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MARIA HELENA CORDEIRO INSSA
OS LOUROS DE LOURENÇO: GENEALOGIA E VIDA DO DR.
LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE (1724-1799).
Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Andreazza
CURITIBA
2000
ii
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS ....................................................................................................... iii
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 - GANHASTE PERPETUA HONRA, NOBRECESTES VOSSO
REINO .............................................................................................................................................. 4
CAPÍTULO 2 - OS ORNADOS COM LOURO ............................................................. 17
BOM APELIDO E NOME GRACIOSO ............................................................................ 17
DECISÕES AMBICIOSAS E REMOTAS: A RECUPERAÇÃO DA LINHAGEM ........ 20
Os bisavós ........................................................................................................................... 20
Os avós ................................................................................................................................ 26
Os pais ................................................................................................................................. 36
ENFIM UM DOUTOR: LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE ................................... 49
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 62
FONTES ............................................................................................................................. 63
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 64
iii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – FAMÍLIA JOÃO RODRIGUES SEIXAS .................................................. 22
TABELA 2 – RELAÇÃO DE COMPADRIO - LOURENÇO DE ANDRADE ......... 27 , 32
TABELA 3 – FAMÍLIA JOÃO RIBEIRO DO VALLE .................................................... 30
TABELA 4 – FAMÍLIA LOURENÇO DE ANDRADE .................................................... 30
TABELA 5 – FAMÍLIA MANOEL SOARES ................................................................... 31
TABELA 6 – RELAÇÃO DE COMPADRIO - JOÃO RIBEIRO DO VALLE ................ 32
TABELA 7 – FAMÍLIA ANTONIO RODRIGUES DE ANDRADE ............................... 34
TABELA 8 – FAMÍLIA AGOSTINHO DE ANDRADE .................................................. 35
TABELA 9 – FAMÍLIA MIGUEL RODRIGUES RIBAS ................................................ 46
TABELA 10 – FAMÍLIA MIGUEL RIBEIRO RIBAS ..................................................... 48
TABELA 11 – NASCIMENTO, CASAMENTO E ÓBITO DOS FILHOS DE
LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE ........................................................................... 58
TABELA 12 – FAMÍLIA LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE ................................. 59
INTRODUÇÃO
O período colonial brasileiro foi estudado pela historiografia sobretudo por análises
que focalizaram a principal instituição da época. Escreveram sobre a história da família.
Com este tema, várias abordagens e possibilidades de investigação foram utilizadas,
desvendando comportamentos, atitudes e valores em várias regiões do país, bem como
distinguindo as categorias sociais existentes. Nestes trabalhos, encontrou grande espaço de
atuação um método que adotava a demografia como suporte das considerações a que
chegava a pesquisa. Assim, foi quantificada uma parcela da população colonial.
No Paraná não foi diferente. O estudo acerca da população de Curitiba no século
XVIII teve representação, especialmente, na obra de Ana Maria Burmester.1 Com base nos
registros de batismo, casamento e óbito que dispunha o arquivo da Catedral de Nossa
Senhora da Luz, a autora coletou e contabilizou os primeiros dados sobre os habitantes da
capital paranaense.
Se as estatísticas e conclusões trazidas por tais estudos demográficos tornaram-se
leitura obrigatória para os estudantes da história da família, outros métodos de análise
também começaram a se impor.
O trabalho presente se propôs a acompanhar os caminhos percorridos por uma
família composta por homens-bons, co-fundadores da elite regional. Trata-se da família do
Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, Capitão-mor da Vila de Curitiba entre os anos de 1765 a
1799.
Objetivando perceber as razões que levaram a sua nomeação, bem como
compreender o alcance político e social que obtinha Dr. Lourenço no final do século
XVIII– a ponto de ser o seu filho Antonio Ribeiro de Andrade o seu sucessor no comando
da Vila - , desenvolveu-se este estudo.
Mais do que uma trajetória pessoal, interessou-me perceber a maneira pela qual se
consolidou, ao longo dos anos, seu prestígio. No entanto, entendendo um indivíduo como
pertencente a uma linhagem e que justamente esta fundamentava as qualificações dos
1 BURMESTER, Ana Maria. A população de Curitiba no século XVIII: 1751-1800. Segundo os
registros paroquiais. Curitiba, 1974. Tese (Mestrado) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná.
2
homens da Colônia e do Reino, foi reconstituída a genealogia do Dr. Lourenço Ribeiro de
Andrade, desdobrando as gerações que o antecederam.
Dessa forma, o primeiro capítulo deste trabalho abordou os comportamentos e
ideais que justificavam a importância da linhagem, destacando-se a vontade dos homens em
integrar a nobreza. Demonstrou-se, ainda, as formas com que a honra e a virtude estiveram
presentes na lógica do pensamento moderno, bem como o desdobramento dos anseios de
prestígio que tinham os portugueses chegados na Colônia e o seu repassar aos homens que
aqui viviam.
No segundo capítulo, pela reconstituição da família, foram analisados os caminhos
que cada chefe de família percorreu de modo a permitir e intensificar uma ascensão social e
política dos seus descendentes. Assim, observou-se a atuação do antepassado mais remoto
do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade em Curitiba. Chegando em fins do século XVII, seu
bisavô João Rodrigues Seixas iniciou, ainda que insipidamente, uma jornada rumo ao
prestígio e à distinção social.
Em seguida, foi analisada a família formada pelo seu avô Lourenço de Andrade e as
relações de parentesco que este estabeleceu, de maneira a fortalecer o seu grupo de
afinidade.
Da trajetória de seu pai, Miguel Rodrigues Ribas, foram discutidas as formas de sua
inserção no poder público, as adaptações de um reinol na Vila de Curitiba, a dependência
do indivíduo ao grupo de apoio pertencente, e a transmissão dos seus anseios de êxito e
reconhecimento social para seus filhos.
Os louros da família, no entanto, foram aclamados com a nomeação de Lourenço
Ribeiro de Andrade, licenciado em Coimbra, para ocupar a função de Capitão-mor da Vila.
Imbuído de idéias que remetiam ao desejo de civilização, o Dr. Lourenço Ribeiro de
Andrade, porém, não encontrou respaldo para seus sonhos de iluminar a vida e o cotidiano
dos moradores da região.
Com uma proposta de análise microscópica, este trabalho pretendeu fazer o
chamado jogo entre as escalas de observação2, ou seja, discutindo com a historiografia e
percebendo os comportamentos, ou o conjunto de normas que regiam a sociedade e que
2 REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: _____ (Org.) jogos de escalas: a
experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 1998. p. 15-38.
3
pressionavam as decisões e escolhas individuais. Imersos numa perspectiva estrutural, mas
focalizados sob uma ótica micro, desvelou-se a história desta família.
4
CAPÍTULO 1
GANHASTE PERPETUA HONRA, NOBRECESTES VOSSO REINO.*
Rodrigo Cezar de Menezes, Governador e Capitão General da Capitania de São
Paulo deveria, por ordem de Dom João V, por graça de Deos Rey de Portugal e dos
Algarves daq.m e dalem mar, repassar às Câmaras sob sua jurisdição cópia da carta régia,
datada de 9 de Julho de 1725. A vila de Curitiba, assim, fica a par da preocupação do
monarca em reservar os altos postos das companhias de ordenanças a pessoas qualificadas.
Advertia El Rey que
se tem entendido que muitas pessoas pella sua vaidade pertemdem os postos assim de Coroneis como os do Regimento das ordenanças desse Governo, por ficarem com o desvanecimento do honorifico que trazem comsigo as d.as nomeações, no qual se comprehendem tambem suas mulheres pl.º tratamento q' por este respeito lhes dão, e se prouem em pessoas indignas e de quem se não tem tanto conhecimento da sua nobreza e prestimo, o q' hé em gn.do damno da republica, e p.ª que este se euite: Me pareceo ordenar-uos que daqui em diante se tenha grande attenção neste p.ar e as pessoas que nelles se nomearem sejão das de toda a nobreza, e capacidade conforme dispõem as minhas reaes ordens.1
Em 14 de Outubro de 1726, outra carta reiterava o mesmo propósito. Nela, D. João
V ordenava que as pessoas, q' se nomearem p.ª os postos das Ordenanças dessa Capp.nia
fossem dos de toda Nobreza na forma q' dispoem as minhas reaes ordens. Mais adiante,
expressava a seriedade da ordem régia e o cuidado que deveria ser observado acerca da
nobilitação do oficial, determinando que
vendo q' algús sogeitos, a quem se havião mandado passar, não tinhão aquelles requezitos necess.os para os exercitarem, por q' alem da falta de nobreza, e capacidade se fazião
* Sentido de enobrecer no século XVI descrito por Duarte Galvão em sua Crónica de D. Afonso
Henriques, prólogo, p. 29, ed. de 1906. In: MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa. v. II. Lisboa: Editorial Confluência, 1952-59. p. 1587.
1 Carta régia sobre os postos de milicia serem dados sómente a gente nobre. BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. Documentos para a história do Paraná. v. XIV: Provimentos de corrreições. Resoluções, ordens e provisões. 1722-1828. Curityba : Impressora Paranaense, p. 68.
2
indignos dos d.os empregos pelos indecentes off.os e neg.os de q' tratavão, não só lhas não confirmareis, mas lhes mandareis dar baixa, parecendo q' com esta demonstração serião pelo tempo ao diante não só apetecidos mas estimados os d.os postos, vendo que os não daveis mais q' aos que por merecim.º e pessoa, e de serviços se habilitassem para os servir.2
De forma bastante explícita, estas cartas expressam o desejo da metrópole
portuguesa ser representada na Colônia somente por homens que fossem considerados
dignos e merecedores dos cargos que ocupavam. Mais do que isso, exigia-se que tais
homens fossem dotados de linhagem e comportamento nobre, observando, assim, se a
nobreza da sua família era reconhecida socialmente e, ainda, se eram capazes de dominar
sentimentos inferiores que causavam tanto dano à Coroa, tais como a vaidade e a cobiça.
Àqueles que guardavam qualidades superiores eram permitidas honrras, previlegios,
liberdades, izencoins e franquezas, sendo, desse modo, considerados aptos para ocupar
cargos de confiança do monarca.
Recorrendo a dicionários da língua portuguesa de publicação mais antiga, pode-se
identificar as qualidades atribuídas ao nobre, bem como as definições que tal vocábulo
admitiam em Portugal. Desse modo, a etimologia da palavra nobre revela que seu termo em
latim, nobile, no seu sentido primitivo, designa aquilo que se pode conhecer, fácil de
conhecer; conhecido, e daí as expressões bem conhecido, que tem notoriedade, célebre,
famoso, nobre.3 Cândido de Figueiredo4 aponta para uma mesma definição, indicando que
o nobre, além de notável e célebre, era conhecido também por proceder de estirpe ilustre,
sendo nobre por nascimento ou por graça do Rei. Era, ainda, magestoso, generoso, bizarro
(no sentido de nobre procedimento), valente, elevado e sublime. Antonio de Morais Silva5,
por sua vez, ressalta não somente as qualidades morais do nobre, mas também as suas
qualidades físicas. Acrescentando, portanto, outros significados ao termo, descreve o nobre
como o ser que tem grande aparência; sendo imponente, grandioso, distinto. Era o que
honrava o título que lhe pertencia.
2 Documentos interessantes..., p. 77. 3 MACHADO, op. cit., p. 1587. 4 FIGUEIREDO, Cândido de. 1846-1925. Novo dicionário da língua portuguesa. v. II, 9. ed.
Lisboa: Livraria Bertrand, 1937. p . 442. 5 MORAIS SILVA, Antonio. 1755-1824. Novo dicionário compacto da língua portuguesa. v. IV,
10. ed. Lisboa: Confluência, 1945. p. 77.
3
A analogia entre a nobreza e a honra constituía-se num valor profundamente
arraigado em diversas culturas do Antigo Regime, encontrando-se presente, também, na
cultura portuguesa.
Pode-se atribuir à honra a consideração que cada indivíduo tinha de si e do próximo.
Ou seja, ela consistia numa apreciação do valor pessoal, que conferia legitimidade à
pretensão dos homens em conquistar orgulho, estima e glória. Era entendida, portanto,
como um sentimento. Além desta conotação, a honra expressava, ainda, a admissão pela
sociedade da excelência dos que a possuíam e do direito destes ao orgulho. Assim, também
evidenciava-se a honra por modos de conduta e formas de tratamento diferenciados, os
quais foram estabelecidos para os honrados. Deste fato, provinha o fácil reconhecimento
dos nobres pela sociedade.
Considerando que o direito ao orgulho associava-se ao direito a uma posição social
específica e de que esta estabelecia-se pelo reconhecimento de uma certa identidade social,
a honra, neste sentido, era partilhada por aqueles que detinham maior respeito ou
representação numa dada sociedade. Para entrar neste círculo fechado, o pretendente à
honra deveria convencer os outros, caso contrário, a pretensão passaria a ser simples
vaidade, objeto de ridículo ou desprezo.6 Provavelmente, D. João V estava fazendo
referência exatamente a esta questão quando, nas cartas enviadas à Colônia, dispunha que
somente os homens dignos ocupassem cargos na governança.
