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Os “Livros de Registro de Entrada de Gado” da Feira de Capoame (1784-1811) Juliana da Silva Henrique 1 O objetivo desta comunicação é apresentar alguns aspectos da dinâmica de funcionamento da Feira de Capoame partindo da análise dos “Livros de Registro de Entrada de Gado”, localizados no Arquivo Municipal de Salvador (AMS). Pretende-se, portanto, pensar em Capoame como espaço articulador de uma rede mercantil que envolvia desde agentes dedicados à pecuária estabelecida nas mais distintas partes dos sertões baianos até os marchantes responsáveis diretos pelo abastecimento da principal região consumidora de carne verde da capitania: a cidade da Bahia de Todos os Santos e seu Recôncavo. Por fim, faz-se necessário problematizar alguns aspectos da pecuária desenvolvida nos sertões baianos da América Portuguesa e sua importância para a reprodução econômica e social da colônia. Palavras-chave: Bahia – Capoame – pecuária – sertão – abastecimento 1 Mestranda pelo Programa de História Econômica do Departamento de História da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Os “Livros de Registro de Entrada de Gado” da Feira de Capoame (1784 - 1811)

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O objetivo desta comunicação é apresentar alguns aspectos da dinâmica de funcionamento da Feira de Capoame partindo da análise dos “Livros de Registro de Entrada de Gado”, localizados no Arquivo Municipal de Salvador (AMS). Pretende - se, portanto, pensar em Capoame como espaço articulador de uma rede mercantil que envolvia desde agentes dedicados à pecuária estabelecida nas mais distintas partes dos sertões baianos até os marchantes responsáveis diretos pelo abastecimento da principal região consumidora de carne verde da capitania: a cidade da Bahia de Todos os Santos e seu Recôncavo. Por fim, faz- se necessário problematizar alguns aspectos da pecuária de senvolvida nos sertões baianos da América Portuguesa e sua importância para a reprodução econômica e social da colônia.

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  • Os Livros de Registro de Entrada de Gado da Feira de Capoame

    (1784-1811)

    Juliana da Silva Henrique1

    O objetivo desta comunicao apresentar alguns aspectos da dinmica de funcionamento

    da Feira de Capoame partindo da anlise dos Livros de Registro de Entrada de Gado,

    localizados no Arquivo Municipal de Salvador (AMS). Pretende-se, portanto, pensar em

    Capoame como espao articulador de uma rede mercantil que envolvia desde agentes dedicados

    pecuria estabelecida nas mais distintas partes dos sertes baianos at os marchantes

    responsveis diretos pelo abastecimento da principal regio consumidora de carne verde da

    capitania: a cidade da Bahia de Todos os Santos e seu Recncavo. Por fim, faz-se necessrio

    problematizar alguns aspectos da pecuria desenvolvida nos sertes baianos da Amrica

    Portuguesa e sua importncia para a reproduo econmica e social da colnia.

    Palavras-chave: Bahia Capoame pecuria serto abastecimento

    1 Mestranda pelo Programa de Histria Econmica do Departamento de Histria da Universidade de So Paulo. E-mail: [email protected]

  • Capoame era uma feira de gado localizada a oito lguas da sede do governo geral da

    Amrica Portuguesa: a cidade da Bahia de Todos os Santos. Apontada na dcada de 1640 como

    espao de arrebanhamento do gado vindo do serto para abastecer naus, tropas estacionadas,

    habitantes e funcionrios da administrao rgia; institucionalizada como feira em que se

    estabeleceu um registro de entrada de gado na dcada de 1720 para extinguir-se em 1839

    (momento em que foi transferida para Feira de Santana), Capoame era por onde deveria passar

    todo o gado com destino ao abastecimento da Cidade da Bahia de Todos os Santos (depois

    Salvador) e seu Recncavo.

    Com uma populao de aproximadamente 40.000 habitantes2, a cidade de Salvador no

    sculo XVIII - em especial no final do sculo - dependia largamente da produo de alimentos

    provenientes de outras regies, seja do Recncavo seja do interior da Capitania para a

    reproduo diria das unidades produtivas altamente (mas no absolutamente) especializadas

    como os engenhos de acar e o suprimento alimentar da burocracia colonial e de inmeros

    colonos ali instalados. Os alimentos de primeira necessidade largamente consumidos como a

    mandioca e a carne acabavam passando pelo mercado local promovendo a consolidao de redes

    mercantis voltadas para o abastecimento interno. 3

    A carne consumida na cidade de Salvador e em boa parte do Recncavo vinha

    principalmente do interior da Capitania e adjacentes. O comrcio da carne verde era controlado

    desde o sculo XVII pela Camara Municipal atravs da arrematao da renda dos talhos, que

    delegava portanto a um negociante a responsabilidade de encaminhar as rezes vindas de

    Capoame ao Matadouro Pblico e posteriormente aos Aougues e Talhos espalhados pelas

    freguesias urbanas e suburbanas.4 A arrematao desta renda tinha por objetivo garantir o

    2 Avanete Pereira Sousa. Poder local, cidade e atividade econmica (Bahia, sculo XVIII). So Paulo, 2003, p. 108 3 B. J. Barickman. Um contraponto bainao: acar, tabaco e escravido no Recncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro,

    2003, p. 307

    4 Avanete Pereira Sousa, op. cit.

  • fornecimento de carne por um preo determinado e vencia a concorrncia aquele que

    conseguisse estabelecer o menor preo da carne entregue aos Aougues.

    Foi a busca por um maior controle sobre este comrcio que impulsionou a elaborao de

    diversas medidas pela Camara Municipal de Salvador no sentido de garantir o abastecimento

    minimamente regular de vveres dos quais os habitantes da cidade eram em grande medida

    dependentes. Os debates da Camara Municipal e as diversas medidas que esta Casa tomara no

    decorrer do sculo XVIII tinha justamente o objetivo de livrar a cidade da carestia quase

    imanente em que viviam seus moradores (pelo menos em relao ao consumo de carne), assim

    como impedir a ao de atravessadores e contrabandistas que se aproveitavam da falta de carne

    na praa de Salvador para cobrar preos extorcivos da populao. Proibindo que o comrcio de

    carne ocorresse de forma livre e fora dos locais pr-determinados, tais como a feira de Capoame

    a partir da dcada de 1720, os funcionrios da Camara tinham por intuito tambm manter seu

    monoplio sobre to lucrativo negcio, fruto de 71,89% da renda municipal entre 1701-1767,

    correspondendo em 1768-1800 a 85,86% do total arrecadado.5

    dentro desta lgica de aumento de controle sobre o comrcio de gneros de primeira

    necessidade que se enquadra a produo dos Livros de Registro de Entrada de Gado na feira

    de Capoame localizados no Arquivo Municipal de Salvador (AMS). Apesar de haver referncias

    nas Atas da Camara Municipal de Salvador de registros de entrada de gado desde pelo menos

    1727 e 17286, ou seja, desde o seu surgimento como espao institucionalizado, conseguimos

    localizar somente os livros correspondentes aos anos de 1784 - 1811. Embora seja um recorte

    limitado, que inviabiliza, por exemplo, projees a longo prazo do comrcio do gado em Capoame

    ou at mesmo um estudo mais detalhado das mudanas ocorridas durante o perodo de existncia

    da feira, os Livros de registro de Entrada de Gado mostraram-se um excelente ponto de

    partida para o estudo de um espao cuja documentao encontra-se espalhada por arquivos que

    ainda precisam ser localizados. Sua riqueza em informaes quantitativas e qualitativas sobre a

    dinmica de funcionamento da feira em si e as conexes existentes entre a produo sertaneja de

    gado vaccum, sua circulao por Capoame at chegar na cidade de Salvador permitem um olhar

    mais atento em relao pecuria e sua importncia para a reproduo da sociedade colonial.

