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261 ESTUDOS| A MARgem, Uberlândia, v. 14, n. 1, fev-jul. 2018 OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA ESCOLA: MUITO ALÉM DA LÍNGUA PORTUGUESA Rosana Mara Koerner 1 (Orientadora) Evelin de Freitas Costa Felipe de Moraes Poffo Thiago Túlio Pereira 2 Universidade da Região de Joinville (Univille) RESUMO: O artigo tem como tema o levantamento da contribuição das disciplinas do Ensino Médio, além da Língua Portuguesa, na produção e conhecimento dos gêneros discursivos. Para isso, utiliza-se como estudo de caso uma escola estadual de Joinville, Santa Catarina. Sendo a linguagem mediadora do conhecimento humano, os gêneros discursivos são enunciados que circulam em todas as disciplinas e contextos sociais. Diante disso, questiona- se qual a contribuição dos diferentes campos do saber à formação de cidadãos multiletrados. Para isso, foram investigadas questões como: a) o conhecimento dos professores referente ao tema “gêneros discursivos”; b) a forma como esses gêneros são trabalhados nas disciplinas; e c) se existe alguma integração nesse trabalho em nível inter-, multi- ou transdisciplinar. Para balizar essa pesquisa, foram utilizadas fontes de caráter legal e conceitual. Entre os documentos utilizados, incluem-se a Lei de Diretrizes e Bases e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Quanto às bases teóricas, utilizaram-se Kleiman, Mortatti e Rodrigues (2007, 2004 e 2014, respectivamente) no contexto dos gêneros discursivos e Campestrini et al. (2000) referentes à discussão sobre inter-, multi- e transdisciplinaridade. A pesquisa foi feita utilizando um questionário com perguntas abertas e fechadas aos professores da instituição escolhida. A partir da tabulação e da análise dos dados, foi possível perceber a ainda frágil formação dos professores no contexto dos gêneros discursivos e a necessidade de uma melhor capacitação para tanto. Finalmente, salienta-se a importância dos resultados e questões 1 Doutora, Professora da disciplina Linguística Aplicada à Língua Portuguesa (LALP), do curso de graduação em Letras, e Orientadora da Pesquisa. 2 Os três últimos são graduandos em Letras Licenciatura em Língua Portuguesa e Língua Inglesa e Respectivas Literaturas, do 2º Ano, em 2017.

OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA ESCOLA: MUITO ALÉM DA …

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ESTUDOS| A MARgem, Uberlândia, v. 14, n. 1, fev-jul. 2018

OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA ESCOLA: MUITO ALÉM DA LÍNGUA

PORTUGUESA

Rosana Mara Koerner1 (Orientadora)

Evelin de Freitas Costa

Felipe de Moraes Poffo

Thiago Túlio Pereira2

Universidade da Região de Joinville (Univille)

RESUMO: O artigo tem como tema o levantamento da contribuição das disciplinas do

Ensino Médio, além da Língua Portuguesa, na produção e conhecimento dos gêneros

discursivos. Para isso, utiliza-se como estudo de caso uma escola estadual de Joinville, Santa

Catarina. Sendo a linguagem mediadora do conhecimento humano, os gêneros discursivos são

enunciados que circulam em todas as disciplinas e contextos sociais. Diante disso, questiona-

se qual a contribuição dos diferentes campos do saber à formação de cidadãos multiletrados.

Para isso, foram investigadas questões como: a) o conhecimento dos professores referente ao

tema “gêneros discursivos”; b) a forma como esses gêneros são trabalhados nas disciplinas; e

c) se existe alguma integração nesse trabalho em nível inter-, multi- ou transdisciplinar. Para

balizar essa pesquisa, foram utilizadas fontes de caráter legal e conceitual. Entre os

documentos utilizados, incluem-se a Lei de Diretrizes e Bases e os Parâmetros Curriculares

