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Claudio Blanc Os EUA e o Golpe Militar Uma seleção comentada de documentos secretos liberados pelo Ato de Liberdade de Informação que comprovam o envolvimento do Departamento de Estado Americano e da CIA no Golpe de 1964

Os EUA e o Golpe Militar

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documentos secretos liberados pelo Ato de Liberdade de Imprensa sobre a participação do Departamento de Estado dos EUA no golpe militar brasileiro de 1964

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Page 1: Os EUA e o Golpe Militar

Claudio Blanc

Os EUA e o Golpe Militar

Uma seleção comentada de documentos secretos

liberados pelo Ato de Liberdade de Informação que

comprovam o envolvimento do Departamento de

Estado Americano e da CIA no Golpe de 1964

Page 2: Os EUA e o Golpe Militar

Projeto Cultura e Memória

do Sindicato dos Padeiros de São Paulo

Presidente: Francisco Pereira de Sousa Filho (Chiquinho Pereira) Coordenador: Aparecido Alves Tenório (Cidão)

Curador: Claudio Blanc

www.padeirosspmemoria.com.br

Page 3: Os EUA e o Golpe Militar

Sumário

Os EUA e o Golpe Militar........................................................................4

Médici e Nixon .......................................................................................39

A Operação Condor..............................................................................94

Sobre o Autor.........................................................................................108

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

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Os EUA e o Golpe Militar

Em sua análise sobre a ditadura militar brasileira, o profes-

sor de Estudos Brasileiros da Temple University, de Filadélfia, EUA,

Philip N. Evanson é cirurgicamente preciso. Evanson afirma que os

ditadores empossados pelas Forças Armadas promoveram “um au-

mento significativo de crimes contra os direitos humanos, [foram]

socialmente irresponsáveis, contraíram empréstimos excessivos no

exterior, promoveram concentração de renda e o aumento da po-

breza, implicando no dramático crescimento da criminalidade nos

grandes centros urbanos”. Além disso, a ditadura militar repercutiu

de forma tremendamente negativa para seus próprios protagonis-

tas. A Revolução de 1964 “enfraqueceu seriamente as instituições

militares, as quais perderam prestígio e tiveram o orçamento redu-

zido”, conclui o professor.

No início da década de 1960, o Brasil enfrentava instabilida-

des econômicas e políticas. Com a justificativa de ordenar o cenário

nacional, em 1964, os militares deram um golpe e tomaram o po-

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der. Os membros das Forças Armadas sustentavam que o golpe era

legal, pois visava tirar do poder o presidente João “Jango” Goulart,

de orientação de esquerda e que, de acordo com os golpistas, esta-

ria comento abusos. No primeiro momento, os militares tinham o

apoio da sociedade civil. No entanto, o regime militar imposto em

1964 acabou tomando a terrível feição de ditadura, a qual foi res-

ponsável pelo pior período da história brasileira recente. Milhares

foram torturados; outros tantos, mortos. A pobreza e a disparidade

social aumentaram. No final da ditadura, o país tinha contraído uma

dívida externa meteórica, e a inflação galopante era retratada como

um dragão enfurecido a destruir a economia. Como resultado, na

década de 1980, o Brasil enfrentou uma das piores crises econômi-

cas de sua existência.

Uma série de documentos secretos1 foi liberada ao público

pelo Ato de Liberdade de Informação por ocasião do 40º aniversário

do golpe militar de 1964. Os memorandos, telegramas e memoran-

dos comprovam que, por trás dos militares, apoiando o golpe, esta-

va o Departamento de Estado americano e seu braço ativo, a CIA.

Os documentos a seguir revelam passo a passo como esse apoio foi

dado. Inicialmente, o embaixador americano no Rio de Janeiro Lin-

coln Gordon promove uma campanha para o Departamento de Es-

tado apoiar os revolucionários com combustíveis, munições e o

1 Os documentos originais podem ser acessados no site do The National

Security Archive, em

http://www2.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB118

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reforço de uma força-tarefa naval. A campanha de Gordon foi, en-

tão, endossada pela CIA, e o apoio americano aos militares foi con-

cedido conforme as requisições iniciais.

Documento 1

Em 27 de março de 1964, o embaixador Lincoln

Gordon escreveu o telegrama a seguir aos principais funcionários de

segurança nacional do governo dos Estados Unidos. A lista de recep-

tores inclui o diretor da CIA John McCone e os secretários de defesa

e de Estado, Robert McNamara e Dean Rusk. No documento, Gor-

don informa que o presidente Goulart estava trabalhando com o

Partido Comunista para “estabelecer poder ditatorial” e conclama

os Estados Unidos a apoiar as forças do general Castello Branco.

Gordon recomenda “envio clandestino de armas de origem outra

que a americana” para Castello Branco, bem como gasolina e com-

bustível para apoiar os militares no golpe e sugere também que a

assistência seja implementada pela CIA através de operações secre-

tas. O embaixador propõe que para tanto seja usado um submarino

clandestino e, para “demonstrar apoio e força”, aconselha que uma

força-tarefa naval seja enviada ao Atlântico Sul para “manobras”.

Para garantir forte impacto psicológico, a força-tarefa deveria incluir

porta-aviões.

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27 de março de 1964

Pessoal do embaixador Gordon. Favor passar i-

mediatamente ao secretário de Estado Rusk, ao

secretário assistente Mann, Ralph Burton, ao

secretário de defesa McNamara, ao secretário

assistente de defesa McNaughton, ao general

Maxwell Taylor, ao diretor da CIA John McCone,

ao coronel J.C. King, Desmond Fitzgerald, à

Casa Branca para Bundy e Dungan, à zona do ca-

nal para o general O’Meara. Outra distribuição

somente através de aprovação dos acima mencio-

nados.

1. Desde que voltei ao Rio em 22 de março, te-

nho analisado a situação brasileira minuciosa-

mente junto a civis e membros das Forças Arma-

das de destaque aqui (no Rio), convocando tam-

bém chefes de postos em São Paulo e em Brasí-

lia para ajudar e também para fazer contato

seletivo com alguns brasileiros bem informa-

dos.

2. Minha conclusão é que Goulart está agora

definitivamente engajado em estabelecer poder

ditatorial, aceitando a colaboração ativa do

Partido Comunista do Brasil e de outros revo-

lucionários radicais de esquerda para conquis-

tar esse fim. Se ele tiver sucesso, é mais do

que provável que o Brasil venha a ficar intei-

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ramente sob controle dos comunistas, mesmo a-

pesar de que Goulart espera se voltar contra

seus aliados comunistas e estabelecer um regi-

me conforme o modelo peronista, o qual, creio,

é sua preferência pessoal.

3. As táticas dos guardas do palácio de Gou-

lart estão concentradas em fazer pressão para

assegurar que o Congresso aprove reformas

constitucionais que não seriam conseguidas por

meios normais, usando uma combinação de passe-

atas urbanas, ameaça de greve, ou mesmo greves

reais, violência rural esporádica e abuso de

modo pensado do enorme poder financeiro do go-

verno federal. Isso está sendo combinado com

uma série de decretos executivos populistas de

legalidade dúbia e uma campanha de boatos cal-

culados para assustar elementos da resistên-

cia. A capacidade do presidente de enfraquecer

a resistência no Estado segurando financiamen-

to federal essencial é especialmente importan-

te nessa conexão. O governo também está subme-

tendo o rádio e a televisão a uma censura par-

cial, aumentando o uso da agência de noticiais

nacional e requisitando horário de transmissão

para sua própria propaganda reformista, bem

como para fazer sutis ameaças veladas contra a

imprensa de oposição. O propósito não é, de

fato, assegurar reformas sociais e econômicas

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construtivas, mas desacreditar a constituição

existente e o Congresso, abrindo terreno para

um golpe de cima para baixo que pode, então,

ser ratificado por um plebiscito manipulado e

a promulgação de uma nova Constituição por uma

assembleia constituinte controlada por ele.

4. Não descarto completamente a hipótese de

que Goulart possa desistir dessa campanha e

cumprir seu mandato normal (até 31 de janeiro

de 1966), com eleições presidenciais apropria-

das acontecendo em outubro de 1965. Esse seria

o melhor resultado para o Brasil e para os Es-

tados Unidos, se puder acontecer. No entanto,

Os compromissos de Goulart com a esquerda re-

volucionária são tão abrangentes que as chan-

ces de se atingir esse resultado pacífico a-

través da normalidade constitucional parecem

ser de menos de 50 contra 50. Ele poderá fazer

recuos táticos para tranquilizar a oposição

novamente, como fez no passado. Há alguns si-

nais de que isso aconteceu nos últimos dias,

como resultado da passeata de oposição feita

em 19 de março em São Paulo, a hostilidade de-

clarada dos governadores dos maiores estados e

das reclamações e avisos feitos pelas Forças

Armadas, especialmente pelo exército. Mas ex-

periências passadas mostram que cada recuo

mantém consideráveis terrenos ganhos, e o a-

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vanço seguinte vai além do anterior. Com seu

tempo acabando e com os candidatos à sucessão

entrando ativamente em campo, Goulart está sob

pressão e deve agir rapidamente e calcular me-

nos os riscos. O desgoverno também está acele-

rando a taxa de inflação a ponto de ameaçar

causar um colapso econômico e desordem social.

O ILEGÍVEL desesperado para estabelecer um re-

gime totalitário poderá ser feito a qualquer

momento.

5. O movimento de Goulart, o qual inclui afi-

liados comunistas, representa uma pequena mi-

noria – não mais do que 15 a 20% do povo ou do

Congresso. Apesar disso, o movimento tem toma-

do sistematicamente controle de muitos pontos

estratégicos, notadamente a Petrobras (a qual

sob o decreto de 13 de março está agora assu-

mindo o controle das cinco refinarias de pe-

tróleo particulares que ainda não estavam sob

seu controle), o Departamento de Correios e

Telégrafos, a liderança do sindicato dos co-

merciantes de petróleo, estradas, portos, a

navegação mercante, as recém-formadas associa-

ções de trabalhadores rurais e algumas outras

indústrias chave, os familiares e associados

civis e militares da presidência, importantes

unidades dos ministérios da justiça e da edu-

cação e elementos de muitas outras agências

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governamentais. Nas Forças Armadas, há diver-

sos oficiais de esquerda, aos quais Goulart

deu preferência e nomeou para funções-chave,

mas a vasta maioria é legalista e anticomunis-

ta e há uma minoria de antigos direitistas que

apoiam um golpe. A esquerda buscou enfraquecer

as Forças Armadas, através de organizações

subversivas de oficiais não comissionados e de

pessoal alistado com resultado significativo

na Força Aérea e na Marinha.

6. Em 21 de março, conversei com o secretário

Rusk para avaliar a força e o espírito das

forças de resistência e as circunstâncias que

poderiam detonar violência interna e mostra de

força. Creio que desde a passeata promovida

por Goulart e os sindicalistas em 13 de março

houve uma radicalização radical nas atitudes –

tanto públicas como políticas. A liderança no

apoio visível à constituição e ao Congresso,

às reformas feitas constitucionalmente e à re-

jeição do comunismo veio de um grupo de gover-

nadores: Lacerda, da Guanabara, Adhemar de

Barros, de São Paulo, Meneghetti, do Rio Gran-

de do Sul, Braga, do Paraná, e (para minha

surpresa) Magalhães Pinto, de Minas Gerais.

Eles se fortaleceram com a declaração clara do

ex-presidente marechal Dutra e com o discurso

de aceitação de Kubitschek. A enorme passeata

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pró-democracia de 19 de março em São Paulo,

organizada na sua maior parte por grupos de

mulheres, forneceu um importante elemento de

demonstração popular, que influencia de manei-

ra favorável o Congresso e as Forças Armadas.

7. Há uma interdependência recíproca entre as

ações do Congresso e das Forças Armadas. A re-

sistência do Congresso às ações executivas i-

legais e às exigência presidenciais sem funda-

mento de mudança na constituição depende da

convicção que seus membros serão apoiados pe-

los militares no caso de tomarem a iniciativa.

A tradição legalista das Forças Armadas é tão

forte que eles desejam, se possível, o apoio

do Congresso para qualquer ação contra Gou-

lart. A ação do Congresso é, portanto, uma das

principais chaves para essa situação.

8. Embora a franca maioria do(s membros do)

Congresso não confie nas propostas de Goulart

e despreza sua incompetência evidente, o atual

consenso dos líderes anti-Goulart no Congresso

é de que não conseguiriam, hoje, que a maioria

absoluta da Câmara dos Deputados apoiasse o

impeachment. Eles também se opõem a mudar o

Congresso de Brasília, pois isso tende a pre-

judicar ainda mais seu já maculado prestígio.

Apesar de que irão manter em aberto uma reti-

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rada dramática para São Paulo ou outro lugar

como recurso em uma situação de quase guerra

civil ou de guerra civil aberta. Eles estão,

no momento, colocando seus esforços na aprova-

ção de algumas reformas brandas como forma de

conter a campanha anticongresso de Goulart e

considerando outras maneiras mais afirmativas

de mostrar resistência. Eles não devem votar

uma lei de plebiscito, uma delegação de pode-

res, legalização do partido comunista, do voto

para analfabetos e outras mudanças políticas

propostas por Goulart.

9. Apesar das dificuldades, o desenvolvimento

mais significativo é a cristalização do grupo

de resistência militar sob a liderança do ge-

neral Humberto Castello Branco, chefe do staff

do exército. Castello Branco é muito competen-

te, discreto, honesto, além de ser um oficial

profundamente respeitado com forte lealdade

aos princípios legais e constitucionais e, até

recentemente, evitou qualquer abordagem dos

conspiradores contrários a Goulart. A ele está

associado um grupo de oficiais veteranos bem

posicionados que agora está assumindo direção

e controle sistemático da ampla, porém pouco

organizada, resistência organizada civil e mi-

litar em todas as áreas do país.

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10. Castello Branco prefere agir apenas em ca-

so de provocação anticonstitucional óbvia, por

exemplo, um movimento goularista para fechar o

Congresso ou no sentido de intervir em algum

dos estados opositores (Guanabara ou São Paulo

seriam os mais prováveis). Ele reconhece, po-

rém, (como eu) que Goulart deve evitar uma

provocação tão óbvia, embora continue movendo-

se na direção desse fato ao manipular greves,

minando financeiramente os estados e um ple-

biscito executivo que incluiria votos de anal-

fabetos para reforçar uma tomada de poder do

tipo bonapartista ou gaullista. Castelo Branco

está, portanto, preparando-se para uma ação

causada pela convocação pelos comunistas de

uma greve geral, outra rebelião de sargentos,

uma convocação de plebiscito contra à qual o

Congresso se opõe ou mesmo um maior contra-

ataque do governo contra a liderança democrá-

tica militar ou civil. Nesses casos, o apoio

político terá de vir em primeira instância de

um grupo de governadores estaduais que deverão

se declarar como o governo legítimo do Brasil

e que receberão, em seguida, endosso do Con-

gresso (se o Congresso ainda estiver funcio-

nando). Também é possível que, sob pressão de

forte oposição militar, Goulart renuncie e fu-

ja do país ou lidere um movimento revolucioná-

rio “populista”. As possibilidades claramente

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incluem guerra civil, com algumas divisões ho-

rizontais e verticais dentro das Forças Arma-

das, agravada pela ampla posse de armas dos

dois lados.