    5 Avanete Sousa, op. cit, p. 229 e 230, grficos 8 e 9. 6 Termo de vereao e rezoluo que se tomou sobre a conta que por ordem do Exmo. Senhor Vice Rey se tomou

    aos marchantes e criadores do gado digo de todo gado que veyo da feira de Capoame para esta cidade e se

    cortou nos aougues della de 3 de septembro de 1727 athe 28 do corrente [ dezembro de 1728]. Documentos Histricos do Arquivo Municipal. Atas da Camara, 1718-1731. vol.8. Salvador, p.152

  • Porm, ainda necessrio uma maior sistematizao dos dados localizados, cabendo neste artigo

    somente apontar algumas informaes relevantes e exemplares que sero melhor analisadas no

    decorrer da pesquisa ainda em desenvolvimento.

    A estrutura dos livros varia consideravelmente de acordo com o escrivo. Entretanto, a

    lgica bsica deste documento a seguinte: tudo o que entra na feira deve ser registrado, assim

    como todo o gado que sai, tendo de ser sempre numericamente igual, entrando na contabilidade

    inclusive as rezes mortas. Todos os livros possuem como informaes bsicas a quantidade de

    rezes de cada boiada, qual sua origem, quem o responsvel pela conduo da boiada,

    especificando se o criador, um condutor ou um escravo. Sobre as boiadas que saiam

    semanalmente da feira, h sempre a indicao do nome do marchante responsvel por lev-las

    at o Matadouro de Salvador e qual a quantidade de rezes conduzida possivelmente com o auxlio

    de escravos, o nmero de rezes destinadas as outras freguesias do termo da cidade, assim como

    a outras vilas do recncavo. H inclusive uma parte dedicada descrio de todas as pessoas

    que eram isentas do pagamento de 500 ris por cabea de gado, sendo apontada na maior parte

    das vezes o nome de engenhos de cana-de-aucar pertencentes a homens da elite baiana, assim

    como conventos e hospitais.

    Pelas indicaes encontradas, Capoame ficava na freguesia de Santo Amaro de Ipitanga,

    prximo ao Rio Joannes e Jacupe. Localizava-se perto da Aldeia jesuta do Esprito Santo que

    tornou-se Vila de Nova Abrantes do Esprito Santo em 1758. Na mesma freguesia ficava Mata de

    S. Joo, com povoao de engenho Capella e varios moradores para dentro da terra e a

    Capella de Santo Antonio da Capoame.7 Vale lembar que Mata de S. Joo foi um dos lugares

    apontados por Luiz Mott como espao em que se estabeleceu uma outra feira de gado.8 Cabe

    agora saber se Capoame e a feira supostamente situada em Mata de S. Joo tratam-se do mesmo

    lugar ou no, considerando a proximidade dos dois espaos e o fato do documento supracitado

    falar da existncia de uma capela localizada em Mata de S. Joo cujo nome se referia Capoame.

    Contudo, mesmo o fato de estarem prximas geograficamente tambm no significa a

    impossibilidade destes dois pontos de comrcio coexistirem. Procurar mais informaes sobre

    Mata de S. Joo, no limite, servir tambm para encontrarmos novas pistas sobre mais uma feira

    7 Manoel de Oliveira Mendes. Livro de cartas do Senado para Sua Magestade, 1746-1822 Relao topographica

    da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos e seu termo que fez o medidor das Obras da Cidade Manoel

    Mendes. AAPB, 1917, vol.1, p. 12 e segs. 8 Luiz Mott, Subsdios histria do pequeno comrcio no Brasil, Revista de Histria. So Paulo, USP, 1976, v.

    LIII, n. 105.

  • rasamente estudada.

    A propriedade das terras em que Capoame estava controversa, pois tratava-se de uma

    regio disputada por problemas relacionados as confusas cartas de sesmarias que geravam, no

    poucas vezes, a transposio de terras doadas a pessoas diferentes, fora os sempre mencionados

    posseiros, rendeiros entre outras pessoas que, em geral, eram os reais responsveis pela

    ocupao territorial. Pelo o que consta, Capoame fazia parte da sesmaria doada por Tom de

    Souza ao Conde da Castanheira, passando sucessivamente para os Marqueses de Lourial e para

    os Marqueses de Cascais. Quando morreu a Marquesa de Cascais, em 1763, as terras foram

    encorporadas aos bens da Coroa, passando depois de alguns anos para a Casa dos Marqueses de

    Nizza.9 Mesmo assim, como a maioria das outras sesmarias, a ocupao provavelmente foi

    efetivada por rendeiros. De acordo com a meno feita no inventrio dos bens confiscados da

    Companhia de Jesus, Capoame, por exemplo, aparece em nome de Marques de Cascais, mas

    parte de suas terras era habitada pelos religiosos.10

    Segundo um artigo encontrado nos Anais do Arquivo Pblico da Bahia, as terras dos Dias

    Dvila comeavam duas lguas depois do Rio Vermelho, onde terminava as terras do Conde de

    Castanheira. S que isso no os impediu de tambm utilizar-se destas partes que no os cabia.

    Entretanto, os conflitos travados em especial com os frades beneditinos, que tambm possuam

    sortes de terras na regio do Rio Jacupe, prximo Santo Amaro do Ipitanga e Itapoan, s

    auxiliam no sentido de dificultar o intendimento da situao fundiria desta regio.11

    Pelo o que informa o termo de criao da Vila Nova de Abrantes, os ndios

    (provavelmente os aldeados em Esprito Santo) tinham os ttulos das terras para quem os

    moradores, segundo o documento, deveriam pagar foro (o que provavelmente no acontecia).

    Outra parte do territrio era administrado pelos jesutas por doao onerosa de cincoenta

    Missas, que fez Paula de Cerqueira, como emphiteute do marquez de Lourial, a quem os ditos

    padres pago o foro, como sucessor do Conde da Castanheira.12

    Segundo uma descrio encontrada, por Capoame seguia uma estrada que ligava Salvador

    ao norte da Capitania. Este caminho passava por Feira Velha, Pojuca e rio Cat. Bordejando a

    9 Terras da casa dos Marquezes de Nizza. AAPB, vol.3. 10 Inventrio de diversos bens do Colgio da Baa, seqestrado em 1759, MS. Do Instituto Geogrfico e

    Histrico da Bahia, pasta 6, mao 5. In: Serafim Leite. Histria da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro / Lisboa, 1945, vol . 5, apndice C.

    11 AAPB, vol. 4 e 5 , p.59. 12 Idem, vol. 26, p.11.

  • Matta de S. Joo, chegava a Alagoinhas. Ahi entroncava com a que seguia para Agua Fria e

    Serrinha.13 Provavelmente ali se localizava o entroncamento de outras estradas. Em 1663, uma

    portaria autoriza o pagamento em gado ao Capito Joo Lobo Mesquista por abrir uma estrada

    que ia at Mata de So Joo.14 Por Jaguaripe, por exemplo, passava um caminho que foi feito por

    criadores para facilitar o transporte do gado e encurtar a viagem que poderia levar meses,

    causando prejuzo aos fazendeiros que viam o preo de seus bois cair por causa principalmente

    da perda de peso e mortes no decorrer das viagens e da travessia dos rios.15 Entretanto, at

    mesmo a abertura destas estradas causava desavenas pois muitas delas precisavam ser

    estabelecidas nas terras de fazendeiros que no queriam dar passagem para outrem.