Nacionais. Quanto às bases teóricas, utilizaram-se Kleiman, Mortatti e Rodrigues (2007, 2004

e 2014, respectivamente) no contexto dos gêneros discursivos e Campestrini et al. (2000)

referentes à discussão sobre inter-, multi- e transdisciplinaridade. A pesquisa foi feita

utilizando um questionário com perguntas abertas e fechadas aos professores da instituição

escolhida. A partir da tabulação e da análise dos dados, foi possível perceber a ainda frágil

formação dos professores no contexto dos gêneros discursivos e a necessidade de uma melhor

capacitação para tanto. Finalmente, salienta-se a importância dos resultados e questões

1Doutora, Professora da disciplina Linguística Aplicada à Língua Portuguesa (LALP), do curso de graduação em

Letras, e Orientadora da Pesquisa. 2 Os três últimos são graduandos em Letras – Licenciatura em Língua Portuguesa e Língua Inglesa e Respectivas

Literaturas, do 2º Ano, em 2017.

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levantadas no sentido de contribuir para a formação e a prática docente não somente em

Língua Portuguesa, mas em todas as disciplinas escolares.

PALAVRAS-CHAVE: Letramento. Gêneros Discursivos. Disciplinas Escolares.

ABSTRACT: The theme of this article is the contribution of the disciplines of High School,

beyond the Portuguese classes, in the production and knowledge of the discourse genres. It

uses as a case study a state school in Joinville, Santa Catarina. Language is the basis for the

knowledge, as well the discourse genres are statements that circulate in all disciplines and

social contexts. So, the question is what is the contribution of different fields of knowledge to

the formation of efficient readers. Some questions were made, including: a) the teachers'

knowledge about discourse genres; b) how they use these genres during their classes; and c) is

there any inter-, multi-, or transdisciplinary integration during this work? In order to validate

this research, legal and conceptual sources were searched. The “Lei de Diretrizes e Bases”

and the “Parâmetros Curriculares Nacionais” were used as a legal basis. Kleiman, Mortatti

and Rodrigues (2007, 2004 and 2014, in this sequency) were used about the discourse genres

and Campestrini et al. (2000) were used referring to the discussion on the inter-, multi- or

transdisciplinarity researches. There was a survey using a questionnaire with open and closed

questions to teachers of the institution. After tabulating and analyzing the data, it was possible

to realize a weak teacher training in the context of the discourse genres and the need for a

better capacitation in order to optimize this effort. Finally, the importance of the results and

issues raised is to the teachers' training and practice not only in Portuguese, but in all school

subjects.

KEYWORDS: Literacy. Discourse Genres. School Subjects.

INTRODUÇÃO

O conhecimento humano é uma realidade que se constrói a partir da linguagem.

Assim, quanto mais desenvolvida a linguagem humana, mais possibilidades de construção de

saber. Esse conhecimento exige das pessoas uma boa noção dos gêneros discursivos, que são

as formas como a linguagem e o conhecimento se manifestam nos diversos contextos sociais e

culturais, sejam informais ou formais.

Embora de maneira oficial sejam conteúdos da disciplina Língua Portuguesa, os

gêneros discursivos podem – e devem – ser trabalhados nas demais disciplinas. Seu uso vai

muito além de uma única matéria, haja vista que são o suporte da produção do conhecimento

das demais. Assim, a grande questão é de como esses gêneros são trabalhados e utilizados nas

outras disciplinas da Matriz Curricular do Ensino Médio.

Os objetivos dos questionários e levantamentos realizados na pesquisa foram: a)

analisar como a noção e o uso de gêneros discursivos é apropriada pelos docentes; b) se

ocorre um trabalho com esses conceitos e terminologias e como ele acontece; e c) se existe

alguma integração entre as disciplinas e em que nível: inter-, multi- ou transdisciplinar.