11. Ao contrário dos muitos grupos golpistas

anti-Goulart anteriores que nos abordaram du-

rante os dois últimos anos e meio, o movimento

de Castello Branco mostra perspectivas de am-

plo apoio e de liderança competente. Se for

para usarmos nossa influência para evitar um

grande desastre por aqui – que pode tornar o

Brasil a China dos anos 1960 – é a eles (o

grupo de Castello Branco) que eu e meus asses-

sores mais experientes acreditamos que devemos

apoiar. (Os secretários Rusk e Mann devem no-

tar que Alberto Byington2 está trabalhando com

esse grupo) Sustentamos esta opinião mesmo que

Castello Branco seja afastado de sua posição

no exército.

12. Apesar de sua força entre os oficiais da

corporação, o grupo de resistência está preo-

cupado com a adequação das armas e a possível

sabotagem de suprimentos. Na próxima semana,

seremos informados sobre suas necessidades de

armas através de contatos com o general (Ulho-

2 Alberto Byngton – industrial paulista que apoiou os militares no golpe.

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a) Cintra, o braço-direito de Castello Branco.

Esses suprimentos incluem combustível para a

marinha, que Byington tem estado procurando, e

mais combustível para motores e para aviões.

13. Devido a absoluta incerteza sobre quando

ocorrerá um possível incidente-gatilho (o qual

pode ocorrer amanhã ou qualquer outro dia),

recomendamos (a) que sejam tomadas medidas o

mais rapidamente possível para um envio clan-

destino de armas de origem outra que a ameri-

cana que deverá estar disponível para os alia-

dos de Castello Branco em São Paulo logo que

as necessidades logísticas sejam conhecidas e

que os arranjos possam ser efetivados. A nosso

ver, a melhor forma de entregar (as armas e o

combustível) é através de submarino sem marca-

ções a ser descarregado à noite em locais iso-

lados no estado de São Paulo, ao sul de San-

tos, provavelmente perto de Iguape ou Gananeia

(sic – Cananeia). (b) os materiais entregues devem

ser embalados de forma a camuflá-los e também

deve ser evitadas identificações do governo

dos Estados Unidos. Essas ações devem ser exe-

cutadas imediatamente.

14. As duas ações acima devem bastar para as-

segurar a vitória para forças amigas sem reve-

lara participação logística ou militar dos Es-

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tados Unidos, especialmente se politicamente

coberta, uma vez que dessa forma permitirá que

o reconhecimento do nosso partido é legítimo.

Devemos, porém, preparar igualmente sem perda

de tempo contra a contingência de intervenção

adicional necessária em uma segunda fase e

também contra a possibilidade de uma ação de

apoio aos comunistas por parte dos soviéticos.

Para minimizar as possibilidades de uma guerra

civil prolongada e para assegurar o apoio dos

indecisos, nossa capacidade de demonstrar ra-

pidamente apoio e força pode ser crucial. Com

esse propósito e de acordo com as conversações

em Washington de 21 de março, uma possibilida-

de é o envio de uma força-tarefa naval para

realizar manobras no Atlântico Sul, posicio-

nando-a a uma distância de poucos dias de San-

tos. Suprimentos logísticos devem obedecer aos

requerimentos especificados no Plano de Con-

tingência CINC Sul-Brasil (USSCJTFP-BRASIL)

revisado aqui em 9 de março. O envio de porta-

aviões seria muito importante por conta do e-

feito psicológico. O contingente da marinha

poderia realizar tarefas de segurança logísti-

ca estabelecidas no Plano CINC Sul. Agradece-

mos orientação o quanto antes sobre este ou

outros métodos alternativos que cumpram os ob-

jetivos acima descritos.

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15. Reconhecemos o problema de não reconhecer

o tempo necessário que essas forças deverão

permanecer na área. Com crises quase diárias

de intensidade variável acontecendo por aqui e

com a violência pronta a se tornar epidêmica

através de invasões de terras, embates de gru-

pos comunistas e democráticos rivais pelas ru-

as, com esforços para promover greves gerais e

com o crescimento programado das ações de Gou-

lart visando “realizar reformas básicas” até

24 de agosto (décimo aniversario do suicídio

de Vargas) há perigo real de que a guerra ci-

vil se inicie a qualquer momento. Apenas um

sinal convincente deste último seria o bastan-

te para os extremistas militares e a guarda

civil do palácio. O episódio recente dos mari-

nheiros rebeldes demonstra a fragilidade da

situação e a possível iminência de confronto.

16. Estamos, enquanto isso, tomando medidas

complementares com nossos recursos para forta-

lecer as forças da resistência. Isso inclui

apoio clandestino a manifestações de rua pró-

democracia (o próximo grande evento será no

dia 2 de abril, no Rio, com outros ainda sendo

programados), a difusão discreta de que o go-

verno dos Estados Unidos está profundamente

preocupado com os acontecimentos e o encoraja-

mento de sentimento democrático e anticomunis-

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ta no Congresso, nas Forças Armadas, grupos

amigáveis de estudantes e sindicalistas, igre-

ja e empresas. Poderemos requisitar modestos

fundos suplementares para outros projetos de

ações clandestinas em futuro próximo.

17. Também acredito que seria útil, sem entrar

em detalhes, uma resposta em entrevista cole-

tiva do secretário de Estado ou do presidente

indicando preocupação com informações sobre a

deterioração econômica e a inquietude política

no Brasil e a importância para o futuro do He-

misfério de que o Brasil, comprometido com su-

as raízes democráticas e tradições constitu-

cionais, vai continuar seu progresso social e

econômico sob a democracia representativa. Re-

comendamos que isso seja feito nos próximos

dias.

18. Essa mensagem não é alarmista ou reação

temerosa a um único incidente. Reflete as con-

clusões conjuntas da equipe da embaixada base-

adas em uma longa corrente de ações e informa-

ção de inteligência que nos convenceram de que

existe um perigo real e presente para a demo-

cracia e a liberdade no Brasil, que poderia

conduzir esta nação enorme ao campo comunista.

Se este fosse um país de menos importância es-

tratégica para os Estados Unidos - tanto dire-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

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tamente quanto no impacto que tem na América

Latina - poderíamos sugerir um período de a-

companhamento esperando que a resistência bra-

sileira, sem ajuda, cuidasse do problema. Nós

acreditamos que há uma grande possibilidade de

que ela consiga fazer isso, dados os sentimen-

tos básicos e as atitudes da maioria das pes-

soas e a força da democracia organizada, espe-

cialmente na metade Sul do país. O poder de

Goulart e da presidência de enfraquecer e aba-

lar a resistência é tão grande, no entanto,

que nosso apoio manifesto, tanto moral quanto

material e até a um custo substancial, pode

ser essencial para manter a coluna da resis-

tência brasileira. Não podemos perder tempo

nos preparativos para tal ação. A alternativa

de arriscar um Brasil comunista parece inacei-

tável, causando custos potencialmente muito

maiores tanto em dinheiro quanto em vidas.

Documento 2

O telegrama a seguir é parte da campanha do embaixador Lincoln

Gordon para envio de armas e combustível para apoiar as “unidades

paramilitares que estão trabalhando junto com os grupos democrá-

ticos militares”. Nele, Gordon adverte altos funcionários do governo

americano, entre os quais o diretor da CIA John McCone, sobre a

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rápida deterioração da estabilidade política no Brasil e reitera a

urgência do envio secreto de suprimentos.

29 de março de 1964

Pessoal do embaixador Gordon. Favor passar i-

mediatamente ao secretário de Estado Rusk, ao

secretário-assistente Mann, Ralph Burton, se-

cretário de defesa McNaughton, general Maxwell

Taylor, ao diretor da CIA John McCone, ao co-

ronel L.C. King, Desmond Fitzgerald, à Casa

Branca para Bundy e Dungan e passar para a Zo-

na do Canal para o general O’Meara. Outra dis-

tribuição apenas com aprovação dos acima cita-

dos.

1. Desde minha mensagem de sexta-feira, a cri-

se da marinha piorou de modo substancial a si-

tuação geral e possivelmente diminuiu ainda

mais o fator tempo. A substituição do ministro

da marinha Silvio Mota por um almirante de es-

querda, Paulo Mario Cunha Rodrigues, o qual

foi indicado, segundo informação confiável pe-

los líderes comunistas e pela CGT, a permanên-

cia de Aragão como comandante da marinha e a

anistia total para os marinheiros rebeldes e

fuzileiros são golpes na moral dos oficiais

das três armas e estão aparentemente assustan-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

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do muitos congressistas. (Esperamos mais in-

formações de Brasília na segunda-feira) O pior

componente do episodio é que os movimentos tá-

ticos feitos pelo palácio na sexta-feira à

tarde foram dirigidos o tempo todo por um gru-

po composto principalmente por comunistas. O

grupo de esquerda agora fala abertamente sobre

os novos avanços, que começaram com “uma lim-

peza no exército”. Forças de resistência, tan-

to civis como militares, buscando recuperação

de um impedimento e consultando sobre o curso

de ação futura.

2. Re parágrafo 2 da referência: lista de bens

será enviada assim que estiver disponível. Não

tive contato direto com os conspiradores mili-

tares. Minha opinião definitiva é de que a AR-

MA deve continuar com os contatos de inteli-

gência pelos quais ele é muito qualificado,

mas quaisquer contatos operacionais serão res-

ponsabilidade de CENSURADO.

3. Re parágrafo 3 da mensagem de sábado – ar-

mas não identificadas disponibilizadas o quan-

to antes e se possível pré-posicionadas antes

de a violência irromper e se multiplicar, de-

pendendo do desenvolvimento de eventos não

previstos. (as armas e suprimentos)Poderiam

ser usadas por unidades paramilitares traba-

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lhando junto com grupos militares democráticos

ou por militares aliados contra militares hos-

tis. O efeito imediato, o qual eu enfatizo,

seria o de diminuir a vontade de resistir e

facilitar o sucesso inicial. Devido à predile-

ção dos brasileiros de aderir a causas vitori-

osas, o sucesso inicial poderia ser chave para

atrair as forças indecisas e, portanto, seria

crucial para garantir a vitória com um mínimo

de violência. O risco posterior de relacionar

o golpe a uma operação secreta do governo dos

Estados Unidos nos parece pequena em vista dos

efeitos positivos, se a operação for conduzida

com habilidade, tendo em mente que muitas coi-

sas que não fazemos nos serão atribuídas.

4. Re parágrafo 4 da mensagem de sábado – meu

propósito nos parágrafos 14 e 18 da mensagem

de sexta-feira era deixar claro que em uma si-

tuação de guerra civil nossa capacidade de

mostrar força prontamente em resposta ao apelo

de um lado politicamente reconhecido como de-

mocrático é um fator crucial na determinação

da vitória desse lado. Entendo bem que uma de-

cisão grave está implicada nesse compromisso

de contingência com a intervenção militar aqui

(no Brasil). Mas também devemos pesar seria-

mente a alternativa possível, a qual eu não

estou prevendo, mas que pode ser vista como o

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

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perigo real de derrotar resistência democráti-

ca e de que o Brasil se torne um Estado comu-

nista. Não temos a intenção de que a operação

naval seja secreta; manobras feitas às claras

no Atlântico Sul poderiam ser uma influência

saudável.

5. Re parágrafo 5 da mensagem de sábado – re-

cente relatório de Arma CENSURADO cobre essa

área. Continuaremos estudando e relatando re-

gularmente sobre essas questões, especialmente

sobre as possibilidades e consequências das

iniciativas do grupo de governadores sem pré-

via cobertura do Congresso.

6. Re parágrafo 6 da mensagem de sábado – não

vejo sentido, hoje, de arrastar as negociações

da dívida externa ou suprimir ação de emprés-

timo de auxílio via programa AID, a não ser

que precedido por alguma indicação clara da

preocupação do governo dos Estados Unidos com

o problema básico do regime político brasilei-

ro. Ninguém espera ação com relação à divida

em menos de um mês. Em caso de projetos do AID

de interesse direto para elementos claramente

democráticos, como Cemat, acreditamos que as

aprovações e anúncios devem continuar. Iremos

avaliar cada caso conforme ele surgir à luz

dos efeitos políticos na ocasião. Se posteri-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

25

ormente atingirmos o ponto de querer suspender

a ajuda publicamente, o que seria especialmen-

te dramático se o trigo fosse incluído, preci-

saríamos de mais tempo em resposta a desenvol-

vimentos políticos mais óbvios dos que já a-

conteceram e que provavelmente incluiriam ata-

ques diretos em nossos interesses econômicos.

Sobre esse assunto, espero ansiosamente sua

orientação em 1 de abril sobre as penalidades

ao café.

7. O que se faz necessário agora é um indica-

ção suficientemente clara da preocupação do

governo dos Estados Unidos no sentido de asse-

gurar ao grande número de democratas no Brasil

que não estamos indiferentes ao perigo de uma

revolução comunista por aqui, mas feita em

termos que não possam ser rejeitados por Gou-

lart como intervenção indevida. Estou cance-

lando minha viagem programada para Alagoas e

Bahia de segunda a quarta-feira enviando Kubi-

sh para me representar. O cancelamento mostra-

rá certa preocupação. Nossos discretos conta-

tos informais com brasileiros simpáticos aos

nossos interesses também ajudam. Nada, porém,

do que fizermos aqui será nem de perto tão in-

fluente quanto uma declaração de alto-nível

vinda de Washington. Jornalistas americanos

Page 26: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

26

cobrindo a crise naval certamente poderiam

servir de gancho para tal declaração.

8. Reitero, portanto, a recomendação feita no

parágrafo 17 da mensagem de sexta-feira. À luz

dos desenvolvimentos descritos no parágrafo 1

desta mensagem, a ação mais urgente traria re-

sultados ótimos.

Documento 3

A CIA teve papel relevante do desenvolvimento da situação

no Brasil ao fazer eco à campanha do embaixador Gordon no senti-

do de obter apoio do Departamento de Estado dos EUA aos golpis-

tas. A estação da CIA no Brasil transmitiu em 30 de março de 1964 o

telegrama a seguir relatando fontes de inteligência de Belo Horizon-

te, as quais informam que a “revolução contra Goulart começará

definitivamente esta semana”. A “revolução”, prevista pela CIA,

“não se resolverá rapidamente e será sangrenta”.

