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texto apresentado na jornada do campo lacaniano sobre a constituicao do sujeito em psicanalise
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Os Labirintos da Falta e as Tramas por Onde Advém o Sujeito
Lia Silveira
A pergunta sobre a origem não é nova na história da humanidade. Provavelmente, desde que
há pensamento, há ali também a pergunta sobre a origem. De Gaia e Urano, passando por
Adão e Eva até as teorias evolucionistas de hoje, todo um saber foi sendo elaborado para
tentar dar conta do que constitui aquilo que é. O ser, a substância e o que o causa tem sido
temas caros também à filosofia.
A psicanálise também vai se interessar por esta pergunta, não no sentido de uma metafísica,
mas na medida em que Freud assume que não há, desde o início de cada vida que vem ao
mundo, algo que responda como um sujeito. Para tanto, faz-se necessário todo um
movimento, mas esse movimento que gira em torno da função estruturante da falta. Daí que
Lacan vai afirma que, nada na experiência psicanalítica, pode ser elaborado se não
considerarmos a função da falta.
A elaboração da falta na experiência psicanalítica
Teoricamente, podemos tomar essa elaboração sobre a falta na constituição do sujeito por das
vertentes: a vertente da falta de objeto e a vertente da falta fálica.
Em Freud, temos na experiência primordial de satisfação algo que poderíamos considerar o
momento mítico de constituição do sujeito. A sensação de fome que inerva a parede do
estômago faz com que o bebê emita um grito, grito este que vai ser tomado pelo outro,
nebemensch, como um apelo. Esse outro comparece então com o seio que vai proporcionar a
primeira experiência de satisfação. Dessa experiência, resta um traço que vai se inscrever e
que vai ser “ativado” da próxima vez que a fome se apresentar. O outro lado da moeda dessa
experiência é que, concomitante à inscrição do traço como afirmação (bejahung) temos a
expulsão (austossung) de algo que vai ser rejeitado como estranho. O complexo do
nebemensch se divide agora “em dois componentes, dos quais um produz uma impressão por
sua estrutura constante e permanece unido como uma coisa, enquanto o outro pode ser
compreendido por meio da atividade de memória – isto é, pode ser rastreado até as
informações sobre o próprio corpo [do sujeito].”(Freud, projeto, p. 448)
Temos então a situação em que agora, o bebê não mais espera a intervenção do Outro, mas
busca satisfazer-se investindo esse traço mnêmico, ou seja, alucinando. No entanto, o objeto
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alucinado que o bebê investe não se sustenta como experiência de satisfação já que não existe
na realidade. Mais uma vez ele chora, mais uma vez o outro comparece com o seio. Só que
agora já se instalou aí uma diferença abissal entre o que ficou registrado como traço e o que se
encontra na realidade como objeto, sempre insatisfatório, sempre deixando “a desejar”. É por
isso que o objeto mítico da primeira satisfação vai ser perdido desde sempre, pois quando ele
mamava nesse seio mítico, matriz da alucinação, não havia nada ali que permitisse o registro
de tal experiência; por outro lado, a partir do momento em que algo se inscreve como traço,
permitindo assim uma memória, já implica em uma perda corresponde que jamais será
reintegrada. O movimento do desejo vai se dar no sentido de tentar reencontrar na realidade
essa parte perdida, da qual o sujeito se vê como privado. Mas, afirma Lacan (sem 7, p. 69), “é
claro que o que se trata de reencontrar não pode ser reencontrado. É por sua natureza que o
objeto é perdido como tal. (...) reencontramo-lo no máximo como saudade.”
A outra via pela qual podemos resgatar a função da falta na psicanálise é aquela que se
apresenta em torno da dialética do falo. Seguindo uma via diferente daquela apontadas pelos
pós-freudianos (que propunham a existência de um objeto genital maduro) Lacan vai retomar
as elaborações freudianas acerca da primazia do falo e suas consequências para apontar que o
que está em jogo aí é, na verdade, a falta de objeto.