Analisando textos medievais espanhóis que abordavam este tema, Júlio Baroja
sintetizou os meios pelos quais se convencia o outro de que esta pretensão às honrarias era
justa. Nestes documentos, encontrou um relato do século XVI, que definia o que fazia de
um homem verdadeiramente honrado nesse período. Assim, para o espanhol Huarte de San
Juan, a quem o autor se refere, a honra consistia no valor da própria pessoa em prudência,
justiça, ânimo, valentia; na nobreza e antiguidade dos antepassados; na dignidade ou
emprego (ofício) honroso; no bom apelido e nome gracioso; na boa apresentação pessoal.7
Assim, revelava-se necessário que, aliado a uma norma de conduta e de qualidades
específicas, este indivíduo procedesse de uma família que, de igual modo, desdobrasse a
6 PITT-RIVERS, J. Honra e posição social. In: PERISTIANY, J.G. (Org.) Honra e vergonha:
valores das sociedades mediterrânicas. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1971. p. 14. 7 BAROJA, J.C. Honra e vergonha: exame histórico de vários conflitos. In. PERISTIANY, J.G.
(Org.) Honra e vergonha: valores das sociedades mediterrânicas. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1971. p. 87.
4
sua honradez. Em ambos os casos, a honra tem sua expressão social naquilo que se chama
fama e a desonra, por sua vez, na infâmia. Desta maneira, a fama se traduz no
reconhecimento social das atitudes e da procedência do indivíduo, bem como ao grupo a
que pertence. Em contrapartida, a infâmia dava-se quando se rompiam as normas que
estruturavam a sociedade, como por exemplo, quando se desrespeitava o estatuto ou a
hierarquia social, real e familiar. A honra poderia ser maculada, ainda, pela desobediência à
lei e pela prática de vícios ou de atividades mal vistas pela sociedade, tais como
sustentavam os alcoviteiros, sodomitas, adúlteros, traidores, usurários, ladrões, entre
outros.8 Em todo caso, era a vergonha que regulava as ações que levavam à honra e à
desonra.
Este estado de acanhamento era evitado, no entanto, não somente pelo indivíduo no
seu cotidiano particular, mas também pelo grupo a qual este pertencia. Neste sentido, a
historiografia tem revelado que as solidariedades sociais possuíam uma honra coletiva da
qual os seus membros participavam. Desse modo, a conduta desonrosa de um refletia na
honra de todos. Assim, quer na família quer na monarquia uma só pessoa simboliza o
grupo cuja honra colectiva nela está investida. Os membros devem um tipo de obediência e
de respeito que compromete perenemente a sua honra individual.9
A esta idéia de honra coletiva intercalava-se, também, o conceito de valer mais, ou
seja, a disputa do grupo por melhor prestígio e poder social. Dessa forma, cada linhagem,
em conjunto, pretendia valer mais que as sua concorrentes que, vencidas, valiam menos.
Assim, numa sociedade construída sobre esta base luta-se de modo obcessivo [sic] para
alcançar tantas honras e honrarias (...) públicas quantas existam, pois estas passam
imediatamente a ser bens transmitidos hereditariamente dentro da linhagem.10
Observa-se, portanto, que os privilegiados, ou os que valiam mais, eram aqueles que
pertenciam a uma família cujo respeito e fama era reconhecido socialmente, e que acima de
tudo, fosse preservado por seus descendentes. Ainda que esta regra encontrasse brechas na
prática social cotidiana, o que definia a participação no grupo dirigente era o prestígio. O
que valia era a honra social e, para isso, buscava-se distinguir-se dos demais. Desse modo,
"procurava-se sempre estar o mais próximo possível da fonte de todo poder e prestígio:
8 Ibid., p. 66-68. 9 PITT-RIVERS, op. cit., p. 25. 10 BAROJA, op cit., p. 70.
5
além da administração, o rei também centralizava a distinção".11 Essa busca por distinção,
por sua vez, tornou-se sinônimo da vontade de integrar-se à nobreza.
Havia duas possibilidades de um indivíduo tornar-se um nobre, mas fundamental a
ambas, seria o fato de este ser honrado. Ainda, proceder de família virtuosa que, ao longo
de sua existência, tivesse demonstrado devoção e lealdade ao monarca surge como quesito
tão fundamental quanto provar ser bom vassalo e bom cristão.12 Em meados do século
XVII, sobretudo, questões sobre a linhagem ainda acompanhavam as exigências relativas à
limpeza de sangue, ou seja, um período em que era forte a restrição à nobreza aos
descendentes de judeus ou mouros, pelo menos por linha paterna. 13
A primeira maneira de alcançar a nobilitação seria, portanto, a herança do título
através dos laços de sangue. Neste caso, ela era chamada de nobreza natural, nativa ou
generativa, pois independia de concessão explícita do príncipe. Para certificar-se da
permanência da condição de nobre, utilizava-se o critério da fama.14 Nesta categoria, eram
incluídos o príncipe; os titulares* e fidalgos de solar**; os fidalgos razos*** e os que
descendiam de antepassados nobres, mas que ainda não estavam assentados nos livros da
casa real. Contudo, a estes últimos era exigido que fossem tidos por nobres pela opinião
comum e vulgar, pelo costume da região, por sentença ou por monumento ou instrumento
antigo.15
A segunda forma de nobilitação seria, obviamente, aquela em que havia a
necessidade do Rei em outorgar o privilégio. Esta era chamada de nobreza política ou
dativa, que se adquiria por concessão do poder político. Decorrendo do direito civil, era
considerado nobre quem desempenhasse as funções na república. Esta nobreza organizava-
se, por seu turno, segundo a sua origem, que podia ser a ciência ou o letramento – doutores,
11 SILVEIRA, M. A. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-
1808). São Paulo : Hucitec, 1997. p. 46. 12 Como revelam SILVEIRA, op. cit.,: MARQUES, A. H. O. Breve história de Portugal. 3. ed.
Lisboa: Editorial Presença, 1998. SOUZA, L. de M. e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas Gerais no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
13 HESPANHA, A.M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal - século XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 319.
14 Ibid., p. 344. * Os titulares eram os duques, marqueses, barões e condes. ** Aqueles que possuíam senhorio de terras com jurisdições. *** Nobres matriculados nos livros de matrícula da casa real, bem como os seus descendentes. 15 HESPANHA, op. cit., p.345-346.
6
licenciados e magistrados – , o privilégio (desembargadores), a milícia e o ofício, sendo
estes últimos os principais.
A milícia constituiu-se numa das grandes características da nobreza, pois funcionou
durante anos como um dos principais mecanismos de manutenção da virtude. Esta atividade
permitia, ainda, que se expressassem outros sentimentos e comportamentos que
legitimavam o ser nobre, tais como a força, o heroísmo, a honra e o uso da violência.16
Além disso, o direito de participar da hierarquia militar trazia muitos benefícios que
contribuíam para o acréscimo de privilégios.
A Cavalaria, por exemplo, surgia como um dos principais espaços ocupados por
nobres, pois afirmava-se que esta, por sua natureza, era nobre e próprio da nobreza, e de
grande importância à conservação dos exércitos, e defensa dos Reinos17. Eram os nobres,
portanto, os responsáveis pela proteção da nação, embora participassem da milícia também
homens sem títulos. Além disso, contribuíam para que se reproduzisse, no exercício militar,
um sistema de hierarquia já fundamentado na sociedade portuguesa. Ou seja, quanto mais
nobre e honrado, mais alto seria o posto militar exercido.
Estudos revelam, ainda, que na época moderna, a posse de cavalos teria se
convertido num valor simbólico da nobreza, abandonando, pois, a idéia de funcionalidade
que estes animais traziam no serviço militar. Dessa forma, a posse de cavalo e o hábito de
se deslocar a cavalo era, antes de mais, um sinal exterior de prestígio, quando não, pura e
simplesmente, de riqueza capaz de nobilitar.18
Fora estas questões, havia outra preocupação que fazia com que os nobres fossem os
escolhidos para integrar as funções militares, que era justamente o fato de que estes
deveriam pagar tanto os seus uniformes, como os instrumentos necessários para o posto a
ser ocupado. Assim, iniciar uma carreira visando exercer os altos comandos militares
demandava, também, possuir bens que permitissem financiar tal projeto.19
Na Colônia, os cargos oferecidos pela milícia eram procurados pelos homens que
visavam enobrecer ou que já se consideravam nobres. Para tanto, precisavam ser eleitos
pela Câmara Municipal local, cuja exigência era de que estes fossem homens principais da
16 SILVEIRA, op. cit., p.29; CUNHA, Rui Vieira da. Estudo da nobreza brasileira I: cadetes. Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, 1996. p. 13. 17 CUNHA, p. 13. 18 HESPANHA, op. cit., p. 311. 19 SILVA, M. B. N. da. Vida privada e quotidiano no Brasil. Lisboa: Estampa, 1993. p. 87-89.
7
terra, e que tenham partes e qualidades para os ditos cargos.20 Além disso, requeria-se que
os oficiais residissem na capitania pela qual foi eleito.
No topo da hierarquia militar, o capitão-mor encarregava-se de engajar a população
no serviço das Ordenanças, bem como visitar e determinar a formação das companhias.
Tinha poderes, ainda, para demitir os oficiais que considerasse inaptos ao exercício de seus
postos, assim como podia impor degredo a seus subordinados.
As companhias de milícia formadas deveriam compor 250 homens, distribuídos em
dez esquadras de 25 homens, sob o comando de um capitão-de-Companhia. Este oficial,
por sua vez, subordinava-se diretamente ao capitão-mor e tinha em sua Ordenança um
alferes, um sargento, um meirinho, um escrivão, dez cabos-de-esquadra e um tambor.
Contudo, na ausência do capitão-mor, serviria em seu lugar o sargento-mor da Vila.21
Na primeira metade do século XVIII, entretanto, as companhias sofreram
modificações em sua composição. Segundo recomendação régia, as vilas com até cem
moradores não deveria eleger capitão-mor, mas apenas o capitão-de-Companhia. Assim,
cada companhia passava a comportar somente um capitão, um alferes, um sargento, bem
como os cabos-de-guerra necessários. Nas vilas onde o capitão-mor ainda atuava, o período
de serviço deste oficial foi prolongado, tornando-se vitalícios e não mais trienais como
antes. Segundo Graça Salgado, a vitalicidade do capitão-mor representou, na verdade, a
perpetuação nesse posto de um oficial de confiança do rei ou do governador-geral, o que
servia para eliminar os "dissabores" de sucessivas eleições.22
Se os nobres sempre integraram a milícia, foi, contudo, o exercício das funções
administrativas ou burocráticas, tanto do Reino quanto do Império, que se apresentou como
a melhor maneira de novos indivíduos pertencerem à nobreza. A estes oficiais era
concedido uma série de privilégios, como, por exemplo, os que integravam as Câmaras
Municipais, os quais
não podiam ser presos arbitrariamente, nem sujeitos à tortura judicial, nem acorrentados, a não ser nos casos (como a alta traição) que implicavam a pena de morte e em relação aos quais os fidalgos não estavam também isentos. Eram também dispensados do serviço militar, execpto no caso em que a sua cidade fosse directamente atacada. Estavam isentos
20 SALGADO, Graça (Coord.) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 100. 21 Ibid., p. 101. 22 Ibid., p. 112.
8
de terem oficiais e soldados da Coroa alojados em suas casas, e de terem o seus cavalos, carroças, etc., confiscados para serem utilizados ao serviço da Coroa. 23
Contudo, para ocupar os ofícios do Estado e usufruir os privilégios que este
concedia, era necessário que o pretendente ao cargo fosse um homem-bom. Segundo
descrição de David Carneiro, o homem-bom era aquele capaz de votar de acordo com a
vontade de El Rei, das autoridades e segundo a tradição. Ainda, deveria ser limpo de mãos,
estar quite com o fisco, ter pago seus impostos, possuir uma representação social que o
fizesse digno de usar essa denominação, e merecer o prestígio da tarefa e da
responsabilidade que se lhe outorgava.24
Observa-se, portanto, que o indivíduo que desejasse receber o título de homem-bom
deveria ser fiel ao rei e aos seus representantes, como todo bom vassalo. Deveria, também,
estar livre de qualquer acusação que comprometesse sua reputação social ou moral. Por
fim, deveria ser reconhecido merecedor de tal título não apenas por seu superior, mas
também pela sociedade a qual pertencia. Este merecimento, por sua vez, poderia vir de duas
frentes, ou pela sua linhagem, ou pelo bom serviço prestado à Coroa, representado tanto por
seus feitos militares, quanto pelo exercício da função burocrática e administrativa.
Nas Câmaras Municipais, os homens-bons exerciam vários cargos como o de juiz
ordinário, que era o responsável pela aplicação da lei e pela fiscalização dos demais
funcionários das vilas ou cidades. Ocupava a função de presidente da Câmara. Geralmente,
este cargo era composto por não letrados e tinha uma avaliação fiscal baixa, fazendo com
que, muitas vezes, se acumulasse a este, o cargo de juiz de órfãos25. A este último, por sua
vez, competia organizar o cadastro dos órfãos e vigiar a administração dos seus bens pelos
respectivos tutores. Ainda, deveriam ordenar os inventários dos menores, prover quanto à
criação, educação e casamento dos órfãos e julgar os feitos cíveis em que estes se
envolvessem.26
Além dos juízes, compunham a Câmara, os procuradores, escrivãos, almotacés e
vereadores27. Aos primeiros, cabia zelar os bens da municipalidade, sendo auxiliados pelo
tesoureiro, oficial responsável pela arrecadação das rendas locais. Aos escrivãos, cabia,
23 BOXER, C. O Império colonial português: 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 1969. p. 266. 24 CARNEIRO, D. Galeria de ontem e de hoje. Curitiba: Editora Vanguarda, 1963, p.119. 25 HESPANHA, op. cit., p. 173. 26 Ibid., p. 189.