Agência Central de Inteligência

Telegrama de Informação de inteligência

País: Brasil

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

27

Data da informação: 30 de março de 1964

Assunto

Plano de conspiradores revolucionários

em Minas Gerais

1. Em 30 de março de 1964, CENSURADO fez as

seguintes afirmações significativas em Belo

Horizonte:

A. Uma revolução promovida por forças anti-Goulart começará definitivamente

nesta semana, provavelmente nos pró-

ximos dias. Negociações de último mi-

nuto estão acontecendo neste momento

entre os estados sob controle de go-

vernadores democráticos. São Paulo e

Minas Gerais já chegaram a um acordo.

CENSURADO (duas linhas e meia). São

Paulo seguirá Minas Gerais se a revo-

lução começar em Minas Gerais

B. Depois que a revolução tiver começa-do, tropas de São Paulo e Minas Ge-

rais marcharão até o Rio de Janeiro

para se juntar às tropas que a apoia-

rá naquela cidade. Não se prevê pro-

blemas em minas Gerais. Alguns ele-

mentos suspeitos nas Forças Armadas

serão detidos. O coronel Afrânio A-

guiar, comandante da base da Força

Aérea em Belo Horizonte tende a favo-

recer Goulart. A base da Força Aérea

Page 28: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

28

em Belo Horizonte tem pouco a ofere-

cer em termos de resistência e será

tomada pelos revolucionários sem der-

ramamento de sangue.

C. No entanto, espera-se problemas em São Paulo, e os estabelecimentos mi-

litares terão de ser atacados rapida-

mente, pois sabe-se que são leais ao

presidente Goulart.

D. CENSURADO (duas linhas e meia) E. A revolução não se resolverá rapida-

mente e será sangrenta. No Norte, As

lutas poderão continuar por um longo

período. A posição da marinha é in-

certa e pode somar às dificuldades

das forças contrárias a Goulart. A

Força Aérea está tão dividida que não

será um problema nos estágios inici-

ais. No final, deverá pender para o

lado das forças contrárias a Goulart.

Documento 4

O documento a seguir é uma lista de decisões da Casa Banca no

sentido de “assistir no momento apropriado as forças contrárias a

Goulart” enviado pelo secretário de Estado Dean Rusk ao embaixa-

dor Gordon. Entre as medidas de apoio estão o envio de navios-

tanques carregados com combustíveis de Aruba a Santos, o forne-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

29

cimento de 110 toneladas de munição e outros equipamentos para

os golpistas e o despacho de uma brigada naval, a qual inclui um

porta-aviões e vários destróieres e que seria posicionada no litoral

brasileiro. Algumas horas depois, outro telegrama (anexo) foi envia-

do corrigindo o número de navios e as datas em que chegariam à

posição determinada.

Ação: Embaixada Americana do Rio de Janeiro

31 de março (1964) 14:29

Para o embaixador Gordon

Para sua informação pessoa apenas, as seguin-

tes decisões foram tomadas a fim de que este-

jamos em posição de prestar assistência no

tempo apropriado às forças contrárias a Gou-

lart, se assim for decidido.

1. Despacho de navios-tanques da marinha dos EUA levando petróleo, óleo e lubri-

ficantes de Aruba; primeiro navio-tanque

esperado na costa de Santos entre 8 e 13

de abril; a seguir chegarão três tanques

em intervalos de um dia.

2. Despacho imediato de força-tarefa naval para exercícios visíveis na costa do

Page 30: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

30

Brasil. A força consistirá de porta-

aviões (esperado para chegar à área em

10 de abril), quatro destróieres, dois

destróieres de escolta, navios-tanque da

força-tarefa (todos esperados para che-

gar quatro dias depois).

3. Embarque de cerca de 110 toneladas de munição e outros equipamentos leves, in-

clusive gás lacrimogêneo a serem envia-

dos de avião para São Paulo (Campinas).

O despacho aéreo para Campinas será fei-

to dentro de 24 a 36 horas após a emis-

são das ordens finais e envolverão 10

aviões de carga, 6 aviões-tanque e 6 ca-

ças.

A descarga do petróleo, óleo e lubrificantes

dos navios-tanques da marinha dos EUA (item 1)

e o despacho aéreo (item 3) irão requerer de-

senvolvimento político-militar da situação,

definindo que grupos têm direito razoável de

legitimidade para requerer nosso reconhecimen-

to e ajuda, bem como, se possível, de outras

repúblicas americanas. O despacho de navios-

tanque de Aruba e da força-tarefa naval não

nos envolvem imediatamente na situação brasi-

leira e são por nós considerados como exercí-

cios navais normais.

FIM

Page 31: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

31

Ação: Embaixada Americana Rio de Janeiro

31 de março (de 1964) 17:53

Info: Defesa para McNamara e Taylor

CIA para McCone

Telegrama para embaixador Gordon

As seguintes correções devem ser feitas no te-

legrama anterior (Deptel 1301)

1) Parágrafo um, leia-se: “despacho de na-vios-tanques da marinha dos EUA levando

petróleo, óleo e lubrificantes de Aruba;

primeiro navio-tanque esperado na costa

de Santos em 13 de abril; a seguir che-

garão três tanques em intervalos de um

dia.

2) Segunda sentença no segundo parágrafo, leia-se: “A força consistirá de porta-

aviões (esperado para chegar na área em

10 de abril), dos destróieres com mís-

seis teleguiados, quatro destróieres,

navios-tanque da força-tarefa (todos es-

perados para chegar quatro dias depois).

3) Riscar palavra “gás lacrimogêneo” da primeira sentença do parágrafo 3 e subs-

tituir por “agente CS”.

4) A referência a “10 aviões de carga” na segunda sentença do parágrafo três deve

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

32

ser corrigida para “seis aviões de car-

ga”.

Documento 5

Este memorando emitido pelo vice-chefe de Operações do Hemisfé-

rio Ocidental, Desmond Fitzgerald, registra a reunião de cúpula feita

na Casa Branca entre as principais autoridades de segurança ameri-

cana e o presidente Lyndon Johnson. Fitzgerald dá conta da infor-

mação passada ao presidente e das decisões sobre o que os ameri-

canos deveriam fazer conforme o progresso do golpe, inclusive o

envio de mais munição. O memorando também documenta a dis-

cussão do presidente Lyndon Johnson sobre a questão cubana, na

qual o famoso discurso de Che Guevara na ONU é citado com preo-

cupação.

1 de abril de 1964

MEMORANDO PARA O ARQUIVO

ASSUNTO: Reunião na Casa Branca em 1 de

abril de 1964

Page 33: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

33

PRESENTES: O presidente

Departamento de Estado: secre-

tário Rusk, sub-secretário

Ball, vice-sub-secretário

Johnson e sr. Ralph Burton

Departamento de Defesa: secre-

tário McNamara, vice-

secretário Vance, general Ta-

ylor e general O’Meara

Staff da Casa Branca: srs.

Bundy, Dungan, Moyers e Reedy

CIA: o diretor, coronel King e

sr. Fitzgerald

1. A reunião começou com um resumo da situ-ação com os mais recentes relatos de in-

teligência feito pelo coronel King, o

qual incluiu itens do telecon da 10 ho-

ras entre o Estado e o embaixador Gor-

don. A situação parece estar mais favo-

rável aos insurgentes do que estava na

noite anterior, particularmente em vista

das indicações de que o general Kruel

está movendo tropas do Segundo Exército

para a fronteira de São Paulo.

2. O secretário Rusk disse que o embaixador Gordon não está defendendo o apoio ame-

ricano agora. Apenas os paulistas requi-

Page 34: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

34

sitaram tal ajuda e mesmo assim sem de-

finição. O embaixador Gordon, com quem o

secretário concorda acredita que seria

errado neste estágio dar a Goulart um

motivo anti-ianque.

3. O secretário Rusk mencionou um “vazamen-to” na noite anterior sobre o movimento

da força-tarefa naval para a área do Sul

do Brasil. (O general Taylor disse que

não houve um vazamento de fato, mas sim

que parece ser uma dedução dos jornalis-

tas baseada no conhecimento de que acon-

tecera uma reunião especial dos chefes

em conjunto) Concordou-se que as pergun-

tas feitas pelos jornais sobre o movi-

mento naval serão tratadas de maneira

rotineira e não serão mostradas como um

movimento de contingência relacionado ao

Brasil.

4. CENSURADO 5. Houve um aparte sobre o Panamá, a res-

peito da última língua da organização

dos Estados Americanos sobre as discus-

sões dos EUA com o governo do Panamá. O

presidente opinou que essa linguagem,

que parece agradar os panamenhos, não

parece diferente daquela que ele usou

previamente.

6. Em outro aparte, o presidente perguntou sobre a repercussão que o discurso do se-

Page 35: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

35

nador Fulbright3 teve no exterior. O sr.

Ball comentou sobre sua recente viagem à

Europa, durante a qual ele falou com o

conselho da OTAN (antes do discurso de

Fulbright). Ele disse que os membros da

OTAN concordaram que os EUA ainda não a-

firmaram claramente sua posição com rela-

ção a Cuba. O sr. Ball acredita que o

discurso de Fulbright pode ter fornecido

munição àqueles que não são a favor da

nossa política para Cuba. Ele também a-

crescentou que o discurso de Che Guevara

em Genebra foi muito longo e que, portan-

to, pode ter “posto um ovo”, (isto é, ter

provocado reações favoráveis à Cuba). Ele

disse que não achava que, no que se refe-

re à negação de ajuda econômica a Cuba, o

discurso de Fulbright teve muito efeito

na América Latina, pois houve muito pou-

cas mudanças. O presidente perguntou se

estamos nos esforçando para explicar a

base da nossa atual política a Fulbright.

O secretário Rusk respondeu que isso foi

e continua sendo feito. O presidente ob-

servou que o senador Fulbright está, pro-

vavelmente, aproveitando a aureola colo-

3 James William Fulbright (1905 – 1995), senador pelo Arkansas entre 1945

e 1975 pelo Partido Democrata, apoiou a fundação da Organização das

Nações Unidas, mas, segregacionista, se opôs ao Movimento pelos Direitos

Civis da década de 1960.

Page 36: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

36

cada sobre ele pelo New York Times e o

Washington Post e irá querer conservar o

ornamento. O sr. Ball disse que tinham

localizado o calcanhar de Aquiles da po-

sição britânica a respeito da negação (de

auxílio econômico) a Cuba. Aparentemente,

os créditos governamentais britânicos po-

dem ser dados com duas condições: (1) que

crédito tenha pouco risco, e (2) que, a-

pesar de não ter pouco risco, que esse

risco seja de interesse nacional. Os bri-

tânicos aparentemente admitem que o acor-

do Leyland Bus4 esteja na segunda catego-

ria. Como consequência, ele crê que pode-

mos ser capazes de interromper futuros

créditos dos britânicos a Cuba apoiados

pelo governo. CENSURADO (cerca de três

linhas) O presidente disse que quer ter

certeza de que os britânicos entendem

completamente nossa posição a respeito da

rejeição de ajuda econômica a Cuba. 7. O secretário McNamara relatou sobre o

status da força-tarefa. Zarpou esta ma-

nhã e estará nas vizinhanças de Santos

por volta de 11 de abril. As armas e mu-

nições estão sendo reunidas para despa-

4 O documento se refere ao acordo apoiado pelo governo britânico entre

Fidel Castro e a fábrica ônibus Leyland para produzir ônibus em Cuba pou-

cos anos depois da revolução. O acordo desagradou sobremaneira Wa-

shington.

Page 37: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

37

cho aéreo de New Jersey, e a viagem le-

vará 16 horas a partir do momento da de-

cisão. Quanto aos combustíveis, o pri-

meiro navio-tanque, que partiu da área

de Aruba, estará em posição em 10 ou 11

de abril. Há, porém, um navio-tanque no-

rueguês alugado pela Esso no Atlântico

Sul carregado com a gasolina para moto-

res e aviões necessária. Esta indo para

Buenos Aires e deve chegar lá em 5 ou 6

de abril. CENSURADO (cerca de três li-

nhas) (os senhores Bundy e Dungan, acom-

panhando a reunião, disseram que se opu-

nham às ordens da marinha à sua força-

tarefa que colocaram o movimento clara-

mente dentro do plano de contingência

para o Brasil. Eles acham que isto é um

risco de segurança desnecessário.)

Documento 6

Neste telegrama, a estação da CIA no Brasil reporta a partida do

presidente deposto João Goulart para o Uruguai. Sua fuga marca o

sucesso do golpe militar no Brasil.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

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AGÊNCIA CENTRAL DE INTELIGÊNCIA

Telegrama de Informação de Inteligência

País: Brasil

Data da Informação: CENSURADO

Data de distribuição: 2 de abril de 1964

Assunto

Partida de Goulart de Porto Alegre

para Montevidéu

Local e data: CENSURADO

Fonte e parecer: CENSURADO

1. João Goulart, o presidente deposto do Brasil deixou Porto Alegre cerca de

13:00 h, horário local, e partiu para

Montevidéu. Comentário: não há detalhes

disponíveis sobre seus companheiros de

viagem.

2. O Conselho Geral de Governo aprovou, em 1 de abril, uma resolução para receber

Goulart como presidente, a não ser que

ele tenha renunciado antes de partir do

Brasil

FIM DA MENSAGEM

Page 39: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

39

Médici e Nixon

Uma série de documentos liberados ao público pelo Ato de

Liberdade de Informação por ocasião do 40º aniversário do golpe

militar de 1964 revelam os esforços para impedir a vitória da Frente

Amplio, de tendência esquerdista, nas eleições presidenciais uru-

guais de 1971. Os documentos mostram que Richard Nixon não só

conhecia os planos dos militares brasileiro de influenciar o resultado

das eleições, mas provavelmente colaborou com o presidente Mé-

dici nesse esforço. Há registros de que Nixon disse ao primeiro-

ministro britânico Edward Heath que “o Brasil ajudou a sabotar as

eleições uruguaias”.

Em dezembro de 1971, o presidente Emílio Garrastazu Mé-

dici visitou Washington, onde teve duas reuniões com o presidente

Nixon e se reuniu também com o conselheiro do presidente para

assuntos de segurança nacional Henry Kissinger e Vernon Walters,

que logo se tornaria diretor da CIA, entre outros. Os memorandos

que registram os encontros demonstram a participação de Médici

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

40

na manutenção dos interesses americanos. Kissinger enfatiza o a-

poio de Médici à “Doutrina Nixon” para a América Latina. Sob os

militares, o Brasil era um valioso aliado, um poder regional atuando

em prol da política dos Estados Unidos. Em um registro gravado,

Nixon expressou ao secretário de Estado Rogers seu desejo de que

Médici “estivesse governando todo o continente” (sul-americano).

