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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 6 Número 17 Novembro 2015 NUPESDD UEMS Web-Revista SOCIODIALETO Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 6, nº 17, nov. 2015 269 OS JÊ E TUPI NAS TERRAS DE GOYAZES E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DA TOPONÍMIA Karylleila dos Santos Andrade (UFT) 1 [email protected] RESUMO: Este artigo tem como proposta estudar as contribuições dos grupos jê e tupi na formação da toponímia, nos séculos XVIII, XIX e XX, na região de Goiás, outrora conhecida como terra de Goyazes. A discussão perpassa por questões históricas e geográficas, focalizando o Diretório dos Índios, de 1757, e as contribuições dos viajantes estrangeiros, Saint-Hilaire, Pohl, Castelnau e Gardner, na descrição dos nomes de lugares. PALAVRAS-CHAVE: Jê e Tupi. Terra de Goyazes. Toponímia brasileira. RESUMEN: Esta investigación tiene como objeto estudiar las contribuciones de los grupos indígenas en la formación de la toponímia, siglos XVIII, XIX y XX, en la región de Goiás, otrora llamada de tierra de Goyazes. La discusión camina por cuestiones históricas y geográficas, centrándose en lo Directorio de los Índios, de 1757, y en las contribuciones de los viajares extranjeros, Saint-Hilaire, Pohl, Castelnau y Gardner, en la descripción de los nombres de lugares. PALABRAS CLAVE: Jê y Tupi. Tierra de Goyazes. Toponímia brasileňa. 1. Introdução O indígena na história do Brasil constitui-se como um problema complexo, desde o início, para Portugal: ele era visto de diferentes maneiras por missionários, colonos e pela própria metrópole. Os missionários tinham objetivos de cunho religioso, separados dos da colônia. Eles encontravam-se imbuídos em atender aos interesses da igreja e às respectivas Ordens. Os colonos viam no índio mão de obra e um elemento povoador para as extensas áreas a serem ocupadas. E a metrópole acreditava que o índio era essencial no processo de povoamento da colônia. Segundo Chaim (1983, p. 43), em Goiás o antagonismo dessas posições resultou em conflitos. O elemento nativo, provocando choques intermitentes com o colonizador, veio a obrigar o governo central a tomar providencias. 1 Doutora em Linguística pela USP, Pós-doutora em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra/Portugal, Estágio Pós-Doutoral/Capes N° 1787-14-4/2015, professora dos programas de Pós-Graduação em Letras, câmpus de Araguaína e Porto Nacional, da Universidade Federal do Tocantins. [email protected]

os jê e tupi nas terras de goyazes e suas contribuições para a

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OS JÊ E TUPI NAS TERRAS DE GOYAZES E SUAS

CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DA TOPONÍMIA

Karylleila dos Santos Andrade (UFT)1

[email protected]

RESUMO: Este artigo tem como proposta estudar as contribuições dos grupos jê e tupi na formação da

toponímia, nos séculos XVIII, XIX e XX, na região de Goiás, outrora conhecida como terra de Goyazes.

A discussão perpassa por questões históricas e geográficas, focalizando o Diretório dos Índios, de 1757, e

as contribuições dos viajantes estrangeiros, Saint-Hilaire, Pohl, Castelnau e Gardner, na descrição dos

nomes de lugares.

PALAVRAS-CHAVE: Jê e Tupi. Terra de Goyazes. Toponímia brasileira.

RESUMEN: Esta investigación tiene como objeto estudiar las contribuciones de los grupos indígenas en

la formación de la toponímia, siglos XVIII, XIX y XX, en la región de Goiás, otrora llamada de tierra de

Goyazes. La discusión camina por cuestiones históricas y geográficas, centrándose en lo Directorio de los

Índios, de 1757, y en las contribuciones de los viajares extranjeros, Saint-Hilaire, Pohl, Castelnau y

Gardner, en la descripción de los nombres de lugares.

PALABRAS CLAVE: Jê y Tupi. Tierra de Goyazes. Toponímia brasileňa.

1. Introdução

O indígena na história do Brasil constitui-se como um problema complexo,

desde o início, para Portugal: ele era visto de diferentes maneiras por missionários,

colonos e pela própria metrópole. Os missionários tinham objetivos de cunho religioso,

separados dos da colônia. Eles encontravam-se imbuídos em atender aos interesses da

igreja e às respectivas Ordens. Os colonos viam no índio mão de obra e um elemento

povoador para as extensas áreas a serem ocupadas. E a metrópole acreditava que o índio

era essencial no processo de povoamento da colônia. Segundo Chaim (1983, p. 43),

em Goiás o antagonismo dessas posições resultou em conflitos. O

elemento nativo, provocando choques intermitentes com o

colonizador, veio a obrigar o governo central a tomar providencias.

1 Doutora em Linguística pela USP, Pós-doutora em Linguística pela Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra/Portugal, Estágio Pós-Doutoral/Capes N° 1787-14-4/2015, professora dos

programas de Pós-Graduação em Letras, câmpus de Araguaína e Porto Nacional, da Universidade Federal

do Tocantins. [email protected]

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Como a solução para o problema, grandes somas foram gastas a

aldear2 o gentio e a pacificá-lo. Garantiu-se assim, embora de maneira

precária, a continuidade do povoamento. (CHAIM, 1983, p. 43)

Desde as primeiras bandeiras, final do século XVI até à bandeira de Bartolomeu

Bueno da Silva, em 1722, vários foram os confrontos com grupos tupi e jê em Goiás:

alguns deles já desaparecidos, outros subsistiram e permaneceram na região, parte deles

encontram-se localizados, atualmente, no estado do Tocantins. A família linguística

tupi-guarani, tronco macro-Tupi, era a mais numerosa e se encontrava mais na costa do

Brasil. Foram os grupos de contatos no período da conquista, no início do século XVI,

nas regiões que os colonizadores tentaram ocupar e explorar. Ao mesmo tempo,

constituíram-se também na principal força de resistência organizada da época. Ao longo

dos séculos de exploração, os indígenas perderam e muito de seus traços nos embates e

confrontações com o colonizador, paradoxalmente, transmitiram a outros grupos

indígenas, bem como, ao próprio colonizador, por meio da língua e da cultura material e

imaterial, seus saberes e cosmovisão, é o que podemos notar, em especial, na toponímia

brasileira. Os indígenas denominavam qualquer outro grupo que não fosse tupi de

tapuia3, que se apresentava como todo indivíduo que não pertencesse à nação tupi, isso

valia, principalmente, para o inimigo do interior, o do sertão, os de procedência jê.

