Upload
dinhmien
View
220
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ANA PAULA ANDRADE BORGES DE FARIA Procuradora do Estado de São Paulo
OS LIMITES DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA TUTELA DO DIREITO À SAÚDE
Tese submetida à Comissão do XXXV Congresso
Nacional de Procuradores do Estado que terá lugar
entre 19 e 23 de outubro de 2009 em Fortaleza/CE.
Fortaleza (Ceará)
2009
1
INTRODUÇÃO
É notória a multiplicação de demandas individuais em que se postula ao Poder
Judiciário que determine ao Poder Público a entrega de medicamentos, tratamentos e insumos
não previstos por programas oficiais de assistência à saúde, ou que, embora sejam
contemplados por tais programas, não são indicados pelos protocolos clínicos e por diretrizes
terapêuticas para o tratamento da patologia que acomete o postulante da tutela judicial.
E os órgãos jurisdicionais têm acatado as pretensões deduzidas individualmente,
determinando ao Poder Público que forneça os bens e prestações requeridos, a partir de uma
cognição sumária, e muitas vezes sem observância do princípio da razoabilidade. E o Estado,
instado a dar cumprimento às ordens judiciais, é obrigado alterar a alocação de receitas
orçamentárias provocando distorções no funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS.
O objetivo desse trabalho é analisar tal fenômeno à luz das normas constitucionais e
da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e propor soluções que compatibilizem o
atendimento do interesse público de preservação da vida e da saúde dos demandantes, que
vem sendo amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário na perspectiva da micro-justiça,
com as políticas públicas de assistência à saúde, formuladas pelo Estado segundo critérios de
macro-justiça.
1 EFICÁCIA DA NORMA VEICULADORA DO DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição contém duas espécies de normas jurídicas: as regras e os princípios1.
As regras possuem um grau de abstração reduzido e aptidão para aplicação direta,
porque contêm comandos imperativos, proibindo, permitindo ou impondo determinados
comportamentos, concretizando-se mediante subsunção, sob a lógica do tudo ou nada, uma
vez que o legislador define a hipótese de incidência e a conseqüência jurídica respectiva, de
modo que, sempre que a previsão normativa da regra realizar-se no mundo dos fatos incidirá a
conseqüência jurídica por ela estipulada para reger a situação concreta. Havendo conflito
aparente entre regras jurídicas, este há de ser solucionado pelos critérios cronológico, da
especialidade e da hierarquia2.
Diversamente, os princípios são dotados de elevado grau de abstração, com conteúdo
vago e indeterminado, encerrando verdadeiros “standards” fundados na noção de Justiça e na
1 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1033 et seq. 2 Ibidem, p. 1033 et seq.
2
idéia de Direito. Por isso, têm papel fundamental no sistema normativo, ocupando posição
hierárquica privilegiada no sistema de fontes, e, em certas hipóteses, desempenhando função
estrutural do ordenamento jurídico3.
Daí a conclusão de que os princípios são normas jurídicas impositivas de uma
otimização, concretizável em variados graus, segundo condicionamentos fáticos e jurídicos4.
Sob diverso enfoque, e com apoio no ensinamento de JORGE MIRANDA, as normas
constitucionais, segundo o critério da eficácia, podem ser: (1) preceptivas, possuindo eficácia
incondicionada ou não dependente de condições institucionais ou de fato; e (2) programáticas
que são aquelas que se voltam à transformação “[...] não só da ordem jurídica, mas também
das estruturas sociais ou da realidade constitucional (daí o nome), implicam a verificação pelo
legislador, no exercício de um verdadeiro poder discricionário, da possibilidade de as
concretizar”. 5
Ainda JORGE MIRANDA demonstra que as normas programáticas possuem conteúdo
essencial valorativo vertido através de conceitos jurídicos indeterminados, imprimindo
elasticidade ao sistema constitucional, e têm por destinatário principal o legislador, ao qual
atribuem competência discricionária para definir qual a oportunidade e os meios adequados
para lhes dar exeqüibilidade, e finalmente, as normas programáticas: [...] não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos Tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos. 6 (grifo nosso)
Nada obstante, em que pese o deficiente grau de eficácia das normas programáticas,
elas possuem inegável juridicidade na medida em que funcionam como critérios de
interpretação dos demais dispositivos da Lei Maior, podendo, inclusive, contribuir para
integração de lacunas. Ademais, as normas programáticas impedem a edição de normas legais
que contrariem seus preceitos, além de fixarem parâmetros ou diretrizes ao legislador
infraconstitucional na matéria que disciplinam e, tendo seus comandos concretizados através
de leis e regulamentos, estes não podem ser simplesmente revogados sem a edição de
3 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1033 et seq. 4 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90. 5 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Ed., 1996, t. 2, p. 242. 6 Ibidem, p. 244.
3
regulamentação substitutiva razoável, pois, é inadmissível tolher a exeqüibilidade já adquirida
por uma norma constitucional programática (vedação do retrocesso)7.
Como se denota, as normas programáticas têm sua efetividade dependente de fatores
socioeconômicos competindo aos Poderes Legislativo e Executivo avaliarem a presença dos
pressupostos fáticos necessários à sua concretização, que se dá de forma gradual, segundo a
evolução da própria comunidade conformada pelo ordenamento jurídico constitucional
vigente em certo Estado e em determinado momento histórico. Logo, as normas
programáticas não conferem aos indivíduos a prerrogativa de exigirem prestações positivas
em face do Estado que só estará obrigado a abster-se de condutas contrárias aos objetivos
definidos pelo legislador constituinte8.
Por outras palavras, a efetividade das normas programáticas é condicionada pela
reserva do possível, em sua dupla dimensão: (1) fática (existência material de recursos) –
considerando que as necessidades públicas são infinitas e que os recursos orçamentários são
limitados, há que se reconhecer que o Estado não tem condições financeiras de conferir
gratuitamente a todos os indivíduos condições ótimas de existência material (moradia, lazer,
saúde, educação, etc.); e (2) jurídica (poder de dispor dos recursos) - os recursos públicos
só podem ser movimentados e aplicados em necessidades previamente definidas nas leis
orçamentárias, não bastando, assim, a existência material das verbas, mas, também, que estas
estejam destinadas a atender a necessidade eleita.
