobre o falido, prendeu-se demasiadamente à figura do empresário

individual, não tratando de modo suficientemente claro, em nosso entender,

de tais efeitos sobre as sociedades empresárias — que, como se sabe, são res

ponsáveis por parcela significativa da atividade econômica (especialmente

as sociedades do tipo limitada e anônima2). Assim, parece-nos que a verifi

cação do correto alcance da decretação da falência e de seus efeitos sobre

o sujeito falido (aquele que exerce a atividade empresária) é indispensável

para a adequada aplicação do regime liquidatório.

Com a finalidade de atingirmos nossos objetivos, este trabalho está

dividido em duas partes. Na primeira, trataremos dos efeitos da sentença

falimentar sobre a pessoa do falido — a sua inabilitação — e sobre os seus

bens — ou seja, o desapossamento. Na segunda parte, abordaremos os di

reitos e os deveres impostos pela LFRE ao falido, verificando como estão

intrinsecamente relacionados entre si e com o próprio estado originado com

a decretação da quebra.

2 E tanto isso é verdade que há quem diga que a LFRE, seguindo orientaçáo histórica, foi elaborada tendo como

destinatário final o empresário individual (ou seja, suas normas estão direcionadas, de modo primordial, à

pessoa física), e não as sociedades empresárias: “A lei falimentar brasileira de 1945 resultou de anteprojeto

da lavra de um grande tecnólogo, Miranda Valverde, e das alterações nele introduzidas pela comissão

integrada por Filadelfo Azevedo, Hahnemann Guimarães, Noé Azevedo, Joaquim Canuto Mendes de Almeida,

Sílvio Marcondes e Luís Lopes Coelho. Naquele tempo, os elaboradores do texto legal elegeram o comerciante

individual como a figura central da disciplina jurídica. Na reforma de 2005, não houve preocupação de alterar

o foco, continuando a lei a disciplinar o instituto a partir da falência do devedor pessoa física. Isso representa

uma dificuldade ao intérprete e o aplicador da lei falimentar. Como, na expressiva maioria das vezes, a

execução concursal diz respeito à sociedade limitada ou anônima, e o texto preocupa-se mais com a falência

do comerciante pessoa física, surgem mal-entendidos acerca do alcance do decreto falimentar contra os

sócios da falida, principalmente no assunto relacionado aos seus bens e responsabilidades” (COELHO, Fábio

Ulhoa. Comenfários à lei de falências e de recuperação de empresas. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010.

p. 339). Ver, também, FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres

do falido. In: CORREA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourâo Corrêa (Coord.). Comentários à nova lei de

falências e recuperação de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 758-799, p. 763.

lIDE lI° 31 —Mar.Abr/2013—SEÇÃO ESPECIAL—ACONTECE .., 183

1 EFEITOS DA SENTENÇA FAUMENTAR QUANTO AO FALÍDO: EMPRESÁRIO INDIVIDUAL ESOCIEDADE EMPRESÁRIA

Para iniciarmos nossa análise, é preciso delinear algumas diferençasentre a quebra de um empresário individual e a falência de uma sociedadeempresária.

Caso seja decretada a falência do empresário individual, sobre a pessoa do empresário recairão todos os efeitos jurídicos da aplicação do regime liquidatório; se estivermos tratando de falência do empresário falecido,ocorre a falência do espólio, e o regime que incide sobre o inventarianteresta mitigado — ou seja, não corre a inabilitação do inventariante nem odesapossamento de seus bens: o que ocorre é que a representação do espóliofalido cabe ao inventarjante.

Pcr outro lado, em se tratando de falência de uma sociedade empresária, em princípio, a inabilitação e o desapossamento, nos termos do art. 81,§ 2°, da LFRE4, atingem somente a própria sociedade empresária, não tocando os administradores ou o liquidante. O que ocorre, como veremosmelhor mais adiante, é que a sociedade falida é representada pelos administradores ou liquidantes, nos termos do estabelecido no contrato ou estatutosocial (como dispõe o art. 81, § 2°, da LFRE, e como dispunha o art. 37,caput, do Decreto-Lei n° 7.661J1 945).

Quanto aos sócios da sociedade empresária falida, o caputdo art. 81e os arts. 115 e 190 da LFRE estipulam que a decisão que decreta a falênciade uma sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes (como também ocorre, por exemplo, na Itália — art. 147do Regio Decreto, 1 6 marzo 1 942, n° 267, modificado pelo Decreto Legislativo del9gennaio 2006, n°5); portanto, acabam também sendo inabilitados e desapossados de seus bens, o que, por outro lado, evidencia que ossócios de responsabilidade limitada não se sujeitam aos efeitos da falência.

Por conseguinte, quando falamos em inbiIitação e desapossamento, estamos falando da inabilitação e desapossamento do empresário in

3 Como dispunha o art, 37, parágrafo único, do Decreto-Lei no 7.661/1945— sendo que o processo de inventário

resta suspenso, como determina o art. 125 da LFRE e como também determinava o art. 39, parágrafo único,do Decreto-Lei n° 7.661/1945, já que, no inventário, não se pode realizar trâmite algum sobre os bens objetodo desapossamento

4 O art. 81, § 2°, da LFRE evidencia que os administradores ou liquidantes da sociedade não se sujeitam aosefeitos da falência. Em princípio, os administradores ou liquidantes não sofrem nem a inabilitação (art. 102)nem perdem o direito de administrar seus bens (pessoais) ou deles dispor (art. 103). Sobre o tema, entreoutros, ver FERES, Marcelo Andrade. Seçâo V— Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres do falido...,p. 765.

5 Nada impede que a sociedade que se encontre em dissolução, judicial ou extrajudicial, tenha sua falênciadecretada, encerrando-se a liquidação no ponto em que se encontra.

184 ,.....,,..,,,.,.....,,,,,,,...,...,,,,..,.,..,,..........................00E N°31 — Mar-AbrIZOl 3—SEÇÃO ESPECIA[ — ACONTECE ROE N°31 — Mar-Abr/2O13 — SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE................,,,,,.,,,.,.,,,,,,,,,.

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dividual e da sociedade empresária, bem como dos sócios da sociedade

falida cujo regime jurídico abarque sócios de responsabilidade ilimitada.

Nessa lógica, é correto afirmar que a falência não acarreta a inabilitação

nem o desapossamento do inventariante do espólio falido ou dos adminis

tradores, liquidantes ou sócios de responsabilidade limitada da sociedade

falida.

De qualquer forma, lembramos que o art. 1 79 da Lei dispe (como

previa de modo semelhante o art. 191 do Decreto-Lei n° 7.661/1 945)

que, no caso de quebra da sociedade, os seus sócios, diretores, gerentes,

administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o ad

ministrador judicial, equiparam-se ao falido para todos os efeitos penais

decorrentes da LFRE, na medida de sua culpabilidade. Logo, como ve

remos a seguir, na hipótese de tais sujeitos serem condenados por crime

falimentar, também poderão restar inabilitados. E, aqui, cabe desde já uma

pergunta: o art. 1 79 nada diz a respeito do inventariante do espólio falido,

nem do liquidante de sociedade; em razão disso, podem tais sujeitos ser

condenados pela prática de crime falimentar e, consequentemente, tam

bém restarem inabilitados?

Feitas essas colocações — e indagações — introdutórias, adentremos,

agora, na análise dos efeitos da falência quanto ao falido, iniciando pela

inabilitação e, posteriormente, partindo para o estudo do desapossamento.

1.1 PESSOA: INABILITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA

De acordo com o art. 75, caput, da LFRE, a decretação da falência

acarreta o afastamento do devedor de suas atividades, com o objetivo de

preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos pro

dutivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

A partir da decretação da quebra (independentemente de qualquer

formalidade ou do próprio trânsito em julgado da decisão), o empresário

individual (bem como o inventariante) é alijado do comando da atividade

empresária que acarretou a sua bancarrota. No contexto das sociedades em

presárias, a regra é semelhante: os sócios perdem o poder de ditar as dire

trizes para o exercício da atividade, e os administradores (ou liquidantes), o

poder de gestão e (re)presentação — o que também ocorre com os mandatá

rios, nos termos do art. 120 da LFRE, como não poderia deixar de ser. Assim,

a atuação de tais agentes fica restrita ao autorizado pela Lei n° 11.101/2005.

A restrição não se limita a essas medidas. Além de tal afastamento

imediato, o falido (empresário individual, sociedade empresária e sócios de

responsabilidade ilimitada) resta inabilitado para o exercício da atividade

empresária também a partir da decretação da falência (não dependendo

de qualquer formalidade ou do trânsito em julgado da decisão)°. Assim, adecretação da falência acarreta a inabilitação do falido, independentementeda prática e condenação por crime falimentar, como determina o arE. 102

6 Mas a partir de quando resta, efetivamente, o falido inabilitado? O art. 102 da IFRE é claro: é a partir dadecretação da quebra — o que ficava muito mais evidente no regime anterior, em que o juiz deveria indicara hora da declaração da falência (art. 14, parágrafo único, II, do Decreto-Lei no 7.661/1945), sendo decautela que o juiz continue a indicar a hora da decretaçáo da quebra (como leciona BEZERRA FILHO, ManoelJustino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. 6. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais,2009. p. 241: “A Lei deixou de repetira salutar determinação contida no inciso II do parágrafo único doad. 14 da lei anterior, que impunha ao juiz a obrigação de fazer Constar da sentença a hora em que estavasendo prolatada; tão cuidadosa era a lei anterior neste sentido, que ainda estabelecia que, se o juiz nãodeclarsse a hora, presumia-se que a sentença havia sido prolatada ao meio-dia. Tal disposição deveria tersido mantida, exatamente para que se pudesse fixar se determinado ato, praticado no dia em que a falência foidecretada, teria sido praticado antes ou depois da sentença, para fins de aplicação do art. 103. Embora semexpressa previsão legal, é de muito boa cautela que o juiz faça constar o horário da quebra, horário a partir doqual os atos de administração praticados pelo devedor são nulos”). Nesse sentido, Renzo Provinciali e Pontesde Miranda ensinam que a hora é elemento da data, que deve constar da sentença falimentar (PROVINCIALI,Renzo. Trattato di dir,tto failimentare, v. II..., p. 764; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratadode direito privado, t. XXVIII. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 251). Portanto a eficácia da sentençaé imediata e consubstancia o momento em que uma situação econômica transforma-se em jurídica, nãoprecisando nem os autos irem a cartório (se a sentença, por exemplo, é dada em audiência). Assim, oregirrie falirnentar é especial em relação às próprias regras de direito processual Civil sobre a publicidade dasentença; a publicação da sentença e a realização de determinadas formalidades (averbações) não é nadamais do que uma forma de divulgação (PROVINCIALI, Renzo. Trattato di diritto falilmentare, v. II..., p. 764e 55.; BONELLI, Gustavo. Dei failimento. 3. ed. atual, por Virgilio Andrioli. Milano: Dottor Francesco Valiardi,v. 1, 1938. p. 425, 519). Como Pontes de Miranda leciona, a eficácia sentencial começa no momentodo proferimento da sentença (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavaicanti. Tratado de direito privado,t. XXVIII..., p. 232); e assim complementa ‘E à data da sentença, à hora do seu proferimento, que seiniciam os efeitos sentenciais, quer em relação à pessoa cIo falido, quer em relação aos bens e aos credores.A solução que a lei adotou é unitária. A arrecadação é ato de tomada de pessoa pelo síndico após os efeitossentenciais, que são semelhantes ao penhoramento, no que concerne ao juízo” (PONTES DE MIRANDA,Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p. 247). E tanto isso é verdade que, porexemplo, a decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sóciosilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento proporcional dos juros, e converte todos oscréditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial (ad. 77 daLFRE). Ainda, caso assim não fosse, o falido poderia ficar praticando atos mesmo após a decretaçáo de suaquebra, ou seja, o regime falimentar não atenderia sua finalidade. De qualquer forma, Marcelo AndradeFeres, com posicionamento ímpar, assim defende: “De toda acarte, principalmente diante d repercussãocriminal na conduta infratora da proibição estampada no ad. 102, cumpre perquirir sobre o termo a quodesta. Na Argentina, v.g., ele é bastante controverso, ‘Alguns autores dizem que a inabilitação começa desdeque a sentença de quebra esteja assinada IDi TuIlio). Outros afirmam que é desde a data mesma da sentença;se não fica assinada, porque foi deixaDa sem efeito, simplesmente não haverá inabilitação (FernándezMoores)’ [RIBERA, Julio Cézar. lnstituciones de derecho concursai. Buenos Aires, Rubinzal

— Culzoni, t. 1y li, 2003. p. 3161”. ‘E no Brasil, a partir de quando passaria a operar efeitos a interdição do exercício deatividade empresarial pelo falido?” “Admitir a assinatura da sentença como termo a quo seria totalmentedespropositado na ordem nacional, sobremodo pelas consequências penais de seu eventual desrespeito.Parece, assim, mais razoável que só com a publicação do provimento jurisdicional, aí compreendido oexaurimento de todas as formalidades, inclusive a publicação do edital de que trata o parágrafo único doad. 99 da Lei de Falências” (FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitose deveres do falido..,, p. 770-771). De qualquer forma, nos parece que o posicionamento desse autor écontraditório, na medida em que, por outro lado, entende que o termo a quo do desapossamento (previstono ad. 103 da LFRE) é a decretação da quebra (FERES, tuiarceio Andrade. Seção V — Da inabilitaçãoempresarial, dos direitos e deveres do faljdo..., p. 775), muito embora o ad. 102 também disponha, comoo art. 103, que a inabilitação inicia-se com a decretação da quebra; assim, questiona-se: qual a razão paraa distinção dos termos iniciais de inabilitação e desapossamento?

