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54 I éPOCA I 19 de maio de 2014 movimento da afirmação do orgulho gay gerou publicações exclusivas, ganhou espaço nos cinemas e chegou às novelas de TV. Nada mais natural, portanto, que ho- mossexuais aficionados de videogames, autointitulados “gaymers”, também se organizassem para reivindicar seu es- paço no mundo virtual. Algumas pro- dutoras de jogos ficaram tocadas com a reivindicação do combate ao precon- ceito e, finalmente, começam a incluir personagens gays em seus enredos. Ainda são poucos, mas já há games cuja trama principal gira em torno do am- biente gay. A diversidade sexual, enfim, começa a se manifestar num universo conhecido, até aqui, pelo seu notório machismo. Embora as produtoras prometam emular a vida real em cenários e no comportamento dos personagens dos games, os enredos da maior parte dos jogos disponíveis no mercado estão ba- seados em situações estereotipadas de um mundo com altíssimas doses de testosterona. Em jogos de luta, como Street fighter, personagens femininos aparecem em trajes mínimos, enquan- to os homens estão quase sempre sem camisa. A maior parte dos jogos da série GTA – Grand theft auto segue essa mes- ma receita.“Para a comunidade gay, a maioria dos jogos está longe de conse- O guir retratar a sociedade”, diz Matt Conn, da produtora de jogos MidBoss. As mulheres foram as primeiras a reagir contra os clichês machistas nos videoga- mes, com bons resultados. Os jogos Me- troid, Tomb raider, Portal, Heavenly sword e Beyond two souls têm mulheres como protagonistas. A Associação de Softwares de Entretenimento (ESA), dos Estados Unidos, afirma que 45% do público americano de videogames são mulheres. Com esse exemplo, os “gaymers” passa- ram a se mobilizar para também reivin- dicar seu quinhão. No ano passado, or- ganizaram, na cidade americana de San Francisco, a GaymerX, um evento com 2.300 pessoas. “Os jogadores, em geral, são contra a cultura LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais e transexuais)”, diz Conn, criador do evento.“Mas todos devem poder falar abertamente sobre assuntos por que são apaixonados e ser respeitados por isso.” Essa mobilização gerou as primeiras inserções de gays, em séries antes domi- nadas por machões que namoram garotas sexy. A expansão The ballad of Gay Tony, do GTA IV, coloca o jogador do game como segurança de um dono de boate gay. O personagem homossexual não é o protagonista do jogo, mas é essencial para a trama. Ele leva o jogador para missões variadas, como tirar satisfação de desafe- tos ou entrar num tiroteio. A mesma EXPERIêNCIAS DIGITAIS Para atender o público gay, o universo dos videogames começa a se abrir para personagens homossexuais Os gaymers saem do armário EM BUSCA DE OPçõES O estudante de tecnologia Marcos Berto. Ele se define como um “gaymer”. Quer poder escolher ficar ou não com meninos nos jogos

Os Gaymers saem do armário

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Matéria publicada na Revista Época, sobre a comunidade gay no mundo dos jogos de videogame.

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Page 1: Os Gaymers saem do armário

54 I época I 19 de maio de 2014

movimento da afirmação doorgulho gay gerou publicaçõesexclusivas, ganhou espaço nos

cinemas e chegou às novelas de TV.Nada mais natural, portanto, que ho-mossexuais aficionados de videogames,autointitulados “gaymers”, também seorganizassem para reivindicar seu es-paço no mundo virtual. Algumas pro-dutoras de jogos ficaram tocadas coma reivindicação do combate ao precon-ceito e, finalmente, começam a incluirpersonagens gays em seus enredos.Ainda são poucos, mas já há games cujatrama principal gira em torno do am-biente gay. A diversidade sexual, enfim,começa a se manifestar num universoconhecido, até aqui, pelo seu notóriomachismo.

Embora as produtoras prometamemular a vida real em cenários e nocomportamento dos personagens dosgames, os enredos da maior parte dosjogos disponíveis no mercado estão ba-seados em situações estereotipadas deum mundo com altíssimas doses detestosterona. Em jogos de luta, comoStreet fighter, personagens femininosaparecem em trajes mínimos, enquan-to os homens estão quase sempre semcamisa. A maior parte dos jogos da sérieGTA – Grand theft auto segue essa mes-ma receita.“Para a comunidade gay, amaioria dos jogos está longe de conse-

o guir retratar a sociedade”, diz MattConn, da produtora de jogos MidBoss.