A relação mãe – filho já se coloca desde o início como triádica, tendo em visto que o falo já se
coloca ai como terceiro elemento. Na subjetividade da mãe, o filho que vem ao mundo é
tomado como substituto fálico e, pelo menos parcialmente, ocupa no desejo da mãe esse
lugar. Temos então a situação em que o bebê é tomado no “engodo cooptativo” que o faz
identificar-se ao falo imaginário materno. No entanto, como diz Lacan, a noção de falicismo
implica por si mesma o desprendimento da categoria de imaginário, pois é por uma espécie de
reviramento que ele passa a ocupar o seu lugar na dialética subjetiva, não enquanto órgão real,
mas enquanto significante.
Isso porque o de que se trata aqui não é do órgão real, mas do falo da mãe, aquele que só é
descoberto enquanto faltando em seu lugar, no lugar em que era esperado, e essa é a própria
definição de significante já que ele não é outra coisa senão “o símbolo de uma ausência”.
(carta roubada , p.27)
É assim que, por um movimento que se inicia com as presenças-ausências da mãe, a criança
vai se dando conta de sua incompletude. Vimos que o movimento do desejo vai ser o de tentar
reencontrar o objeto perdido. Mas essa tentativa só pode se dar através da única via possível,
aquela da demanda. A demanda implica em colocar aquilo que se apresenta como necessidade
nas trilhas do significante, dirigindo-as ao outro. Estamos no domínio da reivindicação, onde
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espera-se que o Outro possa responder. Mas, no horizonte, o que se espera que o Outro
responda é, não pelo objeto da demanda, mas pelo objeto do desejo, aquele perdido e que se
busca reencontrar. O desejo é exatamente aquilo que surge nessa “margem onde a demanda se
rasga da necessidade: essa margem é a que a demanda, cujo apelo não pode ser
incondicional senão em relação ao Outro, abre sob a forma da possível falha que a
necessidade pode ai introduzir, por não haver satisfação universal”(Lacan, subversão, p.
828)
O neurótico é aquele que tenta fazer o objeto do desejo passar pelas voltas da demanda,
fazendo um “cruzamento ingênuo” entre demanda e desejo: “ele tentará fazer passar na
demanda o que é objeto de seu desejo, de obter do Outro não a satisfação de sua
necessidade, pela qual a demanda é feita, mas a satisfação do seu desejo, isto é, de ter o
objeto, isto é, precisamente o que não se pode demandar.”(Lacan, Sem IX, p 199)
A frustração, é, para Lacan, a versagung, quebra da promessa, onde o Outro não responde.
Não responde, claro, porque do desejo ele também nada sabe. Mas o neurótico é aquele que
não se conforma com que o Outro não saiba: “a maneira certa para o neurótico resolver o
problema desse campo do desejo, enquanto constituído por esse campo central das demandas
que justamente se recortam e por isso devem ser excluídas, é que ele acha que a maneira
correta é que você saiba. Se não fosse assim, ele não faria psicanalise”(sem IX, p. 215)
Uma das consequências da frustração assim experimentada, é que o sujeito vai tomar o desejo
enigmático do Outro como integrante do circuito das demandas, e vai fazer do seu próprio
desejo uma demanda no Outro. No Seminário “A identificação”, Lacan recorre a dois toros
que se entrelaçam para demonstrar essa relação que ocorre a partir de uma inversão: desejo
num, demanda no outro; demanda de um, desejo do outro, que é o nó onde se atravanca toda a
dialética da frustração. A segunda consequência é que esse vazio que corresponde ao desejo
do outro, vai, em parte, ser reduzido a um significante, o falo, que passa a ser agora “o objeto
metonímico de todas as demandas”. (Sem IX, p.200)
É sobre esse movimento que a operação da castração vem incidir para, fazendo atravessar-se
ai o registro da Lei, que irá permitir com que o sujeito escape à essa relação de engodo. Ela
implica em que a demanda do Outro seja tomada como desejo pelo sujeito, e essa demanda,
Lacan a explicita, se formula assim: “tu não desejarás aquela que foi o meu desejo.” É isso
que o mito do Édipo vem a ocupar, sendo necessário que, doravante, seja o pai morto quem
venha desempenhar essa função de Lei, que permite o advento do desejo. Por uma operação
linguageira que é aquela da metáfora, o Outro “sem-poder” da frustração é alçado à categoria
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do “não-sem poder” da castração, mas isso as custas de um desvio irredutível que coloca a
exigência do pai morto.