Como estudo de caso, foi desenvolvido em uma escola estadual de Santa Catarina,

localizada na cidade de Joinville, que atende a Educação Básica. Utilizando os conceitos de

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Letramento, Gêneros Discursivos e Disciplinaridade, presentes em Kleiman (2007), Mortatti

(2004), Rodrigues (2014) e Campestrini (2000) et. al., aplicaram-se, tabularam-se e

analisaram-se questionários aplicados aos docentes do ensino médio da escola. Agruparam-se

os professores por áreas do conhecimento, sendo elas: Linguagens e Códigos; Matemática;

Ciências Naturais e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

A escolha da instituição deveu-se à sua afiliação ao Programa Ensino Médio Inovador,

doravante EMI, programa de educação financiado de forma conjunta com o Governo Federal,

que tem como principal objetivo, por meio de aulas, projetos e oficinas inovadoras, tornar o

Ensino Médio uma experiência mais positiva para os estudantes, inclusive nos quesitos

ligados à produção/recepção de gêneros discursivos diversos.

O artigo estrutura-se em quatro grandes seções organizadas nesta sequência: a) os

referenciais teóricos com os conceitos fundantes e a base jurídica educacional; b) a

apresentação dos materiais e métodos utilizados para a realização da pesquisa; c) a discussão

dos resultados tabulados e analisados durante as pesquisas e coletas; e d) as considerações

finais do artigo.

A pesquisa pode contribuir para que professores tenham mais clareza dos gêneros

discursivos. Além disso, fornece subsídios e dados relevantes à maneira como esses gêneros

discursivos já são trabalhados nas escolas de Ensino Médio. Portanto, não se tem a intenção

de esgotar o assunto, mas sim problematizá-lo para que haja uma melhor apreensão teórica e

metodológica do campo pelos docentes e discentes.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

Sendo a comunicação um processo formado por interlocutores, ou seja, dependente do

diálogo entre dois ou mais sujeitos da comunicação, ela se dá por meio dos chamados

enunciados, que se diferenciam como gêneros do discurso. Baseando-se em Bakhtin,

Rodrigues (2004), afirma que os gêneros do discurso são

[...] tipos de enunciados, relativamente estáveis e normativos, que

estão vinculados a situações típicas de comunicação social. Essa é a

natureza verbal comum dos gêneros a que o autor se refere: a relação

intrínseca dos gêneros com os enunciados (e não uma dimensão

linguística e/ou formal propriamente dita, desvinculada da atividade

social, que excluiria a abordagem de cunho social dos gêneros); isto é,

a natureza sócio-ideológica [sic] e discursiva dos gêneros.

(RODRIGUES, 2004, p. 9, grifo no original).

Assim, todo texto – ou enunciado – verbal e não-verbal pode ser considerado um

gênero do discurso ou, como em alguns documentos oficiais, gêneros textuais. Esses tipos se

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tornam concretos a partir das situações sociais em que se manifestam. Assim, enquanto o

gênero bula de remédio se faz concreto em um contexto social específico, o gênero poema

soneto se concretiza em outra situação. Eles vão se adequando às situações e contextos a que

estão ligados.

As escolas, ao contemplarem os diversos gêneros discursivos, desde os literários aos

não-literários, dos científicos aos filosóficos, dos mais formais até os informais,

instrumentalizam os estudantes para a prática da comunicação (verbal ou não-verbal). Essa

comunicação, como expressa Bakhtin e como pressuposto deste trabalho, é um processo

social e só tem sentido se analisado no contexto da interação humana. Nesse sentido, cabe

analisar como esse processo se materializa no lócus da Escola.

A LDB – Lei de Diretrizes e Bases (L9394/96) – agrupa e organiza em seus artigos

toda a legislação que estrutura a Educação Básica e Superior no Brasil. Todos os seus

pressupostos legais se baseiam na Constituição Federal, de 1988. Quanto à Educação Básica,

seus pressupostos se amparam também no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente,

publicado em 1990 (L8069/90).

Seus inúmeros artigos tratam dos três níveis da Educação Básica, dos quais interessam

ao projeto aqui proposto somente o último (portanto, o Ensino Médio). Nessa etapa, a ideia de

formação do estudante não envolve apenas aprendizagem de conteúdos específicos, mas

também a formação de cidadãos críticos e conscientes, aptos para a vida em sociedade e a

inserção no mercado de trabalho. Isso perpassa necessariamente a organização curricular,

exigindo-lhe uma estrutura que atenda a essas premissas.