9
obviamente, documentar as atas ou qualquer outro processo burocrático. Poderiam exercer
os cargos de escrivão da Câmara, da almotaçaria, de órfãos, de sisas, etc. Os almotacés,
por seu turno, eram encarregados de fiscalizar o abastecimento de gêneros alimentícios e as
obras das vilas ou cidades, especialmente no que diz respeito à coisa pública, urbana.
Os vereadores tinham as funções de determinar os impostos, fiscalizar os oficiais da
municipalidade, bem como a aplicação da lei pelos juízes ordinários. Além disso, tinham o
dever de elaborar as posturas e os editais, o que correspondia, portanto, ao caráter
normativo das Câmaras. Outra atribuição do vereador seria, ainda, zelar pelo estado dos
caminhos da comunidade concelhia. Assim, sua função exigia, por sua natureza, a posse de
cavalo para os percursos. Logo, aqueles homens bons, que por motivo de riqueza tinham
cavalos, seriam afinal os mais aptos e melhores para exercerem a administração
concelhia, encaminhando rectamente os homens no sentido do bem público.28 O interesse
pelo bem público, no entanto, não era maior do que o desejo de garantir a permanência e a
promoção de homens-bons nestes serviços.
As Câmaras Municipais estavam subordinadas a várias instâncias superiores.
Entretanto, dentre os funcionários régios mais próximos da Vila contava o Capitão-mor.
Nomeado pelos Capitães-generais da capitania e, num segundo momento, pelos vice-reis, o
Capitão-mor intervinha na governação da terra, concedendo sesmarias, recebendo os
proventos ligados aos forais de doação e, ainda, provia alguns ofícios e encargos
secundários da justiça e da fazenda pública. Na questões jurídicas, contudo, sua atuação
limitava-se ao distrito da povoação em que residia, já que esta subordinava-se ao Ouvidor-
geral da Comarca. Na Vila superintendia, exclusivamente, os negócios policiais, militares,
de recrutamento, de obras públicas e concorria, também, com a Câmara e juízes em todos
os casos graves que necessitava de sus intervenção. 29Com poderes de ordem militar, civil e
por vezes jurídica, o Capitão-mor transformou-se na figura política de maior expressão das
vilas ou cidades. *
27 SALGADO, op. cit., p. 71. 28 COELHO, M. H.; MAGALHÃES, J. R. O poder concelhio: das origens às cartas constituintes.
Notas da história social. Coimbra: Edição do Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986. p. 16. 29 CARNEIRO, David. O Paraná na história militar do Brasil. Curitiba: Travessa dos Editores.
Coleção Farol do Saber, 1995. p. 86-87. * David Carneiro descreveu em sua obra, ainda, as insígnias que distinguiam o Capitão-mor. Ficando
suspensas em um cinturão largo de cor vermelha, ornamentado por fios dourados, tinha o espadim como
10
No momento da eleição dos homens-bons, era preciso que um corregedor
escolhesse de duas a três pessoas das mais antigas, das mais nobres e que habitualmente
andassem na governança, para listar os homens que tivessem qualidade e condição de
concorrer aos ofícios. Esta relação era chamada de rol da nobreza ou arruamento. Neste,
fixava-se a gente importante da terra, a quem se reservava a capacidade eleitoral. Depois,
chamava-se a nobreza e o povo para eleger seis eleitores do rol, os quais ocupariam os
cargos de juízes, vereadores, procuradores e escrivãos. No século XVII, contudo, foi
retirada a participação popular.30
Ressalta-se, novamente, a condição de que estes eleitos deveriam ser das pessoas
mais nobres e da governança da terra, ou que houvessem sido seus pais e avós.31 Além
disso, é importante destacar que estes cargos eram geralmente avaliados em função da
honra (prestígio social) que dava o seu exercício.
Esta exigência constante de nobreza era justificada pela conservação da justiça e do
respeito, pois como revela a historiografia, o respeito público é, pois, um atrativo do nobre
e como tal só por si expectativa segura de bom cumprimento dos cargos municipais. Além
de outras qualidades de condições que garantiam a «habilidade» para os ofícios da
república.32
Mas a sociedade portuguesa não era tão inflexível assim. À medida que se
formavam grupos de poder, fechados que ficavam em seus privilégios, surgia a necessidade
destes em alargar seus domínios, bem como impedir o seu confinamento excessivo. A
historiografia aponta, nessa questão, que para a possibilidade de ingresso de novos
indivíduos, respeitava-se entre as funções administrativas uma certa hierarquia, ou ainda,
preferências pessoais dos homens-bons há muito instalados. Nesse sentido, o cargo de
almotacé33 apresentava-se bastante estratégico, incorporando e pondo à prova a capacidade
dos que desejavam participar dos ciclos de poder.
Já o cargo de escrivão parecia reservado para gente nobre de recursos modestos ou
empobrecido, pois este posto mostrava-se não somente o mais rendoso – pelas propinas,
símbolo da autoridade militar e um bastão ou bengala que representava sua autoridade civil. CARNEIRO, O Paraná..., p. 91.
30 Ibid., p. 45. 31 Ibid., p. 44. 32 Ibid., p. 47. 33 Ibid. ; PEREIRA, M. R. O direito de almotaçaria. No prelo.
11
coimas e emolumentos – como o que dava mais possibilidades de enriquecimento,
sobretudo onde se acumulavam as funções de escrivão da Câmara com as de escrivão da
almotaçaria, órfãos, sisas, etc.34 Participando em todos os negócios, este tinha uma posição
de enorme ascendência, já que os demais oficiais eram, na maioria das vezes, iletrados.35
No século XIV, teria havido um interesse muito grande do povo miúdo em lutar por
um lugar na vereação em busca de maior distinção, o que era muitas vezes apoiado pelo
monarca, a quem interessava contrabalançar poderes, para melhor se impor36. Contudo,
embora as Câmaras portuguesas dessem certo espaço para este povo miúdo participar como
candidatos e eleitores, o poder municipal estava nas mãos de uma elite dirigente, fosse ela
fidalga ou não, mas poderosa economicamente e distinta socialmente.* Tudo dependia do
contexto em que se encontrava cada localidade e da maneira como funcionava cada
Câmara.
Na cidade do Porto, por exemplo, nos homens-bons da vereação verificava-se uma
presença mais freqüente e atuante dos mesteirais**, já que esta era uma cidade em que a
concentração de comerciantes e mercadores era muito intensa. Ainda que não fossem
nobres, estes eram dignos de ocupar funções na Câmara porque eram reconhecidos pela
sociedade em sua atividade, bem como pelos seus superiores. Além disso, representavam
um segmento social que abrangia grande parte da população, e por isso contavam com seu
apoio. Na Colônia, entretanto, não era permitido que os homens-bons exercessem ofícios
mecânicos.
Algumas Câmaras, como acontece no Porto, tinham uma forma de representação
dos trabalhadores que se baseava no sistema de corporações. Assim, os mesteres, ou
mesteirais, elegiam anualmente dentre os membros da sua corporação, doze representantes.
Estes eram chamados de os Doze do Povo. Deste conjunto, quatro tinham o direito de
34 COELHO, p. 49. 35 Id.; HESPANHA, op. cit., p. 168; 176. 36 COELHO, op. cit., p. 25. * Mesmo com a possibilidade de atuação no poder local pelos homens pertencentes a uma camada
social menos destacada, os cargos que dão mais prestígio e honra (poder) ficaram com os de maior representação social, segundo COELHO, op. cit., p. 32.
** Estes são formados por trapeiros, esteireiros, sapateiros, ferradores, ourives, arneiros, alfagemes, caldeireiros, cutileiros, pintores, tosadores, curtidores, peliteiros, borceiros, seleiros, alfaiates, carniceiros e comerciantes - tendeiros, marceiros, corretores e mercadores. COELHO, op. cit., p. 23-25.
12
assistir a todos as reuniões do Conselho e a votar em todos os assuntos que afectassem as
guildas e as corporações de artífices, e a vida econômica da vila ou cidade.37
Em Coimbra, os mesteirais também atuam politicamente, mas não em tão grande
proporção. Nesta região, a burocracia estava nas mãos da pequena nobreza, de proprietários
rurais e mercadores. Eles detinham o poder administrativo, que lhes permitia legislar
conforme os seus interesses, bem como o poder econômico, arrematando a cobrança de
rendas e impostos citadinos e cuidando dos circuitos econômicos do comércio e da
produção. Dominavam, ainda, o campo, servindo de intermediários entre os senhores e os
exploradores da terra, bem como ditavam as leis do mercado, especulando com os gêneros
armazenados.38
Esses dois exemplos refletem uma sociedade em que a participação pública do
indivíduo dependia da sua função social, assim como da sua representação. Revela, ainda,
que para a formação e a continuação do seu exercício no poder local, era preciso que o
grupo exercesse frequentemente os cargos que ofereciam o concelho. Seja participando da
Câmara Municipal, seja atuando em outras funções burocráticas do Reino. Contudo, para
esta conformação de uma elite dirigente, adotava-se uma série de estratégias que permitiam
a sua permanência no poder, fazendo com que os seus objetivos fossem atendidos
primeiramente.
A historiografia revela que uma situação bastante freqüente encontrada em Portugal
era o fato de que em suas Câmaras adotava-se um sistema rotativo na ocupação dos cargos,
ou seja, geralmente eram as mesmas pessoas que assumiam os diferentes postos, sendo
substituídos posteriormente por membros da sua família. Constituía-se, assim, um ciclo de
vereação, ou um ciclo burocrático cada vez mais fechado, tendo a acumulação de exercícios
de cargos um acréscimo do poder pessoal e/ou familiar. 39
Para tanto, desenvolvia-se também uma prática que objetivava o estabelecimento de
alianças. O interesse era consolidar e estabelecer relações de afinidade e de parentesco no
interior do grupo dominante, a fim de garantir a sua permanência dentro do mesmo. Tal
política de casamentos e alianças – muitas vezes sendo estas relações de compadrio – foram
fundamentais para o fortalecimento da elite portuguesa.
37 BOXER, Charles. O império colonial português: 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 1969. p. 264. 38 COELHO, op. cit., p. 27-28. 39 Para estas questões ver COELHO, op. cit. ; SILVEIRA.; BOXER, p. 267.
13
Ainda que houvesse, por vezes, tensões entre esses homens da governança, era forte
a sua coesão. Estudos têm revelado que, ao mesmo tempo em que os grupos de poder local
se apoiavam e se uniam através dessa política de alianças, estas uniões não conferiam um
estado de solidariedade absoluta, já que objetivava-se alcançar interesses pessoais ou
familiares, e não tanto coletivas, em sua abrangência. As oligarquias eram solidárias e
coesas na medida em que respeitavam o seu status social, que se davam
nomeadamente pelo casamento, e pelas práticas de mando, subordinação e proteção das populações. Mas são em absoluto independentes uns dos outros, enquanto dominadores de áreas delimitadas. E de espaço para espaço há equilíbrios de forças, pois não havia quem fosse suficientemente poderoso para romper em benefício próprio o tecido social. Uma qualquer tentativa de alteração ao que vigorava iria subordinar oligarquias a oligarquias (...) e ninguém estava na disposição de um real sacrifício.40 Essa relação de dependência e de solidariedade entre as oligarquias, embora as
divergências existentes, colaborou para a consolidação de uma sociedade que delegava
poder nas mãos de poucos privilegiados que, por sua vez, se reconheciam enquanto tais.
Esta condição de favorecimento aos que se revelavam merecedores, contribuiu para que se
constituísse uma fortíssima identidade estatutária, que fazia com que um nobre português
se sentisse mais próximo de um nobre castelhano do que de um peão português.41 Ou seja,
interessava conviver e estabelecer relações de sociabilidade, políticas e familiares com
indivíduos que se reconhecessem e pertencessem a um mesmo status social.
Contudo, o século XVIII trouxe uma série de modificações na conjuntura
portuguesa, fazendo com que os laços de afinidade e a participação política de novos
membros se ampliassem. As necessidades que apresentavam o Reino, desde final do século
anterior, eram bastante distintas e a elas se devem a realização de uma nova política que
promovia a modernização. Tais alterações seriam uma maior centralização e fortalecimento
do poder central e o incremento da máquina burocrática na metrópole e nas colônias. Além
disso, o governo português preocupou-se com o desenvolvimento da agricultura, do
comércio e da indústria, com a melhoria do sistema de transportes e comunicação.
40 COELHO, p. 35. 41 NOGUEIRA, A.C.; HESPANHA, A.M. A identidade portuguesa. In: MATTOSO, J. (dir.)
História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), v.4. Lisboa : Editorial Estampa, 1998. p. 25.
14
Incentivou tanto o estudo das primeiras letras como os estudos universitários, e promoveu
reformas no âmbito militar*.42
Tais medidas visavam erradicar a crise econômica pela qual atravessava Portugal,
crise esta, precedida pela destruição de Lisboa, atingida por terremoto e incêndios ocorridos
em 1755. Além do custo da reconstrução da capital do Reino, a crise portuguesa coincidiu –
e em parte foi causada por – duas guerras excessivamente onerosas com a Espanha pelo
controle das vastas fronteiras entre São Paulo e o Rio da Prata. Contava, ainda, com uma
queda virtiginosa da renda, tanto pública quanto privada, iniciada em 1760.43
O governo português precisava, também, possibilitar melhores condições à
população, que havia sofrido um surto demográfico bastante intenso e que presenciava o
crescimento de uma burguesia industrial e mercantil. Embora a maioria desta burguesia já
pertencesse à aristocracia (ou ao clero) mediante cartas de nobilitação, grande foi a corrida
por tal posição. A compra de terras também foi outra característica de muitos negociantes e
burocratas, os quais desejavam ampliar o seu patrimônio.44 Como conseqüência, a elite
acabou por ser também representada pelos oficiais do exército e da marinha, pela burguesia
industrial e pelos negociantes.