Como elaboramos em nosso trabalho apresentado no encontro da EPFCL-Brasil do
ano passado, o neurótico, ao se defrontar com a falta, com o impossível de dizer, recorre ao
pai para interditar aquilo que supõe correr o risco de gozar. No entanto, é essa própria
impossibilidade que impõe a criação do mito do pai gozador, seu assassinato e consequente
instauração do pai simbólico enquanto morto. Todo o mito é construído, afirma Lacan, para
velar essa falha, fazendo com que aquilo que era impossível, surja como interditado.
É por isso que o Outro enquanto coisa interditada e o Outro enquanto Lei são a mesma
coisa, porque o Outro só existe enquanto efeito de linguagem e é por uma operação de
metáfora que ele constitui ao mesmo tempo, a coisa interditada e a lei a que a interdita: “...o
Outro aqui, quando avançamos em direção ao desejo, nós vemos bem que, enquanto seu
suporte é o significante puro, p significante da lei, que o Outro se apresenta aqui como
metáfora dessa interdição. Dizer que o Outro é a lei ou que é o gozo enquanto proibido, é a
mesma coisa.”(Lacan, Sem IX, p. 241)
Passaremos agora a tentar aproximar da experiência clínica aquilo que desenvolvemos
em termos teóricos, não sem antes fazermos uma passagem também pela experiência artística.
Assim, para discutir essa função da falta em sua articulação com o surgimento do sujeito
recorremos a alguns fragmentos clínicos.
Os Labirintos de Ofélia
Ofélia é uma personagem, fruto da criação artística do diretor espanhol Guillermo Del
Toro no Filme “O Labirinto do Fauno”. O cenário é o da guerra civil espanhola. O pai de
Ofélia, um alfaiate, morrera há alguns meses e sua mãe fica grávida de um dos clientes do
marido: o temível capitão Vidal. Vidal é um dos comandantes do exército franquista,
conhecido por sua crueldade e responsável por exterminar os rebeldes contrários ao regime do
ditador espanhol.
A gravidez apresenta-se como de alto risco, mas mesmo assim, Vidal decide levar
Ophelia e sua mãe para morar com ele em uma instalação militar, no meio da floresta.
Chegando lá, sua primeira providência é separar filha e mãe, sob o argumento de que esta
precisa de repouso absoluto. Ophelia, sentindo-se sozinha naquele ambiente hostil, consegue
driblar a separação imposta pelo capitão e consegue chegar ao quarto da mãe que está muito
fragilizada pela gravidez e pela viagem. Nesta cena que abre todo o desenrolar do filme, a
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menina pergunta á mãe: porque tivemos que vir pra cá? Por que vc teve que casar com ele?
Ao que a mãe responde que se sentia muito sozinha depois que o pai morreu. Ophelia, um
tanto quanto admirada, interpõe: sozinha? Mas você tinha a mim! Ao que a mãe responde:
existem coisas que uma mulher precisa que você só vai entender quando crescer.