Alguns estudiosos acreditam que os jê tenham habitado grandes extensões de terra,

inclusive as do litoral, mas que, ao longo dos tempos, foram sendo expulsos para o

interior. Sua localização atual é o planalto central, de norte a sul do país. Ao tronco

linguístico macro-Jê, pertence a maioria dos grupos indígenas que viviam nas terras de

goyazes, hoje, Tocantins.

2 Segundo Palacin e Moraes (1989, p. 39), aldear índios consistia em reuni-los em povoações fixas,

chamadas aldeias, onde, sob supervisão de uma autoridade leiga ou religiosa, deviam cultivar o solo e

aprender a religião cristã. Em 1754, deu D. Marcos de Noronha (primeiro governador da Capitania de

Goiás) regimento a essas aldeias, submetendo-lhes a um rigoroso regime militar, o que gerou os priores

resultados. 3 Castro (1941, p. 71) diz que para Luiz Figueira tapuia significa “bárbaro”. Para Montoya, “escravo”, e

Edelweiss (1947, p. 13) assinala que tapuia vem de tapuyia, que quer dizer escravo em tupi, segundo o

Vocabulário da Língua Brasílica.

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2. O Diretório dos Índios: breves anotações

O fato é que quando os europeus aportaram na costa brasileira, no início do

século XVI, já haviam diversos grupos indígenas, com os quais mantiveram encontros e

confrontos, dentre eles: Tamoio, Tupinambá, Tupiniquim, Tabajara, Goitacaz, Goianaz,

Carijó e outros. Foram eles que forneceram as primeiras informações aos colonizadores

a respeito de outros povos. Segundo Palacin, Garcia e Amado (1995),

Desde então, houve notícias de deslocamentos constantes de tribos e

grupos indígenas da costa para o interior do país. Essas migrações

eram muitas vezes resultado das guerras entre inimigos; os vencidos

refugiavam-se nos sertões; outras vezes, representavam a busca de

novas terras para o cultivo, ou o simples exercício do costume de

migrar, traço cultural indígena. Outra causa para o deslocamento, mas

frequente à medida que a colonização avançava, foi a necessidade de

fugir à ação dos colonizadores, que prendiam, escravizavam e

matavam os índios. (PALACIN; GARCIA; AMADO, 1995, p. 11)

Ao que tudo indica, esses movimentos migratórios parecem apontar para a

formação da população indígena no século XVIII em Goiás. E o movimento continuou

mesmo após as bandeiras paulistas, como foi o caso dos Tapirapés que migraram do rio

Tocantins, em Goiás, para a margem esquerda do rio Araguaia, estado do Mato Grosso.

Em meados do século XVIII, várias foram as mudanças implementadas pelo

governo de Marquês de Pombal, ministro de D. José I, quanto às populações indígenas

no Brasil. Marques de Pombal, desposta esclarecido com os ideais do Iluminismo,

modificou a política linguística no país: proibiu o uso da língua tupi e impôs o uso da

língua portuguesa. Tais mudanças foram efetivadas no documento intitulado Diretório

que se deve observar nas povoações de índios do Pará e Maranhão enquanto Sua

Majestade não mandar o contrário4, mais conhecido como Diretório dos Índios. As

modificações descritas pelo Diretório davam continuidade a outras duas leis datadas de

1755: a primeira devolvia a liberdade aos índios, e a segunda retirava dos missionários o

poder temporal sobre as aldeias. Segundo Edelweiss (1969, p. 18-19), o Diretório de

4 Texto completo disponível no sítio da Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados de Brasília <

http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1929>. Acesso em: 4 maio de 2015.

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1757 procurou não apenas corrigir o inócuo alvará de 7 de junho de 1755, que entregara

a jurisdição temporal aos próprios chefes indígenas, mas encaminhar visivelmente a

expulsão dos jesuítas, particularmente visados nesse documento. Conforme a política de

Pombal, as aldeias deveriam ser transformadas em vilas e lugares com nomes

portugueses, administrados por um governo civil. Em 1758, o Diretório dos Índios foi

estendido ao resto do Brasil, aprovado e transformado em lei, nesse mesmo ano, pelo

alvará de 17 de agosto. Destacamos dele o parágrafo seis, que trata do ensino de

português e tupi nas missões.

“§ 6 - Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as

Nações, que conquistaram novos Domínios, introduzir logo nos povos

conquistados o seu próprio idioma, por ser indisputável, que este é um

dos meios mais eficazes para desterrar dos Povos rústicos a

barbaridade dos seus antigos costumes; (...)Para desterrar esse

perniciosíssimo abuso, será um dos principais cuidados dos Diretores,

estabelecer nas suas respectivas Povoações o uso da Língua

Portuguesa, não consentindo por modo algum, que os Meninos, e as

Meninas, que pertencerem às Escolas, e todos aqueles Índios, que

forem capazes de instrução nesta matéria, usem da língua própria das

suas Nações, ou da chamada geral; mas unicamente da Portuguesa, na

forma, que Sua Majestade tem recomendado em repetidas ordens, que

até agora se não observaram com total ruína Espiritual, e Temporal do

Estado. (DIRECTORIO, 1758, p. 3 e 4 - ortografia adaptada). (grifo

nosso)

Edelveiss (1969, pp. 18-19), quanto ao parágrafo citado, diz que:

é oficializada a gravíssima imputação tendenciosa de inspiração

pombalina e, veladamente ainda feita aos jesuítas, os exímios, senão

únicos cultores do tupi, de subtraírem os índios da civilização pela

“invenção” verdadeiramente abominável e diabólica do uso da língua

geral. (grifo nosso)

O autor chama a atenção para a palavra “invenção”, utilizada de forma capciosa

e ardil, mas que adotada na acepção mais usual possibilitou disseminar a ideia de que a

língua geral era um invento jesuítico, uma língua artificial. De acordo com Edelveiss

(1969, p. 18-19), as premissas do § 6 do Diretório não correspondem à verdade

histórica:

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a) Em colônia alguma os conquistadores conseguiram impor a sua língua aos

povos de baixa cultura, senão mui vagarosamente e apenas em núcleos onde

os colonos chegaram a formar contingente apreciável, comparado à

população indígena;

b) Nos primeiros séculos a língua tupi foi muito mais importante na ocupação

da terra do que a portuguesa (...);

c) Não foram os conquistadores lusos que estabeleceram o uso do tupi. Muito

ao contrário; serviram-se do tupi onipresente ou, mais precisamente, da

língua-geral, pelas vantagens que lhes proporcionava.