As mulheres foram as primeiras a reagircontra os clichês machistas nos videoga-mes, com bons resultados. Os jogos Me-troid,Tomb raider, Portal, Heavenly sworde Beyond two souls têm mulheres comoprotagonistas.A Associação de Softwaresde Entretenimento (ESA), dos EstadosUnidos, afirma que 45% do públicoamericano de videogames são mulheres.Com esse exemplo, os “gaymers” passa-ram a se mobilizar para também reivin-dicar seu quinhão. No ano passado, or-ganizaram, na cidade americana de SanFrancisco, a GaymerX, um evento com2.300 pessoas. “Os jogadores, em geral,são contra a cultura LGBT (sigla paralésbicas, gays, bissexuais e transexuais)”,diz Conn, criador do evento.“Mas todosdevem poder falar abertamente sobreassuntos por que são apaixonados e serrespeitados por isso.”

Essa mobilização gerou as primeirasinserções de gays, em séries antes domi-nadas por machões que namoram garotassexy. A expansão The ballad of Gay Tony,do GTA IV, coloca o jogador do gamecomo segurança de um dono de boategay. O personagem homossexual não é oprotagonista do jogo,mas é essencial paraa trama. Ele leva o jogador para missõesvariadas, como tirar satisfação de desafe-tos ou entrar num tiroteio. A mesma

experiências digitais

Para atender o público gay, o universodos videogames começa a se abrirpara personagens homossexuais

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em buscade opçõeso estudante detecnologia marcosberto. ele sedefine como um“gaymer”. Querpoder escolherficar ou não commeninos nos jogos

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produtora do GTA pôs no enredo dogame Bully a possibilidade de o jogadorbeijar um rapaz. O protagonista da tra-ma recebe a cantada de outro jovem epode escolher beijá-lo, ou reagir comoum brutamontes e socar o garoto. Nãohá meio-termo. Em The last of us, umdos jogos mais premiados de 2013, daprodutora Naughty Dog, a protagonis-ta Ellie é uma jovem homossexual.

“É importante que todos possamcriar relações dentro dos jogos simila-res às que têm na vida real. É isso quepermite uma conexão emocional coma história”, afirmou a ÉPOCA SandyGoldberg, da EA Games, caso raro deprodutora que há muito tempo deixaque jogadores escolham sua preferên-cia sexual.“Gaymers” podem fazer issoem jogos como The Sims, Mass effecte Dragon age. “Não quero ser obrigadoa ficar com uma mulher no jogo”, afir-ma Marcos Berto, estudante de tecno-logia em jogos digitais da PUC de SãoPaulo. Ele se autodefine como gaymer.“Prefiro jogos que me deixem escolherser o que eu quiser.”

No Brasil, o movimento tem esbarra-do no machismo ainda predominante.O estudante carioca de designer JulioQueiroz criou uma página no Facebook,a Gaymers Brasil. “Muitos dizem queadoraram a ideia, mas não curtiram apágina por medo de os outros descobri-rem”, diz Julio. “A página tem 70% me-nos público que o grupo de gaymers queconhecemos.” Por causa do preconceito,as iniciativas dos “gaymers” costumamganhar maior adesão quando garantemanonimato. O americano Conn usou aplataforma de financiamento on-lineKickstarter duas vezes e foi bem-sucedi-do. Na primeira, arrecadou US$ 90 milpara organizar o GaymerX. Na segunda,angariou US$ 60 mil para desenvolver ojogo Read only memories, de temáticagay. A desenvolvedora americana de ga-mes que se identifica como Obscuraconseguiu também na Kickstarter maisde US$ 38 mil para criar o simulador deencontros gays Coming out on top. “Osbrasileiros estão entre os que mais visi-tam o site da plataforma”, diz Obscura.Ela (ele?) afirma usar o pseudônimo por“medo de se meter em encrenca”. u

Com Felipe Germano

A diversidade sexual chega aos gamesEnredos e personagens gays tornam os jogos mais reais

Comingout on topÉ um simuladorde encontros gays

the Last of usEllie é homossexualassumida, semestereótipos

gta – the BaLLadof gay tonyUm gay numa sériede jogos de durões

Read onLymemoRiesApresenta gays e héterosem pé de igualdade

the simsÉ possível se casarcom alguém domesmo sexo

BuLLyO jogador homempode escolher beijarou não outro menino

Fotos: Camila Fontana/ÉPOCA e reprodução

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