Deparada ao mesmo tempo com a fragilidade da mãe e com seu desejo enigmático, Ophelia
mergulha em mundo de fantasias onde ela conhece o Fauno, uma criatura metade humana,
metade bode, que a convence de que ela é a princesa perdida do reino subterrâneo e que
precisa realizar três tarefas para retornar para seu reino. A primeira tarefa de Ofélia, designada
pelo Fauno, é recuperar uma chave mágica que fora roubada por um Sapo que mora entre as
raízes de uma grande árvore na floresta. É interessante observar o formato das raízes, que
lembra uma vagina aberta e sua copa que traz à tona a anatomia das trompas de Falópio.
Depois de perder a “batalha” contra Ofélia, o Sapo, num processo que mais parece um parto,
regurgita um saco gosmento, que lembra a placenta, dentro da qual se encontra a chave
mágica procurada.
A segunda tarefa dada pelo Fauno consiste em penetrar num portal interdimensional e resgatar
um punhal mágico. Nessa que é uma das mais belas e impactantes cenas do filme, Ophelia
precisa atravessar um portal para procurar um punhal, mas é advertida pelo Fauno de lá
encontrará um grande banquete exposto, mas que não deve, em hipótese alguma, comer nada.
Chegando lá, ela encontra o tal baquete e uma figura estranhíssima que jaz inerte na cabeceira
da mesa. O monstro horrível tem apenas dois buracos no lugar das narinas e um outro no
lugar da boca. Sobre a mesa, em um prato estão dois olhos arrancados. Nas paredes imagens
de infanticídio anunciam oque está por vir. Apesar de todo o horror da cena, provavelmente
atiçada pela proibição que recebera do fauno, Ophelia transgride e come uma uva. Nesse
momento o monstro toma vida, coloca os dois olhos que estavam na mesas em buracos na
palma da mão e começa a perseguir Ophelia e as fadinha que auxiliam na tarefa. Em uma
cena nitidamente inspiradas em “Cronos devorando seus filhos” de Goya, o monstro arranca e
come a cabeça de uma das fadinhas, enquanto Ophelia, por muito pouco, consegue escapar.
A ultima tarefa, aquela que desvenda o desejo de Ophelia envolvido na construção fantasística
e que revela para onde o filme vai se encaminhar, diz que ela precisa usar o punhal para
derramar o sangue de um inocente que é, nada menos, que seu irmão recém-nascido. É dele o
sangue inocente que Ophelia tem que fazer jorrar.
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No final, ela se oferece em sacrifício no lugar do irmão, o que pode nos fazer pensar na
instauração do Supereu como introjeção da lei e empuxo ao gozo. Em seguida, Ophelia
encontra seus pais “verdadeiros”: rei e rainha.
Os Labirintos de Adriana
Adriana me procurou em 2009 e sua queixa principal é de que entrou ha pouco tempo
na faculdade e que está tendo muitos problemas lá porque sente muita “ansiosidade”: quando
quer manifestar sua opinião na sala de aula, todo mundo fica olhando pra ela e sente que não
está conseguindo dizer o que quer e aí começa a soltar tudo muito rápido e se perde no que
queria dizer. Ela também tem muitos problemas de relacionamento, não tem amigos e acha
que as pessoas só querem ser amigos por interesse.
Ela tem 23 anos e é a segunda filha do relacionamento de seus pais. O primeiro filho é
um menino, que tem o mesmo nome do pai, que morreu durante a gravidez da qual nasceu
Adriana. Durante toda a primeira infância, a mãe esconde dela o que aconteceu e diz que o pai
morreu de enfarto. Aos sete anos Adriana encontra com uma menina no parquinho que diz ser
sua irmã. A menina tem a mesma idade que ela. Fica sabendo que o pai tinha outra família,
mas a mãe não aceita falar sobre isso. Escutando conversas dos adultos descobre que o pai
morreu num briga em uma festa. Me conta isso dizendo que ele era um irresponsável que não
pensou nem na sua mãe que estava grávida, nem nela.
A mãe é evangélica, professora na mesma escola onde Ariana estudou, não sai de casa,
não se interessou por outros homens não tem amigos e Adriana me diz que tem muito medo
de “terminar igual a ela”. Da família do pai ela não sabe quase nada, pois acha que eles são
uns interesseiros.