De qualquer modo, em1759, com a expulsão dos jesuítas do Brasil, a educação

brasileira sofre um grande golpe. A partir daí a língua tupi passa a não mais ser usada

em escolas, nem mesmo na educação de um modo geral.

A respeito da importância da língua tupi, Sampaio (1915, p. 580) afirma que

essa língua se tornou veículo do pensamento entre o europeu e o índio, e, dessa forma,

constituiu-se a língua geral tanto na costa quanto no interior. Para o autor,

O tupi do tempo da conquista ou Abanheenga (língua da gente), se

assim o quiserem denominar, apresentava então dois ramos

principaes: o do Norte ou do Brasil e o do Sul ou guarani, mais

especificadamente falado no Paraguay e no curso médio do rio Paraná

[...]. Sob a influência do meio espúrio, o Tupi do Norte deu o que mais

commummente ou o mais propriamente se chamou língua geral no

Brasil, de que o Nheengatu do Valle do Amazonas é o representante

actual e o Tupi do Sul deu o Abanheema, que é o guarani do

Paraguay. (SAMPAIO, 1915, p. 581)

Conforme Navarro (2011, p.6), corroborando Sampaio, o tupi antigo5 foi falado

até o final do século XVII, após ser transformando na língua geral, em seus dois

principais ramos, o do Norte e o do Sul. A língua geral do Norte transformou-se no

nheengatu da Amazônia, e a do Sul desapareceu completamente no início do século XX.

Navarro (2011, p. 6) comenta que:

5 Rodrigues (2005, p. 35) fala na “língua dos Tupinambás – a mesma que hoje também é chamada de

Tupi antigo e que no século XVII foi denominada língua brasílica”.

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a língua geral amazônica, ainda falada no vale do rio Negro6 e, desde

o século XIX, também chamada nheengatu, é irmã da língua geral

meridional, que desapareceu no início do século XX. Esta se irradiara

a partir da capitania de São Vicente para Minas Gerais, Goiás, Mato

Grosso e para as capitanias do sul do país, seguindo o rastro dos

paulistas que avançavam com suas entradas e bandeiras. (NAVARRO,

2011, p. 7)

Diversos vocábulos, provenientes dessas línguas gerais, perpetuaram-se na

toponímia do Brasil, bem como, na língua portuguesa. Não se deve relacionar a língua

geral amazônica7 a qualquer grupo indígena antes da chegada dos europeus à América.

Sua formação se deu no Maranhão e no Pará, língua falada pelos tupinambás que ali

estavam, os quais foram aldeados por missionários jesuítas, juntamente com muitos

outros índios de diversas etnias e línguas. Segundo Navarro (2011, p. 7), o tupi antigo e

as línguas gerais8, diferentemente de outras línguas indígenas, sobrepujaram o português

no Brasil em épocas passadas. As outras línguas indígenas sempre ficaram restritas aos

lugares em que seus falantes viviam ou vivem. As línguas gerais dominaram o Brasil

colonial e a Amazônia, em particular, até a sétima década do século XIX. Vieira (1735),

Tomo I das Cartas, comenta sobre as “nações” que falam a língua geral: “Demais destas

trouxeraõ os Padres noticias de outras naçoens que habitaõ por todo aquelle Rio dos

Tocantins, muitas das quaes fallaõ a lingoa geral, e se espera que com pouca dificuldade

se reduzirão a nossa Santa Fé” (p. 99) (grifo nosso).

6 Notas toponímicas: A despeito da substituição do topônimo Rio Negro, Cardoso (1961, p. 163) assinala

que: “O rio Negro, por exemplo, cuja Toponímia derivada da coloração das aguas [...] teve uma

superposição toponímica correspondente a uma superposição linguística – êle foi o Curiguacurú e o

Curumã dos caribes; o Iuna dos tupis, segundo a informação insuspeita de Cristóbal de Acuňa; foi, ainda,

o Quiári e o Guainia dos auracos”. 7 Com ela passou a se formar o Brasil caboclo do Norte, a civilização ribeirinha da maior região deste

país. Até 1877 a língua geral foi mais falada que o português na Amazônia, inclusive nas suas cidades,

grandes ou pequenas, situadas às margens dos seus rios e igarapés: Belém, Manaus, Macapá, Santarém,

Tafé, Óbidos etc. Somente naquele ano é que o português a sobrepujaria no norte do Brasil, quando mais

de quinhentos mil nordestinos, fugidos da seca, migraram para a Amazônia. Foi por meio das línguas

gerais que a América indígena se encontrou com a América portuguesa. Elas representavam um encontro

de mundos. Nascia, finalmente, o Brasil. (NAVARRO, 2011, p.7). 8 O viajante estrangeiro, Saint-Hilaire, que percorreu a Província de Goiás no século XIX, menciona no

Capítulo V, Os índios Caiapós, a língua geral, embora pareça desconhecer suas diferenças e

peculiaridades: “A língua geral era a dos indígenas do litoral. Os jesuítas fizeram uma gramática e um

dicionário dessa língua, e ela foi adotada pelos paulistas que viviam no meio dos índios. A língua geral e

o guarani falados nas reduções do Paraguai são dialetos do mesmo idioma. (SAINT-HILAIRE, 1975, p.