Sendo o trabalho com os gêneros discursivos uma questão que vai além da disciplina

de Língua Portuguesa, é necessário revisitar alguns conceitos básicos. Esses conceitos darão a

fundamentação teórica mínima para se compreender de que maneira é feito o trabalho com os

gêneros: disciplinar, multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar.

O primeiro conceito, da disciplinaridade, segundo Pires (1998), envolve o olhar

clássico da Escola, em que cada disciplina tem seu objeto próprio de estudo e análise. Essa

abordagem muitas vezes é criticada, pois acaba fragmentando o conhecimento. Já a segunda

abordagem, da multidisciplinaridade, segundo a mesma autora, objetiva integrar diversos

olhares sobre o mesmo fenômeno, sendo muitas vezes insuficiente. A multidisciplinaridade

também é frágil, pois na maioria das vezes é uma mera sobreposição de olhares sem uma real

integração dos mesmos.

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Dessa forma, torna-se viável a abordagem interdisciplinar, que, como o próprio nome

diz, envolve um diálogo e uma interação entre as diversas disciplinas existentes, segundo se

expressa na análise filosófica disponível no artigo de Campestrini et al. (2000). Segundo os

Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000), essa interdisciplinaridade pode ser feita

através dos diversos eixos existentes na Educação Básica, tais como Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias, Ciências Naturais, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e

Sociais Aplicadas, organizados no Quadro 01, abaixo.

QUADRO 01 – EIXOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Eixo Disciplinas no Ensino

Fundamental Disciplinas no Ensino Médio

Linguagens e Códigos

Língua Portuguesa, língua

estrangeira (a partir do 6º ano

do ensino fundamental),

educação física e arte

Língua Portuguesa, língua

estrangeira (a partir do 6º ano

do ensino fundamental),

educação física e arte

Ciências Naturais e

Matemática Ciências e matemática

Biologia, física, química e

matemática

Ciências Humanas e Sociais e

Aplicadas

Ensino Religioso, geografia e

história

Sociologia, geografia, história e

filosofia Organizado por Thiago Túlio Pereira (2016), com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio

(2000).

Finalmente, segundo Pires (1998), a transdisciplinaridade é uma abordagem que

transcende as fronteiras impostas pelas disciplinas, com um olhar mais holístico. Apesar de

ser uma tendência do conhecimento humano produzido na Contemporaneidade, a

transdisciplinaridade muitas vezes é praticamente impossível nas escolas, dada sua

organização ainda pautada no modelo disciplinar.

Na perspectiva dos gêneros do discurso, a questão da abordagem utilizada para

trabalhá-los faz-se fundamental para entender que metodologias nortearão a prática docente.

Sendo a Escola um lócus fundamental de contato com inúmeros saberes escolares, baseados

em diferentes eventos de letramento. Assim, uma aula de física ou química (Ciências Naturais

e Tecnologias) pode ser um evento (tempo e espaço) de letramento em gêneros discursivos

científicos, como o relatório de experiência científica ou mesmo uma pesquisa orientada.

Sobre letramento, o termo tem sua origem na língua inglesa, a partir de literacy.

Segundo Mortatti (2004), no Brasil ainda está arraigado o conceito de alfabetização, embora a

partir da década de 1980 o termo começasse a aparecer com força no Brasil. Apesar desse

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fortalecimento da nova terminologia, ainda convivem no Brasil os dois conceitos, dos quais

interessa a esta pesquisa a noção de letramento.

Todo letramento é, em sua essência, uma atividade comunicativa e social. Segundo

Kleiman (2007, p. 5),

(...)uma situação comunicativa que envolve atividades que usam ou pressupõem o

uso da língua escrita ─ um evento de letramento ─ não se diferencia de outras

situações da vida social: envolve uma atividade coletiva, com vários participantes

que têm diferentes saberes e os mobilizam (em geral cooperativamente) segundo

interesses, intenções e objetivos individuais e metas comuns.

