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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS CAMPUS PALMAS PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO CÍNTIA SOUZA DANTAS DA SILVA OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO RURAL PADRE JOSIMO I e II E NO MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO PALMAS 2009

OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO …‡ÃO... · Tabela 9 Créditos disponibilizados às famílias assentadas ... CEB Comunidade Eclesiais de Base CLT Consolidação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS CAMPUS PALMAS

PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO

CÍNTIA SOUZA DANTAS DA SILVA

OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO

ASSENTAMENTO RURAL PADRE JOSIMO I e II E NO MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO

PALMAS 2009

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CÍNTIA SOUZA DANTAS DA SILVA

OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO RURAL PADRE JOSIMO I e II E NO

MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Federal do Tocantins – Área de concentração: Desenvolvimento Regional, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira.

PALMAS 2009

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Ficha Catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação da

UFT – Campus de Palmas

G116p Dantas, Cíntia Souza Dantas da Silva. Os Impactos Socioterritoriais do Assentamento Padre Josimo I e II no Município de

Cristalândia-TO e Entorno / Cíntia S. Dantas – Palmas - TO: [s.n.], 2009 117 f., il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Tocantins - UFT, Campus de Palmas

Orientador: Elizeu Ribeiro Lira

1. Reforma Agrária. 2. Impactos Socioterritoriais. 3. Movimentos Sociais. 4. Assentamentos Rurais. 5. Cristalândia.

I. Dantas, Cíntia S. Dantas da Silva. II. Elizeu Ribeiro Lira. III. Título. CDD (18.ed.) 910

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Universidade Federal do Tocantins

Campus Palmas Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio

A comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de Mestrado

OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO RURAL PADRE JOSIMO I e II E NO MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO

Elaborada por

Cíntia Souza Dantas da Silva

Como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio

COMISSÃO EXAMINADORA:

Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira - Orientador Doutor em Geografia (UFT – Porto Nacional)

Prof. Dr. Roberto de Souza Santos Doutor em Geografia (UFT – Porto Nacional)

Prof Dr. José Ramiro Lamadrid Marón Doutor em Geografia (UFT – Palmas)

Aprovação: Palmas, 27 de maio de 2009.

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Dedico esse trabalho aos meus pais.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe pelo estímulo e amor oferecidos. Ao meu pai pelas opiniões e idéias que colaboraram nesse trabalho.

Ao meu irmão, David Jr., pelo apoio, indispensável para a conclusão dessa dissertação. Ao Prof. Elizeu pela dedicação e o acompanhamento na orientação da pesquisa.

Aos colegas, companheiros na 1ª. turma do mestrado: Adriana, Anna Paula, Andréia, Fabiano, Fernando, Gilberto, Graça, José Anunciação, Marcos e Patrícia pelos ótimos momentos de discussão e diversão; em especial a Cacau e Frank pela parceria durante as disciplinas e a Gleys durante as pesquisas de campo. Aos assentados do Pe. Josimo I e II que contribuíram respondendo ao questionário e relatando um pouco de suas vidas no assentamento. Ao pessoal do INCRA-TO, em especial ao Flávio e ao Geraldino, pela atenção e contribuição na pesquisa. Aos muito mais que colegas de trabalho, grandes amigos, Carina, Carla, Gleisy, Marcelo e Magali, pelo estímulo e companherismo. Às amigas de sempre, Aline, Nícia e Tatiana, pelo carinho e a torcida.

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RESUMO

Dissertação de Mestrado

Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio Universidade Federal do Tocantins

OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO RURAL PADRE

JOSIMO I e II E NO MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO

AUTORA: CÍNTIA SOUZA DANTAS DA SILVA ORIENTADOR: PROF. DR. ELIZEU RIBEIRO LIRA

Data e Local da Defesa: Palmas, 27 de maio de 2009.

Este estudo tem como objetivo abordar os impactos socioterritorias do/no assentamento rural Padre Josimo I e II no município de Cristalândia-TO e entorno. Os impactos são resultados das ações dos sem-terra por meio da ocupação de latifúndios e da conquista da terra. Os assentamentos representam, primeiramente, o processo de reordenação territorial através da formação de pequenas unidades produtoras e, como conseqüência, o processo de fortalecimento da agricultura camponesa. A discussão inicial parte do processo de modernização da agricultura, a partir de 1960, que agravou as desigualdades socioeconômicas causando expropriação camponesa, concentração de terras e renda. Esse processo também levou ao surgimento de movimentos sociais no campo, que passaram a reivindicar a distribuição e a desconcentração fundiária. Também destacamos, neste estudo, a temática socioterritorial que compreende mudanças provocadas pelos movimentos sociais envolvidos na luta pela terra. Trabalhamos o estudo em três dimensões (social, política e econômica) a fim de apresentarmos algumas contribuições para a compreensão dos impactos socioterritoriais no processo de formação do assentamento, como também nos processos de espacialização e territorialização na luta pela terra.

Palavras-chaves: Reforma Agrária, Impactos socioterritoriais, Assentamentos Rurais, Cristalândia.

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ABSTRACT

Dissertation of Master Degree

Pos-Graduation Program in Regional Development and Agribusiness Federal University of Tocantins

THE SOCIOTERRITORIAL IMPACTS IN THE RURAL ESTABLISHMENT PADRE

JOSIMO I AND II AND IN CRISTALANDIA-TO AND ADJACENT CITIES

AUTHOR: CINTIA SOUZA DANTAS DA SILVA ADVISER: PROF. DR. ELIZEU RIBEIRO LIRA

Date and Defense Place: Palmas, May 27th, 2009

The aim of this study is to aproach the socioterritorial impacts of/in the rural establishment Padre Josimo I and II in Cristalandia-TO and adjacent cities. The impacts result from the actions of the landless people in both, land occupation and conquer. The establishment represent in a first moment the territorial reorganization process through the formation of small productive units and, consequently, the process of strengthening of rural agriculture. The initial discussion starts with the modernization of agriculture, in 1960, and it aggravated the socioeconomic discrepancies causing rural expropriation as well as land and income concentration. This process also led to the beginning of rural social movements, and they started to demand land distribution. We also highlight in this study the socioterritorial issue in regards to the changes caused by the social movements involved in the fight for the land. We have elaborated this study in three perspectives ( social, political, and economic) so we can present some contributions to the understanding of the socialterritorial impacts in the process of the establishment formation as well as spatialization and territorialization processes in the fight for the land. Key words: Agrarian Reform, Socioterritorial Impacts, Rural Establishments, Cristalandia

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Processos geográficos ........................................................ 35 Quadro 2 Principais características, semelhanças, diferenças e

significados dos movimentos sociais e movimentos socioterritoriais........................................................................

38 Quadro 3 Movimentos socioterritoriais que atuaram no estado do

Tocantins no período de 2000 a 2007 ................................................................................................

42 Quadro 4 Processo de reforma agrária .................................................. 48 Figura 1 Impactos socioterritoriais dos assentamentos ....................... 51 Quadro 5 Impactos socioterritoriais: dimensões e indicadores .............. 57 Figura 2 Síntese do método na concepção materialista e dialética ..... 59 Mapa 1 Localização dos municípios de Cristalândia e Nova

Rosalândia e do Assentamento Pe. Josimo I e II ..................

61 Foto 1 Sede da antiga fazenda ......................................................... 73 Gráfico 1 Formas de aquisição do lote .................................................. 75 Gráfico 2 Estados de origem das famílias assentadas .......................... 76 Foto 2 Alta ocupação do transporte escolar ...................................... 89 Foto 3 Interior do transporte escolar em condições precárias .......... 89 Foto 4 Van que transporta os estudantes ......................................... 90 Foto 5 Cachoeira localizada no assentamento ................................. 95 Foto 6 Casa construída com recurso do crédito habitação ............... 97 Foto 7 Casa comum ao período de organização em agrovila ........... 98 Foto 8 Bovinos criados no assentamento ......................................... 102 Foto 9 Pequizeiro (Caryocar brasiliense Camb.) .............................. 103

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais na

região Norte em 2007 ............................................................

43 Tabela 2 Mudanças da estrutura fundiária no Brasil por classes de

área 1992, 1998 e 2003 .........................................................

44 Tabela 3 Distâncias e rodovias de acesso dos Municípios de

Cristalândia e Nova Rosalândia de outros centros urbanos ..

62 Tabela 4 Estrutura Fundiária do Município de Cristalândia em 2004 ... 71 Tabela 5 Distribuição da população do assentamento por faixa etária

e gênero .................................................................................

75 Tabela 6 Documentação por faixa etária .............................................. 77 Tabela 7 Distribuição da população com relação aos estudos ............. 83 Tabela 8 Número de estabelecimentos de ensino na região de

influência do assentamento ...................................................

86 Tabela 9 Créditos disponibilizados às famílias assentadas .................. 105

LISTA DE ANEXOS

Anexo A Planta do assentamento Pe. Josimo I e II 116

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADAPEC Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins AESCA Associação Estadual de Cooperação agrícola ANMTR Associação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais BASA Banco da Amazônia CDH Centro de Direitos Humanos CEB Comunidade Eclesiais de Base CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na agricultura CPT Comissão Pastoral da Terra EJA Educação de Jovens e Adultos GEBAM Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas GETAT Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IF-TO Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MAB Movimento dos Atingidos por Barragens ITEPAC Instituto de Ensino Professor Antônio Carlos MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MPA Movimento dos Pequenos Agricultores MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NATURATINS Instituto da Natureza do Tocantins OTC Organização dos Trabalhadores no Campo PCB Partido Comunista Brasileiro PDA Plano de Desenvolvimento do Assentamento PRONAF Programa Nacional de Agricultura Familiar PROTERRA Programa de Redistribuição de Terras e estímulos à

Agroindústria do Norte e Nordeste PSF Programa de Saúde da Família RURALTINS Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SUS Sistema Único de Saúde TDR Territorialização, Desterritorialização, Reterritorialização UCT Universidade Católica do Tocantins UFT Universidade Federal do Tocantins ULBRA Universidade Luterana do Tocantins ULTAB União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas UNIRG Fundação Universidade Regional de Gurupi UNITINS Fundação Universidade do Tocantins UTI Unidade de Terapia Intensiva

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11 1. A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA: MODERNIZAÇÃO DA

AGRICULTURA E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE ....................

15 1.1. A QUESTÃO AGRÁRIA E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

BRASILEIRA .....................................................................................

15 1.2. TRASFORMAÇÕES RECENTES NA AGRICULTURA: O

PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA .....................................................................................

21 2 ASSENTAMENTOS RURAIS E O PROCESSO DE

TERRITORIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO TOCANTINS ............................................................................................................

27 2.1. COMPREENDENDO O TERRITÓRIO A FIM DE SE ENTENDER A

TERRITORIALIZAÇÃO E A ESPACIALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO ..............................................

27 2.2. O MST COMO MOVIMENTO SOCIOTERRITORIAL QUE

TERRITORIALIZOU NO TOCANTINS ........................................

41 3. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: DA LUTA PELA TERRA À

PERMANÊNCIA DOS ASSENTADOS RURAIS NO ASSENTAMENTO Pe. JOSIMO I E II ...............................................

45 3.1. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: QUESTÕES TEÓRICAS DE

ANÁLISE ...........................................................................................

45 3.2. ASPECTOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE ................................ 54 3.2.1. Materialismo Histórico Dialético como Método ............................ 58 3.2.2. Caracterização da Área de Estudo ................................................ 60 4. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO

PADRE JOSIMO I E II E EM CRISTALÂNDIA E ENTORNO ..........

64 4.1. HISTÓRICO DA TERRITORIALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO Pe.

JOSIMO I E II ....................................................................................

65 4.2. DIMENSÃO POLÍTICA: DE TERRITÓRIO DO LATIFÚNDIO A

TERRITÓRIO CAMPONÊS ...............................................................

69 4.2.1. Concentração Fundiária, Organização Territorial e Social.......... 69 4.2.2. Poder Local, Participação Política e Políticas Públicas .............. 74 4.3. MUDANÇAS SOCIAIS COMO RESULTADO DA

IMPLANTAÇÃO/CONSOLIDAÇÃO DO ASSENTAMENTO ..............

81 4.3.1. Educação .......................................................................................... 81 4.3.2. Transporte ........................................................................................ 88 4.3.3. Saúde ................................................................................................ 91 4.3.4. Cultura e Lazer ................................................................................. 94 4.3.5. Moradia ............................................................................................. 96 4.4. OS IMPACTOS DO ASSENTAMENTO SOB UMA PERSPECTIVA

ECONÔMICA ....................................................................................

100 4.5. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS E A CONSTRUÇÃO DE

NOVAS TERRITORIALIDADES ........................................................

106 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 108 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................

110 114

ANEXOS Anexo A – Planta do assentamento Pe. Josimo I e II ..............................

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INTRODUÇÃO

A situação agrária no Brasil é resultado de questões relacionadas à

propriedade da terra, presentes desde a primeira fase de ocupação de seu território.

Hoje, essa problemática faz com que a questão agrária continue como tema

importante em discussões de políticas públicas para o campo, concomitante a

discussões a respeito da modernização da agricultura.

O Estatuto da Terra, de 1964, período do governo militar, deu respaldo legal a

uma política de modernização da agricultura. A partir de então, a Reforma tem

figurado como um discurso político de sucessivos governos. No entanto, em lugar de

uma efetiva mudança, o que ocorre, na prática, são apenas medidas paliativas, que

tentam solucionar conflitos locais no campo.

Somado a isso, o desenvolvimento da agricultura tem se apresentado como

um modelo de desenvolvimento capitalista, valorizando a grande produção, o uso de

novas tecnologias e o assalariamento da produção no campo.

Com o fim do Regime Militar, os movimentos sociais no campo passaram a se

rearticular, e as primeiras ocupações começaram a ocorrer somente na década de

1970. Porém, esses movimentos só adquiriram solidez após 1985, com a criação do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se tornou o maior

movimento social organizado do país.

O MST, por meio de suas ações e medidas, trouxe novos elementos à

questão agrária brasileira. Assim, ele se transformou e ressurgiu através de

impactos na configuração socioeconômica, política, cultural e territorial do país. O

movimento tem como emblema, e uma de suas principais lutas, a realização de uma

ampla Reforma Agrária, de caráter popular, em que o acesso à terra seja garantido a

todos que nela queiram trabalhar: desde os camponeses que retornam à terra até as

pessoas que tenham sido desfavorecidas pelo sistema capitalista.

Desse modo, a partir de ocupações de latifúndios, caminhadas, invasões de

prédios públicos, acampamentos e outros meios de reivindicação das famílias sem-

terra, o MST traz alterações significativas para a sociedade nos âmbitos

socioeconômico, político, cultural e territorial.

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Nesse contexto, os assentamentos representam a efetivação de mudanças no

campo e em seu entorno, gerando alterações tanto locais quanto regionais,

destacando-se por:

Modificações na distribuição da terra, alterações na estrutura produtiva e mudanças nas relações socioeconômicas e políticas devido ao aumento populacional. Por fim, não se pode esquecer a dinamização da economia atribuída ao aumento do consumo, não só de insumos e alimentos, mas também de serviços, o que resulta na geração de empregos (BUTH; CORRÊA, 2006, p. 154).

Os assentamentos indicam a possibilidade de reconstrução do território a

partir de mudanças - nas relações estabelecidas no espaço - que promovam

rearranjo no processo produtivo, diversificação da produção e introdução de novas

atividades.

No Tocantins, o MST tem operado sua territorialização, desde 1998, fazendo

com que se busque uma reflexão sobre a reconfiguração territorial que esse

movimento está provocando, desde suas motivações até as transformações delas

decorrentes.

Com o intuito de contribuir para o entendimento desse processo no estado,

elegemos como objeto, nesta investigação, os impactos socioterritoriais de um

assentamento sobre as dinâmicas do campo e dos núcleos urbanos à sua volta.

Para uma análise de tal objeto, foi necessário realizar um recorte que

priorizou o assentamento rural Padre Josimo I e II, situado no município de

Cristalândia -TO, abrangendo terras do município de Nova Rosalândia e próximo ao

município de Oliveira de Fátima. É relevante, portanto, que se analisem as relações

de tais localidades com a origem do assentamento e as transformações decorrentes

de sua implementação.

Assim, esta dissertação apresenta um estudo de levantamento dos impactos

socioterritoriais do assentamento rural Pe. Josimo I e II, no município de Cristalândia

e em seu entorno. Abordamos tais impactos em três dimensões: dimensão social –

abrangendo temáticas como: procedência das famílias; demandas relativas à saúde,

educação, transportes, moradia e cultura; ações tanto dos assentados quanto dos

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poderes públicos em atenção a essas demandas; identificação da implementação de

infra-estrutura básica para atender ao assentamento. Dimensão política – verificando

tanto a participação das famílias na organização do assentamento, suas relações

políticas, bem como a distribuição da terra, a área ocupada, número e tipos de

propriedades e as dinâmicas territoriais ocorridas. Enfim, a dimensão econômica -

tratando da organização dos assentados para o trabalho e a produção; fontes de

renda e a participação desses sujeitos nos âmbitos financeiro e comercial da região.

Entendemos os “impactos socioterritoriais” como mudanças promovidas por

um fato social em um determinado lugar que resultam em reconfiguração

significativa de sua dinâmica. Nesse caso, mais especificamente, são mudanças

sucessivas e simultâneas, resultantes dos processos de reterritorialização e

ressocialização das famílias do assentamento Pe. Josimo I e II. Mudanças essas

significativas para a vida dos assentados no interior de sua comunidade, nas

relações entre os membros e entre assentados-assentamento e, ainda, nas relações

extra-assentamento.

Assim, nossa análise busca identificar as principais mudanças ocorridas com

a nova estrutura do território, que passa de “território dos latifundiários” a “território

do camponês”. Para tanto, no primeiro capítulo, iniciamos nossa reflexão teórica a

partir de considerações gerais a respeito da participação da sociedade, com

destaque para a participação dos trabalhadores rurais, na questão agrária brasileira.

Enfocamos, também, as transformações relacionadas aos processos de

modernização e de industrialização da agricultura no país.

No capítulo seguinte, procuramos compreender o território e os processos

geográficos, a fim de entendermos a territorialização e a espacialização dos

movimentos sociais no campo, inseridos no processo de modernização da

agricultura brasileira.

Em seguida, no terceiro capítulo, tratamos de questões teóricas a respeito

dos impactos socioterritoriais. Também apontamos os indicadores dos impactos

observados neste trabalho, referentes ao assentamento e suas relações. Os

impactos socioterritoriais, bem como as dimensões e os indicadores, são mais

detalhados nesse capítulo através da apresentação dos aspectos metodológicos

presentes neste estudo.

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Por fim, no quarto capítulo, considerando as abordagens teóricas

apresentadas, realizamos uma discussão específica sobre os impactos identificados

no assentamento Pe. Josimo I e II, nas dimensões social, política e econômica.

Ressaltamos que tais dimensões foram analisadas parcialmente, através dos

indicadores selecionados e que subsidiaram as reflexões. Buscamos articular a

discussão teórica aos dados coletados durante a pesquisa de campo, às

observações e entrevistas realizadas no assentamento, no INCRA, no IBGE e nas

Prefeituras Municipais de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.

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1. A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA: MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

1.1. A QUESTÃO AGRÁRIA E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

BRASILEIRA

O direito à terra é uma problemática que sempre esteve presente no Brasil.

Uma herança do período do Império, desde a invasão do território, instituiu um

sistema fundiário concentrador e explorador. Salvo o período inicial de três décadas,

em que Portugal fez levantamento das potencialidades a serem exploradas –

grandes espaços férteis, produtos florestais comercializáveis e mão-de-obra a ser

escravizada -, o Império explorou a terra e, através de dispositivos da Lei das

Sesmarias (1375), garantiu, por doação, a posse de grandes propriedades a quem

as ocupasse e explorasse. Nasceu, então, o processo de dominação dos latifúndios.

Paralela às Sesmarias, ocorria, também, a apropriação de pequenas porções

de terra por pessoas de poucos recursos (posseiros), que se instalavam em áreas

menos acessíveis e implantavam suas roças. Em sua maioria, eram obrigados a

entregar as terras a senhores de prestígio no Governo Colonial.

O Governo do Império acreditou que, com a resolução de 1822 – substituída

em 1850 pela Lei de Terras, que dizia respeito ao acesso à propriedade da terra

pela compra e venda, garantiria o direito à posse e, assim, os problemas relativos à

terra e aos posseiros estariam resolvidos. No entanto, “estes não dispunham de

condições para fazer valer os seus direitos perante os grandes senhores e as

autoridades, sendo pequeno o número dos que se beneficiaram dos favores da lei”

(ANDRADE, 2004, p. 55).

O fim da escravidão e o medo de que os libertos se valessem dessa lei; a

concessão de datas, que eram pequenos lotes entregues aos grupos imigrantes que

vieram trabalhar nas lavouras e constituir suas colônias no país, e, ainda, a

constante defesa dos “direitos” da elite latifundiária agroexportadora são fatores que

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levaram à promulgação da Lei de Terras (1850). Esta estabelecia o processo de

compra e venda de propriedades como única opção de acesso a terras devolutas; ”a

diferença agora, em relação ao antigo regime, era de que, do ponto de vista formal,

a concessão processar-se-ia a título oneroso, não mais gratuito” (LARANJEIRA,

1983, p. 20). Ficou, assim, cada vez mais marcada a restrição do “direito” à posse da

terra pelas camadas pobres da população. Sobre isso, Andrade afirma que:

O impedimento do acesso à posse da terra por grande parte da população rural pobre criou problemas entre proprietários e não proprietários, que já eram muitos no início do século XIX, e que tendiam a se intensificar ainda mais com a abolição da escravatura. Daí políticos mais abertos a mudanças terem proposto a realização de uma política de democratização da terra, como Joaquim Nabuco que defendia uma Reforma Agrária, já em 1884, como André Rebouças que falava em uma política de democracia social, e João Alfredo que procurava completar a abolição da escravatura com a desapropriação, para colonização, de terras situadas nas margens dos rios navegáveis e das ferrovias a serem construídas. (ANDRADE, 2004, p. 56).

Apesar dessas iniciativas e da promulgação da República, as questões

relacionadas ao quadro fundiário brasileiro eram ainda marcadas pelos latifúndios.

Com a pressão dos latifundiários, a lei de 1850 acaba possibilitando a manutenção

da concentração fundiária e a disponibilidade de mão-de-obra.

Assim, ao se iniciar o Período Republicano, o quadro fundiário brasileiro era

formado pela grande propriedade (fazendas de gado ou produtoras de artigos para

exportação), que ocupava a maior extensão de terras, principalmente nas áreas

beneficiadas por acesso ao transporte. Era formado, também, por numerosas

pequenas propriedades, que se localizavam em áreas menos acessíveis, destinadas

à produção para consumo interno.

Durante a Primeira República (1889–1930), à medida que crescia a

população e que novos espaços eram incorporados aos latifúndios, as questões

fundiária e agrária foram se agravando. Nesse contexto, “a apropriação seletiva era

feita tanto nas terras tradicionais, ocupadas desde o período colonial, como nas que

iam sendo conquistadas aos indígenas. [...] havia sempre o domínio da grande

propriedade associada ao sistema de exploração dos recursos naturais” (ANDRADE,

2004, p. 58).

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Em tal período, foi estabelecido um contraste entre as áreas que eram

dominadas pela pequena e média propriedade - voltadas ao autoconsumo e ao

mercado nacional - e as áreas de latifúndios, principalmente os pecuários - voltados

a exportações para outras regiões e outros países.

Ainda durante esses anos, o problema agrário, herança do Período Colonial,

tornou-se um problema crônico. A grande preocupação econômica era, então, a

melhoria da qualidade dos produtos a serem exportados, deixando a questão agrária

como problemática a ser resolvida no futuro.

A partir da Revolução de 1930 e início da Segunda República (1930-1946),

importante acontecimento foi a conciliação do grupo da indústria e do comércio, que

dominava as cidades, com o grupo agrário-exportador, que se consolidou com a

permanência do latifúndio e o desenvolvimento urbano e industrial.

Com base no exposto até o momento, propomos não só tratar de questões

sobre os beneficiados da problemática agrária no Brasil, mas também, e com

destaque, sobre os excluídos, suas ações e repercussões para a Reforma Agrária

hoje.

É equivocada a idéia difundida de que, ao longo da história, os excluídos não

tenham reagido a seus opressores. Exemplo disso são os indígenas, que, desde o

início, reagiram aos colonizadores que os expropriavam e lhes tiravam a liberdade.