70)

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3. Os Jê e Tupi nas terras de Goyazes

Particularmente, a respeito dos índios que viveram nas terras de Goyazes, a falta

de análise, por parte de alguns documentos oficiais, pode ser considerada como uma das

causas que dificulta o conhecimento dos grupos indígenas que residiam no território

goiano, sobretudo, no período da entrada das primeiras bandeiras. Uma outra

possibilidade que impede os pesquisadores de reconstruírem a história dos grupos

indígenas na Província de Goiás, especificamente daqueles que viviam na região do

atual estado do Tocantins, pode ser a própria forma de representação dada pelos índios

tupi aos europeus sobre os índios tapuias. Ferozes, bárbaros, selvagens, infiéis eram as

referências difundidas em obras científicas e literárias da época sobre os tapuias, como

pode ser observado no relato de Silva e Souza (1967, p. 62-64), de 1812. Os adjetivos

sugeriam as representações diante do “outro”.

Silva e Sousa (1978, p.126-127), baseado na tradição oral e em pesquisas

pessoais, faz referência a alguma Nações selvagens habitantes na capitania de Goiás,

como ele mesmo apresenta:

Caiapós – Nação bravíssima e muito numerosa (...)

Xavantes – Nação mais feroz e numerosa (...)

Goiazes – Nação mais branca que o ordinário dos índios desta

Capitania (...)

Crixá – Nação feroz (...)

Canoeiros – Nação crudelíssima, belicosa, e que não sabe fugir (...)

Capepuxis – Nação indolente e preguiçosa, que não planta e só vive

de caça, pesca e roubos (SOUSA, 1978, p.126-127).

Brandão (1978, p. 42-43) também apresenta o mosaico dos grupos nos finais do

século XIX, intitulado de Noções dos selvagens da Província, seus usos e costumes:

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Quadro 1 - Noções dos selvagens da Província, seus usos e costumes (BRANDÃO,

1978, p. 42-43)

Cayapós Nação numerosa e brava [...] reside a maior parte do lado esquerdo do Araguaya.

[...]

Carajás Esta nação habita no Araguaya à pouca distância do furo do Bananal.

Carajahis Tribu numerosa e guerreira que habita a margem esquerda do Araguaya. [...]

Gradaús Esta tribu habitou no sertão do Araguaya e o Tocantins: hoje poucos existem d’ella.

Chavantes [...] a sua maior força está concentrada no norte nas margens do Araguaya e

Tocantins: são traidores e cobardes

Cherentes [...] seus costumes são de tudo quase iguaes aos chavantes; habita o mesmo

território, mas em aldêas separadas.

Carijós ou

Canoeiros

Consta que estes índios foram conduzidos de S. Paulo pelo descobridor Bartolomeu

Bueno, AFim de empregal-os no serviço da mineração e dafesa contra os índios

senhores das terras que invadia. Estabeleceram nas montanhas entre o Maranhão e

Amaro-Leite e me outros lugares.

Javahés Esta tribu foi habitante da ilha de Sant’Anna no Araguaya, e está hoje

completamente extinta.

Chambióas Estes índios habitam as margens do Araguaya, está muito reduzido o número de

seus guerreiros [...]

Acroás Tribu numerosa [...]

Aricobés Esta tribu habita a Serra Geral: acha-se extincta.

Caraós Estes índios que habitavam as terras de Goyas e que depois foram cedidas à

Provincia do Maranhão, conservaram-se por muito tempo em S. Pedro de Alcantara,

passando a maior parte para a ilha de S. José do Tocantins, e dEHi para o

continente.

Puxité Patuxé

ou Temembós

[...] hoje estão completamente extintictos.

Naraguagés [...] estes índios são da mesma tribu dos Cherentes, mas inimigos declarados,

habitavam as vizinhanças do Tocantins.

Afoligês Esta tribu habina na Carolina e é muito pequena.

Apinagés Tribu poderosa que vive entre o Tocantins e o Araguaya.

O autor acrescenta os Goya, os Garhasmassú, os Chacriabas, os Coritis, os

Tapapuas e os Cherentes de Cuá. Afirma ainda que esses grupos foram dizimados,

desaparecidos ou, em alguns casos, confundidos uns com outros. A seguir, o mapa com

a localização dos grupos indígenas da Capitania e da Província de Goyaz (1722-1870).

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Mapa 1 - As nações indígenas de Goiás no período de 1722-1769

(PEDROSO, 1992)

As narrativas dos viajantes estrangeiros na Província de Goiás também

apresentam um retrato do olhar etnocêntrico da época dos indígenas. A seguir,

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apresentamos as impressões de Castelnau e Pohl dos povos Apinajé, Karája, Javaé,

Xambioá, Krahô e Xerente, povos que ainda vivem no estado do Tocantins.

No capítulo XIV do livro, intitulado Expedição às regiões centrais da América

do Sul, Castelnau (2000, p. 202) registra o contato que teve com os Apinajé e Krahô. É

alertado que os Gavião9 residem na margem direita do rio Tocantins. São considerados

índios hostis. E na margem esquerda, os Apinajé, índios já pacificados. O viajante

considerou os Apinajé bastante “civilizados”, diferentes dos Karajá. Estava certo de que

depois que a civilização corrompia os povos selvagens, nem o cristianismo tinha poder

em convertê-los. Como nas demais comunidades indígenas, tomou medidas

craniométricas10

desses índios. Afirma que os Krahô são o resultado de um

desmembramento da tribo dos Apinajé e falam um dialeto da mesma língua destes. Essa

impressão resulta do fato de os Apinajé e Krahô (Craó, como o viajante registra)

pertencerem, respectivamente, à mesma família linguística Jê, pertencentes ao macro-Jê.

Os Apinajé vivem hoje no norte do estado, região conhecida como Bico do Papagaio,

próximo ao município de Tocantinópolis, como uma população de cerca de 1913

indígenas, segundo dados do IBGE/FUNAI11

de 2010.