188 ......... ... ....... .... ... ,,,,..,. ,... ,,...,,,....,...,, ,, ,., ...,., ....,...,...00E N°31 — Mar.Abr/2O1 3— SEÇÃO ESPECIAL— ACONTECE

da lei. E o juiz ordenará ao Registro Público de Empresas Mercantis, a

cargo das Juntas Comerciais, que anote e inscreva, para tornar público o

nome do falido, a data da sentença e a sua inabilitação (nos termos do art.

99, VIII, da LFRE, o que não era previsto, de modo expresso, no Decreto-Lei

n° 7.661/1 945). Então, a inabilitação é consequência natural da sentença

fal imentar9.

A inabilitação decorrente da decretação da quebra acarreta no im

pedimento do falido, por si ou por interposta pessoa, de exercer a ativi

dade empresária; ainda, resta impedido de exercer a profissão de corretor

de seguros (art. 3°, d, da Lei n° 4.594/1 964), a de corretor de navios (De

creto n° 20.881/1931, art. 20) e a de leiloeiro (art. 32, a e c, do Decreto

n°21 .981/1931). E, por esse motivo, deve constar de sua inscrição no Regis

7 O Decreto-lei n°7.661/1945 não previa de forma expressa a inabilitação ao exercício da atividade comercial;

seu art. 138, todavia, dispunha que, com a sentença declaratória da extinção das suas obrigações, ficava

autorizado o devedor a exercer o comércio, salvo se tivesse sido condenado ou estivesse respondendo a

processo por crime falimentar (quando, então, dependia da reabilitação, nos termos do art. 197). Assim,

durante a vigência do Decreto-Lei n° 7.661/1945, enquanto ainda vigorava a primeira parte do Código

Comercial de 1850, a inabilitação para o exercício da mercancia advinha do disposto no art. 2°, no 4, deste,

independentemente da prática de crime falimentar. Tal dispositivo proibia o falido de exercer o comércio

enquanto não declaradas extintas as suas obrigações; assim dispunha o referido dispositivo do Código

Comercial de 1850: “Art. 2° São proibidos de comerciar: E...] 4 — os falidos, enquanto não forem legalmente

reabilitados”, O Decreto-Lei n° 7.661/1945 somente regrava a inabilitação como efeito da condenação por

crime falimentar (art. 195): “Art. 195. Constitui efeito da condenaçáo por crime falimentar a interdição do

exercício do comércio”. Mas, diante desse cenário, há quem, como Waldemar Ferreira, entendesse que as

legislações falimentares haviam derrogado o disposto no Código Comercial de 1850 e, portanto, já à época

da vigência do Decreto-Lei n° 7.661/1945, o falido não se encontraria, de direito, impedido do exercício

do comércio (o que somente poderia ocorrer no caso de condenação por crime falimentar — muito embora

vislumbrasse inconstitucionalidade frente ao livre exercício de qualquer profissão, tendo em vista o disposto no

art. 145, parágrafo único, da Constituição de 1946) (cf. FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial.

São Paulo: Saraiva, v. 14, 1965. p. 474-476). De qualquer forma, o Código Civil de 2002 revogou a referida

parte (entre outras) do Código Comercial de 1850, mas não reproduziu a vedação mencionada (salvo, é

claro, na hipótese de condenação por crimes falimentares, hipótese na qual, como visto, o Decreto-Lei

no 7.661/1945 continha dispositivo expresso); nesse sentido, bem andou a Lei n° 11.101/2005 ao, no

art. 102, caput, interditar o falido para a prática de atividade empresarial independentemente da prática

de crime falimentar, sepultando qualquer dúvida que pudesse existir a respeito. Sobre o tema, ver FERES,

Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres do falido..., p. 766; e

FRANCO, Vera Helena de Mello. Comentários aos arts. 94 a 114. ln: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de;

PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à leí de recuperação de empresas e falência.

2. ad. rev., atual, e ampi. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 397-433, p. 419.

8 Vera Helena de Meilo Franco elogia a terminologia adotada pela Lei n° 11.101/2005, ao empregar apalavra

inabilitado para fazer referência à interdição à prática da empresa: “Escorreita, ademais, a escolha da

expressão ‘inabilitação’, tal como advém na norma do parágrafo único, e não mais ‘reabilitado’, como fazia a

norma do art. 2°, n. 4 do antigo Código Comercial. E justifica-se, posto que a Lei no 11.101/2005, da mesma

forma que o decreto-lei revogado, não reconheceu o instituto da ‘reabilitação comercial’. Destarte, quando

se fala em ‘reabilitação’, tem-se em vista sempre aquela penal”. “Cuidando-se de interdição que decorre da

sentença de falência, independentemente da existência de crime falimentar, descabe o uso da expressão

‘reabilitação’. Melhor, portanto, que o retorno ao exercício da atividade empresária resulte apenas da anotação

do levantamento da falência no Registro Público de Empresas Mercantis e Negócios Afins” (FRANCO, Vera

Helena de MelIo. Comentários aos arts. 94 a 114..., p. 419). Igualmente, ver FRANCO, Vera Helena de MelIo;

SZTAJN, Rachei. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 134.

9 Para Marcelo Andrade Feres, tendo em vista que a inabilitação é consequência automática da sentença

falimentar, fica evidenciada a adoção da teoria da pena da falência pela Lei de Falências e Recuperação de

Empresas (FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres do falido...,

p. 767-768, 772).

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tro Público de Empresas Mercantis seu nome acrescido da locução “falido”,com a consequente inabilitação para o exercício de qualquer atividade empresarial. Tudo de acordo com o art. 972 do Código Civil.

Todavia, é importante deixar claro que a restrição somente vale parao exercício da atividade empresária, não obstando a prática de outras atividadesbo: o falido pode, portanto, exercer atividade não empresária, ser empregado, ser administrador de sociedades (empresárias ou não empresárias)etc. — o que levanta a questão de, eventualmente (caso não sejam impenhoráveis), os recursos por ele auferidos posteriormente à quebra serem desapossados e arrecadados (como veremos). A falência não impõe ao sujeitouma obrigação de inércia, não anula, por si só, seu direito de trabalhar.

Por outro lado, não se pode olvidar que a inabilitação para o exercício de atividade empresarial também pode decorrer de condenação porcrime falimentar, como determina o art. 1 81, 1, caso em que a inabilitação éefeitoi2 da prática de um delito. Da mesma forma, o art. 181, II e III, dispõeque também são efeitos da condenação por crime falimentar (i) o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração,diretoria ou gerência das sociedades empresárias e (ii) a impossibilidade degerir empresa por mandato ou por gestão de negócio; isso sem considerarque, por exemplo, o Decreto n°1.101/1903, no art. 1°, § 5°, impede queos condenados por crime falimentar sejam empresários, administradores oufiéis de armazéns-gerais.

Portanto, em caso de condenação por crime falimentar, além da inabilitação ao exercício da atividade empresária (LFRE, art. 1 81, 1 — que também decorre da decretação da falência, nos termo do art. 102), o condenado resta impedido, enquanto perdurarem os efeitos da condenação, de(i) ser empresário, administrador ou fiel de armazéns-gerais (art. 1°, § 50, doDecreto n° 1.102/1 903) e de (ii) exercer mandato, gestão de negócios oufunções de gerente ou de administração de quaisquer sociedades (art. 35,

10 Cf. FRANCO, Vera Helena de Meio, Comentários aos arts. 94 a 114..., p. 419; TARREGA, Maria CristinaVidotte Bianco. Comentários aos artigos 102 a 104, In: LUCCA, Newton de; SIMAO FILHO, Adalberto(Coord.). Comentários à nova lei de recuperação de empresas e de falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005.p. 455-463, p. 457; MILANI, Mano Sergio. Lei de recupera çáo judicial, recuperação extrajudicial e falênciacomentada. São Paulo: Malheiros, 2011. i 307.

11 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Comentários à lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1978.p. 174.

12 O art. 181 da LFRE é claro ao estabelecer, bem como cera o art. 195 do revogado Decreto-Lei n°7.661/1945,que a inabilitação é efeito da condenação por crime falimentar. E à época da vigência do Decreto-Lein° 7.661/1945, interpretando os arts. 195 a 197, temos, exêmplificativamente, os seguintes julgados quereconhecem a inabilitação (interdição) corno efeito da sentença condenatória por crime falimentar, e nãocomo pena acessória: STJ, REsp 2632/SP 5’ T., Rei. Mi Cid Flaquear Scartezzini, J. 17.09.1990; STJ,REsp 1O5O/SR 6’ T., Rei. Mm. José Candicjode Carvalho Filho, J. 06.08.1991; STF, RExt 111.549-1,2’ T.,Rei. Mm. Céiio Borja, J. 25.10.1988; TJSP AC 54.851, 4’ C.Crim., Rei. Des. Ary Beifort, J. 28.09.1987.

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II, da Lei n°8.934/1994, dc os arts. 147, § 1°, da Lei n°6.404/1976, 1.011,

§ 1°, do Código Civil, e 181, II e III, da LFRE)°3.

Assim, o falido ou as pessoas descritas no art. 1 79 da LFRE que forem

condenadas por crime falimentar sofrerão também os efeitos previstos no

art. 181 da LFRE e, eventualmente, em leis especiais. Entretanto, é impor

tante reiterar que os efeitos da condenação por crime falimentar, previstos

no art. 1 81 da LFRE, não são automáticos: devem ser motivadamente de

clarados na sentença, na forma do § 1° do referido dispositivo. E, uma vez

transitada em julgado a sentença penal condenatória, será notificado o Re

gistro Público de Empresas Mercantis para que tome as medidas necessárias

para impedir novo registro em nome dos inabilitados — é o que dispõe o

art. 181, § 2°, da lei.

A inabilitação é medida imperiosa, pois, se o falido exerce ativida

de empresária, os credores não pagos iriam recrutando os bens novamenteadquiridosi4 (e, por isso mesmo, como veremos mais adiante, a inabilitação

perdura até a sentença que extingue as obrigações do falido, salvo se decor

rente de condenação por crime falimentar), e o próprio exercício da ativi

13 Manoel Justino Bezerra Filho afirma que o falido, independentemente da prática de crime falimentar, resta

impedido de ser administrador ou responsável por sociedade empresária (BEZERRA FILHO, Manoel Justino.