Documento 1

O Departamento de Estado consulta as embaixadas da Argentina e

do Brasil sobre as reações desses governos quanto ao favoritismo

do partido marxista Frente Amplio nas eleições uruguaias. O docu-

mento menciona artigos em jornais americanos que especulam

sobre a possibilidade de intervenção militar no Uruguai por parte do

Brasil.

Embaixada de Montevidéu e Rio de Janeiro

(data ilegível - 20 de agosto de 1971)

1. Sem consulta fora da embaixada, gostarí-amos de ter sua estimativa sobre a pos-

sível reação do governo quanto a: (a)

vitória da Frente Amplio nas eleições

presidenciais uruguaias de 28 de novem-

bro; ou (b) mostra de força da Frente

Page 41: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

41

Amplio, porém, sem vencer as eleições;

ou (c) avaliação pré-eleitoral indicando

força cada vez maior da Frente.

2. Surgiram muitas reportagens na imprensa de Los Angeles especulando sobre possí-

veis planos dos brasileiros de agir no

Uruguai para impedir que a Frente assu-

ma, apelando, inclusive, para o uso de

força militar. Outros artigos sugerem

ação conjunta do Brasil e Argentina.

Documento 2

Em resposta ao inquérito do Departamento de Estado sobre

a intervenção brasileira e argentina nas eleições do Uruguai, a em-

baixada de Argentina relatou que o Brasil e a Argentina realizaram

muitas consultas de inteligência e estão observando de perto a situ-

ação uruguaia e menciona um acordo firmado entre os dois países

para intervirem em conjunto no Uruguai. O documento também

confirma o envolvimento da Argentina no golpe militar na Bolívia,

em agosto de 1971.

27 de agosto de 1971

De: Embaixada de Buenos Aires

Page 42: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

42

Para: Secretário de Estado, Washington D.C.

Informar: Embaixadas americanas em Brasília,

Rio de Janeiro e Montevidéu

Assunto: Situação no Uruguai

Sumário – o governo da Argentina está muito

preocupado com a situação no Uruguai. Sob as

condições presentes, o governo espera evitar

intervenção secreta, com ou sem o Brasil, e em

vez de privar a Frente Amplio dos frutos de

qualquer vitória ao apoiar um golpe de Pacheco

Areco ou, em contingências menos drásticas,

esforçar-se para fortalecer o governo do Uru-

guai para que este possa enfrentar a crescente

ameaça de subversão advinda dos ganhos eleito-

rais, ou crescimento do apoio popular para a

Frente.

1. O governo da Argentina e, particularmente,

os militares estão há muito preocupados com a

situação no Uruguai. Tal preocupação com cer-

teza irá aumentar conforme se aproximam as e-

leições, as quais são ameaçadoras por conta

dos ganhos da Frente Amplio. Evidências de li-

gações entre os terroristas uruguaios e argen-

tinos aumentam essa preocupação, e as autori-

dades argentinas há muito têm estado alarmada

Page 43: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

43

com a ineficiência dos uruguaios no combate à

subversão.

2. Nos últimos anos, o governo da Argentina,

em face à deterioração da situação doméstica

no Uruguai, buscou fortalecer a posição do go-

verno uruguaio através de assistência econômi-

ca. Reuniões entre os presidentes Pacheco Are-

co e Ongania5 em março de 1970 e com o presi-

dente Levingston em fevereiro de 1971 resulta-

ram no anuncio de tal ajuda. Além disso, o go-

verno argentino buscou fortalecer as capacida-

des antissubversivas do governo uruguaio atra-

vés de treinamento e aconselhamento, como no

caso do time de interrogadores despachado para

Montevidéu quando o tupamaro Raul Sendic foi

capturado.

3. A embaixada acredita que a situação no Uru-

guai também constituiu uma parte importante

dos recentes contatos entre os militares bra-

sileiros e argentinos, inclusive a visita do

comandante da Terceira Divisão, o major-

general linha-dura Lopez Aufranc, ao Brasil

ano passado e a reunião de julho de 1971 do

5 Jorge Pacheco Areco (1920 – 1998) foi presidente do Uruguai entre 1967 a

1972; Juan Carlos Ongania Carballo (1914 – 1925), ditador militar da Ar-

gentina entre 1966 e 1970

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

44

staff de inteligência dos dois exércitos. De-

vido ao papel histórico do Uruguai como Esta-

do-tampão e a consequente preocupação sobre

como a intervenção unilateral por qualquer um

dos dois países seria vista pelo outro. Há

possibilidade de ação conjunta na pior das si-

tuações, mas as perspectivas estão, atualmen-

te, diminuindo.

Um militar brasileiro informou colegas ameri-

canos que na época dos presidentes Ongania e

Costa e Silva havia um acordo para intervenção

em conjunto. Ele disse que Lopez Aufranc e a

maioria dos militares argentinos eram favorá-

veis a esse tipo de solução, mas que o presi-

dente Lanusse6, por conta de uma guinada para

o populismo em suporte aos seus planos do Gran

Acuerdo Nacional, agora se opunha a essa solu-

ção por causa do seu impacto político domésti-

co. Também gravitando contra esse tipo de so-

lução está a crescente suspeita por parte do

governo da Argentina de que as aspirações bra-

sileiras com relação à hegemonia regional re-

sultantes da sua política internacional asser-

tiva, alta taxa de desenvolvimento e de certos

6 Alejandro Augustin Lanusse Gelly (1918 – 1996), ditador militar da Argen-

tina entre 1971 e 1973

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

45

fatores desarmônicos nas relações bilaterais,

como o us das águas da Bacia do Prata, a ma-

neira como a situação do Chile está evoluindo

atualmente, apesar de expectativas anteriores

entre parte das Forças Armadas argentinas de

que o pior iria prevalecer, também pode levar

o governo da Argentina a considerar a inter-

venção secreta como menos necessária.

4. A embaixada acredita, portanto, que no e-

vento das contingências mencionadas acima, o

governo da Argentina não tende, nas circuns-

tâncias presentes, a intervir com ou sem o

Brasil. Temos informação proveniente de fontes

elevadas do governo de que o governo argentino

de fato já tomou essa decisão. O resultado da

reunião de Lanusse com Allende7 provavelmente

fortaleceu, seja ou não justificável, essa de-

cisão do governo da Argentina.

5. No evento de contingência, conforme acima,

a embaixada acredita que o governo da Argenti-

na irá trabalhar com o regime de Pacheco Areco

para antecipar a chegada ao poder da Frente

Amplio através de Pacheco. De acordo com fon-

7 Salvador Allende (1908 – 1973), presidente socialista do Chile democrati-

camente eleito e deposto no golpe militar de 1973, comandado por Augus-

to Pinochet e patrocinado pela CIA.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

46

tes, esses planos de contingência já estão

firmados, com o governo da Argentina oferecen-

do assistência material e financeira. Os re-

centes eventos na Bolívia, nos quais o governo

da Argentina estava envolvido, pode encorajar

membros do governo argentino que buscam esse

tipo de solução.

6. No caso das contingências B e C, a embaixa-

da espera que o governo da Argentina faça o

que pode fazer no sentido de fortalecer o go-

verno do Uruguai em face da ameaça da Frente

Amplio através de assistência financeira, mi-

litar e de outros tipos, mas de novo de uma

forma calculada para evitar acusações de in-

tervenção secreta. Essa assistência seria, sem

dúvida, maior conforme o grau de ameaça atri-

buído à Frente Amplio.

Documento 3

Neste trecho de um relatório da CIA, a agência enfatiza as declara-

ções de Fidel Castro de que uma aliança apoiada pela CIA entre o

Brasil e o Paraguai orquestrou o golpe de agosto de 1971 na Bolívia.

O golpe depôs o presidente socialista Juan José Torres e colocou no

poder o coronel (depois general) Hugo Banzer Suárez, notório pelas

violações aos direitos humanos que perpetrou durante seu governo

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

47

(1971 – 1974). Segundo a CIA, Castro também argumenta que o

golpe serviu igualmente para intimidar os eleitores uruguaios de

esquerda, os quais escolheriam seu presidente em breve.

REAFIRMAÇÃO DO PAPEL DE CUBA NO CONFRONTO EM

ESCALA DE HEMISFÉRIO

25 de agosto de 1971

Acusações de que os golpistas (bolivianos) ti-

nham “reforços do exterior” foram enfocadas

pela propaganda cubana. Uma transmissão no dia

19 citou uma reportagem do EL DIARIO de La Paz

a qual afirmava que a embaixada americana a-

lertou seus funcionários a um possível golpe

“que irá ocorrer a qualquer momento”;a PRENSA

LATINA citou novamente o alerta da reportagem

no dia 23 e concluiu que “não havia dúvida

quanto ao envolvimento dos EUA”. No dia 21,

PRENSA LATINA alegou que 8.000 homens treina-

vam na Argentina, Paraguai e no Brasil estavam

apoiando as forças bolivianas pró-regime. A

rádio de Havana predisse que no dia seguinte

haveria “uma intervenção por parte dos regimes

brasileiro e paraguaio apoiados pelos Estados

Unidos”; subsequentemente, comentou as aspira-

Page 48: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

48

ções dos militares brasileiros de se livrar de

Torres8, “esquerdista demais”, e de separar o

departamento de Santa Cruz, rico em petróleo,

do resto da Bolívia, “como primeiro passo da

sua absorção pelo Brasil”. O editorial de 2 de

agosto do GRAMMA desenvolveu esse comentário e

atribuiu o sucesso do “banho de sangue” contra

o povo boliviano a uma “tripla aliança con-

trarrevolucionária”, a qual consiste da reação

interna e dos regimes “gorilas” do Brasil e do

Paraguai, subservientes dos Estados Unidos.

“Planejado pelos imperialistas e executado pe-

la CIA”, disse o Gramma, o golpe foi parte de

uma estratégia geral destinada a isolar Cuba,

o Chile e o Peru e para “desencorajar os povos

que, como no caso do Uruguai, estão ameaçando

seriamente a tirar do poder os representantes

das oligarquias e os imperialistas”.

Documento 4

No telegrama abaixo, de 9 de novembro de 1971, o embaixador

americano no Uruguai relata que o candidato da Frente Amplio à

8 Juan José Torres (1920 – 1976), político e militar de esquerda, foi presi-

dente da Bolívia entre 1970 e 1971. Morreu assassinado em Buenos Aires

como parte dos planos da Operação Condor.

Page 49: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

49

presidência daquele país, Liber Seregni, afirmou que agentes ameri-

canos e brasileiros estavam ligados ao ataque sofrido por ele dias

antes da declaração.

De: Embaixada de Montevidéu

Para: Secretário de Estado, Washington,

D.C. – Prioridade 959

Informação para:

Embaixadas americanas de Brasília,

Rio de Janeiro e Buenos Aires

Assunto: Seregni, imprensa pró-frente rela-

ciona os EUA aos ataques aos candidatos da

“Frente”

1. Em uma declaração nacional de 10 minutos

transmitida pelo rádio e pela TV na noite de 8

de novembro, o candidato da Frente Amplio Li-

ber Seregni relacionou “conselheiros” america-

nos e brasileiros aos ataques que ele e a ca-

ravana de ônibus da Frente Amplio sofreram no

final de semana. Em uma nota, ele afirmou o

seguinte: começa citando que o autor do assas-

sinato do jovem foi identificado. Mas nesse

caso não é suficiente apontar o responsável

Page 50: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

50

individual. Atrás dele estão os verdadeiros

culpados, aqueles que dirigem o ILEGÍVEL, uma

organização que não esconde seu caráter de ul-

tradireita. Eles dirigem outros grupos parami-

litares fascistas, claramente apoiados por es-

pecialistas americanos e brasileiros. Esses

são os instrumentos. Os verdadeiros culpados

são os representantes de um regime que está

abalado e que na sua agonia quer arrastar todo

o país consigo. FIM DA CITAÇÃO

2. Também no curso do discurso, Seregni sus-

tentou que os candidatos da Frente foram ata-

cados porque era óbvio que ações anteriores

como o empastelamento de jornais, a prisão de

trabalhadores filiados ao partido, ataques com

bombas a clubes políticos, etc., não foram su-

ficientes para deter a marcha da Frente rumo à

vitória. Ele também denunciou a imprensa não

esquerdista e os candidatos dos partidos tra-

dicionais por não repudiarem a violência con-

tra a Frente Amplio. Ele promete que continua-

rá a campanha de “Diálogo Pacífico” com o po-

vo.

3. A imprensa favorável à Frente colocou nas

manchetes de hoje (9 de novembro) as acusações

de Seregni. O El Popular, (jornal) do Partido

Comunista, amplificou as acusações com um ar-

Page 51: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

51

tigo intitulado “Equipe da CIA dirige campanha

contra a Frente Amplio”. O artigo vai além do

ataque anterior ao pessoal da embaixada, no

tabloide vespertino El Eco, e acusa uma equipe

especial de agentes da CIA que estão promoven-

do “guerra psicológica” contra a Frente Ampli-

o. O artigo afirma que Anthony G. Barbieri é

um cidadão panamenho ligado à embaixada ameri-

cana e que tem um escritório no quartel da po-

lícia ao lado daquele dos membros do “Esqua-

drão da Morte” brasileiro. (O artigo) acusa

novamente o diretor Gould como o agente da CIA

responsável pela sabotagem de informações e

também o adido trabalhista Irwin Rubenstein de

ser responsável por atividades antitrabalhis-

tas. O artigo também identifica Jeffrey Cun-

ningham como “agente da CIA”, sustentando que

ele é filho de James Cunningham, “ex-diretor

de atividades de espionagem da CIA” no Uruguai

e que deixou seu “filho” no Uruguai para con-

tinuar com o trabalho quando ele voltou a Wa-

shington. O artigo também relembrou as alega-

ções da CIA contra ex-funcionários da embaixa-

da Harry Cahill e John Hennessy.

4. Comentário: O ataque de Seregni constitui a

primeira vez que ele identificou-se publica-

mente com acusações diretas sobre intervenção

por parte dos Estados Unidos nas eleições. O

Page 52: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

52

ataque do El Popular é o mais forte e especí-

fico à embaixada da imprensa uruguaia nos úl-

timos anos. Esperamos que ataques dessa natu-

reza continuem por todo o período anterior às

eleições.