Já no fim do século XVII, o aumento da fortuna fez com que os grandes
proprietários detivessem o poder, conflitanto com antigos senhores que possuíam somente
o título da nobreza, os quais eram chamados de fidalgos. Foi, contudo, na segunda metade
do XVIII, que o governo português posicionou-se oficialmente perante a ascensão social e
política dos afortunados e dos que não correspondiam à fidalguia.
Segundo Elizabeth Kuznesof, foi expedida em três de Agosto de 1770, uma Real
Carta de Lei dos Morgados, cuja ordem era de que as qualificações daquelas pessoas
sejam consideradas, que conquistaram a nobreza através de serviços prestados à Coroa,
por armas, ou cartas, ou através da útil e louvável dedicação ao comércio, agricultura ou
* Estas reformas dizem respeito especialmente às atribuições dos militares, que se converteram nos
técnicos da época, ou seja, eram "os oficiais do exército e da marinha quem planeava fortificações e edifícios públicos, superintendia na instalação de novas indústrias ou estudava meios de abastecer com água uma cidade".
42 MARQUES, op. cit., p. 373. 43 ALDEN, Dauril. O período final do Brasil Colônia, 1750-1808. In: BETHELL, L. (Org.)
História da América Latina: a América Latina colonial. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 548. 44 MARQUES, op. cit., p. 372-374.
15
as artes liberais.45 Contudo, a riqueza não havia substituído a importância da
hereditariedade, mas havia sido acrescida à lista das qualificações necessárias à nobilitação.
Verificou-se nesse período, portanto, uma renovação gradual da alta e da média nobreza,
demonstrando a representação e a infiltração de novos membros nesta sociedade. Este fato
causava a divisão da nobreza em dois grandes grupos: um, ligado ao passado, olhando para si próprio em termos de sangue e de linhagem, defendendo os velhos métodos de governação e de actividade económica, realçando o papel da propriedade rural e da agricultura; o outro, mais progressivo e aberto, aceitando a promoção à nobreza dos burocratas, homens de letras e até burgueses, importando-se menos com a linhagem, interessado em desenvolver o comércio e a indústria para deles tirar o seu quinhão.46
Representativo nesta disputa por poderes é o caso ocorrido em Guimarães no ano de
1768. Contrários à eleição de um corregedor que há tempos permanecia no poder, um grupo
formado por advogados, licenciados e bacharéis reclamavam o direito de também assumir
postos na governança. A sua justificativa era de que
não basta para o bom governo da republica, ser fidalgo, ou nobre, he precizo que concorra o temor de Deus, o zelo de servir a V. Magestade e o do bem comum, e as mais virtudes como he a humildade em que todas se estabelesem e não na soberba, he precizo capacidade, literatura, isto não nasce com a nobreza, e com a fidalguia. [Assim sugerem que] não faltão na ditta villa condecorados e com nobreza bastante para grandes empregos e a pode suprir a inteireza, limpeza de maons, e boa capacidade que nem todos os que andão naquelle giro, tem a que se persuadem, nem as virtudes que são as precizas, e que fazem merecedoras as pessoas para os empregos.47
A reivindicação de incorporarem ao grupo de homens-bons da vila de Guimarães
aponta para uma tentativa de penetração e alargamento do grupo dirigente, com especial
destaque para os que tinham graus acadêmicos. Contudo, o serviço real continuou
carregado por princípios de fidelidade e amor à ordem, de virtude e honra, de respeito a
Deus e à hierarquia, mesmo que permitisse certo apego aos livros e às artes liberais.
Como recorda Marco Antonio Silveira48, se a maioria dos súditos jamais
correspondeu a este modelo que se apresentava ideal nos serviços régios, o fato é que
45 KUZNESOF, Elizabeth Anne. A família na sociedade brasileira: parentesco, clientelismo e
estrutura social. (São Paulo, 1700-1980). Família e grupos de convívio, São Paulo, n. 17, p. 37-63, set. 1988/ fev. 1989. p. 51.
46 Ibid., p. 366. 47 COELHO, op. cit., p. 53-54.
16
esteve presente na vida cotidiana das variadas regiões do Império e do Reino, estabelecendo
referenciais para o conjunto de valores e comportamentos da sociedade. Tais valores
também tiveram sua expressão na Vila de Curitiba no século XVIII, como ocorre com o Dr.
Lourenço Ribeiro de Andrade e sua família, analisado neste estudo.
48 SILVEIRA, op. cit., p. 54.
17
CAPÍTULO 2
OS ORNADOS COM LOURO
Aqueles que conhecem apenas sua própria geração estão destinados a permanecer para
sempre crianças. Cícero.
BOM APELIDO E NOME GRACIOSO
No dia 24 de Setembro de 1724, mais uma criança iniciou e prolongou as
idealizações de seus pais. Recebeu o nome de Lourenço, que significa a celebridade de um
só louro, aquele que é ornado com louro1, ou o que triunfa, o vitorioso2. Se seus pais
sabiam ou não da simbologia que carregava seu nome, é impossível saber. Tanto menos se
este foi escolhido por devoção a São Lourenço. Em todo caso, a designação que se optou
acabou coincidindo com os desejos de sua família em aumentar seu prestígio e fama, na
medida em que esta criança acabou por tornar-se figura pública de grande expressão na
Vila de Curitiba, na segunda metade do século XVIII. Lourenço Ribeiro de Andrade
exerceu o posto de capitão-mor entre os anos de 1765 a 1799, ano em que falece.
Embora nomear um indivíduo seja tarefa das mais subjetivas, pode-se notar alguns
indícios que determinavam a escolha da designação. No caso do Dr. Lourenço Ribeiro de
Andrade, este não fora o primeiro a receber tal nominação na família. Tratou-se, portanto,
de uma homenagem a seu avô materno, Lourenço de Andrade. A mesma situação ocorre
com relação a seu irmão, Miguel Ribeiro Ribas, que recebe um nome semelhante ao de seu
pai, Miguel Rodrigues Ribas.
Este hábito de agraciar os antepassados atribuindo seus nomes às novas gerações foi
bastante freqüente no Brasil colonial, muito presente, também, em Curitiba. Num trabalho
de levantamento das genealogias das famílias que constituíram a população livre do 1º
Planalto paranaense, desde fins do século XVII a praticamente todo século XVIII, e que
1 GUÉRIOS, R.F.M. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. 2. ed. São Paulo: Ed. Ave
Maria, 1973. p. 147.
18
teve como base as obras de Francisco Negrão, Ermelino de Leão e David Carneiro3,
percebeu-se que os prenomes masculinos e femininos, não raro, eram iguais aos que tinham
seus pais ou avós, tanto maternos quanto paternos, pelo menos em um dos filhos.*
Se a recorrência de prenomes era evidente, o mesmo não era válido quanto aos
sobrenomes. Sobretudo no período inicial da ocupação da Vila de Curitiba, em fins do
seiscentos e início do setecentos, a inconstância das terminações nominais da população
branca livre era muito comum. Estudos que se ocuparam com a realização de reconstituição
de famílias do Brasil colonial também apontaram para a limitação que este trabalho
acarretava, visto que, ora os membros de uma mesma família apresentavam os mesmos
nomes e sobrenomes, ora adotavam sobrenomes distintos, dificultando, pois, a localização e
a identificação dos indivíduos dentro do quadro familiar.4 Tais estudos, indicaram, ainda, a
possibilidade dos colonos brasileiros nominarem suas filhas dando-lhes o mesmo nome ou
sobrenome que trazia sua mãe.**
Assim, verificou-se que enquanto alguns optavam pelo sobrenome paterno, outros
admitiam o do lado materno ou o dos avós. Outros, ainda, incorporavam à sua identificação
sobrenomes que não apresentavam relações com nenhum outro antepassado localizado.
Muitas vezes, nesses casos, a designação do indivíduo era correspondente a alguma
devoção religiosa, atributo físico, localização de moradia ou naturalidade, adoção de
prenome como sobrenome, ou ainda, algum feito que tenha marcado sua existência, tanto
2 MACHADO, J.P. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Editorial Confluência,
1952-59. p. 1360-1361. v. 2. 3 NEGRÃO, F. Genealogia paranaense. v. I, II. Curityba: Impressora Paranaense, 1926-1950.
LEÃO, E. de. Dicionário histórico e geográfico do Paraná. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1994. 6 v. CARNEIRO, D. Galeria de ontem e de hoje. Curitiba: Vanguarda, 1963.
* Tive oportunidade de realizar este levantamento enquanto bolsista do Prolicen, com projeto ligado ao CEDOPE, Centro de Documentação e Pesquisa - Paraná século XVIII, do Departamento de História da UFPR.
4 Ver, por exemplo, BURMESTER, A.M. A população de Curitiba no século XVIII: 1751-1800, segundo os registros paroquiais. Curitiba, 1974. Tese (Mestrado) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná. BACELLAR, C. de A. Família, herança e poder em São Paulo: 1765-1855. São Paulo: CEDHAL, 1991. FARIA, S. de C. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. NADALIN, S.O. A demografia numa perspectiva histórica. Belo Horizonte: ABEP, 1994.
** Estudos apontaram, ainda, que o fato das meninas apresentarem-se com as nominações maternas, mesmo após casadas, talvez indicasse a maior importância social, seja politicamente, seja financeiramente, da mãe do que do pai. Assim, teoricamente, seria maior a facilidade de se encontrar pretendentes adequados às suas filhas, ou seja, que pertencesse a uma mesma categoria social. No que concerne a inconstância dos sobrenomes, os estudos revelaram que esta prática também era encontrada em regiões de Portugal.
19
em sua ocupação, como em sua vida social. Tais fatores poderiam converter-se nos
sobrenomes transmitidos aos descendentes. *
A homenagem feita aos antepassados através da nominação, no entanto, remete à
idéia de que o nome pessoal era indicador da linhagem a qual se pertencia, visto que era
passado de geração em geração, ainda que admitisse mudanças ao longo dos anos. Dessa
forma, a aplicação de um certo sobrenome, Ribeiro de Andrade, por exemplo, parecia
implicar no reconhecimento social da participação do indivíduo na família a que pertencia,
já que trazia consigo a lembrança dos feitos e da origem de seus predecessores. Ainda que
muitas vezes as linhagens transitassem por várias nominações diferentes, sobretudo no
início do estabelecimento de alianças de interesses, a hereditariedade não passava
despercebida.
Assim, estes indivíduos, se preocupados em manter a honra, a boa fama, e uma certa
estabilidade econômica e política da família, articulavam-se para melhor preservar e
expandir seu poderio. Aliado a esse desejo de prestígio e fortuna que, por sua vez, estava
muito relacionado às aspirações dos portugueses ou de outros emigrantes em encontrar, no
Brasil Colônia, uma possibilidade de adquirir títulos nobiliárquicos, riqueza, e de constituir
família5, constava-se, também, um sentimento que lhes era natural, qual seja, o desejo de
perpetuar-se através dos seus filhos. Como lembra Michel Foucault6, os indivíduos
possuem um desejo contínuo de prolongar sua existência no mundo dos vivos e, para tanto,
nada melhor e mais concreto do que ter na filiação o reflexo do que se deseja. Assim, a
imortalidade encontrou respaldo na união dos seres que, através do casamento, geravam
descendentes e perpetuavam a existência de um nome que representava a família
fundadora.
Acompanhando a genealogia do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, pode-se
perceber as variações dos sobrenomes pela qual passou sua família, sobretudo devido a
inserção de novos membros familiares pelo matrimônio, bem como a formação e a
* Como exemplos de tais nominações podem ser citados, respectivamente, Antonia Espírito Santo,
Luiz Rodrigues Velho, João Ribeiro do Vale, Catharina Luiz, Antonio Luiz Tigre e Manoel Picam de Carvalho.
5 BOXER, C. A idade de ouro no Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 34-38. NADALIN, S.O. História do Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba, 1999. No prelo.
6 FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998. p. 121.
20
transmissão das aspirações de fortuna, nobreza e prestígio dos membros que imortalizaram
sua linhagem.
DECISÕES AMBICIOSAS E REMOTAS: A RECUPERAÇÃO DA LINHAGEM
Os bisavós
Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade provinha de uma das primeiras famílias que
ocuparam o território curitibano. Segundo Vieira dos Santos, o qual sintetizou, nas
primeiras décadas do século XIX, os relatos dos moradores mais antigos da região acerca
da origem de Curitiba, a Vila teve como seu primitivo morador um tal de F... Soares do
Valle. Este teria tido um bom motivo para estabelecer-se nos sertões então vazios de
Curitiba. Tratava-se de um fugitivo. Casado e com família em São Paulo*, teria se
desentendido com o governador desta capitania em meados do século XVII. Já
estabelecido, dirigiu-se certa vez à Paranaguá, donde escreveu ao sogro, também morador
em São Paulo, para que trouxesse sua mulher e filhos.7
Mais adiante, o texto de Vieira dos Santos tornou-se um pouco confuso. F... Soares
teria, finalmente, recebido sua família nos campos de Curitiba. Contudo, esta não teria
vindo sozinha. Acompanhavam-na, não se sabe ao certo, se o próprio Soares ou o seu
sogro. Além destes, migraram para a região Lourenço Rodrigues de Andrade com sua
mulher, e hua filha cazada com hum F... Seixas; e um outro irmão de nôme (sic) Antonio
Rodrigues de Andrade, que, contudo, seguiu para Santa Catarina.8
Assim, segundo o autor, as três principais e primárias famílias curitibanas eram
constituídas pelos Andrades, Soares e Seixas**. Estas seriam formadas, ainda, por alguns
* Ainda que a região onde atualmente situa-se o Estado do Paraná pertencesse à capitania de São
Paulo, e assim tenha permanecido até meados do século XIX, o local de moradia de F... Soares do Vale e de sua família encontrava-se fora dos limites do que é hoje o Paraná.