Eles eram “combatidos, espoliados, explorados e desapropriados de suas terras”

(ANDRADE, 2004, p. 80). Outro exemplo são os negros, que lutaram contra a

escravidão desde seu continente de origem, passando pelos quilombos, pela

Cabanagem, a Balaiada. Hoje, existem os quilombolas, com sua resistência e

tradição, e os ativistas na defesa dos interesses afro-descendentes.

Exemplo, também, é a reação, ao longo do tempo, dos trabalhadores rurais

contra a evolução do capitalismo no campo (as formas de exploração e de expansão

da produção em moldes capitalistas), que modificou significativamente as relações

de trabalho e de produção e, também, as sociais. Cada vez mais os trabalhadores

foram afastados do controle dos meios e instrumentos de produção, e sua força de

trabalho passou a ser assalariada.

No entanto, um fator relevante, apontado por Andrade (2004, p. 82), foi a

difusão dos meios de comunicação, que propiciou fortalecer o caráter organizativo e

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contestador da classe trabalhadora, destacando-se, nesse aspecto, os trabalhadores

rurais. No Brasil, mesmo com inúmeras resistências apresentadas pelos indígenas e

escravos, o tema da Reforma Agrária só passou a ser apresentado com algum

destaque para o público em meados do século XX, com a formação das Ligas

Camponesas e a aprovação do Estatuto da Terra em 1964, logo após o início do

Regime Militar - período marcado pelo desenvolvimento do capitalismo e pela

organização dos trabalhadores rurais.

No campo político, além das Ligas Camponesas, o intervalo entre a Lei das

Terras (1850) e o Estatuto da Terra (1964) marcou o avanço de discussões políticas

do Partido Comunista Brasileiro (PCB) contra o latifúndio. Marcou, ainda, a

inspiração dos movimentos sociais com a Revolução Cubana (1959), dentre

diversas movimentações dos trabalhadores rurais na tentativa de se organizarem.

Principalmente após a redemocratização do país, a partir de 1946, tais

trabalhadores buscaram se organizar em ligas, associações profissionais e

sindicatos. Entre as reivindicações dessas organizações estava a aplicação de leis

favoráveis a eles, já existentes - porém não cumpridas -, no Código Civil (1916) e na

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943 que, na verdade, mantinham

dispositivos da Lei de Terras de 1850.

A década de 1940 e o fim do período ditatorial do Governo Vargas (1930-

1945 e 1951-1954) marcaram a fase do começo da organização dos trabalhadores

rurais em movimentos e entidades. Nessa época, o Partido Comunista Brasileiro

(PCB) obteve destaque como mobilizador dos camponeses. Cientes da necessidade

de mudanças estruturais agrárias no país, eles foram auxiliados pelo PCB nas bases

e documentações necessárias para formular suas reivindicações. Em tal período,

também começam a ser organizados os sindicatos de trabalhadores rurais. Porém,

essa organização era dificultada pela intensa burocracia implantada pelo Ministério

do Trabalho.

As Ligas Camponesas, surgidas em 1945, se expandiram por todo o país e

conseguiram eleger alguns de seus líderes para cargos públicos municipais e

estaduais. A ligação partidária das Ligas dava sustentação e publicidade ao

movimento. No entanto, as decisões referentes às questões dos camponeses

ficavam sob a aprovação dos comunistas do partido. Tanto que, para coordenar as

ações camponesas, o PCB criou, em 1954, a União dos Lavradores e Trabalhadores

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Agrícolas (ULTAB).

Nos anos de 1962 e 1963, houve o fortalecimento da organização dos

trabalhadores rurais em sindicatos. Marcos disso foram a regulamentação do

Governo quanto ao direito de organização sindical dos trabalhadores rurais, em

1962, e, no ano seguinte, a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Estatuto do

Trabalhador Rural. Importante, também, em 1963, foi a união de sindicatos da

ULTAB a setores da Igreja Católica, na criação da Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

Outro tema importante, relacionado ao destaque dado à Reforma Agrária no

país, foi a aprovação do Estatuto da Terra, em 1964, que “defendia a idéia de que as

terras apropriadas, os latifúndios por dimensão, deveriam ser divididos e entregues a

trabalhadores e que os salários deviam ser melhorados” (ANDRADE, 2004, p. 84).

Entretanto, o Estatuto acabou sendo um instrumento para manter a questão agrária

sob o controle do Estado e não uma efetiva redistribuição de terras.

Fazendo um balanço sobre o Estatuto da Terra, Mendonça (2006) afirma que,

com essa regulamentação, determinados termos como latifúndio e minifúndio

atingiram politização no decorrer da década de 1960. Eles “adquiriram o estatuto de

categorias legais, com critérios precisos de definição quanto à dimensão de área,

modalidades e graus de utilização da terra, natureza das relações de trabalho e

outros” (MENDONÇA, 2006, p. 71). Ainda lembra que, “ao mesmo tempo, com os

movimentos sociais reprimidos, lideranças perseguidas e sindicatos sob intervenção,

a nova lei acabou por significar muito pouco em termos de medidas efetivas em prol

das demandas por terra dos trabalhadores rurais” (ibid, p. 71).

Um fato importante quanto à organização dos trabalhadores rurais foi a

presença da Igreja no campo brasileiro. Presença marcante tanto quando apoiou o

Golpe de 64 como também, anos mais tarde, setores católicos iniciaram a

Comunidade Eclesiais de Base (CEB), incentivando os trabalhadores urbanos e

rurais a traçarem estratégias de organização e reivindicação. Vale ressaltar,

inclusive, que setores ligados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

trabalharam na alfabetização e formação política de trabalhadores do campo.

Resultado marcante da presença da Igreja no campo foi a criação, em 1975,

da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Essa comissão, que foi considerada braço

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agrário e progressista da Igreja Católica, iniciou suas ações com discursos a favor

dos direitos humanos frente aos conflitos entre posseiros e fazendeiros; discutindo,

também, a Reforma Agrária. A Igreja foi importante, ainda, como admite hoje o

movimento, pelo surgimento do MST, em 1984, com o apoio de padres, bispos e

agentes de pastoral.

O MST surgiu num momento em que, com o processo de modernização da

agricultura e o final do processo de industrialização nas regiões urbanas, o

desemprego crescia no campo. Os primeiros encontros e reuniões foram realizados

no período de 1979 a 1984, quando, então, o MST nasceu como movimento. Esses

encontros eram estimulados pela CPT, havendo uma referência básica: “sempre

procurávamos refletir a partir das experiências das organizações que haviam

existido antes. Ou seja, havia uma vontade de querer aprender com os que nos

antecederam” (STEDILE, 2006, p. 184-185). Nesse sentido, as experiências das

Ligas ajudaram muito na constituição do MST. Desse modo, “os movimentos sociais,

como o MST e outros, são processos de organização social, coletivos” (STEDILE,

2006, p. 184-185).

O MST assume, cada vez mais, desde a sua criação, o papel de questionador

da função social da propriedade e da necessidade de reformulação das políticas

sociais no país; mostrando, assim, que a sociedade organizada é a raiz para a

justiça social.

Quando nos propomos a enfatizar o caráter não institucional da questão

agrária brasileira, intencionamos falar da sociedade civil ligada a essa questão, suas

organizações e mobilizações - como o sindicalismo, os movimentos de base ligados

à Igreja, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos

por Barragens (MAB), a Associação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais

(ANMTR), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dentre

inúmeros outros. Ou seja, “apesar de os movimentos se constituírem contra formas

distintas de expropriação da terra, envolvendo desse modo categorias variadas de

trabalhadores rurais, essas lutas forjam como classe diferentes frações do

campesinato em clara oposição à expropriação imposta pela expansão capitalista”

(GONÇALO, 2001, p. 70).

Vale lembrar que inúmeras questões, que não eram discutidas em relação ao

meio ambiente ou mesmo em relação a dimensões simbólicas relativas à posse da

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terra, só deixaram de ser “impensáveis” com a emergência dos movimentos sociais,

trazendo em suas agendas discussões como essas.

A partir dessas considerações mais gerais sobre a participação da sociedade

- com destaque para a participação dos trabalhadores rurais – na questão agrária

brasileira, direcionamos nosso enfoque para o entendimento das transformações

relacionadas aos processos de modernização e de industrialização da agricultura

brasileira. Tais processos tanto fortaleceram alguns setores da agricultura quanto os

grandes capitais, de modo que reforçaram a expropriação da propriedade familiar.

1.2. TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA AGRICULTURA: O PROCESSO

DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA

Dando continuidade à nossa reflexão sobre a questão agrária brasileira,

enfatizamos o modelo de desenvolvimento agropecuário adotado no país e suas

repercussões para o campo a partir do processo de modernização da agricultura. Ao

traçarmos um histórico da agricultura brasileira, devemos lembrar que essa história

compreende uma trajetória de ocupação e uso da terra caracterizados por

concentração e exploração.

A monocultura para exportação; a exploração da mão-de-obra tanto indígena

quanto escrava; o trabalho imigrante e o complexo cafeeiro, que propiciou o trabalho

livre e o posterior trabalho assalariado, são alguns fatos fundamentais para se

caracterizar a questão agrária no Brasil.

Ressaltamos que transformações recentes na agricultura brasileira fizeram

consolidar sua modernização e, posteriormente, impulsionar o processo de

industrialização da agricultura e de consolidação dos Complexos Agroindustriais.

Fizeram, ainda, firmar a territorialização e a espacialização dos movimentos

socioterritoriais no campo.

As transformações recentes, às quais nos referimos, estão compreendidas,

principalmente, no período de 1965 a 1985 - marcado pela instauração, por parte

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dos governos militares, de uma política de desenvolvimento agropecuário.

Discutindo o modelo de desenvolvimento agropecuário instaurado durante o

Regime Militar, Fernandes (1996, p. 29) ressalta que essa política deve ser

compreendida a partir da intensificação do desenvolvimento do capitalismo no país e

da necessidade de constituição de um mercado consumidor interno. Assim, esse

modelo buscava acelerar o progresso do capitalismo no campo, criando condições

para o desenvolvimento de uma política agrária que privilegiasse as grandes

empresas por meio de incentivos financeiros, propiciando que elas ocupassem a

agropecuária do país.

Ainda para Fernandes (1996, p. 33), a viabilidade da política agrária dos

governos militares era garantida pelo controle do Estado. O Estatuto da Terra

dificultava para os camponeses o acesso a propriedades familiares e o propiciava

aos que tinham o interesse de criar a propriedade capitalista.

Assim, sem alterar a estrutura fundiária do país, a estratégia era solucionar os

conflitos sociais com o deslocamento dos trabalhadores para os projetos de

colonização, criando mão-de-obra barata e permanente para o desenvolvimento de

projetos de exploração extrativista.

Outro importante elemento a ser ressaltado quanto aos projetos e programas

até então implantados é a intensificação do já histórico processo de concentração

fundiária no Brasil. Exemplo disso foi a criação, em 1971, do Proterra (Programa de

Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste).

A partir dessa mudança na política fundiária, projetos agropecuários de

grandes empresas foram instaurados na Amazônia. No Centro-Sul e Nordeste, foi

desenvolvida uma rápida industrialização na agricultura, através de uma política em

que se privilegiava o capital monopolista, acentuando a concentração de terras, a

expropriação e a exploração, multiplicando os conflitos por terra (FERNANDES,

1996, p. 37).

Outro exemplo foi a implantação, em 1980, como política de desenvolvimento

agropecuário, do GETAT (Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins) e do

GEBAM (Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas), instrumentos de

manutenção da aliança entre o governo militar e os empresários.

Com base no exposto, podemos apontar como principais fatos relacionados à

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lógica da política agrária dos governos militares: a garantia da apropriação de

significativas extensões de terra por grandes empresas, aumentando – em número e

extensão – os latifúndios; o financiamento da tecnologização da produção através de

incentivos e créditos, gerando uma diferenciação socioterritorial; a criação de

mecanismos para a consolidação e a territorialização do capital no campo, alterando

significativamente a situação dos trabalhadores rurais, e a garantia de mecanismos

para a repressão de diversas formas de luta e resistência da classe trabalhadora

(RAMALHO, 2002, p. 23).

Partindo desse panorama do modelo de desenvolvimento agropecuário

brasileiro, direcionamos nosso enfoque para o entendimento das transformações

relacionadas aos processos de modernização e industrialização da agricultura no

país.

A modernização da agricultura pode ser usada como conceito “para designar

o processo de transformação na base técnica da produção agropecuária no pós-

guerra a partir das importações de tratores e fertilizantes num esforço de aumentar a

produção” (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 19). Isso, num contexto que se iniciou

em meados da década de 1960, quando a dinâmica da agricultura passa a ser

determinada pelo padrão de acumulação industrial. Novamente segundo Ramalho

(2002, p. 24), o papel do Estado era, então, o de orientar rumo à integração da

agricultura, em “um novo circuito produtivo liderado pela indústria de insumos e

processamentos de matérias-primas, gerando as condições infra-estruturais

necessárias à expansão do conjunto do setor e resultando na reorganização das

formas de trabalho das diferentes classes na agricultura”.

Com essa visão, até o final da década de 1960, a capacidade de expansão

agrícola brasileira estava diretamente relacionada à incorporação de novas áreas,

num crescimento horizontal. A produção passava lentamente por algumas

transformações, em um processo de intensificação e diversificação de produtos.

Essas modificações foram resultado da reestruturação econômica do país, que se

iniciou após a crise de 1929.

A produção agrícola se redefinia, portanto, a partir da constituição de um

mercado interno e da integração do mercado nacional. Elementos que, em

decorrência do desenvolvimento das forças produtivas, indicavam uma grande

mudança no processo produtivo e nas relações de trabalho e produção.

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Nesse contexto, no que se refere à modernização da agricultura, é relevante

destacar alguns de seus elementos. Um deles é a consolidação desse processo

poder ser datada historicamente a partir da década de 1950, no seio da

reestruturação do próprio país. Deve ser compreendida, ainda, como um processo a

partir das próprias transformações inclusas na expansão do capitalismo no Brasil,

associado à dinâmica expressa na constituição do mercado interno, na consolidação

do processo de industrialização que alterou, de modo fundamental, as relações de

trabalho e de produção. Outro fator em destaque é a transformação na base técnica

da produção, que deve ser entendida no interior de uma diferenciação social – pela

inserção de agentes sociais nesse processo – e de uma diferenciação territorial -

com maior incidência da consolidação em algumas partes do país, como na região

Centro-Sul (RAMALHO, 2002, p. 25).

Outro elemento ressaltado pela pesquisadora é o fato de esse processo estar

limitado à capacidade de importação de maquinários e insumos. Assim, mesmo a

produção exercendo ênfase na dinâmica do mercado interno, a modernização

estava delimitada pelas dificuldades de internalização do setor industrial, produtor de

bens de capital e insumos básicos. O que fez com que as preocupações

governamentais estivessem focadas no sentido de potencializar um aumento da

produtividade agrícola a partir da utilização de técnicas modernas, principalmente no

segundo período Vargas, com o reconhecimento da necessidade de uma indústria

doméstica de fertilizantes e máquinas agrícolas.

No entanto, as condições para tal operacionalização eram limitadas,

principalmente no que se refere à produção de máquinas, já que, a partir de 1953,

iniciou-se uma substituição, ainda não significante, da importação de fosfato como

fertilizante. Só no período Kubitscheck (1951-19540) – com o Plano de Metas – foi

possível a substituição das importações de fertilizantes, fortalecendo a produção

natural. Quanto aos maquinários, o processo de internalização, iniciado na década

de 1950, só começou a dar resultados na década seguinte.

É necessário ressaltar que esse processo de modernização se traduz pela

transformação da base técnica da produção, que se expressa pela complexificação

do processo produtivo à medida que intensifica as trocas entre os setores. A

agricultura fica gradativamente integrada (e mesmo subordinada) às indústrias

produtoras de maquinários e insumos, deixando o setor agropecuário longe de ser

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um setor autônomo.

Ramalho (2002, p. 25-26) analisa esse processo de complexificação entre

setores produtivos, indicando que, depois de iniciado, passou a dar espaço a uma

dinâmica que resultou na formação dos Complexos Agroindustriais - consolidados

apenas nos anos 1970. Mostrava-se, então, uma agricultura subordinada às

indústrias fornecedoras e ainda dependentes das importações, o que dificultava as

trocas entre os setores, mais especificamente, dificultava que a agricultura

funcionasse como fornecedora de matérias-primas para a agroindústria.

A pesquisadora ainda ressalta que o primeiro indício desse complexo, que se

iniciou com a modernização da agricultura, foi o aumento do uso de tratores nas

plantações na década de 1950, aumento ainda maior nas duas décadas seguintes.

Outro indício foi a elevação do consumo intermediário, ou seja, do consumo de

insumos para o processo de produção - como sementes, fertilizantes, defensivos -,

além do aluguel de máquinas, excetuando-se os gastos com mão-de-obra.

Na década de 1960, o processo de modernização, até então horizontal (por

ocupação de terras), passou a ser marcado pela integração setorial verticalizada

(por acumulação industrial), redefinindo, assim, o processo de produção e,

conseqüentemente, as relações de trabalho e de produção. Desse modo,

Agora a dinâmica da agricultura estará determinada pelo padrão de acumulação industrial, centrado no desenvolvimento dos complexos agroindustriais e ação do Estado nesse contexto orienta-se para a modernização da agricultura, visando integrá-la ao novo circuito produtivo liderado pela indústria de insumos e processamento de matéria-prima e gerando as condições infra-estruturais necessárias à expansão do conjunto do setor (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 23).

A constituição dos Complexos Agroindustriais, na década de 1970, significou

maior complexidade intersetorial; isso sob o controle do capital industrial, sendo a

expressão concreta dos processos de modernização e industrialização da agricultura

brasileira. Esses processos estão presentes na consolidação de um padrão agrícola

próprio do cenário brasileiro. Tal padrão é caracterizado: por profundas mudanças,

numa reorganização do trabalho agrícola, expresso pelo modo de controle do

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processo produtivo; por mudanças na rotina e nos procedimentos de trabalho; pela

expansão do trabalho assalariado no campo; dentre outros fatos que deixam clara a

reprodução do capital no campo.

Assim, as transformações recentes na agricultura brasileira, às quais nos

referimos, acabaram por intensificar a desigualdade social, econômica, política e

territorial. Transformações que procuraremos detalhar – baseados em um universo

delimitado – no decorrer desta dissertação.

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2. ASSENTAMENTOS RURAIS E O PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DA

LUTA PELA TERRA NO TOCANTINS

2.1. COMPREENDENDO O TERRITÓRIO A FIM DE SE ENTENDER A

TERRITORIALIZAÇÃO E A ESPACIALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO

CAMPO

Atualmente, vivemos em tempos de globalização entendida como um ciclo de

desenvolvimentos em que o capitalismo ingressou, em escala mundial; um vasto e

complexo processo que se concretiza em diferentes níveis e múltiplas situações.

A globalização traz, assim, implicações mundiais com “contradições

dinâmicas”: integração, fragmentação, nacionalismo e regionalismo, globalismo e

localismo, holismo e individualismo, visão macro e micro, melhoria da qualidade de

vida para uns e pauperização para outros. (IANNI, 2004). Ainda, “envolve o local, o

nacional, o regional e o mundial, tanto quanto a cidade e o campo, os diferentes

setores produtivos, as diversas forças produtivas e as relações de produção” (IANNI,

2004, p. 101).

É nesse momento em que se intensifica o processo da globalização que,

mesmo que pareça paradoxal, há o desenvolvimento de movimentos sociais locais,

aumentando o interesse das diversas ciências pelo estudo de movimentos sociais

com nítida dimensão espacial.

Os movimentos locais – como é o caso do MST - conseguem influenciar na

determinação das identidades territoriais e no processo de transformação social em

todas as escalas. Isso porque, com o progresso desses movimentos, “os

acontecimentos na escala local, os conflitos do cotidiano, têm capacidade de influir

na ordem instituída em outras escalas: a da região e a do espaço social global”

(BECKER, 1990, p. 126 apud MARTIN, 1997, p. 3).

E é diante de constantes mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais e

ambientais, de escala local a mundial, e a fim de melhor compreendê-las, que

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questões relativas ao território apresentam destaque em diversas áreas de estudo -

Geografia, Sociologia, Economia, Ciência Política, Psicologia e Antropologia. Afinal,

o território apresenta-se como:

uma referência globalizante, algo que está sendo construído em paralelo ao conceito de globalização, opondo-se por vezes a este pelas possibilidades que oferece de reconhecer e valorizar as especificidades locais e regionais no enfrentamento à pretensão uniforme da idéia de globalização. Outras vezes a idéia de território oferece chances de inclusão do particular no global, pelas oportunidades de desenvolvimento de potencialidades locais e regionais que as valorizam e lhes dão visibilidade (GEHLEN; RIELLA, 2004, p. 20).

“Território” é um conceito que tem sido utilizado tanto pelas ciências naturais

quanto pelas sociais. Nas naturais, foi formulado no século XVI, através de estudos

botânicos e zoológicos, e significava a área de dominação de um determinado grupo

de espécie animal ou vegetal. Nas ciências sociais, a primeira apresentação

sistematizada do conceito partiu, no século XIX, do geógrafo Friedrich Ratzel, que

colocou no centro de suas análises a necessidade do domínio territorial por parte do

Estado. Nesse viés, o território significava, também, o espaço dominado por uma

sociedade através de suas condições de trabalho e existência.

Antes de tratar da territorialização e da espacialização dos movimentos

sociais no campo, é importante esclarecer o que entendemos sobre os conceitos de

“espaço”, “território” e “movimento socioterritorial”. Procuraremos trabalhá-los sob

uma perspectiva multidimensional da realidade, tentando evitar uma leitura

fragmentada ou setorizada dos assentamentos, objetos deste estudo.

Nas ciências sociais, ao se estudar o território, tende-se a trabalhar focando

mais as relações sociais do que as transformações que tais relações ocasionam em

determinado local. O espaço social é apenas uma das dimensões do espaço e é

para se evitar esse tipo de equívoco que buscamos investir na

multidimensionalidade das relações da sociedade no espaço.

Do conceito de território depende a definição dos processos geográficos

como a territorialização. No entanto, há uma enorme polissemia na utilização do

conceito pelos autores que o discutem, não ficando clara, em alguns casos, a noção

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de território com a qual estão trabalhando (HAESBAERT, 2004). Sobre essa

amplitude do conceito nas diversas ciências, Haesbaert (2004, p. 37) afirma, em

linhas gerais, que, enquanto o geógrafo tende a enfatizar a materialidade do

território, o cientista político enfatiza sua construção a partir de relações de poder. Já

o economista prefere a noção de espaço à de território, percebendo-o como um fator

locacional ou como uma das bases de produção. Na Antropologia, há destaque para

sua dimensão simbólica no estudo, principalmente, de sociedades tradicionais. A

Sociologia, por sua vez, enfoca-o a partir da intervenção nas relações sociais, em

sentido lato, e a Psicologia, enfim, incorpora-o na construção da subjetividade ou da

identidade pessoal.

Mesmo sendo conceito central para a Geografia, também nela a

compreensão do território apresenta grande polissemia. Diversas são as acepções

encontradas, assumindo vertentes variadas, quais sejam: política, cultural e

econômica.

Dentre as várias concepções, Souza (1995, p. 78) compreende o território

como “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder [...]”.

Nessa visão, grupos sociais disputam a apropriação, ainda que efêmera, de um

espaço ou a apropriação superposta de mais de um espaço. No caso particular dos

movimentos sociais no campo, haveria uma disputa de um espaço específico, a

terra, com seus recursos naturais.

Utilizando a noção de configuração territorial, na qual a existência social, ou

seja, real do território, somente é dada pelas relações sociais, Santos (2002, p. 62)

entende o território como resultado de um processo histórico de construção do

espaço por agentes sociais, imprimindo nele suas características socioculturais. A

construção do território, para o mesmo autor, se processa a partir da projeção do

trabalho sobre o espaço. Em suas palavras: “é o uso do território, e não o território

em si mesmo, que faz dele objeto de análise social” (1996, p. 15).

Complementando essa linha de raciocínio, Andrade (1984, p. 34) afirma que é

esse uso do território que determina e reflete, conjuntamente, a divisão social do

trabalho. Assim, a complexidade atingida pela divisão do trabalho é acompanhada

por modificações nas formas de organização do espaço, constituindo novas

territorialidades.

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Entendemos territorialidade como o processo subjetivo em que a população

de determinado território toma consciência de fazer parte dele. Desse modo, as

novas territorialidades constituem-se como novas manifestações dos movimentos

das relações sociais. E ainda: “além de incorporar uma dimensão estritamente

política, diz respeito também às relações econômicas e culturais, pois está

intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias

se organizam no espaço e como elas dão significados ao lugar” (HAESBAERT,

2005, p. 6776). Assim, as novas territorialidades mudam a paisagem e a

organização das relações de trabalho existentes que, por sua vez, são estruturantes

dos territórios.