Lei de recuperaçáo de empresas e falência comentada..., p. 240), com o que não concordamos, porque

inexiste previsão legal para a imposição de tal restrição: o simples fato de ser falido náo impede a eleição

do sujeito como administrador, mesmo porque, nessa hipótese, não é ele quem exerce a atividade, mas sim

a sociedade. O impedimento encontra-se no caso de ser ele condenado por crime falimentar, pois aqui não

existe mais confiança para administrar patrimônio alheio (que é justamente a função de um administrador e,

por isso, se diz que ocupa posição fiduciária). Por outro lado, Fábio Ulhoa Coelho afirma que não há óbice

de o condenado por crime falimentar ser administrador de sociedades não empresárias (simples) ou outras

pessoas jurídicas (associações ou fundações) (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de

recupera çáo de empresas..., p. 342). Mostramos surpresa especialmente pela afirmação relacionada às

sociedades não empresárias. Como sabemos, por disposição legal, o tipo sociedade simples e as cooperativas

não são empresárias (ou seja, são simples — Código Civil, art. 981; Lei n° 5.764/2971, art. 4°). E o

art. 1.011, § 1°, do Código Civil, ao regraro tipo sociedade simples, estabelece que não pode ser administrador

quem é condenado por crime falimentar; tal vedação também incide sobre as cooperativas (Código Civil, art.

1.094, e Lei n°5.764/1971, art. 51)— sendo que, se as cooperativas são registradas na Junta Comercíal (Lei

n°5.764/1971, art. 18, e Lei n°8.934/1994, art. 32, II, a), tem-se como também incidente o art. 35, li, da

Lei n° 8.934/1994. Ainda, a mesma lógica se aplica caso uma sociedade não empresária assuma forma de

sociedade empresária, nos termos do art. 983 do CC, tendo em vista a aplicação subsidiária das normas da

sociedade simples (ou, no caso das limitadas, também da Lei das S.A.) (sociedade em comum, CC, art. 986;

sociedade em nome coletivo, CC, art. 1.040; sociedade em comandita simples, CC, art. 1.046; sociedade

limitada, CC, art. 1.053). Quanto às outras pessoas jurídicas de direito privado (associaçoes e fundaçoes),

de fato, inexistem regras nesse sentido, nem dispositivo referente à aplicação subsidiária de normas de direito

societário (mas o contrário: as normas das associações são aplicadas, subsidiariamente, às sociedades, nos

termos do art. 44, § 2°, do Código Civil — sendo que se aplicam as normas sobre liquidação de sociedades às

demais pessoas jurídicas de direito privado, nos termos doa art. 51, § 29; assim, tendo em vista que inexiste

regra restringindo tal direito, o que entendemos não possa ser feito por aplicação analógica dos dispositivos

existentes no direito societário (pois se estaria restringindo direito por analogia), acreditamos que mesmo

quem é condenado por crime falimentar pode administrar associações ou fundações, salvo se o estatuto social

dispuser diferentemente.14 Interessante éa ponderação de Giuseppe Ferri, fazendo referência à lei italiana: “1...] per quanto teoricamente

non sua impedito ai failito di assumere nuove obligazioni, praticamente dó è reso impossibile, salvo per

quanto riguarda la prestazione dela própria attività personale, dalla mancanza du garantia” (FERRI,

Giuseppe. Manuale di diritto commerciale..., p. 651).

dade restaria dificultado, tendo em Vista o desapossamento dos bens (comoestudaremos a seguir). Além disso, não é de se descartar a possibilidade de aatividade econômica não restar bem-sucedida, acarretando, eventualmente,em nova quebra do falido (sendo que, é importante lembrar, não se pode,em nosso ordenamento jurídico, haver dois processos falimentares simultâneos do mesmo devedor°). Contudo, é interessante refletir se a prática deatividade empresária pelo falido não seria benéfica aos credores, uma vezque, adquirindo novos bens, conseguiria melhor satisfazer os credores.Ainda, devemos lembrar que a inabilitação do falido é medida constitucional: a Constituição Federal, no art. 5°, XIII, dispõe que “é livre o exercíciode qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Logo, o exercício de qualquer atividade econômica está adstrito aos balizamentos e restrições da lei — sendo um deleso art. 10 da LFRE7.

É importante salientar, entretanto, que a inabilitação não acarreta,necessariamente, a paralisação das atividades. Como dispõe a LFRE em seu

15 E se o falido incorre em nova falência, em decorrência do exercício irregular da atividade, é no juízo da falênciaaberta, e única, que os credores se devem apresentar IPONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratadode direito privado, t. XXVIII..., p. 241).

16 Esse era o entendimento de Carvalho de Mendonça, que originariamente assim se manifestou quando davigência da Lei n° 2.024/1908 (a qual, seu ar). 40 — e que teria, então, supostamente revogado oar). 2°, n° 4, do Código Comercial de 1850, mesmo porque, para ele, a inabilitação seria inconstitucional porimpossibilitar a liberdade de exercício de indústria ou profissão —‘ permitia que o falido exercesse qualquerindústria ou profissão depois da primeira assembleia de credores) (CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier.Tratado de direito comercial brasileiro. 7. ad. posta em dia por Roberto Carvalho de Mendonça. Rio deJaneiro: Freitas Bastos, v. VII, 1964. p. 438-440). Por outro lado, em tom crítico, afirmando que não restourevogado o art. 2°, n° 4, do Código Comercial e que a inabilitação não é medida inconstitucional, assim semanifestava Octavio Mendes: “A nossa lei 2024 como o Dec. 5746, têm um artigo, o art. 40, que pareceinspirar-se na theoria allemã, a que vimos danos referir, pois permitte ao falildo, depois da primeira assembléade credores exercer novamente o comrnercio”. Para ser possivel este novo commercio, não estando aindaencerrada a fallencia, era indispensavel que os bens adquiridas pelo fallido nesse novo commercio nãopudessem ser arrecadados pelos syndicos da faliencia já declarada”. “Se é possível essa arrecadação, não secomprebende como possa o failido voltar ao exercício do commercio, emquanto a sua fallencia não estiverencerrada, pois não vemos quaes as garantias corri que possam coatar os novos credores para seu pagamento,e não vejam os bens por alies vendldos arrecadados para pagamento dos credores da faílencia já decretada”.“E’ certamente por este motivo que o ar). 40 da lei 2024 até hoje bem como o art. 40 do Dec. 5746, não teveoccasião de ser applicado, estando, entretanto, a lei em vigor desde 1908” (MENDES, Octavio. Fallencias econcordatas. São Paulo: Saraiva, 1930. p. 122-1231.

17 Por tudo, ver FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres dofalido..., p. 767; ABRAO, Carlos Henrique. Comentádos aos arts. 70 a 104. In: TOLEDO, Paulo FernandoCampos SalIes de; ABRAO, Carlos Henrique lCoord.). Comentários à lei de recuperação de empresase falência. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 259-394, p. 379-380: “Bastante lógica ecompreensível a previsão, visto que, com a falência decretada, perde o falido a administração dos própriosbens, da credibilidade, e eventual abertura de sociedade, além de implicar uma contradição, encerrariairresponsabilidade com a quebra em curso”. “Questiona-se, na prática, se a referida inabilitação estaria emdesuso ou se confrontaria com a ordem constitucional, confiando livre exercício da atividade econômica. Noentanto, a despeito da discrepância existente, o legislador procurou sanear o mercado e evitar que empresáriosfalidos possam voltar de imediato a exercer seus negócios”. Ver, também, VALVERDE, Trajano de Miranda.Comentários à lei de falências (Decreto-Lei n° 7.661/1 945, de 21 de junho de 1945). Rio de Janeiro:Forense, v. 1, 1948. p. 222-223; e REQUIAO, Rubens. Curso de direito falimentar. 9. ed. São Paulo:Saraiva, v. 1, 1984. p. 146.

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art. 99, Xl, a sentença que decretar a falência se pronunciará a respeito dacontinuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos (quando houver risco para a execução da etapa de arrecadação ou para a preservação dos bens da massafalida ou dos interesses dos credores, nos termos do art. 109). Nesse sentido,

a atividade empresária pode continuar a ser explorada provisoriamente, não

pelo falido, mas pelo administrador judicial, quando não for o caso’de lacra

ção dos estabelecimentos.

Lembramos que a inabilitação não ocasiona a perda da capacidadedo falido, nem a interdição do devedor, permanecendo, inclusive, com todos seus direitos políticos (salvo se, dependendo da pena in concreto, forcondenado por crimes falimentares, quando, então, poderá sofrer restriçõesnessa área). Tanto é verdade que a própria LERE confere a ele uma sériede direitos e deveres relacionados à falência, permanecendo plenamentecapaz de realizar quaisquer atos compatíveis com o processo falimentar,como exercer atividade econômica não empresária, celebrar contrato detrabalho como empregado e casar, além de possuir legitimidade processual

(somente perde a legitimidade nos processos relacionados à massa, masmesmo assim pode neles intervir)°19.

O art. 176 da LFRE prevê pena de reclusão de 1 a 4 anos, além demulta, para quem exercer a atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial. Mas, além da consequência penal, o art. 973do Código Civil estabelece que a pessoa que, mesmo impedida legalmente,continue a exercer a atividade própria de empresário, responde pelas obrigações contraídas.

De qualquer forma, é importante ter em mente que, nesses casos, oexercício da atividade empresária se opera de modo irregular (ou seja, a ati

18 “A declaração de falência não torne o falido incapaz. O art. 36 do DL 7.661/1945 lhe reconhece, entreoutros, o direito de recorrer, nos processos em que a massa figure como parte ou seja interessada” (STJ, REsp40.991-8, 1° T., ReI. Mi Gomes de Barros, J. 02.02.1994).

19 Nesse sentido, ver, entre outros, FRANCO, Vera Helena de Meilo. Comentários aos arts. 94 a 114..., p. 420;PACHECO, José da Silva. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. 3. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2009. p. 317-318; NEGRAO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas ede falências. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 62; COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e derecuperação de empresas..., p. 334-335; FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial,dos direitos e deveres do falido..., p. 771; PACHECO, José da Silva. Processo de falência e concordata. 5. ed.Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 367; VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1...,p. 216; REQUIAO, Rubens. Curso de direito falimentar, e. 1..., p. 143, 149; FERREIRA, Waldemar. Tratadode direito comercial, v. 14..., p. 471-472; BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia MarinaLabate. Falências e concordatas. 2. ad. atual. São Paulo: LTr, 1996. p. 351; CARVALHO DE MENDONÇA,José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII..., p. 431 e 55.; MENDES, Octavio. Failencias econcordatas..., p. 117 e ss.; MAGGIORE, G. Ragusa. lstituzioni di diritto fallimentare. 2. ed. Milani: Cedam,1994. p. 156. Maria Cristina Tarrega fala em perda da capacidade para os atos civis referentes à atividadeempresarial; assim, tratar-se-ia de incapacidade específica, sobretudo para atos de conteúdo patrimonial(TARREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco. Comentários aos artigos 102 a 104..., p. 456-457).

vidade não é inválida), o que não acarreta, necessariamente, na invalidadedos atos realizados (e, nesse sentido, os bens que adquirir serão adquiridospela massa2o): somente serão ineficazes aos atos de administração e disposição do patrimônio do falido por ele realizados enquanto perdurar o desapossamento, como veremos ao estudarmos tal instituto222.

Como dispõe o art. 102, caput, a inabilitação perdura até a sentençaque extingue as obrigações do falido (nos termos do art. 1 58 da LFRE23), sen

20 Queãtão que surge é se os credores decorrentes do exercício irregular da atividade econômica serãoconsiderados extraconcursais, como defendia Pontes de Miranda à época da vigência do Decreto-Lein° 7.661/1945, ao fazer referência ao ad. 124, § 2°, III (Art. 124. Os encargos e dívidas da massa sãopagos com preferência sobre os créditos admitidos a falência, ressalvado o disposto nos arts. 102 e 125. E...]§ 2° São dívidas da massa: [.1 III — as obrigações provenientes de enriquecimento indevido da massa.”)(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII p. 241). Tendemosa crer que, muita embora a LFRE não repita tal dispositivo, a mesma solução deve ser dada, sob pena depremiar o enriquecimento sem causa.