7 VIEIRA DOS SANTOS, A. Memória historica: chrónologica topographica, e descriptiva da Villa de Morretes e do Porto Real, vulgarmente Porto de Çima, 1851. Curitiba: Cecção de História do Museu Paranaense, 1950. p. 14.
8 Id. ** Neste relato, no entanto, não são citados os mesmos personagens ou pioneiros que relata Romário
Martins. Este último destaca como principais figuras Eleodoro Ébano Pereira, Matheus Martins Leme e
21
colonos europeus que teriam se estabelecido numa região que, até o tempo de Vieira dos
Santos, conservava o nome vulgar de Morro dos Andrades9.
Embora a narrativa de Vieira dos Santos não seja muito clara, pode-se, recorrendo
aos trabalhos dos genealogistas Francisco Negrão e Ermelino de Leão10, identificar uma
possível troca de termos nesta narrativa que comprometeram a sua significação.*
Assim, enveredando no campo das possibilidades, é provável que Lourenço
Rodrigues de Andrade tenha chegado a Curitiba na segunda metade do seiscentos com sua
esposa Isabel Rodrigues mas, contudo, sem descendência. Isabel era quem teria vindo
acompanhada por seu pai, que seria o dito F... Seixas**, ou seja, João Rodrigues Seixas.
Além de Isabel, este também trouxe seu outro filho, Antonio Rodrigues Seixas.
Esta versão fundamenta-se no fato de que os pais de Lourenço de Andrade, reinol de
Ornellas, bispado de Vizeu, chamavam-se Marcos de Andrade e Catharina Luiz e não se
tem conhecimento de que teriam aportado no Brasil. Quanto aos pais de João Rodrigues
Seixas, também natural de Portugal, da Vila de Vianna, estes eram Antonio Rodrigues
Seixas e Catharina Martins e, igualmente, não se obteve maiores informações sobre sua
procedência ou migração à Colônia.11
Sogro de Lourenço de Andrade e bisavô do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, João
Rodrigues Seixas foi fundador de uma família que se estabeleceu na Vila de Curitiba em
busca de melhores condições de vida e novas oportunidades. Num período em que eram
escassos os recursos e a população detinha somente bens e produtos de consumo básicos
para sua sobrevivência, era fundamental instituir relações de afinidade para melhor se
estabelecer. Segundo Elizabeth Kuznesof, nos séculos XVI e XVII
o que era importante para os paulistas era a proximidade do grupo social no qual eles se baseavam para obter ajuda e realizar a troca – o clã familiar. A precária economia de
Balthazar Carrasco dos Reis. MARTINS, R. Terra e gente do Paraná. Curitiba: Travessa dos Editores, 1995.
9 VIEIRA DOS SANTOS, op. cit., p. 14. 10 NEGRÃO, op. cit.; LEÃO, op. cit. * A história oral requer alguns cuidados enquanto recurso metodológico na medida em que exige
compreensão exata da narração por parte do interlocutor. Ressalta-se, ainda, o problema e a atenção a ser observada a respeito da própria narrativa, já que o locutor, por vezes, inclui em seu relato novos elementos constitutivos, os quais alteram os acontecimentos.
** É provável que Vieira dos Santos, na dúvida quanto ao nome da pessoa citada, tenha utilizado a letra F... para indicar Fulano Seixas, já que da mesma forma cita F... Soares do Valle.
11 Id.
22
subsistência, a agricultura, apoiava-se e protegia-se através de um sistema de troca de grupo e ajuda mútua. Essas não eram relações de mercado, nem relações baseadas em um sistema de reciprocidade específico, mas sim, um sistema de apoio generalizado para todos os membros do grupo.12
O caminho mais eficaz para suprir esta carência de auxílio e solidariedade seria,
justamente, a instituição do casamento, que pela união de duas famílias permitia a
configuração de um relacionamento de assistência mútua. Além disso, criava, num certo
sentido, uma relação de dependência entre os cônjuges e os membros das duas linhagens,
visto que o desejo era que esta aliança não somente garantisse a subsistência das famílias,
mas que também ampliasse os seus domínios territoriais. Tais interesses eram
acompanhados, ainda, por um outro querer, que seria o de adquirir, com o tempo, maior
representação social e política na sua localidade. Desse modo, era importante escolher os
cônjuges que favoreciam os interesses pessoais de ambos os noivos e suas respectivas
famílias.
PAIS FILHOS / SOGROS
Antonio Rodrigues
Seixas e
Catharina Martins
Isabel Rodrigues
Lourenço de Andrade
Marcos de Andrade
Catharina Luiz João Rodrigues Seixas
e
Maria Maciel Barbosa _____
Antonio Rodrigues Seixas
Maria Soares Paes
Manoel Soares
Maria Paes
* PAI FILHOS CUNHADOS
Maria Maciel Barbosa
e
Luiz Rodrigues Velho
Domingos Rodrigues da
Cunha _____
Garcia Rodrigues Velho
1-Isabel Bicuda de Lara
2- Maria Benita **
Tabela 1 – Família João Rodrigues Seixas. (*) 2º casamento de Maria Maciel Barbosa. (**) 1ª e 2ª
esposa de Garcia Rodrigues Velho.
12 KUZNESOF, E. A. A família na sociedade brasileira: parentesco, clientelismo e estrutura social.
(São Paulo, 1700-1980). Família e grupos de convívio, São Paulo, n. 17, p. 37-63, set. 1988/ fev. 1989. p. 40.
23
Embora não seja conhecida a linhagem pela qual João Rodrigues Seixas aliou-se
pela via matrimonial, sabe-se que sua esposa, Maria Maciel Barbosa, era natural de
Cananéa, São Paulo, local onde vivia com seu marido antes da vinda a Curitiba. Com o
falecimento de João em Abril de 1700, Maria contrai segundas núpcias com Luiz Rodrigues
Velho, irmão do capitão Garcia Rodrigues Velho.13 Conhecido sertanista da região, Garcia
Rodrigues tornou-se detentor de um número significativo de servitos – índios – nas últimas
décadas do século XVII, o que lhe conferia certo destaque social.*
Estudos têm apontado que o aprisionamento de indígenas, ou guerra justa, como é
chamado, manifestou-se como elemento básico na formação e reprodução da sociedade
colonial e sua manutenção garantiu e legitimou a continuidade de escravização dos povos
indígenas.14 No Rio de Janeiro seiscentista, ao menos, a montagem das fortunas das
famílias mais poderosas da região dependeu da guerra contra o gentio em prol de
conquistas de novos espaços. Desse modo, a posse de indígenas tornou-se um dos
mecanismos fundamentais na formação do processo produtivo colonial. Segundo João
Fragoso, o patrimônio agrário carioca – que posteriormente teve nos escravos africanos a
mão-de-obra principal – num primeiro momento constituiu-se e reproduziu-se pela doação
de sesmarias, índios cativos e crédito, aos quais [as famílias mais poderosas] tinham
acesso exatamente por suas estreitas relações com o poder, o que lhes conferia a
possibilidade de ocupar importantes cargos de comando na colônia.15
Ainda que não conste nenhum registro de batismo cujo proprietário de servitos fosse
Luiz Rodrigues Velho, sua ligação com seu irmão Garcia Rodrigues extrapolava o grau de
parentesco na medida em que obtiveram conjuntamente uma sesmaria em 1668, concedida
13 LEÃO, op. cit., v. II, p. 742-743. NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 91. * Isto pode ser observado analisando a presença de grande número de servitos de sua propriedade que
recebiam o sacramento do batismo. Segundo os registros de batismo do período de 1688 a 1691, Garcia Rodrigues Velho possuía um total de 17 servitos. Destacavam-se no período, ainda, Mateus Martins Leme, capitão-mor povoador da região de Curitiba, com 24 servitos e 2 servos entre os anos de 1685 a 1698; João Rodrigues França, capitão-mor de Paranaguá, com registro de 22 servitos entre 1687-1695; e Manoel Soares e João Leme que possuíam 18 servitos cada um, entre 1685-1696. No entanto, tais índices ficam comprometidos na medida em que não se tem conhecimento se tais servitos permaneceram realmente em seus poderes ao longo dos anos. (Relação dos habitantes de Curitiba, segundo os registros de batismo informatizados no software SYGAP (Système de Gestion et d' Analyse de Population) - de acordo com arquivo elaborado pelo DEHIS. 1684-1730. Arquivo CEDOPE.
14 ALMEIDA, M.R.C. de. Considerações sobre a presença indígena na economia do Rio de Janeiro colonial. Cativeiro & Liberdade, Rio de Janeiro, v. 4, p. 46-58, jul. / dez. 1996. p. 46.
24
pelo capitão-mor povoador Gabriel de Lara. Esta sesmaria, denominada matto do Caririhó,
ficava próxima ao Rio Grande, entre o Rio Apiahuma, ou Passaúna, e outro ribeirão que
desaguava no Rio Grande.16
Além do irmão, seu pai Domingos Rodrigues da Cunha também pareceu destacar-se
na região na segunda metade do seiscentos. Este teria sido um dos dezoito signatários da
Ata do levantamento do pelourinho na povoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, a 4
de Novembro de 1668.17
Assim, neste caso específico, não somente o pai como o irmão de Luiz Rodrigues
Velho garantiam a viabilidade de uma aliança matrimonial que se apresentava bastante
interessante para ambas as famílias. Ainda que fosse escasso o número de mulheres brancas
e livres para o casamento nesse período18, Maria Maciel Barbosa apresentou-se como uma
possibilidade que trazia benefícios para as duas linhagens. Enquanto a família Rodrigues
Velho possuía bens materiais, o grupo dos Rodrigues Seixas possuía um bem intelectual.
Seus membros dominavam as letras.
Além de uma aliança política vantajosa, a agregação de novos membros na
linhagem dos Rodrigues Seixas garantiu uma certa proteção e uma melhor inserção social
destes. Desse modo, em 1713, quando já participavam de um mesmo grupo de afinidade,
Garcia Rodrigues constituiu como seu procurador Antonio Rodrigues Seixas, filho de
Maria Maciel Barbosa, para, em Curitiba, representá-lo no inventário e herança por
testamento de sua primeira esposa, Izabel de Lara.19
Percebeu-se, assim, alguns indícios que determinaram a escolha de Antonio neste
processo. Além de implicar uma relação de confiança entre os dois envolvidos, ou como
sugere Elizabeth Kuznesof, um princípio de lealdade pessoal20, atentou-se também para o
lado prático, ou processual, que exigia tal operação. Ou seja, era preciso saber ler para fazer
15 FRAGOSO, Apud : Almeida, op. cit., p. 54. FRAGOSO, João. A espera das frotas: hierarquia
social e formas de acumulação no Rio de Janeiro, século XVII. In: Cadernos do laboratório interdisciplinar de pesquisa em História Social. Rio de Janeiro IFCS/ UFRJ, 1995. p. 53-62.
16 Id. 17 MARTINS, op. cit., p. 22. 18 VAINFAS, R. Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade
escravista. In: História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 221-273.
19 BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. Documentos interessantes para a história do Paraná: fundação da Villa de Curityba. 1668 a 1745. Curityba: Livraria Mundial, 1924. Nota 8. p. 49.
20 KUZNESOF, op. cit., p. 45.
25
cumprir o que determinava tal documento. Indicou-se, portanto, que a proximidade entre os
membros das famílias, ainda que não demandasse nenhuma consanguinidade direta entre
estes, fundamentava-se num relacionamento de colaboração contínua e de troca de favores.
Analogias entre as duas famílias ocorreram, contudo, não somente depois do
casamento de Maria Maciel Barbosa e Luiz Rodrigues Velho. No período anterior a esta
união, tanto Garcia Rodrigues Velho quanto Antonio Rodrigues Seixas, haviam sido
signatários da ata da elevação da Vila de Curitiba em 24 de Março de 1693, sendo o dito
Antonio escrivão do documento.21 *
Cinco dias após esta data, teriam se reunido os povoadores para aclamarem os seis
homens de sã consciência para que estes nomeassem as autoridades da administração e da
justiça da Vila. Dessa forma, os eleitores aclamados foram Agostinho de Figueiredo, Luiz
de Góes, Garcia Rodrigues Velho, João Leme da Silva, Gaspar Carrasco dos Reis e Paulo
da Costa Leme.22 Para compor o primeiro grupo de homens-bons da Câmara de Curitiba,
foram nomeados entre os vereadores, Garcia Rodrigues Velho**. Entre os juízes, Manoel
Soares, sogro de Antonio Rodrigues Seixas. Para escrivão da Câmara, João Rodrigues
Seixas. Vale destacar que Luiz Rodrigues Velho também assumiu cargos na administração
da nova vila. Foi eleito vereador por três anos,1696, 1697 e 1700.23
João acumulou as funções de tabelião de notas e escrivão dos órfãos até sua morte,
em 1700. Talvez aqui se confirme a conclusão encontrada pela historiografia a respeito da
possibilidade de enriquecimento que trazia a ocupação de escrivão, bem como a posição de
ascendência social que trazia o exercício deste cargo, já que, em sua maioria, os homens-
bons da Vila eram iletrados.24 Em todo caso, contundente foi o fato de que, mesmo sem
instrutores de primeiras letras na região naquele período, João Rodrigues Seixas transmitiu
21 MARTINS, op. cit., p. 235, 237. * Além de escrivão, Antonio Rodrigues Seixas exerceu o cargo de vereador entre os anos de 1698,
1701 e 1703. Em 1705 foi nomeado juiz ordinário, ocupando-o novamente em 1707 e 1710. Em 1713 retorna a fazer parte da vereança, e nos anos de 1716 e 1717 foi o procurador da municipalidade. Em 1720, foi juiz ordinário e em 1726 findou sua participação do poder público como procurador. Faleceu aos 65 anos de idade, em 1735. LEÃO, op. cit. v. I, p. 252.