Assim, ao mesmo tempo em que uma redação do ENEM (Exame Nacional do Ensino

Médio) é um importante evento de letramento, dentro dos parâmetros da Educação Formal,

uma mensagem de texto ou áudio de WhatsApp também o é. Partindo dessa perspectiva,

amplia-se a noção de gêneros do discurso para a esfera da prática social, a comunicação

humana, levando em conta suas intencionalidades, contradições e aspectos culturais.

A partir das inúmeras disciplinas e áreas do Ensino Médio e contando com a

multiplicidade de vozes e formações dos Professores envolvidos, é possível desenvolver uma

educação mais comprometida com os letramentos dos estudantes. Dessa forma, é possível

discutir abordagens e metodologias correspondentes a serem utilizadas.

2 MÉTODO

A pesquisa realizada utilizou como instrumento de coleta de dados um questionário

composto de sete questões, sendo majoritariamente objetivas (ou seja, em múltipla escolha).

Essas perguntas envolviam noções como gêneros discursivos (incluiu-se também a noção

distinta de gêneros textuais, mais corriqueira no senso comum), sua produção, recepção e

pesquisa. Partindo desses dados, foi feita a tabulação, seguida de uma análise quali-

quantitativa, ou seja, com os valores das tabelas e dos gráficos fundamentando as análises

qualitativas.

Essa pesquisa de campo teve como amostra todo o corpo docente do Ensino Médio

Diurno que leciona na escola escolhida, fechando no total de 18 entrevistados. De forma

anônima, esses professores responderam e entregaram o questionário. Depois de minuciosa

análise, os resultados numéricos foram tabulados e transformados em tabelas e gráficos

produzidos no programa Microsoft Office Excel. Com base nesses valores, foi feita a análise e

a discussão, culminando nas considerações finais e neste artigo final.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 01, na sequência, organiza os 18 professores a partir das quatro áreas de

conhecimento, a saber: Linguagens e Códigos, Matemática, Ciências Naturais, Ciências

Humanas e Sociais Aplicadas e Segundo Professor – Professores da Inclusão Social, em

valores absolutos e relativos. Maior número de professores (05 ao total) é da área de

Linguagens e Códigos, onde se inclui a Língua Portuguesa.

FONTE: Pesquisa realizada com Professores em agosto de 2017

EMI = Ensino Médio Inovador

Outro aspecto obtido por meio da aplicação do questionário está relacionado ao perfil

dos professores. Quanto ao tempo médio de exercício dessa profissão, tem-se em torno de 11

a 12 anos, sendo que em média os professores estão na Escola há cerca de 6 ou 7 anos. Isso é

crucial para compreender certas respostas levantadas, pois ao longo do tempo as formações

docentes vão se modificando e traçando diferentes perspectivas. Ademais, outra questão

levantada foi a situação funcional de cada professor, constatando-se que, em sua maioria, são

professores contratados no Regime ACT – Admissão em Caráter Temporário, o que torna a

rotatividade da Escola alta. Consequentemente, projetos visando ao longo prazo são

comprometidos, pois 61% do Corpo Docente é temporário na instituição.

Quanto ao nível de formação dos professores, predominam os Especialistas3, sendo

62% do Corpo Docente, fato que não destoa muito de outras escolas. Apenas um Professor

(6%) tem nível de escolaridade Doutorado (Pós-Doutorado), enquanto uma parcela de 16%

tem em seu nível de escolaridade a Graduação. Finalmente, outros 16% ainda são graduandos

na disciplina em que lecionam, resultado que explica a lacuna de profissionais em diversas

disciplinas escolares.

3Especialistas são profissionais “Pós-Graduados”. Diferentemente dos Mestres e Doutores, que são Pós-

Graduados em nível Stricto Sensu, os Especialistas fazem a Pós-Graduação Lato Sensu.