No capítulo XII, Descida do Araguaia – os Xambioás, Castelnau (2000, p. 165)

classifica os Xambioá como pertencentes aos Karajá, os quais se subdividem em:

Carajaí, contatados em Salinas e localizados no furo esquerdo do Araguaia; Javaé, que

vivem no interior da Ilha do Bananal12

, e os Xambioá. Refere-se à língua dos Xambioá

como arrastada e fanhosa. Acrescenta que essa língua é mais desagradável ao ouvido do

9 Castelnau (2000, p. 202.) diz que Gavião, palavra portuguesa, significa aves de rapina.

10 Ibid., (p. 213) [...] pudemos reunir durante toda a viagem cerca de trezentas observações deste gênero.

Tomamos também, com todo o cuidado a altura de grande número de indivíduos, como também o

comprimento do pescoço e posição do umbigo. O número de todas estas mensurações parciais atingiu o

total de 18.000. 11

Informações disponíveis no sítio < http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/o-brasil-

indigena-ibge>. Acesso em: 4 maio de 2015. 12

Notas toponímicas: Castelnau (2000, p. 241) narra que “em 1774, o capitão geral José Almeida e

Vasconcelos enviou o ouvidor Antônio José Cabral d’Almeida para fundar um aldeamento na Ilha do

Bananal. Deram o posto, cuja situação era no furo direito do Araguaia, o nome de Nova Beira, em

substituição à primitiva denominação de “Angeja”, procurando desenvolver nele a agricultura. Era moda

conferir nomes europeus a aldeamentos habitados exclusivamente pelos selvagens, daí a nomenclatura

extravagante dos pretensos estabelecimentos encontrados nas velhas cartas portuguesas e ainda hoje

reproduzidos nas modernas. Assim é que os três aldeamentos dos Xambioás receberam os nomes de

Bento, Almeida e Semancelho”.

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que a dos Xavante. Durante sua estada no Carretão, fica sabendo que são os primeiros

europeus a entrar em seus aldeamentos, pois as outras expedições não tiveram a mesma

ousadia. Os Karajá, Javaé e Xambioá localizam-se no estado do Tocantins e pertencem

à mesma família linguística Karajá, tronco macro-Jê. Segundo dados do IBGE/FUNAI

(2010), os Karajá, propriamente ditos, contam com uma população de 4326; os Javaé,

com 1542; e os Xambioá, com 255.

Pohl (1976, p. 249-250), outro viajante estrangeiro, entra em contato com os

Porecamecrã13

, na aldeia Cocal Grande, margem ocidental do Maranhão14

, e com os

Mecamecrã ou Craó, situados na outra margem. Segundo ele, “O dialeto tem muito sons

aspirados e a pronunciação é intermitente [...] mantêm contato com os Craó,

denominados também de Mecamecrã, erroneamente chamados de Temembu”. O autor

acrescenta que a língua dos Mecamecrã é apenas um pouco diferente da dos

Porecamecrã. Os Krahô se localizam, hoje, na área conhecida como Craolândia,

próximo ao município de Itacajá. São considerados um dos povos da família Jê que

mais preserva sua identidade linguística e cultural. Contam com uma população de 2843

indígenas, conforme dados do IBGE/FUNAI de 2010.

Castelnau, no capítulo X, De Goiás a Salinas, relata a sua chegada ao

aldeamento indígena do Carretão e “impressiona-se” com o aspecto físico dos Xerente.

Os homens desta raça têm grande estatura: o corpo é vigoroso, mas a

fisionomia ordinariamente muito repulsiva. Os que pertencem à tribo

dos xerente se conhecem pela cabeça raspada na parte mais alta. A

nação a que pertencem estes índios, de todas as de Goiás é a mais

poderosa, divide-se em cinco tribos, as quais são muito parecidas entre

si, a saber: os Xerentes, os Xavantes, os Orajumopres, os Morocoajes

e os Craincás”. (CASTELNAU, 2000, p. 149).

Os Xerente, com uma população de 3152 indígenas (IBGE/FUNAI, 2010),

vivem próximos à capital do estado do Tocantins, Palmas, e sofrem, dentre diversos

13

Pohl (1976, p. 249 e 250) assinala, numa nota de rodapé, que habitam esta região as tribos Utonxés e

Iricoxés ou Capepuxis, denominação que devem ser apenas nomes de aldeias, pois os habitantes das

mesmas possuem língua, usos e costumes iguais aos dos Porecamecrãs. 14

Para a maioria dos viajantes, o rio Maranhão, neste ponto, é denominado de rio Tocantins.

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problemas, com as consequências ambientais da construção da Usina Hidrelétrica Luíz

Eduardo Magalhaes, localizada no rio Tocantins.

Ao compor suas narrativas, assinala Andrade (2010, p. 56-57), os viajantes

transformam-se em mediadores da classe intelectual brasileira para interpretar o Brasil.

A literatura dos viajantes retrata o outro a partir de um discurso impositivo na definição

de espaços naturais, culturais e sociais. Narrativa é aplicada a partir do conceito de

Bordieu (1989) apud Andrade (2010, p. 56-57). Ele a considera como sendo um

conceito de representações, concebidas como sistemas simbólicos, instrumentos de

conhecimento e comunicação. O poder simbólico é um poder de construção da realidade

que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo. Os

sentidos apontam os limites da razão, a representação não é a apresentação objetiva da

realidade, pois essa é filtrada pelas formas de percepção e manifestação do sujeito na

construção de sistemas que esquematizam uma forma de se conhecer uma realidade.

Rodrigues (2005, p. 35) fala em cerca de 1,2 mil o número de diferentes línguas

faladas em nosso território pelos povos indígenas. Esse dado diz respeito à estimativa da

diversidade das línguas indígenas existentes no Brasil há mais de 500 anos, antes

mesmo do início da colonização desta parte da América do Sul pelos europeus. As

fontes do autor remetem à leitura feita pelo padre jesuíta Fernão Cardim no século XVI

(CARDIM, 1978 [manuscrito de 1584] apud RODRIGUES, 2005), cuja descrição

remete à relação de 76 povos indígenas que se encontravam numa estreita faixa paralela

à costa leste, desde o rio São Francisco, ao norte, até o Rio de Janeiro, ao sul. Cardim

faz apontamentos a respeito da identidade ou diferença das línguas faladas por esses

povos, explicitando que “se tratava de 65 línguas distintas entre si e distintas da língua

dos índios da costa, que eram os tupinambás (que incluem os tupiniquins, caetés,

potiguaras, tamoios etc.), com os quais os portugueses mantinham contacto”

(RODRIGUES, 2005, p. 35).