22 MARTINS, op. cit., p. 204. CARNEIRO, op. cit., p. 18. ** Posteriormente, Garcia Rodrigues Velho exerceu o cargo de juiz ordinário da Câmara nos anos de
1696 e 1697. LEÃO, op. cit., v. I, p. 252. 23 LEÃO, op. cit., v. I, p . 252-253. 24 COELHO, M.H.; MAGALHÃES, J.R. O poder concelio: das origens às cartas constituintes.
Notas da história social. Coimbra: Edição do Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986. p. 49. HESPANHA, A.M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 168; 176.
26
seus conhecimentos ao seu filho, Antonio Rodrigues Seixas, o qual pode desfrutar da
mesma ocupação posteriormente.*
Assim, verificou-se que desde o início da organização administrativa da Vila de
Curitiba, os antepassados mais remotos do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade exerceram o
comando do poder público na Vila. Ainda que tal posição outorgasse respeito em Portugal,
seus bisavós, no caso, não encontraram no Brasil respaldo para seus sonhos de
enriquecimento e ascensão na nova sociedade. O desejo de fortuna, prestígio e distinção
social exigia um investimento a longo prazo. A família precisava manter-se no poder local
e, sobretudo, merecer participar da elite colonial que se formava.
Os avós
A descendência de João Rodrigues Seixas tomou dois rumos distintos, configurando
duas famílias que, embora o parentesco, identificavam-se de forma desigual. Assim,
Antonio Rodrigues Seixas deu prosseguimento ao sobrenome que herdou do pai,
desdobrando-o também na sua filiação.** Sua irmã Isabel Rodrigues, no entanto, gerou
descendência que adotava tanto a nominação recebida paternalmente, quanto
maternalmente. Desse modo, seus três filhos, Antonio Rodrigues de Andrade, Maria
Rodrigues de Andrade e Agostinho de Andrade, conferiam legitimidade ao pai, Lourenço
de Andrade, e à mãe, Isabel Rodrigues.
Como João Rodrigues Seixas, Lourenço de Andrade era português e acompanhou
seu sogro na vinda para Curitiba na segunda metade do século XVII. De igual modo,
participou do corpo político da Vila, exercendo sempre um mesmo cargo, que seria o de
vereador da Câmara Municipal, entre os anos de 1701, 1704, 1706, 1707, 1708 e 1710.25
* Em carta régia de 21 de Maio de 1722 foram fixados os vencimentos anuais dos juízes ordinários e
mais oficiais da Villa de Curityba. Assim, os juizes ordinários que serviam de inquiridores e contadores, cada um receberia 8$000. O juiz mais velho, por ser de Orphãos, também 8$000. Alcaide e Carcereiro levavam 15$000 e o Escrivão de tudo receberia o maior montante, de 40$000. Em Paranaguá, no entanto, o escrivão de tudo ganhava 80$000. NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 87.
** Antonio Rodrigues Seixas casou-se com Maria Soares Paes, filha de Manoel Soares e de Maria Paes, por sua vez, filha de Balthazar Carrasco dos Reis e de Izabel Antunes. Tiveram 4 filhos: tenente Manoel Rodrigues Seixas, João Rodrigues Seixas, o moço, Ignez Rodrigues Seixas e Juliana Rodrigues. LEÃO, op. cit., v. I, p. 114. NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 92-93.
25 LEÃO, op. cit., v. I, p. 253-254.
27
Notou-se, entretanto, que entre esse período de dez anos, intercalaram-se no poder tanto
Lourenço de Andrade quanto seu cunhado Antonio Rodrigues Seixas. Tendo ocupado os
postos da municipalidade conjuntamente apenas em 1703 e 1707, em todos os outros anos
dessa década, foram nomeados ou Lourenço, ou Antonio para integrar a Câmara.
Constituiu-se, portanto, um ciclo de vereação no qual uma relação de parentesco fazia-se
presente.
Além da sua inserção no poder público, observou-se, também, alguns indícios da
rede de sociabilidade que Lourenço de Andrade alcançou. Analisando os registros de
batismo da época, verificou-se uma constante no seu comportamento social. Lourenço
apadrinhou sete crianças entre os anos de 1704 a 1711 – período coincidente ao seu
exercício administrativo – sendo cinco meninos e apenas duas meninas, porém todos
provindos de uniões legítimas.26 Verificou-se, ainda, que no último batismo registrado, a
madrinha da criança era a própria esposa de Lourenço de Andrade, Isabel Rodrigues.
DATA BATIZANDO SEXO PAIS PADRINHOS
28-12-1704 Luzia F Bento Pires Leme
Maria de Syq.ra
Lourenço de Andrade
Anna Leme da Sylva
09-09-1705 Anna F Miguel Alz.
Maria Luís
Lourenço de Andrade
Ignez Dias
08-09-1706 Manoel M Thomas Alz. Frutuozo
Juliana de Assunção
Lourenço de Andrade
Mª Pais
28-01-1707 Salvador M Salvador Nunes Abreu
An ta Roiz
Lourenço de Andrade
Catherina Souto
27-11-1707 Pedro M Seb. am Pais de Almeida
Leona de Escudr º
Lourenço de Andrade
Joana de Burga Cide
19-05-1710 Sebastião M Jozeph Teyxeyra
Maria Fé Cide
Lourenço de Andrade
Anna Bicuda
14-05-1711 Antonio M Pedro Leme Delgado
Maria Moreyra
Lourenço de Andrade
Izabel Roiz
Tabela 2 - Relação de compadrio – Lourenço de Andrade.
26 Segundo as fichas de batismo elaboradas pelo CEDOPE. Baseados no arquivo da Catedral de
Nossa Senhora da Luz. Livro I – fichados registros de batismo de 1704 a 1713. Livro II – fichados anos de 1728 a 1747. Arquivo CEDOPE.
28
Entre os pais de seus afilhados, contudo, não se percebeu grande notoriedade.
Assim, uma conclusão possível seria a de que pais em busca de respaldo social para si e
para os filhos, encontravam no estreitamento dos laços sociais, transformados em laços
espirituais, um caminho para reforçar ou estabelecer alianças com os homens que se
destacavam na Vila. Assim, o fato de Lourenço de Andrade apadrinhar meninos, em sua
maioria, talvez revele a necessidade masculina em contar com auxílio que contribuísse para
a sua posterior ascensão social.*
Mais do que uma prática cristã, o sacramento do batismo proporcionava a
aproximação entre membros de famílias distintas, gerando uma relação chamada de
compadrio. Segundo Antonio Augusto Arantes, tal prática fundamentava-se na justa
escolha dos padrinhos, já que o compadrio previa a formação moral e religiosa dos
afilhados, sendo proibidos o casamento e relações sexuais entre as pessoas ligadas
ritualmente.27 Os benefícios trazidos pelo parentesco ritual foram estudados, também, sob
uma ótica menos vinculada ao cristianismo. Citados pelo mesmo Antonio Arantes,
Redfield, Mintz & Wolf e Foster sugeriram que a função primordial do compadrio era criar
vínculos de solidariedade entre os seus participantes, expressas através da cooperação
econômica e da lealdade política. Carvalho Franco, por sua vez, fundamentou sua análise
na existência de uma ambivalente relação de poder e sujeição que se estabelecia entre
padrinhos, pais do batizando e batizando.28
Dentre os descendentes de Lourenço de Andrade e Isabel Rodrigues, contudo,
somente foi possível localizar o registro de batismo de sua filha, Maria Rodrigues de
Andrade. Batizada na Igreja de Nossa Senhora da Lux dos Pinhais de Curytiba em 15 de
agosto de 1706, recebeu por padrinho M el Alz. Pedroso e por madrinha Anna Glz.29
* Maria Luiza Andreazza encontrou em seu estudo acerca da família Siqueira Cortes, residente em
Santo Antonio da Lapa no século XVIII, o indicativo de que o apadrinhamento ocorria tanto entre escalas sociais distintas como semelhantes. Os notáveis da região, assim, ocasionalmente serviam-se do batismo para reforçar ou estabelecer parentesco com a família a qual se desejava aproximar, no caso, a família Siqueira Cortes. ANDREAZZA, M.L. Casamento, solidariedade e compaixão. Curitiba, 2000. No prelo.
27 ARANTES, Antonio Augusto. "Pais, padrinhos e o Espírito Santo: um estudo do compadrio." In: ALMEIDA, M. S.K. et al. Colcha de retalhos. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 195.
28 Ibid., p. 195-196. 29 Segundo fichas de batismo elaborados pelo CEDOPE. Baseados no arquivo da Catedral de Nossa
Senhora da Luz. Livro I – fichados registros de batismo de 1704 a 1713. Arquivo CEDOPE.
29
A decisão dos pais por Manoel Alvares Pedroso como padrinho de sua única filha
pareceu bem interessante. Além de também signatário da ata de elevação da Vila de
Curitiba em 169330, Manoel era casado com Antonia Luiz Maris ou Marim (?-1714), filha
de Antonio Motta Maris de Oliveira e de Maria Pina, residentes em Paranaguá. Antes de
casar-se com Manoel Alvares Pedroso, sua mulher Antonia Luiz tinha sido a primeira
esposa de Antonio de Lara, filho do capitão-mor Gabriel de Lara* e de sua mulher Brigida
Lourença Gonçalves. Sendo filha de Antonio Motta Maris, era também irmã do capitão
Antonio Luiz Tigre, famoso paulista, povoador dos Campos Gerais, signatário da ata de
1693, juiz ordinário em 1700 e 1702, vereador em 1710 e procurador do concelho em 1711,
1715 e 1718.31
Quanto à madrinha, Anna Glz era filha de Manoel Soares** e de Maria Paes, sendo
casada com o capitão Francisco Teixeira de Azevedo (?-1726), filho de Luiz Palhano e de
Maria de Sevanos (ou de Vera). A escolha de Anna Gonçalves como madrinha parece ter
respondido a um estreitamento dos laços familiares, já que membros da família Soares
acompanharam membros dos Rodrigues Seixas e até mesmo Lourenço de Andrade na
chegada a Curitiba no século XVII.
No entanto, não somente através do batismo de Maria Rodrigues de Andrade pode-
se perceber as relações existentes entre seus pais e a família de Manoel Soares, ainda que
não se possa entendê-la como sendo esta família um grupo homogêneo e harmônico. Mas
perceptível era que Manoel Soares, além de sogro de Antonio Rodrigues Seixas e de
Francisco Teixeira de Azevedo, integrava à sua família um homem que também
relacionava-se com os Andrades. Tratava-se de João Ribeiro do Valle (1669-1759), que era
casado com Izabel Soares Paes (1685-1760), filha de Manoel Soares e de Maria Paes, e que
tinha, por outro lado, sua filha Maria do Valle casada com Antonio Rodrigues de Andrade,
primogênito de Lourenço de Andrade.
30 MARTINS, op. cit., p. 236. * Gabriel de Lara (1640-1682) foi representante oficial dos donatários da capitania; patrono da
elevação do povoado de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais à categoria de vila em 1668; governador e ouvidor-mor da vila de Paranaguá até 1672. MARTINS, op. cit., p. 22; 35. LEÃO, op. cit., v. II, p. 729-738. NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 45-47.
31 LEÃO, op. cit., v. I, p. 92-95. ** Em 1683, Manoel Soares requereu sesmaria de terras no Butiatuba, entre as terras de seu sogro, o
capitão Balthazar Carrasco dos Reis, e o Rio Passaúna. Foi juiz em 1694, vereador em 1696, 1697, 1700, 1703. Procurador em 1704. LEÃO, op. cit., v. III, p. 1242. NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 308-309.
30
João Ribeiro do Valle, reinol de Valongo, bispado do Porto, exerceu os principais
cargos da governança de Curitiba, servindo como almotacé, procurador do concelho,
vereador, juiz ordinário, alferes, tenente e capitão das ordenanças da Villa.32 Embora
Ermelino de Leão afirme que a união de João e Izabel tenha gerado nove filhos, foram
encontrados apenas quatro, recorrendo à genealogia feita por Francisco Negrão33 e mais
uma criança, Joanna, nascida em 12-05-1725, segundo pesquisa de Ana Maria Burmester.*
PAIS FILHOS
Maria do Valle
Antonio Rodrigues de Andrade Domingos Francisco
e
Maria do Valle Escolastica Soares do Vale
Simão Gonçalves de Andrade
Bento Ribeiro do Vale
Maria Antunes
Manoel Soares do Vale
Maria Pires de Camargo
João Ribeiro do Valle
e
Izabel Soares Paes Manoel Soares
e
Maria Paes
Joanna do Vale
Tabela 3 – Família João Ribeiro do Valle.
A família de Lourenço de Andrade era composta pelas seguintes pessoas:
PAIS FILHOS / SOGROS
Antonio Rodrigues Andrade
Maria do Valle
João Ribeiro do Valle
Izabel Soares Paes
Marcos de Andrade
e
Catharina Luiz Maria Rodrigues de Andrade
Miguel Rodrigues Ribas _____
Lourenço de
Andrade
e
Isabel Rodrigues João Rodrigues Seixas
e
Maria Maciel Barbosa
Agostinho de Andrade
Gertrudes Pereira Telles
Francisco Diniz Pinheiro
Clara Pereira Telles
Tabela 4 – Família Lourenço de Andrade.