Com base no exposto, entendemos que o território é, portanto, resultado da

interação das relações sociais estabelecidas em determinado espaço e do controle

do mesmo - ou seja, das relações de poder nele presentes, tanto de dominação

quanto de apropriação.

E, ainda conforme aponta Haesbaert (2004), o território deve ser

compreendido fugindo de visões unidimensionais. Evidencia-se, portanto,

a necessidade de uma visão de território a partir da concepção de espaço como um híbrido – híbrido entre sociedade e natureza, entre política, economia e cultura, e entre materialidade e “idealidade”, numa complexa interação tempo-espaço. [...] Tendo como pano de fundo esta noção “híbrida” (e, portanto, múltipla, nunca indiferenciada) do espaço geográfico, o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural (HAESBAERT, 2004, p. 79).

Assim, Haesbaert amplia o conceito de território, afirmando ser resultado

tanto das relações sociais quanto das relações de poder (dominação e apropriação),

interagindo no espaço. O território seria, portanto, nessa acepção, uma construção

política, econômica, cultural e natural. Não sendo exclusiva de apenas um desses

aspectos.

Para o autor, a construção dos territórios através dessas múltiplas

imbricações leva a uma análise sob a perspectiva do “híbrido”. Também Santos

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(2002) considera tal perspectiva para compreender o espaço, o qual seria um misto,

uma união indissociável de sistemas de objetos e de ações. Os primeiros são as

configurações territoriais (territórios) e as segundas, as atitudes dos sujeitos sobre

essa materialidade; dando às formas uma vida sempre renovada, transformando-as

em formas-conteúdo e fazendo com que participem dialeticamente da evolução do

espaço.

Importa esclarecer que espaço e território não são termos equivalentes. É

“essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se

forma a partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um autor

sintagmático, (autor que realiza um programa) em qualquer nível” (RAFFESTIN,

1993, p. 143 apud ALVES; FERREIRA; SILVEIRA, 2007, p. 114).

O conceito de espaço é bastante amplo e, por isso, utilizado de modos

distintos, causando, muitas vezes, sua incompreensão. Para se evitar equívocos é

preciso esclarecer que “o espaço social está contido no espaço geográfico, criado

originalmente pela natureza e transformado continuamente pelas relações sociais,

que produzem diversos outros tipos de espaços materiais e imateriais como por

exemplo: políticos, culturais, econômicos e ciberespaço” (SILVA; FERNANDES,

2006, p. 8).

O espaço é uma completude, parte da realidade, portanto, “multidimensional”.

É uma “composicionalidade”, ou seja, “compreende e só pode ser compreendido em

todas as dimensões que o compõem” (FERNANDES, 2005, p. 274). Numa

simultaneidade em movimento, manifesta suas propriedades de “ser produto e

produção, movimento e fixidez, processo e resultado, lugar de onde se parte e

aonde se chega” (FERNANDES, 2005, p. 274). O espaço tem, também, a

característica de “completitude”, ou seja, possui a qualidade de ser um todo, mesmo

sendo uma parte (ibid, p. 274).

As características dos espaços são desafiadoras para os que neles vivem e

procuram compreendê-los:

O espaço é multidimensional, pluriescalar ou multiescalar, em intenso processo de completibilidade, conflitualidade e interação. As relações sociais, muitas vezes, realizam leituras e ações que fragmentam o espaço. São análises parciais, unidimensionais, setoriais, lineares, uniescalar,

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incompletas e, portanto, limitadas, porque necessitam delimitar. Essas leituras espaciais fragmentárias promovem desigualdades e diferentes formas de exclusão. A superação dessa visão de mundo exige ponderabilidade na criação de métodos que desfragmentem o espaço e que não restrinjam as qualidades composicionais dos espaços (SILVA; FERNANDES, 2005, p. 275).

Desse modo, o social e o espaço são indissociáveis. As expressões

socioespacial ou espaço, socioterritorial ou território representam modos de

referência e não diferenças.

Ainda, o espaço geográfico é constituído por todos os tipos de espaços

sociais, produzidos pelas relações entre as pessoas em suas dimensões sociais

(cultura, política e economia) e entre as pessoas e a natureza. As pessoas

transformam o espaço geográfico, modificando a paisagem e construindo territórios,

regiões e lugares. O território como espaço geográfico, portanto, contém os

elementos da natureza e os espaços produzidos pelas relações sociais.

É importante reforçar que o espaço, visto como fragmento ou fração, é uma

representação, construída a partir de uma determinação interagida pela

receptividade e constituída por uma relação social. Essa representação exige uma

intencionalidade, que é uma forma de compreensão unidimensional do espaço,

reduzindo suas qualidades. Assim, ele é apresentado apenas como político,

econômico ou cultural. Essa compreensão se efetiva ainda que tais espaços sejam

multidimensionais e completivos do espaço geográfico.

A intencionalidade, segundo Lefebvre (1991), é um modo de compreensão

que um grupo, uma nação, uma classe social e mesmo uma pessoa utilizam para se

realizarem, ou seja, se materializarem no espaço. É uma visão de mundo ampla,

porém, una de ser, de existir. Ou seja, a intencionalidade delimita e determina o

espaço, transforma a parte em todo e o todo em parte. Assim, o espaço passa a ser

compreendido segundo a intencionalidade da relação social que o criou: “a relação

social em sua intencionalidade cria uma determinada leitura do espaço, que

conforme o campo de forças em disputa pode ser dominante ou não. E assim, criam-

se diferentes leituras socioespaciais” (SILVA; FERNANDES, 2006, p. 10).

As relações sociais se materializam e se reproduzem, criando espaços e

territórios em movimentos desiguais e combinados, denominados de processos

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geográficos. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado formulado por

Trotsky (1979) na tentativa de explicar as modificações e lógicas das contradições

econômicas e sociais dos países do capitalismo periférico - é utilizada para se

compreender o tipo de dominação que o capital exerce nas formações sociais em

que subsistam relações pré-capitalistas. A teoria explicita que o desenvolvimento

desigual e combinado é a lei mais geral do processo histórico e que não se revela,

em parte alguma, com a evidência e a complexidade com que o demonstra o destino

dos países atrasados que, por questões materiais, vêem a necessidade de “avançar

aos saltos”. Dessa lei deriva outra, a do desenvolvimento combinado, em referência

à aproximação das distintas etapas do caminho, à combinação de diferentes fases e

à mistura de formas arcaicas e modernas.

A lei do desenvolvimento desigual e combinado esclarece, ainda, as distintas

proporções no crescimento da vida social e a correlação concreta destes fatores,

desigualmente desenvolvidos no processo histórico. Essas variações, entre múltiplos

fatores, dão a base para o surgimento de um fenômeno novo, no qual as

características de uma etapa inferior de desenvolvimento social se misturam com as

de outra, superior.

Essas combinações têm caráter contraditório e apresentam acentuadas

peculiaridades. Segundo essa lei, elas podem se desviar muito das regras e efetuar

tal oscilação de modo a produzir um salto qualitativo na evolução social, capacitando

os povos “atrasados” para superar, durante certo tempo, os mais avançados.

Transportando essa teoria para a compreensão do desenvolvimento do

capitalismo no campo, em especial no campo brasileiro, deve-se levar em conta que

o processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção no Brasil é

contraditório e combinado. Isto quer dizer que:

Ao mesmo tempo em que esse desenvolvimento avança reproduzindo relações especificamente capitalistas (implantando o trabalho assalariado através da presença no campo do 'bóia-fria'), o capitalismo produz também, igual e contraditoriamente, relações camponesas de produção (através da presença e do aumento do trabalho familiar no campo) (OLIVEIRA, 1999, p. 36).

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Os processos geográficos são, portanto, também processos sociais. As

relações sociais a partir de suas intencionalidades produzem espaços, lugares,

territórios, regiões e paisagens. “Ao produzirem seus espaços e neles se realizarem,

as relações sociais também são produzidas pelos espaços. Essa indissociabilidade

promove os movimentos dos espaços sociais e dos territórios nos espaços

geográficos” (FERNANDES, 2005, p. 278). Nesses movimentos, as propriedades

dos espaços e territórios são manifestadas em ações, relações e expressões

materiais e imateriais, que são:

expansão, fluxo, refluxo, multidimensionamento, criação e destruição. A expansão e ou a criação de território são ações concretas representadas pela territorialização. O refluxo e a destruição são ações concretas representadas pela desterritorialização. Esse movimento explicita a conflitualidade e as contradições das relações socioespaciais e socioterritoriais. Por causa dessas características, acontece ao mesmo tempo a expansão e a destruição; a criação e o refluxo. Esse é o movimento do processo geográfico conhecido como TDR, ou territorialização – desterritorialização – reterritorialização (FERNANDES, 2005, p. 276).

Como exemplos de TDR, Fernandes (2005, p. 276) apresenta os movimentos

das empresas capitalistas, que se instalam e mudam de cidades e países

respondendo a conjunturas políticas e econômicas; movimentos do agronegócio e

da agricultura camponesa, que modificam as paisagens, a estrutura fundiária e as

relações sociais. Outro exemplo se dá quando o comando do tráfico em determinado

setor da cidade é detido pela polícia e, pouco depois, é reorganizado, ou quando um

paradigma entra em crise ou é refutado, sendo retomado tempos depois.

Os processos geográficos (QUADRO 1) são tanto movimentos das

propriedades espaciais quanto das relações sociais. São quatro os processos

geográficos primários: espacialização, espacialidade, territorialização e

territorialidade. E quatro são os processos geográficos procedentes:

desterritorialização, reterritorialização, desterritorialidade e reterritorialidade.

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QUADRO 1 – Processos geográficos Processos Primários Processos Procedentes

Espacialização movimento concreto das ações e sua reprodução no espaço geográfico e no território, é movimento presente.

____

____

Espacialidade movimento contínuo de uma ação na realidade ou o multidimensionamento de uma ação, é subjetiva.

____

____

Territorialização resultado da expansão do território, contínuo ou interrupto.

Desterritorialização resultado da fragilidade no controle exercido sobre algum espaço, através da mobilidade das pessoas, bens, capitais ou informações (apropriação) ou mesmo através da imobilidade (dominação).

Reterritorialização incorporação de novos territórios e construção de novas territorialidades por um grupo desterritorializado.

Territorialidade manifestação dos movimentos das relações sociais mantenedoras dos territórios que produzem e reproduzem ações ou propriedades.

Desterritorialidade impedimento de alguma ação de uso do território.

Reterritorialidade retorno ao uso do território que havia sido impedido anteriormente.

Fonte: FERNANDES (2005) e HAESBAERT (2004). Organizado pela autora.

Enquanto a territorialização é o resultado da expansão do território, contínuo

ou interrupto, a territorialidade é a manifestação dos movimentos das relações

sociais mantenedoras dos territórios, que produzem e reproduzem ações ou

propriedades. Existem dois tipos de territorialidades, a local e a deslocada, que

podem acontecer simultaneamente.

A local pode, ainda, ser simples ou múltipla, dependendo dos usos que as

relações mantenedoras fazem do território. Um hospital cujo espaço é utilizado

unicamente para seu fim próprio é um exemplo de territorialidade local simples. Já

uma rua que seja utilizada tanto para o trafego de veículos quanto para o

funcionamento de feiras livres nos finais de semana é exemplo de territorialidade

local múltipla, que se caracteriza pelos usos dos territórios em diferentes momentos.

A desterritorialidade acontece quando há o impedimento de qualquer dessas ações,

e a reterritorialidade se forma com o retorno de uma delas.

Já a territorialidade deslocada caracteriza-se por ações e relações ou

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expressões próprias de um território que acontecem em outros. Exemplares disso

são o consumo do chimarrão em lugares do Norte do país ou pessoas dançando

tango em São Paulo - resultados de interação e convivência com diferentes culturas.

Já a espacialização é o movimento concreto das ações e sua reprodução no

espaço geográfico e no território. É movimento presente que, ao contrário da

territorialização, não é de expansão; são fluxos e refluxos da multidensionalidade

dos espaços. Portanto, não existe “desespacialização” - uma vez acontecido, o

movimento não pode ser destruído, como é o caso das marchas do MST.

Já a espacialidade é o movimento contínuo de uma ação na realidade ou o

multidimensionamento de uma ação. Por ser subjetiva, não se concretiza como a

espacialização – são exemplos as propagandas e as lembranças da memória. Os

processos geográficos também são conjuntos indissociáveis e podem acontecer

simultaneamente:

Um mesmo objeto pode ser parte de diferentes ações no processo de produção do espaço. Ou diferentes objetos e sujeitos podem produzir diferentes processos geográficos. Desse modo espacialidade e espacialização podem acontecer concomitantemente. Todavia, territorialização e desterritorialização não acontecem ao mesmo tempo e no mesmo lugar, mas podem acontecer simultaneamente em lugares diferentes (FERNANDES, 2005, p. 277).

Assim como o conceito de território, a desterritorialização também é percebida

sob diferentes interpretações. Souza (1995) a entende como a exclusão de um

grupo que apropriava um espaço. Já para Santos (2002), a desterritorialização

representa o estranhamento do indivíduo em relação ao lugar, uma espécie de

desculturalização. Na visão de Haesbaert (2004), ela resultaria da fragilidade no

controle exercido sobre algum espaço, através da mobilidade das pessoas, bens,

capitais ou informações, numa apropriação ou mesmo através da imobilidade, pela

dominação.

Dentro desta perspectiva, ao processo de desterritorialização procede-se o de

reterritorialização, ou seja, incorporação de novos territórios e construção de novas

territorialidades por um grupo desterritorializado. A essa seqüência de fenômenos,

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Santos (2002) e Haesbaert (2004) concordam que, à medida que os territórios são

destruídos e novas territorialidades são construídas, uma dinâmica territorial se

processa indistintamente em todos os setores da sociedade, inclusive no campo.

Também os estudos referentes às ações dos movimentos sociais contam com

diferentes possibilidades de interpretação. Tudo depende de o referencial teórico

utilizado ser de origem sociológica, econômica, histórica ou geográfica.

Todos os movimentos produzem algum tipo de espaço. No entanto, de acordo

com Raffestin (1993 apud FERNANDES, 2005, p. 276), parte-se da premissa de que

para alguns movimentos o território é o trunfo, a razão de sua própria existência

como movimento.

Acreditamos que pela leitura geográfica é possível analisar tanto as formas de

organização, relações e ações sociais, que acontecem no espaço em todas as suas

dimensões – político, econômico, ambiental, cultural - quanto os espaços e territórios

construídos e reconstruídos pelos movimentos.

Cabe esclarecer que consideramos movimento social e movimento

socioterritorial como um mesmo sujeito social, organizado em defesa de seus

interesses e participante de conflitos para transformação de um modo de vida.

Concebemos, assim, movimentos sociais por uma perspectiva sociológica e

movimentos socioterritoriais por uma perspectiva geográfica. Como podemos

comparar no QUADRO 2, a seguir:

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QUADRO 02 – Principais características, semelhanças, diferenças e significados dos movimentos sociais e socioterritoriais

Movimento Social Movimento Socioterritorial Conceito Sociológico Conceito Geográfico Espaço entendido como produto Espaço entendido como processo As análises voltam-se aos estudos das formas e das relações sociais

As análises voltam-se aos estudos dos processos de criação de espaços e de transformação em/do território

A constituição do movimento social é articulatória com a aglutinação de participantes

A constituição do movimento ocorre por meio dos trabalhos de bases nas comunidades e dos espaços de socialização política

Ênfase nas transformações das demandas e reivindicações coletivas

Ênfase na espacialização e territorialização das reivindicações

As reivindicações são concluídas quando são conquistadas e superadas as situações de carências econômicas, políticas e sociais

Luta de resistência

Contribuição ao entendimento do processo de mudança social

Contribuição ao entendimento da transformação do espaço em território caracterizado pela mudança social

Análise das reivindicações das ações realizadas no âmbito local e/ou em rede

Análise das reivindicações espacializadas e territorializadas por meio de processos interativos em vários locais ao mesmo tempo

Ações coletivas: organização, identidade, persistência

Ações coletivas, resistência nos espaços interativos, comunicativos e de luta etc

Organizados a partir das contribuições sociais, por meio de uma luta dialética marcada por avanços e retrocessos

O território é resultante de lutas de classes por isso ocorre a T – D – R (t= territorialização; d= desterritorialização; r= reterritorialização)

Compreensão da forma do movimento e o espaço como produto

Compreensão do movimento em movimento (ação) pelo processo T – D - R

Fonte: LEAL (2003, p.45). Adaptado pela autora.

Sob a perspectiva geográfica, existem movimentos socioespaciais e

movimentos socioterritoriais tanto no campo quanto na cidade. Vejamos sua

diferenciação:

Os movimentos socioterritoriais têm o território como trunfo, mas este é essencial para sua existência. Os movimentos camponeses, os indígenas, as empresas, os sindicatos e os estados podem se constituir em movimentos socioterritoriais e socioespaciais. Porque criaram relações sociais para tratarem diretamente de seus interesses e assim produzem seus próprios espaços e seus territórios. [...] As organizações não governamentais trabalham com representações de interesses. Defendendo desde os interesses de uma multinacional aos interesses de um movimento indígena. Portanto, só podem se constituir como movimentos socioespaciais, uma vez que não possuem um território definido. O fato de defenderem uma ou outra intencionalidade não lhes dá o status de movimentos socioterritoriais. [...] As igrejas podem ser movimentos socioespaciais e ou movimentos socioterritoriais, dependendo das relações sociais com as quais trabalham podem ser agências de mediação ou

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defender seus próprios interesses (FERNANDES, 2005 p.279-280).

A idéia de socioterritorial, no caso dos movimentos no campo, compreende

desde a luta pela terra, a produção agropecuária, a organização política e a infra-

estrutura até a comercialização dos produtos, a escola, o transporte, a saúde e

todos os conhecimentos e técnicas necessárias ao funcionamento e

desenvolvimento dos assentamentos. Essas são, dentre outras, dimensões que

precisam ser pesquisadas ao se estudar os impactos socioterritoriais provocados

pelos assentamentos nas regiões onde se encontram localizados.

No Brasil, o MST, por ter como foco a terra e por se organizar de modo a

realizar ações combinadas em diferentes lugares, é um exemplo de movimento

socioterritorial. A atuação concomitante em espaços distintos possibilita a

espacialização das ações do movimento, caracterizando-o também como

socioespacial. Nesse contexto, os sem-terra podem ser considerados indivíduos

desterritorializados que, ao fazerem parte de movimentos sociais como o MST,

buscam a reterritorialização.

Assim, a publicidade buscada por parte do movimento, à ocupação de uma

propriedade, por exemplo, se caracteriza como um modo eficaz de demonstrar sua

forma de organização. Dessa maneira, a ocupação das terras, além de territorializar

o movimento, representa uma forma de notoriedade perante a sociedade. Pode

representar, ainda, mudanças nas relações de poder ao se alterar o direito à posse

da terra numa intervenção direta a ela.

Os acampamentos, resultado das ocupações, podem ser considerados como

o início do processo de territorialização do movimento. Segundo Fernandes (2000, p.

76), eles se configuram em “espaços e tempos de transição na luta pela terra”, já

que, “além de espaços de politização e socialização, criam pontos de tensão”.

O campo brasileiro ocupa destaque nas discussões e no foco de políticas

públicas atuais, tendo experimentado diversas mudanças. Apresenta uma formação

social diversa (pequenos produtores, meeiros, parceiros, posseiros, desempregados

urbanos, latifundiários, sem-terra), com diferentes interesses e demandas. Muitas

vezes, essa sobreposição de demandas resulta em conflitos, cuja mediação sofre

atuação do Estado. São confrontos entre grandes produtores rurais, grandes

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empresas, setor financeiro, movimentos de trabalhadores rurais, polícia, movimentos

de atingidos, dentre outros.

Nesse contexto, os assentamentos representam, no sentido de resolver o

problema agrário, a resposta do Estado a essas pressões e o fim de um ciclo

iniciado com as ocupações e os acampamentos. No entanto, outro ciclo se inicia

com a permanência ou não desses trabalhadores na terra. Se permanecem,

inaugura-se um processo de estruturações e negociações: desde a divisão dos

lotes, definição das formas de produção e organização do trabalho até os

financiamentos do governo, obras de infra-estrutura, ações de saúde e educação,

dentre outras. Somando-se a esses aspectos, a reconstrução do território passa por

modificações nas relações socioespaciais existentes.

Assim, os assentamentos podem se apresentar como agentes reconstrutores

do campo. Mesmo sendo as políticas públicas no Brasil, em sua maioria, voltadas à

produção em grande escala, tem-se nos assentamentos uma tentativa de conter as

tensões no setor. No entanto, tal tentativa deve ser considerada apenas como

medida que compense a não-efetivação de uma verdadeira Reforma Agrária.

Os assentamentos constituem a reterritorialização da população assentada,

traçando outras delimitações no campo:

A luta pela terra é um processo social de reforço de vínculos locais e de relações de pertencimento a um determinado lugar, se constituindo em um processo de reterritorialização que situa as pessoas em um espaço geograficamente bem delimitado. O assentamento (e as próprias parcelas e lotes) é caracterizado por limites e fronteiras, resultado de conflitos e lutas sociais que dão identidade e sentimentos de familiaridade a seus habitantes [...] (SAUER, 2003, p. 19).

Eles, ao reconstruírem o território, imprimem novas configurações aos limites

e fronteiras existentes, alterando, assim, relações de trabalho, produção e poder

local. Portanto,

[...] a construção/reconstrução de seu espaço social [dos assentados] constitui-se num novo modo de vida, que se dá tanto a partir dos

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referenciais que cada assentado traz em sua história de vida, como a partir de referenciais coletivos reelaborados na luta pela conquista da terra, de forma que o assentamento continua a ser espaço de recriação cultural, de continuação e emergência de uma nova cultura política e, acima de tudo, por ser um espaço de vivência de relações sociais diferenciadas e por desenvolver no cotidiano concreto fragmentos significativos de uma nova sociedade modificada, tornando-se uma força instituinte no social-histórico, possibilitando a instituição de um novo modo de viver no campo (SCHWENDLER, 2000, p. 6).

Então, conforme exposto, percebemos que os assentamentos trazem novos

ingredientes para a construção de uma nova dinâmica.

2.2. O MST COMO MOVIMENTO SOCIOTERRITORIAL QUE SE

TERRITORIALIZOU NO TOCANTINS

Para se abordar o MST como movimento socioterritorial e seu envolvimento

na luta pela terra, foi necessário apresentar as principais diferenças entre movimento

social e movimento socioterritorial, buscando esclarecer as peculiaridades deste

último.

O MST redefiniu o espaço de luta no campo brasileiro na década de 1990,

territorializou suas ações, resultando na implantação de assentamentos rurais. Para

tanto, apresentou em sua estrutura uma articulação, por meio de assembléias,

reuniões e atos públicos, com os trabalhadores sem-terra. A fim de organizar e

reunir participantes na luta pela terra, a formação decorre da realização de trabalhos

de base em comunidades. As ações do MST têm como referenciais a reorganização

social e espacial. Exerce sua função através da realização de ações diferentes, em

pontos diversos do território, seguindo uma organicidade por meio das

coordenações estaduais e regionais.

Sobre esse aspecto, Fernandes (2000) afirma que os movimentos

socioterritoriais ou territorializados constituem diferentes categorias, e suas

estruturas têm duas formas: movimento social e movimento sindical. Assim, segundo

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o autor, por meio de articulações e alianças, esses movimentos recebem apoios

políticos e econômicos de diferentes instituições. Conforme mencionamos, eles se

articulam em diferentes lugares – cidades e estados – ao mesmo tempo.

Podemos comprovar isso a partir de dados do DATALUTA (2008), que

demonstram a ação de 93 diferentes movimentos, entre sociais e sindicais, agindo

simultaneamente no período de 2000 a 2007, em diferentes pontos do país.

Desses dados podemos abstrair que, no estado do Tocantins, nesse período,

agiram, simultaneamente, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na

Agricultura – CONTAG, o MST e, ainda, uma OTC – Organização dos Trabalhadores

no campo (QUADRO 3). A sigla OTC foi criada pela Comissão Pastoral da Terra

(CPT) para designar associações, movimentos e organizações ocasionais ou

localizadas que surgem da luta no campo, mas que ou não têm alcance nacional ou

não se mantêm perenes. Tanto que, ainda segundo dados do DATALUTA (2008), a

partir de 2007 não foram identificadas ações de OTCs no estado.