Documento 5

O favoritismo da Frente Amplio nas eleições presidenciais uruguaias

de 1971 levou a administração Médici a intervir naquele país. O

presidente Richard Nixon admitiu em conversa gravada que “o Bra-

sil ajudou a sabotar as eleições”. A série de documentos a seguir

trata da visita de Médici a Washington e revelam a proximidade

entra a ditadura brasileira e os americanos, indicando que os milita-

res atuaram em prol dos interesses de Washington na região.

O memorando abaixo, enviado para Henry Kissinger, trata da agen-

da de Médici durante sua visita entre 7 e 9 de dezembro de 1971.

Entra os assuntos que serão tratados, estão a “infiltração comunista

e a ação subversiva na América Latina” e a questão do Uruguai.

DEPARTAMENTO DE ESTADO

WASHINGTON, D.C.

13 de novembro de 1971

Page 53: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

53

MEMORANDO PARA O SR. HENRY A. KISSINGER

CASA BRANCA

Assunto: visita do presidente brasileiro – tó-

picos para discussão com o presidente Nixon

Durante sua visita de Estado aos Estados

Unidos, o presidente Emilio Garrastazu Médici

terá conversas substantivas com o presidente

Nixon na Casa Branca em duas ocasiões. A pri-

meira conversa será na terça-feira, 7 de de-

zembro, imediatamente após as cerimônias de

chegada. A segunda reunião será provavelmente

em 9 de dezembro.

A extensa agenda proposta pelos brasilei-

ros deixa claro a intenção do presidente Médi-

ci de discutir uma ampla gama de temas mundi-

ais, os quais não necessariamente têm peso di-

reto sobre nossas relações bilaterais. Isso

tem a ver com a consciência cada vez maior do

governo brasileiro a respeito do tamanho do

Brasil e de sua crescente importância no mun-

do.

Submetemos, abaixo, uma lista de tópicos

sugeridos para as conversas para sua aprova-

ção. Essa lista abrange as principais áreas de

interesse da agenda dos brasileiros. Uma copia

Page 54: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

54

da agenda sugerida por eles está anexada.

Quaisquer sugestões de mudança serão bem vin-

das.

1. Progresso econômico e social do Brasil 2. Relações entre os EUA e o Brasil 3. Nova política econômica dos EUA 4. Temas econômicos – café, têxteis, calça-

dos

5. Políticas assistenciais dos EUA 6. Vendas e créditos militares 7. Águas e pesqueiros territoriais 8. Problemas hemisféricos

a. Cuba, Chile e Uruguai b. Aumento da presença soviética e Chi-

nesa

c. Terrorismo, infiltração e subversão d. Organização dos Estados Americanos

(OEA)

9. A ONU e a situação mundial

Assinatura –

Theodore L. Eliot, Jr.

Secretário Executivo

Page 55: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

55

Documento 6

Neste memorando, o assistente do presidente para assuntos de

segurança nacional Henry Kissinger orienta o presidente Nixon so-

bre a posição brasileira e americana sobre os temas que serão a-

bordados na reunião com o presidente brasileiro Emílio Garrastazu

Médici. O documento revela as considerações dos americanos com

relação ao Brasil, o qual julgam ser um importante aliado, indicando

que apoiam as aspirações do país por um status de grande potência.

Brasília, por sua vez, busca afirmar essa condição através da sua

influência sobre a determinação dos eventos políticos da América

do Sul, especialmente no sentido de deter o avanço de esquerda no

Uruguai. Kissinger aconselha Nixon a adotar um tom amistoso, de-

monstrando preocupação em bajular Médici, reconhecendo a im-

portância do Brasil como potência e importante aliado. O memo-

rando constitui um raio-x das relações entre Washington e o gover-

no Médici.

CASA BRANCA

WASHINGTON

MEMORANDO PARA: O PRESIDENTE

DE: HENRY A. KISSINGER

Page 56: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

56

ASSUNTO: Sua reunião com o

presidente do Bra-

sil Emílio Garras-

tazu Médici na ter-

ça-feira, 7 de de-

zembro de 1971, às

11:00 horas (dura-

ção 90 minutos) no

Salão Oval e na

quinta-feira, 9 de

dezembro de 1971,

às 10::00 horas

(duração de 45 mi-

nutos), Salão Oval

I. PROPÓSITO

O propósito é reconhecer as aspirações do Bra-

sil por mais status de potência, mostrando que

o senhor considera Médici um valioso aliado

com quem o senhor gostaria de se consultar an-

tes das suas viagens a Pequim e a Moscou; (que

o senhor deseja conhecer) suas impressões dos

desenvolvimentos hemisféricos; e estabelecer

um sentido de relacionamento especial entre

nossos países e uma base para a contínua comu-

nicação e cooperação.

Page 57: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

57

II. ANTECEDENTES, PARTICIPANTES, PLANOS PARA A

IMPRENSA

A. Antecedentes

O senhor convidou o presidente Médici para uma

visita de Estado por causa da importância que

o senhor deposita em nossas relações com o

Brasil e por causa da sua preocupação com os

desenvolvimentos no Hemisfério. Médici analisa

essa reunião em relação à série de reuniões

que o senhor terá com outros líderes antes de

suas viagens a Pequim a Moscou. Ele espera que

a discussão enfoque basicamente assuntos in-

ternacionais e do hemisfério de interesse mú-

tuo. Ele não espera antecipar ou negociar te-

mas bilaterais nessas reuniões.

Médici apoia o conceito da Doutrina Nixon e

irá querer discutir o papel do Brasil em nossa

estratégia geral. Sua ênfase será no sentido

de estabelecer meios para futuras consultas e

coordenação. O senhor desejará concordar sobre

a importância da consulta nos assuntos globais

e, particularmente, do Hemisfério, observando

que o Brasil pode assumir um papel especial no

Hemisfério na realização de nossos interesses

mútuos.

Page 58: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

58

Sugiro que o senhor se concentre nos temas in-

ternacionais na primeira reunião e reserve uma

breve discussão sobre assuntos bilaterais para

sua segunda reunião. Médici irá buscar que o

senhor conduza a discussão sobre políticas in-

ternacionais (como suas próximas viagens e a

nova política econômica), mas o senhor deve

procurar obter dele um levantamento sobre os

problemas do Hemisfério. O tom a ser estabele-

cido com relação aos temas bilaterais deverá

ser de que a boa vontade fundamental e amizade

entre nossos países irá nos permitir encontrar

formas de limitar nossas diferenças e evitar

que elas venham a interferir com nosso rela-

cionamento de proximidade, o qual é da maior

importância política.

Na segunda reunião, o senhor também deverá li-

dar com o desejo de Médici por uma declaração

conjunta ou coordenada para dar evidência tan-

gível da utilidade da visita. Tal declaração

deverá ser positiva, enfatizando as consultas

próximas e cordiais que ocorreram e a intenção

de continuar a consulta. Ela deve, porém, evi-

tar ser específica demais quanto à coordenação

das abordagens políticas. Tentarei negociar

uma declaração com os brasileiros de forma que

o senhor e o presidente Médici possam concor-

dar já na segunda reunião.

Page 59: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

59

B. Participantes

O presidente Médici e o senhor estarão sós du-

rante a sessão de fotos para a imprensa. Eu me

juntarei aos senhores em seguida. O general

Walters9 estará presente para servir de intér-

prete.

O ministro do exterior Gibson Barbosa, o se-

cretário Rogers e outros estarão na Sala do

Gabinete durante sua reunião.

C. Plano de imprensa

7 de dezembro – haverá uma breve sessão de fo-

tografias no início. Depois disso, a imprensa

receberá informações de Ron Ziegler.

9 Vernon Walters, que se tornaria diretor da CIA três meses depois desta

reunião com o ditador brasileiro, e o presidente Médici eram conhecidos de

longa data. Quando os militares tomaram o poder em 1964, Médici foi

nomeado como adido militar em Washington, entre 1964-1965. Em 1967,

Médici veio a ser chefe do Serviço Nacional de Informações [SNI], o equiva-

lente brasileiro da CIA. Walters, por sua vez, foi adido militar no Brasil entre

1962 e 1967.

Page 60: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

60

9 de dezembro – haverá uma breve sessão de fo-

tografias enquanto o senhor se despede de Mé-

dici. O sr. Ziegler responderá à imprensa.

III. PONTOS DE CONVERSAÇÃO

Anexo, na Tabela A, estão detalhados os pontos

de conversação que tendem a ser abordados na

sua reunião com Médici. Estão organizados da

seguinte forma: Pontos Gerais de Conversação,

Tópicos Internacionais e a Nova Política Eco-

nômica, Assuntos Hemisféricos e Temas Bilate-

rais. Nós iremos submeter separadamente qual-

quer material adicional necessário para a sua

reunião de despedida com Médici na quinta-

feira.

Também anexo, o livro de informações do Estado

que inclui um resumo biográfico, informações

básicas e um programa de eventos detalhado.

As declarações de boas-vindas e o brinde do

jantar de gala que o senhor estará dando em

homenagem a Médici na noite de terça-feira

também estão sendo encaminhados em separado.

Anexo:

Pontos de Conversação

PONTOS DE CONVERSAÇÃO – TEMAS BILATERAIS

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

61

I. RELAÇÕES ENTRE OS EUA E O BRASIL

O presidente Médici pode:

- enfatizar a necessidade de maior entendimen-

to político entre nossos dois países com base

no reconhecimento pragmático dos nossos inte-

resses complementares e posições políticas se-

melhantes.

O senhor irá querer:

- enfatizar que, embora os tempos tenham muda-

do, não perdemos o espírito de camaradagem de-

senvolvido quando lutamos ombro a ombro duran-

te a Segunda Guerra Mundial.

- enfatizar a importância que o senhor coloca

em nossas relações com o Brasil, país que ocu-

pa uma posição particularmente importante na

América Latina, e concordar sobre a importân-

cia da cooperação entre nossos países em busca

dos objetivos comuns.

- expressar a crença de que seria útil estabe-

lecer um canal de comunicação especial e dire-

to de presidente a presidente para uso rápido

em época de necessidade, observando que o se-

nhor tem essa ligação apenas com bem poucos

líderes mundiais.

Page 62: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

62

- Indicar que, se ele concordar que é vantajo-

so, ele pode indicar uma pessoal de seu staff

pessoal para atuar de ligação e apresentar tal

pessoa ao dr. Kissinger.

II. ÁGUAS E PESQUEIROS TERRITORIAIS

Médici pode abordar nossas diferenças sobre o

tema dos pesqueiros (o Brasil reivindica um

mar territorial de 200 milhas). Ele não o fi-

zer, o senhor deverá levantar a questão.

O senhor irá querer:

- dizer que reconhece termos algumas diferen-

ças sobre questões como os mares e pesqueiros

territoriais , mas não devemos deixar que pro-

blemas como esse perturbem a relação como um

todo, a qual é da maior importância.

- expressar sua satisfação sobre nossas con-

versações sobre o tema em outubro, as quais

foram úteis, bem como sua esperança de que

conferências adicionais sejam feitas para se

chegar a um acordo satisfatório pendente sobre

uma solução internacional da Lei da Conferên-

cia do Mar de 1973.

III. TEMAS COMERCIAIS

Page 63: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

63

A. Acordo Internacional do Café

Médici pode expressar sua decepção quanto ao

fato de o Congresso americano não ter ratifi-

cado o Acordo Internacional do Café.

O senhor irá querer:

- dizer que pressionou o Congresso para a a-

provação do Acordo do Café e lamenta que a ra-

tificação ainda não tenha acontecido; obser-

var, porém, que a Câmara dos Representantes

aprovou o acordo e que se espera que o Senado

faça o mesmo em breve.

B. Vendas e Créditos Militares

O senhor irá querer:

- dizer que reconhece que por vezes nós não

temos sido capazes de corresponder às requisi-

ções dos brasileiros de equipamentos militares

por causa de restrições do Congresso; observar

que o senhor está buscando uma legislação mais

flexível e que sua política deve ser tão posi-

tiva quanto a lei permite, com relação a todos

os pedidos razoáveis.

PONTOS DE CONVERSAÇÃO – PROBLEMAS HEMISFÉRICOS

I. POLÍTICA DOS EUA PARA A AMÉRICA LATINA

Page 64: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

64

O senhor irá desejar conduzir a discussão di-

zendo que:

- não fomos capazes de fazer tudo o que gosta-

ríamos com relação à América Latina, princi-

palmente como resultado de nossa situação eco-

nômica, mas que o senhor está profundamente

interessado na região e que, portanto, valori-

za esta oportunidade de trocar ideias com ele.

A viagem do conselheiro Finch foi um importan-

te primeiro passo na busca de intensificar

nossas relações na região.

- o senhor faz bem vindos os comentários dele

sobre os desenvolvimentos do hemisfério.

TÓPICOS QUE MÉDICI PODE ABORDAR

II. SITUAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

O presidente Médici irá provavelmente

- expressar preocupação sobre a guinada de es-

querda no hemisfério e dará seu parecer sobre

a situação no Uruguai, Argentina, Chile e Bo-

lívia.

O senhor irá querer:

- dizer que compartilha sua preocupação e en-

fatizar os benefícios de se manter consultas

Page 65: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

65

regulares e sistemáticas sobre nossas políti-

cas com relação a esses países.

A. Uruguai

Médici irá querer:

- dar seu parecer sobre a situação no Uruguai

depois das recentes eleições nas quais a es-

querdista coalizão Frente Ampla perdeu, rece-

bendo 20% dos votos de todo o país.

O senhor irá querer:

- pedir seu parecer sobre o que pode ser feito

para melhorar as coisas no Uruguai.

- perguntar o que o Brasil e a Argentina estão

fazendo e o que nós podemos fazer para ajudar.

B. Bolívia

Médici irá provavelmente:

- expressar seu apoio ao novo governo e sua

esperança de que os EUA e o Brasil possam coo-

perar em dar assistência a esse país.

O senhor irá querer:

- dizer que foi estimulado pelos recentes de-

senvolvimentos e observar que demos ao novo

Page 66: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

66

governo 22 milhões de dólares em assistência

imediata e estamos considerando outros proje-

tos.

C. Argentina

Médici irá provavelmente:

- expressar preocupação sobre as políticas do

presidente Lanusse e o temor de que tais polí-

ticas estejam fortalecendo a posição do gover-

no marxista do Chile.

O senhor irá querer:

- perguntar que planos o Brasil tem com rela-

ção à Argentina.

TÓPICOS O SENHOR PODERÁ DESEJAR ABORDAR

D. Chile

O senhor irá querer:

- observar sobre sua preocupação contínua com

relação aos eventos no Chile e pedir seu pare-

cer sobre a evolução do governo Allende e o

efeito da recente visita de Fidel Castro.