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Dos professores entrevistados, somente 61% (11) responderam suficientemente ao

conceito de Gênero Discursivo ou Gênero Textual4, explicando-o claramente. Nenhum

conseguiu citar ao menos uma referência de consulta para essa questão, como os conceitos do

enunciado, seu uso social ou mesmo a relativa estabilidade existente nos gêneros, conforme

analisado em Rodrigues (2004). Não foram citados em momento algum os PCNs (Parâmetros

Curriculares Nacionais), referência fundamental para a reflexão sobre os gêneros discursivos.

Dos outros 39% (7), metade não respondeu e outra respondeu de forma insuficiente. Isso

denota a frágil formação docente na área dos Gêneros Discursivos, ainda muito concentrada

nos cursos superiores das áreas de Linguagens e Códigos e Ciências Humanas e frágil em

outras áreas como Matemática e Ciências Naturais.

Quanto aos instrumentos utilizados para a realização das avaliações escolares, o

Gráfico 01 setoriza em valores relativos os tipos de avaliações mais recorrentes. Nota-se no

gráfico o predomínio das avaliações e dos trabalhos escritos, bastante preponderantes na

maioria das escolas e universidades, seguidos por uma quantidade mediana de projetos

escritos e orais (feiras, encontros, pesquisas orientadas etc.) e, por último, atividades

envolvendo jogos e recursos audiovisuais.

GRÁFICO 01 – INSTRUMENTOS AVALIATIVOS UTILIZADOS

Organizado pelos autores (2017).

4 Apesar de este artigo não trabalhar com o conceito de gênero textual, mas sim gênero discursivo, utilizaram-se

no questionário ambos os conceitos. Com isso foi possível analisar se os docentes conheciam alguma teoria ou

estudioso de um desses paradigmas de análise linguística.

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Sobre os resultados obtidos, o grande questionamento é, de que maneira as formações

docentes têm dado conta do desafio de formar docentes avaliadores?

Predominam ainda formas tradicionais de avaliação, abrindo pouco espaço para a

renovação didática com atividades lúdicas, interdisciplinares e mais contextualizadas com os

desafios e as demandas dos jovens do Século XXI. Segundo Kleiman (2007), todas as

atividades, mesmo as mais banais e cotidianas, são, em si, eventos de letramento, podendo ser

analisados como instrumentos avaliativos, transcendendo os tradicionais trabalhos e provas.

Apesar das fragilidades observadas no quesito “instrumentos avaliativos”, percebeu-se

que a maior parte dos docentes da pesquisa expõe aos seus estudantes “qual gênero

textual/discursivo querem que eles desenvolvam em suas atividades e exercícios”, sendo que

95% disseram que explicam aos alunos qual gênero devem produzir. Além disso, 78%

afirmam auxiliar os estudantes em “como produzir aquele gênero específico”, corroborando a

hipótese de que a produção textual não deve estar restrita às aulas da disciplina de Língua

Portuguesa.

Outra possibilidade que foi investigada no processo foi a interdisciplinaridade. Sendo

o Programa Ensino Médio Inovador uma proposta que envolve um novo olhar, são suscitadas

atividades que envolvam projetos integrando áreas do conhecimento. Dessa forma, o objetivo

das perguntas relacionadas a esse tema foi analisar de que forma o trabalho pedagógico é feito

e se ele atinge algum nível de integração disciplinar, conforme o Gráfico 02.

GRÁFICO 02 – FREQUÊNCIA DE ATIVIDADES INTERDISCIPLINARES

Organizado pelos autores (2017).

Entre os formatos mais utilizados para acontecer integração interdisciplinar, destacam-

se essencialmente as feiras realizadas ao longo do Calendário Escolar. Entre as feiras mais

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citadas, estiveram a Feira de Ciências, a Feira do Chá e a Semana de Arte e Literatura,

eventos já tradicionais e previstos em todos os anos letivos da Escola.