QUADRO 3 – Movimentos socioterritoriais que atuaram no estado do Tocantins no período de 2000 a 2007

Sigla Nome do movimento Estados em que atuaram CONTAG

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA

AL, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MG, MS, MT, PA, PE, PI, RJ, RN, SC, SE, SP, TO

MST

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

AL, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MG, MS, MT, PA, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RO, RR, RS, SC, SE, SP, TO

OTC

ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES NO CAMPO

CE, GO, MG, PA, PR, RO, RS, SP, TO

Fonte: DATALUTA (2008). Adaptado pela autora.

As ações do MST no Tocantins, as quais nos interessam nessa investigação,

iniciaram-se em 1998 e têm como referência a organização social e o espaço

geográfico. Devido a isso, cada vez mais, as ações atingem novas frações do

território, caracterizando sua territorialização.

As ações do movimento, na região mencionada, podem ser evidenciadas pela

trajetória de ocupações e pela efetivação de assentamentos ao longo do tempo.

Desse modo, o MST foi responsável pela maioria das ocupações no país (289) e

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por um número significativo de ocupações na região Norte do país e no estado do

Tocantins no ano de 2007, como pode ser visualizado na TABELA 1:

TABELA 1 – Ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais na região Norte em 2007 MST FETRAF CONTAG Ocupações

conjuntas Outros Total

Ocup. Fam. Ocup. Fam. Ocup Fam Ocup Fam. Ocup Fam. Ocup. Fam. Norte 11 1.849 18 2.679 6 332 1 80 13 1.114 49 6.054 AC - - - - - - - - - - - - AM - - - - - - - - - - - - AP - - - - - - - - - - - - PA 6 1.475 18 2.679 3 240 1 80 9 1.032 37 5.506 RO 3 234 - - - - - - 1 22 4 256 RR 1 60 - - - - - - - - 1 60 TO 1 80 - - 3 92 - - 3 60 7 232 Total/país

289 45.249 32 4.547 22 2.967 59 7.003 89 6.523 533 69.769

Fonte: DATALUTA (2008). Adaptado pela autora.

Também é possível evidenciar um dos primeiros impactos dessas ações, que

são as mudanças na estrutura fundiária. No país, conforme levantamento do

DATALUTA (2008), realizado nos anos de 1992, 1998 e 2003 (TABELA 2), houve o

aumento progressivo das propriedades consideradas pequenas, em todas as suas

categorias (de menos 1 a 200 ha), o que reforça a expansão da pequena

propriedade e da produção familiar. Houve, ainda, a redução das grandes

propriedades, principalmente as que possuem área acima de 10.000 ha. Essa

redução é ainda mais evidente na comparação entre as averiguações de 1998 e

2003.

A territorialização do MST através dos assentamentos inaugura um momento

de reivindicações ainda mais amplo. São reivindicações por escola, energia elétrica

e estradas, dentre outras demandas diversas, carregando o sentido de luta por meio

de novas ocupações e da formação de novos grupos de famílias, em busca de

conquistas individuais e como grupo.

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TABELA 2 – Mudanças da estrutura fundiária no Brasil por classes de área 1992, 1998 e 2003 1992 1998 2003 Classes de Áreas

No. de Imóveis

Área (ha) No. de Imóveis

Área (ha) No. de Imóveis

Área (ha)

TOTAL 2.924.204 310.030.752,20 3.586.525 415.548.886,60 4.290.531 418.483.332,30 Menos de 1

47.034 24.483,10 68.512 35.181,90 81.995 43.409,10

1 a menos de 2

88.408 120.422,40 118.926 160.875,80 1414.481 191.005,50

2 a menos de 5

343.539 1.168.374,60 440.708 1.483.892,60 559.841 1.874.158,80

5 a menos de 10

428.783 3.116.262,60 515.823 3.737.828,60 626.480 4.530.025,20

10 a menos de 25

804.376 13.081.255,30 939.198 15.265.972,30 1.109.841 18.034.512,20

25 a menos de 50

477.439 16.679.065,90 573.408 20.067.945,60 693.217 24.266.354,60

50 a menos de 100

319.256 22.205.515,70 403.521 27.902.893,30 485.956 33.481.543,23

Pequena

100 a menos de 200

191.539 26.032.300,20 239.219 32.260.122,40 272.444 36.516.857,80

200 a menos de 500

133.506 41.147.556,90 166.686 51.491.978,60 181.919 56.037.443,20

500 a menos de 1.000

48.873 33.812.939,40 62.643 43.317.666,40 68.972 47.807.934,80

Média

1.000 a menos de 2.000

22.374 30.767.926,40 30.325 41.651.744,70 35.281 48.711.363,10

2.000 a menos de 5.000

13.982 41.222.330,50 20.120 59.497.823,80 26.341 77.612.461,90

5.000 a menos de 10.000

3.190 22.414.364,90 4.758 33.839.004,90 5.780 41.777.204,40

10.000 a menos de 20.000

1.187 16.269.632,00 1.648 22.485.749,70 635 8.600.834,20

20.000 a menos de 50.000

537 15.610.841,20 768 22.468.684,80 294 8.502.361,60

50.000 a menos de 100.000

113 7.604.137,20 154 10.504.269,00 32 2.181.546,40

Grande

100.000 e mais

68 18.753.343,90 108 29.377.251,20 22 8.314.316,30

Fonte: DATALUTA (2008). Adaptado pela autora.

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3. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: DA LUTA PELA TERRA À PERMANÊNCIA

DOS ASSENTADOS RURAIS NO PADRE JOSIMO I e II

Entendemos que os impactos socioterritoriais referem-se a mudanças

provocadas por um fato social que se territorializa e se espacializa num determinado

lugar, reconfigurando, de modo significativo, sua dinâmica. Neste trabalho, mais

especificamente, procuramos entender que os impactos socioterritoriais foram

mudanças significativas, provocadas pelo assentamento rural Pe. Josimo I e II nos

municípios de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.

A análise nos oportuniza a compreensão de que tais impactos são oriundos

das lutas dos sem-terra, no Tocantins, contra as oligarquias agrário-latifundiárias. Os

sem-terra e os latifundiários são atores antagônicos nessa dinâmica de domínio

sobre os territórios - lugares de construções e reconstruções de relações sociais

para os camponeses.

Nesse sentido, nossa preocupação é refletir sobre os impactos a partir de

diferentes momentos de transformações socioterritoriais, desencadeadas com a

implantação dos assentamentos. Inicialmente, abordaremos a história da região, as

primeiras organizações da luta pela terra e o desencadeamento dos conflitos.

Passaremos, então, à intervenção do Estado nesses conflitos, focalizando o

momento de instalação e reprodução do assentamento, durante o qual, novas

necessidades, demandas e negociações surgiram para seus integrantes.

3.1. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: QUESTÕES TEÓRICAS DE

ANÁLISE

O termo “impacto”, no senso comum, transmite a idéia de colisão, choque,

denotando uma mudança brusca ou mesmo uma força que leva à transformação.

Vemo-lo ser bastante utilizado reportando à idéia de impactos ambientais,

econômicos e sociais, geralmente ligados à avaliação de conseqüências previstas

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para projetos, numa análise custo-benefício.

Ao se trabalhar as transformações socioterritoriais, procurando entender os

elementos da questão agrária brasileira, o termo impacto - como “força que força a

transformação” (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 7) - também é escolhido para analisar

o processo de conquista ou obtenção da terra nesse conflito social e histórico.

No Brasil, o campo foi apropriado e construído com características específicas

que o diferenciam bastante dos processos ocorridos em outros países como a

Rússia, a Alemanha e a Itália. Aqui, o próprio modo capitalista de produção gerou e

reproduziu o produtor familiar.

No que se refere, em específico, à produção agropecuária familiar, existem

diferentes abordagens de estudo. Oliveira (1991), ao discutir vertentes teóricas que

estudam a questão agrária no Brasil, aponta três grupos de pesquisadores. Um dos

grupos é o daqueles que vêem, no processo de desenvolvimento do modo

capitalista de produção, a generalização das relações de produção tipicamente

capitalistas no espaço rural. Nessa compreensão, através do assalariamento ou da

transformação do camponês em abastado, o campesinato estaria em extinção.

Outro grupo acredita na penetração do capitalismo no campo, de modo que

acabe com as relações comunitárias, tornando-as mercantis e transformando o

camponês em proletário. Sobre esses pontos de vista, Fernandes e Leal (2000)

afirmam que:

A questão para o camponês é: ou ele se metamorfoseia em agricultor familiar e se integra ou se mantém como ele mesmo e se desintegra. Nestes referenciais não há futuro, porque não há perspectiva desse sujeito continuar sendo camponês. Na verdade, ele é visto como um estorvo para os que vêem sua desintegração, considerando que do campesinato podem surgir o capitalista ou o proletário. Igualmente é visto como estorvo para os que vêem sua integração, porque o camponês desenvolve, também, a luta contra o capital (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 4).

Voltando à discussão de Oliveira (1991), o terceiro grupo de pesquisadores

compreende as relações não tipicamente capitalistas no espaço rural como produto

das contradições do próprio modo capitalista de produção. Assim, o Modo

Capitalista de Produção acontece territorialmente e através da conjugação de suas

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características sociais fundamentais: suas relações tipicamente capitalistas –

assalariamento, mecanização, produção voltada ao mercado – e as relações não

especificamente capitalistas - como trabalho familiar, baixos investimentos em

produção, pouca produção de mercadorias.

É sob essa perspectiva que se fundamenta a presente investigação, refutando

a idéia de destruição do camponês e enfatizando a sua recriação “na reprodução

capitalista das relações não capitalistas de produção e por meio da luta pela terra e

pela Reforma Agrária” (FERNANDES, 2000, p. 279-280 apud FERNANDES; LEAL,

2002, p. 5).

Contrárias a isso, inúmeras teses e pesquisas importantes e referenciais

sobre a Reforma Agrária no Brasil não teriam conseguido explicar questões às quais

se propuseram a compreender, nem teriam razão de existir pesquisas desenvolvidas

atualmente sobre essa temática.

É importante salientar que as relações interligadas e inerentes ao processo de

expansão do modo capitalista de produção acontecem num movimento contraditório

e desigual. Ao mesmo tempo em que promovem a reprodução de atividades

familiares, também fortalecem as ações dos agentes do capital, gerando tramas

territoriais – des/re/territorialiazação - no campo.

Nesse viés, o MST, através dos assentamentos, se territorializa, ou seja,

ocupa uma fração dos espaços transformados pelo trabalho. Assim, através da

territorialização camponesa no espaço dos latifúndios, o campo vem sofrendo

alterações em sua estrutura fundiária e socioeconômica.

Importante também é salientar o que se entende pelos conceitos de

“camponês” e “agricultor familiar”. Inúmeros trabalhos ou tratam esses conceitos

como iguais ou os utilizam sem a necessária reflexão teórica, o que faz o camponês

(agricultor de subsistência) aparecer como agricultor familiar e vice-versa.

Em linhas gerais, os teóricos da agricultura familiar, como Veiga e

Abramovay, apresentam argumentos que destacam a integração ao mercado, o

papel determinante do Estado no desenvolvimento de políticas públicas e a

incorporação de tecnologias. Viés esse que leva à destruição do campesinato.

(VEIGA, 1991, p. 190-192; ABRAMOVAY, 1992, p. 21-22)

Esses argumentos são contrários à visão que temos de que não é o mercado

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que possibilita a recriação do campesinato, mas sim a luta política desenvolvida por

meio das ocupações, principal forma de acesso à terra hoje em dia.

Exemplo da visão semelhante a dos teóricos em agricultura familiar é o

esquema apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ilustrando

o Processo de Reforma Agrária (QUADRO 4), segundo o qual “os sem-terra

aparecem do nada, entram no processo de implantação de assentamentos e saem

como agricultores familiares” (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 3). Para esses

pesquisadores, fica evidente, no esquema, o interesse do governo de transformar o

“sem-terra” em “agricultor familiar”.

QUADRO 4 – Processo de reforma agrária

Processo de Reforma Agrária

Sem-terra Assentado

Obtenção: Criação do PA:

° Avaliação ° PDA Pronaf linha “A”

° Vistoria ° Topografia Infra-estrutura

° Decreto ° Créditos ARCOS

° Ajuizamento ° Assistência Técnica Titulação

° Imissão de posse

Consolidação

De 10 meses a 1 ano

1 ano 1 ano

3 anos em média Fonte: http://www.incra.gov.br/reforma/recordes1.htm. Acesso em: 10 out. 2008. Adaptado pela autora.

Uma das razões desse interesse é que as ocupações não são comuns aos

agricultores familiares. Assim, o MDA, desde que foi criado em 1990, e o Governo

Federal incorporam o modelo de agricultura familiar a suas políticas públicas, que

“tiveram como referência a integração ao mercado, e especialmente no mercado de

terras, com a criação do Banco da Terra, procurando pôr fim às lutas políticas (...)”

(FERNANDES; LEAL, 2002, p.4). Criaram, ainda, medidas provisórias para

criminalizar as ocupações e a implantação de linhas de crédito seletivas, visando à

capitalização e eliminando as linhas de crédito que foram debatidas e criadas com a

1 ano

Saída

Entrada Agricultor Familiar

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participação dos trabalhadores.

Sob essa visão, ainda segundo os autores, os teóricos da agricultura familiar

procuram construir um método de análise em que o desaparecimento do camponês

está no processo que o metamorfoseia em agricultor familiar. E, quando não

conseguem comprovar a destruição do camponês, procuram refutar o conceito como

tendo perdido seu poder explicativo.

Ignoram, então, que a luta pela terra e o desemprego estrutural são

elementos relevantes para a análise do campo hoje. Nesse contexto, inúmeras

políticas vêm sendo implementadas no sentido de repensar a relação campo-cidade,

o que tem sido denominado de “desenvolvimento sustentável”, tanto em escala local

quanto regional. No entanto, esse conceito apresenta-se, segundo Fernandes e Leal

(2002), como uma forma de substituição do termo “questão agrária”.

Como possibilidade de se compreender os elementos da questão agrária para

o desenvolvimento de novos referenciais de análise, Fernandes e Leal (2002)

apresentam o conceito “impactos socioterritoriais”, entendido da seguinte maneira:

Mudanças que ocorrem no território através das ações dos sem-terra, do Estado e dos latifundiários. Essas ações são resultantes das ocupações de latifúndios, de caminhadas, de ocupação de prédios públicos, da implantação de assentamentos, ou seja, das reivindicações das famílias participantes na luta pela terra. (FERNANDES; LEAL, 2002, p.7)

Para analisar a extensão das principais mudanças realizadas com a

transformação causada pelos assentamentos, os pesquisadores propõem um

método de análise em que procuram compreender as dimensões e os indicadores

dos impactos socioterritoriais.

As dimensões são mudanças no âmbito social, como acesso à educação e à

saúde; no âmbito político, como reivindicações aos poderes públicos para

implantação de infra-estrutura nos assentamentos e entorno, e no âmbito

econômico, por intermédio da intensificação da produção, de autoconsumo e da

comercialização agrícola.

Nessa proposta de análise, os indicadores das dimensões são variáveis

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quantitativas e qualitativas da análise das mudanças. Eles são verticais e

horizontais, suas variáveis estão nos espaços geográficos e nas relações sociais. Os

verticais seriam caracterizados pelas ações entre as famílias, no interior das

unidades de produção, com o município, com a micro e a messorregião. E os

indicadores horizontais se caracterizariam pelas diferentes relações entre as famílias

nos assentamentos.

Desse modo, a principal abordagem dos impactos é compreendida a partir

das mudanças nas vidas das famílias sem-terra, bem como do espaço geográfico

estudado. Nesse processo, o conceito “impactos socioterritoriais” é contextualizado

por alguns indicadores como educação, saúde, cultura, organização do trabalho e da

produção, renda, organização sociopolítica, dentre outros.

Tendo o assentamento Pe. Josimo I e II, em Cristalândia – TO, como objeto

de estudo dessa investigação, procuramos identificar sua formação e os processos

de reestruturação e ressocialização sociopolítica e econômica, causados pela

transformação do latifúndio em assentamento de sem-terra. Por outro lado,

observamos que as ocupações de terra são vistas como os principais elementos

geradores desses impactos. Pelos latifundiários, são consideradas como causadoras

de desordem econômica, social e desequilíbrios regionais. Pelo Estado,

criminalizadas como forma de controle sobre as políticas públicas relacionadas à

questão agrária.

Nos impactos socioterritoriais é possível identificar tanto as potencialidades

políticas, econômicas e sociais, como também a construção de projetos públicos.

Isso porque os assentamentos representam a ressocialização das famílias

assentadas, através de acesso à saúde, educação, infra-estrutura, transporte,

produção agropecuária e da transformação do “território dos latifúndios” em

“território do camponês”. Esses impactos também são sentidos pelas famílias não-

assentadas - aquelas das comunidades circunvizinhas - através do não recebimento

desses benefícios geradores de possibilidades de transformações.

Desse modo, a partir da trajetória de luta pela terra e da ocupação como

processo de territorialização na conquista de assentamentos rurais, é possível

compreender os impactos socioterritoriais ocorridos nesses espaços. A luta pela

terra seria, portanto, o início das transformações no processo dos impactos

socioterritoriais, conforme representado na FIGURA 1, a seguir:

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FIGURA 1 – Impactos socioterritoriais dos assentamentos

Fonte: FERNANDES; LEAL, 2002, p. 8. Adaptado pela autora.

Sob essa ótica, procuramos identificar os impactos, abordando três diferentes

momentos da trajetória do assentamento, sendo eles, como propõem Medeiros e

Leite (1998): o histórico da região, a ação do Estado e o momento de instalação e

reprodução do assentamento.

O primeiro deles, ao trazer o histórico de luta pela terra, localiza conflitos,

lideranças, alianças e oposições. As ocupações, além de darem partida a conflitos,

alteram paisagens e mobilizam a opinião pública. São processos longos, marcados

por mudanças de local, pela difícil adaptação à rotina de acampado, pela árdua

negociação com fazendeiros e Estado. E, também, um período em que, vivendo à

beira da estrada, os acampados estão expostos a julgamentos e pareceres da

opinião pública.

Os acampados se apresentam como uma “nova” questão àquela região,

como “problema” político, no sentido de que forças políticas locais e o Estado – em

diferentes esferas: executivo, legislativo e judiciário – passam a reconhecer a

existência da tensão. Há, também, a pressão da opinião pública, o que ajuda a

constituir uma necessidade de se buscar respostas para o conflito.

Esse momento se caracteriza pela ação do Estado que, ao intervir no conflito,

passa a ter que considerar as condições de ocupação, organização, produção,

relações sociais e políticas existentes; além de buscar a regularização ou

Impactos Socioterritoriais

Implantação de assentamentos rurais Transformações sociais, políticas e econômicas

Desenvolvimento das unidades de produção familiar

Trabalho de base, ocupações

de terra e acampamentos

Trabalho de base, ocupações de terra e acampamentos

Conflitos e negociação MST – latifundiários e Estado

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desapropriação de terras, delimitação das áreas dos assentados, fornecimento de

linhas de crédito, dentre outras formas de intervenção.

Mais uma vez, ocorre, agora numa intervenção pública, uma reordenação de

relações sociais e políticas no plano local. Isso porque “assentar significa reconhecer

uma situação de conflito, determinados agentes sociais, demandas, muitas das

quais até então ignoradas, e, possivelmente, permitir sua transformação em direitos,

o que implica trazer uma mediação legal para o conflito, etc.” (MEDEIROS; LEITE,

1998, p.10)

É desse ponto que derivam as primeiras transformações do que se pode

chamar “impacto dos assentamentos”, e que se inauguram os direitos relativos à

terra, dos quais surgem outros direitos – reconhecidos e a serem conquistados -,

bem como a legitimidade de negociação com o Estado. Começa, então, uma fase

que representa uma nova situação, com novas relações sociais e políticas, numa

ruptura com a situação anterior - os “territórios dos latifundiários” tornam-se

“territórios de camponês assentado”, transição que se reflete claramente nas

relações de poder local.

Num terceiro momento, também marcado por transformações características

dos impactos dos assentamentos, há a instalação e a reprodução do assentamento,

no qual novas necessidades, demandas e negociações surgem para seus

participantes. Vejamos o que Ramalho escreve sobre essa questão:

O segundo impacto socioterritorial inicia-se após esse processo de luta, com a conquista da terra, com as novas necessidades que surgem para os assentados. É necessário continuar lutando para permanecer na terra: luta-se por moradia, água, luz, estradas, postos de saúde, escolas, condições eficazes para produzir. Nessa luta constrói-se a relação assentado-assentamento e assentado-município (que muitas vezes ultrapassa essa escala municipal, pois os assentados mantêm relações comerciais, financeiras e pessoais em outras cidades, estados) (RAMALHO, 2002, p. 2).

Em nossa pesquisa, por exemplo, constatamos que os assentados do Pe.

Josimo I e II realizam suas atividades cotidianas - escola, lazer, compras e outras

transações - não só no município a que pertence o assentamento (Cristalândia), mas

também em outros municípios vizinhos: Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.

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Assim, a área de abrangência dos impactos socioterritoriais do assentamento

em estudo, que compreende os três municípios, não foi eleita por um critério que

privilegie aspectos físicos ou ambientais. Buscou-se, sim, resgatar dimensões e

relações sociais, culturais, políticas e econômicas entre os assentados e os

municípios supracitados.

Medeiros e Leite (1998, p. 8) salientam que a necessidade de traçar

parâmetros para qualificar “região” levou-os a considerar referências tanto

geográficas quanto sociológicas. Tais referências acabaram por indicar que a

análise regional deve ser considerada, cada vez mais, sob um prisma

multidimensional. Assim, não se trata de privilegiar aspectos físicos, ambientais

econômicos, mas de resgatar as dimensões sociais, culturais e políticas.

Os autores reforçam isso citando Alentejano (1997, apud MEDEIROS; LEITE,

1998, p. 9), ao afirmar que “a literatura nos leva a perceber que o que se considera,

em cada caso, como sendo uma região é uma construção do pesquisador, em

função de variáveis que considera relevantes e que, uma vez destacadas,

confirmam certas redes de relações que têm uma determinada delimitação”. A

região pode ser vista, também, como “uma construção social a partir dos

enfrentamentos históricos entre diferentes atores sociais e diferentes projetos”

(ALENTEJANO, 1997, apud MEDEIROS; LEITE, 1998, p. 9).

A respeito disso, os autores consideram, ainda, que o desafio para os

pesquisadores, ao mesmo tempo em que têm como pano de fundo diferentes

recortes regionais, constituídos por determinadas instituições – como IBGE, INCRA,

Secretarias de Agricultura, dentre outras –, é de buscar

Equacionar possíveis delimitações de regiões construídas a partir dos assentamentos, entendidas como área de influência e de constituição de uma determinada rede de relações econômicas, sociais e políticas (que podem coincidir com um município, com um conjunto de municípios, ou com partes deles). Com isso, estamos assumindo que há processos múltiplos a serem considerados que antecedem o assentamento, são concomitantes a ele e o sucedem (MEDEIROS; LEITE, 1998, p. 8).

Em suma, ao falarmos de impactos socioterritoriais dos assentamentos

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rurais, procuramos perceber diferentes aspectos das relações sociais, políticas,

culturais e econômicas que se desenvolvem num processo. Evitamos analisar

apenas um desses aspectos individualmente, a fim de não perdermos a

possibilidade de construir uma análise multidimensional da realidade. É também

nossa preocupação avaliar os impactos não apenas a partir de sua expressão nos

assentamentos rurais, mas procurar compreendê-los inseridos em um processo

ininterrupto de luta e resistência social e política, no qual os seus desdobramentos

recaem sobre uma diversidade de dimensões e indicadores socioterritoriais.

A idéia de socioterritorial que procuramos seguir aqui compreende desde a

luta pela terra, as unidades de produção familiar, a organização política até a

obtenção de infra-estrutura básica, de crédito e de conhecimentos e tecnologias

necessárias ao desenvolvimento dos assentamentos. A idéia de socioterritorial traz

esses e diversos outros aspectos que pesquisamos ao estudar os impactos

socioterritoriais provocados pelo assentamento Pe. Josimo I e II nos municípios de

Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.

3.2. ASPECTOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE

Para a realização da pesquisa, na fase exploratória, fizemos uma revisão

bibliográfica em meio impresso e digital acerca dos assuntos estudados: questão

agrária brasileira, território e processos territoriais, assentamentos rurais e processos

de territorialização do espaço, movimentos socioterritoriais no campo e impactos

socioterritoriais, dentre outros.

Nessa fase, além de pesquisa bibliográfica para delinear o aparato teórico,

foram também realizadas reuniões com a coordenação geral e de grupos de famílias

do assentamento, a fim de apresentar os objetivos da pesquisa e levantar

informações primárias a respeito do movimento e suas ações.