Médici deve

Page 67: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

67

- dizer que está profundamente preocupado com

os eventos do Chile e recomendar que coordene-

mos (esforços) para isolar o impacto do regime

marxista em todos os lugares.

O senhor irá querer:

- concordar que devemos continuar a coordenar

nossas políticas.

E. Cuba e a Organização dos Estados Americanos

O senhor poderá desejar:

- observar a tendência de o Peru vir buscar

revisão das sanções da OEA contra Cuba.

- observar que nossa política com relação a

Cuba permanece a mesma e que acreditamos que

os motivos de termos imposto as sanções conti-

nuam válidos.

- pedir seu parecer da continuação do apoio

para a revisão das sanções e pedir seu conse-

lho sobre a melhor forma de lidar com uma mu-

dança favorável à revisão ou aumentar as ações

unilaterais dos países para estabelecer rela-

ções diplomáticas com Cuba.

Médici irá provavelmente:

Page 68: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

68

- enfatizar a importância de manter as sanções

contra Cuba e da coordenação de nossas políti-

cas para tanto.

PONTOS DE CONVERSAÇÃO – INTERNACIONAL

I. VIAGENS PARA A CHINA E A URSS

O senhor deverá conduzir a discussão sobre su-

as viagens futuras à China e à URSS, bem como

fornecer uma avaliação sobre o que o senhor

espera alcançar com essas viagens, observando

que:

- o senhor apreciou particularmente tê-lo en-

contrado, bem como outros líderes, antes de

suas viagens a Pequim e a Moscou.

O senhor irá querer:

- enfatizar que não espera que essas reuniões

resolvam as antigas e profundas diferenças de

ideologia entre nós, nem que resultem em qual-

quer mudança nos compromissos existentes;

- dar a ele uma ideia das diferenças entre as

duas conferências e seus prováveis resultados,

observando que:

- estamos trabalhando para resolver uma série

de diferenças com Moscou. Já houve bastante

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

69

progresso em muitas áreas (Berlin, as negocia-

ções da Conferência sobre Limitação de Armas

Estratégicas (SALT)e outras questões sobre li-

mite de armas) para garantir uma reunião no

mais alto nível, as quais darão mais impulso

no sentido de resolver problemas concretos.

- A reunião de Pequim será diferente. Aqui,

uma reunião do mais alto nível se faz necessá-

ria para superar os anos de ausência de comu-

nicação entre nossos governos e povos e esta-

belecer uma direção geral para a futura evolu-

ção da nossa política. Não esperamos resolver

nossas profundas diferenças em apenas uma reu-

nião.

II. REUNIÕES COM LÍDERES ALIADOS

O senhor também irá querer:

- assegurar a Médici que a manutenção e forta-

lecimento dos laços com nossos amigos tradi-

cionais, como o Brasil, é a pedra fundamental

da sua política exterior.

- dizer que por esse motivo o senhor está con-

sultando uma série de líderes para explicar

nossos objetivos e expectativas com relação a

essas viagens e pedir suas opiniões.

Page 70: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

70

- pedir os comentários e impressões de Médici

com relação a essas reuniões, bem como seu pa-

recer sobre a reação do Brasil e da América

Latina com relação à perspectiva dessas via-

gens.

Médici poderá dizer:

- que ele apoia o conceito da Doutrina Nixon

que permeia seus planos e gostaria de coorde-

nar a política do Brasil com a nossa.

III. NAÇÕES UNIDAS

O senhor irá querer:

- uma vez mais expressar gratidão pelo apoio

do Brasil na questão do Chipre e observar que

ainda é cedo para dizer qual será o efeito que

a entrada de Pequim irá ter na ONU.

Médici irá provavelmente

- expressar a crença de que a ONU deve ser re-

estruturada para se tornar um órgão mais efi-

ciente e dar maior prioridade aos interesses

dos países menos desenvolvidos;

- afirmar que os países latino-americanos de-

vem ter um papel mais relevante na comunidade

mundial.

Page 71: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

71

O senhor irá querer:

- concordar que um país como o Brasil tem um

papel importante para exercer na comunidade

mundial.

IV. A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA

O senhor irá querer:

- dizer que reconhece a preocupação dos países

latino-americanos com relação às nossas novas

medidas econômicas e irá querer dar a Médici

uma ideia dos fatores que necessitam tais me-

didas, o progresso na aquisição das nossas me-

tas e seus planos, particularmente com relação

à sobretaxa de 10%.

- enfatizar que no longo prazo, a melhor polí-

tica dos EUA destinada a satisfazer as neces-

sidades de largo espectro da América latina é

aquela que irá assegurar uma economia america-

na forte e vigorosa.

Médici irá provavelmente:

- expressar preocupação sobre as pressões ine-

rentes nas atuais negociações monetá-

rias/comerciais entre os EUA e outros países

pode resultar em uma ampla reação protecionis-

Page 72: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

72

ta, a qual seria muito prejudicial ao Brasil e

à América Latina.

O senhor poderá querer:

- expressar apreciação pela reação comedida do

seu governo com relação às nossas políticas e

reiterar que medidas como a sobretaxa são tem-

porárias e serão retiradas tão logo quanto

possível;

- assegurar que o senhor tem sempre em mente

os interesses da América Latina e toda vez em

que considera os passos políticos a tomar.

V. PREFERÊNCIAS GENERALIZADAS

Médici poderá:

- lamentar que os EUA ainda não implementaram

um esquema de preferências generalizadas e

perguntar quando o senhor irá submeter uma le-

gislação sobre esse assunto.

O senhor deverá:

- dizer que esperava submeter uma legislação

para nosso esquema de preferências generaliza-

das este ano, mas o clima do Congresso e a se-

riedade de nossos problemas econômicos deixa-

ram o clima para a submissão altamente desfa-

Page 73: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

73

vorável. Temos esperança de que seja possível

submeter uma legislação depois de a situação

melhorar.

VI. LEGISLAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ESTRANGEIRA

O senhor irá querer:

- informar o presidente Médici sobre a situa-

ção na nossa legislação de Assistência Estran-

geira.

- reiterar seu compromisso de cooperar com o

esforço de desenvolvimento da América Latina.

PONTOS DE CONVERSAÇÃO - GERAL

Para iniciar, o senhor poderá querer:

- relembrar que o senhor esteve no Brasil e

sabe como o país é impressionante. O senhor

tem confiança de que o Brasil se tornará uma

força cada vez mais importante na cena mundi-

al.

- observar que o conselheiro Finch relatou ao

senhor sua viagem ao Brasil e comentou parti-

cularmente sobre a recepção calorosa que rece-

beu; a franca troca de opiniões é da maior im-

portância.

Page 74: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

74

- enfatizar seu compromisso para reforçar o

relacionamento especial entre o Brasil e os

EUA e estabelecer um relacionamento pessoal

direto com o presidente Médici.

Documento 7

Os arquivos presidenciais de Nixon possuem a gravação de uma

conversa entre o presidente e o secretário de Estado William Rogers

realizada às 18h51min do dia 7 de dezembro de 1971, após a reuni-

ão entre Nixon e Médici. No diálogo, os americanos trocam impres-

sões sobre o presidente brasileiro, e Nixon reconhece sua influência

na situação uruguaia.

Rogers: (...) É, acho que essa coisa do Médici

é uma boa ideia. Tive um ótimo almoço com ele

e...

Nixon: Ele é ótimo, não é?

Rogers: Se é. Meu Deus, fico feliz que ele es-

teja do nosso lado.

Nixon: Forte e, hã, você sabe... (risos)...

sabe, gostaria que ele estivesse no comando de

todo o continente (sul americano).

Page 75: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

75

Rogers: Eu também. Temos de ajudar a Bolívia.

Ele está preocupado com isso. Temos de...

Nixon: A propósito, a coisa no Uruguai, apa-

rentemente ele ajudou ali...

Documento 8

O documento seguinte, um memorando de Arnold Nach-

manoff, membro do Conselho Nacional de Segurança para Henry

Kissinger sobre sua reunião com Médici naquela noite, comenta

sobre o encontro entre Nixon e o presidente brasileiro. A conversa

se baseou principalmente nas relações com o Brasil e com os milita-

res brasileiros, bem como nos problemas hemisféricos, em particu-

lar Cuba, Chile e Uruguai. O memorando também menciona as no-

tas tomadas por Vernon Walters, que em menos de três meses as-

sumiria como diretor da CIA, mas não as cita. Nixon fez questão da

presença de Walter nas reuniões não apenas por falar português,

mas por conta de seu grande conhecimento do Brasil.

CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA

7 de dezembro de 1971

SECRETO/APENAS PARA VER

Page 76: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

76

MEMORANDO PARA: DR. KISSINGER

DE: ARNOLD NACHMANOFF

ASSUNTO: Sua reunião com o

presidente brasi-

leiro Médici na

quarta-feira 8 de

dezembro – 17h15min

na Casa Blair

O senhor está escalado para encontrar o presi-

dente Médici na casa Blair para uma conversa

informal, na quarta-feira, 8 de dezembro às

17h15min. Eu o acompanharei. Provavelmente, o

ministro do exterior Gibson e o embaixador

Castro também estarão presentes. Um deles irá,

talvez, servir de intérprete.

Recebi diversos relatos dos brasileiros afir-

mando que o presidente Médici está extremamen-

te satisfeito com sua reunião com o presiden-

te. As anotações do general Walters sobre a

reunião entre os dois presidentes estão no a-

nexo A10.

10

Ainda não liberado pelo Ato de Liberdade de informação.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

77

(vou convertê-los em memorandos apropriados).

Conforme o senhor irá ver, a discussão enfocou

basicamente as relações com o Brasil e o com

os militares brasileiros, bem como os proble-

mas hemisféricos. O presidente abordou apenas

brevemente os temas globais e não houve, vir-

tualmente, discussões sobre os problemas bila-

terais.

Durante a reunião desta manhã na Sala do Gabi-

nete, o secretário Rogers forneceu uma minu-

ciosa descrição da situação entre a índia e o

Paquistão e as providências que tomamos a res-

peito do conflito. Ele não se aprofundou no

Vietnã e observou o crescente conflito na ONU

entre os soviéticos e a China Comunista. Ele

também discutiu o novo programa econômico, in-

ferindo que a sobretaxa será aumentada para a

América Latina em breve. Depois que o ministro

do exterior Gibson observou que o Brasil con-

tinuaria a adotar uma linha-dura com relação à

Cuba, o Secretário Rogers reafirmou nossa po-

sição contra qualquer mudança nas sanções da

OEA contra Cuba.

Nosso relatório informativo ao presidente está

no Anexo B para seu conhecimento. A seguir,

algumas sugestões sobre os Pontos de Conversa-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

78

ção para sua discussão com o presidente Médi-

ci.

*************

Seu maior objetivo na reunião com Médici deve-

rá ser:

- reconhecer as aspirações do Brasil por um

status de potência maior; e

- reiterar a importância que colocamos na ma-

nutenção e fortalecimento das nossas relações

tradicionalmente próximas com o Brasil.

Para iniciar, o senhor poderá se referir à sua

visita ao Brasil e notar que sabe por experi-

ência própria que o Brasil é um país impres-

sionante.

Na sua conversa com Médici, o senhor irá que-

rer se concentrar basicamente na política glo-

bal. O presidente Médici estará particularmen-

te interessado em ouvir suas impressões sobre

suas recentes viagens à China e suas perspec-

tivas pessoas quanto às futuras viagens do

presidente à China e à URSS e seu significado

à situação mundial. Ele irá querer aprofundar

a discutição com o senhor sobre o papel poten-

cial do Brasil em nossa estratégia internacio-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

79

nal geral, bem como sua posição na comunidade

mundial. Médici irá novamente enfatizar a ne-

cessidade de se estabelecer meios para futuras

consultas e coordenação das políticas dos EUA

e do Brasil

O senhor irá querer:

- concordar que o Brasil pode exercer um papel

importante na comunidade mundial;

- concordar sobre a necessidade de consultas

continuadas sobre temas de interesse mútuo;

- enfatizar a necessidade de coordenação em

particular sobre os problemas hemisféricos. O

senhor também irá desejar observar que o Bra-

sil pode assumir um papel útil no hemisfério

apoiando nossos interesses mútuos.

- enfatizar que, com relação aos nossos pro-

blemas bilaterais, devemos fazer um esforço

concentrado no sentindo de não permitir que

nossas diferenças (por exemplo, sobre o limite

de 200 milhas, problemas comerciais) interfi-

ram com a manutenção do nosso relacionamento

próximo, o qual é da maior importância políti-

ca.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

80

O senhor também irá querer pedir a Médici que

ele aprofunde seus comentários feitos ao pre-

sidente sobre a situação hemisférica, particu-

larmente com relação à Cuba, Chile e Uruguai.

O senhor deve também observar que tem visto os

rascunhos da declaração conjunta à imprensa

feitas pelos assessores de Médici e que elas

não apresentam quaisquer problemas do nosso

ponto de vista. O senhor entende que os dois

presidentes irão querer discutir e concordar

sobre a declaração na reunião de quinta-feira.

(Declaração no Anexo C)

Anexos:

Tab A – anotações do general Walters – nenhuma

cópia feita

Tab B – informações para o presidente (Log

#35373)

Tab C – Rascunho da declaração sobre as con-

versações (entre os dois presidentes)

Tab C

Rascunho da declaração sobre as conversações

A visita do presidente Médici a Washing-

ton é uma excelente oportunidade para conver-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

81

sações em profundidade entre os chefes de Es-

tados de duas das maiores e mais populosas na-

ções do hemisfério ocidental. As conferências

entre o presidente Médici e o presidente Nixon

foram conduzidas numa atmosfera de amizade ca-

lorosa e os dois concordam que os recentes de-

senvolvimentos mundiais tornam sua franca tro-

ca de impressões extremamente oportuna e mutu-

amente aproveitável.

Suas discussões cobrindo os aspectos am-

plos da situação internacional foram particu-

larmente significativos e oportunos em face

das próximas reuniões do presidente Nixon com

outros líderes mundiais. Há uma coincidência

de avaliações e percepções em muitos dos temas

de significado mundial que afetam os interes-

ses de ambas as nações. Eles revisaram ações

tomadas em refletiram no sentido de trazer

mais ordem ao sistema monetário internacional

para estimular o comercio e desenvolvimento

internacionais.

Os dois presidentes consultaram um ao ou-

tro sobre importantes temas hemisféricos, re-

conhecendo a necessidade de cooperação contí-

nua e intensa, reconhecendo a necessidade de

continuação e intensa cooperação entra as na-

ções da região com respeito ao desenvolvimento

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

82

econômico e social, bem como seus interesses

de segurança comuns. Eles concordaram que a

meta primária de uma era de paz e prosperidade

para a região pode ser alcançada apenas por

meio da cooperação, que, por sua vez, pode ser

fundamentada nos princípios de liberdade de

autodeterminação. Reconhecendo o viés impera-

tivo do progresso social e econômico, eles a-

preciam inteiramente a necessidade de vigilân-

cia contínua por todas as nações contra a sub-

versão e intervenção internacional.