21 A atividade, nas palavras de Giuseppe Ferri, é una serie di atti giurídici o materiali coordinati in funzionedei fine unitario, distinto da quelio proprio di ciascun atto, alia cui realizzazione tutti sono diretti”(FERRI, Giuseppe. La societá. Torino: UTET, 1971. p. 31); ou seja, “attività non significa atto, ma unaserie di atti tra loro coordinabili in relazione ad una comuna finalità” (ASCARELLI, TuIlio. Corso di dirittocommerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 147). A “atividade é uma série de atos tendentes ao mesmo escopo”(COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 1983.p. 93). Destarte, a atividade, com ensina TuIlio Ascarelli, é um fatto di durata considerado independentedos atos singulares (ASCARELLI, Tulilo. Sviluppo storico dcl dirítto commerciaíe. In:. Saggi di dirittocommerciale. Milano: Griuffrè, 1955. p. 29). Ou seja: como todos sabem, a atividade empresarial é umasérie de atos que se sucedem no tempo, ligados entre si por um fim comum (ASQUINI, Alberto. Perfisda empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 104, p. 109-126, out./dez. 1996 (Trad. Fábio Konder Comparato, do original Profili dell’impresa. Rivista dei Diritto Commerciale,v. 41, 1, p. 117, 1943). E, nesse sentido, o regime jurídico da atividade é diverso do regime jurídico dos atos.Portanto, a atividade pode, como fato, existir ou não; não pode ser nula ou anulável, mas regular ou irregular,lícita ou ilícita (são os atos singulares que são nulos ou anuláveis), podendo ser disciplinada de modo distintode como se disciplinam os atos singulares. Assim, tem-se que a irregularidade ou ilicitude da atividade nãoimporta necessariamente em vícios dos atos singulares; por outro lado, eventual vício desses atos singularespode não importar na inexistência, irregularidade ou ilicitude da atividade (ASCARELLI, TuIlio. Corso di dirittocommerciale..., p. 147 e ss.).

22 Sobre o tema, ver VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1..., p. 223-224; ePONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p. 241.

23 Luiz Inácio Vigií Neto Vigil entende que o ad. 158 (extinção das obrigações do falido) somente se aplicapara os empresários individuais, tendo em vista que, no caso das sociedades empresárias, a falência écausa de dissolução (Lei n° 6.404/1976, ad. 206, II, c; Código Civil, arts. 1.044, 1.051, 1, e 1.087),sendo que a extinção deve ocorrer após o Magistrado encerrar o processo falimentar. Portanto, a decretaçãoda falência daria início ao processo involuntãrio de dissolução da sociedade, que se completaria com aliquidação de seus ativos e o pagamento dos credores; assim, a inabilitação da pessoa jurídica serïa definitiva,pois seu patrimônio seria liquidado e, caso restasse algum resíduo, seria partilhado entre os sócios e, nessesentido, não poderia uma sociedade ser reabilitada (VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimesrecuperatórios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 235-236, 249); no mesmo sentido posiciona-seMano Sergio Milani (MILANI, Mano Sergio. Lei de recuperação judicial, recuperaçáo extrajudicial e falênciacomentada..., p. 424). Todavia, entendemos que correto é o posicionamento de Fábio Ulhoa Coelho, paraquem, apesar de não ser a regra, pode a sociedade ser reabilitada; ou seja, a falência, apesar de ser causade dissolução, nem sempre acarreta a extinção da sociedade; “Desenvolvendo o paralelo com o instituto dodireito societário, lembre-se que a dissolução-procedimento da sociedade empresária abrange a dissolução-ato (ato ou fato jurídico desencadeante do processo de encerramento da pessoa jurídica), a liquidação(solução das pendências obrigacionais mediante a realização do ativo e a satisfação do passivo) e a partilha(distribuição, entre os sócios, do patrimônio líquido remanescente). A dissolução-ato causada pela falência éa decisão do juiz expressa na sentença que instaura a execução concursal. A iiquidaçáo ocorre na tramitaçáodo processo falimentar, em que o administrador judicial vende os bens da massa, ultima a cobrança dosdevedores e paga os credores. Por fim, não é coniurn ocorrer, mas, feito o pagamento do principal com

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do que, no caso de a condenação decorrente da prática de crime falimentar

atingir período que ultrapasse a sentença que extingue as obrigações do

falido, prevalecerá a estipulação penal (perdurando até cinco anos após a

extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação

penal, nos termos do art. 181, § 1°, da LFRE dc arts. 93 a 95 do Código

Penal)24. Portanto, a inabilitação não dura somente durante o curso do pro

cesso falimentar, mas se estende até a extinção das obrigações do falido ou,

correção monetária e juros posteriores à quebra de todos os credores, se restarem recursos, estes pertencem

aos sócios da sociedade falida, em valor proporcional à contribuição de cada um para o capital social (quota

ou ação). A lei falimentar náo denomina partilha essa repartição (nem sequer obriga que se a faça em juízo),

mas a medida atende aos mesmos objetivos da derradeira fase da dissolução-procedimento”. “A dissolução

por falência, como aliás qualquer outro procedimento dissolutório, amigável ou judicial, pode ser interrompida

com a reversão dos efeitos dissolutórios. Em caso de interrupção, a sociedade empresária retorna ao estado

anterior ao ato de dissolução, normalmente voltando à prática regular dos seus negócios. A declaração de

extinção das obrigações antes da sentença de encerramento do processo falimentar (o chamado levantamento

da falência’) é um modo particular de interrupção da dissolução falencial. Mesmo depois de encerrado o

processo, podem os antigos sócios reabilitar a sociedade empresária falida, revertendo os efeitos dissolutórios

da falência, com o objetivo de fazê-lo retornar à exploração da atividade. Isso, contudo, é raríssimo, porque

desinteressante por todos os ângulos por que se avalia a matéria, O mesmo objetivo, ademais, podem alcançar

os empreendedores que eram sócios da falida, por meio da constituição de nova sociedade empresária, com

ativo e passivo por tudo incomunicáveis com os da dissolvida. O procedimento de reabilitação previsto na lei

falimentar acaba destinando-se, assim, às hipóteses de falência do empresário individual ou à reabilitação do

representante legal da sociedade falida condenado por crime falimentar” (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários

à lei de falências e de recuperação de empresas..., p. 337-338 — grifo do autor). Compartilhando deste

último entendimento, ver FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e

deveres do falido..., p. 765-766: “Isto é, a quebra deflagra o processo de dissolução da pessoa coletiva que,

ao final, pode ou não culminar com a sua extinção”. “Encerrado o processo falimentar, pode ser necessária

a subsistência da sociedade devedora, em virtude de ainda persistirem obrigações insatisfeitas. Dentre

outras normas, isso se extrai, v.g., do art. 157 da Lei n° 11.101/2005, para o qual o ‘prazo prescricional

relativo às obrigações do falido recomeça a correr a partir do dia em que transitar em julgado a sentença do

encerramento da falência”. “Contudo, na maioria dos casos, após a bancarrota, as sociedades são extintas

ou, se preservadas, o são apenas para sobrevida formal do sujeito devedor. Os gravames da declaração da

falência maculam seu nome no mercado, sendo recomendável aos sócios a dispersão e eventual constituição

de outra sociedade, seja entre si, seja com terceiros”. E, nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça de São

Paulo: “Falência. Sentença de encerramento. Pretensão de extinção da personalidade jurídica da sociedade

falida. Inadmissibilidade. Mesmo depois de encerrado o processo, podem os antigos sócios reabilitar a

sociedade empresária falida, revertendo os efeitos dissolutórios da falência, com o objetivo de fazê-la retornar

à exploração da atividade. Em suma, sociedade falida que, mesmo depois de encerrada sua falência, pode

requerer a extinção de suas obrigações e voltar a comerciar. Apelação não provida” (TJS AC 555.048-4/6-

00, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais, ReI. Des. Romeu Ricupero, J. 28.05.2008).

Analisando sistematicamente o tema, mas também entendendo que a falência é causa de dissolução e

forma de liquidação de sociedade empresária, que, porém, não se extingue após a finalização do processo

falimentar e conserva sua personalidade jurídica intacta (podendo, então, voltar à sua atividade empresária

com o mesmo registro na Junta Comercial), tendo em vista que não existe previsão legal que determine que

o encerramento da falência extinga a personalidade jurídica e que nada impede que a sociedade tenha suas

obrigações extintas e seja reabilitada (apesar de isso não ser muito comum), ver BEZERRA FILHO, Manoel

Justino. Dissolução, liquidação e extinção da sociedade empresária à luz das legislações civil e falimentar (a

falência como causa (ou não) de extinção da personalidade jurídica da sociedade empresária). In: ADAMEK,

Marcelo Vieira von. Temas de díreito societá rio e empresarial contemporâneos — Lieber Amicorum Prof. Dr.

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 624-636.

24 O Decreto-Lei n° 7.661/1945, no art. 138, dispunha que, com a sentença declaratória da extinção das suas

obrigações, o falido ficava autorizado a exercer o comércio, salvo se tivesse sido condenado ou estivesse

respondendo a processo por crime falimentar (quando, então, dependia da reabilitação que somente poderia

ser concedida após o decurso de três ou de cinco anos, contados do dia em que terminasse a execução,

respectivamente, das penas de detenção ou de reclusão, desde que o condenado provasse estarem extintas

por sentença as suas obrigações, nos termos do então art. 197).

em caso de condenação por crime falimentar, até a extinção da punibilidade (podendo cessar antes pela reabilitação penal).

Findo o período de inabilitação, nos termos como dispõe o art. 102,parágrafo único (e como dispunham os arts. 138 e 198 do Decreto-Lein° 7.661/1 945), o falido poderá requerer ao juiz da falência que proceda àrespectiva anotação em seu registro (ou seja, anotação do levantamento dafalência no Registro Público de Empresas Mercantis)25.

Destarte, encerrada a inabilitação, o falido gozará dos mesmos direitos de que dispunha anteriormente. Poderá, então, explorar qualquer atividade econômica, voltar a adrninistrai- tais atividades, evidenciando, assim,que se trata de um estado jurídico transitório.

1.2 BENS: DESAPOSSAMENTO E EFEiTOS

O verbo desapossar indica a ação de tirar a posse de alguém, assimentendido quando se age legalmente ou quando se age clandestinamente,por meio de fraude ou violência, a fim de que a pessoa seja destituída ouprivada da posse que tinha sobre uma coisa ou sobre um bem26. No mesmosentido, o substantivo desapossamento se refere à ação ou efeito do verbodesapossar, que, por sua vez, também está relacionado à perda ou privaçãoda posse.

Pois bem. Como vimos, a decretação da falência acarreta o afastamento do devedor de suas atividades, com o objetivo de preservar e otimizara utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive osintangíveis, da empresa (art. 75, caput), além da sua inabilitação (art. 102).Nessa lógica, o empresário individual não comanda mais a atividade empresária, bem como, nas sociedades empresárias, os sócios perdem o poder de ditar as diretrizes para o exercício da atividade, e os administradores (ou liquidantes), o poder de gestão e (re)presentação

— o que tambémocorre com os mandatários, nos termos do art. 1 20 da LFRE. Assim, comoestudado, a atuação de tais agentes fica restrita ao autorizado pela Lein°11.101/2005.

25 Nesse sentido, Carlos Henrique Abráo adverte que a sentença de quebra será comunicada e ficará averbadano Registro Público de Empresas Mercantis e torna automaticamente inabilitado o falido; todavia, findo oprazo de inabilitação, deve o falido requerer ao juízo para que seja proferida sentença levantando a restrição epermitindo o livre exercício da atividade empresarial, não podndo o magistrado agir ex officio (ABRAO, CarlosHenrique. Comentários aos arts. 70 a 104..., p. 380).

26 PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 25. ad. posta em dia por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho.Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 440.

194 ,.,,,,,,,,,,,,,,,_,._,,,,.,RDE N°31 — Mar-Abr/201 3—SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE NDE N°31 — Mar-Ahr/201 3—SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE 195

E, nessa toada, o falido perde o direito de administrar os seus bens ou

deles dispor desde a decretação da falência27 ou do sequestro28,como deter

mina o caputdo art. 103 da LFRE (e como dispunha o art. 40 do Decreto-Lei

n° 7.661/1945)29, independentemente de qualquer formalidade ou do trân

sito em julgado. Assim, o empresário individual e a sociedade empresária

(por meio dos administradores/liquidantes ou sócios — estes, ainda que seja

somente pela nomeação dos administradores/liquidantes) perdem a admi

nistração e a disposição da empresa, a qual passa ao administrador judicial,

nos termos do art. 99, IX, da LFRE. É a figura jurídica do desapossamento na

esfera falimentar.