No ordenamento jurídico pátrio, o direito à saúde é direito social que, sob o aspecto
funcional, é classificado por alguns doutrinadores como modalidade de direito à prestações
estatais positivas, vinculado à realização progressiva dos fins e tarefas do Estado Social de
Direito que, para eliminar gradualmente as desigualdades sociais, deve valer-se das políticas
públicas dirigidas à implementação da igualdade material9. Segundo ROBERT ALEXY o
direito à assistência à saúde é espécie de direito a prestação em sentido estrito, i.e., direito
“[...] a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma
oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares.”10
Dada a sua característica de direito social à prestação positiva ou em sentido estrito, a
concretização direito à saúde pressupõe a existência de recursos públicos destinados
normativamente à implementar políticas sociais e econômicas tendentes à efetivar ações e 7 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Ed., 1996, t. 2, p. 250/1. 8 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 256. 9 SARLET, Ingo Wolfang A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 228/30. 10 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 499.
4
serviços de saúde, o que leva à conclusão de que a norma do artigo 196 da Constituição
Federal tem natureza de norma-princípio programática.
A indeterminação do termo “saúde” empregado no enunciado normativo do artigo 196
da Lei Maior indica tratar-se de norma semanticamente aberta que impõe ao intérprete um
trabalho de integração normativa para definir em que medida um indivíduo poderá exigir do
Estado a entrega de um bem ou utilidade para preservação de sua sadia qualidade de vida. A
norma em destaque caracteriza-se, também, por sua abertura estrutural, pois, os objetivos
definidos pelo comando normativo (redução do risco de doença e outros agravos e a
promoção, proteção e recuperação da saúde) devem ser atingidos através de políticas sociais e
econômicas, cujos contornos não são previamente definidos pelo legislador constituinte11.
Tais características da norma veiculada pelo artigo 196 da Lei Maior impedem a sua
aplicação direta pelo Poder Judiciário que claramente estará invadindo o campo de atuação
institucional do Poder Executivo se, sob o argumento de sanar uma suposta omissão
inconstitucional do Estado, determinar que este entregue bens e prestações positivas aos
postulantes da tutela jurisdicional, como medicamentos, tratamentos e insumos, nas hipóteses
em que não exista política de saúde pública que contemple o direito afirmado.
Deveras, conforme observa MARCOS MASSELI GOUVÊA: O art. 196 é um daqueles dispositivos da Constituição que, tradicionalmente, seriam considerados meramente programáticos, a despeito de qualificar a saúde como “direito de todos e dever do Estado”. Isto porque o termo saúde, à vista de seu caráter genérico, dificulta a definição de um campo preciso de sindicação. Em tese, seria possível aventar uma infinidade de medidas que contribuiriam para a melhoria das condições de saúde da população, decorrendo daí a necessidade de se precisar que meios de valorização da saúde poderiam ser postulados judicialmente. Um grupo de cidadãos poderia advogar que a ação do Estado, na área de saúde, fosse máxima, fornecendo tudo o quanto, ainda remotamente, pudesse satisfazer tal interesse; outros poderiam enfatizar o cuidado com as práticas preventivas, concordando com o fornecimento, pelo Estado, de vacinas de última geração, de eficácia ainda não comprovada; um terceiro grupo poderia pretender que o Estado desse impulso a uma política de saúde calcada na medicina alternativa, ou ao subsídio aos planos privados de saúde. Existem, enfim, um leque infinito de estratégias possíveis, o que aparentemente tornaria inviável sindicar-se prestações positivas, nesta seara, sem que o constituinte ou o legislador elegessem uma delas. 12
No mesmo sentido é o magistério de INGO WOLFANG SARLET: A necessidade de interposição legislativa dos direitos sociais prestacionais de cunho programático justifica-se apenas (se é que tal argumento pode assumir feição absoluta) pela circunstância – já referida – de que se cuida de um problema de natureza competencial, porquanto a realização destes direitos depende da disponiblidade dos meios, bem como – em muitos casos – da progressiva implementação e execução de políticas públicas na esfera socioeconômica.
11 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 70/1. 12 GOUVÊA, Marcos Maselli. O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (coord.). A Efetividade dos Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2004, p. 206.
5
[...] Os direitos sociais prestacionais carecem de uma interpositio legislatoris pelo fato de ser extremamente difícil e, em certas situações, inviável, precisar, em nível constitucional, o conteúdo e alcance da prestação que constitui seu objeto. 13
Em suma: o enunciado do artigo 196 da Constituição Federal contém um comando
princípio programático não imediatamente aplicável pelo Poder Judiciário, carecendo para
tanto, de interposição legislativa e/ou administrativa (prática de atos materiais no sentido de
criar e aparelhar determinado serviço público para viabilizar a concretização do comando
constitucional programático), afinal “as normas-tarefa e normas-fim pressupõem, em larga
medida, a clarificação conformadora efectuada pelas autoridades com poderes político-
normativos”14.
2 A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A TUTELA DO DIREITO À SAÚDE
Nada obstante as considerações afirmadas no item precedente, é certo que há mais de
dez anos o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que nossa Constituição abriga o
direito público subjetivo à saúde, como conseqüência imediatamente dedutível do direito à
vida, inviolável e indisponível, e consagrado no artigo 5º, “caput”, da Lei Maior, sendo, por
conseguinte, dever do Estado zelar pela sua implementação.
Ilustrativamente, em julgamento de 29 de junho de 1999, a 1ª Turma do Supremo
Tribunal Federal, confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pelo qual o
Estado fora condenado a fornecer gratuitamente à pessoa carente, os medicamentos
necessários ao tratamento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Considerou-se que,
por força da Lei Estadual n. 9.908/93, o Estado do Rio Grande do Sul vinculara-se a programa
de distribuição gratuita de medicamentos, não podendo, portanto, furtar-se à obrigação de
fornecer os remédios à população, ante o comando emergente do artigo 196 da Constituição
Federal 15.
Na ocasião, os argumentos clássicos no sentido de obstar o deferimento da tutela
individual ao fornecimento gratuito de medicamentos pelo Estado, a saber, o princípio da
reserva do possível, sob os aspectos econômicos (recursos limitados X necessidades públicas
infinitas) e jurídicos (limitações orçamentárias – compete ao Poder Executivo e ao Poder
13 SARLET, Ingo Wolfang A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 310 e 327. 14 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1054. 15 RE 242.859/RS , DJ 17/09/99.
6
Legislativo estabelecer a aplicação da receita pública), não foram acolhidos como idôneos a
afastar o dever do estatal de concretizar o direito à saúde.
Esse entendimento, por seu turno, também foi acatado pela 2ª Turma do Supremo
Tribunal Federal, que, em julgamento realizado em 12 de setembro de 2000, afirmou que o
Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não pode furtar-se ao dever de zelar
pela vida humana, para cuja preservação a saúde é condição essencial, sob pena de incorrer
em grave omissão inconstitucional. Os Ministros admitiram que a norma do artigo 196 da
Constituição Federal é programática, mas obtemperaram que entre proteger um interesse
financeiro do Estado (reserva do possível), e tutelar o direito à vida e à saúde, há que se
privilegiar este último, por razões de ordem ético-jurídica16.