Rodrigues (2005, p. 36) aponta que, ao longo de cinco séculos, a estimava de

redução foi de 1200 para 180 línguas indígenas. Tal redução, acredita o autor, foi

provocada por um processo colonizador exacerbado e violento, o qual ainda perdura

entre muitos povos quando mencionamos, sobretudo, o direito à terra. A Constituição

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Federal de 1988 reconhece direitos fundamentais dos povos indígenas, inclusive direitos

linguísticos, como prevê o Capítulo VIII, artigo 231, “São reconhecidos aos índios sua

organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre

as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e

fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, CF, 1988). Quanto às relações entre a

sociedade majoritária e às minorias indígenas, poucas foram as mudanças afetivas na

prática. A seguir, Rodrigues (2005, p. 37) apresenta a situação das línguas indígenas que

ainda são faladas no Brasil:

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Quadro 2 – Línguas indígenas que ainda são faladas no Brasil (RODRIGUES, 2005, p.

37)

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O fato é que, após a promulgação da Constituição de 1988, houve uma

preocupação por parte do Estado com uma política indígena voltada à preservação das

línguas, saberes e culturas dos povos indígenas no país, como exemplificação, o

documento referente às novas Diretrizes para a Educação Básica15

e o Referencial

Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI)16

, reeditado pelo Ministério da

Educação. Esse último é um documento dirigido aos professores indígenas, técnicos dos

sistemas de ensino, pesquisadores e assessores que desenvolvem atividades com as

escolas indígenas em todo o país.

A FUNAI17

apresenta dados da população indígena com base nas pessoas que se

declararam indígenas no quesito cor ou raça, bem como, para os residentes em terras

indígenas que não se declararam, mas se consideraram indígenas. Os dados, baseados

no censo do IBGE (2010), revelaram que, das 896 mil pessoas que se declaravam ou se

consideravam indígenas, 572 mil, ou 63,8%, viviam na área rural, e 517 mil, ou 57,5%,

moravam em terras indígenas oficialmente reconhecidas.

Segundo informações da FUNAI18

, hoje, no estado do Tocantins, vivem os

seguintes grupos: Apinajé, Krahô, Krahô-Canela, Karajá, Javaé, Xambioá, Xerente,

Ava-Canoeiro, Tapirapé. Segundo dados do IBGE (2010), a população indígena no

estado, por localização de domicílio, é de 14.118, sendo 11.560 em terras indígenas, e

2.558 residindo fora das terras indígenas. A seguir, o mapa da localização dos grupos e

das terras indígenas do estado do Tocantins

15

Texto na integra encontra-se disponibilizado no sítio www.mec.gov.br. Acesso em: 7 de jan. de 2015. 16

RCNEI. Informações disponíveis no sítio www.mec.gov.br. Acesso em: 7 de jan. de 2015. 17

A base de dados da Funai é a mesma do IBGE (2010). Informações disponíveis em:

<http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/o-brasil-indigena-ibge>. Acesso em: 4 de dez. de

2014. 18

FUNAI - Fundação Nacional do Índio. Informações disponíveis em: <

http://www.funai.gov.br/index.php/indios-

no-brasil/o-brasil-indigena-ibge>. Acesso em: 4 de dez. de 2014.

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Mapa 2 – Grupos e terras indígenas19

do estado do Tocantins

TOCANTINS/SEPLAN (2012, p. 73)

19

Segundo a FUNAI, terras indígenas tradicionalmente ocupadas são as terras indígenas de que trata o

art. 231 da Constituição Federal de 1988, direito originário dos povos indígenas, cujo processo de

demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96. Disponível em:

<http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas>. Acesso em: 4 dez. de 2014.

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4. A importância dos povos indígenas na descrição da geografia nacional

Os nomes de lugares podem ser caracterizados como uma riqueza cultural de

um povo. Nesse sentido, cultura é entendida como algo não estático, dinâmico e

mutável. Mello (2001, p. 448) salienta que:

a cultura é apreendida, é simbólica, é social. Vale dizer que a maneira de ser

homem, o comportamento social, em grande parte, é aprendido. Esta parte do

comportamento humano e o produto deste comportamento e deste

conhecimento são denominados por nós de <cultura> (grifo do autor).

Considerando as palavras do autor, cultura é entendida como um conjunto de

atitudes, crenças, métodos e conhecimentos adquiridos ao longo da vida. Ainda em

relação ao conceito de cultura, Malinowski (1962, p. 47) aborda que:

A cultura é um amalgama global de instituições em parte autônomas, em

parte coordenadas. Ela se integra numa série de princípios tais como a

comunhão de sangue por meio da procriação, a contiguidade em espaço

relacionada com a cooperação; a especialização em atividades; e, último na

ordem, mas não menor em importância, o uso do poder na organização

política. Cada cultura deve sua integridade e sua autossuficiência ao fato de

que satisfaz toda a gama de necessidades básicas, instrumentais e

integrativas.

Segundo o autor, a cultura denomina-se a partir das relações sociais entre os

indivíduos e o conhecimento que engloba o todo. É realizada de maneira constante por

meio de um processo contínuo e vinculado à língua.

Oliveira (2001, p, 139) afirma que “a identidade cultural seria uma espécie de

sentimento de pertencimento”, tendo em vista que, pelo viés antropológico, identidade

corresponde às experiências e as fontes de significado de um povo. Ela move os

sentimentos, os valores, as crenças e diversos outros fatores presentes nas diversas

comunidades, apresentando-se como reflexo da convivência humana.

Esses valores, inerentes à identidade, são estabelecidos por diversas maneiras

de percepções, resultando em experiências e interpretações ímpares, pois integram

paisagens, sentimentos, possibilidades e manifestações. As relações que os indivíduos

mantêm com os nomes de lugares ressaltam o sentimento de pertencimento, o que

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demonstra que conhecer o contexto histórico e a etimologia dos nomes só reforça os

laços afetivos adquiridos pelo lugar.

Os topônimos, nomes de lugares, expressam, diretamente, relações entre o

homem e o espaço geográfico, uma vez que o ato de nomear é da natureza humana. Eles

estabelecem vínculos sociais e culturais, e estão relacionados com a ocupação, posse e

conhecimento do local ou área nomeada. Atrelado a essas afirmações, Sapir (1969, p.

45) assinala que:

O léxico da língua é que mais nitidamente reflete o ambiente físico e social

dos falantes. O léxico completo de uma língua pode se considerar, na

verdade, como o complexo inventário de todas as ideias, interesses e

ocupações que açambarcam a atenção da comunidade. Não é difícil encontrar

exemplos de línguas cujo léxico traz assim o sinete do ambiente físico em

que se acham situados os seus falantes.