Portanto, a decretação da falência acarreta o desapossamento do fa

lido de todo o seu patrimônio — apesar de, como prevê o art. 1 03 da LFRE,

27 Como já vimos à nota de rodapé n° 6, os efeitos da decretação da quebra ocorrem desde o momento de

seu proferimento; portanto, o desapossamento ocorre desde o momento da decretação da quebra — ou do

sequestro de bens, se for o caso; este é seu termo a quo. E a LFRE é clara em seu art. 103 (como também

o era o art. 40, caput e § 10 do Decreto-Lei n° 7.661/1945). Nesse sentido, por exemplo, se manifestava

Rubens Requião: “Desde o momento da abertura da falência, que ocorre no momento em que a sentença

declaratória é proferida pelo juiz, que indicará a hora da declaração da falência (art. 14, parágrafo único,

II), ou da decretação do seqüestro (art. 12, § 40), o devedor falido é desapossado de seus bens, perdendo o

direito de administrá-los e de deles dispor” (REQUIAO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1 p. 150);

na mesma direção, entre outros, ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado,

t. XXVIII..., p. 281; e BONELLI, Gustavo. Dei failimento, v. 1..., p. 422 e ss. Portanto, a eficácia da sentença

é imediata e consubstancia o momento em que uma situação econômica se transforma em jurídica. Ainda,

salientamos que inexiste mais a exceção (que confirmava a regra) do art. 40, § 2°, do revogado Decreto-Lei

n° 7.661/1945, que assim dispunha: “ 2° Se, entretanto, antes da publicaçáo da sentença declaratória

da falência ou do despacho de sequestro, o devedor tiver pago no vencimento título à ordem por êle aceito

ou contra êle sacado, será válido o pagamento, se o portador não conhecia a falência ou o seqüestro, e se,

conforme a lei cambial, não puder mais exercer (itilmente os seus direitos contra os coobrigados”. E grande

exemplo de que os efeitos da decretação da falência são imediatos quanto ao patrimônio do falido é o art. 129,

VII, da LFRE, que determina serem ineficazes os registros de direitos reais e de transferência de propriedade

entre vivos, por tftulo oneroso ou gratuito, ou a averbaçáo relativa a imóveis realizados após a decretação

da falência, salvo se tiver havido prenofação anterior (como também o faz o art. 45 da Legge Fallimentare

italiana). Por fim, a orientação em outros países também é a de que a sentença acarreta, imediatamente,

o desapossamento dos bens do falido, como dispõe o art. 106 da Ley de Concursos y Quiebras argentina,

os arts. 42 e 44 da Legge Failimentare italiana, o art. 81 do Código da Insolvência e da Recuperação de

Empresas português (Decreto-Lei n° 53/2004), e o § 80 do lnsolvenzordnung alemão, por exemplo.

28 O art. 103, caput, utiliza a expressão sequestro como um dos termos iniciais para o desapossamento. Todavia,

entendemos não ser a LFRE precisa (como também não era o Decreto-Lei n° 7.661/1945). Isso porque o

sequestro consiste na apreensão de bem determinado, objeto de litígio, com a finalidade de assegurar futura

execução para entrega de coisa, preservando tal bem de danos, de depreciação ou deterioração (nos termos dos

arts. 822 e seguintes do CPC). Assim, seria correto o emprego do termo arresto, que é a medida consistente

na apreensão judicial de bens indeterminados do patrimônio do devedor para garantia de futura execução

por quantia certa, assegurando a viabilidade da futura penhora ou arrecadação (em caso de insolvência), na

qual virá a converter-se ao tempo da efetiva execução (CPC, arts. 813 e seguintes) (cl. THEODORO JUNIOR,

Humberto. Processo cautelar. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2004.

p. 213, 271). De qualquer forma, tendo em vista que a expressão sequestro é a empregada pelo legislador,

bem como amplamente utilizada em contexto falimentar, será ela utilizada neste ensaio.

29 O art. 103 da LFRE corresponde ao art. 40 do Decreto-Lei n° 7.661/1945; todavia, a lei revogada estava

posicionada dentro da Seção III (“Dos efeitos quanto aos bens do falido”) do Título II (‘Dos efeitos jurídicos da

sentença declaratória da falência”). Assim, optava-se por tratar a matéria sob a perspectiva dos bens, e não da

pessoa do falido, o que é elogiado por parte da doutrina: “A rigor, o Decreto-Lei n° 7.661/1 945 melhor (sic)

havia posicionado a temática. Os óbices à administração e à disposição dos bens do falido vocacionam-se

muito mais como repercussão sobre os bens, do que sobre a pessoa” (FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da

inabilitação empresarial, dos direitos e deveres do falido..., p. 773).

a apreensão de bens também poder ocorrer antes da decretação da quebra,como medida assecuratória, se existir fundado receio de dano irreparávelou de difícil reparação no curso do processo pré-falimentar, especialmentequando restar configurada a prática de atos de dilapidação do ativo, doestabelecimento empresarial ou de bens de seu patrimônio; o Magistradonomeará, enquanto inexistir administrador judicial, fiel depositário, que,eventualmente, pode ser o próprio devedor (como dispunha o art. 1 2, § 40,

do revogado Decreto-Lei n°7.661/1945, e como, em certa medida, prevê oart. 108, § 10, da LFRE)30.

E a falência — e, logicamente, o desapossamento — abarca todo o patrimônio do falido (compreendendo bens de qualquer natureza: móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, bem como direitos, créditos, ações etc.). Apesar de a LFRE não dizer isso com todas as letras, tem-se que, como dispunhao art. 39 do Decreto-Lei n° 7.661/1 945, a “falência compreende todos osbens do devedor inclusive direitos e ações, tanto os existentes na época desua declaração como os que forem adquiridos no curso do processo”.

Na visão abalizada de Carvalho de Mendonça:

A falência, sendo uma execução geral, reflete-se sôbre o patrimônio do devedor, garantia comum dos credores; afeta todos os elementos disponíveisdessa universalidade [...1: bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos,que representam para os credores valor objetivo de troca e são realizáveisem dinheiro.31

Essa é a regra geral, também assim funcionando em outros países(como, por exemplo, prevê a tey de Concursos y Quiebras argentina noart. 107 e a Legge Failimentare italiana em seu art. 42).

Nesse sentido, o falido perde a administração e o poder de dispor detodo o patrimônio que esteja na sua posse ou na posse de terceiros, presentes ou futuros32 (adquiridos durante o decorrer do procedimento falimentar

30 Por todos, ver NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da leí de recuperação de empresas e de falências...,p. 62-63; FRANCO, Vera Helena de Meilo; SZTAJN, Rachei. Falência e recuperação da empresa em crise...,p. 134; FRANCO, Vera Helena de Melio. Comentários aos arts. 94 a 114..., p. 420; AQUINO, Diva Carvalho.Dos efeitos da decretação da falência em relação aos bens e pessoas do devedor e administradores. In: PAIVA,Luiz Fernando Valente de (Coord.). Direito falimentar e a nova lei de falências e recuperação de empresas.São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 381-412, p. 384; FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitaçãoempresarial, dos direitos e deveres do falido..., p. 775.

31 CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. rratado de direito comercial brasileiro, v. VII..., p. 448. Ver,também: FERRI, Giuseppe. Manuale di Diritto Commerciale..., p. 652.

32 E Trajano de Miranda Valverde coloca urna pá de cal na questão de que os bens adquiridos durante o cursoda falência também sáo arrecadados (e, portanto, desapossados do falido): “Se, com efeito, ainda depois deencerrada a falência continua o devedor responsável pelo sIdo das obrigações não integralmente satisfeitascom o produto da venda do ativo arrecadado, pelo que cada credor fica com o direito de executar os bens queêle vier a possuir depois dêsse encerramento, por que não havia, e com razão maior, de acrescer ao patrimôniofalido os bens que o devedor adquirisse em pleno período da execução coletiva?”. “Os credores, é a regra,

196 .. ....... ............................... .... ...................._..................... ODE N°31 — Mar-Abr/2013 — SEÇÂO ESPECIAL — ACONTECE DOE N°31

— Mar-Ahr/2O13 — SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE..............,.....,.......,,.,,.., 197

— e não após o encerramento do processo falimentar —, como no caso deganhar na loteria, descobrir tesouro34,decorrente do exercício de atividadeeconômica ou de tocar ao falido uma herança — não podendo renunciar aherança36 —, sendo que, para a massa haver o ativo superveniente, é necessário assumir ou deduzir o passivo inerente), os quais serão arrecadados,como preleciona o art. 108 da Lei n° 11.101/2005, para formar a massafalida objetiva38.

devem ser integralmente pagos pelos bens do devedor falido, existam êles no momento da declaração dafalência, venham a existir no curso do processo da execução coletiva, ou, findo êste, depois do encerramento”(VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1..., p. 233). Igualmente, entre outros,ver PACHECO, José da Silva. Processo de fa/ência e concordata..., p. 384-385; CARVALHO DE MENDONÇA,José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII..., p. 449-450; e FERRI, Giuseppe. Manuale diDiritto Commerciale..., p. 652. E importantes e esclarecedoras são as palavras de Pontes de Miranda: “Aentrada do bem no ativo da massa falida é ex tunc, mas dependente da manifestação de assentimento dojuízo, com o requerimento pelo síndico [administrador judicial], por algum credor, pelo órgão do MinistérioPúblico, ou pelo próprio falido. Para se evitarem dificuldades em tôrno da aquisição ipso iure, conceito dentrodo qual se debatem juristas estrangeiros [.1, temos de pensar em transmissão automática, com a condiçãoresolutiva de não ter havido assentimento do juízo” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado dedireito privado, t. XXVIII..., p. 254).

33 MAGGIORE, G. Ragusa. Istituzioni di diritto fallimentare..., p. 154; PROVINCIALI, Renzo. Trattato di dirittofa//imentare, v. II..., p. 806; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado,t. XXVIII..., p. 252.

34 FERRARA, Francesco. II fallimento. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1974, p. 297.

35 Cf. PROVINCIALI, Renzo. Trattato di dirítto fa/lirnentare, v. II..., p. 806; VALVERDE, Trajano de Miranda.Comentários à lei de falências, v. 1..., p. 233; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado dedireito privado, t. XXVIII..., p. 252.

36 Pontes de Miranda entende que, se o falido renuncia a herança ou o legado, o síndico poderia aceitá-la coma permissão do juiz (nos termos do art. 1.586 do Código Civil de 1916 —atual art. 1.813 do Código Civilde 2002) (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p. 523).Na argentina, o falido pode rejeitar a herança; ocorre que, de acordo com a disposição do art. 111 da Leyde Concursos y Quiebras argentina (Ley n° 24.522/1995), tal rejeição somente produz efeitos naquilo queexceder o interesse dos credores do falido e os custos do processo falimentar; ainda, o síndico (administradorjudicial) deve atuar nos trâmites sucessórios. Nesses termos, a renúncia à herança não chegaria a sercompletamente incompatível com o processo falimentar. E, caminhando no mesmo sentido, o art. 112 da leIargentina dispóe que é ineficaz, perante os credores, o legado ou a doação que tenham como condição nãorestarem compreendidos no desapossamento. Ainda, o art. 113 da Ley de Concursos y Quiebras argentinadetermina que os bens doados ao falido posteriores à declaração na quebra e até a sua reabilitação ingressamno concurso e restam submetidos ao desapossamento (salvo se a doação for feita com encargo, quando,então, o síndico — administrador judicial — pode, com autorização judicial, recusá-la, permitindo-se que, nessahipótese, o falido aceite a doação e assuma o encargo pessoalmente — não possuindo o doador, aqui, nenhumdireito contra a massa).

37 A arrecadação é de todos os bens, e não somente dos bens suficientes para satisfazer a execuçáo (como dispõeo art. 685, 1, do Código de Processo Civil), cf. FRANCO, Vera Helena de Meilo. Comentários aos arts. 94a 114..., p. 420.

38 De acordo com Trajano de Miranda Valverde, a massa falida objetiva é patrimônio autônomo (separado, deafetação), entendido como um complexo de bens, direitos e obrigações destinados pela lei a atender umadeterminada finalidade; é o patrimônio do falido submetido a um novo regime legal (VALVERDE, Trajano deMiranda. Comentários à lei de falências, v. 1..., p. 231, 238); no mesmo sentido, ver REQUIAO, Rubens.Curso de direito fa/imentar, v. 1..., p. 152-153; BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, SilviaMarina Labate. Falências e concordatas..., p. 366-367. Para Vera Helena de Melio Franco e Rachei Sztajn,tal orientação se coaduna com o direito atual que, como fazem ver as normas dos arts. 994 do CódigoCivil e 10, II, da Lei n° 9.414/1997, além da Lei n° 10.931/2004, superou a orientação que excluía apossibilidade de mais de um patrimônio pertencente ao mesmo titular, adequando o ordenamento jurídicopátrio à modernidade (FRANCO, Vera Helena de Melio; SZTAJN, Rachei. Falência e recuperação da empresaem crise..., p. 420). Ver, também, MAGGIORE, G. Ragusa. lstituzioni di diritto fallimentare..., p. 151-153.