    As feiras em Capoame ocorriam todas as quartas. Ali chegavam semanalmente boiadas

    vindas das mais distintas partes dos sertes baianos. Sertes baianos aqui compreendidos como

    os diferentes locais ocupados pelo movimento sertanista iniciado em meados do sculo XVII

    tendo por ponto irradiador justamente o litoral da Capitania da Bahia atravs da ao de seus

    colonos e de reinis al recm-chegados. Esta ampla e mltipla regio os sertes baianos - no

    correspondia necessariamente a diviso administrativa coincidente com a Capitania da Bahia,

    visto inclusive que no perodo colonial estas fronteiras eram altamente fludas sendo

    constantemente modificadas, alm de no conincidirem com os distintos poderes colonizadores

    que operavam na regio. O norte de Minas Gerais, por exemplo, at as primeiras dcadas do

    sculo XVIII pertenciam a jurisdio da Capitania da Bahia. O caso de Piau tambm

    emblemtico. Colonizada inicialmente por homens vindos em geral da Capitania da Bahia, seu

    territrio, por exemplo, em 1715-1718 era administrativamente subordinado ao Estado do

    Maranho, eclesiasticamente estava vinculado ao Bispado de Pernambuco (com sede em Olinda),

    mas judicialmente respondia pela Relao de Salvador na Bahia.16.No entanto, pensando na

    dinmica da pecuria, Piau estava muito mais vinculada Capitania da Bahia, visto que todo o

    gado produzido nas Fazendas da Real Administrao (herdadas pelos jesutas aps a morte de

    Domingos Afonso Serto e confiscadas durante as reformas pombalinas que resultaram na

    13 Idem, vol. 3, p. 207. 14 Portaria que se passou ao Capito Joo Lobo Mesquita, para se lhe pagar quantidade de gado. 15 de dezembro

    de 1663. Documentos Histricos da Biblioteca Nacional. Vol. 7, p. 130. 15 Registro da carta que este Senado escreveo a Meza da Fazenda deste Estado sobra a estrada de Jagoaripe.

    Bahia, 5 de novembro de 1718. Documentos Histricos do Arquivo Municipal . Cartas do Senado. 1710-1730. volmue 6, Salvador, p. 90.

    16 Charles Boxer. A Idade de ouro do Brasil. So Paulo, 1963, p. 211

  • expulso dos religiosos atravs do alvar rgio de 1759) serem conduzidas diretamente para a

    Feira de Capoame, segundo a documentao do Conselho Ultramarino.17

    Especialmente nos primeiros Livros de Registro de Entrada de Gado h sempre a

    especificao do local, ou melhor, do serto de onde as boiadas vinham. Vrios so os lugares

    mencionados, sendo os principais deles o Serto do Piau, Canind, Itaim, Rodelas, Paje, Rio de

    So Francisco, Rio de Baixo, Rio Real, Rio do Peixe, Tucano, Jacobina, Jacobina Nova, Morro do

    Chapu, Riacho da Brigida, Massacar, Inhamuns, Curass, Tocs, Lagarto, Porto da Folha,

    Itapicuru, Vaza Barris, Natuba, Serrinha, Urubu, Jeremoabo, Parnagu, Canabraba, Patamute,

    Jacorissi, Jaguaripe, Santo S, Gruguea, Saco do Moura, Ginguinge, Quiric, Itabaiana, Sifra,

    Guaribas, Cafuc, Carioca, Manhuns, Curimat, Mundo Novo, Paramirim, Tar, Tacaris,

    Caatingas.

    interessante reparar nos topnimos, sendo que vrios deles fazem referncia direta

    termos indgenas que prevaleceram aps o processo de conquista, seja porque estes locais j

    eram conhecidos por estes nomes e utilizados como referncia pelos indgenas que muitas vezes

    serviram de guias compulsrios ou no para as expedies, seja porque estes nomes remetiam a

    algum elemento relacionado ao processo de contato ou ocupao territorial promovida pelas

    expedies portuguesas e missionrias. Trata-se de verdadeiros testemunhos histricos.18

    Como parte do processo de integrar aos domnios da Coroa Portuguesa to vasto

    territrio antes ocupado por indgenas houve o estabelecimento de casas fortes mas

    principalmente de fazendas dedicadas criao de gado. Muitas destas unidades produtivas

    tinham o intuito de promover uma rpida ocupao das terras recm-conquistadas, servir como

    ponto de apoio para as demais expedies que percorressem aquela regio,19 alm de possibilitar

    que em alguma medida dal conseguessem seus novos ocupantes auferir algum tipo de renda.

    Conforme se acelerava o processo de expulso dos indgenas e consolidao da

    explorao da pecuria na regio foram aos poucos se delineando caminhos e estradas pelas quais

    fluam homens e mais tarde mercadorias. Estas estradas serviam inicialmente para ligar as

    17 AHU_CL_CU_016, cx.12, d. 717 (Oeiras do Piau, 1774, julho 22 ) Oficio do governador do Piau, Gonalo

    Botelho de Castro, ao secretario de Estado da marinha e Ultramar, Martinho de melo e Castro, sobre o

    rendimento dos bens dos jesutas, de 1773 a 28 de abril de 1774, e remetendo uma relao dos anima is que foram enviados para a Bahia.

    18 Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivao toponmica e a realidade brasileira. So Paulo, Arquivo do Estado, 1990.

    19 Marcio dos Santos, Fronteiras do serto baiano: 1640-1750. So Paulo, 2009, p. 187 e segs.

  • diferentes partes dos sertes ao litoral de onde saiu a grande maioria das primeiras expedies.

    Conhecidas no sculo XVIII como estrada das boiadas ou estrada Real, por estes caminhos

    transitavam homens e bois direcionados aos principais centros consumidores coloniais. No caso

    da Capitania da Bahia, a circulao tinha como ponto de chegada principalmente a Regio do

    Recncavo Baiano e Salvador na medida em que esta regio era cada vez mais dedicada ao

    cultivo e fabrico do acar e outros produtos, dentro de uma lgica de aumento da

    especializao da produo e tambm era o centro administrativo da Amrica Portuguesa at ser

    transferido para o Rio de Janeiro em 1763.

    Os primeiros homens que ocuparam o serto em nome da Coroa Portuguesa estavam em

    geral envolvidos na guerra de extermnio dos indgenas, assim como no processo de destruio

    de quilombos que no poucas vezes pipocaram, e at mesmo, por muito tempo resistiram no

    interior de diversas Capitanias.20 Os chefes destas expedies e os homens que mais se

    destacavam durante as guerras solicitavam e s vezes adquiriam as terras que conseguiam

    arrasar como uma espcie de merc pelo servio prestado. Mas no s de grandes sesmeiros fez-

    se o serto. No raras vezes quem efetivou a ocupao e a produo sertaneja foram colonos,

    posseiros e rendeiros, possivelmente membros menos destacados das primeiras expedies e

    entradas ou mesmo homens vindos do litoral que encontravam no serto uma maneira de

    sobrevivncia.21 A descoberta de metais preciosos na regio do Rio das Velhas e outras partes da

    Capitania da Bahia foram tambm grandes propulsores do aumento populacional por estas

    bandas.