A relação de afeto, estabelecida entre os indivíduos e o lugar, designa um

simultâneo elo de domínio e afetividade. Relacionamo-nos esse vínculo com trecho da

obra de Todorov (2003), denominada “A coquista da América – a questão do outro”,

em que ele descreve como Colombo foi nomeando os lugares por onde passava, durante

o descobrimento da América.

[...] Colombo apaixona-se pela escolha dos nomes do mundo virgem que está

vendo; e, assim como para ele mesmo, os nomes devem ser motivados. A

motivação é estabelecida de várias maneiras. No início, há uma espécie de

diagrama: a ordem cronológica dos batismos corresponde à ordem de

importância dos objetos associados aos nomes. A sequência será: Deus, a

Virgem Maria, o rei da Espanha, a rainha, a herdeira real. “A primeira que

encontrei (trata-se de ilhas), de o nome de San Salvador, em homenagem a

Sul Alta Majestade, que maravilhosamente deu-me tudo isto. Os índios

chamam esta ilha de Guanaani. À segunda ilha dei o nome de Santa Maria de

Concepción; à terceira, Fernandina; à quarta de Isabela; à quinta, Juana, e

assim a cada uma delas dei um novo nome”. Colombo sabe perfeitamente que

as ilhas já têm nome, de uma certa forma, nomes naturais (mas em outra

acepção do termo). As palavras dos outros, entretanto, não lhe interessam

muito, e ele quer rebatizar os lugares em função do lugar que ocupam em sua

descoberta, dar-lhes nomes justos; a nomeação, além disso, equivale a tomar

posse. Mais tarde, os registros religioso e real já quase esgotados, recorre a

uma motivação mais tradicional, por semelhança direta, que ele justifica em

seguida. “Dei a esse cabo o nome de Cabo Belo, porque é realmente belo”.

[...] As coisas devem ter nomes que lhes convêm. Há dias em que esta

obrigação deixa Colombo num estado de verdadeiro furor nominativo.

(TODOROV, 2003, p. 37 e 38).

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Apregoados ao sentimento de posse e afeição aos lugares, acreditamos que a

nomeação dos topônimos depende sumariamente dos aspectos abordados pelo

denominador, enfatizando no ambiente o que deve ser mencionado. No processo de

denominação consideramos que a identidade e individualidade do lugar se confundem

com a história e a memória dos povos. Para Andrade e Bastiani (2012, p. 170), “O

topônimo não é algo estranho ou alheio ao contexto ambiental, histórico-político e

cultural da comunidade. Ao contrário, reflete, de perto, a própria essência do ser social,

caracterizado pela substância de conteúdo”. Portanto, os nomes de lugares podem

traduzir o simbolismo, a história, a memória, a identidade, o sentimento de posse, o

afeto e as peculiaridades naturais de uma dada comunidade.

O sentimento de pertencimento a um povo, religião, cultura, região, tradição,

ideologia concentram-se no processo de formação de construção identitária. A cultura e

identidade formam um conjunto de relações históricas, simbólicas, sociais, patrimoniais,

que determinam os valores de um povo.

O estudo dos topônimos indígenas revela, dentre outros aspectos, uma

configuração geo-histórica do país, principalmente durante a colonização, quanto à

nomeação de rios, córregos, morros, vilas, etc. Pode, ainda, indicar ou sugerir as

motivações para as designações de elementos humanos/culturais e físicos. De qualquer

modo, os nomes sofreram fortes influências históricas, culturais e físicas no que se

referem à motivação. Para Sampaio (1987, p. 41):

Uma vez, porém, que as palavras se prestam frequentemente a diversas

interpretações, convém confrontar a produção característica do lugar com o

nome que tem; porquanto os indígenas escolhiam, quase sempre, os nomes

das localidades, de acordo com as suas produções naturais, manifestando

muitas vezes um dom de observação admirável (...). Os nomes geográficos

são conhecidos e estão na boca de todos; servem eles, portanto, de ponto de

partida e se tornam um auxílio que não deve ser desprezado para desenvolver

a memória.

Os grupos indígenas deixaram heranças inesgotáveis de conhecimento para

cultura brasileira, tendo em vista que, durante os séculos XVI e XVII, os índios

representavam a maioria da população, composta em grande parte de povos tupiniquim,

os quais pertenciam à grande família tupi-guarani, tronco-tupi.

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Esses povos possuíam grande mobilidade espacial, um fator que reflete no

processo de nomeação da geografia nacional. Indiscutivelmente, foi um dos povos

indígenas que exerceu grande influência da formação da sociedade brasileira, tendo em

vista que as penetrações dos colonizadores dependiam dos conhecimentos indígenas, de

suas habilidades, seja como caçador, pescador, agricultor, guerreiro, conhecedor dos

lugares, etc.

É importante ressaltar a contribuição dos povos e línguas indígenas não só

para o processo de povoamento, mas também, para a formação da cultura nacional.

Diégues Júnior (1960, p. 218) afirma que:

Não é demais repetir o valor que representou para o povoador, - e isto, se de

modo geral, no Brasil, muito mais, em particular, na Amazônia – a

contribuição indígena no processo de ocupação humana. Foi ele guia,

remeiro, canoeiro, abridor de caminhos; proporcionou o beiju de mandioca

para alimentação, desvendou os mistérios da floresta; facilitou a identificação

das espécies de vegetais e animais, incorporadas, desde então, ao

conhecimento do colonizador com os próprios nomes aborígenes; imprimiu a

sua marca na toponímia regional, denominando acidentes geográficos e

centros políticos; e, assim, tornou possível fosse o território desbravado e

ocupado [...].

A influência cultural do indígena continua impregnada em todo território

brasileiro. O léxico indígena, mais especificamente o da língua tupi, foi um fator

determinante entre os colonizadores e os grupos indígenas. Sampaio (1987, p. 41) diz

que:

A predileção do brasileiro pelos nomes indígenas na denominação dos

lugares é hoje tão acentuada que a toponímia primitiva vai aos poucos se

restaurando e às localidades novas dão-se de preferência nomes tirados da

língua dos ameríndios tupis. [...] Há aqui um sentimento nacionalista, que se

quer integrado e vívido, como que a dizer que a raça americana, vencida, nem

tudo se perdeu e que sem no sangue dos descendentes, a dosagem diminui a

se apagar, a memória dos primitivos íncolas perdurará com os nomes dos

lugares onde a civilização ostenta os seus triunfos.