Os presidentes revisaram de forma extensa

as relações entre os Estados Unidos e o Bra-

sil. As relações bilaterais, abrangendo todas

as suas facetas, inclusive os interesses co-

muns de segurança e problemas políticos, eco-

nômicos, militares, científicos e culturais,

foram discutidos no espírito dos laços tradi-

cionalmente próximos e amistosos entre os dois

países. As reuniões proporcionaram uma exce-

lente base para a cooperação contínua e inten-

sificada entre os dois países a respeito de

uma ampla gama de temas, os quais ambos os

presidentes consideram de importância funda-

mental.

Os dois presidentes também discutiram o

impressionante progresso econômico feito pelo

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

83

Brasil sob a liderança do presidente Médici –

progresso que marca o Brasil como um dos paí-

ses que está se desenvolvendo mais rapidamente

em todo o mundo.

As conversações foram marcadas particu-

larmente pela compreensão mútua dos dois pre-

sidentes com relações aos problemas e desafios

postos aos dois países. Suas conversas propi-

ciaram não apenas uma oportunidade para rever

as relações passadas e presentes, mas também –

e ainda mais importante – estabelecer um base

firme para consultas contínuas no futuro sobre

problemas mundiais, hemisféricos e bilaterais

de interesse mútuo.

Documento 9

Neste memorando sobre a reunião entre Henry Kissinger e Médici,

na noite de 8 de dezembro, Arnold Nachmanoff relata as relevantes

análises de Kissinger sobre a relação entre Brasil e Estados Unidos, o

papel global da América Latina, o cenário mundial da época e co-

mentários sobre o futuro de questões ainda hoje pendentes, como

a China e Taiwan.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

84

Memorando

CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA

10 de dezembro de 1971

MEMORANDO PARA: DR. KISSINGER

DE: ARNOLD NACHMANOFF

ASSUNTO: Memorando sobre sua

reunião com o pre-

sidente do Brasil

Médici – 8 de de-

zembro de 1971

Anexo para seus arquivos um memorando sobre a

conversa mantida durante sua reunião com o re-

sidente Médici em 8 de dezembro. Recomendei

que não houvesse disseminação fora do seu es-

critório.

Anexo

Tab I – memo

MEMORANDO DE REUNIÃO

Acontecida em 8 de dezembro de 1971, na Casa

Blair, 17h15 min.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

85

PARTICIPANTES: Emílio Garrastazu Médici, pre-

sidente da República Federativa do Brasil, Má-

rio Gibson Barbosa, ministro do exterior do

Brasil, João Araújo Castro, embaixador do Bra-

sil para os Estados Unidos, Henry A. Kissin-

ger, assistente do presidente para assuntos de

segurança nacional, Vernon Walter, major-

general do exército dos EUA (e futuro diretor

da CIA), Arnold Nachmanoff, membro do Conselho

de Segurança Nacional

O presidente Médici expressou sua apreciação

pela oportunidade de falar com o dr. Kissin-

ger. O presidente Médici disse que sua viagem

aos EUA não teria sido completa se ele não ti-

vesse a oportunidade de se reunir com o dr.

Kissinger, de quem ele ouvira falar tanto, e

ouvir suas opiniões. O general Walters havia

falado a ele sobre o dr. Kissinger.

Dr. Kissinger comentou que o general Walters é

conhecido como o cônsul geral honorário do

Brasil. O presidente Médici respondeu que ele

deveria ser considerado “embaixador honorá-

rio”, e esperava que algum dia o general Wal-

ters pudesse ser o embaixador dos EUA para o

Brasil.

Dr. Kissinger observou que o presidente (Ni-

xon) havia apreciado demais sua discussão com

Page 86: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

86

o presidente Médici, em 7 de dezembro, e a-

guardava ansioso pela continuação da conversa

franca na quinta-feira, 9 de dezembro. Dr.

Kissinger disse que o presidente sentia que

era importante estabelecer consultas e coope-

ração com o Brasil e gostaria de discutir com

o presidente Médici, na quinta-feira, uma pro-

posta para uma comunicação mais direta entre

ele e o presidente Médici.

O embaixador Araújo Castro observou que o pre-

sidente Médici estaria interessado na opinião

do dr. Kissinger com relação à China comunis-

ta. Ele gostaria de sabe em particular se a

admissão da China na ONU teria um forte impac-

to sobre problemas mundiais e que tipo de pa-

pel o dr. Kissinger via para a China nas suas

relações com outras superpotências. O embaixa-

dor Castro também levantou a questão sobre a

participação da China no Comitê de Desarmamen-

to.

Dr. Kissinger afirmou que a admissão da China

na ONU teria, de fato, um impacto considerá-

vel. Ele tem a impressão de que a estratégia

na China na ONU seria atacar tanto os Estados

Unidos como a União Soviética como superpotên-

cias. Ele observou, porém, que essa era a teo-

ria dos chineses, mas que na prática descobri-

Page 87: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

87

riam que não conseguiriam enfatizar os temas

de seu interesse. Ele tinha a impressão de que

os chineses estavam descobrindo na ONU que se

opunham mais à União Soviética do que aos Es-

tados Unidos, na maioria dos problemas (mundi-

ais). Ele disse ainda que isso estava no con-

texto do fato de que não temos (os americanos)

um milhão de soldados na fronteira chinesa,

como têm os soviéticos, e de que o nível de

tolerância soviético para posições comunistas

dissidentes é baixo. Dr. Kissinger observou,

como o embaixador Castro bem sabia, que o em-

baixador soviético para a ONU tem um baixo

ponto de fusão. Ele concluiu observando que há

razões objetivas para que os chineses estejam

em conflito com os soviéticos, e isso não tem

nada a ver com a posição dos Estados Unidos,

que, de fato, não estão fazendo nada para es-

timular esses conflitos.

O dr. Kissinger afirmou que tinha a impressão

de que os chineses não esperavam entrar na ONU

neste ano (1971) e, portanto, não estavam pre-

parados para tanto. Eles se viram tendo que

tomar posições sobre temas que não gostaria de

se manifestar tão cedo. Ele (Kissinger) não

acha, por exemplo, que o clima seja favorável

para que eles pressionem pela sua admissão no

Comitê de Desarmamento. Se isso evoluísse na-

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

88

turalmente, os EUA não fariam objeção quanto à

participação da China.

O embaixador Castro expressou um interesse em

conhecer a opinião do dr. Kissinger sobre como

a América Latina e o Brasil se enquadram no

conceito global de política exterior dos Esta-

dos Unidos. Dr. Kissinger respondeu que o em-

baixador era um homem interessado em filosofia

e que o embaixador frequentemente o criticava

pela ausência de uma abordagem conceitual à

política exterior, mas que algumas das suas

críticas o acusavam de ser muito dogmático. O

presidente Médici interveio, afirmando que as

desavenças entre os EUA e o Brasil deviam ser

consideradas “brigas de amantes”. Dr. Kissin-

ger concordou que quaisquer diferenças que te-

mos estão “em família” e que nossa relação

fundamental é de grande importância. Dr. Kis-

singer observou que agora temos uma situação

nos EUA onde os velhos liberais são os novos

isolacionistas. No entanto, o Executivo está

determinado a realizar uma abordagem responsá-

vel com relação aos problemas mundiais e está

comprometido com a manutenção de um papel mun-

dial para os Estados Unidos. O espaço de mano-

bra da administração é, hoje, limitado, mas o

dr. Kissinger é da opinião que a situação irá

melhorar após a próxima eleição.

Page 89: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

89

Em resposta à pergunta do embaixador Castro, o

dr. Kissinger afirmou que um relacionamento

maior com a América Latina era fundamental pa-

ra nosso conceito de política exterior e um

relacionamento particularmente próximo com o

Brasil também é fundamental. Ele observou que

ainda não fomos capazes de fazer tanto com re-

lação à América Latina quanto gostaríamos, por

conta de diversos limitadores, por parte do

Congresso e burocráticos. Ele sentia que esta

é uma época em que os Estados Unidos precisam

particularmente do conselho e da cooperação da

maior e mais importante nação da América do

Sul. Em áreas de preocupação mútua como as si-

tuações do Uruguai e da Bolívia, a cooperação

próxima e abordagens paralelas podem ser de

muita ajuda para nossos objetivos comuns. Ele

sentia que isso era importante para os EUA e o

Brasil coordenarem, de forma que o Brasil faça

algumas coisas e nós façamos outras para o bem

comum.

O presidente Médici expressou sua concordância

com essa abordagem e observou que não era sur-

presa para ele, uma vez que era totalmente

consistente com a discussão que tivera com o

presidente Nixon no dia anterior.

Page 90: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

90

Dr. Kissinger comentou que, como o Brasil e-

xerce um forte papel de liderança, ele pode se

ver em uma posição semelhante à dos Estados

Unidos - respeitado e admirado, mas antipati-

zado.

O ministro do exterior Gibson perguntou ao dr.

Kissinger sobre a futura evolução de Taiwan.

Dr. Kissinger observou que tinha abordado a

questão da política dos EUA com relação a Tai-

wan em uma coletiva à imprensa poucos dias an-

tes. Dr. Kissinger afirmou que os Estados Uni-

dos manteriam seu compromisso de defesa com

Taiwan, observando, porém, que o nível de for-

ças não necessariamente continuaria constante.

Não permitiríamos que um velho aliado seja to-

mado à força. Ele sugeriu que a situação pode

se resolver por si mesma em cerca de 15 anos.

O presidente Médici expressou uma vez mais sua

apreciação pela oportunidade de falar com o

dr. Kissinger.

Documento 10

Numa reunião realizada nas Bermudas entre Richard Nixon e o pri-

meiro-ministro britânico Edward Heath para discutir vários temas

políticos, o americano menciona a derrocada dos comunistas no

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91

Uruguai e fala sobre Cuba. “Nossa posição é apoiada pelo Brasil, que

é, afinal de contas, a chave para o futuro”, diz Nixon sobre o esforço

para a interrupção do avanço da esquerda na América latina. “Os

brasileiros ajudaram a sabotar a eleição uruguaia”, admite Nixon. O

trecho do memorando a seguir documenta as declarações do presi-

dente americano.

CASA BRANCA

ALTAMENTE SECRETO/SENSÍVEL/APENAS PARA VER

20 de dezembro de 1971

MEMORANDO PARA O ARQUIVO DO PRESIDENTE

DE: HENRY A. KISSINGER

ASSUNTO: Reunião privada do presidente

com o primeiro-ministro britâ-

nico Edward Heath na segunda-

feira, 20 de dezembro de 1971

das 13h30min à 17:00 na Salão

de Visitas da Casa do Governo,

Bermudas

PARTICIPANTES: o presidente, primeiro-

ministro Heath, Henry A. Kis-

singer, sir Burke Trend, se-

cretário de gabinete

Page 92: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

92

Após uma breve sessão de fotos na sala de ce-

rimônias da Casa do Governo e de um almoço in-

formal de uma hora e meia no Salão de Visitas,

o presidente e o primeiro-ministro iniciaram

uma discussão privada de três horas e meia.

A conversa abriu com o assunto sobre as prefe-

rências reversas dadas pela Grã-Bretanha e a

comunidade europeia aos países em desenvolvi-

mento. O presidente expressou a opinião de que

o lado político da relação entre a Europa e os

EUA deve preceder ao lado econômico. Então,

ele abordou a saída da Grã-Bretanha do Caribe

e falou longamente da provável incapacidade de

Nassau de se administrar por si mesma. Os e-

ventos se voltarão para a esquerda, disse ele,

se houver um caos após a saída da Grã-

Bretanha. “Precisamos que vocês estejam lá”.

Uma forte presença britânica é desejável – “se

vocês puderem lidar com isso”.

O primeiro-ministro respondeu que a preocupa-

ção da Grã-Bretanha era, na verdade, o oposto.

“Podemos ficar”, mas devemos justificar isso

fazendo uma contribuição na área do progresso

econômico”. O presidente observou que as ex-

colônias britânicas estavam muito melhor que

as francesas. “Conseguiremos fazer o trabalho

se os britânicos saírem?”, perguntou ele (...)

Page 93: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

93

O primeiro-ministro perguntou sobre a situação

de Cuba. “Esse homem, Castro, é um radical”,

respondeu o presidente. “Ainda mais radical do

que Allende e os peruanos. “Nossa posição é

apoiada pelo Brasil, que é, afinal de contas,

a chave para o futuro. Os brasileiros ajudaram

a sabotar a eleição uruguaia. O Chile é outro

caso – a esquerda está com problemas. Há for-

ças trabalhando, as quais não estamos desenco-

rajando. Castro ainda está inclinado a promo-

ver a subversão no hemisfério”. O primeiro-

ministro perguntou se havia qualquer sinal por

parte de Cuba de se chegar a algum acordo. Ne-

nhum, respondeu o presidente. Castro ainda era

extremamente beligerante, concordou dr. Kis-

singer (...)

Page 94: Os EUA e o Golpe Militar

Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

94

A Operação Condor

Nos anos 1970, durante a era das ditaduras militares no Cone Sul,

líderes de esquerda eram sequestrados nos países onde se exilavam

e repatriados para serem entregues às autoridades locais – as quais

quase sempre os executavam. Em março de 2001, o jornal The New

York Times relatava a existência de um documento do Departamen-

to de Estado recentemente liberado para o público o qual revelava

que, durante a era das ditaduras militares no Cone Sul, os Estados

Unidos haviam coordenado as agências de inteligência de países sul

americanos em operações de localização e assassinato de membros

da esquerda. O programa secreto tinha o nome de Operação Con-

dor e dele participavam o Uruguai, a Argentina, o Chile, o Paraguai,

a Bolívia e o Brasil. Os documentos a seguir, os quais incluem aquele

mencionado pelo New York Times, detalham esse programa secreto.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

95

Documento 1

O primeiro documento sobre a Operação Condor citado pelo New

York Times, um telegrama de 1978 de Robert E. White, então em-

baixador dos EUA no Paraguai, ao secretário de Estado Cyrus Vance,

foi classificado pela professora Patrice McSherry, da Universidade

de Long Island, como “mais uma evidência de peso indicando que

militares e agentes da inteligência (leia-se CIA) dos Estados Unidos

apoiaram e colaboraram com a (Operação) Condor como parceiro

secreto ou patrocinador”. Para o diretor do Projeto de Documenta-

ção para o Chile dos Arquivos de Segurança Nacional, Peter Korn-

bluh, “este documento abre a caixa de Pandora da questão sobre o

conhecimento e o papel dos Estados Unidos na Operação Condor”.