No mesmo sentido, os seguintes julgados da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal:
AI-AgR 616551/GO – DJU 30/11/07; AI-AgR 648971/RS – DJU 28/09/07; AI-AgR
604949/RS – DJU 24/11/06; RE-AgR 255627/RS – DJU 23/02/00.; RE-AgR 393175/RS -
DJU 12/12/06.
Sintetizando os argumentos que fundamentam os julgados de nossa Corte
Constitucional, acerca da atuação do Poder Judiciário na tutela de pretensões individuais ao
direito à prestações de saúde, pode-se destacar o seguinte: (1) o direito à saúde é conseqüência
indissociável do direito à vida (CF, art. 5º, “caput”), qualificando-se como direito
fundamental, sendo relevante expressão das liberdades reais e concretas; (2) deve-se
reconhecer efetividade aos preceitos fundamentais da Constituição Federal, não bastando a
proclamação do reconhecimento formal do direito à saúde, sendo mister respeitá-lo e garanti-
lo; (3) a norma do artigo 196 da Constituição Federal tem natureza programática, mas não
pode ser convertida em promessa constitucional vazia, sob pena do Estado descumprir a
vontade soberana do legislador constituinte originário; (4) a função primordial do Estado é
proporcionar às pessoas o mínimo existencial apto à assegurar a preservação da dignidade
humana; (5) no conflito entre a inviolabilidade do direito à vida e à saúde e o interesse
financeiro do Estado, deve prevalecer o direito à vida e à saúde.
Infere-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal tem se mostrado sensível ao
acolhimento das pretensões individuais no sentido de obrigar o Estado, em sua acepção
genérica (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), ao fornecimento gratuito de
prestações de saúde, sem delimitar parâmetros seguros para definir claramente o conteúdo do
direito subjetivo à saúde que entende estar assegurado pela Lei Maior.
16 RE-AgR 271286/RS , DJU 24/11/00.
7
A orientação jurisprudencial parece fincar-se na concepção de que: “[...] ao Estado não apenas é vedada a possibilidade de tirar a vida (daí, por exemplo, a proibição das pena de morte), mas também que a ele se impõe o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a própria razão de ser do Estado, além de pressuposto para o exercício de qualquer direito (fundamental ou não).17”
Por outro lado, as decisões de nossa Corte Constitucional superam o óbice da falta de
legitimidade democrática do Poder Judiciário para instituir políticas públicas com o
argumento de ser inquestionável a vontade do legislador constituinte federal em preservar a
vida da pessoa humana, pois, “[...] na esfera das condições existenciais mínimas encontramos
um claro limite à liberdade de conformação do legislador”18.
E, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido crescente a
multiplicação de demandas individuais em que se postula o fornecimento estatal gratuito de
medicamentos, tratamentos e insumos, gerando um significativo comprometimento do
orçamento público alocado para a assistência médica e farmacêutica que é desviado para o
cumprimento dos mandados judiciais, prejudicando o direito dos usuários regulares do
Sistema Único de Saúde – SUS.
Em sintonia com tal circunstância, e diante da necessidade de traçar limites à atuação
do Poder Judiciário, a Ministra Ellen Gracie, quando no exercício da função de Presidente do
Supremo Tribunal Federal, em decisões proferidas em pedidos de Suspensão de Tutela
Antecipada, Suspensão de Liminares e Suspensão de Seguranças, sinalizou no sentido de que
o direito ao fornecimento gratuito de prestações de saúde pelo Poder Público deve ser
reconhecido de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o que impõe
que os pleitos judiciais sejam analisados de forma casuística e não abstratamente.
Os principias parâmetros identificados no sentido da manutenção da decisão de
fornecer medicamentos, tratamentos e insumos aos demandantes, explicitados nas ditas
decisões da Ministra Ellen Gracie foram os seguintes: (1) a hipossuficiência econômica do
beneficiário da tutela jurisdicional questionada19; (2) a gravidade da doença (risco de morte
e/ou seqüelas graves)20 ; (3) o registro do medicamento na ANVISA ou a existência de outro
17 SARLET, Ingo Wolfang A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 373. 18 Ibidem, p. 373. 19 STA 162/RN, DJU: 25/10/07; STA 138/RN, DJU: 19/09/07; SS 3205/AM, DJU: 08/06/07; SS 3158/RN, DJU: 08/06/07; SS 3183/SC, DJU: 13/06/07; SS 3231/RB, DJU: 01/06/07; SS 3382/RN, DJU 29/11/07, SS 3345/RN, DJU: 19/09/07; SL 166/RJ, DJU: 21/06/07; SS 3196/RN, DJU: 15/06/07; SS 3403/PR, DJU: 04/12/07. 20 SL 188/SC, DJU: 01/02/08; STA 162/RN, DJU: 25/10/07; STA 138/RN, DJU: 19/09/07; SS 3205/AM, DJU: 08/06/07; SS 3158/RN, DJU: 08/06/07; SS 3183/SC, DJU: 13/06/07; SS 3231/RB, DJU: 01/06/07; SS 3382/RN,
8
meio técnico confiável de comprovação da eficácia terapêutica21 ; (4) a comprovação por
laudo médico de que a doença não responde a outros tratamentos ofertados pelo SUS22.
No sentido da inadmissibilidade da manutenção do fornecimento dos medicamentos,
tratamentos e insumos podem ser referidos os seguintes argumentos extraídos das decisões da
Ministra Ellen Gracie: (1) a existência de alternativas de tratamento mais baratas e eficientes,
ainda que não ofereçam o mesmo conforto, pois, v.g., a forma de aplicação é mais dolorosa23;
(2) o fato da eficácia do medicamento não ser comprovada, seja por falta do registro na
ANVISA, seja por comprovação por laudo científico de instituição abalizada apresentado pelo
Estado24; (3) o fato da doença não representar risco à vida e à saúde do paciente, como é o
caso da infertilidade feminina25.
As destacadas decisões demonstram que é imprescindível aplicar os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade na apreciação de pretensões individuais de concretizar
judicialmente um afirmado direito fundamental à saúde.