32 LEÃO, op. cit., v. III, p. 991. 33 NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 533. * Fichas de união – relação dos habitantes da Vila de N. S. da Luz dos Pinhais de Curitiba – segundo
os registros de batismo, casamento e óbito – século XVIII. Arquivo Profª. Ana Maria Burmester. Arquivo CEDOPE.
31
PAIS FILHOS
Izabel Soares
João Ribeiro do Valle
Gonçalo Soares Paes
Maria Leme da Silva
Joanna Gracia Soares
Sebastião Santos Pereira
Maria Soares Paes
Antonio Rodrigues Seixas
Gonçalo Soares
e
Anna Gonçalves
Anna Gonçalves Soares
Francisco Teixeira Azevedo
Juliana Maria das Neves
Thomaz Alves Fructuoso
Maria das Neves
Manoel Garcia da Costa
Maria Paes
Manoel Martins Soares
Maria Cardoso
Isabel Paes
Manoel Soares
e
Maria Paes
Balthazar Carrasco dos
Reis
e
Izabel Antunes
Domingos Soares Paes
Maria Leite da Silva
Tabela 5 – Família Manoel Soares.
Comparando os componentes das famílias João Ribeiro do Valle, Lourenço de
Andrade e Manoel Soares, pode-se perceber a integração existente entre seus membros.
Contudo, indícios de que esta relação era mais forte e mais complexa surgiram quando
analisados os compadres e comadres estabelecidos entre estes, especialmente entre João e
Lourenço.*
* Segundo as fichas de batismo elaborados pelo CEDOPE. Baseados no arquivo da Catedral de Nossa
Senhora da Luz. Livro I – fichados registros de batismo de 1704 a 1713. Arquivo CEDOPE.
32
DATA BATIZANDO SEXO PAIS PADRINHOS
23-07-1705 Maria F João Ribeiro do Valle
Isabel Soares
Antonio Rodrigues Seixas
Mª Soares
08-07-1708 Escolastica F João Ribeiro do Valle
Isabel Soares
Gonçallo Soares
Mª Pais
06-08-1711 Bento M João Ribeiro do Valle
Isabel Soares
Thomaz Alz
Jolianna Soares
05-03-1710 Maria F Bento Pires Lemes
Maria de Siqueira Cortes
João Ribeiro do Valle
Maria Luiz
07-09-1710 Antonio M Anto. Soares
Anna Barboza
João Ribeiro do Valle
Maria do Soutto
13-03-1712 Albano M Thomas Alz. Fructuozo
Julianna Assumpção
João Ribeiro do Valle
Izabel Soares
Tabela 6 – Relação de compadrio – João Ribeiro do Valle.
E, novamente, observando a relação dos afilhados de Lourenço de Andrade, tem-se :
DATA BATIZANDO SEXO PAIS PADRINHOS
28-12-1704 Luzia F Bento Pires Leme
Maria de Syq.ra
Lourenço de Andrade
Anna Leme da Sylva
09-09-1705 Anna F Miguel Alz.
Maria Luís
Lourenço de Andrade
Ignez Dias
08-09-1706 Manoel M Thomas Alz. Frutuozo
Juliana de Assunção
Lourenço de Andrade
Mª Pais
28-01-1707 Salvador M Salvador Nunes Abreu
An ta Roiz
Lourenço de Andrade
Catherina Souto
27-11-1707 Pedro M Seb. am Pais de Almeida
Leona de Escudr º
Lourenço de Andrade
Joana de Burga Cide
19-05-1710 Sebastião M Jozeph Teyxeyra
Maria Fé Cide
Lourenço de Andrade
Anna Bicuda
14-05-1711 Antonio M Pedro Leme Delgado
Maria Moreyra
Lourenço de Andrade
Izabel Roiz
Tabela 2 - Relação de compadrio – Lourenço de Andrade.
33
Confrontando estes quadros, percebeu-se a recorrência de pais ou padrinhos
aparentados, e em sua maioria, com relação direta à família Soares. Somente o casal
Thomaz Alves Fructuoso e Juliana Maria das Neves, ou Assunção, ou Soares apareceu três
vezes, seja batizando seus filhos, seja apadrinhando outros. João Ribeiro do Valle também é
ilustrativo nesse sentido. Dos três registros de batismo encontrados de seus filhos, todos
tiveram como padrinhos os cunhados(as) de João.
A incursão de membros das famílias dos genros de Manoel Soares também foi
percebida, como era o caso de Francisco Teixeira de Azevedo, casado com Anna Glz,
madrinha de Maria Rodrigues de Andrade. Seu irmão, Jozeph Teixeira* e sua esposa Maria
Fé Cide tem Lourenço de Andrade como padrinho de seu filho Sebastião.34
Se para o compadrio optou-se por pessoas conhecidas da família e da região,
nuances foram encontradas na escolha dos cônjuges dos filhos. No período colonial
brasileiro, os arranjos matrimoniais eram fundamentais para a preservação do estigma
social das famílias, pois prevalecia o desejo de sacramentar uniões cujos cônjuges
pertencessem a um mesmo segmento social. Isto foi bastante visível no interior paulista,
por exemplo, onde a endogamia social era critério essencial na escolha conjugal, já que o
casamento (...) buscava a construção, concentração, manutenção e transmissão de
fortunas.35 Na Vila de Curitiba, ao menos na família Andrade, parece ter ocorrido o mesmo.
Os filhos homens casaram-se com filhas de pessoas conhecidas da região, participantes do
poder público, os quais poderiam trazer benefícios futuros tanto para os noivos quanto para
seus pais. Tal proximidade social e regional permitia, ainda, conhecer a honra da família a
qual estava se unindo, ou seja, se traria bom nome aos descendentes.
Dessa forma, Antonio Rodrigues de Andrade (1699-1769), primogênito de
Lourenço de Andrade e Isabel Rodrigues, casou-se em 25-10-1734 na Igreja Matriz de N.
S. da Luz com Maria do Valle (1705-1774), filha de João Ribeiro do Valle e Izabel Soares
Paes36. Embora os interesses familiares, não se descarta a possibilidade da existência de um
relacionamento afetivo entre Antonio e Maria do Valle, dada a proximidade das duas
* Tanto José Teixeira de Azevedo quanto Manoel Soares tinham o mesmo sogro, Balthazar Carrasco
dos Reis, já que a primeira esposa de José fora Domingas Antunes Cortes. Balthazar foi um dos principais moradores da região de Curitiba no final do século XVII.
34 NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 411-412; 595. 35 BACELLAR, C. , op. cit., p. 57. 36 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 98.
34
famílias, justificando também sua união. Tiveram cinco filhos entre os anos de 1735 a
1744:
PAIS FILHOS / SOGROS
Joam _____
Izabel Maria de Andrade
Antonio Martins Luztoza
Francisco Martins Lustoza
Maria Soares
Lourenço de Andrade
e
Izabel Rodrigues Pedro Ribeiro de Andrade
Luiza Vaz Torres
Manoel Vaz Torres
Josepha Alvares de Araujo
Lourenço Ribeiro Andrade
Genoveva do Rosario Santos _____
Antonio
Rodrigues de
Andrade
e
Maria do Valle
João Ribeiro do Valle
e
Izabel Soares Paes Antonio José de Andrade
Ana Gertrudes Espírito Santo
João Baptista Diniz
Luiza de Araujo
Tabela 7 – Família Antonio Rodrigues de Andrade.
Seu irmão, Agostinho de Andrade (1709-1767), filho mais novo de Lourenço de
Andrade, casou-se com Gertrudes Pereira Telles (1721-?), filha do sargento-mor Francisco
Diniz Pinheiro*, reinol de Cascaes, e de Clara Pereira Telles, natural de Nazareth, São
Paulo, também residentes em Curitiba.37
Observando atentamente os novos membros que a família Andrade admitiu, pode-se
perceber a inserção de uma nova linhagem, a da família Diniz. Enquanto Gertrudes Pereira
Telles uniu-se em 1741 a Agostinho de Andrade, seu irmão João Baptista Diniz** casou
sua filha Anna Gertrudes Espírito Santo com Antonio José de Andrade, filho de Antonio
Rodrigues de Andrade e Maria do Valle. Além de Anna Gertrudes, João B. Diniz e sua
mulher Luiza de Araujo tiveram outro filho, Salvador Baptista Diniz, o qual contraiu
* Francisco Diniz Pinheiro foi tabelião de notas entre 1717 a 1720. LEÃO, op. cit., v. II, p. 687. 37 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 99; 542. ** João Baptista Diniz era natural de Paranaguá, vindo a Curitiba antes de seu casamento em 1743
com Luiza de Araujo. Vivia da criação do gado, residindo na fazenda de Sant´Anna, a 20 léguas de Curitiba e a 13 léguas do Tamanduá. Exerceu os cargos de almotacé em 1748, 1755 e 1756. Ainda, foi tenente da milícia em 1755, sendo promovido posteriormente a capitão e a sargento-mor. LEÃO, op. cit., v. III, p. 954-955.
35
matrimônio com Escolastica Soares, filha de Izabel Martins Valença e do tenente Manoel
Rodrigues Seixas, primogênito de Antonio Rodrigues Seixas e Maria Soares Paes.*
PAIS FILHOS / SOGROS
Clara Pereira Telles
Ignacio Pires de Lima Pereira
João Pires de Santiago
Anna Maria do Prado
Maria Rodrigues das Neves
Antonio Teixeira de Freitas
Antonio Teixeira Freitas
Catharina de Oliveira
Anna Maria de Andrade
1-Manoel Ignacio Fonseca
2-Antonio Ferreira dos Santos
1-Manoel Abreu Pereira
Bernardina de Senne /
2-Antonio Rdgs dos Santos
Ursula Maria Borges/
Lourenço de
Andrade
e
Isabel Rodrigues
José de Andrade
Joanna Mª de Jesus ou Lima
Miguel Gonçalves Lima
Maria Paes dos Santos
Ivo José de Andrade
1-Mª Francisca Andrade
2-Anna Maria (?)
3-Maria dos Passos
1- _____
2- Gertrudes de Souza.
3- _____
Antonio Andrade Pereira
Anna Victoria Santos _____
Miguel Andrade Pereira
Ignacia Martins Araujo
Manoel Martins Valença
Maria Araujo
Manoel Andrade Pereira Telles
Maria Custodia de Barros
Jeronymo Antunes Maciel
Thereza Leite de Barros
Agostinho de
Andrade
e
Gertrudes
Pereira Telles
Francisco Diniz
Pinheiro
e
Clara Pereira Telles
Izabel Rodrigues Andrade
Antonio Guedes de Carvalho
Manoel Guedes Carvalho
Maria Antunes de Souza
Tabela 8 – Família Agostinho de Andrade.
Assim, verificou-se que as alianças feitas através do compadrio e do casamento
expandiram a família de Lourenço de Andrade, estabelecendo e constituindo um grupo que
* A ligação entre Antonio Rodrigues Seixas e a família Diniz era, na verdade, mais antiga. Em 1727,
Antonio comprou terras antes pertencentes a Francisco Diniz Pinheiro, pai de João Baptista Diniz. O sítio em questão localizava-se em Campo Magro, sendo explorada a lavra d´ouro da Conceição. LEÃO, op. cit., v. I, p. 283-284.
36
se apresentava coeso nas suas relações de parentesco, o que provavelmente contribuiu,
também, nas relações sociais e políticas com as quais a família se envolveu.
Já no que se refere ao esposo da única filha, Maria Rodrigues de Andrade, optou-se
por estabelecer contrato matrimonial com um homem não natural da Colônia. Miguel
Rodrigues Ribas era mais um reinol que integrava a família.
Os pais
Em 1721, sendo criada ouvidoria própria em Paranaguá*, a Vila de Curitiba, agora
desvinculada da ouvidoria de São Paulo, recebeu, assim como Paranaguá, a visita do
Ouvidor Geral Dr. Raphael Pires Pardinho. Atuando como juiz e fiscal administrativo,
Pardinho ditou os provimentos a serem seguidos pelas ditas vilas. Assim, em síntese,
Em Curitiba ele regularizou a ocupação urbana, recomendando ruas retas e casas contíguas ao invés de construídas a esmo; determinou a edificação da casa de Câmara e cadeia e a conservação do caminho do Itupava. Limitou os valores dos impostos, proibiu a preação dos silvículas, regulou por miúdo a ação dos juízes e tabeliães nos processos judiciais, em que havia roubos e desordens; regulou a gestão dos bens dos órfãos (que os juízes maltratavam), os processamentos dos inventários, a partilha dos espólios, a eleição das autoridades militares, havendo baixado outras medidas que organizaram a vida local. (...) De Curitiba, rumou a Paranaguá, onde investigou alguns assassínios, criou mais duas Companhias militares e postos de vigia ao longo da costa para a segurança da vila; regulou o exercício de almotacel, dos tabeliães, dos juízes, a eleição dos capitães-mores de ordenanças, e disciplinou a ocupação do solo, condicionando a doação de terras públicas a sua efetiva utilização; (...) vedou o lançamento de novos impostos; recomendou zelo na cobrança dos quintos d´ El Rei e, de modo geral, organizou a vida local.38
As ordens trazidas por Pardinho constituíram a primeira legislação escrita e oficial
da qual a Vila de Curitiba passou a atender. O último preceito que trouxe o documento
referia-se, justamente, à importância do cumprimento das ordens régias transmitidas. De
forma bastante clara, determinou-se que a partir daquela data
* O Governo-Geral era composto por três cargos. O primeiro deles era o de Governador-geral,
funcionário régio responsável pela administração da Colônia. Havia, ainda, o Provedor-geral, encarregado dos assuntos da fazenda e o Ouvidor-geral, que resolvia as questões relacionadas à justiça. Em 1699 foi criada ouvidoria própria na Capitania de São Paulo, antes subordinada ao Rio de Janeiro. Curitiba, por sua vez, desde essa data estava vinculada à ouvidoria paulista. LACERDA, Arthur V. de. O ouvidor Rafael Pardinho. Boletim do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, Curitiba, v. L, 1999. p. 33-35.