As entrevistas, realizadas com a coordenação geral e com os coordenadores

de núcleo de famílias, tiveram o objetivo de ampliar a busca por informações com

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outros atores sociais, os quais exercem influência no pensamento e nas ações

cotidianas do assentamento. Procuramos, através das conversas, abranger três

dimensões: a econômica, a política e a social; para, a partir daí, definirmos os

indicadores a serem analisados em cada dimensão. Tentamos, também, identificar

as relações do assentamento com os municípios do seu entorno. Isso com a

finalidade de estabelecer um levantamento qualitativo da realidade do

assentamento, coletando informações dentro das três dimensões (social, política e

econômica). Nessa fase, como ferramenta de coleta de informações, foi organizado

um levantamento sobre a linha histórica do assentamento. Nesse passo, houve a

identificação de informantes qualificados - pessoas internas e externas ao

assentamento que têm alguma influência sobre a dinâmica organizativa e/ou

possuem informações importantes a serem sistematizadas sobre a realidade

pesquisada.

Dentre os informantes internos identificamos: lideranças jovens, mulheres

ativas politicamente, responsáveis pelas famílias, pessoas que conhecem a região

ou a história de exploração da Fazenda Jatobá (desapropriada pelo INCRA para a

implantação do assentamento). Dentre os informantes externos, encontramos:

funcionários do INCRA-TO, das Prefeituras Municipais de Cristalândia, Nova

Rosalândia e Oliveira de Fátima, de órgãos do setor financeiro e comercial, bem

como lideranças regionais.

Na fase investigativa, com o objetivo de colher dados para análise global,

analisamos documentos históricos, estatísticos e cartográficos do assentamento

junto ao IBGE, ao INCRA-TO, às Prefeituras Municipais e às Associações dos

assentados, dentre outros.

Para a colheita de dados mais específicos, numa pesquisa qualitativa, a fim

de captar mudanças ocorridas intra e extra-assentamento, desde a sua

implementação, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas entre assentados,

comunidades vizinhas e representantes de órgãos pertinentes ao estudo. Com isso,

pudemos delinear trajetórias pessoais e de grupo, e constatar as relações entre eles.

A pesquisa de campo aconteceu em dois momentos: primeiramente, no

assentamento (em outubro e novembro de 2008), através de entrevistas semi-

estruturadas. Depois (de janeiro a março de 2009), nos municípios de Cristalândia,

Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima, onde entrevistamos pessoas ligadas ao

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poder público municipal, ao setor financeiro e comercial.

Dentre o grande número de variáveis possíveis, que poderiam ser

averiguadas quanto aos impactos de um assentamento na dinâmica do campo e de

seu entorno, para a análise desse processo referente ao assentamento Pe. Josimo I

e II, destacamos as seguintes escalas de variáveis (QUADRO 5): A) Aspectos

sociais, abordando temáticas como: procedência das famílias, demandas relativas à

saúde, educação, transportes, moradia e cultura; ações tanto dos assentados

quanto dos poderes públicos em atenção a essas demandas; identificação da

implementação de infra-estrutura básica para atender o assentamento. B) Aspectos

políticos: verificando a participação das famílias na organização do assentamento,

suas relações políticas, a distribuição da terra, a área ocupada, número e tipos de

propriedades e as dinâmicas territoriais ocorridas. C) Aspectos econômicos: tratando

da organização dos assentados para o trabalho e a produção, fontes de renda e a

participação dos assentados nos âmbitos financeiro e comercial de seu entorno.

É relevante ressaltar que pretendemos averiguar tais variáveis buscando

traçar um paralelo entre os dados estatísticos e as informações reveladas pelos

entrevistados. Mesmo observando que as informações obtidas nem sempre são

reais, na maioria das vezes são impressões individuais, constando de suposições e

aproximações, é preciso entender que tais informações são relevantes para

identificar – em conjunto com os dados coletados – o momento histórico do

assentamento.

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QUADRO 5 – Impactos socioterritoriais: dimensões e indicadores

Fonte: Organizado pela autora a partir de pesquisa de campo.

Vale salientar, também, que classificar os impactos em três dimensões -

social, política e econômica - não significa, de modo algum, que os estamos

entendendo de forma fragmentada. Essas dimensões são indissociáveis e foram

estudadas parcialmente, utilizando-se alguns indicadores de análise. Na dimensão

social os indicadores eleitos foram: saúde, educação, transporte, moradia e cultura.

Na dimensão política, a organização territorial e o poder local, participação política e

políticas públicas. Já a dimensão econômica teve como indicadores a organização

do trabalho e da produção e as fontes de renda. De modo que uma não se

apresentou, nem teria condições, de forma dissociável da outra.

Dimensões Indicadores

SOCIAL

Saúde

-Local e transporte para atendimento -Fonte de abastecimento de água -Programas específicos de saúde rural -Principais dificuldades encontradas para atendimento -Acesso à infraestrutura- condições sanitária e de saúde

Educação

-Grau de escolaridade - Qualidade do ensino -Outras práticas educativas -Adequação para atendê-los

Transporte

-Meios, números e qualidade do transporte - estradas (condições, responsabilidades)

Moradia

-Construção e condição de Moradias e áreas comuns -Crédito habitação (valor e uso) -Infraestrutura elétrica e telefônica

Cultura

-Formas de lazer e atividades culturais das famílias assentadas -Uso de espaços comunitários

POLÍTICO

Poder local, participação

política e políticas públicas

-Participação na organização do assentamento -Eleições, Alianças políticas com partidos, MST e outros movimentos -Relacionamento assentamento-governo -Relacionamento assentamento/órgãos responsáveis

Organização

Territorial

-Tempo em acampamento e ocupações de terras -Volume e origem da população assentada -motivo para ingresso no movimento

ECONÔMICO

Organização do

trabalho e da produção e fontes

de renda

-experiência de trabalho anterior ao assentamento -Acesso a bens de consumo -Acesso a políticas sociais compensatórias ou distributivas -Produção, extração e comercialização - Formas de organização para o trabalho -Fontes de renda -

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3.2.1. Materialismo histórico dialético como método

Sob a perspectiva dos impactos socioterritoriais, analisamos a atuação do

assentamento Pe. Josimo I e II no que concerne às possibilidades de reconfiguração

no campo. Demos destaque especial ao que se refere ao rearranjo socioterritorial e

ao processo produtivo que se reflete em mudanças locais e/ou regionais.

Para estudo, coube, portanto, a utilização do materialismo histórico dialético

como método de investigação, conforme proposto por Marx em seu texto “O Método

na Economia Política” (1977). Sua contribuição é importante por ser uma abordagem

possível para a interpretação da realidade, caracterizada por buscar descobrir (pelo

movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa

dos homens em sociedade através da história.

Convém, nesse momento, distinguir a concepção de Marx para “método”: não

um conjunto de procedimentos ou passos aprioristicamente selecionados pelo

investigador para buscar a confirmação ou negação de hipóteses, mas um

instrumento de mediação entre o homem que deseja conhecer e o objeto

desconhecido.

No enunciado do método de Marx, há uma síntese do próprio método, com

base na concepção materialista e dialética da realidade. Assim, segundo o

enunciado, o processo se efetiva em duas fases. A primeira seria o “caminho de

ida”, caracterizado por ser o ponto de partida do real – concreto e caótico. Isto é, um

conceito idealizado que, através de um processo de afastamento e abstração, leva a

conceitos e determinações cada vez mais simples e a abstrações cada vez mais

tênues. A segunda fase seria o “caminho de volta”, um retorno ao real, com rica

totalidade de determinações e relações diversas. Esse “caminho de ida e volta”

aconteceria como na FIGURA 2, a seguir:

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FIGURA 2 – Síntese do método na concepção materialista e dialética

Fonte: MORAIS (2004, p. 85). Reproduzido pela autora.

A figura ajuda a representar o pensamento de Marx de que “o real é

empírico”. O que difere do pensamento de Hegel (apud MORAIS, 2004, p. 85), para

quem o concreto é uma categoria do pensamento, sendo o empírico apenas a

aparência e o fenômeno. Assim, para Marx, o concreto como categoria do

pensamento constitui a maneira – a única possível – pela qual o pensamento

reproduz o real conforme ele é: uma totalidade de muitos pensamentos interligados.

Além do concreto e do abstrato, no método de Marx aparecem também os

conceitos de “historicidade” e “totalidade”. Para ele, a premissa de toda a história

humana é a existência de indivíduos humanos viventes que, como seres sociais,

fazem história. A totalidade é composta por atos singulares e pela relação que esses

atos estabelecem entre si. Portanto, para se conhecer o real é necessário que a

subjetividade percorra o objeto em sua totalidade.

Voltemos à concepção de método como um instrumento que auxilia o homem

na construção do processo de conhecimento do objeto pelo sujeito. Como ambos –

objeto e sujeito – são históricos, e o conhecimento é a objetivação dessa relação,

todo conhecimento elaborado traz em si uma parcela desconhecida. À medida que

amplia as possibilidades de percepção do real, apresenta novos elementos que

exigem novos olhares e elaborações teóricas. Assim, novas determinações objetivas

vão surgindo como resultado do próprio movimento histórico e dialético da vida

social.

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Cabe lembrar que o conhecimento, nessa concepção, não é apenas um

reflexo do real na mente. Assim, a pesquisa deve dispor de uma bagagem teórica

que permita antever o percurso e fazer suposições razoáveis frente às várias

alternativas de incursão no objeto. Desse modo, quanto mais rica e intuitiva a

subjetividade, maiores as chances de se apreender os nexos internos do concreto

investigado.

Esse instrumento de reflexão pode, portanto, ser adotado para a realidade

dos assentamentos. Isso porque, associado aos conceitos de abordagem territorial,

é um instrumento que ajuda a explicar de que modo os camponeses assentados

organizam sua sociedade no espaço, e como o modo de concepção e uso do

espaço por eles realizado trazem mudanças. Estas ocorrerão desde que os

latifundiários ocupem um território que, mais tarde, sofrerá a ocupação dos sem-

terra, os quais, ao tomar posse do território, nele permanecerão.

3.2.2. Caracterização da área de estudo

Visto que a pesquisa foi baseada na identificação de elementos que estão

relacionados à forma de vida das famílias assentadas no Pe. Josimo I e II, no que

diz respeito aos aspectos econômico, social e político, convém que caracterizemos o

município e a área de influência do assentamento. Assim, é possível identificar a

região e suas características socioeconômicas e territoriais, bem como as questões

relacionadas às novas territorialidades, estabelecidas no cotidiano das famílias

assentadas.

O assentamento Pe. Josimo I e II, localizado no sudeste do estado, município

de Cristalândia, é formado por 161 famílias assentadas. No mesmo município, ainda

estão localizados mais quatro assentamentos: o Cristal, com 46 famílias assentadas;

o Chapada Vermelha, com 34 famílias; o São Francisco de Assis, com 63, e o

Virgínia, com 16 famílias assentadas (INCRA, 2008).

O Pe. Josimo I e II, além de pertencer ao município de Cristalândia, tem

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proximidade com os municípios de Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima, com os

quais também mantém relações sociais, políticas e econômicas.

Possui uma área total de 8.146,0683 ha. Sua abrangência territorial

(destacada em vermelho no MAPA 1) penetra em áreas de dois municípios: parte no

município de Cristalândia, no qual está oficialmente registrado no INCRA, e parte no

município de Nova Rosalândia.

MAPA 1 – Localização dos municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia e do Assentamento Pe. Josimo I e II

Escala 1 : 1.000.000

Fonte: SEPLAN (2003); PDA (2008). Adaptado pela autora.

Segundo consta no Plano de Desenvolvimento do Assentamento Pe. Josimo I

e II (PDA/2008), Cristalândia é delimitado ao norte pelo município de Pium, ao sul

por Santa Rita do Tocantins, a leste pelos municípios de Nova Rosalândia, Oliveira

de Fátima e Fátima e a oeste pelo município de Lagoa da Confusão. Possui 1.848

km² de área e situa-se nas coordenadas geográficas Lat. 10º 36’ 01” S, Long 49º 11’

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35” W, a uma distância de 140,1 km da capital, Palmas.

Nova Rosalândia, por sua vez, é delimitado ao norte pelos municípios de

Pugmil e Pium, a leste pelo município de Porto Nacional, a oeste pelo município de

Cristalândia e ao sul pelo município de Oliveira de Fátima. Possui 489 km² de área,

encontrando-se nas coordenadas Lat 10º 34’ 00” S, Long 48º 54’ 51” W, à distância

de 108,4 km de Palmas.

As rodovias de acesso aos municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia e

as distâncias que os separam de outros centros urbanos estão apresentados na

TABELA 3, a seguir:

TABELA 3 - Distâncias e rodovias de acesso dos Municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia de outros centros urbanos

Cristalândia Nova Rosalândia Cidades da região Distância Rodovia Distância Rodovia

Palmas 140 km TO-225 BR-153 TO-080

49,6 km TO-255 BR-153

Fátima 108,4 km BR-153 TO-080 34,1 km BR-153

Pugmil 47,7 km TO-255 BR-153 16,1 km BR-153

Pium 7,72 km TO-255 TO-164 48 km BR-153

TO-354 Fonte: SEPLAN (2007). Adaptado pela autora.

Conforme levantamento registrado no PDA/2008, foram identificadas áreas

que recebem influência do assentamento. Tais áreas são classificadas em: área de

influência indireta (AII), sendo composta pelos municípios que fazem parte da região

da Zona I – Javaés e que sofrerão indiretamente os impactos advindos do

assentamento; e área de influência direta (AID) ou área diretamente afetada (ADA),

destinada à implantação do assentamento.

A AII é formada por municípios considerados indiretamente afetados por

serem pólos de atração na região, seja por serviços básicos de atendimento (saúde,

por exemplo), seja por oferta de produtos realizada pelos municípios diretamente

afetados. São, ainda, lugares que podem ser pontos de escoamento de insumos

produzidos pelo assentamento. Ei-los: Oliveira de Fátima, Fátima, Pium, Pugmil,

Santa Rita do Tocantins, Paraíso do Tocantins, Porto Nacional, Lagoa da Confusão

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e Palmas, sendo este último, além de capital do estado, um ponto de apoio médico-

hospitalar da região.

A AID é composta por municípios circunvizinhos e pólos que recebem os

produtos do assentamento. São também os municípios que recebem as demandas

por serviços básicos como atendimento hospitalar e educação. Nesse aspecto, o

PDA/2008 identificou os municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia. No entanto,

em nossa pesquisa de campo (out. e nov./2008 e jan. a mar./2009), identificamos

também forte relação das famílias assentadas com o município de Oliveira de

Fátima, conforme será detalhado no quarto capítulo.

Os dados informativos e institucionais e as informações obtidas em

entrevistas com a coordenação geral do assentamento, coordenações de núcleos de

famílias e famílias assentadas justificaram a análise das diferentes facetas (social,

política e econômica) dos impactos causados pelo assentamento Pe. Josimo I e II,

nos municípios de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.

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4. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO PADRE JOSIMO I

E II EM CRISTALÂNDIA E ENTORNO

Os impactos socioterritoriais dos assentamentos rurais possuem

potencialidades tanto no aspecto social quanto no político e no cultural. Além de

buscar resolver suas necessidades econômicas e de infra-estrutura, os assentados,

através de relações extra-assentamento, acabam interferindo no cotidiano do lugar,

instaurando um novo rearranjo territorial local.

Esse rearranjo altera a ordem local e se reflete na esfera regional, através de

formas alternativas de produção e de trabalho, além de alternativas sociais,

econômicas e ambientais.

Cabe lembrar que os assentamentos, mesmo com alguns insucessos,

representam a possibilidade de realizações pessoais dos assentados, conquistas de

grupo, fortalecimento de atividades produtivas em estrutura familiar, possibilidades

de inserção social, expansão das possibilidades de emprego, renda e consumo.

Além de fatores que possam determinar melhores indicadores sociais, políticos e

econômicos da escala local à regional.

É sob esse prisma que, nesse capítulo, analisamos o assentamento Pe.

Josimo I e II quanto aos impactos socioterritoriais e suas influências nos núcleos

urbanos à sua volta, resgatando diferentes momentos da trajetória do assentamento.

Assim, num primeiro momento, trazemos o histórico da luta das famílias pela terra,

desde sua organização em acampamento às margens da BR-153, sua entrada na

terra até a situação atual. Hoje, Pe. Josimo I e II é considerado como assentamento,

vinculado ao programa de Reforma Agrária do Governo Federal.

No momento seguinte, consideramos a ação do Estado e suas políticas

públicas de Reforma Agrária, ao intervir no conflito, passando a imprimir uma

reordenação de relações sociais e políticas no plano local. Entendemos que é desse

ponto que derivam as primeiras transformações do que chamamos de “impacto

socioterritorial dos assentamentos”.

E, num terceiro momento, investigamos de que maneira se deu a instalação

das famílias no assentamento, inaugurando na vida delas um período de novas

demandas e negociações. Um período de transformações que também se

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caracterizam como “impacto socioterritorial dos assentamentos”.

Cabe lembrar que o assentamento em questão, além de pertencer ao

município de Cristalândia, ocupa parte do território de Nova Rosalândia e tem

proximidade com o município de Oliveira de Fátima, com os quais mantém relações

sociais, políticas e econômicas. É a partir dessa peculiaridade que procuraremos

analisar, neste capítulo, os impactos socioterritoriais do assentamento sobre os

núcleos urbanos desses três municípios, dentro das esferas citadas.

Lembramos que a luta dos assentados se constrói na relação assentado-

assentamento e assentado-município. Nesse caso particular, ultrapassa a escala

municipal, pois, como mencionamos, os assentados do Pe. Josimo I e II mantêm

relações comerciais, financeiras e pessoais com mais de uma cidade em seu

entorno.

4.1. HISTÓRICO DA TERRITORIALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO Pe.

JOSIMO I E II

Após várias reuniões com os movimentos ligados à questão da Reforma

Agrária no Tocantins como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra), o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e a CPT (Comissão

Pastoral da Terra e Sindicatos Rurais), constatou-se uma tendência de organização

e apoio a acampamentos de sem-terras por todo o estado. Foi a partir dessas ações

dos movimentos que surgiu, no dia 31 de julho de 2003, o acampamento Pe.

Josimo, às margens da BR 153, a 10 km de Nova Rosalândia e a 3 km de Oliveira

de Fátima. Era formado, inicialmente, por cerca de 330 famílias, as quais, nesse

período de formação, receberam do MST formação política: participando de reuniões

nos grupos de famílias, ocupando órgãos públicos, fazendo parte de marchas,

mobilizações e de outras atividades de cunho político.

É nesse período de grande movimentação que, no acampamento, organizado

através de uma coordenação do MST sobre os grupos de famílias, funcionavam

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também setores de educação, saúde, abastecimento, segurança, esporte e religião.

Essa forma setorizada contribuía no momento de buscar, junto às prefeituras,

atendimento para tais áreas.

Outra maneira de organização existente nesse período era a das

assembléias, que aconteciam com freqüência no acampamento e durante as quais

eram discutidos assuntos relevantes para as famílias acampadas.

Nessa fase, as famílias, em especial os homens, buscavam garantir o

sustento principalmente através da venda da força de trabalho - em fazendas da

região - ou em atividades temporárias - em cidades como Nova Rosalândia, Porto

Nacional, Palmas, Araguaína e Miranorte.

Com o tempo, algumas famílias foram desistindo do acampamento. O que

acontecia, geralmente, por dificuldades causadas tanto por questões financeiras

quanto pela falta de infra-estrutura - escola, atendimento médico, saneamento

básico etc.

Para aprofundarmos essa discussão a respeito das ocupações de terra,

utilizamos dados coletados na pesquisa de campo realizada no assentamento. Pela

análise dos dados, constatamos que a maioria das famílias participou do processo

de ocupação, ali permanecendo durante toda a fase de acampamento - cerca de 23

(vinte e três) meses.

Ainda pudemos averiguar que os motivos que os levaram a tomar parte no

movimento são os mais diversos. O retorno ao trabalho no campo, através da

propriedade da terra, é justificativa forte, inclusive para aqueles que estavam

trabalhando em outras atividades nas cidades, mas que nutriam o desejo de retornar

ao campo para trabalhar, conforme faziam na infância e a exemplo de seus

antepassados. Também, muitos viram, nessa oportunidade, um modo de escapar da

dinâmica das cidades, à qual não se habituaram e onde não queriam que seus filhos

fossem criados. Algumas dessas pessoas apontam a violência e a incerteza do

sustento da família como os fatores mais marcantes para a decisão de participar do

movimento.

Fica-nos claro, assim, que a cidade não foi capaz de absorver a grande

massa de camponeses que foram expulsos, de diversas formas e por motivos

variados, de suas localidades no campo. Geralmente, foram impulsionados para as

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periferias das grandes e médias cidades brasileiras, numa espécie de migração

forçada. Esse quadro, em apenas uma década (1960), transformou a população

brasileira “da noite para o dia”: de uma população tradicionalmente rural para uma

“despreparadamente” urbana.

Diante desse contexto, entendemos a ocupação da terra como forte impacto

socioterritorial na vida dos trabalhadores. Sobre esse assunto, Ramalho (2002, p.

81) afirma que “os acampamentos nas beiras das estradas, as famílias debaixo das

lonas pretas, as organizações internas nos acampamentos, os despejos, as

reintegrações de posse, as negociações entre sem-terra, fazendeiros e Estado até a

conquista da terra, são ações sociais pensadas politicamente, que geram alterações

no território”.

E foi durante esse tempo de acampados que as famílias, oriundas de diversas

cidades de Tocantins e de outros estados como Pará e Maranhão, aprenderam a

conviver com diferentes costumes e tradições. Importante para isso foi a dinâmica

política de organização do MST, que busca fortalecer o ideal de luta contra os

latifúndios e contra outras estruturas de poder contrárias à Reforma Agrária.

Passado o período vivido no acampamento, a Fazenda Jatobá, após longo

processo, foi desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA), abrindo espaço para as famílias se instalarem.

Assim, após portaria de 30 de maio de 2005, em junho desse mesmo ano, foi

efetuada a transferência das famílias para as terras da antiga Fazenda Jatobá. No

momento da transferência, o acampamento era composto por 161 famílias. Para a

área que se denominou Pe. Josimo I seguiram 102 famílias e para a Pe. Josimo II,

59 famílias. Essa divisão interna das famílias existe desde o período do

acampamento. Isso porque o segundo grupo de famílias se juntou ao acampamento

num momento posterior ao início da ocupação. Daí a explicação para a

nomenclatura do assentamento: Pe. Josimo I e II.

Durante a pesquisa de campo, percebemos também que as famílias do Pe.

Josimo I têm ligação política com o MST. Já as famílias do Pe. Josimo II guardam

maior ligação e referência com o trabalho e a vida no campo, por já terem tido, em

sua maioria, experiência com a terra.

Na transferência para a antiga fazenda, as famílias permaneceram em

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estrutura de agrovila até 29 de agosto de 2007. Nessa data, foi realizado o sorteio

dos lotes individuais, divididos e distribuídos numa área total de 8.146,0683 ha. Além

dos lotes havia, também, espaços a serem destinados à implantação de estruturas

coletivas do assentamento como escolas, posto de saúde, dentre outros; além de

áreas de reserva e preservação ambiental. A totalidade do espaço, com suas

subdivisões em lotes, pode ser visualizada na planta do assentamento, ANEXO A

desse trabalho.

Hoje, cada família reside em seu lote e participa ativamente das diversas

ações coletivas e sociais do assentamento. Elas mantêm a organicidade trazida do

acampamento, de que são exemplos os núcleos de famílias. Os assentados ainda

se vêem e se entendem como “sem-terra”, a fim de ainda persistirem nos ideais

iniciais e de auxiliarem as famílias que ainda estão no início do processo de luta pela

terra.

A respeito da realidade que estudamos sobre assentamentos e os impactos

socioterritoriais que causam, e em concordância com Fernandes e Leal (2002, p.8),

entendemos que “as ocupações de terra são os principais elementos geradores

desses impactos.” Entendemos também que, em seguida, são os assentamentos

que passarão a imprimir potencialidades políticas, econômicas e sociais aos

impactos, pois são “os assentamentos rurais que provocam a ressocialização das

famílias através do acesso à educação, da produção agropecuária, da

transformação de áreas de pastagens em áreas cultiváveis, em áreas de

preservação ambiental, etc” (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 8).