Tudo isso sem prejuízo de se incorporarem à massa os bens que vierem a integrá-la por efeito da declaração de ineficácia e da ação revocatória, nos termos dos arts. 129 e 130 da LFRE — e sem olvidar que o mandatoconferido pelo devedor, antes da falência, para a realização de negócioscessa os seus efeitos com a decretação da quebra, nos termos do art. 1 20,caput, o que é completamente lógico, já que, se o falido não pode maisadministrar e dispor de seu patrimônio, também não o poderá fazê-lo porintermédio de procurador.

O desapossamento é consequência normal, lógica e jurídica da falência, que consiste em uma execução coletiva forçada, alcançando a universalidade dos bens do falido e destinando-os ao pagamento das suas obrigações. “EI desapoderamiento [...J constituye ei efecto típico de Ia quiebra,sobre ei cual se estructuran Ias consecuencias jurídicas y se organiza eiproceso concursaI”.

Assim, o caráter executivo do processo falimentar justifica, tranquila-mente, o desapossamento que sofre o devedor (os efeitos de ordem patrimonial constituem manifestação do caráter executivo do processo falimentar),organizando-se, então, o concurso de credores°. E assim se faz com o escopo de evitar a venda dos ativos fora do processo falimentar (garantindo aoscredores que os bens não serão liquidados de forma precipitada e a preçoaviltante) ou a assunção de novas obrigações (o que, em boa medida, também é atingido por meio da inabilitação). Busca-se, então, a preservaçãoe otimização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos (nos termosdo art. 75, caput, da LFRE)41 — e tanto isso é verdade que o desapossamentonão acarreta, necessariamente, a paralisação das atividades (nos termos dosarts. 99, XI, e 109).

39 ESCUTI, Ignacio A.; BAS, Francisco Junyent. Derecho concursal. Buenos Aires: Astrea, 2006. p. 245. E,à p. 246, assim complementam os autores: “Una característica gstructural sobresaliente dei proceso dequiebra es la de ser un proceso ‘dirigido’ por órganos jurisdiccionales que actúan por mandato legal. E/los‘adquieren’ ei manejo de todo ei patrimônio, exclusivamente en función de la sentencia declaratória de laquiebra, y proveen después a la clausura e inventario de todos los bienes materiales, así como también a laincautac,ón de la documentacián contable y de los documentos relativos a la administracián deI deudor”.“Ningún mecanismo procesal podría ser más eficaz que este para hacer efectiva la ‘indisponibílidadjurídicay material’ que constituye ei desapoderamiento y ei médio con ei cual se afecta íntegramente eI patrimonio”.Ver, também, PROVINCIALI, Renzo. Trattato di diritto failimentare, v. II..., p. 792.

40 Cf. VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1..., p. 232; PACHECO, José da Silva.Processo de falência e concordata..., p. 366; PROVINCIALI, Renzo. Trattato di diritto fal/imentare, v. II...,p. 785.

41 Cf. ZANINI, Carlos Klein. Comentários aos aris. 70 a 82. In: SDUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBD,Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed.rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. ?20-356, p. 338; FRANCO, Vera Helena deMello; SZTAJN, Rachei. Falência e recuperação da empresa em crise..., p. 126; em sentido semelhante, verTARREGA, Maria Cristina Vidotte Bianco. Comentários aos artigos 102 a 104..., p. 458; FERES, MarceloAndrade. Seção V — Da inabilitacão empresarial, dos direitos e deveres do falido..., p. 773; CARVALHO DEMENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII..., p. 431 e ss.

v

1 3B .NDE N 31 —Mar-Ahr12013 —SEÇÃO ESPECIAL—ACONTECE

Nesse sentido, temos certa resistência em afirmar que o desapossa

mento dos bens do falido ocorre porque o devedor revelou sua inaptidão

para com a atividade empresarial, tendo de responder pelas consequências,

como o faz Carlos Henrique Abrão2. Isso porque, como se sabe, muitas ve

zes a quebra é ocasionada por fatores externos e imprevisíveis que fogem ao

controle do empresário ou da sociedade (como no caso de maxidesvalori

zação cambial). Assim, deve-se evitar atribuir qualquer conotação-vexatória

ao falido. Logo, entendemos que o desapossamento objetiva evitar que os

bens sejam liquidados de forma precipitada e a preço aviltante (o que pode

ria ocorrer tanto de boa quanto de má-fé).

As modificações que ocorrem em consequência da decretação de

falência do devedor são essencialmente objetivas, com a finalidade de res

guardar a situação dos bens destinados pelo falido à exploração da ativida

de econômica que foi à bancarrota, não se estendendo à pessoa do falido,

salvo quanto aos efeitos jurídicos decorrentes da sua inabilitação (em razão

seja do art. 102, seja do art. 1 81 da LFRE) e eventuais deveres a ele impostos.

Portanto, uma vez decretada a quebra, não pode o falido, por exem

plo, firmar contratos (e, nessa toada, não pode adquirir bens — e, então,

também não pode ser sócio de sociedades, estando obstado de subscrever

ou adquirir quotas ou ações de sociedades novas ou já existentes, apesar de

poder ser administrador de sociedades caso não reste condenado por crime

falimentar, como já vimos), realizar qualquer acordo com credores, ou

entregar qualquer bem, ainda que para cumprimento de ordem judicial em

ação promovida por credor4647.

Ainda, é importante salientar que o desapossamento ocorre de ime

diato: é consequência direta da decretação da quebra (ou do sequestro de

bens), independentemente de quando inicia a arrecadação. E preciso deixar

claro que o desapossamento e a arrecadação são momentos distintos do

42 ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários aos arts. 70 a 104..., p. 381.

43 FERRI, Giuseppe. Mateus/e di diritto commercia/e..., p. 651.

44 TJSC, AC 1988.043265-8, ia CDCiv., ReI. Des. Napoleão Amarante, J. 12.02.1991; TJSC, AC 1988.

044902-2, 2 CDCom., ReI. Des. Joâo José Schaefer, J. 15.10.1992.

45 TJSP AI 576.078-4/6-00, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rei. Des. Romeu Ricupero,

J. 24.09.2008; TJRS, AI 70025634759, 5 CCív., ReI. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, J. 12.11.2008;

TJRS, AI 70025273244, 5 C.Cív., Rei. Des. Rorneu Marques Ribeiro Filho, J. 20.08.2008.

46 STF, RExt 105.565/PR, 2 T., ReI. Mm. Francisco Rezek, J. 09.08.1985; STF, HC 63.823/PR, 2 T., Rei.

Mi Aldir Passarinho, J. 09.05.1986; TJSF( AI 117.412-5/7, 8 CDPÚbI., ReI. Des. Torres de Carvalho,

J. 08.09.1999.

47 Interessante é a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo na qual, diante de acordo firmado posteriormente

à quebra entre o falido e credor, determinou a suspensão da decisão que mandara este depositar, em juízo, a

quantia recebida daquele, até que restasse apreciada a questão sobre a existência de outros credores — uma

vez que, em inexistindo mais credores, nada obstaria o encerramento do processo falimentar por falta de

interesse processual em seu prosseguimento (TJSP AI 579.701-4/2-00, Câmara Especial de Falências e

Recuperações Judiciais, ReI. Des. José Roberto Lino Machado, J. 04.03.2009).

ADE N 31— Mar.Abr/2O1 3—SEÇÃO ESPECIAL — ACDNTC[ 199

processo falimentar, muito embora a arrecadação seja uma forma de materialização do desapossamento’. E, justamente por isso, Gustavo Bonelliafirma que a sentença declaratória da quebra proclama o desapossamentode direito do falido, o qual é sucedido pelo desapossamento de fato, coma efetiva imissão do administrador judicial na posse dos bens, qual seja, aarrecadação.

Por outro lado, por mais que a falência e, portanto, o desapossamento, abarque todo o patrimônio do falido, tem-se que, diante de valoraçõeshumanitárias, como falava Trajano de Miranda Valverde°, não se compreendem na falência os bens absolutamente impenhoráveis do falido (art.1 08, § 4°, da LFRE, como também previa o art. 41 do revogado Decreto-Lein° 7.661/1945)51. E como também dispõe o art. 648 do CPC, o mesmoocorre com os bens inalienáveis (como o nome empresarial, nos termos doart. 1 .1 64 do CC, apesar de o título de estabelecimento e a marca poderemser alienados). De mais a mais, é evidente que se excluem da falência osbens, direitos, poderes, faculdades e ações estritamente ligados à pessoa(intuitu personae, os quais, muitas vezes, não são suscetíveis de medida devalor, ou seja, não possuem caráter patrimonial), como os direitos civis, osdireitos conferidos por terceiros ao falido (ainda que suscetíveis de valoração pecuniária), mas que o foram em atenção ao falido e sua família (como

48 La incautación de los bienes es una forrnade materialización dei desapossamiento [.1.” (ESCUTI, IgnacioA.; BAS, Francisco Junyent. Derecho concu’sal

..,p. 245)

49 BONELLI, Gustavo. Dei failimento. 3. ad. atLal. por Virgilio Andrioli. Milano: Dottor Francesco Valiardi,v. II, 1938. p. 111. Igualmente, ver TEPEI1INO, Ricardo. Seção VII: Da arrecadação e da custódia dos bens.In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salina de; ABRAO. Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei derecuperação de empresas e falência. 4. ad. 1ev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 403-416, p. 404. Emsentido semelhante, ver PACHECO, José Ou 91v-a. Processo de fa/ência e concordata..., p. 387. E Pontes deMiranda assim leciona: 0 patrimônio do fldo patrimônio inconfundível, universitas iuris: dono dêle, titularde direitos, pretensões, ações e exceções que nêle se compreendem, é o falido. Houve, apenas, constrição,que, antes da arrecadação, é apenas no pimo jurídico. A arrecadação torna-a material, como elemento, amais, de juridicidade” (PONTES DE MIRAND, rancisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII...,p. 279).

50 VALVERDE, Trajano de Miranda. Coment.,rios lei de falênciaâ, v. 1..., p. 229. Ver, também, REQUIÃO,Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1..., p. 153.

51 Portanto, aplicam-se o disposto no art. 649do Código de Processo Civil e nos arts. 1.715, 1.848 e 1.911do Código Civil de 2002, bem como a tutee estabelecida aos bens de família pela Lei na 8.009/1990.Todavia, e especialmente no que tange ao ad. 649 do CPC, algumas considerações são importantes acercada incidência de tal dispositivo no conteçtofalírnentar: (a) é questionável a aplicação do art. 649, VIII, doCPC, que determina ser impenhorável a pequena propriedade rural, desde que trabalhada por família, jáque, de acordo com o art. 971 do Código CivI, hoje, quem exerce atividade rural pode ser equiparado aempresário (basta estar registrado na Junta Comercial) e, assim, a pequena propriedade rural seria, a rigor,o “estabelecimento” de tal empresário; (b) aiid a, tem-se que não se aplica o inciso Xl do art. 649 do CPC,que determina que os recursos públicos cio uude partidário recebidos por partido político são impenhoráveis,já que partidos políticos são associações (e nío sociedades empresárias) e, portanto, não podem falir (LFRE,art. 10); (c) e, por fim, tem-se questionável aplicação do art. 649 em caso de falência de sociedadeempresária — o que, teoricamente, é plenansnte possível, com base, por exemplo, nos incisos VIl e X, quedeterminam, respectivamente, ser impenhoraveis os materiis necessários para obras em andamento e aquantia depositada em caderneta de poupança eté o limite de 40 salários-mínimos—, uma vez que o objetivoda impenhorabilidade é a tutela da dignidade da pessoa humana (o que não é encontrado em sociedadesempresárias).

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o direito real de habitação), e o direito autoral de natureza moral (ingressando para a massa falida somente os rendimentos que daí possam provir),etc.525354.