    Os Livros de Registro de Entrada de Gado fazem sempre referncia ao nome do

    responsvel pela conduo das boiadas vindas do serto at chegaram a Capoame. O nmero

    significativo de criadores cujo nome aparece no Registro de Entrada de Gado de Capoame

    revela a quantidade e variedade considervel de homens dedicados a esta atividade econmica.

    Portanto, e ao que tudo indica, no foram somente os grandes fazendeiros e semeiros os

    responsveis pelo abastecimento da regio prxima ao litoral baiano, assim como tambm no

    foram os grandes ou nicos responsveis pela ocupao dos sertes baianos. Homens cuja

    histria ainda encontra-se ofuscada diante dos sempre lembrados membros da Casa da Torre ou

    20 Sobre as instrues para as entradas e assaltos ao mocambos existentes no interior da capitania da Bahia, ver:

    Documentos Histricos, Ordem que levou o Capito-mor das Entradas Comandante Antonio Vaz de Almeida. Bahia, 4 de junho de 1715 volume 54, p. 15

    21 Kalina Vanderlei Silva. Nas solides vastas e assustadoras. A conquista do serto de Pernambuco pelas vilas aucareiras nos sculos XVII e XVIII. Recife, Cepe, 2010.

  • da Casa da Ponte, assim como alguns sertanistas e capites mores.

    O fato dos Livros de Registro de Entrada de Gado fazerem sempre referncia ao nome

    do criador responsvel pela conduo da boiada nos permite cruzar esta fonte com outros

    documentos, tais como os inventrios post-mortem. Em uma breve visita ao Arquivo do Estado

    da Bahia (APEB) j foi possvel localizar documentos sobre alguns destes homens. Sero citados

    a seguir alguns destes casos somente para termos uma ideia das mltiplas relaes sociais e

    mercantis estabelecida nos sertes baianos.

    Valentim Rodrigues Teixeira, por exemplo, era um criador de gado do Serto do Curass

    que aparece nos Livros de Registro de Entrada de Gado encaminhando boiadas ou delegando

    tal funo ao seu escravo Domingos, considerado um bom vaqueiro pelo avaliador em 1795

    quando foi aberto o inventrio post mortem do criador.22 O mais curioso sobre Valentim o fato

    de ter comprado um fazenda denominada Pedra Branca do grande sesmeiro Mestre de Campo da

    Torre, da qual ainda possua uma dvida quando de seu falecimento. Tal informao nos permite

    pensar primeiramente nestes criadores que no adquiriram suas terras atravs de doaes rgias,

    mas ao mesmo tempo levanta o problema sobre a compra e venda de terras que compunham

    sesmarias, prtica corrente como podemos notar nos registros cartoriais e inventrios. A partir

    de algum momento, possivelmente de modo mais generalizado, na segunda metade do sculo

    XVIII, os herdeiros destas grandes sesmarias comearam, ou pelo menos ampliaram, a venda das

    terras. O problema da valorizao da terra e de sua comercializao precisam ainda ser melhor

    analisados.23

    A meno direta a estes ocupantes que auxiliavam os sesmeiros na efetivao da posse

    das terras foi feita tambm em um ofcio do Senado da Cmara ao Governador Geral em 1 de

    Outubro de 1718 no qual aparece o Coronel Garcia D'vila Pereira e seu colono Antonio

    Gomes de S no momento da construo da estrada que passava pela Ribeira do Jagoaribe para

    facilitar a conduo do gado direcionado Salvador.24

    Alm dos criadores espalhados pelo serto e que apareciam em grande quantidade por

    Capoame havia tambm os condutores que guiavam gado alheio. Pelas informaes encontradas

    tambm no inventrio de Valentim Rodrigues Teixeira, podemos observar que nem sempre os

    22 APEB, Seo Judiciria, Inventrio de Valentim Rodrigues Teixeira , e.8, cx. 6482, m. - (Jacobina),1795, fl. 4 v. 23 Para o caso da venda de parte das sesmarias doadas aos Guedes de Brito para seus rendeiros, ver: Erivaldo

    Fagundes Neves. Estrutura Fundiria e Dinmica Mercantil. Salvador, 2005. Sobre a questo da terra ver: Marcia Motta. Direito terra no Brasil: a gesto do conflito (1795-1824). So Paulo, 2009.

    24 AMS. Ofcios ao Governador (1712-1737), fl. 37

  • condutores eram funcionrios livres das fazendas que produziam o gado encaminhado ao litoral,

    podendo ser trabalhadores de outras unidades produtivas ou tambm criadores de outras

    paragens. Entre as dvidas ativas e passivas arroladas no inventrio temos a informao de que

    Francisco Rodrigues de Aquino, vaqueiro de Joo Barrozo Pereira, devia 60$000 pela venda de

    uma boiada pertencente Valentim.25

    No entanto, podemos observar tambm a frequncia com que algumas figuras bem

    conhecidas devido ao seu considervel cabedal transitavam pelos sertes em direo Capoame,

    seja pessoalmente ou seja (de maneira mais frequente) por intermdio de seus condutores e

    escravos.

    Uma das famlias que mais so mencionadas nos Livros de Registros de Entrada de

    Gado so os Rocha Pitta. Pertencentes a elite baiana, muito de seus membros chegaram a

    ocupar altos cargos pblicos, dentre eles Sebastio da Rocha Pitta, autor de Histria da

    Amrica Portuguesa. Possuam tambm investimentos em engenhos de acar.26 A meno

    semanal aos irmos Cristovo, Antonio e Lanarote diz respeito as rezes que mandavam vir de

    suas fazendas sertanejas para abastecer seus engenhos. Os criadores Vitorio de Souza, Joo

    Fereira, o condutor Antonio Joo do Serto do Rio de So Francisco, o condutor Capito

    Domingos Roiz' do Serto do Rio de Baixo, os condutores Joo Pires, Joo da Rocha, Antonio

    Teyxeira do Serto do Itaim, os criadores Dizidrio Pereira, Capito Florentino de Almeida

    Pereira e o condutor Lauriano de Almeida do Serto do Pajah, o condutor Joz de Torre do

    Serto do Piau so alguns dos homens mencionados como responsveis pela conduo das

    boiadas pertencentes Cristvo da Rocha Pitta. Estes nomes nos auxiliaro em pesquisas

    futuras por facilitar um anlise das redes comerciais e sociais do serto.27

    Outro grande fazendeiro e sesmeiro mencionado corriqueiramente nos Livros de

    Registro de Entrada de Gado foi o herdeiro da Casa da Ponte, sempre identificado como

    Fidalgo ou Defunto de Saldanha. Os escravos condutores Igncio e Antonio do Vale, o condutor

    Pedro Nunes da Silva, Antonio da Silva, Adriano de Souza do Serto do Tucano, o escravo

    condutor Luis Pereira do Serto da Jacobina foram os responsveis mais citados pelo

    25 APEB, Seo Judiciria, Inventrio de Valentim Rodrigues Teixeira , e.8, cx. 6482, m. - (Jacobina),1795, fl. 37. 26 Wanderley Pinho. Historia de um engenho no Reconcavo. Sao Paulo, Companhia Editora Nacional, 1982 . 27 O inventrio de Cristvo da Rocha Pita aparece dentre os existentes no arquivo municipal de Salvador e foi

    inclusive utilizado em estudos como por exemplo a tese de Maria Jos Rapassi Mascarenhas. Fortunas Colonias Elite e riqueza em Salavador (1760-1808). So Paulo, 1998. No entanto, tal inventrio no foi localizado na caixa que correspondia catalogao durante a ltima visita ao Arquivo Pblico do Estado da Bahia.