Na verdade, com a implantação e a consolidação do assentamento e com as

mudanças – concentração fundiária e organização territorial - e demandas dele

decorrentes - saúde, educação, transporte, moradia - é que se inaugura esse

processo. É essa nova etapa que passaremos a analisar através das dimensões

(social, política e econômica) e dos indicadores (saúde, educação, transporte,

moradia, cultura, poder local, participação política, políticas públicas, organização

territorial, organização do trabalho e da produção, fontes de renda) apresentados

anteriormente.

Assim, quando falamos na dimensão política dos impactos socioterritoriais,

destacamos o conteúdo político das ocupações de terra, que leva a mudanças

fundiárias decorrentes da territorialização dos assentamentos. Falamos, ainda, na

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ressocialização sociopolítica e econômica a partir de sua consolidação.

4.2. DIMENSÃO POLÍTICA: DE TERRITÓRIO DO LATIFÚNDIO A

TERRITÓRIO CAMPONÊS

4.2.1. Concentração Fundiária, Organização Territorial e Social

O processo de investigação desse trabalho nos permite afirmar que o primeiro

impacto socioterritorial vivido por um município, com a implantação de um

assentamento, é a substituição dos latifúndios pelas pequenas propriedades

familiares. Nesse aspecto, a estrutura fundiária de um estado pode dar pistas do

grau de concentração de suas terras.

No Tocantins, historicamente, nenhuma frente de ocupação gerou

sustentabilidade econômica ou ambiental. Normalmente, a abertura de novas áreas

e o conseqüente desenvolvimento das diferentes atividades econômicas culminaram

numa rede urbana, composta por pequenas cidades, pouco integradas, com infra-

estrutura e indicadores sociais e ambientais bastante precários.

Analisando a estrutura fundiária do estado, verificamos que, durante a década

de 1960, houve o avanço da fronteira agrícola, incentivada pela rodovia Belém-

Brasília (BR 153), que alterou ainda mais a já frágil estrutura sócio-econômica

vigente. Ela deslocou definitivamente o desenvolvimento e a ocupação do antigo

norte goiano para as áreas de melhor acesso, próximas à rodovia. Tal fato fez com

que muitas cidades fossem criadas e investimentos redirecionados para essas

regiões.

As terras do estado se tornaram mais concentradas a partir de então,

favorecendo a valorização daquelas próximas à rodovia, já que ela facilitava o

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acesso aos grandes mercados e centros urbanos. A Belém-Brasília representou

fator imprescindível, portanto, para a expansão agropecuária e a concentração

fundiária de norte a sul do estado.

Além da concentração fundiária, muito comum no “novo” estado do Tocantins,

também costumeiro é o processo de “grilagem de terras”1, do qual, atualmente, as

grandes propriedades e os grandes projetos agroindustriais no estado são resultado.

Por outro lado, esse processo é também determinante para a ocorrência de grandes

conflitos agrários, bastante habituais na região do Bico do Papagaio, no norte do

estado.

Com a criação do Estado do Tocantins, em 1988, houve uma significativa

melhora nas atividades relacionadas ao campo: surgimento de novas rodovias,

pavimentação e melhoria das antigas, além do desenvolvimento dos meios de

comunicação e da eletrificação rural. Criou-se uma melhor integração entre as

cidades e entre elas e a nova capital do estado, Palmas. Esta, por sua

especificidade, inaugurou novos eixos de integração regional, principalmente com o

oeste Baiano, o Distrito Federal, o sul do Maranhão, o sul do Pará, o oeste do Mato

Grosso e com o próprio estado de Goiás.

Tal integração, combinada com as baixas densidades demográficas e com o

baixo valor das terras, contribuiu para atrair investidores e promover a transição de

uma agricultura tradicional para uma agricultura em processo de modernização,

acompanhada pelo desenvolvimento e a expansão do agronegócio e suas diferentes

linhas de cadeias produtivas.

Com base no exposto, e sob a visão dos impactos socioterritoriais, podemos

afirmar que o primeiro impacto sobre o município de Cristalândia foi a substituição

do latifúndio – a Fazenda Jatobá – pela territorialização do assentamento rural Pe.

Josimo I e II. Ação essa empreendida pelos sem-terra, com a atuação do MST, o

que dá ao processo um forte cunho político.

A fim de analisarmos mais detalhadamente esse impacto, convém

observarmos alguns dados referentes à estrutura fundiária do município de

Cristalândia no ano de 2004, ano anterior à transferência das famílias. De acordo

1 A grilagem de terras é um termo utilizado para a posse ilegal de terras através da falsificação dos títulos de propriedade de terras públicas e alheias. Fonte: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues. Acesso em: 18 mar. 2009.

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com o INCRA (2004), a estrutura fundiária do município de Cristalândia (TABELA 4)

era constituída por 248 imóveis rurais com área de até 320 ha. Eram pequenas

propriedades que corresponderiam a até 04 módulos fiscais 2, representando 14,3%

das terras do município. E, em outro extremo, o município contava com 50 imóveis

rurais com áreas acima de 1.200 ha, correspondendo a 43,7% de suas terras.

TABELA 4 - Estrutura fundiária do município de Cristalândia em 2004

Fonte: INCRA (2004). Organizado pela autora.

Essa situação ilustra a grande concentração fundiária comum ao estado do

Tocantins e, nesse caso, também ao município de Cristalândia. Neste, apenas 50

imóveis rurais concentravam quase a metade das terras do município, com

população de 6.520 habitantes (IBGE, 2004). Apenas 14,3% da área total era

dividida em pequenas propriedades, caracterizadas, principalmente, pela produção

familiar e de subsistência.

Em contraponto a essa realidade, é criado o assentamento Pe. Josimo I e II,

que possui uma área de 8.146,0683 ha, compreendendo 35% do total da área para

Reserva Legal e para área de Preservação Permanente3. Essas duas áreas, num

total de 682,0166 ha, foram destinadas conforme legislação ambiental.

No parcelamento, o assentamento foi dividido em 162 lotes. Cada um possui

uma média de 50,32 ha, nos quais cada família reside, não existindo, portanto,

agrovilas no assentamento. Isso representa o aumento no número de propriedades

com área de 50 a menos de 100 ha, significando que a territorialização do

2 O módulo fiscal serve de parâmetro para a classificação fundiária do imóvel rural, fixada para cada município, quanto a sua dimensão em hectares (no Tocantins mede entre 80 e 100 ha), de acordo com o Art. 4º. da Lei 8.629/93. Sendo que o minifúndio corresponde a 01 módulo fiscal; a pequena propriedade entre 01 e 04 módulos fiscais; a média propriedade entre 04 e 15 módulos fiscais e a grande propriedade, acima de 15 módulos fiscais. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8629.htm. Acesso em: 18 mar. 2009. 3 As áreas de reserva e preservação do assentamento Pe. Josimo I e II estão todas na forma de condomínio, não existindo áreas de reserva e preservação individuais em cada lote.

Classe de área (ha) Total de Imóveis Área total (ha)

De 0 a 320 248 40.492,2 De 320 a 640 124 55.620,8 De 640 a 1.200 72 62.773,0 Acima de 1.200 50 123. 676,0

TOTAL 494 282.562,0

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assentamento acarreta mudanças para a estrutura fundiária do município. Se não

são mudanças significativas, representam, certamente, a mostra de que o “território

do latifúndio” vem sendo, aos poucos, substituído pela territorialização dos

assentamentos rurais.

É claro que não podemos desconhecer a complexidade do processo, que

envolve interesses político-institucionais pela desapropriação de terras, má

localização destas, superfaturamentos, dentre outros fatores. Porém, devemos

entender que a política de desapropriação da terra para a Reforma Agrária é

resultado da pressão popular, organizada e atribuída aos diversos setores de

atuação dos movimentos sociais ligados a questões agrárias no país.

Dessa forma, o agora “território dos assentados” do Pe. Josimo I e II passa

por nova dinâmica de ocupação espacial, com características econômicas distintas

da antiga propriedade. São alterações na conformação do espaço, nas relações

sociais e no sistema produtivo, a fim de viabilizarem a implantação e a consolidação

do assentamento.

Quanto à organização territorial das estruturas existentes, e das que estão em

construção, de acordo com o Plano de Desenvolvimento do Assentamento4

(PDA/2008) e pesquisas de campo, destacamos as alterações apontadas a seguir.

As vias principais (eixões) e estradas vicinais foram abertas no ano de 2007

através de convênio firmado entre o INCRA e a Prefeitura Municipal de Nova

Rosalândia. Soma-se um total de 6,5 km de estradas, além da construção de pontes

de madeira e bueiros. Foram feitas aberturas de estradas em quase todo o

assentamento para facilitar o acesso e o deslocamento das famílias. As vias

principais são alimentadas por estradas vicinais, que dão acesso a cada um dos

lotes.

Atualmente, a casa sede da antiga fazenda (FOTO 1), que se encontra em

estado de deterioração e necessitando de reformas, é utilizada pelas 59 famílias do

Pe. Josimo II como espaço coletivo do assentamento. Nela são realizadas várias

atividades dentre assembléias, cursos, lazer, encontros e reuniões. A antiga sede

4 O Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) é um estudo coordenado pelo INCRA, que mostra a realidade do assentamento e serve como fonte de informação, a fim nortear ações do INCRA, Prefeituras, NATURATINS, RURALTINS e outras esferas do governo para implementação de políticas públicas na comunidade. Fonte: http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/142. Acesso em 18 mar. 2009.

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funciona, também, como alojamento para trabalhadores da empresa (Prestobem

Comércio de Materiais Elétricos / Paraíso-TO) responsável pela eletrificação do

assentamento. Nos arredores da casa existem estruturas que eram utilizadas como

depósito, paiol, chiqueiro e casa de vaqueiro.

FOTO 1 - Sede da antiga fazenda

Fonte: Pesquisa de campo.

O espaço que era utilizado como curral está em bom estado de conservação

e é uma estrutura coletiva do assentamento, onde são realizadas práticas de manejo

do gado existente. Está localizado próximo à casa sede da antiga fazenda.

Um poço artesiano foi construído por meio de recursos do INCRA. Localiza-se

na área coletiva do assentamento, onde foi também instalada uma caixa d´água.

Ambos se encontram desativados devido à falta de eletrificação rural, que se

encontra em fase de implantação, em cumprimento ao programa federal Luz para

Todos5.

A construção de habitações, que está sendo realizada com recursos do

5 Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos. Foi

iniciado em 2004 pelo Governo Federal, coordenado pelo Ministério das Minas e Energia, objetivando levar energia elétrica para a população do meio rural, a fim de que as comunidades a utilizem como vetor de desenvolvimento social e econômico. Fonte: http://www.mme.gov.br. Acesso em 18 mar. de 2009

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INCRA e também do Crédito Habitação, intenciona atender à totalidade das famílias

assentadas. Através do apoio das Prefeituras de Nova Rosalândia e de Oliveira de

Fátima, foi construído um campo de futebol que, até o momento, é um dos únicos

espaços internos de lazer para as famílias assentadas.

Os estudantes do assentamento são levados por transporte escolar para o

município de Nova Rosalândia. A prefeitura dessa cidade disponibiliza 02 vans (com

16 assentos cada) e 01 ônibus (45 assentos) para esse transporte.

O deslocamento dessas famílias, do assentamento até os municípios

vizinhos, é feito principalmente através de animais, bicicletas, motos e poucos

veículos particulares. Na maioria das vezes, é realizado através de caronas cedidas

pelo transporte escolar.

Muitas das estruturas básicas de um local de habitação ainda não existem.

Escolas, posto de saúde, energia elétrica, barracão da associação, igrejas, praças,

mercadinho, açougue, tudo tem sido planejado para implementação pelas famílias

assentadas.

Outra dinâmica implementada pelo “território dos assentados” é a da

organização social, assunto do próximo item.

4.2.2. Poder Local, Participação Política e Políticas Públicas

Atualmente, existem 161 famílias no assentamento em questão, sendo 102 no

Pe. Josimo I e 59 no Pe. Josimo II. Muitas dessas famílias participaram da luta

desde o início do acampamento (83,2%), permanecendo nele durante os, cerca de,

23 meses de sua duração; outras se juntaram ao grupo no momento anterior à

transferência para a terra desapropriada para instalação do assentamento. (16,8%).

(GRÁFICO 1).

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GRAFICO 1 - Formas de aquisição do lote

16,8%

0%

83,2%

0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%

Outros

Comprado

Acampado

Acampado

Comprado

Outros

Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.

A população do assentamento Pe. Josimo I e II é, segundo dados do

PDA/2008, de 497 pessoas. As crianças de 0 a 10 anos correspondem a 22,13% do

total da população; os adolescentes de 11 a 15 anos somam 13,85%; os jovens de

16 a 24 anos representam 22,54%; a população de 25 a 60 anos constitui 39,04% e

as pessoas acima de 60 anos, 03,22 %. (TABELA 5).

TABELA 5 - Distribuição da população do assentamento por faixa etária e gênero

Gênero Faixa Etária

Feminino Masculino Sub - Total (%)

Até 6 34 32 66 13,28 7 a 10 26 18 44 8,85 11 a 15 35 30 65 13,08 16 a 18 20 28 48 9,66 19 a 24 27 37 64 12,88 25 a 40 53 53 106 21,33 40 a 60 43 45 88 17,71

>60 5 11 16 3,22 Sub Total 243 254 497 100,0

TOTAL 497

Fonte: PDA, 2008. Adaptado pela autora.

Ainda de acordo com o levantamento realizado na elaboração do PDA/2008,

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constatou-se que - quanto à relação de gênero - 51,1% da população do

assentamento corresponde ao sexo masculino, num total de 254 pessoas; e 49,9%

dos moradores representam o feminino, somando 243 pessoas.

Quanto à origem das famílias assentadas, há uma variedade de cidades de

Tocantins e de outros estados. Identificou-se que 37% das famílias são do próprio

estado do Tocantins, de cidades próximas: Nova Rosalândia, Porto Nacional e

Palmas, e de cidades mais distantes como Araguaína e Miranorte. Há, ainda, 36%

da população oriunda do Maranhão, 09% do estado de Goiás, 07% do Ceará. Pará,

Bahia e Rio Grande do Norte representam 01% cada. Minas Gerais e Piauí somam

02% e 06% respectivamente. Essa distribuição pode ser observada no GRÁFICO 2:

GRÁFICO 2 - Estados de origem das famílias assentadas

37%

36%

9%

7%

6%

2%1% 1%

1%

Tocantins

Maranhão

Goiás

Ceará

Piauí

Minas Gerais

Bahia

Pará

Rio Grande do Norte

Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.

Antes de ir para o assentamento, os homens exerciam, principalmente, as

atividades de lavrador e pedreiro. As mulheres, na sua maioria, trabalhavam como

agricultoras e costureiras; em menor número, elas exerciam atividades como

merendeira, serviços gerais e professora (PDA/2008).

Em se tratando da documentação pessoal das famílias assentadas, foi

possível identificar (PDA/2008) que, das 497 pessoas residentes no Assentamento

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Pe. Josimo I e II, 96,4% possuem Certidão de Nascimento; 65% apresentam

Carteira de Identidade; 60,2% têm CPF e 57,9% possuem Título Eleitoral. É o que

pode ser observado na TABELA 6, a seguir:

TABELA 6 – Documentação por faixa etária

Documentação

CN RG CPF Titulo de Eleitor

Geral Faixa Etária

Quant. (%) Quant. (%) Quant. (%) Quant. (%) Até 06 58 87,9 1 1,5 - - - - 66 7 a 10 44 100,0 2 4,5 - - - - 44 11 a 15 63 96,9 17 26,2 8 12,3 - - 65 15 a 18 47 97,9 41 85,4 35 72,9 30 62,5 48 19 a 24 63 98,4 59 92,2 56 87,5 59 92,2 64 25 a 40 104 98,1 103 97,2 100 94,3 100 94,3 106 40 a 60 84 95,5 84 95,5 84 95,5 83 94,3 88

Mais de 60 16 100,0 16 100,0 16 100,0 16 100,0 16 TOTAL 497 96,4 323 65,0 299 60,2 288 57,9 497

Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.

Cabe, ainda, apresentar a organicidade do assentamento. Este é organizado

internamente através de 11 núcleos de famílias, sendo que todas essas famílias

pertencem ao MST e acompanham sua organização política. A Coordenação

Política do assentamento é composta, atualmente, por 22 coordenadores. A eles

cabe organizar, discutir, debater, analisar, estudar, conduzir e encaminhar as

demandas no que diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos do

assentamento.

Ainda no Pe. Josimo I, existe a Associação Firmino Prudêncio, que representa

juridicamente todas as 161 famílias assentadas. A associação, que indica outra

forma de organização no assentamento, tem o papel de atender às demandas de

ordem jurídica e burocrática junto ao INCRA e a outros órgãos públicos e privados,

relacionados a convênios, projetos e outras ações de interesse das famílias

assentadas.

Também na parcela denominada Pe. Josimo II há a organização das famílias

através de uma associação, a Associação Manoel Tadeu.

Além da implantação dessas associações, a organicidade adotada pelo MST,

presente no Pe. Josimo I e II, apresenta: os núcleos de famílias; setores como

educação, saúde e produção; além da coordenação política do assentamento, a fim

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de estabelecer políticas internas e externas ao lugar.

Com o intuito de identificar e entender a dinâmica organizativa do

assentamento, a partir das relações internas e externas com outros atores sociais

envolvidos direta e indiretamente com o universo do assentamento, utilizamos dados

do PDA/2008, confirmados pela pesquisa de campo. Através deles, foi possível

reconhecer os atores (entidades ou agentes) externos e internos que possuem

relação direta ou indireta com o assentamento.

Vejamo-los por ordem de importância. Tanto a Associação Firmino Prudêncio

quanto a Associação Manoel Tadeu são relevantes por representarem os interesses

dos assentados. No entanto, a primeira se destaca por representar juridicamente

todas as famílias assentadas. É através dela que se buscam projetos e benefícios

para o assentamento. Com o pagamento de mensalidades, ela acumula recursos

financeiros para realizar algumas demandas coletivas como viagens e atividades do

movimento.

O MST, por sua vez, contribuiu desde o período de organização do

acampamento até a consolidação do assentamento. Auxiliou no desenvolvimento

pessoal das famílias assentadas através dos espaços de luta e de formação, de

viagens, ocupações, cursos de formação, encontros. Possibilitou, a todos que

participam do movimento de forma geral, um grande aprendizado coletivo em

diversas áreas do conhecimento.

Os núcleos de base, no assentamento, têm como uma de suas referências

organizativas os núcleos de família. Estes promovem melhor funcionamento das

reuniões, debates coletivos e até mesmo estudos para as coordenações de núcleos

e a coordenação da Associação Firmino Prudêncio.

Já as Igrejas Católica e Evangélica, ou outras formas religiosas, não

acompanham diretamente as famílias, mas têm se organizado para funcionamento

permanente no assentamento.

A Associação Estadual de Cooperação Agrícola (AESCA) também contribuiu

com o assentamento, principalmente no auxílio da criação da Associação Firmino

Prudêncio. A AESCA apresenta um trabalho qualificado. No entanto, existe, por

parte dos assentados, alguma resistência quanto à falta de responsabilidade e

pontualidade da associação na realização das atividades das quais foi incumbida. A

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elaboração do PDA/2008, por exemplo, é uma dessas atividades.

A Prefeitura Municipal de Nova Rosalândia tem auxiliado as famílias,

principalmente no que diz respeito ao transporte das pessoas do assentamento.

Essa prefeitura, como já mencionamos, ajuda no transporte dos alunos, além de

disponibilizar transporte geral em dia determinado. Auxiliou também na construção

das estradas. No entanto, as famílias assentadas apontam que ela deveria ser mais

ágil quanto aos programas assistenciais. A Secretaria de Educação dessa cidade

tem uma boa relação com as famílias do assentamento. Isso porque o transporte

escolar, apresentando um bom planejamento semanal, corresponde às expectativas

das famílias e dos alunos.

Também a Prefeitura Municipal de Oliveira de Fátima; entretanto, não está

ligada diretamente ao assentamento. Sua Secretaria de Educação se relaciona

positivamente com as famílias assentadas. Todavia, o transporte escolar não

corresponde às expectativas dos alunos. A má conservação dos veículos ocasionou

a perda de aulas para muitas crianças que estudam no município.

Por sua vez, a Secretaria de Saúde de Nova Rosalândia disponibiliza o

serviço de agentes de saúde no interior do assentamento. Esses agentes moram

junto aos assentados, criando um elo dos moradores com o sistema de saúde do

município de Nova Rosalândia. Entretanto, tal prefeitura não auxilia no transporte

para realizar o acompanhamento médico das famílias nem realiza consultas e

diagnósticos no assentamento periodicamente. Então, as 161 famílias contam

apenas com a assistência de dois agentes de saúde. A fim de serem atendidas na

cidade vizinha, elas precisam realizar deslocamento próprio.

Em relação ao INCRA, segundo os assentados, é constante a necessidade de

cobranças por parte da associação para que suas reivindicações e demandas sejam

atendidas. Inclusive para a solicitação da presença de técnicos para o atendimento

dessas demandas e a solução de questões.

Quanto ao Conselho Tutelar, ainda segundo os assentados, não tem atuação

diretamente no local. Quando solicitado, porém, tem agido de acordo com as

reivindicações do assentamento.

O Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS), embora haja uma grande

necessidade de sua proximidade com o assentamento, não tem desenvolvido

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trabalhos de benefícios para as famílias assentadas. Há muitas dúvidas por parte

delas quanto às áreas de reserva legal dos rios, que é uma preservação

permanente, e o manejo dentro das unidades de produção.

O comércio existente na região não tem influência permanente no

assentamento, mas de forma alternada, na época de extrativismo do cerrado. As

famílias assentadas têm uma pequena renda familiar no período de recolher os

frutos de extrativismo, entregando-os direto ao atravessador. Elas contam, ainda,

com o auxílio do Crédito Fomento, que se destina à compra de alimentos e insumos.

As relações mais próximas com os comerciantes da região são para compra

de alimentos. Nesses momentos, os comerciantes têm oferecido crédito aos

assentados, possibilitando-lhes alimentação. Há, portanto, a construção de uma

relação de confiança para com as famílias do assentamento.

Quanto à filiação a partidos políticos, averiguamos que, dos 38

representantes de famílias entrevistados (23,6% das famílias residentes no

assentamento), 23 não são filiados a partidos políticos, 15 são filiados a partidos -

são eles PFL, PV e PT. Nenhum dos entrevistados vota em Cristalândia. Eles têm

seus títulos nos domicílios eleitorais de Nova Rosalândia (16 entrevistados), Oliveira

de Fátima (08 entrevistados) e Porto Nacional (06 entrevistados).

Tais dados deixam clara a fraca identificação política dos assentados com o

município de Cristalândia, diferente do que é observado em relação a Nova

Rosalândia. Vale ressaltar, ainda, a força da aliança dos moradores do Pe. Josimo I

com o MST, o que não foi verificado entre os entrevistados do Pe. Josimo II.

Segundo a coordenação geral de Pe. Josimo I e II, as relações do

assentamento com os governos municipais, estadual e federal e com os órgãos com

ligação direta ao assentamento, como o INCRA e o NATURATINS são marcadas por

constante negociação e cobrança.

Esse parecer caracteriza bem as relações dos movimentos socioterritoriais

envolvidos na luta pela terra com o poderes públicos; são relações marcadas por

constantes reivindicações por melhores infra-estrutura e melhores programas para o

desenvolvimento das famílias assentadas.

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4.3. MUDANÇAS SOCIAIS COMO RESULTADO DA

IMPLANTAÇÃO/CONSOLIDAÇÃO DO ASSENTAMENTO

4.3.1. Educação

Após a instalação dos assentamentos, a educação se constitui como uma

importante demanda e também como foco para a análise dos impactos

socioterritoriais. Internamente, ela causa impacto na vida dos assentados, já que é

ferramenta essencial para a ressocialização das famílias; é, também, um meio de

conscientização e de ação coletiva. Externamente, a educação apresenta impacto

junto aos poderes públicos, tanto municipal quanto estadual, ao atenderem essa

demanda.

Nos assentamentos ligados ao MST, como é o caso do Pe. Josimo I e II, além

da preocupação a respeito da luta pela terra e da Reforma Agrária, há também uma

preocupação quanto à educação voltada para os moradores do campo. Assim, não

apenas se busca a implantação de escolas públicas nos assentamentos, mas

também o acesso a escolas que sejam construídas e preparadas para atender à

realidade desses moradores.

No entanto, sabemos que a realidade da educação brasileira, incluindo a

educação no campo, apresenta um hiato entre seus projetos e a prática vivenciada.