Quando criança me diz que era muito danada. Batia nos meninos, e criava muita
confusão no colégio. A tarde a mãe saia pra trabalhar e a deixava aos cuidados do irmão, que
ia pra rua brincar. Aos sete anos, não sabe o que aconteceu, mas passou a ficar tímida, a ter
medo das pessoas e a se preocupar em mostrar que se dava bem no colégio. Sente que na
família da mãe ninguém dá valor a sua opinião, queria ser valorizada, mas todos a tratam feito
criança e isso a machuca muito.
Ao longo do tratamento dois sonhos se destacam, assim como duas cenas que passo
agora a relatar.
Sonho 01 - vai haver uma apresentação num teatro. Era pra ser o Selton Melo, mas ele
não vem. Ela está em cima do palco, vê a plateia esperando e se sente na obrigação de
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substitui-lo. Veste a roupa e vai para o palco e sente muita angustia porque não sabe o que é
que ela vai representar. A roupa é do bob esponja. As pessoas riem dela, criticam, porque ela
não sabe representar o papel.
Cena traumática 01 – na infância, Adriana sofre de uma encoprese severa. me fala
que queria muito conseguir, mas passava dias sem fazer cocô. A mãe pressionava, colocava-a
na privada, mas nada. A coisa complicava de um jeito que a mãe acabava recorrendo a um
supositório pra faze-la defecar. Na cena que me conta ela está sobre a mesa de bruços, a mãe
manda o irmão arrancar a calcinha e abrir as pernas, enquanto ela enfia o supositório. Me
conta isso com horror.
Em 2010 começa um namoro com um colega da faculdade: ele é muito inteligente,
apresenta trabalho superbem, todos olham quando ele fala. Mas logo ela começa a sentir que
ele quer ser melhor que ela, que não valoriza ela, que não aprecia o trabalho dela, e o namoro
termina, deixando-a muito incômoda com a situação de ter que estudar na mesma sala que ele,
porque ele a humilha. Ela troca de sala e começa a pensar até em deixar a faculdade pra não
encontrá-lo mais.
No que ela vai falando dessas dificuldades, eu começo a escutar: eu não consigo
apresentar um bom trabalho... eu me esforço, eu tento, tento, e nao sai. .. as pessoas não
valorizam o meu trabalho... Eu investi tanto naquilo, dei tudo de mim e depois a pessoa ve e
diz" grande coisa". Isso me magoa muito. Na relação dela com o outro a questão é dar ou não
dar alguma coisa. Prender ou soltar: “A ansiedade me faz soltar tudo muito rápido. Eu vejo
que se eu soltar, ele vai perceber. Eu me sinto na obrigação de falar algo ai eu acabo soltando
tudo muito rápido”. Sente que tem que fazer tudo muito rápido “porque se eu ficar pra tras eu
acho que não vão sentir a minha falta”. Noutro momento fala que usa a dor pra fugir do
sentimento. O sentimento é de que ela vai oferecer afeto pra outra pessoa e ela vai recusar.
Após as intervenções desse período do tratamento passa a conseguir “apresentar o
trabalho” sem tanta “ansiosidade”. Um dia ela me diz que conseguiu apresentar um trabalho e
percebeu que as pessoas estava admirando a sua apresentação, mas que ela ficou muito
incomodada. Ela se incomoda quando é reconhecida, porque acha que só é pelo trabalho e não
por ela. Me diz também que tem muita dificuldade em ser agradada pelas pessoas, em receber
carinho. E isso faz questão pra ela.