Nesse cenário, ainda, merece especial referência o fato da Ministra Ellen Gracie haver
prestigiado o princípio da reserva do possível fática ao deferir pedido de Suspensão da Tutela
Antecipada formulado pelo Estado de Alagoas em face de decisão do Presidente do Tribunal
de Justiça que, no âmbito de ação coletiva, determinara, genericamente, que o Estado
fornecesse todo e qualquer medicamento necessário ao tratamento dos transplantados renais e
pacientes renais crônicos. Eis alguns trechos da decisão da Ministra: [...] a liminar impugnada é genérica ao determinar que o Estado forneça todo e qualquer medicamento necessário ao tratamento dos transplantados renais e pacientes renais crônicos. [...] o fornecimento de medicamentos, além daqueles relacionados na Portaria n° 1.318 do Ministério da Saúde e sem o necessário cadastramento dos pacientes, inviabiliza a programação do Poder Público [...] a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários. Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso
DJU 29/11/07, SS 3345/RN, DJU: 19/09/07; SL 166/RJ, DJU: 21/06/07; SS 3196/RN, DJU: 15/06/07; SS 3403/PR, DJU: 04/12/07. 21 STA 162/RN, DJU: 25/10/07; STA 138/RN, DJU: 19/09/07; SS 3158/RN, DJU: 08/06/07; SS 3183/SC, DJU: 13/06/07; SS 3231/RB, DJU: 01/06/07; SS 3382/RN, DJU 29/11/07, SS 3345/RN, DJU: 19/09/07; SL 166/RJ, DJU: 21/06/07; SS 3403/PR, DJU: 04/12/07. 22 STA 138/RN, DJU: 19/09/07; SS 3205/AM, DJU: 08/06/07; SS 3345/RN, DJU: 19/09/07; SS 3196/RN, DJU: 15/06/07. 23 STA 139/RN, DJU: 10/09/07; SS 3145/RN, DJU: 18/04/07. 24 SS 3073/RN, DJU: 14/02/07; SS 3403/PR, DJU: 04/12/07. 25 SS 3322/GO, DJU: 26/09/07; SS 3350/GO, DJU: 23/08/07; SS 3274/GO, DJU: 22/08/07; SS 3263/GO, DJU: 02/08/07; SS 3201/GO, DJU: 27/06/07.
9
universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medicamentos relacionados "[...] e outros medicamentos necessários para o tratamento [...]" (fl. 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. Ademais, a tutela concedida atinge, por sua amplitude, esferas de competência distintas, sem observar a repartição de atribuições decorrentes da descentralização do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198 da Constituição Federal. Finalmente, verifico que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados (fl. 59). [...] defiro parcialmente o pedido para suspender a execução da antecipação de tutela, tão somente para limitar a responsabilidade da Secretaria Executiva de Saúde do Estado de Alagoas ao fornecimento dos medicamentos contemplados na Portaria n.° 1.318 do Ministério da Saúde [...]. 26 (grifo nosso)
Como se denota, o Poder Judiciário é permeável à argumentação de não ser admissível
colocar em risco o atendimento regular de pacientes cadastrados no Sistema Único de Saúde
(direito à vida e à saúde de uns), para tutelar a pretensão dos postulantes de tutelas
jurisdicionais episódicas (direito à vida e à saúde de outros).
Mais recentemente, o Ministro Gilmar Mendes, em uma série de decisões
monocráticas em que apreciou pedidos de Suspensão de Tutela Antecipada e de liminares
proferidas em Mandados de Segurança27, reconheceu ser necessário compatibilizar os
critérios de justiça comutativa que orientam a decisão judicial, com os parâmetros de justiça
distributiva e social que norteiam a elaboração de políticas pública na área da saúde, de modo
que, segundo o entendimento do Ministro, ao deferir uma tutela jurisdicional assegurando ao
postulante acesso a uma política pública de saúde não contemplada em um programa de
governo, o Poder Judiciário deve verificar se o Sistema Único de Saúde tem condições
financeiras de suportar as despesas do postulante individual e também de todos os usuários do
sistema que ocupem situação idêntica.
Tal entendimento está em consonância com a doutrina de GUSTAVO AMARAL nos
termos da qual se o Estado apresentar justificativas plausíveis que amparem sua conduta
omissiva em disponibilizar a prestação de saúde pleiteada em juízo, fundamentando
razoavelmente suas escolhas alocativas, não poderá o Poder Judiciário, em princípio, instá-lo
a fornecer ao demandante a prestação de saúde postulada, afinal: As prestações positivas são exigíveis pelo cidadão, havendo dever do Estado ou de entregar a prestação, através de um dar ou fazer, ou de justificar porque não o faz. Esta justificativa será apenas a existência de circunstâncias concretas que impedem
26 STA 91/AL, DJU 05/03/07. 27SS 3741/CE, DJU: 03/06/2009; SS 3751/SP, DJU: 28/04/2009; SS 3690/CE, DJU: 28/04/2009; STA 198/MG, DJU: 03/02/2009; STA 277/AL, DJU: 09/12/2008; STA 245/RS, DJU: 29/10/2008.
10
o atendimento de todos que demandam prestações essenciais e, assim, tornam inexoráveis escolhas trágicas, conscientes ou não. Estando presentes circunstâncias desse tipo, haverá espaço de escolha, no qual o Estado estabelecerá critérios de alocação dos recursos e, consequentemente, de atendimento às demandas, o que tornará legítima a não entrega da prestação demandada para aqueles que não estão enquadrados nos critérios. 28
Estes são os novos parâmetros traçados pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal acerca da tutela do direito à saúde através de demandas individuais que podem ser
explorados pelo Poder Público para tolher a eficácia de decisões judiciais que sejam
destituídas de razoabilidade, máxime considerando que nossa Corte Constitucional,
reconhecendo que a questão debatida deve ser tratada de maneira casuística, houve por bem,
no julgamento do RE 566471 RG/RN, ocorrido em 15 de novembro de 2007, decidir que:
“Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer
medicamento de alto custo”.
3 PROPOSIÇÃO DE CRITÉRIOS LEGITIMADORES DA TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO SUBJETIVO À SAÚDE
Em 05 de março de 2009 foi convocada Audiência Pública no âmbito do Supremo
Tribunal Federal para esclarecer questões técnicas, científicas, administrativas, políticas e
econômicas que permeiam o fenômeno da denominada “judicialização da saúde”, com
objetivo de subsidiar futuras decisões de nossa Corte Constitucional sobre o tema,
especialmente diante da existência de proposta de Súmula Vinculante n. 04, apresentada pela
Defensoria Pública Geral da União para tornar expressa “a responsabilidade solidária dos
entes da federação no que concerne ao fornecimento de medicamentos e tratamentos” e “a
possibilidade de bloqueio de valores públicos para o fornecimento de medicamentos e
tratamentos, restando afastada, por outro lado, a alegação de que tal bloqueio fere o artigo
100, caput e parágrafo 2º, da Constituição de 1988” 29.