  • encaminhamento das boiadas que passaram por Capoame. Toda a semana tambm aparece nos

    Livros de Registro as rezes direcionadas ao Engenho da Mata, sempre isento do imposto sobre

    o gado. Este engenho, localizado em Mata de So Joo, portanto prximo Capoame, era um

    dos muitos engenhos, como por exemplo Acupe, que pertenciam a Casa da Ponte.28

    Alm dos escravos condutores pertencentes Casa da Ponte ainda possumos mais

    menes a estes homens que circulavam por estes sertes com o gado pertencente muitas vezes

    aos seus senhores. Alguns destes homens so Amaro, escravo de Loureno Barboza do Serto

    do Morro; os escravos Gonalo e Felix Gonalves pertencentes ao Sargento Mor Luis de

    Almeida do Serto do Itapicuru; Bernardo e Felcio, escravos de Antonio Pereira do Serto do

    Piau; Ilario do Serto de Curass; Manoel, escravo do Capito Pedro Caetano do Serto do

    Tocs; Roque, escravo de Joz Ferreira do Serto do Piau; Felipe Roiz', escravo de Floriano do

    Rego do Serto do Piau; Manoel, escravo de Joz Pires de Carvalho do Serto do Rio de So

    Francisco; Joz, escravo das religiosas da Soledade do Serto do Itapicuru.

    A presena de escravos nas fazendas de gado espalhadas pelo interior da Capitania da

    Bahia, Piau, Pernambuco e outras nos traz o questionamento sobre a escravido e

    principalmente o debate sobre a reificao. Estes homens possuam uma relativa liberdade de

    circulao sem a necessidade de uma vigilncia restrita de seus senhores ou capatazes. Eram

    responsveis pelo trato e conduo das boiadas, alm de participarem diretamente da defesa das

    unidades produtivas que podiam contar com a presena de outros trabalhadores livres ou no.

    Os escravos tambm aparecem de maneira mais detalhada na documentao dedicada

    boiadas que saam das fazendas da Adminstrao Real localizadas nos sertes da Capitania do

    Piau com destino Feira de Capoame. Nestas boiadas os escravos no aparecem em nenhum

    momento como os responsveis pela conduo, estes so sempre mencionados como os

    responsveis por funes secundrias, tais como tangedor, carregador, guia, o que nos auxilia a

    pensar no nmero de trabalhadores necessrios para a viabilizao da travessia do gado por

    longas distncias assim como a hierarquizao de funes que este tipo de trabalho muitas vezes

    requeria. 29

    28 Erivaldo Fagundes Neves, Estrutura Fundiria e Dinmica Mercantil. Alto Serto da Bahia, sculos XVIII e XIX.

    Salvador / Feira de Santana, 2005. , p. 166.

    29 AHU_CL_CU_016, cx.12, d. 717 (Oeiras do Piau, 1774, julho 22 ) Oficio do governador do Piau, Gonalo Botelho de Castro, ao secretario de Estado da marinha e Ultramar, Martinho de melo e Castro, sobre o

    rendimento dos bens dos jesutas, de 1773 a 28 de abril de 1774, e remetendo uma relao dos animais que foram enviados para a Bahia.

  • A existncia de escravos nas fazendas sertanejas ou conduzindo as boiadas com destino

    ao litoral baiano era muito frequente. Eles aparecem tanto nos inventrios como nos processos

    inquisitoriais como vaqueiros carregadores de patus devido as dificuldades existentes nos

    caminhos repletos de assaltantes e constantemente inviabilizado por ataques cometidos por

    indgenas ou por quilombolas.30

    O tamanho das boiadas que chegavam semanalmente feira variava muito conforme a

    poca do ano, acampanhando em grande medida o regime de chuvas que interferia diretamente

    nas condies dos caminhos pelos quais passavam homens e boiadas em direo Capoame. O

    regime de chuvas nos sertes baianos varia muito com o tempo e tambm de acordo com o local,

    dependendo diretamente da existncia de rios prximos ou no, assim como de outras variveis

    naturais mas tambm da interferncia secular do homem sobre aquela paisagem. De modo geral a

    estao seca vai de maio a setembro, sendo de junho a agosto quase nulo o volume pluviomtrico

    dependendo do local. A estao chuvosa comea em outubro e termina em abril do ano seguinte.

    H um relevante trecho do Livro de Registro de Entrada de Gado de 29 de novembro

    de 1786 que menciona a perda de algumas rezes por um condutor enquanto tentava atravessar

    um rio. Possivelmente era uma poca de grandes chuvas, aumentando portanto a vazante do rio,

    o que dificultava significativamente o trajeto destes trabalhadores.

    Fica em caminho hua Boyada por Conta do Rio no chegou a feira, em chegando entrar para

    dentro; e na feira vindoura hir encluida na guia o compito com que chegar. Mandei entrar os

    gado de pastorador, que j foram em guias. 31

    De fato na semana seguinte entrou em Capoame a boiada de Joo Ribeiro Macedo, vindo

    do Serto do Itapicuru com apenas 55 rezes. Nesta mesma data o restante do gado encaminhado

    pelos marchantes para Salvador fazia parte das boiadas que encontravam-se empastouradas na

    regio da feira h vrios dias, o que refora a ideia das dificuldades naquela semana do gado

    chegar at o litoral.

    O nmero mdio de rezes por boiada variava entre 100 a 200 cabeas. No entanto,

    dependendo da poca do ano no chegava boiada alguma at Capoame, sendo necessrio

    30 Luiz Mott. Quatro mandigueiros do serto de Jacobina nas garras da Inquisio. In: Inquisio e Sociedade.

    Salvador, 2010

    31 AMS. Registro de entrada do gado 1784-1811 fl. 125v

  • inclusive a interferncia dos funcionrios rgios no processo de descida e conduo do gado com

    destino ao litoral. H inmeros registros de marchantes que em nome da Camara Municipal iam

    at o serto para encaminhar as boiadas at Capoame em tempos de carestia. No sentido oposto

    h tambm pocas em que chegavam semanalmente diversas boiadas, sendo que muitas delas

    acabavam ficando na prpria regio de Capoame em vez de serem encaminhadas diretamente

    Salvador.

    Localizada entre o Rio Joannes e Jacupe, em terreno plano e arenoso, mas rico em gua

    e lambedouros, a Feira de Capoame possivelmente possua uma dimenso espacial considervel

    que dava conta de abrigar inmeras boiadas ao mesmo tempo por aquelas paragens. Ainda no

    conseguimos compreender de maneira satisfatria a distribuio espacial da feira, mas os Livros

    de Registro de Entrada de Gado nos do algumas pistas. Uma das informaes mais reveladoras

    diz respeito as referncias feitas, a partir de um determinado momento, ao gado que ficava

    empastourado em Capoame. Se em um primeiro momento este gado que permanecia na Feira

    (no se sabe ainda ao certo por qual motivo mas talvez para um maior controle sobre a oferta de

    carne verde na cidade) aparecia somente acompanhado pelo nome do criador ou condutor a quem

    pertencia, depois de algum tempo aparece tambm acompanhado por informaes sobre onde o

    gado ficava de fato empastourado. Em geral, as boiadas que no desciam Salvador

    imediatamente na semana em que ali chegavam ficavam pastando em fazendas e engenhos da

    regio. Esta informao de grande valia inclusive porque tal meno est tambm acompanhada

    do nome do dono da propriedade, sendo que entre eles constavam inclusive marchantes.