Sonho 2 – ela tem que ir pra faculdade, mas quando chega, não tem ninguém lá. Ela se
angustia e acorda. Quando olha pro relógio vê que já sao 7:15 e que está atrasadíssima pra ir
pra faculdade, o despertador não tocou. Chega esbaforida na faculdade e não tem ninguém nas
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salas, procura por todo lado e nada. Vai ate a recepção e só está o porteiro. Ela pergunta cadê
todo mundo, pq nao tem ninguém? Ele diz que ainda são 6:15. E me diz eu olhei por relógio e
enxerguei errado. Marco nesse sonho a posição dela, ela olhou errado.
Ela, faz alguns amigos na faculdade, mas fala disso com certo desprezo pq sao pessoas
que como ela tem dificuldades, nao sao os melhores alunos. Começa a me falar do interesse
dela pelos meninos dessa nova faculdade e do medo do interesse dos rapazes por ela e
também que eles não se interessem. Mas ela nao quer qualquer um. Ela quer os melhores
alunos, os mais inteligentes. Só que, perto deles, ela se atrapalha toda. Comete gafes, paga
mico. Está apaixonada por um deles, que ela sente que corresponde aos seu olhares, senta
perto dela nas aulas, cumprimenta quando ela chega..ate que, numa conversa entre amigos
descobre que ele tem namorada. Como é que ele pôde corresponder a paquera dela se ele tinha
namorada? Ele não presta! A questão é: como é que um homem que um homem
comprometido pode se interessar por outra mulher?
Diz que vai sair do grupo de estudos em que ela está (e onde pela primeira vez
consegue socializar) pq nao quer encontrar o paquera lá. É muito humilhante saber que ele
tem namorada e deixou ela se envolver. Me encaminha um amigo para que eu o atenda. O
rapaz estava interessado nela, mas ela não o queria pq ele tinha problemas, o considerava
inferior ao que ela procura. Eu o encaminho para uma colega pois percebo que o movimento
é “cair fora” quando tem que estar no mesmo lugar com alguém com quem ela não dá certo.
Com muita vergonha começa a falar que não é a primeira vez que ela se interessa por
um homem comprometido. Se apaixonou pelo dentista que era casado. Será que isso tem
alguma coisa a ver com o fato do meu pai ter traído a minha mãe? Eu tenho pena da Dora. O
pai escolheu a mãe porque ela tinha futuro. A namorada do paquera tem mais futuro.
Certo dia ela fez uma relação direta entre não conseguir falar algo na sala de aula e a
prisão de ventre quando era criança: “Eu não consegui aprender da maneira normal, eu so
conseguia porque a minha mãe me dava um remédio. Eu me sinto assim, eu tenho que
aprender a fazer sozinha porque o outro vai me deixar na mão. Quando eu sinto dor, eu me
ocupo só comigo. Eu sinto que eu tenho que provar que eu vou conseguir, porque o outro vai
me deixar na mão.
Pergunto se ela sentia isso também na infância, no tempo da encoprese, o medo do
outro deixá-la na mão. Ela associa isso a situações em que ficava sozinha em casa e o irmão,
que devia cuidar dela, saia: “Varias vezes eu pus minha via em risco”
Cena traumática 02 – a mãe saia para o trabalho e a deixava sob os cuidados do
irmão. Ele nem ligava pra ela, ia brincar na rua e a deixava só. Certo dia um amigo do irmão
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bate a porta, ela está sozinha. Ele lhe mostra o “negócio” dele. Associa isso a uma outra
situação em que esta brincando de esconde-esconde com o irmão e um amigo dele. Ela e o
amigo se escondem no quarto. Ele mostra o pênis e pede que ela pegue. Diz que é uma cena
confusa, não sabe se aconteceu mesmo. Parece um sonho.
Me diz que era apaixonada pelo irmão. Dizia que ela era a namorada dele. Escrevia
seu nome e o dele com corações na carteira do colégio, mas naquele dia descobriu o que eles
tinham e o que eles queriam fazer com as meninas.
Nesse ponto da análise, Adriana interrompe o tratamento me dizendo que agora acha
que já pode caminhar por sua conta e risco.
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