Destarte, é importante ressaltar que o falido mantém a livre administração e disposição dos bens que não entram para o regime falimentar55.

Ademais, salientamos que o desapossamento não ocasiona a automática perda da propriedade dos bens do falido (não ocorre qualquer expropriação): o que se dá, na verdade, é a perda da posse direta dos bens parao administrador judicial e dos poderes de administrar e dispor de seus bens,continuando o devedor com a posse indireta. E tanto isso é verdade que oart. 103, parágrafo único, garante uma série de direitos para a defesa de seusinteresses.

Dito de outra forma, a massa falida subjetiva (comunhão de interessesdos credores)56 não se torna proprietária dos bens integrantes do patrimôniodo falido: somente congrega os interesses dos credores sobre a administração e a indisponibilidade (mesmo porque a massa falida sequer possuipersonalidade jurídica para ser titular de patrimônio próprio)°. Com o de

52 Sobre todo o aqui exposto, ver: VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1...,

p. 241, 246-247; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p.255 e ss.; CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII..., p. 456-458; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial, v. 14..., p. 494 e as.; MAGGIORE, G. Ragusa.Istituzioni di diritto fallimentare..., p. 169-171; PROVINCIALI, Renzo. Trattato di dir,tto failimentare, v. II...,

p. 822 e 55.; BONELLI, Gustavo. Dei fallimento, v. l..., p. 431 e 55.; FERRI, Giuseppe. Manuale di DirittoCommerciale..., p. 652.

53 Em sentido semelhante a todo o aqui exposto, preveem de modo expresso as legislações de outros países:na Itália (Regio Decreto 16 marzo 1942, n°267, modificado pelo Decreto Legislativo deI 9 gennaio 2006,n° 5), art. 46; na Argentina (Ley n024.522/l995),art. 108.

54 Quanto às hipóteses em que a legislação criou o chamado patrimônio de afetação, existe, a rigor, regimeespecial (o que a própria LFRE reconhece em seu art. 119, IX, da LFRE). E, entre vários exemplos, o maioré o caso das incorporadoras: a Lei n° 10.931/2004 acrescentou a figura do patrimônio de afetação à Lein°4.591/1964 (arts. 31-A a 3 1-F), possibilitando que o incorporador destine o terreno e as acessões objeto daincorporação imobiliária, assim como os demais bens e direitos a ela vinculados, exclusivamente à consecuçãoda incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. Portanto,os efeitos da decretação da falência do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, nãointegrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargosobjeto da incorporação. Todavia, é claro que são desapossados do falido (seria ilógico pensar que o falidopudesse continuar administrando e dispondo de tais bens): o que se tem é um regime próprio e especial dearrecadação, administração e liquidação, com o objetivo de satisfazer determinados credores.

55 Nesse sentido opina Carvalho de Mendonça: “Mas, no patrimônio do devedor (especialmente se êste é pessoafísica) existem alguns bens restritamente pessoais e outros que, por natureza ou por disposição legal, fundadaem motivos de eqüidade, são afastados da ação dos credores”. “Quer isso dizer que o falido ainda na vigênciado processo de falência, mantém sob a sua administração outro complexo de bens, distinto daquele queconstitui a garantia dos seus credores” (CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercialbrasileiro, v. VII..., p. 456).

56 Sobre o tema da massa falida subjetiva, ver REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimenfar, v. 1..., p. 136,151.

57 Por tudo, ver FRANCO, Vera Helena de MelIo. Comentários aos arts. 94 a 114..., p. 420; FRANCO, VeraHelena de MelIo; SZTAJN, RacheI. Falência e recuperação da empresa em crise..., p. 135; PACHECO,José da Silva. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência..., p. 3 17-318; NEGRAO, Ricardo.

ROE N°31 — Mar-Ahr/2O1 3—SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE 201

sapossamento, há, na expressão de Renzo Provincialise, um penhoramentogeral do patrimônio do devedor, ou, como prefere Pontes de Miranda°, umpenhoramento abstrato°.

Lembra Ignacio Escuti que:

El deudor subsiste como titular de todos los derechos y relaciones comprendidos en su patrimônio, pero la disponibilidad, ei goce, la administración yla custodia recaen sobre los órga nos falimentarios, en virtud de un procesode sustitución procesal.°

A perda da propriedade dos bens somente ocorre posteriormente, aoserem liquidados (realização do ativo) para, com o produto da alienação,realizar-se o pagamento dos credores (pagamento do passivo) — sendo que,após o pagamento de todos os credores, caso reste saldo, este é entregue ao

Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas e de falências..., p. 61-62; VIGIL NETO, Luiz Inácio.Teoria falimentar e regimes recuperatórios..., p. 247; COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falênciase de recuperação de empresas..., p. 335; TARREGA, Maria Cristina Vidotte Bianco. Comentários aos artigos102 a 104..., p. 458; PACHECO, José da Silva. Processo de falência e concordata..., p. 367, 388-389;VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1..., p. 220-221, 230-234; PONTESDE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p. 241, 247 e as.; REQUIAO,Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1..., p. 143, 149, 151-152; CARVALHO DE MENDONÇA, JoséXavier. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII..., p. 450 e ss.; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direitocomercial, v. 14..., p. 472-473; MENDES, Octavio. Fallencias e concordatas..., p. 116-117; PROVINCIALI,Renzo. Trattato di diritto failimentare, v. II..., p. 786, 846-847; FERRARA, Francesco. li failimento...,p. 282.

58 PROVINCIALI, Renzo. Trattato di diritto fallimentare, v. II..., p. 783.59 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p. 247-248.60 Mas muito se discute sobre a natureza jurídica do desapossamento: se seria um direito real de garantia, um

sequestro ou uma apreensão cautelar conservativa, isria verdadeira transferência da propriedade, o equivalentea uma penhora, ou, ainda, se acarretaria a formação de um patrimônio separado que responde pelos débitosdo falido (do qual determinados bens singulares são excluídos, tais como os bens impenhoráveis). Sobre otema, ver, entre outros, PACH ECO, José da Silva. Processo de recuperaçáo judicial, extrajudicial e falência...,p. 318; PACHECO, José da Silva..., p. 389; CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direitocomercial brasileiro, v. VII..., p. 449; VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1...,p. 230-231; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p. 281-284; REQUIAO, Rubens. Curso de direito falimenter, a. 1..., p. 151-153; MAGGIORE, G. Ragusa. lstituzionidi diritto failimentare..., p. 151-154; FERRARA, Francesco. li fallimento..., p. 281 e ss.; PROVINCIALI,Renzo. Trattato di diritto failimentare, v. II..., p. 786 e SS.; BONELLI, Gustavo. Dei failimento, v. 1...,p. 459-527. Nutrimos o máximo respeito pelas considerações feitas pela doutrina — e entendemos, de tato,que se trata de uma penhora que recai sobre todo o patrimônio do devedor (diferentemente do que ocorre emuma execução singular, quando a penhora recai somente sobre determinados bens). Todavia, talvez por nossaignorância, acreditamos que a discussão da natureza jurídica, aqui, beira a inutilidade— mesmo porque, comosalienta Genaro Carrió, boa parte das discussões envolvendo a natureza jurídica de institutos é irrelevante,constituindo as enormes pesquisas sobre o tema dos mais diversos institutos verdadeira enfermidadeprofissional dos pesquisadores do direito (cf. CARRIO, Genaro. Notas sobre derecho y lenguage. 4. ed.Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p. 100-103). E assim entendemos porque a legislação falimentar é claraao dispor sobre o desapossamento e seus efeitos. Não vislumbramos, na discussão acerca da natureza jurídicado desapossamento, um guia adequado para a solução de eventuais casos, bem como uma base poucofrutífera de sistematização (como salienta CARRIO, Genaro. Notas sobre derecho y lenguage..., p. 102).

61 ESCUTI, Ignacio A.; BAS, Francisco Junyent. Derecho concursal..., p. 246.

202 .RDE N°31 — Mar-AbtI2Ol 3—SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE RBE N°31 — Mar-Abr/201 3—SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE , 203

falido (art. 1 53) ou, cessado o estado de falência e ainda existindo bens não

liquidados, estes retornam à posse direta do devedor62.

Tal compreensão é importante, inclusive, para a fixação da atuação

do administrador judicial. Considerando-se que, durante o processo fali

mentar, os bens continuam sendo de propriedade do falido, tem-se que o

administrador judicial, ao administrar a massa falida, não atua liyremente,

devendo agir de modo a dar cumprimento às etapas do regime falimentar.

E, por isso mesmo, é submetido à fiscalização e à prestação de contas°3 (nostermos da LFRE, arts. 22, capute III, p e r, 23, 27, 1, a, 103, parágrafo único,

104, XII, e 154).

Salientamos, também, que o desapossamento não acarreta modifica

ções outras nos bens do falido que não aquelas inerentes ao processo fali

mentar. Nesse sentido, por exemplo, os vícios que afetam determinado bem

ou relação persistem; da mesma forma, entende-se que não ocorre o venci

mento antecipado dos créditos do falido (mas somente dos seus débitos, nos

exatos termos do art. 77 da LFRE). Existe, todavia, o problema da falência de

sociedade empresária que possui sócios de responsabilidade limitada que

ainda não integralizaram (total ou parcialmente) sua parcela do capital so

cial, não tendo vencido ainda o prazo estabelecido para tal integralização.

Na Itália (art. 1 50 da Legge Failimentare) e em Portugal (Código da Insol

vência e da Recuperação de Empresas português — Decreto-Lei n° 53/2004,

art. 82), por exemplo, as legislações autorizam a cobrança antecipada,

como também autorizava o art. 50 do revogado Decreto-Lei n° 7.661/1945.Apesar disso, tal dispositivo não foi repetido na LFRE.

Ainda, tem-se que o desapossamento não ocasiona a incapacidade

do falido nem a sua interdição ou perda de direitos políticos. Para Marcelo

Andrade Feres:

De qualquer sorte, não trata a espécie de incapacidade do falido. O fato desofrer a limitação sobre o poder de gestão e de disposição de seus bens, consoante observado, é um desdobramento natural da formação da massa falida.Para que não haja sobreposição de exercício de direitos, é necessário que alegislação subtraia do devedor e outorgue ao administrador judicial o poderde disponibilidade dos bens que integram o patrimônio falimentar.

62 Nesse sentido, Marcelo Andrade Feres entende, apesar de o art. 103, caput, falar em perda do direito deadministrar e dispor os bens, que o que ocorre é a suspensáo de tais direitos, tendo em vista que, em sendo

possível (ao menos teoricamente) que a falência seja superavitária (em sendo pagos todos os deveres, ainda

sobram ativos), o falido passa a ter plenos poderes de administrar e dispor os bens e direitos remanescentes

(FERES, Marcelo Andrade. Seção V— Da inabilitaçáo empresarial, dos direitos e deveres do falido..., p. 775).Sobre o tema, ver, também, REQUIAO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1..., p. 151.

63 a. VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios..., p. 248.

[...1 Em verdade, o conteúdo do caput do art. 103 da Lei n° 11.101/2005,apesar de grave, constitui efeito processual sobre os bens do devedor — e nãosobre a sua pessoa —, indispensável ao salutar desenvolvimento do processode falência, sem o qual não se completaria jamais a árdua tarefa de liquidação do patrimônio nele abrangido.°

Portanto, o falido continua com o poder de administrar e de dispordos bens não abarcados pela falência (como já vimos), bem como de bensde terceiros — como o de seus filhos (nos termos do art. 1.689 do CódigoCivil), que, como se sabe, não são arrecadados (nem, em princípio, os seusrendimentos)65, pois não pertencem ao falido (lembrando-se de que, quando da vigência do Decreto-Lei n° 7.661/1945, assim dispunha o art. 42: “Afalência não atinge a administração dos bens dotais e dos particulares damulher e dos filhos do devedor”66.

De qualquer forma, tem-se que o desapossamento traz algumasconsequências na esfera pessoal, como a impossibilidade de o falido sertutor ou curador (ou a exoneração da tutela ou curatela) (Código Civil,arts. 1.735, 1, e 1 .774).