    Antonio Lopes, por exemplo, aparece como marchante nos Livros do Registro de

    Entrada de Gado, mas tambm como possuidor de uma fazenda na Feira de Capoame em que s

    vezes deixava gado solta. Joo do Rego Gomes tambm era um marchante que possua a

    Fazenda do Trapixe na qual deixava gado empastourado. Outra pessoa bastante mencionada nos

    documentos referentes pecuria e comrcio de carne o Capito Cristovo da Rocha Pitta,

    que tambm parece possuir pastos prximo a regio de Capoame. Alm destes ainda temos a

    Fazenda Quiric do Tenente Pedro Caetano, Fazenda da Moita de Felix Barboza, Fazenda do

    Capito Joz Maria, Fazenda do Emboassica do Alferes Domingos Dias, Fazenda de Manoel

    Gonalvez no Campo, Stio da Capema, Fazenda de Vasco Marinho, Fazenda de Eugenio Dias

    na Mata, entre outros.

    Estas informaes j nos do pistas primeiramente da circulao e movimentao existente

  • na regio aparentemente bem ocupada por unidades produtivas. Lembremos tambm que um dos

    Engenhos mais importantes da Bahia (Engenho da Mata, propriedade da Casa da Ponte)

    localizava-se em Mata de So Joo. Atravs do nome destes proprietrios e das fazendas,

    conseguiremos futuramente, atravs de outras fontes - tais como inventrios, registros em

    livros de notas - mapear aspectos econmicos e mais cotidianos da regio em que a Feira foi

    estabelecida.

    Por mais que os Livros de Registro tenham a preocupao exclusiva de documentar o

    comrcio de gado em p, muito provvel que a regio da feira tambm comportava outros tipos

    de trocas comerciais alm de pequenas vendas e pousos para abrigar tal fluxo de homens e

    mercadorias. Atravs do nome destes proprietrios e moradores da regio podemos procurar

    documentos mais especficos que possam at mesmo apontar para a efetivao de outros tipos de

    trocas comerciais neste mesmo espao, alm de auxiliar no entendimento das redes comerciais e

    questes mais cotidianas inerentes a estes espaos de interao social.

    Alm destas fazendas e outras unidades produtivas nos arredores da Feira, tambm no

    podemos esquecer que a Vila de Abrantes ficava muito prxima a ela. Inclusive em todos os dias

    de feira registrados h uma meno ainda enigmtica ao nmero de rezes destinadas ao

    Marchante da Vila de Abrantes. Este homem, cujo nome no mencionado aparece sempre

    isento do imposto de 500 ris por cabea de gado. O mesmo ocorre com o gado semanalmente

    destinado ao Marchante da Vila de So Francisco. Faz-se de extrema importncia entender qual

    era o papel destes homens no comrcio de carne na Bahia.

    Uma outra informao importante que conseguimos observar nos Livros de Registro de

    Entrada de Gado foi o ritmo da feira relacionado ao calendrio cristo. O perodo fiscal

    terminava anualmente junto com o Carnaval, momento em que se fazia um balano de tudo o que

    foi vendido de gado e quanto rendeu no total. Todas as semanas da Quaresma tambm so

    apontadas no livro. curioso relacionar este tipo de informao com as determinaes que

    constam nas Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia. Ali aparece a proibio, sob

    pena de excomunho, do consumo de carne durante o perodo da Quaresma. H ainda uma

    clusula especfica sobre a proibio de venda e corte de carne durante este perodo cuja

    punio podia recair sobre almotacis ou qualquer oficial que consentir no talho, corte ou venda

  • realizada publicamente nos aougues, praa, ruas ou quitandas, exceto para os doentes. 32 A

    proibio menciona marchantes e carniceiros que no deveriam cortar ou vender carne tambm

    com exceo daquela destinada a atender aos enfermos.

    Outra informao importante diz respeito a um regulamento que citado como se

    estivesse anexado em alguma parte da Feira. Ainda no possumos maiores informaes sobre o

    contedo deste regulamento. No entanto, nos Ofcios ao Governador aparece algumas

    diretrizes quanto venda de carne que no poderia ocorrer (salvo rarssimas excees) fora do

    Aougue Pblico ou dos Talhos. Tal determinao, como foi solicitado pelo Senado da Cmara

    Municipal de Salvador, deveria ser anexada nos locais de maior circulao para garantir que tal

    infrao no fosse cometida pelos marchantes que cismavam em alegar o desconhecimento desta

    norma sempre quando pegos cometendo o delito.33

    Durante a pesquisa conseguimos localizar indicaes sobre a existncia de alguns

    funcionrios na Feira de Capoame. Entender qual era a funo destes homens nomeados pelos

    funcionrios da Cmara Municipal de Salvador auxilia em grande medida uma melhor

    compreenso de lgica deste espao.

    Localizamos nos Documentos Histricos provises em que havia a nomeao de um

    superintendente, um tesoureiro e um escrivo para Capoame em 1728.34 O superintendente era o

    grande responsvel pela feira, sendo semanalmente mencionado nos Livros de Registro de

    Entrada de Gado principalmente por receber sempre ao menos uma cabea de gado. Ainda no

    sabemos se faz parte de algum modo de pagamento, mas possivelmente tal recebimento esteja

    relacionado a uma quantia de carne destinada alimentao dos funcionrios durante o perodo

    da Feira. O escrivo tambm sempre citado no incio de cada um dos Livros de Registros de

    Entrada ou quando h alguma nomeao nova para o cargo. curioso observar tambm que

    cada livro manipulado por um escrivo diferente tende a possuir algumas alteraes formais ou

    mesmo de contedo quando comparado com os demais. As informaes bsicas, tais como

    quantidade de gado, nome do condutor ou criador responsvel pela boiada, nome dos marchantes

    e quantia de rezes encaminhadas para a Cidade constam em todos eles. Mas alguns livros

    32 Dom Sebastio Monteiro da Vide. Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia. (Impressas em Lisboa no ano de 1719, e em Coimbra em 1720. So Paulo): Tip. 2 de Dezembro, 1853. p. 163 33 AMS. Ofcios ao Governador (1712-1737), fl. 35, 105v, 129, 149, 179. 34 Provises do dia 15 de maro de 1728. Documentos Histricos da Biblioteca Nacional, volume 48, 1940, p.

    208-

    213.

  • possuem mais detalhes que os outros. Se o primeiro livro de 1784 contm mais informaes

    quanto ao local de onde o gado vinha e sobre as boiadas que permaneciam empastouradas na

    Feira de Capoame, o ltimo livro possui muito mais informaes sobre o local especfico para

    onde o gado era encaminhado dentro de Salvador. Tal alterao pode estar relacionada em

    grande medida a mudana do escrivo, mas tambm h a possibilidade de uma mudana de

    percepo de quais eram as informaes mais relevantes que deveriam constar no documento.