A partir da leitura dos vários pronunciamentos e das contribuições de gestores,
Procuradores do Estado, Defensores Públicos, Promotores, Juízes, médicos, pacientes e
autoridades sanitárias, apresentados na Audiência Pública em destaque, que teve lugar entre
27 de abril e 07 de maio de 2009, foram identificadas as questões tormentosas e as possíveis
28 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 214/5. 29 Pronunciamento proferido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes em 27 de abril de 2009, na Abertura da Audiência Pública n. 04, Brasília/DF. PAINEL: O ACESSO ÀS PRESTAÇÕES DE SAÚDE NO BRASIL – DESAFIOS AO PODER JUDICIÁRIO. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura_da_Audiencia_Publica__MGM.pdf. Acesso em 04/07/2009.
11
soluções para orientar a mais racional, eficiente e razoável atuação do Poder Judiciário na
tarefa anômala por ele encampada de reconhecer e concretizar o direito à saúde em sua
dimensão subjetiva.
O fenômeno da judicialização da saúde é justificado pelo argumento de que o Poder
Público seria omisso em adotar providências necessárias e indispensáveis à preservação da
vida e da saúde dos indivíduos, inviabilizando o efetivo exercício de liberdades jurídicas
asseguradas pela Constituição Federal. Assim, diante do postulado da proteção insuficiente do
direito à saúde30 e da necessidade de preservação do mínimo existencial, a jurisprudência
pátria considera cabível a intervenção do Poder Judiciário para definir, em ações individuais,
o direito subjetivo do demandante a receber gratuitamente medicamentos, tratamentos e
insumos do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)31.
Essa premissa que orienta a jurisprudência tem contribuído para banalizar o desfecho
dos pedidos deduzidos nas ações individuais que em grande parte dos casos são acolhidos em
cognição sumária (tutelas antecipadas, liminares e cautelares), confirmada em sentenças
definitivas que, em regra, se limitam a afirmar abstratamente o direito fundamental subjetivo à
saúde do postulante e o contraposto dever constitucional do Estado de preservar a vida e a
saúde das pessoas32, passando ao largo da análise do caso concreto que imporia a justificação
do deferimento da tutela jurisdicional com base no princípio da razoabilidade.
Existe até mesmo a prática de formular ao Poder Judiciário pedido genérico no sentido
de que o Estado forneça ao autor da demanda individual todos os medicamentos de que venha
a necessitar, segundo prescrições médicas futuras, em que pese a própria lei processual civil
impor que o pedido deduzido em juízo seja certo e determinado e, surpreendentemente, há
julgados que acolhem semelhantes pretensões33.
Ademais, as prescrições médicas que amparam os pedidos deduzidos em juízo são,
geralmente, formuladas por profissional de saúde não credenciado junto ao Sistema Único de
Saúde e, sendo a prescrição o único elemento de convencimento a ser considerado pelo Juiz
para afirmar o direito fundamental à saúde do demandante, não é incomum que o Poder
Judiciário legitime a entrega de medicamentos, tratamentos e insumos de questionável
30 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 333. 31 SS 3741/CE, DJU: 03/06/2009; SS 3751/SP, DJU: 28/04/2009; SS 3690/CE, DJU: 28/04/2009; STA 198/MG, DJU: 03/02/2009; STA 277/AL, DJU: 09/12/2008; STA 245/RS, DJU: 29/10/2008. 32 MARQUES, Silvia Badin, DALLARI, Sueli Gandolfi. Garantia do Direito Social à assistência farmacêutica no Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Garantia_do_direito_social_a_assistencia_farmaceutica_no_Estado_de_Sao_Paulo.pdf. Acesso em 05/07/2009. 33 Ibidem.
12
eficácia terapêutica e deletérios efeitos colaterais, criando terreno fértil para a ocorrência de
fraudes e desperdício de recursos públicos, como foi constatado no Estado de São Paulo no
âmbito da operação “Garra Rufa”.34
Obtempera-se, ainda, que a “judicialização da saúde” tem provocado distorções no
funcionamento do Sistema Único de Saúde, uma vez que a dispensação de medicamentos,
tratamentos e insumos na esfera jurisdicional torna mais oneroso ao Poder Público o custeio
das prestações disponibilizadas aos pacientes, impõe o remanejamento de receitas
orçamentárias para cumprir preferencialmente as ordens judiciais e coloca em risco o regular
funcionamento de programas oficiais de assistência médica e farmacêutica35.
Nesse cenário, e diante do inquestionável papel encampado pelo Poder Judiciário
brasileiro no sentido de extrair diretamente da Constituição Federal o direito subjetivo à saúde
dentro da perspectiva da micro-justiça, é preciso adotar mecanismos para minimizar o
impacto da judicialização sobre a política de saúde pública implementada pelo Poder
Executivo sob a ótica da macro-justiça, assegurando que o fenômeno não comprometa o
regular funcionamento do Sistema Único de Saúde e não prejudique usuários do sistema que
por hipossuficiência econômica ou social não se socorrem do Poder Judiciário.
Para tanto, é necessário que os entes federados assumam o compromisso de executar
as políticas públicas contempladas nos protocolos clínicos e nas diretrizes terapêuticas do
Ministério da Saúde, evitando a propositura de ações que versem sobre a falta de execução de
uma política pública já prevista. Igualmente, é possível adotar mecanismos de conciliação
prévia, através dos quais técnicos das Secretarias de Saúde avaliem a condição médica do
potencial postulante da tutela jurisdicional e, no âmbito de um procedimento administrativo,
pronunciem-se pelo deferimento do pedido de entrega da prestação de saúde pretendida, ainda
que não padronizada, dispensando o recurso à via jurisdicional.
A proposta conciliatória vem sendo implementada com êxito na cidade de São Paulo,
através de parceria entre a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e a Secretaria Estadual
da Saúde, e resultou em drástica queda do número de ações ajuizadas36.