O embaixador White foi motivado a escrever a mensagem pela pre-

ocupação de que a participação dos Estados Unidos na Operação

Condor viesse a ser revelada através da recém-iniciada investigação

do assassinato do ministro do exterior chileno Orlando Letelier.

20 de outubro de 1978

De: Embaixada de Assunção

Para: Secretário de Estado – Washington, D.C.

Assunto: segunda reunião com o chefe de staff

sobre o caso Letelier

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

96

Ref: Assunção 4375

1. Em 11 de outubro, encontrei-me novamente

com o chefe do staff, general Alejandro Fretes

Davalos. Após as cortesias preliminares, ele

leu para mim a ata ou minutas que resultaram

da visita a Assunção do chefe da inteligência

Chilena, general Orozco. O documento não faz

referência direta ao caso Letelier. Fretes

disse que o presidente11 o autorizara a me in-

formar sobre a ata, mas preferira lê-la dire-

tamente.

2. O documento é basicamente um acordo para

coordenar todos os recursos de inteligência a

fim de controlar e eliminar a subversão. Fala

da troca de informação, uso imediato de faci-

lidades de comunicação, monitoramento e deten-

ção de elementos subversivos e entrega infor-

mal de um país para outro. (O texto) repete

diversas vezes a necessidade de cooperação to-

tal e atos mutuamente facilitados no contexto

da luta até a morte contra a subversão.

3. Em resposta às minhas perguntas, Fretes Da-

valos deu o seguinte depoimento sobre a reuni-

ão entre o Chile e o Paraguai. Era simplesmen-

11

Alfredo Stroessner, presidente do Paraguai de 1954 a 1989.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

97

te outra de uma série de reuniões que aconte-

ciam anualmente entre os chefes das (agências)

de inteligência dos países do Cone Sul. O sis-

tema de consultas surgiu principalmente como

defesa à ameaça da subversão argentina se es-

palhar para outros países. O Brasil, a Argen-

tina, o Chile, a Bolívia, o Paraguai e o Uru-

guai constituem a rede, embora hoje o Uruguai

esteja praticamente inativo. Fretes Davalos

disse que as reuniões não são mais particular-

mente úteis, na opinião dele, porque a ameaça

da Argentina foi eliminada. Ele mantém contato

uns com os outros através de instalações de

comunicações dos Estados Unidos localizada na

zona do Canal do Panamá que cobre toda a Amé-

rica Latina. Essa instalação de comunicação

americana é usada principalmente por cadetes

para fazer contato com suas famílias ma Améri-

ca Latina, mas também é usada para coordenar

informação de inteligência entre os países do

Cone Sul.Eles mantêm a confidencialidade da

sua informação realizada através da instalação

americana no Panamá usando códigos bilaterais.

Na opinião dele, a rede é praticamente inútil

e serve principalmente para os chefes de inte-

ligência valorizaram sua importância como for-

ma de compensarem a perda de prestígio.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

98

4. Comentário. Obviamente essa é a Rede Con-

dor, sobre a qual todos ouvimos falar nos úl-

timos anos. Embora Fretes Davalos me dissesse

que tinha apenas mencionado ao presidente S-

troessner que iríamos conversar sobre a reuni-

ão, suspeito que o presidente proibiu Fretes

de me dar uma cópia da ata e, em lugar disso,

disse-lhe que lesse para mim. Ou eu entendi

mal, ou Fretes mencionou que a Argentina tam-

bém participou (da reunião). Aparentemente,

duas reuniões bilaterais entre o Chile e Ar-

gentina tiveram lugar uma após a outra.

5. Recomendação: Os dois agentes do FBI aqui

dizem-me que há uma possibilidade de que a O-

peração Condor seja revelada durante o julga-

mento do caso Letelier nos Estados Unidos. Se

o general Fretes Davalos estiver certo ao des-

crever a comunicação que o programa utiliza

como um sistema encriptado dentro da rede de

comunicações dos Estados Unidos (e não tenho

conhecimento se isso é verdade), parece acon-

selhável rever esse arranjo para assegurar que

ele continua a cumprir ações em favos dos in-

tereses dos EUA.

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória

99

Documento2

O telegrama a seguir, elaborado pela CIA em 12 de agosto de 1976,

aborda o papel do Brasil na Operação Condor, especificamente so-

bre a questão estender o programa secreto para atuar também na

Europa.

Cabeçalho CENSURADO

1. CENSURADO comentário: CENSURADO (cerca de

uma linha) embora o Brasil tenha aderido ao

acordo original entre Argentina, Uruguai, Chi-

le, Bolívia e Paraguai para cooperarem na tro-

ca de informação sobre terrorismo e subversão,

o país ainda não concordou em participar das

ações da Operação Condor na Europa e por en-

quanto irá limitar sua contribuição ao forne-

cimento de equipamento de comunicações para a

CONDORTEL, a rede de comunicação estabelecida

pelos países participantes da Operação Condor.

CENSURADO (cerca de uma linha) Os países en-

volvidos na Operação Condor que operariam na

Europa são o Chile, a Argentina e o Uruguai.

Os países que participam da Operação Condor

decidiram suspender seus planos de operar na

Europa e manter um treinamento em Buenos Aires

para os agentes do Condor que operam na Europa

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100

até o Brasil decidir se irá participar com os

outros (países) das operações na Europa, as

quais serão baseadas na França. CENSURADO Co-

mentário: CENSURADO não sabe informar se os

outros países participantes da Operação Condor

irão proceder sozinhos com essas operações se

o Brasil decidir não participar ou se outro

país está fazendo representações no Brasil

quanto a esse assunto.

Documento 3

No relatório a seguir, elaborado em 22 de agosto de 1978 pela CIA e

intitulado “Uma breve olhada na Operação Condor”, a agência dá

seu parecer sobre o programa que uniu sob o patrocínio dos Esta-

dos Unidos as agências de inteligência dos países do Cone Sul em

ações de sequestro e assassinato em todo o continente e na Europa.

ASSUNTO: Uma Breve Olhada na “Operação Condor”

1. A “Operação Condor” é um esforço de coope-

ração feito pelos serviços de inteligên-

cia/segurança de diversos países sul-

americanos para combater o terrorismo e a sub-

versão. Os membros originais incluíam serviços

do Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil

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101

e Bolívia; o Peru e Equador se tornaram mem-

bros recentemente. A CIA teve conhecimento da

existência da organização em março de 1976,

quando CENSURADO relatou que o coronel Manuel

CONTRERAS, então chefe da Diretoria Chilena de

Inteligência Nacional, iniciou um programa de

cooperação entre os serviços de inteligência

do Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolí-

via chamado “Plano Condor”. Embora a coopera-

ção entre os respectivos serviços de inteli-

gência/segurança já existisse há algum tempo –

talvez desde fevereiro de 1974 – o esforço de

cooperação não foi formalizado até maio de

1976, quando uma reunião sobre o Plano Condor

teve lugar em Santiago, Chile. O tema básico

da reunião foi a cooperação de longo alcance

entre os serviços dos países participantes,

mas (a conversa) foi bem além da troca de in-

formações. Os membros da Operação Condor rece-

beram designações numéricas, isto é, “Condor

Um”, “Condor Dois”, etc.

2. Por volta de julho de 1976, a CIA recebia

relatórios informando que a Operação Condor

planejava realizar “ação executiva” fora do

território dos países membros contra os líde-

res dos grupos terroristas nativos que estavam

residindo no estrangeiro. Tratava-se de mem-

bros de grupos que incluíam a Junta de Coorde-

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nação Revolucionária (JCR), a qual compreende

o Movimento Revolucionário de Esquerda (MIR)

chileno, o Exército Revolucionário Popular

(ERP) argentino, os tupamaros uruguaios e ou-

tros grupos menos importantes.

3. CENSURADO (dezoito linhas)

4. Durante os dois últimos anos, os represen-

tantes da Operação Condor se encontraram peri-

odicamente em um ou outro país membro para co-

ordenar suas atividades, estabeleceram uma re-

de especial de comunicações e realizaram trei-

namento de vários tipos, inclusive de guerra

psicológica. CENSURADO (cerca de três linhas)

Documento 4

Este memorando de uma reunião entre agentes da CIA e funcioná-

rios do Departamento de Estado traz pela primeira vez a alegação

de que a Operação Condor não se resume à mera troca de inteli-

gência, mas inclui igualmente “a localização e o assassinato de líde-

res guerrilheiros” no exílio.

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3 de agosto de 1976

ASSUNTO Reunião semanal da CIA-ARA –

30 de julho de 1976

PARTICIPANTES: ARA – Sr. Shlaudeman, sr. Lu-

ers, embaixador Ryan; CIA –

CENSURADO – INR/DDC – James R.

Gardner

CENSURADO apresentou CENSURADO que irá servir

como seu substituto.

Operação Condor

CENSURADO falou sobre o crescimento dessa or-

ganização de serviços de segurança dos países

do Cone Sul e dos desenvolvimentos perturbado-

res com relação às suas atitudes operacionais.

Concebido originalmente como um sistema de co-

municações e um banco de dados para facilitar

a defesa contra a Junta de Coordenação Revolu-

cionária, a organização emergiu com uma ação

muito mais ativa, a qual inclui especificamen-

te a identificação, localização e assassinato

de líderes guerrilheiros. Essa é uma reação

compreensível ao crescente alcance extra na-

cional, extremo e eficiente das atividades da

Junta. CENSURADO (restante do documento)

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Documento 5

Este telegrama, escrito pelo adido do FBI em Buenos Aires, Robert

Scherrer, sumariza a inteligência fornecida por uma “fonte confi-

dencial” sobre a Operação Condor. Aqui, o FBI revela que o Chile era

o centro do programa e enviava “equipes especiais” para diversos

países. Embora, vários trechos sobre esses times tenham sido cen-

surados, o documento evidencia seu modus operandi. O telegrama

também revela que o embaixador chileno para os Estados Unidos,

Orlando Letelier, pode ter sido assassinado como parte dos planos

da Operação Condor.

30 de setembro de 1976

Buenos Aires

Para o diretor – prioridade 204-28

Brasília - prioridade 026-28

Paris - prioridade 204-28

Assuntos Estrangeiros – Argentina – Chile

Em 28 de setembro de 1976, uma fonte confiden-

cial no exterior CENSURADO forneceu a seguinte

informação:

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“Operação Condor” é o nome código dado ao le-

vantamento, troca e armazenamento de inteli-

gência relativa aos chamados “esquerdistas”,

comunistas e marxistas, estabelecido recente-

mente entre serviços de inteligência sul ame-

ricanos que cooperam entre si a fim de elimi-

nar as atividades dos terroristas marxistas na

área. Além disso, a “Operação Condor” pratica

operações conjuntas contra alvos terroristas

nos países membros da “Operação Condor”. O

Chile é o centro da “Operação Condor” e além

do Chile, seus membros são a Argentina, Bolí-

via, Paraguai e Uruguai. O Brasil também con-

cordou em fornecer dados de inteligência para

a “Operação Condor”. Os membros da “Operação

Condor” que mostraram mais entusiasmo até hoje

são a Argentina, o Uruguai e o Chile. Esses

três países promoveram operações conjuntas,

basicamente na Argentina, contra alvos terro-

ristas. Durante a semana de 20 de setembro de

1976, CENSURADO (duas linhas) com respeito à

“Operação Condor”.

Uma terceira fase, mais secreta, da “Operação

Condor” envolve a formação de equipes especi-

ais dos países membros que viajam a qualquer

lugar no mundo, inclusive países que não são

membros da operação, para executar assassina-

tos de terroristas ou de colaboradores de or-

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ganizações terroristas por parte dos países

membros da “Operação Condor”. Por exemplo, se

um terrorista ou colaborador de uma organiza-

ção terrorista de um dos países membros da “O-

peração Condor” for localizado na Europa, uma

equipe especial da “Operação Condor” é despa-

chado para localizar e fazer levantamentos so-

bre o alvo. Quando a operação de vigilância é

concluída, uma segunda equipe da “Operação

Condor” é despachada para executar a sanção

contra o alvo. As equipes especiais recebem

documentos falsos dos países membros da “Ope-

ração Condor”. As equipes podem ser formadas

exclusivamente de indivíduos um país membro da

“Operação Condor” ou podem ser composta de um

grupo misto de vários países da “Operação Con-

dor”. Os países europeus, mencionados especi-

ficamente como possível teatro das ações da

terceira fase da “Operação Condor”, são França

e Portugal.

Uma equipe especial foi organizada CENSURADO

(cerca de três linhas), estão sendo observados

para futuras possíveis ações na terceira fase

da “Operação Condor”.

CENSURADO (cerca de três linhas) coordenado

localmente.

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Deve ser observado que nenhuma informação foi

desenvolvida indicando que as sanções da ter-

ceira fase da “Operação Condor” tenham sido

planejadas para serem executadas nos Estados

Unidos. No entanto, é possível que o recente

assassinato de Orlando Letelier em Washington,

DD.C., tenha sido executado como parte da ter-

ceira fase da “Operação Condor”. Conforme ob-

servado acima, a informação disponibilizada

pela fonte indica que uma ênfase particular

foi colocada nas ações da terceira fase da “O-

peração Condor” na Europa, especificamente na

França e em Portugal. Este escritório continu-

ará alerta para qualquer informação que indi-

que que o assassinato de Letelier pode ter si-

do executado como uma ação da “Operação Con-

dor”.

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Sobre o Autor

Claudio Blanc é escritor, tradutor e editor, autor de cerca de 600 artigos sobre História, Ciência, Literatura e Filosofia, publicados em revistas como Discovery Magazine, Filosofia Ciência & Vida, Revista do Explorador e Grandes Líderes da História. É autor, entre outros, dos livros Aquecimento Global e Crise Ambiental, Uma Breve Histó-ria do Sexo, O Lado Negro da CIA e O Homem de Darwin. Entre seus livros infanto-juvenis estão Histórias Sopradas no Tempo e De lenda em Lenda se Cruza Fronteiras, indicado como Altamente Recomen-dável pela Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil. Claudio Blanc também assina, até o momento da publicação deste, a tradução de 40 obras nos mesmos campos de conhecimento sobre os quais es-creve, entre elas os best-sellers Fumaça e Espelhos, de Neil Gaiman, e O Relatório da CIA – como será o mundo em 2020?

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de São Paulo

Direito reservados: Sindicato dos Padeiros de São Paulo, 2014 Este texto pode ser reproduzido para fins educativos;

a fonte deve ser citada

Projeto Memória: www.padeirosspmemoria.com.br