    Quanto ao tesoureiro, surgiu uma dvida relacionada especificamente a meno semanal

    presente nos Livros de Registro de Entrada de Gado quanto ao encaminhamento do dinheiro

    arrecadado na feira que era sempre conduzido Camara Municipal de Salvador atravs de um

    dos marchantes. Este marchante, encarregado por levar o dinheiro aos funcinrios da Cmara, ia

    sempre acompanhado por um militar, muitas vezes sendo inclusive mencionado seu nome e

    patente. Tal procedimento est relacionado possivelmente a prevenso de qualquer tipo de

    assalto ou perda da quantia em dinheiro durante o trajeto at Salvador, visto que o valor muitas

    vezes no era nada desprezvel. Aqui cabe um questionamento sobre algo que no podemos

    deixar passar batido: a circulao de moedas pela Feira. O fato de estarmos analizando um

    sociedade pouco monetarizada, especialmente um atividade econmica sempre ligada segundo a

    historiografia - atrofia e a baixa capacidade de circulao, o fato do comrcio e o pagamento

    do imposto ser feito em dinheiro significa pelo menos em algum nvel a monetarizao tambm do

    serto. Evidente que ainda no sabemos o volume ou as caractersticas de tais transaes.

    Evidente tambm que prevalecia neste momento o uso do crdito. No entanto, faz-se de extrema

    importncia estudar de maneira detalhada as caractersticas deste comrcio e seu impacto sobre

    a economia sertaneja e sua relao cada vez mais evidente com a economia aucareira.

    Voltando ao militar - que acompanhava o marchante responsvel por entregar ao Senado

    da Cmara a quantia em dinheiro comercializada semanalmente - cujo nome s vezes aparece na

    documentao, tudo leva a crer que havia mais homens armados para fazer a segurana daquele

    local. Semanalmente tambm havia sempre um quantia de rezes que eram destinadas aos oficiais,

    infantes e soldados. Alm disso, por alguns anos h a informao ainda enigmtica do gado

    destinado a um certo Capito Manoel Henrique e seus soldados. Vale lembrar que todos estes

    funcionrios recebiam uma quantia pequena de rezes. Em geral uma ou duas cabeas, nunca

    ultrapassando quatro.

    Outra informao de extrema relevncia que emergiu no decorrer da transcrio dos

  • Livros de Registro de Entrada de Gado diz respeito s inmeras indicaes feitas sobre as

    rezes que eram encaminhadas a engenhos e fazendas de cana da regio do Recncavo Baiano.

    Muitos destes senhores de engenho e fazendeiros recebiam o privilgio de iseno do pagamento

    da quantia de 500 ris por cada cabea de gado que era retirada da Feira com destino a estas

    unidades produtivas. Temos informaes sobre o pedido de iseno feito pelo Garcia D'Avila

    para que no houvesse a cobrana do imposto sobre as boiadas que passavam pelos registros de

    entrada de gado espalhados pelo serto e por fim, pela Feira de Capoame.35

    A grande justificativa para a concesso de tal privilgio estava relacionada a necessidade

    de rezes para a produo e abastecimento dos engenhos e fazendas produtoras de cana. Tanto o

    transporte da cana em direo aos engenhos, os animais teis nas moendas de engenhos movidos

    por trao animal, assim como para a alimentao de moradores e trabalhadores de tais unidades

    produtivas, a presena do gado vacum em quantidade razovel era indispensvel.

    Inclusive muitos destes senhores de engenho que conseguiam levar as rezes para suas

    fazendas mais prximas do litoral, no raras vezes tambm possuiam fazendas dedicadas criao

    de gado no serto. Tal relao entre estes dois setores da produo colonial ainda precisa ser

    melhor problematizada, sendo at mesmo frutfero para a continuidade de uma anlise mais

    sistemtica da importncia da pecuria para a sociedade colonial uma investigao que pense nas

    relaes entre os primeiras famlias de sesmeiros sertanejos e seus descendentes que

    conseguiram adquirir considervel cabedal e passaram a investir aos poucos tambm na produo

    e comrcio de acar. As famias Rocha Pita, Castelo Branco, Moniz Barreto dentre outras so

    alguns dos casos em que os interesses se entrelaaram principalmente atravs de casamentos ou

    reinverso dos ganhos econmicos em negcios diversos.

    Ao que tudo indica os pecuaristas no podiam participar diretamente do comrcio de

    carne verde durante o perodo colonial, sendo a eles impossibilitado arrematar as rendas dos

    talhos. No entanto, isso no significa que no pudessem, quem sabe, participar desta importante

    etapa do abastecimento interno atravs da ao de agentes a eles relacionados. Para confirmar

    ou no tal hiptese, faz-se necessrio futuramente uma anlise mais bem elaborada das redes

    mercantis que consiga conectar de maneira satisfatria estes diferentes produtores e

    35 AHU_ACL_005. Caixa 75, doc. 6275- (Bahia, 1743) Requerimento de Francisco Dias de vila ao rei D. Joo V

    solicitando ordem para que uma vez pago pelo suplicante Cmara da vila de Santo Antnio da Jacobina o novo imposto que incide sobre o gado, no se lhe repita a cobrana na feira do Capoame pela Cmara da cidade da Bahia. Anexo: 17 docs

  • comerciantes.

    Como j citado, o comrcio da carne verde destinada a Cidade de Salvador era controlado

    pela Camara Municipal atravs da arrematao da renda dos talhos, que delegava portanto a um

    marchante a responsabilidade de encaminhar as rezes ao Matadouro Pblico e posteriormente

    aos Aougues espalhados por aquele espao. A arrematao tinha por objetivo garantir o

    fornecimento de carne por um preo determinado e vencia a concorrncia aquele que

    conseguisse garantir o menor preo da carne entregue aos aougues.

    A marchantaria era um ofcio j bem conhecido na metrpole.36 L tambm, assim como

    em todo o Imprio Portugus, o comrcio de carne era controlado pelas Camara Municipais. Para

    exercer a marchantaria, considerado um dentre os vrios ofcios mecnicos comuns em uma

    sociedade de Antigo Regime, era necessrio uma licena municipal.37

    O nmero de homens dedicados tal ofcio era sempre reduzido. Nos Livros de Registro

    de Entrada de Gado podemos perceber quo fechado possivelmente era o acesso a tal atividade

    mercantil. Ainda necessrio um levantamento que d conta de traar um perfil scio-econmico

    destes homens, pois se em um primeiro momento eles aparecem como oficiais mecnicos e

    portanto, sem grandes privilgios dentro de uma sociedade de Antigo Regime, com o passar do

    tempo, ao que tudo indica, tais homens conseguiam alcanar posio de relativo destaque social,

    visto o cabedal acumulado atravs da atividade comercial realizada, alm claro das

    possibilidades de atuar no contrabando que tal funo trazia.

    Marchante era o indivduo que comprava a boiada do criador ou condutor, pagava o

    imposto de 500 ris por cabea para o tesoureiro da feira e levava as boiadas diretamente para

    os talhos. Os marchantes precisavam de licena da Camara Municipal de Salvador para poderem

    atuar. Esta licena assumia um carter quase monopolista visto que somente estes homens

    podiam ser os responsveis pelo abastecimento da cidade. Faz-se necessrio tambm observar

    quais eram os critrios para conceder a licena de atuao na marchantaria e se estas exigncias

    sofreram alterao com o passar do tempo. Por serem poucos os homens que exerciam esta

    funo, tornam-se facilmente mapeados. Frequentavam semanalmente a feira, alguns deles

    inclusive possuidores de patentes, tais como Alferes e Capito. Como j citado anteriormente,

    36 Rui Santos. Mercados, poderes e preos: a marchantaria em vora ( sculos XVII-XIX). Penlope, 21, 1999:

    63-93.

    37 Maria Helena Flexor. Oficiais Mecnicos na cidade do Salvador. Salvador, Prefeitura Municipal de Salvador, 1974. p.12

  • alguns at mesmo possuam fazendas na regio de Capoame, o que demonstra que estas figuras,

    no raras vezes, conseguiam acumular um cabedal rasovel.