No tocante às línguas indígenas, predominam dois grandes troncos no Brasil, o

Tupi e o Macro-Jê. Há outras famílias linguísticas, mas que não apresentam graus de

semelhanças suficientes para serem agrupados em troncos. Rodrigues (1994) considera

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que as línguas dos povos indígenas do Brasil se adéquam às expressões individuais e

sociais no meio físico e social, em que tradicionalmente esses povos têm vivido.

De acordo com Andrade e Bastiani (2012, p. 170):

Se considerarmos a dimensão social da língua, podemos ver, no léxico, o

patrimônio cultural de uma comunidade. Transmitidos de geração a geração

como “signos operacionais”. É através dos “nomes” que o homem exerce a

sua capacidade de exprimir sentimentos e ideias, de “cristalizar” conceitos. O

patrimônio lexical de uma língua constitui um arquivo que reflete percepções

e experiências multisseculares de um povo, podendo, por isso, ser

considerado testemunho de uma época.

Muitos vocábulos do português, falados no Brasil, são de origem tupi: nomes

de plantas, rios, animais, etc. Os nomes de procedência tupi foram cristalizados no

léxico, em nível de sistema, ao longo dos séculos, compondo o patrimônio lexical

brasileiro. É possível afirmar que as características físicas do ambiente são as principais

vias de motivação para as nominações. Dick (1990, p. 39) complementa:

O sistema léxico tupi, como reflexo de uma sociedade de economia mista,

deixou uma gama variada de contribuição linguística ao português, que

preservou, nos vocábulos fossilizados, as características de uma realidade

ambiental diversificada ou de múltiplos domínios de experiência. Se muitos

desses designativos, hoje, escapam o linguajar corrente do brasileiro,

impulsionado, constantemente, pela dinâmica da língua, outro tanto não

ocorre na Toponímia, que se vale deles como fonte contínua de motivação,

mantendo, assim, vivas, as tradições culturais indígenas.

Para Sampaio (1987), não há quem desconheça a predominância do tupi em

nossas denominações geográficas: seja nas montanhas, rios, cidades, ou nos simples

povoados. Nesse contexto, Dick (1990, p. 8) argumenta que:

Como dizia Theodoro Sampaio, o indígena fazia uso globalmente, de

elementos descritivos do seu ambiente - - e, completamos, empregando a

terminologia de Stewart, não apenas dos descritivos puros mas também dos

descritivos associativos - porque portador de uma visão prática e objetiva.

Os estudos dos nomes de origem indígena não se limitaram apenas aos nomes

de origem tupi. Levy Cardoso (1961, p. 89) realizou estudos de outros dialetos

indígenas:

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M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e ISSN: 2178 -1486 • Vo lume 6 • Número 17 • Novembro 2015

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O principal motivo de meu interesse pelos étimos não tupis da toponímia

brasílica, sobretudo pelos seus étimos caribes, aruacos e borôros, foi o fato do

quase absoluto desconhecimento, por parte de nossos estudiosos, dos dialetos

brasílicos fora do grupo linguístico tupi-guarani.

Os nomes de lugares geralmente são atribuídos a alguma característica física

ou humana, relativos ao lúdico ou ao simbólico do povo que habitou determinado lugar,

e remetem as características do lugar, sejam elas culturais, históricas, físicas,

econômicas. Como afirma Sapir (1969), “há uma forte tendência em atribuir muitos

elementos da cultura humana à influência do ambiente em que se acham situados os

participantes dessa cultura”. Em virtude disso, os topônimos e sua dimensão cultural

adquirem uma pluralidade com simbolismos e identidades corresponsáveis pelas

expressões dos valores individuais dentro de cada época, onde cada lugar fora sendo

nomeado e ao mesmo tempo proporcionando um sentimento de pertencimento e

domínio territorial.

Reflexões finais

A partir da discussão acerca da importância dos indígenas na descrição da

geografia nacional, acreditamos que os povos indígenas influenciaram não só na

formação toponímica, mas também, na formação da cultura e memória nacional. Outro

aspecto apresentado refere-se à importância da literatura dos viajantes no século XIX.

Os viajantes estrangeiros contribuíram não apenas para produção científica do país, mas

tiveram um papel importante no que concerne à descrição dos nomes de lugares. Por

meio de relatos e descrições, os viajantes buscavam descrever os elementos que

compunham os lugares. Suas narrativas possibilitaram identificar a realidade histórica,

cultural e peculiar em relação à descrição dos nomes.

Muitos foram os encontros e confrontos entre diversos grupos indígenas, tupi e

jê, e as bandeiras, ou até mesmo entre os grupos que já habitavam a região com aqueles

que foram deslocados ou expulsos da costa para a região de Goiás. O certo é que o

período da entrada de bandeiras, seja pelos colonos paulistas, seja por expedições de

jesuítas pelos rios Araguaia e Tocantins, beneficiou para a formação da Toponímia em

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Goiás. Por onde andavam, servia-lhes de uso a língua geral para a nomeação de

elementos físicos (rios, córregos, ribeiros, serras, morros etc) e elementos humanos e

culturais (arraiais, povoados, julgados, etc) marcando a paisagem local a fim de

subsidiar a produção de uma cartografia que lhes favorecesse no alcance de seus

objetivos: apresamento de índios e, mais tarde, busca por minérios preciosos. Como já

fora dito, diversos foram os elementos que dizimaram grande parte dos grupos

indígenas que aqui habitavam, os poucos que restaram, localizados hoje no estado do

Tocantins, procuram, diante de novos e velhos encontros e confrontos, sobretudo com o

não indígena, preservar seus saberes e cultura. É uma luta diária que perpassa pela

território, demarcação e posse da terra, pela preservação da língua por meio de uma

educação intercultural, enfim, pela reivindicação de direitos básicos de sobrevivência

desses povos.

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2015.

Recebido Para Publicação em 06 de outubro de 2015.

Aprovado Para Publicação em 08 de fevereiro de 2016.