Também em decorrência do desapossamento, a massa falida, representada pelo administrador judicial, sucede o falido nas ações (inclusive,quando for o caso, em processos arbitrais67) pendentes ou futuras relativas

64 FERES, Marcelo Andrade. Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres do falido..., p. 775.Ver, também: VALVERDE, Trajano de Mira9da. Comentários à /ei de falências, v. 1..., p. 215-216; PONTESDE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratedo d direito privado, t. XXVIII,.., p. 283; REQUIAO, Rubens. Cursode direito falimentar, v. 1..., p. 143, 149; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial, v. 14...,p. 471-472; MENDES, Octavio. Fallencias e concordatas..,, p. 117 e 55.; CARVALHO DE MENDONÇA,José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII..., p. 431 e OS.: “A incapacidade é estabelecidapara proteger certas pessoas e sàmente estas ou os seus herdeiros podem-na invocar ou alegar. Ora,privando-se o falido da faculdade da admiristnação e disposição dos bens durante o processo da falência,não se visa protegê-lo; ao contrário, procura.se amparar, resguardar os direitos dos credores”. Remetemostambém a MAGGIORE, 0. Ragusa. lstitutiorii cli diritto fallimentare..., p. 151 e os.; FERRARA, Francesco.II fallimento..., p. 297; PROVINCIALI, Renzo. Trattato didlritto failimentare, v. II..., p. 832,874; MILANI,Mano Sergio. Lei de recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência comentada..., p. 423;BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia Marina Labate. Falências e concordafas..., p. 351;PACHECO, José da Silva. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência..., p. 317; PACHECO,José da Silva. Processo de falência e concordata..., p. 389. Igualmente, a jurisprudência já se manifestoudessa forma em diversas oportunidades; rernosternos, exemplificativarnente, aos seguintes julgados: TJSPAC 50.027, 1° C.Civ., ReI. Des, Octavio Lacorte, J. 04.09.1950; STJ, REsp 40.991-8, 1’ T., Rei. Mm.Gomes de Barros, J. 02.02.1994.

65 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cevalcanti. Tratado de direito privado, t. XXVIII..., p. 278. Na Itália(Regio Decreto 16 marzo 1942, n° 267, niod ficado pelo Decreto Legislativo dei 9 gennaio 2006, n° 5), oart. 46 dispõe que os frutos derivados do usufruto legal dos bens do filho são excluídos da falência. Por outrolado, na Argentina (Ley n°24.522/19951,0 art. 108 determina que, uma vez atendidos os custos, os frutosdecorrentes do usufruto dos bens dos filhos menores do falido entram na falência.

66 Sobre o tema, ver CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier, Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII,..,p. 437; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial, v. 14..., p. 471; e MENDES, Octavio, Falienciaseconcordatas..., p. 117.

67 As arbitragens em curso têm seu curso normal, passando, todavia, o falido a ser representado peloadministrador judicial, como já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: STJ, MC 14.295, 3 T. (decisãomonocrática), ReI° Mi Nancy Andrighi, J. 09.06.2008; TJSP AI 531.020-4J3-OO, Câmara Reservada à

2 Í14 ,,,..,,,,..,,,,.,,,,,,,,.,,,.,..,.,....,,,,,,.........,.,............,...NOE N°31 — Mar-Abr/2013 — SEÇÃO ESPECIAL — ACONTECE RUE N°31 — Mar-Ahr/2013 — SEÇÃO ESPECIA[—ACONTECE ................,,,..,.,,,..,_.., is .... ...........,,..,,,,,,

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a relações de direito patrimonial do falido relacionadas à falência, pois o

falido perde sua capacidade de agir (arts. 22, III, ce n, e 76, parágrafo único,

da LFRE, e art. 12, III, do CPC), uma vez que poderia influir, por meio de

processos, em seu patrimônio. Mantém o falido a legitimidade processual

em processos que não sejam do interesse da massa (basicamente aqueles de

caráter personalíssimo — como ações de reconhecimento de paternidade, di

vórcio e reparação de dano pessoal ou moral, ainda que possam, eventual-

mente, trazer consequências patrimoniais futuras —, mas também as relações

de caráter patrimonial não abarcadas pelo desapossamento)686970.

Da mesma forma, todo e qualquer direito do falido, de interesse da

massa, será exercido por meio do administrador judicial (LERE, art. 22, III, .

E mais: tem-se que a falência e o natural desapossamento acarretam

a quebra do sigilo dos livros do falido e da sua correspondência (LFRE, arts.

22, III, d, e 104, II e V), sempre com o objetivo de melhor instruir o processo

falimentar e esclarecer a situação do devedor7l. Todavia, isso não significa

Falência e Recuperação, ReI. Des. Pereira Calças, J. 25.06.2008. No mesmo sentido, TJSP AC 0176616-

06.2009.8.26.0100, 35 CDPriv., ReI. Des. Meio Bueno, J. 26.03.2012. A doutrina caminha na mesma

direção; para tanto ver: ARMELIN, Donaldo. A Arbitragem, a falência e a liquidação extrajudicial. Revista de

Arbitragem e Mediação, a. 4, v. 13, p. 16-29, abr./jun. 2007. E sobre a questão, a legislação portuguesa

possui, inclusive, dispositivo legal expresso neste sentido (Código da Insolvência e da Recuperação de

Empresas português — Decreto-Lei n° 53/2004, art. 87).

68 Nesse sentido, assim já se pronunciou a jurisprudência pátria: STJ, REsp 764815/RJ, 4 T., Rei. Mm. João

Otávio de Noronha, J. 23.11.2009; TJRJ, AC 2005.001.48250, 1 C.Cív., Rela Des Maria Augusta Vaz,

J. 04.04.2006. Ver, também, REQUIAO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1..., p. 143-144; MENDES,

Octavio. Fallencias e concordatas..., p. 118; CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direitocomercialbrasileiro, v. VII..., p. 434; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercia/, v. 14..., p. 471-472;

BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia Marina Labate. Falências e concordatas..., p. 352;

MAGGIORE, G. Ragusa. Istituzioni di dirítto failimentare..., p. 165; FERRARA, Francesco. li fallimento..., p.

302-303; e PROVINCIALI, Renzo. Trattato di diritto failimentare, v. II..., p. 823-826, 858 e ss. (esse autor

não entende, por exemplo, os motivos pelos quais, nas ações de indenização, o administrador judicial não

deva atuar em tais processos quando se objetiva a reparação financeira por algum dano sofrido pelo falido,

salvo quando o benefício não atenda aos interesses da massa, como no caso de o devedor estar postulando opagamento de prótese em decorrência de problema físico decorrente de acidente).

69 E, nesse sentido, a Ley de Concursos y Quiebras argentina (Ley n° 24. 522/1995), no art. 110, é clara aodispor que o falido perde a legitimaçáo processual nos litígios referentes aos bens desapossados, devendo

neles atuar o síndico, apesar de o devedor poder solicitar medidas conservatórias judiciais e atuar nas omissõesdele. Da mesma forma, a Legge Fallimentare italiana (Regio Decreto 16 marzo 1942, n° 267, modificadopelo Decreto Legislativo dei 9 genna/o 2006, n° 5), no art. 43, dispõe que o curador estará em juízo nasdemandas relativas às relações de direito patrimonial do falido compreendidas na falência. E igualmente nessa

direção caminha a legislação portuguesa (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas português —

Decreto-Lei n° 53/2004, art. 85).70 E é relevante frisar que, então, quem não é falido, como os sócios e administradores de sociedade com

responsabilidade limitada, permanecem com legitimidade processual, sendo, então, incorreta a decisãodo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS, AC 70022127617, 5° C.Cív., ReI. Das. Leo Lima,J. 27.02.2008) que afirmou não ser legitimado o sócio-administrador de sociedade limitada para discutircontrato no qual interveio para garantir empréstimo à sociedade falida, vencido o Desembargador Revisor,Umberto Guaspari Sudbrack, que corretamente defendeu a legitimidade dos autores, já que a ação discutiacontrato envolvendo bens particulares, e não da massa. Incorreta, também, outra decisão do mesmo tribunal:TJRS, AC 70006190953, 17° C.Cív., Rei. Des. Jorge Luis Dall’Agnol, J. 03.06.2003.

71 “Perció /a corrispondenza relativa ai patrimonio assogettato all’esproprio failimentare è considerata come unacessorio dei patrimonio medesimo e quindi appresa dai curatore che ne ha l’amministrazione.” (FERRARA,

que o administrador judicial possa divulgar toda e qualquer informação quediga respeito à pessoa do falido e não se relacione aos interesses da massafalida, sob pena de responsabilização, mesmo porque devem ser entreguesao devedor os documentos que não sejam de interesse da massa (isto é, devem ser protegidos os direitos personalíssimos do devedor).

Justamente nesse sentido caminha o art. 22, III, d (bem como oart. 114 da Ley de Concursos y Quiebras argentina). Assim, não ocorre violação à garantia constitucional (CF, art. 5°, XII)72.

Ainda, é pertinente questionar o que ocorre se o falido realiza qualquer ato de administração ou disposição após a decretação da quebra (oudo sequestro). O art. 103 da LFRE é omisso a respeito; todavia, grande parteda doutrina entende que o ato é nulo — nulidade essa que poderia ser reconhecida de ofício pelo juiz, independentemente de prova de prejuízo ou dequalquer objetivo fraudulento ou se realizada com dolo ou culpa. Isso tudotendo em vista o disposto nos arts. 1 66, VII, e 1 68, parágrafo único, do Código Civil — e mesmo porque o Decreto-Lei n° 7.661/1 945, no seu art. 40,§ 1°, dispunha de modo expresso que “não pode o devedor, desde aquelemomento, praticar qualquer ato que se refira direta ou indiretamente, aosbens, interesses, direitos e obrigações compreendidos na falência, sob penade nulidade, que o juiz pronunciará de ofício, independentemente de provade prejuízo”73.Nós, todavia, não encampamos tal posicionamento: entende

Francesco. li fallimento..., p. 277)72 Sobre o tema, ver REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1..., p. 146-148; PACHECO, José da

Silva. Processo de falência e concordata..., p. 366; ESCUTI, Ignacio A.; BAS, Francisco Junyent. Derechoconcursal..., p. 243-244.

73 Cf. BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada..., p. 241;FRANCO, Vera Helena de Melio. Comentários aos arts. 94 a 114..., p. 421; FRANCO, Vera Helena de Melio;SZTAJN, RacheI. Falência e recuperação da empresa em crise..., p. 136; TARREGA, Maria Cristina VidotteBlanco. Comentários aos artigos 102 a 104..., p. 458; ANDRIGHI, Fátima Nancy. Artigos 75 a 80. In:CORREA-LIMA, Osmar Brins; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa (Coord.). Comentários à nova lei de falências erecuperação de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 48-519, p. 494; FERES, Marcelo Andrade.Seção V — Da inabilitação empresarial, dos direitos e deveres do falido..., p. 778-779; VALVERDE, Trajanode Miranda. Comentários à lei de falências, v. 1..., p. 240-241; PACHECO, José da Silva. Processo defalência e concordata..., p. 388; CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercialbrasileiro, v. VII..., p. 451 e 55.; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial, v. 14..., p. 472. E assimjá decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo (em caso relacionado a acordo extrajudicial para pagamentode verbas trabalhistas mediante a entregue de automóvel por parte do falido): TJSI AI 576.078-4/6-00,Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rei. Des. Romeu Ricupero, J. 24.09.2008. No mesmo sentido,remetemos ao seguinte precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: TJSC, AC 1998.043265-8,1° CDCiv., Rei. Des. Napoleão Amarante, J. 12.02.1991 (em caso envolvendo a celebração de contratode locação, no curso da falência, pelo falido, sendo qse a percepção posterior do aluguel pelo síndico nãosignifica a ratificação do pacto locativo, na medida em que os atos nulos no são passíveis de ratificação).Fazemos, ainda, referência aos seguintes precedentes: TJSC, AC 1988.044902-2, 2° Câmara de DireitoComercial, ReI. Des. João José Schaefer, J. 15.10.1992; STJREsp 154789/Sl 3° T., ReI. Mi WaldernarZveiter, J. 07.12.1999. De qualquer forma, o Decreto.Lei n° 7.661/1945 apresentava exceção à regra noà 2° do art. 40, em atenção à boa-fé do portador de título (o que não mais existe na LFRE em vigor):“à 2° Se, entretanto, antes da publicação da sentença declaratória da falência ou do despacho de seqüestro, odevedor tiver pago no vencimento título à ordem por êle aceito ou contra êle sacado, será válido o pagamento,