    Ao que tudo indica os marchantes exerciam outros ofcios paralelamente. Possuam

    fazendas em outros lugares como tambm atuavam no comrcio de outros produtos. Este era o

    caso Manoel Felix da Veiga estabelecido em mercancia, tinha muitas correspondncias para o

    Recncavo e sertes desta Bahia e Capitania, assistindo muitos engenhos.38

    Possua uma casa

    comercial em Salvador onde comercializava fazendas sortidas. Era um dos irmos da Santa Casa

    de Misericrdia e entre seus bens encontravam-se prata e objetos de luxo comercializados em

    sua loja. Possua tambm uma fazenda de gado denominada Boqueirozinho, localizada na Serto

    de Sento S, com uma quantidade grande de gado39

    . Ou seja, alm de marchante, era

    comerciante e tambm fazendeiro.

    Possivelmente parte considervel dos marchantes residiam prximo Cidade de Salvador

    cujo comrcio e o consumo de carne deixara marcas indelveis em sua composio espacial e at

    mesmo em nome de rua e rios. Pernambus, por exemplo, um conhecido bairro soteropolitano.

    Segundo a tradio oral, por ali existia uma passagem pela qual transitava as boiadas dos grandes

    fazendeiros, tornando ento o lugar conhecido com Ps de boi ou Perna de boi, considerado

    inclusive o termo como uma corruptela provinda de dialeto africano.40 O gado trazido Salvador

    chegava pela Estrada das Boiadas ( hoje Estrada da Liberdade). Dal as boiadas eram

    encaminhadas para os currais espalhados pela cidade ( So Bento, Carmo, Santo Antonio, na

    Piedade, no Campo do Barbalho, Barris, Largo do Campo Grande entre outros) at chegar o

    momento do abate providenciado no Matadouro Pblico. Por muito tempo, o nico matadouro

    pblico existente em Salvador ficava encostado ao Mosteiro nas Hortas de So Bento, prximo a

    Barroquinha. Ali nascia o Rio das Tripas. Como o nome indica, era l que os restos do

    matadouro eram jogados. O crrego foi canalizado somente na segunda metade do sculo XIX,

    sendo denominado posteriormente Rua da Vala, mas conhecido at hoje como Baixa do

    Sapateiro.

    Havia tambm a Rua dos Marchantes, do Gado, dos Ossos, dos Currais Velhos. Todas

    38 APEB, Seo Judiciria, Inventrio de Manoel Felix da Veiga e.4, cx. 1578, m. 2047. fl. 74, 1797. 39 Idem, fl. 112v. 40 Ver: Elisabete Santos, Jos Antonio Gomes de Pinho, Luiz Roberto Santos Moraes, Tnia Fischer (orgs.). O

    Caminho das guas de Salvador. Salvador, 2010, p. 162.

  • elas localizadas nas imediaes do segundo Matadouro construdo, ao lado do Forte do Barbalho,

    prximo inclusive da fonte de gua do Queimado.41 Alis, a existncia de gua prximo aos locais

    de abate de gado era indispensvel para manter o mnimo de asseio num local to propcio

    insalubridade.

    O comrcio de carne, segundo as normas estipuladas pela Camara Municipal de Salvador

    deveria ocorrer exclusivamente nos Aougues Pblicos. Segundo Avanete, no decorrer do sculo

    XVIII havia cerca de dez aougues espalhados pela cidade. Este nmero foi aumentando

    conforme crescia a populao e a necessidade de mais pontos de comrcio de carne em Salvador.

    Brotas, Itapagipe, Cabula, Soledade, Freguesia da Praia, Baixa dos Sapateiros, Mares, Penha,

    Vitria, Carmo e So Bento so alguns dos aougues mencionados.

    Os clrigos da Cidade de Salvador possuam desde a dcada de 1620 um aougue

    separado dos demais moradores, localizado no So Bento, sendo portanto mais um elemento de

    privilgio e distino social, embora estes pagassem igualmente as taxas sobre a carne que ali

    chegasse.42

    Nos Livros de Registro de Entrada de Gado entre 1801-1811 h uma preocupao que

    no aparece nos anteriores quanto ao destino que o gado tomava quando j estava em Salvador.

    Ali existe a meno da quantidade de rezes direcionadas para cada um das Faculdades, ou

    seja, para cada uma das Casas dos Talhos espalhadas pela cidade. No aougue, o talho era o

    local onde se cortava e distribuia a carne, sendo inclusive, segundo Bluteau, utilizado o termo

    talho como mero sinnimo de aougue.43 Os principais lugares citados no documento eram

    Brotas, Mercs, Baixa [dos Sapateiros], Soledade, Porta de S. Bento, Carmo, Conceio da

    Praia, Preguia, Terreiro, Forte do So Francisco, So Francisco de Paula, Cruz de Pascoal,

    Santa Barbara e Sant'Ana.

    Muito ainda est por ser feito para adquirirmos um conhecimento mais consolidado sobre

    o abastecimento da cidade de Salvador e principalmente sobre o comrcio de carne no sculo

    XVIII. Os trabalhos de Avanete Sousa e Rodrigo Lopes j nos auxiliam em grande medida no

    sentido de demonstrar a importncia e alguns mecanismo da dinmica estabelecida pelos

    41 Rodrigo Lopes, Nos currais do Matadouro Pblico: o abastecimento de carne verde em Salvador no sculo XIX

    (1830-1873). Salvador, 2009 , p. 54. 42 AHU, Luiza da Fonseca, cx 30, doc. 3150. Consulta do Conselho Ultramarino sobre arcebispo do Brasil, D.

    Frei Gaspar da Madre d e Deus, que pede que haja aougue separado, na Bahia, para os clrigos (1o de maro de 1683).

    43 Raphael Bluteau. Vocabulrio Portugus e Latino, vol. 8, p. 26.

  • marchantes e comerciantes de carne verde na Bahia setecentista.

    Apesar das inmeras lacunas e questes sem resposta suficiente, a pesquisa tem se

    mostrado frutfera e bem sucedida quanto a localizao de informaes relevantes que

    viabilizaro estudos futuros mais consistentes sobre a Feira de Capoame e a pecuria nos

    sertes baianos. Os documentos trouxeram informaes que superaram em muito as espectativas

    iniciais. Eles possibilitaro o incio de um redimensionamento da importncia da pecuria e da

    dinmica econmica por ela estabelecida para a formao da sociedade colonial.

    No se trata de comprovar uma riqueza que a equipare ( sempre na chave da comparao

    entre o mais rentvel e o menos rentvel) com outras atividades produtivas tendo por critrio

    nico e exclusivo as possibilidades de lucro ou entendendo por riqueza a quantidade material e

    de bens acumulados tal como se poderia pensar para a regio produtora de cana-de-acar, por

    exemplo.

    Cabe a partir de agora problematizar qual era o papel da pecuria dentro do circuito

    mercantil colonial. Pensar nas caractersticas das unidades produtivas, sua relao com a

    sociedade forjada pelo serto. Problematizar a necessidade de produo excedente, suas

    implicaes sociais e seus desdobramentos, at chegar em um espao como Capoame. Entender

    quais eram as implicaes da existncia de um comrcio de gado relativamente monetarizado, a

    prpria possibilidade do gado ser usado como uma espcie de moeda e garantir o mnimo de

    liquidez em momentos de entressafra da produo de cana-de-acar, so somente algumas das

    muitas questes apontadas e que pretendo elaborar melhor no decorrer do mestrado.

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