34 Pronunciamento proferido por Alexandre Sampaio Zakir, representante da Secretaria de Segurança Pública e do Governo de São Paulo, na Audiência Pública n. 04, em 29 de abril de 2009, Brasília/DF. Painel: GESTÃO DO SUS – LEGISLAÇÃO DO SUS E UNIVERSALIDADE DO SISTEMA. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoaudienciapublicasaude/anexo/sr_alexandre_sampaio_zakir.pdf. Acesso em 07/07/2009. 35 Pronunciamento proferido pela Dra. Janaína Barbier Gonçalves, Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul, na Audiência Pública n. 04, em 04 de maio de 2009, Brasília/DF. Painel: REGISTRO NA ANVISA E PROTOCOLOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO SUS. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/PGERS.pdf. Acesso em 07/07/2009. 36 Pronunciamento proferido pelo Dr. Vitore Maximiano, Defensor Público do Estado de São Paulo, na Audiência Pública n. 04, em 29 de abril de 2009, Brasília/DF. Painel: GESTÃO DO SUS – LEGISLAÇÃO DO
13
A solução conciliatória parece ser também prestigiada pelo Ministério da Saúde que se
compromete a atualizar protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas, acelerar e tornar mais
transparente a atuação da Comissão Técnica de Incorporação de Tecnologias (CITEC),
organizar e aperfeiçoar a pesquisa em redes de centros de referência, estabelecendo resultados
nacionais e, incrementar a criação de Centros de Referência em parceria com Estados e
Municípios, para dar assistência aos pacientes que recebem medicamentos de alto custo. No
que concerne ao equacionamento dos problemas de gestão oriundos das ações judiciais, o
Ministério da Saúde propõe “oferecer ao Judiciário – como há em alguns Estados –
assessoria técnica em centro de referência, por profissionais ad hoc, sem conflito de
interesses e sem relação com a assistência e prescrição aos pacientes”37.
A adoção de tais medidas reduziria, inequivocamente, o número de ações judiciais
tornando viável ao Poder Judiciário a análise dos pleitos remanescentes com critérios
rigorosos, com vistas a prevenir fraudes, desperdício de recursos públicos e a desarticulação
do Sistema Único de Saúde - SUS.
O problema que se evidencia, neste ponto, é definir quais são os critérios que devem
ser empregados pelo Poder Judiciário para delimitar o núcleo essencial do direito à saúde
caracterizável como direito subjetivo que poderia ser legitimamente extraído da Constituição
Federal a partir da análise da controvérsia posta, afinal: Como visto, constitucionalismo traduz-se em respeito aos direitos fundamentais. E democracia, em soberania popular e governo da maioria. Mas pode acontecer de a maioria política vulnerar direitos fundamentais. Quando isto ocorre, cabe ao Judiciário agir. É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado constitucional democrático que se coloca a questão essencial: podem juízes e tribunais interferir com as deliberações dos órgãos que representam as maiorias políticas – isto é, o Legislativo e o Executivo -, impondo ou invalidando ações administrativas e políticas públicas? A resposta será afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando, inequivocamente, para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou para dar cumprimento a alguma lei existente. Vale dizer: para que seja legítima, a atuação judicial não pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, precisando sempre reconduzir-se a uma prévia deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador. 38
O primeiro aspecto que deve ser revisado pelo Poder Judiciário relaciona-se à
concessão indiscriminada de medidas liminares, tutelas antecipadas e cautelares, considerando
SUS E UNIVERSALIDADE DO SISTEMA. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Sr_Vitore_Maximiano.pdf. Acesso em 05/07/2009. 37 Pronunciamento proferido pelo Ministro José Gomes Temporão na Audiência Pública n. 04, em 07 de maio de 2009, Brasília/DF. Painel: ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA DO SUS. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Temporao.pdf. Acesso em 09/07/2009 38 BARROSO, Luiz Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Disponível em: www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf. Acesso em 26/04/08.
14
que Juiz não pode furtar-se da verificação, em cada caso concreto, da real existência de
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação à vida ou à saúde do postulante da
tutela, ou seja, o requisito da urgência deve estar ampla e concretamente demonstrado para
justificar a determinação judicial de que o Estado forneça liminarmente o medicamento,
tratamento ou insumo exigido pelo demandante.
Por outro lado, considerando que muitas ações são ajuizadas para a entrega de
prestações de saúde já contempladas em uma política pública existente e regularmente
executada, sendo patente a falta de interesse de agir do postulante, seria razoável exigir que
este comprovasse que seu pleito de entrega do medicamento, insumo ou tratamento foi
previamente indeferido pelo Poder Público39.
Superada essa etapa, deve-se impor ao postulante da tutela jurisdicional que comprove
sua hipossuficiência financeira para suportar o custo do tratamento pleiteado, pois, o
reconhecimento judicial do direito subjetivo à saúde não se sustenta, propriamente, na norma
do artigo 196 da Constituição Federal que, como salientado no primeiro capítulo, é norma
programática que só pode ser concretizada através da atuação institucional do Poder Público.
Na verdade, o direito subjetivo à saúde reconhecido judicialmente é amparado no princípio da
dignidade da pessoa humana e na teoria do mínimo existencial que supõem a preservação da
vida e saúde como pressupostos do exercício efetivo das liberdades jurídicas asseguradas na
Lei Maior.
Logo, não é razoável invocar os postulados do acesso universal e igualitário (CF, art.
196) para legitimar o reconhecimento do direito subjetivo à saúde de demandantes que tenham
condições financeiras para custear o tratamento médico pleiteado já que eles não enfrentam
qualquer risco de vulnerabilidade ao seu núcleo de direitos existenciais. Deveras, como alerta
INGO WOLFANG SARLET: [...] a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para o seu sustento. [...] o princípio da proporcionalidade também opera nesta esfera e que não se afigura como proporcional (e até mesmo razoável) que um particular que disponha de recursos suficientes para financiar um bom plano de saúde privado (sem o comprometimento de um padrão digno de vida para si e sua família, e sem prejuízo,
39 Pronunciamento proferido pelo Dr. Domingos Adib Jatene na Audiência Pública n. 04, em 29 de abril de 2009, Brasília/DF. Painel: GESTÃO DO SUS – LEGISLAÇÃO DO SUSE E UNIVERSALIDADE DO SISTEMA. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Sr_Adib_Jatene.pdf. Acesso em 04/07/09.
15
portanto, do acesso a outros bens fundamentais como educação, moradia, etc) possa acessar, sem qualquer tipo de limitação ou condição, o sistema público de saúde nas mesmas condições que alguém que não esteja apto a prover com recursos próprios a sua saúde pessoal. [...] Em termos de direitos sociais básicos a efetiva necessidade haverá de ser um parâmetro a ser levado a sério, juntamente com os princípios da solidariedade e da proporcionalidade. [...].40
Constatada a hipossuficiência financeira do autor para custear o tratamento postulado,
deve-se verificar, ainda, a eventual existência de alternativas terapêuticas disponibilizas aos
usuários do Sistema Único de Saúde para o tratamento da patologia do demandante, e,
existindo a alternativa, a pretensão não deve ser acatada, já que é razoável reconhecer ao
Poder Público a competência discricionária de eleger, dentre as alternativas de tratamento
viáveis, aquela mais conveniente e oportuna ao atendimento da necessidade pública
identificada sob o prisma do custo-efetividade41.