E isso fica marcante quando salientamos a importância de uma educação no campo

que seja específica e diferenciada, voltada para a formação humana, emancipadora,

criativa e coerente com a identidade do camponês. Tarefa essa dificultada, entre

outros fatores, pelo fato de as ações concretas, voltadas à educação, serem

desenvolvidas e pensadas tendo a cidade como referencial. Elas não incorporam a

visão dos que vivem no campo, havendo ausência de uma análise mais rigorosa do

que seja essa realidade.

Consta, nas diretrizes do MST, uma grande preocupação relacionada a uma

educação voltada para a problemática atual do campo como acesso e permanência

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em escolas de qualidade, em todas as áreas de acampamentos e assentamentos.

Como se encontra em fase de implantação, o Pe. Josimo I e II ainda não

possui escolas nas modalidades de educação regular. É, portanto, assistido,

principalmente, pelos municípios de Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima. No

entanto, já funciona no assentamento uma turma de alfabetização na Modalidade

EJA (Educação de Jovens e Adultos) através do programa federal “Saberes da

Terra”6.

A fim de estudar os impactos referentes à educação, procuramos relacionar,

conforme apresentamos anteriormente, os impactos internos e externos ao

assentamento. Para isso, os indicadores eleitos para a análise foram: grau de

escolaridade, qualidade do ensino, práticas educativas e adequações para atender

aos alunos.

No Pe. Josimo I e II, segundo dados do PDA/2008 (TABELA 7), existem 66

crianças com idade até 06 anos, das quais apenas 26 estudam. Há 109 crianças e

adolescentes na faixa de 07 a 15 anos que estão estudando; apenas 01, nessa

idade, não freqüenta a escola. Com idade entre 16 a 18 anos, existem 48 jovens,

dos quais 32 estão estudando e 14 não estudam. Já na faixa etária de 19 a 24, há

64 pessoas, sendo que apenas 22 delas estudam. De 25 a 40 anos, somam 106

pessoas: apenas 18 estudam, as demais 88 não freqüentam escola. Das 88 pessoas

cuja idade se encontra entre 40 e 60 anos, 10 estudam e 77 não. Acima de 60 anos,

há 16 pessoas, das quais somente duas estudam.

6 O programa Saberes da Terra para Jovens e Adultos do Campo foi lançado com o objetivo de

oferecer formação equivalente ao ensino fundamental com qualificação profissional a jovens e adultos

agricultores que estejam fora da escola. Fonte:

portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9531&catid=222. Acesso em: 26

abr. 2009.

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TABELA 7 - Distribuição da população com relação aos estudos Estuda Não estuda Não responderam Geral

Faixa Etária Quant. % Quant. % Quant. % %

Até 6 26 39,4 35 53,0 5 7,6 66 7 a 10 44 100,0 44 11 a 15 64 98,5 1 1,5 65 16 a 18 32 66,7 14 29,2 2 4,2 48 19 a 24 22 34,4 42 65,6 64 25 a 40 18 17,0 88 83,0 106 40 a 60 10 11,4 77 87,5 1 1,1 88

>60 2 12,5 14 87,5 16 Sub Total 218 43,9 271 54,5 8 1,6 497

TOTAL 497

FONTE: PDA (2008). Adaptado pela autora.

De acordo com a tabela anterior, podemos constatar que 271 pessoas do

assentamento não estudam e/ou não freqüentam a escola, correspondendo a 54,5%

do total da população. 218 pessoas freqüentam a escola, correspondendo a 43,9%

do total da população do assentamento. Esta última parcela da população está

matriculada, em sua maioria, nos municípios de Nova Rosalândia e Oliveira de

Fátima e, em menor número, em Cristalândia.

Quanto à distribuição dos estudantes entre as escolas dessas cidades,

segundo dados fornecidos pela Secretaria de Educação da prefeitura de Nova

Rosalândia, há um total de 88 alunos matriculados distribuídos entre as escolas:

Escola Municipal Abrão José Melo (15 alunos), Escola Estadual Regina Siqueira

Campos (22) e a Escola Estadual Vereador Pedro Xavier Teixeira (51). As

secretarias de educação dos municípios de Cristalândia e Oliveira de Fátima

informaram não haver levantamento do número de alunos em suas escolas que

sejam oriundos do assentamento.

Os alunos que freqüentam as escolas em Nova Rosalândia estão

matriculados, em sua maioria, no Ensino Fundamental II (6º. ao 9º. ano). Os demais,

distribuídos entre o Ensino Médio e o EJA. Já em Oliveira de Fátima a maioria está

matriculada no Ensino Fundamental I e, em Cristalândia, no Ensino Fundamental I e

II.

Buscando aprofundar o entendimento sobre os dados a respeito da opção

feita pelos assentados, ao procurar estudo para seus filhos nessas cidades,

observamos que a maioria das famílias se sente mais à vontade em buscar o

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atendimento para suas necessidades sociais básicas - educação, saúde e bens de

consumo - no município de Nova Rosalândia. Os assentados alegam ser uma

relação que se iniciou desde a fase do acampamento na rodovia Belém-Brasília,

próximo a essa cidade. Relação tal que tem sido correspondida pelo governo de

Nova Rosalândia ao atender algumas das demandas do assentamento como a

construção de estradas - em parceria com o INCRA - e a disponibilização de

transporte escolar. A disponibilidade diária desse transporte, que também é usado

pelas famílias para sair e entrar do/no assentamento, é outro fator que facilita e

incentiva as relações dos assentados com o município mencionado.

É também a proximidade do antigo acampamento com Oliveira de Fátima que

faz com que haja convergência de algumas famílias para esse município. Há entre

os assentados e esse município os mesmos contatos que existem em relação a

Nova Rosalândia, porém, com menos intensidade.

Em entrevista, os Secretários de Educação de Nova Rosalândia e Oliveira de

Fátima, (Marcos Antônio Barbosa Faria e Margarete Fernandes Gama,

respectivamente) afirmaram que não foram feitas grandes alterações ou adaptações

nas escolas para atender aos alunos provenientes do assentamento Pe. Josimo I e

II. Reconheceram que algumas turmas ficam com um pouco mais de alunos do que

o planejado; fato que, entretanto, não tem prejudicado significativamente as

atividades pedagógicas das escolas. Elas destacaram, ainda, que todos, sem

distinção, recebem material e merenda escolar.

A Secretária de Educação de Nova Rosalândia afirmou que, como medida

para melhor receber esses alunos, foi feita a compra de mais carteiras para a Escola

Municipal Abrão José de Melo. Já na Escola Estadual Regina Siqueira Campos,

para satisfazer a demanda, uma turma nova foi aberta exclusivamente para os

alunos do assentamento.

As duas afirmaram, também, que, quanto ao conteúdo das aulas, não são

feitas adequações à realidade dos alunos do campo - tanto da zona rural quanto do

assentamento. Elas deixaram claro que – incluímos aqui também a Secretária de

Cristalândia - não são especificamente responsáveis por satisfazer as demandas

surgidas no assentamento.

A Secretária de Educação de Cristalândia (Maria Irani Almeida Gomes)

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afirmou não fazer nenhum levantamento de dados de alunos provenientes do

assentamento. Como a maioria dos alunos dele advindos é matriculada nos

municípios de Nova Rosalândia e de Oliveira de Fátima, fato que se dá pela

proximidade e pela facilidade de acesso das famílias a esses municípios, em

Cristalândia esses alunos aparecem em número bastante reduzido. Daí a falta de

preocupação, nessa cidade, em relação a dados relacionados a eles.

Os três Secretários entrevistados concordaram entre si ao apontar que o ideal

para o atendimento das necessidades voltadas à educação do assentamento seria a

construção de escolas em seu interior. Essa ação facilitaria o acesso dos alunos à

educação e aproveitaria o trabalho de assentados que possuem qualificação para o

ensino.

Os dados apresentados até aqui são indicativos importantes para

entendermos os impactos socioterritoriais do assentamento Pe. Josimo I e II. Tais

dados apontam, claramente, que a educação é considerada, pelos próprios

assentados, como principal elemento de ressocialização e de reconstrução da

identidade camponesa.

Fica evidente que as condições atuais para uma política educacional

específica ainda são muito precárias. No entanto, a própria instalação do

assentamento e agora seu processo de consolidação enfatizam uma importante e

nova demanda social para os municípios vizinhos e para o estado. A exemplo do

que vem acontecendo com outros assentamentos pelo país, as demandas surgidas

produzem, mesmo que ainda insatisfatoriamente, ações que viabilizam escolas para

esse público, preferencialmente, no interior do assentamento.

Isso significa que esta população, que estava à margem da sociedade, acaba

tendo a possibilidade de se ressocializar por meio de suas bandeiras de luta e de

reivindicações por políticas públicas voltadas para suas necessidades básicas. A

educação é, sem dúvida, um fator importante, de impacto substancial na vida dentro

e fora do assentamento, podendo ultrapassar a escala local.

Na área de maior abrangência do assentamento Pe. Josimo I e II, segundo

dados do IBGE/Censo Escolar 2007, existe a disponibilidade de 41 escolas públicas

– entre municipais e estaduais. No município de Cristalândia há 08 escolas, sendo

04 de Ensino Fundamental Estadual, 01 de Ensino Fundamental Municipal, 02 de

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Ensino Pré-escolar Municipal e 01 de Ensino Médio Estadual.

Em Nova Rosalândia, consta que o município também conta com 03 escolas.

Destas, 01 de Ensino Fundamental Estadual, 01 de Ensino Pré-escolar Municipal e

01 de Ensino Médio Estadual.

Já em Oliveira de Fátima existem 02 escolas: 01 de Ensino Fundamental e

Médio Estadual, e 01 de Ensino Fundamental Municipal.

Outros municípios que estão na área de abrangência do assentamento

também oferecem possibilidades de oferta de ensino. É o que está exposto,

juntamente com os dados das três cidades mencionadas, na TABELA 8, a seguir:

TABELA 8 - Número de estabelecimentos de ensino na região de influência do assentamento

Estabelecimentos de ensino quanto à estrutura administrativa Municípios

Estadual Municipal Privada Total Cristalândia 5 3 - 8 Nova Rosalândia 2 1 - 3 Lagoa da Confusão 7 7 1 15 Oliveira de Fátima 1 1 - 2

Fátima 3 3 - 6

Fonte: IBGE/Censo Escolar (2007). Adaptado pela autora.

As famílias contam, ainda, com a proximidade do assentamento com cidades

maiores. Paraíso do Tocantins, Porto Nacional, Gurupi e Palmas são os maiores

centros urbanos da região com capacidade e estrutura para oferecerem Ensino

Superior à população. Há instituições públicas de ensino como a Universidade

Federal do Tocantins (UFT), com campi principais nas cidades de Palmas e Porto

Nacional; a Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS), em Palmas; o Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF-TO), com campi universitários nas

cidades supracitadas.

Há, ainda, diversas instituições particulares: a Universidade Luterana do

Brasil (ULBRA) e a Universidade Católica do Tocantins (UCT), em Palmas; a

Fundação Universidade Regional de Gurupi (UNIRG), em Gurupi; a União

Educacional de Ensino Superior do Médio Tocantins (UNEST), em Paraíso do

Tocantins; o Instituto de Ensino Professor Antônio Carlos (ITEPAC), em Porto

Nacional; dentre outras.

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Entretanto, não é apenas a oferta de vagas que garante uma educação de

qualidade para esses alunos. Quando falamos em qualidade na educação

procuramos ir além da análise do acesso a materiais didáticos, a professores com

formação específica ou a uma infra-estrutura adequada. Estamos nos referindo à

adequação dos conteúdos à realidade dos assentados e às suas reais necessidades

de aprendizado para a vida e o trabalho no campo. Referimo-nos, também, à

preocupação que os professores venham a apresentar para compreender a luta, o

trabalho e a vida desses alunos, sejam eles crianças, jovens ou adultos. E é para

isso que faz parte da proposta do MST priorizar a formação de educadores que

valorizem a Reforma Agrária e a transformação social.

Quanto às ações relacionadas à educação, então, resumimos que os três

municípios oferecem, indiscriminadamente, transporte, merenda, alguns materiais

escolares, além de turma especial. Atende aos ensinos Fundamental I e II, Médio e

Educação de Jovens e Adultos (EJA). No entanto, não se assumem como

responsáveis por atender às demandas na educação dos assentados. Afirmam, sim,

estarem cumprindo ações assistenciais quando contribuem com atitudes referentes

à educação e à saúde, por exemplo.

Com base no exposto, podemos afirmar que a política de assentamentos

rurais implantada pelo Estado tem forte caráter assistencialista, interessada em

resolver apenas conflitos locais. Observamos isso em relação ao assentamento Pe.

Josimo I e II, mas é uma constatação que pode ser expandida para a escala regional

e nacional. Isso porque os governos - federal, estadual e municipal - não têm

considerado a Reforma Agrária como fundamental para o projeto de

desenvolvimento regional, permanecendo, então, a lógica do apaziguamento de

conflitos pontuais.

Percebemos, ainda, que essa política gera impacto para o poder público

municipal, visto que a demanda por serviços básicos sociais recaem primeiramente

sobre sua administração. O Estado não cria, em quantidade e tempo adequados,

recursos financeiros para que as necessidades de infra-estrutura sejam resolvidas

satisfatoriamente à medida que surgem.

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4.3.2. Transporte

Em visita ao assentamento, é possível notar o início de uma estruturação

viária. Em 2007, através de convênio firmado entre o INCRA e a Prefeitura Municipal

de Nova Rosalândia, foi aberto um total de 6,5 km de estradas, entre vias principais

(eixões) e estradas vicinais. Os eixões são alimentados pelas estradas vicinais, que

dão acesso a cada um dos lotes. As estradas são amplas, cascalhadas, mas, em

decorrência do desgaste natural, principalmente com as chuvas, apresentam pontos

com profundas erosões.

O indicador transporte está diretamente ligado ao indicador educação, pois o

único transporte regular disponível para os assentados é, justamente, o escolar.

Essa é uma grande dificuldade enfrentada pelos assentados para seu deslocamento

interno e para o acesso às cidades vizinhas. Eles costumam utilizar alguns meios

próprios de transporte como bicicletas e motos, em sua maioria, e alguns poucos

automóveis.

Das 13 famílias entrevistas, na parcela do assentamento Pe. Josimo II, 05

possuem moto como meio de transporte para a família. Entretanto, todas as 13

famílias se utilizam do transporte escolar, a fim de terem acesso a Nova Rosalândia

- não só para freqüentarem a escola, mas também para consultas médicas,

compras, dentre outras necessidades.

De modo geral, os assentados se utilizam do próprio transporte escolar, nos

horários em que estes estão servindo aos estudantes. Isso acarreta uma

superlotação do transporte (FOTO 2), aumentando o desconforto e os riscos para os

usuários. Existe, por parte da Prefeitura de Nova Rosalândia, pela iniciativa da

Secretária de Assistência Social, (Claudinéia Melo) a disponibilização de um horário

alternativo do transporte escolar, às terças-feiras, a fim de atender à população que

tenha outros interesses na cidade, que não sejam os voltados para a educação.

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FOTO 2 - Alta ocupação do transporte escolar

Fonte: pesquisa de campo.

O mal estado de conservação do ônibus é uma reclamação freqüente por

parte dos estudantes e das famílias. Além dos defeitos, que às vezes acarretam o

atraso ou o não-comparecimento dos alunos às escolas, há também a falta de vidros

em algumas janelas e de estofamento em alguns bancos (FOTO 3), o que

potencializa riscos para os alunos.

FOTO 3 – Interior do transporte escolar em condições precárias

Fonte: Pesquisa de campo.

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O transporte escolar oferecido pela Prefeitura de Nova Rosalândia é realizado

através de 01 ônibus e de 02 vans (FOTO 4). Estas últimas cobrem alguns pontos

determinados dentro do assentamento, recolhendo os estudantes e levando-os até

os pontos em que têm acesso ao ônibus destinado à cidade em questão.

FOTO 4 – Van que transporta os estudantes

Fonte: Pesquisa de campo.

As famílias assentadas, além de não contarem com o transporte regular de

passageiros, não são atendidas com transporte médico regular, nem com veículo

destinado ao transporte dos produtos cultivados pelos assentados. O transporte de

produção ainda está em fase de planejamento, pois a produção agropecuária das

famílias é destinada, principalmente, à subsistência. Há, portanto, uma quantidade

reduzida de mercadorias para a comercialização.

É importante frisar que os demais municípios próximos ao assentamento –

Cristalândia e Oliveira de Fátima – não disponibilizam transportes regulares para

essa comunidade. Vale também destacar que a comunicação do assentamento com

as cidades vizinhas é dificultada pela inexistência de telefones públicos e pelo

péssimo funcionamento de celulares em seu interior, que só funcionam em pontos

escassos e esparsos – o que dificulta, inclusive, a solicitação de transportes em

casos de emergência.

A implantação de todas essas modalidades de transporte exige, além de

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planos de atendimento diferenciados, a criação de estruturas básicas como, por

exemplo, a construção de abrigos nos pontos dos ônibus.

A fim de solucionar ou mesmo minimizar as carências na questão do

transporte, faz-se necessária uma ação conjunta envolvendo diferentes atores -

associações dos assentados, assistência técnica, assentados, coordenação do

assentamento, setores de produção, educação, saúde, secretarias municipais,

INCRA, dentre outros.

A resposta a essas necessidades do assentamento voltadas ao transporte

pode forçar a criação e/ou a ampliação dos serviços de transporte nas cidades de

sua área de abrangência, principalmente em Cristalândia, Nova Rosalândia e

Oliveira de Fátima. A satisfação das demandas dos assentados chama a atenção da

população dos municípios e leva a questionamentos e solicitações dessa população

para o atendimento de suas próprias necessidades. Pelos benefícios que podem ser

alcançados, tal atitude representa, portanto, um importante impacto, tanto para

população interna quanto para a externa ao assentamento. Também um impacto

acontecerá para o setor público ao buscar atender a essas novas demandas.

4.3.3. Saúde

Quando falamos em saúde, queremos nos referir não só à ausência de

doenças, mas, também, à qualidade de vida de modo geral. Vemos a saúde como

uma questão ampla à qual incluímos o acesso ao transporte, à alimentação

adequada, à habitação, ao lazer, ao saneamento e a boas condições de trabalho

das famílias assentadas.

Em entrevista com o Secretário de Saúde de Cristalândia, (Regina Souza),

foi-nos informado que a população proveniente do assentamento Pe. Josimo I e II

realiza a maioria de seus atendimentos médicos e odontológicos nesse município,

através do Programa de Saúde da Família (PSF).

No entanto, esse dado foi contrariado pelas informações recolhidas das

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entrevistas realizadas com famílias assentadas. Segundo elas, há uma prioridade

dos assentados por serem atendidos nas unidades locais dos municípios de Nova

Rosalândia e Oliveira de Fátima, que também atendem à população pelo PSF,

programa vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesses municípios, o

atendimento é de melhor qualidade, não só quanto às especialidades médicas, mas

também quanto ao relacionamento interpessoal.

Os moradores do assentamento afirmam, ainda, que, quando essas unidades

não apresentam capacidade para o atendimento da população com serviços como

cirurgia, maternidade e Unidade de Terapia Intensiva (UTI), os pacientes são, em

sua maioria, encaminhados ao Hospital Regional de Paraíso do Tocantins.

As Secretárias de Saúde de Cristalândia, de Nova Rosalândia e de Oliveira

de Fátima afirmaram que as famílias do assentamento não estão cadastradas pelo

SUS em seus municípios. Portanto, as prefeituras não recebem verbas do governo

referente a essas pessoas, não havendo, então, ajuda de custo para pagamento de

profissionais relacionados à saúde - médicos, enfermeiros, dentistas, auxiliares de

enfermagem e agentes.

Desse modo, nas unidades que fazem atendimentos mais intensificados às

famílias assentadas, como as de Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima, existe

dificuldade na administração das verbas para gastos com remédios, transporte de

pacientes e transporte da equipe médica. Isso nos faz perceber que a demanda que

o assentamento Pe. Josimo I e II criou com sua instalação, também propicia conflito

entre o Estado e os municípios, já que parte significativa dessas despesas recai

sobre as prefeituras.

Na prática, não há atendimento médico dentro do assentamento. O único

serviço de saúde realizado em seu interior é o acompanhamento feito por dois

agentes de saúde, que atendem as famílias através do PSF. Ambos os agentes, que

são moradores do próprio assentamento, estão a serviço da Secretaria de Saúde de

Nova Rosalândia.

O trabalho dos agentes de saúde no Pe. Josimo I e II consiste em identificar

as doenças e orientar os pacientes para que procurem tratamento médico nas

unidades de saúde externas ao assentamento. Outras atribuições desses agentes

são: agendamento de consultas, entrega de medicamentos, verificação do peso das

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crianças e acompanhamento de pessoas com problemas de hipertensão, que na

maioria dos casos são idosos.

Segundo as famílias entrevistadas, o atendimento dos agentes de saúde é

prejudicado pelas condições de trabalho oferecidas pela Prefeitura de Nova

Rosalândia. Além de o número de agentes ser ínfimo para atender ao grande

número de famílias, falta-lhes transporte para as visitas, que, geralmente são

realizadas de bicicleta ou até mesmo a pé. Inclusive, um dos agentes de saúde, em

entrevista, afirmou que uma das maiores dificuldades no atendimento às famílias no

assentamento é a grande distância entre os lotes e a inexistência de transporte

próprio para esse fim.

As famílias afirmaram que as causas que mais os levam aos consultórios

médicos são febre, dor de cabeça, gripe, tontura, verminose, sarna e diarréia

(PDA/2008).

Outro fator importante relacionado à saúde das famílias diz respeito ao

abastecimento de água. No Pe. Josimo I e II, os assentados utilizam água

proveniente dos poços artesianos localizados ao lado de suas casas. Não há, ainda,

o oferecimento de água encanada, já que a eletrificação do assentamento ainda está

em processo de instalação. Em termos de tratamento da água não existe controle,

nem mesmo é feita a adição de cloro ou realizada análise de impurezas.

A questão da saúde nos assentamentos, então, está estreitamente ligada aos

impactos socioterritoriais. Esse indicativo social representa mudanças internas no

processo de ressocialização vivido pelas famílias, que, antes do assentamento,

muitas vezes não participavam, nem mesmo de forma precária, de qualquer tipo de

programa de saúde pública. Por outro lado, há o impacto gerado pelo aumento de

demanda por serviços de saúde na região do assentamento. A soma de todas essas

implicações gera, mais uma vez, conflitos políticos entre os poderes públicos

municipais e o estadual. Também a política do Governo Federal para atender aos

assentamentos é insuficiente, não oferecendo condições satisfatórias de

atendimento médico às famílias assentadas.

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4.3.4. Cultura e Lazer

A cultura constitui outro indicador importante para o entendimento dos

impactos socioterritoriais. Sua construção nos assentamentos está ligada, de modo

direto, ao processo de ressocialização desses sujeitos sociais. E ainda,

o modo como são expressos os valores culturais depende dos indivíduos e dos lugares, ou seja, cada grupo manifesta sua utopia, tem seu jeito próprio de expressar. Portanto, a cultura permite a comunicação humana e a própria educação por meio das linguagens, dos costumes, das tradições, das artes, dos rituais, das religiosidades, dos saberes, dos comportamentos, das normas, enfim do jeito de se relacionar com as outras pessoas do cotidiano. (RAMALHO, 2002, p. 106).

Os assentamentos, nesse sentido, costumam ser espaços para uma

infinidade de expressões culturais, mas também para choques de interesses. O Pe.

Josimo I e II é composto por famílias oriundas de diversas cidades do estado, mas

recebe também pessoas advindas de outras regiões: Maranhão, Goiás, Ceará, Pará,

Bahia, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Piauí, o que favorece o diálogo entre

diferentes expressões e interesses culturais.

Verificou-se, por meio da pesquisa de campo, que há uma tendência de

distanciamento das famílias, no momento de transição da participação coletiva do

acampamento para a ocupação individual e definitiva das glebas no assentamento.

Além disso, percebemos que as formas de lazer são mínimas. Das 13 famílias

entrevistadas no Pe. Josimo II, 10 afirmaram que não há boas condições de lazer no

assentamento. Apontaram apenas a cachoeira do Rio Urubu, situada em terras do

assentamento, e as partidas de futebol, na sede da antiga fazenda, como formas de

divertimento para as famílias.

A cachoeira mencionada, localizada em área de preservação permanente

(FOTO 5), acaba funcionando como atração turística para a população externa ao

assentamento. O fluxo de pessoas nos finais de semana e feriados é grande, sendo

maior por parte da população de cidades vizinhas ao assentamento do que por parte

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das famílias assentadas. Já o campo de futebol costuma atrair, principalmente, o

público jovem do assentamento.