Apesar de a Escola já apresentar boas iniciativas de integrações disciplinares, esse

objetivo ainda está muito aquém do que propõem as metodologias recentes. Além das formas

tradicionais de avaliação, as organizações curriculares em forma de disciplinas ou

componentes curriculares isolados ainda predominam nas instituições, realidade que se agrava

com a própria organização dos currículos das escolas brasileiras.

Finalmente, foi investigada a maneira como os professores se instrumentam teórica e

metodologicamente dos conceitos de gêneros discursivos (ou textuais). Mesmo que muitos

não tenham consciência do conceito de gênero discursivo/ textual, o objetivo era analisar de

que forma eles chegavam às noções como, por exemplo, o que é um resumo, uma resenha, um

fichamento, uma síntese etc., culminando no resultado explicitado no Gráfico 03.

GRÁFICO 03 – REFERÊNCIAS DE CONSULTA SOBRE GÊNEROS DISCURSIVOS

Organizado pelos autores (2017).

Entre os resultados obtidos, predominaram fontes de caráter mais escolar, como textos

da Internet e do Livro Didático (num total de 95% aproximadamente). Fontes mais

acadêmicas, como os artigos científicos (55%) ou mesmo materiais da faculdade (40%), são

bem menos utilizados para a elaboração dos gêneros discursivos, alargando ainda mais o

fosso existente entre os discursos acadêmico e escolar.

Entre os professores que responderam utilizar como referências para a instrumentação

teórica e metodológica dos gêneros discursivos as fontes acadêmicas, predominaram aqueles

de áreas como Ciências Humanas e Linguagens e Códigos. Esse fator reforça ainda mais a

velha crença de que “texto é coisa de aulas de Português ou mesmo de Ciências Humanas”,

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ESTUDOS| A MARgem, Uberlândia, v. 14, n. 1, fev-jul. 2018

obscurecendo a função social dos gêneros discursivos, intrínseca a todos os saberes humanos,

sejam estes escolares ou não, sobre fenômenos sociais ou naturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento humano é uma realidade que se concretiza pela linguagem, sendo os

gêneros discursivos os instrumentos sociais que permitem essa construção. Portanto, a Escola

é um lócus importante de construção não só de saberes humanos, mas também de formação

dos estudantes para que estes saibam analisar e produzir gêneros discursivos com qualidade,

transitando entre diversos contextos.

Diante do exposto acima, percebeu-se na pesquisa realizada que ainda ocorre uma

maior concentração do trabalho e da consciência dos gêneros discursivos na disciplina de

Língua Portuguesa e, em especial, nas suas áreas afins (Linguagens e Humanas), tornando-se

mais incipiente nas áreas de Matemática e Ciências Naturais. Isso talvez venha não apenas de

um conhecimento/ desconhecimento por parte dos professores, mas de uma formação (tanto

em nível Básico quanto Superior) que setoriza as áreas do conhecimento em disciplinas mais

ou menos “familiarizadas com textos”.

Esta pesquisa evidenciou uma grande necessidade de se conhecer o conceito de

gêneros discursivos e de sua importância na produção do conhecimento escolar. Faz-se

necessário que não só os professores tenham conhecimento teórico e prático do assunto, mas

que também formem seus estudantes com mais clareza e eficiência. Isso porque a ideia da

Escola é de que os saberes transcendam disciplinas e teorias. Diante disso, estas investigações

abrem possibilidades para outras como: a) o trabalho com gêneros discursivos em disciplinas

ou mesmo áreas mais específicas; b) as principais lacunas na formação de professores na área

de “gêneros discursivos”; c) por que a integração entre disciplinas e projetos ainda é um

desafio para professores e escolas; entre outros.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm Acesso em 19 de agosto

de 2016.

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272

ESTUDOS| A MARgem, Uberlândia, v. 14, n. 1, fev-jul. 2018

KLEIMAN, A. B.. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. In: Signo,

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<https://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/view/242/196>. Acesso em: 26 jun. 2017.

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PIRES, M. F. C. Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade no

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Acesso em: 29 dez. 2016.

RECEBIDO EM: 14/02/2018 | APROVADO EM: 02/05/2018