Ainda, o Poder Judiciário não deve instar o Poder Público a fornecer aos postulantes
de tutelas jurisdicionais medicamentos cuja eficácia terapêutica é questionável, seja por falta
de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, seja por indicação “off
label”42, seja em face de novas evidências científicas corroboradas pela literatura médica
mais recente, afinal, a competência discricionária da administração pública abrange a
definição de critérios técnicos acerca da eficácia e segurança dos medicamentos que não são
sindicáveis na esfera jurisdicional.
Ademais, ao Estado será legítimo objetar que o tratamento pleiteado seja executado
através de opções terapêuticas menos onerosas e razoavelmente eficazes para preservação da
vida e saúde do postulante, não sendo admissível, também, exigir que o Poder Público
entregue ao demandante um medicamento de marca se existir o princípio ativo genérico
disponível no mercado farmacêutico.
40 SARLET, Ingo Wolfang A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 304, 347 e 376. 41 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 462. 42 Muitas vezes o postulante da tutela jurisdicional busca receber medicamento com amparo na prescrição “off label”, mediante a qual o médico dispensa determinado medicamento já conhecido no mercado farmacêutico, mas para tratar patologia não contemplada na indicação terapêutica da bula do remédio. A prescrição, no caso, é baseada em conhecimentos adquiridos em congressos e na literatura científica. Em tal hipótese, a responsabilidade pela eficácia do tratamento e dos possíveis efeitos colaterais é integralmente atribuída ao médico que avia a receita, pois, a indicação proposta não tem amparo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que aprovou a droga para tratamento de patologia diferente daquela que acomete o paciente (VIVIANO, Lúcia. Uso “off label” De Medicamentos. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/pdf/bfarmaco_2.pdf. Acesso em 15/04/2008.)
16
Porém, se para o tratamento de certa doença houver somente uma opção terapêutica
amparada na medicina de evidências43 da qual dependa a preservação da vida ou da saúde do
demandante, o Poder Executivo estará em princípio vinculado adotá-la44, segundo a
jurisprudência consolidada de nossa Corte Constitucional. Nada obstante, esta última
afirmação só será verdadeira se o acolhimento da pretensão individual não colocar em risco
outras ações e serviços integrantes do Sistema Único de Saúde e for compatível com o
princípio da justiça distributiva. Explica-se:
O financiamento do Sistema Único de Saúde é realizado por todas as pessoas políticas
que são obrigadas a investir determinados percentuais mínimos de receitas públicas para
executar ações e serviços de saúde, de acordo com o que for definido em lei complementar
(CF, art. 198, parágrafo 2º). A elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de
Saúde é atribuição de todos os entes federados e deve corresponder às exigências de aportes
financeiros destinados a realizar o plano de saúde governamental para o exercício respectivo
(Lei n. 8080/90, art. 15). Por força do princípio da legalidade orçamentária, as despesas
realizadas pelos órgãos integrantes do Sistema Único de Saúde só podem ser financiadas com
recursos previstos no orçamento correspondente.
Eis o motivo pelo qual a Lei n. 8080/96 determina que os planos de saúde serão a base
das atividades e programações de cada nível de direção do Sistema Único de Saúde, e seu
financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária (art. 36, parágrafo 1º), sendo
vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de
saúde, exceto em situações emergenciais ou em caso de calamidade pública (art. 36, parágrafo
2º).
A premente necessidade de atender aos mandados judiciais que estipulam prazos
exíguos para o fornecimento de medicamentos, tratamentos e insumos consubstancia,
inequivocamente, situação emergencial na forma prevista pelo parágrafo 2º, do artigo 36, da
Lei n. 8080/96, a qual autoriza a transferência de recursos de uma ação e serviço de saúde
para outra, pois, do contrário, a pessoa política destinatária da ordem judicial poderá ser
penalizada, seja pela incidência de multa diária, seja com o bloqueio de verbas públicas45.
43 Pronunciamento proferido pelo Dr. Raul Cutait na Audiência Pública n. 04, em 06 de maio de 2009, Brasília/DF. Painel: POLITICAS PÚBLICA DE SAÚDE – INTEGRALIDADE DO SISTEMA. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Raul_Cutait.pdf Acesso em 09/07/09. 44 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 463. 45 É expressiva a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o descuprimento de mandados judiciais que determinam ao Poder Público a entrega de medicamentos aos beneficiários das tutelas jurisdicionais enseja o bloqueio de verbas públicas, com base no artigo 461, parágrafo 5º, do CPC, como meio de
17
Logo, o administrador público, para cumprir o princípio da legalidade orçamentária e
atender com presteza as ordens judiciais, simplesmente retira recursos do próprio orçamento
da saúde para adquirir os medicamentos, tratamentos e insumos solicitados pelos
demandantes, prejudicando os usuários do Sistema Único de Saúde, cujas ações regulares são
comprometidas para viabilizar o atendimento às requisições judiciais.
Assim, o óbice da reserva do possível não pode ser simplesmente desprezado pelas
decisões judiciais que, especialmente em um cenário de multiplicação de demandas, podem
potencialmente, desorganizar o Sistema Único de Saúde afetando o integral atendimento dos
pacientes regularmente inscritos em programas públicos de acesso gratuito a medicamentos,
tratamentos e insumos, os quais são imediatamente atingidos pelo desvio de recursos
originariamente alocados.
Na matéria, destaca-se a arguta observação de LUIS ROBERTO BARROSO: “São comuns, por exemplo, programas de atendimento integral, no âmbito dos quais, além de medicamentos, os pacientes recebem atendimento médico, social e psicológico. Quando há alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de medicamentos, freqüentemente o Governo retira o fármaco do programa, desatendendo a um paciente que o recebia regularmente, para entregá-lo ao litigante individual que obteve a decisão favorável.” 46
A situação descrita consubstancia verdadeira colisão entre os direitos fundamentais à
vida e à saúde do postulante da tutela jurisdicional, de um lado, e de pacientes cadastrados
previamente em programas de assistência à saúde, de outro, não sendo possível, então,
desconsiderar o óbice da reserva do possível, afinal: “A reserva do possível constitui, em verdade (considerada em toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direitos, quando se cuidar da invocação – observados sempre os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental.”47.