FOTO 5 – Cachoeira localizada no assentamento

Fonte: PDA (2008). Reproduzido pela autora

Quanto às atividades religiosas dessas famílias, das 13 entrevistadas (Pe.

Josimo II), 06 afirmaram freqüentar alguma prática religiosa. Raramente as famílias

se deslocam para as cidades vizinhas, a fim de participar de tais práticas. Por não

existirem igrejas ou outros espaços de encontros religiosos ecumênicos dentro do

assentamento, as famílias, freqüentemente, organizam reuniões em suas

residências para momentos religiosos e para a prática de leitura da Bíblia.

Nesse contexto, é visível a necessidade de criação de alternativas de lazer no

interior do assentamento como a construção de centro comunitário, de campo de

futebol, salão de festas e outros espaços para atividades lúdicas e de expressão

religiosa.

A questão que envolve lazer e cultura é fator importante para a permanência,

principalmente dos jovens, no campo. A atuação do Estado nesse setor é essencial,

à medida que proporcione infra-estrutura para que os assentamentos prosperem.

Importante, também, ressaltar que “as ações, representações e expressões criadas

e recriadas pelos assentados a partir da vivência cotidiana nos demonstram uma

dimensão importante dos impactos socioterritoriais resultantes da instalação e

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consolidação dos assentamentos. Essa dimensão dos impactos também passa pela

subjetividade coletiva dos assentados” (RAMALHO, 2002, p. 107).

Frente ao exposto, pudemos perceber que cultura e lazer formam outro

indicador importante para o entendimento dos impactos socioterritoriais. Sua

rearticulação, possibilitando novas formas de sociabilidade e de novas relações

identitárias no assentamento, como o que acontece no caso do Pe. Josimo I e II,

está diretamente vinculada ao processo de ressocialização desses atores sociais,

fixado no processo de reterritorialização dos mesmos.

4.3.5. Moradia

No planejamento de um assentamento, para a definição das formas e

modelos de parcelamento de sua área, são considerados os aspectos produtivos e o

uso dos recursos naturais existentes. O planejamento do espaço agrícola nos

assentamentos se encontra relacionado à formação da unidade produtiva. Existem

diferentes formas de exploração da terra, tanto coletivas quanto individuais. No caso

brasileiro, o Estatuto da Terra estabelece duas formas para as unidades produtivas

de terras desapropriadas: a propriedade familiar, conhecida como lote individual, e a

associação de agricultores em cooperativas ou grupos coletivos.

O parcelamento do assentamento envolve o zoneamento e a delimitação de

uma reserva permanente, uma reserva legal e lotes. A área destinada aos lotes,

considerando-se o número de famílias e a medida do módulo rural, é definida com o

que sobra da parcela extraída para as reservas e que é aproveitável para a

agricultura e a pecuária.

A construção das moradias pode se configurar como agrovilas ou, conforme é

o caso do Pe. Josimo I e II, como lotes individuais. As casas são construídas em

lotes quadrados ou retangulares, este último constituindo o modelo adotado no

assentamento em estudo. Em relação à organização da moradia, as famílias que

optam por produzir em lotes familiares, optam, também, por morar no mesmo lote.

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No entanto, o sistema de localização das moradias não está diretamente ligado ao

modo de produção.

Em regiões onde há altas temperaturas ou mesmo carência de água,

independente do modelo produtivo, as famílias constroem suas casas de modo a

aproveitar as fontes de água corrente e também as áreas com possibilidade de

abertura de poços artesianos. Essa opção está bem clara na construção das

moradias do Pe. Josimo I e II, pois as famílias identificaram os pontos mais próximos

de água corrente e de disponibilidade de lençóis freáticos para a abertura de seus

poços.

O assentamento pôde contar com o Crédito Habitação, de R$ 7.000,00 para

cada família, para a construção das moradias. Construídas em alvenaria, com

cobertura de telhas e contrapiso, as casas seguem planta elaborada pelo INCRA e

são compostas por 05 cômodos: sala, cozinha, banheiro e 02 quartos (FOTO 6).

Elas ainda não contam com energia elétrica, em fase de finalização da instalação, e,

por isso, ainda não possuem água encanada - sem a energia não há como levar

água dos poços aos encanamentos. Não há sistema sanitário instalado, são usadas

fossas sépticas para recolher os dejetos sanitários.

FOTO 6 - Casa construída com recurso do crédito habitação

Fonte: PDA/2008. Reproduzido pela autora.

Após serem entregues às famílias, as atuais moradias, estruturalmente muito

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diferentes das anteriores, que eram construídas com madeira, palha de babaçu e

barro (FOTO 7), passarão para uma nova etapa, qual seja, a de acabamento. Para

tanto, será utilizado parte do “Crédito Habitação”.

FOTO 7 - Casa comum ao período de organização em agrovila

Fonte: Pesquisa de campo.

O crédito liberado pelo Governo Federal para a construção das casas é o

“crédito Habitação” (R$ 7.000,00), de cuja soma já está previsto o gasto de 15%

para o pagamento de mão-de-obra. Após pesquisa de preço, realizada pela

associação dos assentados, é decidida, em assembléia, a melhor opção para essa

construção.

No caso do assentamento Pe. Josimo I e II, houve discordância entre as duas

associações. A Associação Firmino Prudêncio, representante da parcela Pe. Josimo

I, optou por receber o material de construção e pagar a mão-de-obra com nota fiscal

avulsa a pedreiros que são também moradores do assentamento. Desse modo,

além de aproveitar o trabalho interno, gerando oportunidades de renda para alguns

moradores, também foi possível maior fiscalização e controle dos assentados. Essa

decisão resultou em economia suficiente para a compra de 02 portas a mais para

cada casa e para a construção da caixa d’água que, quando em pleno

funcionamento, servirá às famílias dessa parcela.

Já a Associação Manoel Tadeu, da parcela Pe. Josimo II, preferiu deixar a

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construção das casas a cargo da empresa fornecedora dos materiais de construção,

funcionando como empreiteira das obras.

A moradia, em seu sentido lato, é uma das dimensões dos impactos

socioterritoriais e está diretamente relacionada à organização das famílias no

assentamento. Assim, a partir da organização dos lotes, e conforme decisão dos

moradores, as casas são construídas individualmente ou de forma aglomerada.

É necessária, também, uma infra-estrutura social que proporcione a

aproximação das pessoas como, por exemplo, a construção de um local para

reuniões e encontros, um centro recreativo, dentre outros. A população assentada

requer outras estruturas que proporcionem uma melhor qualidade de vida. Energia

elétrica, água de boa qualidade, posto de saúde, ambulância, boas estradas e posto

telefônico são exemplos de necessidades que precisam ser satisfeitas (RAMALHO,

2002, p.104).

Sobre a questão da moradia no assentamento Pe. Josimo I e II, podemos

afirmar que há muito ainda a ser melhorado, especialmente quanto à disponibilidade

de infra-estrutura social básica. A instalação do assentamento e seu significativo

impacto socioterritorial acabam gerando um conjunto de reivindicações junto ao

poder público dos municípios de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima

e aos governos Estadual e Federal.

O indicador moradia é um importante aspecto dos impactos socioterritoriais.

Revela, ainda, segundo afirmamos em outros momentos, o processo de

ressocialização dos assentados. “Esses sujeitos estavam totalmente marginalizados

e excluídos da sociedade, o fato de estar no assentamento cria para estes a

possibilidade de ter uma casa com uma mínima infra-estrutura. Esse dado também

revela um elemento importante para se pensar os impactos socioterritoriais”

(RAMALHO, 2002, p.105).

Pelo que vimos, apesar de os assentamentos do MST apresentarem o

processo de transformação social como seu foco principal, há uma forte relação

entre a moradia e a produção. A organização para a produção e para o trabalho e

as fontes de renda são indicadores a serem abordados no próximo item, no qual

analisamos os impactos socioterritoriais do assentamento Pe. Josimo I e II sob a

dimensão econômica.

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4.4. OS IMPACTOS DO ASSENTAMENTO SOB A PERSPECTIVA

ECONÔMICA

Ainda em momento de consolidação, em Pe. Josimo I e II, podemos destacar

a questão da organização do trabalho e da produção nos lotes, também da renda e

do consumo dos assentados. São questões relacionadas ao processo de

ressocialização das famílias, o qual abrange os âmbitos organizativo, sociopolítico e

econômico.

Este item pretende: analisar de que modo as famílias se organizam para o

trabalho, seja este individual ou coletivo; identificar o tratamento dado à produção e

como se caracterizam seus modos de consumo.

Primeiramente, destacamos que ainda não estão presentes no assentamento

formas coletivas de trabalho e produção. Isto é, ainda não se pode identificar – de

modo marcante – ações de ajuda mútua ou de troca de serviços como a participação

em associações ou cooperativas de produção, de comercialização, crédito ou renda.

Em razão da fase inicial em que se encontram as primeiras tentativas produtivas, e

por não haver ainda o fortalecimento de laços de coletividade, no que se refere a

esses aspectos econômicos, as dificuldades de relacionamento, confiança e

conhecimento técnico pesam muito como impeditivas de uma cooperação.

Analisando os processos produtivos presentes, podemos concluir que ainda

não está consolidada a produção agropecuária no assentamento. É recente a

ocupação da terra pelas famílias e também são poucos os investimentos do governo

para o suporte estrutural, social e técnico. A produção hoje desenvolvida é muito

pequena. Não chega, inclusive, a garantir a segurança alimentar e a geração de

renda para as famílias assentadas.

As principais atividades desenvolvidas no assentamento são a pecuária, a

agricultura de subsistência e o extrativismo. O sistema produtivo do assentamento

se caracteriza pela diversificação da produção e criação de animais. Há um

aproveitamento dos recursos naturais através do extrativismo e da utilização de

poucos insumos agrícolas.

Das dificuldades enfrentadas pelas famílias assentadas para o

desenvolvimento da agropecuária, que geralmente é realizada de forma individual,

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nos lotes de cada família, destaca-se a falta de recursos e investimentos para

alavancar a produção. Até o momento, as famílias tiveram acesso somente à 1ª

parcela do Crédito Fomento, com o qual são adquiridos alimentação, ferramentas e

insumos para contribuir nas atividades agrícolas manuais no assentamento.

As famílias iniciaram suas atividades agrícolas em quintais e pequenas roças,

utilizando técnicas de gradagem do solo7. Com pouca mecanização, baixo uso de

insumos, forte degradação nos ambientes de cerrado, baixa fertilidade e mesmo

ausência de adubação, obtiveram poucos resultados de produção.

Na safra 2006/2007 foram cultivados: mandioca, feijão, milho, fava, abóbora,

banana e hortaliças - quiabo, maxixe, coentro, alface, cebolinha, jiló, couve, dentre

outras culturas. Já para a safra 2008/2009, as famílias estão trabalhando de forma

planejada e procuram desenvolver a produção, nas áreas de cultura, por serem

terras de boa fertilidade, através das técnicas manuais das roças de toco8.

(PDA/2008).

As sementes utilizadas para os plantios nas roças provêm de sementes

crioulas, que são armazenadas como prática tradicional de alguns agricultores, os

quais, às vezes, promovem, entre si, a troca de alguns tipos. No entanto, a maioria

das famílias compra sementes híbridas nas casas agropecuárias da região, com

recursos do Crédito Fomento.

Há, ainda, nos quintais das famílias, canteiros de hortaliças como: alface,

couve, cebolinha, coentro, quiabo, maxixe, alface, cebolinha, jiló, berinjela. Produção

essa feita sem o uso de venenos e adubos químicos, com adubação à base de

estercos de bovinos e de aves do próprio assentamento. Podemos encontrar,

também nos quintais, muitas árvores frutíferas em fase inicial de crescimento,

principalmente: laranja, limão, goiaba, coco, acerola e banana.

Vejamos a respeito da criação da pecuária. Algumas das famílias assentadas

possuem gado e produzem uma quantidade pequena de leite, suficiente apenas

para o consumo próprio. (FOTO 8).

7 Uso de grades nas entrelinhas de plantio. 8 Consiste na derrubada e queima da mata para utilizar o terreno para cultivo, seguindo um período de “descanso” da terra.

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FOTO 8 - Bovinos criados no assentamento

Fonte: PDA (2008). Reproduzido pela autora.

Além da criação de bovinos, há, também, a criação de pequenos animais

como porcos e aves caipiras. Estas, em sua maioria, são criadas soltas e

alimentadas com milho e restos de alimentos. Já os porcos são criados presos, em

áreas de pastagem implantadas pelo antigo proprietário da fazenda, e alimentados

com restos de alimentos, mandioca e milho.

Toda a criação dentro do assentamento é destinada à produção de carne,

leite e ovos para o próprio sustento das famílias que praticam a atividade. Somente

em alguns poucos casos há a comercialização de tais produtos.

O extrativismo, por sua vez, é uma atividade de grande potencial no

assentamento. Através dele as famílias fazem o aproveitamento sustentável,

transformando esse potencial em fonte de alimentação e geração de renda, por meio

da comercialização de produtos na região.

Dos recursos naturais do extrativismo no assentamento destacam-se as frutas

nativas do cerrado como pequi, cajuí, mangaba, puçá, bruto, buriti, murici, dentre

outras. Dessa diversidade de frutas nativas, o pequi é a que possui maior relevância

no local. Primeiro, por ser uma das principais fontes de alimentação das famílias no

período da safra, que compreende os meses de setembro a dezembro. Segundo,

pelo fato de a produção no assentamento ser de alta escala, proporcionando uma

importante geração de renda para as famílias que desenvolvem tal prática

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extrativista.

Por não existir, no assentamento, nenhuma forma organizada de

industrialização e comercialização coletiva do fruto do pequi (FOTO 9), toda a

produção é comercializada de forma individual. Atravessadores da região compram

os produtos e os transportam para grandes centros consumidores, como é o caso de

Goiânia-GO, onde revendem o fruto nos mercados e supermercados das cidades. A

forma de compra do pequi no assentamento se faz através de caixas de 30 kg, e o

preço pago por caixa na região chegou a atingir, na safra 2007/2008, um valor médio

de R$ 5,00/caixa (PDA/2008).

FOTO 9 - Pequizeiro (Caryocar brasiliense Camb.)

Fonte: PDA (2008). Reproduzido pela autora.

Devido ao fruto do pequi entrar, no período de safra, na lógica do mercado na

região, e o preço pago pelo produto ser considerável, ocorre uma prática negativa do

ponto de vista ambiental. Os frutos acabam sendo retirados da planta antes de seu

amadurecimento e queda natural.

Segundo depoimento de alguns moradores, essa é uma prática comum na

região, apesar de todos saberem que tal atitude prejudica a planta, fazendo cair, em

muito, a produção dos anos seguintes. Algumas famílias também comercializam o

pequi nas feiras dos municípios vizinhos e em grandes centros urbanos da região -

na capital, por exemplo.

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A produção agropecuária demanda por serviços de apoio acessíveis ao

assentamento. Existem nos municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia estruturas

públicas que prestam serviços de apoio à produção. São os escritórios da Agência

de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins (ADAPEC) em Cristalândia, as

Secretarias Municipais de Agricultura dos dois municípios mencionados e o Instituto

de Desenvolvimento Rural do Tocantins (RURALTINS), com escritório em

Cristalândia. Há, ainda, nos municípios de Paraíso do Tocantins e Gurupi, sedes do

Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), que também

presta serviços de apoio à produção na região.

Os municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia possuem profissionais

capacitados, que prestam serviços públicos nas Prefeituras Municipais, Secretarias

de Agricultura, ADAPEC, RURALTINS, com condições de oferecer cursos de

capacitação para os agricultores familiares do assentamento. Existe, também, com

sede em Cristalândia, o Centro de Direitos Humanos – CDH, que já ofereceu cursos

de capacitação na área de Direitos Humanos e que tem condições para continuar

oferecendo cursos para os agricultores no assentamento.

Muitas pessoas do assentamento já participaram de inúmeras atividades de

capacitação técnica, promovidas pela AESCA, e de formação política do MST:

encontros, oficinas, cursos, seminários e congressos a nível estadual e nacional.

A assistência técnica é fundamental, principalmente no momento de

consolidação dos assentamentos, pois, através de capacitações, formações e

incentivos, permite a ampliação e a comercialização local e regional. No

assentamento Pe. Josimo I e II, há assistência técnica apenas do INCRA.

Quanto às agências capazes de financiar e beneficiar a produção do

assentamento, como as linhas de crédito do Programa Nacional de Agricultura

Familiar (PRONAF), podem ser encontradas em Cristalândia - através das agências

do Banco do Brasil - e nos municípios de Paraíso do Tocantins e Gurupi - através

das agências do Banco da Amazônia (BASA).

O crédito agrícola para a pequena agricultura é fruto de luta e reivindicação

dos próprios agricultores. É, também, uma das questões fundamentais para o

assentamento no sentido de garantir uma produção agropecuária satisfatória. Com

os investimentos através do crédito agrícola, os agricultores passam a fazer parte da

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dinâmica local da produção, com a criação de cadeias produtivas e a organização

das já existentes e de grande potencial na região. Os agricultores conseguem dar

respostas através da produção agropecuária, fortalecendo e aquecendo a economia

dos municípios e da região.

Para a pequena agricultura, a política de crédito agrícola tem uma função

essencial. Ela é a garantia da segurança alimentar das famílias assentadas e da

melhoria na qualidade de vida.

Na TABELA 9, estão os dados referentes às modalidades de créditos que já

foram disponibilizados às famílias assentadas:

TABELA 9 - Créditos disponibilizados às famílias assentadas

Crédito Valor/família

INSTALAÇÃO/FOMENTO (1ª parcela) 2.400,00

HABITAÇÃO 7.000,00

Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.

As famílias do Pe. Josimo I e II acessaram, até o momento, o Crédito

Fomento (1ª parcela) e o Habitação, que está em fase de aplicação. A soma dos

recursos de fomento é igual a R$ 288.800,00 e de habitação R$ 1.127.000,00. Ainda

não houve acesso à 2ª parcela do Crédito Instalação/Fomento nem ao Crédito

PRONAF – A9.

Pudemos observar que as famílias ainda são bastante dependentes do

Crédito Fomento para a compra de boa parte de seus alimentos e de alguns

insumos e ferramentas nos municípios vizinhos. São produtos adquiridos, em grande

parte, no município de Nova Rosalândia, principalmente porque, como vimos, os

assentados contam com transporte coletivo oferecido todas as terças-feiras pela

prefeitura desse município.

9 Do ponto de vista operacional possui quatro linhas de atuação: custeio e investimento às atividades

produtivas; financiamento de infraestrutura e serviços; capacitação e profissionalização de

agricultores; e o financiamento de pesquisa e extensão rural. Fonte:

www.mda.gov.br/saf/arquivos/1501919371. Acesso em: 18 out. 2008.

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Muito embora as famílias busquem formas de subsistência e mesmo de

comercialização através da agropecuária em pequena escala, e com baixíssimo

emprego de mecanização e de insumos, é ainda marcante a produção individual nos

lotes, visto que o emprego de práticas coletivas de produção e comercialização é

bastante incipiente.

Assim, cabe lembrar que o comércio existente na região não tem influência

permanente no assentamento, somente de forma alternada, na época de

extrativismo. As famílias assentadas têm uma pequena renda familiar no período em

que recolhem os frutos de extrativismo, entregando-os direto ao atravessador.

Contam, ainda, com o auxílio do Crédito Fomento, que se destina à compra de

alimentos e insumos.

4.5. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS E A CONSTRUÇÃO DE NOVAS

TERRITORIALIDADES

Os assentamentos se caracterizam por contribuir para a transformação da

paisagem das regiões às quais fazem parte. Onde antes prevaleciam monoculturas

ou ainda havia áreas improdutivas, começam a surgir agriculturas camponesas e,

junto a elas, transformações políticas, sociais, econômicas e culturais. Essas novas

possibilidades de organização e produção promovem novas territorialidades,

resultado de uma intervenção na paisagem e na organização das relações de

trabalho existentes até então.

Mesmo que não altere de modo radical a concentração fundiária de um

estado, podemos verificar que os assentamentos implicam uma redistribuição

fundiária e a viabilização do acesso à terra a uma população de trabalhadores. No

conjunto de transformações ocorridas com o assentamento, percebemos, ainda,

que, em busca da contraditória construção de relações não-capitalistas de produção,

as famílias assentadas imprimem relações sociais próprias, diferentes das antes

existentes.

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Assim, após nossa análise, pudemos identificar impactos socioterritoriais

resultados da implantação do assentamento Pe. Josimo I e II em diversas

dimensões. Os impactos, que resultam de um conflito social significativo (nesse

caso, a implantação do assentamento), se revelam mais fortemente a partir do

rompimento do território do latifúndio, que dá lugar ao território do assentamento.

Como conseqüência, a instalação e a consolidação do assentamento produzem

necessidades e reivindicações as quais abrangem a área da saúde, da educação,

das moradias etc. Todas envolvendo a ressocialização das famílias assentadas.

No entanto, a nova dinâmica territorial no campo deixa à mostra os grandes

desafios quanto à melhoria de vida das famílias assentadas. As dificuldades não

terminam com a distribuição das terras. Começa, na verdade, o desafio do

desenvolvimento local.

Nesse viés, ressaltamos que a discussão dos impactos socioterritoriais deve

estar relacionada diretamente ao desenvolvimento local e regional, que requer um

planejamento territorial e não estritamente social ou econômico. A discussão e

execução de tal planejamento pode ter abrangência municipal, mas, em virtude de

suas influências, pode ter a discussão expandida, reforçando, assim, a necessidade

de as autoridades locais proporem discussões ativas com os governos Estadual e

Federal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta dissertação, analisamos algumas características dos impactos

socioterritoriais provocados por um assentamento em sua própria localidade e em

seu entorno. Para contextualizar os impactos, procuramos identificar as principais

mudanças ocorridas com a implantação dos assentamentos rurais. Assim,

identificamos que a principal abordagem dos impactos pode ser compreendida a

partir das mudanças ocorridas nas vidas das famílias sem-terra.

Nesta perspectiva de estudo nos propusemos a compreender esse processo

de mudanças, contextualizando alguns indicadores como educação, saúde, cultura,

organização do trabalho e da produção, renda, organização política, dentre outros.

Tendo o assentamento Pe. Josimo I e II, em Cristalândia-TO, como objeto de

estudo, constatamos que as mudanças resultantes dos processos de conquista e de

permanência na terra ocorreram numa área de abrangência que compreendeu três

municípios de acordo com relações sociais, culturais, políticas e econômicas entre

as famílias assentadas e esses municípios.

Neste caminho, procuramos averiguar variáveis, buscando traçar um paralelo

entre dados estatísticos e informações reveladas em entrevistas. Variáveis essas

classificadas em três dimensões (social, política e econômica), as quais tratamos

sob uma visão indissociável e complementar. Este exercício nos proporcionou

perceber que as mudanças ocorridas com a implantação do assentamento são

bastante variadas em função do contexto que foi gerado, das trajetórias dos

assentados e da diversidade de políticas públicas.

Foi possível perceber também que a criação do assentamento implicou em

certa redistribuição fundiária e viabilizou o acesso à terra a uma população de

trabalhadores. Não chegou a alterar o quadro de concentração fundiária, comum ao

estado, mas implicou numa ressocialização das famílias e na implantação de novas

dinâmicas de organização social, bem como numa nova organização para o trabalho

e para as relações políticas.

A condição de assentado possibilitou direitos antes inalcançáveis para muitos,

(como direito à posse da terra e ao crédito), como possibilitou também o resgate da

dignidade de uma população historicamente excluída.

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Desse modo, os impactos socioterritorias, no contexto dos assentamentos,

podem ser compreendidos, primeiramente, como as transformações sofridas pelas

famílias durante o processo de luta, nos acampamentos, ocupações e demais

manifestações públicas. Em seguida, a partir da implantação e consolidação dos

assentamentos; momento ainda com grandes dificuldades, mas que, conforme

confirmaram todos os assentados entrevistados nesta pesquisa, acarretou uma

melhora nas condições gerais de vida quando comparada à situação vivida antes de

ingressarem no movimento.

Os impactos referem-se também, como constatamos nesse caso, às

transformações estabelecidas na relação do assentamento com os municípios em

seu entorno. A existência do assentamento criou demandas por políticas públicas, o

que passou a criar relações – conflitos e parcerias – com os governos municipais,

estadual e federal. A presença do assentamento também causou mudanças

econômicas – principalmente comerciais – nos municípios.

Este conjunto de elementos nos permite compreender que os assentamentos

são viáveis social, econômica e politicamente desde que inseridos numa política

agrária pautada na melhoria da qualidade de vida.

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Anexo A – Planta do assentamento Pe. Josimo I e II