Na mesma esteira, há julgados recentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
acolhendo a tese de ser inviável a salvaguarda do direito à vida e à saúde do postulante da
tutela judicial se ficar demonstrado que a despesa pública efetuada para fornecer a prestação
de saúde pretendida poderá comprometer o orçamento destinado à saúde pública, em prejuízo
efetivar o direito do postulante. Nesse sentido: AgRg no REsp 935083; REsp 900458; REsp 836913; AgRg no REsp 888325; REsp 840912. 46 BARROSO, Luiz Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Disponível em: www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf. Acesso em 26/04/08. 47 SARLET, Ingo Wolfang A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 305.
18
de outras parcelas da população que ficariam sem acesso às ações e serviços de saúde. Eis
alguns trechos emblemáticos extraídos dos votos proferidos pelos Desembargadores Relatores
dos acórdãos em destaque: “A aquisição a preço de mercado de medicamento específico para um paciente, que teve a felicidade de conseguir o concurso de um advogado para acionar o Poder Judiciário, custa, economicamente, desvio de verbas da saúde, com o risco do perecimento de centenas de crianças carentes por falta de uma simples vacina. Lastima-se o mal que só pode ser combatido com medicamentos caríssimos e importados mas, direcionar-se recurso público para esse particular paciente implica em sacrificar o necessário recurso que seria destinado a uma vacina, medida preventiva indispensável para a sobrevivência de milhares de crianças originárias, igualmente de bolsões de miséria que cercam as grandes cidades. Trata-se de evidente inversão de valores.”48 “Há de se ter em mente que causas como a presente, versando sobre a distribuição gratuita de medicamentos, possuem implicações muito mais amplas e complexas do que se poderia inicialmente imaginar. A proliferação indiscriminada de ordens judiciais determinando a aquisição de medicamentos caríssimos e não devidamente incorporados às listas e programas oficiais acaba, em última instância, comprometendo totalmente o planejamento realizado pelo Poder Executivo para a já combalida área da saúde pública no país. Apenas a título de exemplo, pesquisas recentes indicam que no Estado de São Paulo quase um terço da verba para a compra de medicamentos é consumida no cumprimento de decisões judiciais que beneficiam menos de um décimo da população que recebe gratuitamente remédios na rede pública. É fácil perceber que tal quadro torna quase que inviável a concretização de políticas públicas visando a redução da desigualdade e a realização tão reclamada da justiça social.”49
Por outro lado, as decisões judiciais não podem desconsiderar o fato de que o
orçamento destinado à saúde é limitado e que seus recursos devem ser aplicados para garantir
o direito à saúde como direito social, e não simplesmente como direito individual. Ambas as
dimensões devem ser compatibilizadas, de modo que a tutela jurisdicional não pode ser
conferida com base exclusiva na avaliação médica do postulante, mas, deve também ser
apoiada em critérios técnicos e econômicos. Com efeito, considerando que na área da saúde o
aumento dos custos decorrente da incessante incorporação de novas tecnologias faz eclodir a
escassez de recursos como realidade inegável50, é preciso que as decisões judiciais sejam
pautadas por critérios de justiça distributiva sob pena de malferir o princípio da isonomia,
afinal, o Sistema Único de Saúde não pode ser obrigado a oferecer medicamentos, tratamentos
e insumos que encerrem um nível de desenvolvimento científico superior à média e que não
podem ser disponibilizados a todos os usuários do sistema. 48 Apelação Cível 646.308-5/5-00, 7ª Câmara Cível do TJSP, Relator Des. Cláudio Marques, julgado em 09/11/2007. Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 27/04/2008. 49 Apelação Cível 734.721-5/9-00, 2ª Câmara Cível do TJSP, Relator Des. Corrêa Vianna, julgado em 26/02/2008. Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em: 27/04/2008. 50 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 147.
19
CONCLUSÕES 1) O artigo 196 da Constituição Federal veicula uma norma-princípio programática
garantidora do direito à saúde em sua dimensão objetiva e, conseqüentemente, a efetividade
desse comando constitucional está condicionada por fatores jurídicos, sociais e econômicos
que só podem ser avaliados institucionalmente pelo Poder Executivo na condição de titular da
competência constitucional de criar e executar políticas de saúde pública.
2) Nossa Corte Suprema admite ser possível extrair diretamente da Constituição
Federal o direito subjetivo à saúde com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.
3) O crescente deferimento de pleitos judiciais para que o Poder Público forneça aos
demandantes medicamentos, insumos e tratamentos não contemplados em protocolos clínicos
e nas diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde representa grave risco ao regular
funcionamento do Sistema Único de Saúde.
4) O Poder Público deve executar as políticas de saúde pública previstas nos
protocolos clínicos e nas diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde e, se possível, adotar
mecanismos de conciliação prévia avaliando a necessidade, adequação e proporcionalidade da
prestação de saúde pretendida pelo potencial demandante, e, sendo o caso, entregando desde
logo o medicamento, tratamento ou insumo almejado, a fim de reduzir o número de demandas
judiciais propostas e melhor gerenciar as remanescentes.
5) Os órgãos jurisdicionais devem agir com redobrada cautela ao instar o Poder
Público a fornecer medicamentos, tratamentos e insumos não contemplados em protocolos
clínicos e nas diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde, só sendo admissível atender às
pretensões individuais se ficar demonstrado, inequivocamente, que: (5.1) não haverá violação
do direito à saúde de outros usuários do Sistema Único de Saúde – SUS, diante do
redirecionamento das receitas orçamentárias; (5.2) o deferimento da tutela é compatível com o
princípio da justiça distributiva; (5.3) o postulante da medida judicial não tem condições
financeiras de pagar o tratamento; (5.4) inexistem alternativas terapêuticas já disponibilizadas
pelo Poder Público, ou menos onerosas, idôneas a substituir o tratamento médico, ainda que
não garantam idêntico conforto ao paciente; (5.5) o medicamento é comprovadamente eficaz e
tem registro na ANVISA, sendo objeto de prescrição médica regular (não “off label”); (5.6) a
patologia é grave sendo a prestação de saúde postulada indispensável à preservação da vida e
da saúde do demandante.
20
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003. _______________________ Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Disponível em: www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf. Acesso em: 26/04/08. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 2ª Edição. Coimbra: Almendina, 1998. GOUVÊA, Marcos Masseli. O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: A Efetividade dos Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. MARQUES, Silvia Badin, DALLARI, Sueli Gandolfi. Garantia do Direito Social à assistência farmacêutica no Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Garantia_do_direito_social_a_assistencia_farmaceutica_no_Estado_de_Sao_Paulo.pdf. Acesso em 05/07/2009. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional – Vol. II. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. _______________ Manual de Direito Constitucional – Vol. IV. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. SARLET, Ingo Wolfang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.