38 LACERDA, op. cit., p. 36-37.
37
O escrivão da Camera será obrigado todos os annos quando entrarem de novo os juizes e officiaes da Camera a ler-lhes estes Provimentos, de que passarã certidão ao pé delles: e por cada vez que o deyxar de fazer, e senão achar a dita certidão pagarã oito mil reis, pella sobredita maneira; e o treslado delles dará o dito escrivão da Camera a qualquer pesoa do povo que lhos pedir e quizer ter, pagando-lhe a sua escrita a raza.39
Dizendo estar a contento e por essas leis quererem reger-se e governar, e
prometendo cumprir o que determinava El Rei, os juízes e oficiais da Câmara da Villa de N.
Snr.ª da Luz, pessoas da governança e do povo que estavam presentes, assinaram
legitimando os ditos provimentos. Nesta relação, entre os homens-bons, constava-se pela
primeira vez o nome de Miguel Rodrigues Ribas. Incluíam o rol, ainda, alguns dos
membros da família que acabou de formar, já que Miguel casou-se com Maria Rodrigues
de Andrade um ano antes da visita do Ouvidor Pardinho, ou seja, em 1720. Assim, embora
não se saiba os motivos nem a data em que ele teria chegado a Curitiba, sabe-se que, logo
após seu casamento, Miguel Rodrigues Ribas integrou o grupo dos homens principais da
Vila. Junto a ele assinaram, também, os já citados Francisco Teyxera (de Azevedo),
Antonio Rodrigues Seyxas, Gracia Rodrigues Velho, Lourenço de Andrade e João Ribeyro
do Valle..
A relativa ordem imposta pelo Ouvidor Pardinho era necessária à Coroa lusitana na
medida em que interessava a ela centralizar seu poder, sobretudo devido à necessidade de
proteger e defender o território português de espanhóis ou corsários. Além disso, a
descoberta de campos auríferos entre os séculos XVII e XVIII, especialmente nas Minas
Gerais, levou a um desenvolvimento da economia colonial, e juntamente a isso, a formação
de fortunas e de poderes familiares. No entanto, gerou, também, uma concentração
populacional no local, ocasionando carência de gêneros alimentícios e expandindo a
situação de pobreza.40
A organização das Câmaras Municipais nas regiões de fronteira, como era o caso de
Curitiba, bem como de regiões onde o ouro pouco ou não existia, permitiu, favoreceu e
incentivou o cultivo de produtos agrícolas e da pecuária que, além da subsistência, tentava
suprir a carência mineira. Os excedentes, no entanto, atendiam ainda outros setores que
39 BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. Documentos interessantes para a
história do Paraná: fundação da Villa de Curityba. 1668 a 1745. v. VII. Curityba: Livraria Mundial, 1924. p. 48.
40 SOUZA, Laura de Mello e; BICALHO, Maria Fernanda B. 1680 - 1720: o império deste mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 26-37.
38
precisavam ser mantidos pela metrópole, como era o caso da manutenção da guarda militar.
Em casos de guerra ou expedições militares, as Vilas eram responsáveis pelo seu
suprimento alimentar, bélico e de locomoção.
O ciclo das tropas teve seu início em Curitiba por volta do ano de 1731, quando se
abriu a chamada Estrada da Laguna, caminho que permitia a passagem das tropas que
percorriam o sentido Viamão – Sorocaba. Assim, se no período anterior a esta data a região
de Curitiba encontrava-se numa situação de isolamento, após 1731 ela passa a integrar a
rota do gado, que era uma das rotas comerciais mais lucrativas da Colônia.*
Além de uma maior circulação monetária, outra mudança bastante significativa
decorrente do tropeirismo foi sentida na Vila. O trânsito constante de homens ligados ao
comércio pecuário intensificou as relações entre estes e a população local, alterando seu
cotidiano, principalmente devido a fixação definitiva de muitos tropeiros na região.
Segundo levantamento feito por Ana Maria Burmester, o Planalto paranaense – Villa de
Curitiba, Freguesia de São José, Freguesia de Santo Antonio e Povoação do Yapó –
comportava, em 1720, um total de 1400 pessoas de confissão. Em 1772, este número sofreu
um acréscimo expressivo. Viviam na região 4.245 pessoas.41 Contudo, vale destacar que o
aumento no índice populacional decorreu, também, das medidas tomadas pelo Marquês de
Pombal. Com o declínio do ouro na segunda metade do XVIII, Pombal implantou medidas
a fim de estimular o comércio e ampliar o número de habitantes, de modo a desenvolver a
produção e deslocar parte da população para as regiões de fronteira de importância
estratégica ou zonas de disputa entre Portugal e outras nações coloniais.42
A Câmara tornou-se, entre tantas modificações, fundamental para o bom
cumprimento das determinações superiores a qual todos estavam submetidos. No entanto,
esta teve seu poder limitado na medida em que, ciente dos provimentos da sua ouvidoria e
* Em 1721, o comércio curitibano dependia basicamente dos seus negócios com Paranaguá.
Enquanto Curitiba comercializava gado, trigo e erva-mate, Paranaguá vendia vinho, cachaça, vinagre, azeite e sal. BALHANA, A.; MACHADO, B.P.; WESTPHALEN, C. História do Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969.
41 BURMESTER, Ana Maria; BONI, Maria Ignes de.; SCHAAF, Mariza. A população de Curitiba no século XVIII. In: COLÓQUIOS DE ESTUDOS REGIONAIS, comemorativo do I Centenário de Romário Martins, 1974, Curitiba. Anais... Curitiba: UFPR, 1974. p. 68-70.
42 MARCÍLIO, Maria Luiza. A população do Brasil colonial. In: BETHELL, L. (Org.) História da América Latina: a América Colonial. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 323.
39
das punições advindas do seu não cumprimento, os moradores e oficiais da Câmara não
tinham mais pleno poder de ação, pois estavam sujeitos a uma legislação superior.43
A ocupação de cargos na governança das Vilas trouxe, porém, alguns problemas
sobretudo quanto ao direito dos homens no exercício de sua função pública. Ou seja,
discutia-se quem era merecedor do posto que concedia poder. A historiografia tem
apontado, nesse sentido, dois pólos distintos. Um era representado pelos bandeirantes, bem
como pelos filhos da terra, que se julgavam dignos porque estavam no Brasil há mais
tempo, tendo dedicado sua vida em prol do soberano. Por outro lado, reivindicavam postos
de confiança do monarca os portugueses, ou estrangeiros, que chegavam à Colônia ávidos
por prestígio, dinheiro e poder.
Segundo Charles Boxer, era habitual haver bastante antipatia e desconfiança mútua
entre estas duas categorias de vassalos da Coroa, pois os imigrantes monopolizavam muitas
das oportunidades que os filhos da terra poderiam usufruir. Os reinóis não raro eram
favorecidos pelos funcionários do governo, cuja grande maioria era formada de outros
europeus. Além disso, tiravam vantagem por serem, em grande número, dotados de
instrução. Estes, quando aqui chegavam, empregavam-se rapidamente tornando-se, de
preferência, escriturários, caixas, balconistas, ou vendedores ambulantes, trabalhando por
conta própria ou à base de comissões.44 Chegando geralmente pobres e esfarrapados, estes
acumulavam haveres através de auxílio de algum parente ou conhecido que emigrara antes
e que já havia se estabelecido.*
O casamento se apresentou fundamental nesta fase de adaptação. Na Bahia e no Rio
de Janeiro, por exemplo, os reinóis casavam-se com mulheres locais, geralmente com
mistura de sangue de cor. Contudo, estes preferiam casar as filhas com um reinol, mesmo
que este fosse de baixo nascimento. Segundo Boxer, isto teria assegurado a predominância
43 BALHANA, op. cit. 44 BOXER, op. cit., p. 36. * Durante o setecentos, cerca de 400 mil portugueses vieram para o Brasil, apesar dos esforços da
Coroa para impor rígidas restrições à emigração. Os reinóis vinham especialmente da região do Minho, província de maior densidade populacional, e eram de todas as classes sociais e ocupações, desde camponeses até membros da pequena nobreza, incluindo artesãos, comerciantes, padres e muitos sem qualquer ocupação definida. MARCÍLIO, op. cit., p. 322.
40
portuguesa na elite local, especialmente quando o pai reinol conseguia pôr o nome do
genro reinol nas listas de voto para a Câmara e para a Misericórdia.45
Contrários às facilidades que encontravam os portugueses, os filhos da terra
mobilizaram-se, ao menos no Rio de Janeiro, entre a segunda metade do XVII e a primeira
metade do XVIII. Desse modo, a Câmara fluminense tentou limitar a admissão de
funcionários a indivíduos nascidos no Brasil, excluindo deliberadamente os mercadores
nascidos em Portugal, mesmo nos casos em que estes últimos eram casados com raparigas
brasileiras de boa posição social. Desta disputa, obtiveram resposta positiva da Coroa nos
decretos reais de 1709, 1711 e 1746, os quais acentuavam que os reinóis que haviam se
estabelecido no Rio de Janeiro com opulência, inteligência e bom comportamento deveriam
ser colocados nas listas de voto em pé de igualdade com os indivíduos nascidos no Brasil
que estivessem qualificados para ocupar esse cargo.46
Laura de Mello e Souza e Maria Fernanda Bicalho apontaram que as rivalidades
entre os colonos, em seu estudo representado pelos paulistas, e os emboabas, nome vulgar
dado pelos bandeirantes designando os portugueses, revelava um desejo em formar uma
sociedade em que os interesses pessoais, ou do grupo, fossem atendidos. Segundo as
autoras, para os poderosos locais, dinheiro só já não bastava: queriam participar da
administração local, deitando suas raízes na região em que viviam – mesmo que tivessem
chegado pouco tempo antes e que as zonas fossem novas, recentemente abertas à ocupação
portuguesa.47
Em todo caso, a historiografia tem apontado para um mesmo sentido. Filhos do
Reino ou filhos da terra, ambos sustentavam um desejo semelhante. Almejavam valer mais,
o que significava fortalecer a sua base familiar, política, econômica, social. Desejavam
enobrecer e transmitir a fama e a honra conquistada aos seus descendentes. Em Minas
Gerais, os grandes proprietários no século XVIII mostravam-se cada vez mais ávidos de
títulos, honras e postos militares, tanto por motivos de poder como de prestígio48.
Almejava-se a distinção, ainda que não se correspondesse a isso.
45 BOXER, Charles. O Império colonial português. 1415 - 1825. Lisboa: Edições 70, 1969. p.
270. 46 Id. 47 SOUZA, op. cit., p. 69. 48 BOXER, O Império..., p. 296.
41
Em Curitiba, percebeu-se que reinóis sempre estiveram presentes na linhagem
pertencente ao Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade. Seu bisavô João Rodrigues Seixas, seu
avô Lourenço de Andrade, seu pai Miguel Rodrigues Ribas e os três genros que teve,
analisados mais adiante, todos eram naturais de Portugal.
Miguel Rodrigues Ribas era reinol de São Miguel de Villa Franca de Vianna,
arcebispado de Braga. Tendo casado em 1720, os primeiros registros de sua participação no
poder público da Vila, no entanto, se deram alguns anos mais tarde. Em 1729, Miguel foi
eleito juiz ordinário da Câmara, exercendo o mesmo cargo somente nos anos de 1741,
1743, 1747 e 1749.49 Em 1748 foi vereador. Em 1733 foi promovido Capitão-de
Companhia na milícia regional, título que passou a sustentar desde então.50
Em 31 de Dezembro de 1735, o Capp.am Miguel Rodrigues Ribas deixou o posto de
Thezoureiro dos Orphaons, sendo substituído pelo Capp.am Sebastiam dos Santos Perera,
que, como ele, deveria ficar no cargo por um tempo de dois anos.51 Dias antes, em quatro
de Dezembro de 1735, o Ouvidor Geral Dr. Manoel dos Santos Lobato ordenou que se
forrasse a Capella mór da Vila e, para tanto,
nomeava para Tesoureiro dellas (...) àô Capitão Miguel Rodrigues Ribas e que para se prinçipiar com a dita obra logo desse o procurador e Tesoureiro da Camara sem mil reis ao dito Capitão Miguel Rodrigues Ribas que com seu reçibo se levara, em conta ao dito procurador e Thesoureiro nos que der de seu recebimento; e que a dita obra que se faça pello arbitrio, e â juste que fizer o dito Capitão Miguel Rodrigues Ribas com os carpinteiros, pedreiros ou intalhadores.52 No entanto, foi somente em seis de Fevereiro de 1736 que o dito Capitão recebeu o
dinheiro, como registrou o termo de vereança a seguir. Estando os oficiais da Câmara
reunidos
Mandaram chamar ao Capp.am Miguel Rodrigues Ribas e aparesendo em Camara lhe mandaram os officiais da Camara entregar cem mil reis em dinheiro pertencente a esta Camara para ajuda do Conserto da Igreja Matriz desta villa em virtude do provimento e determinação do Doutor Ouvidor Geral Manoel dos Santos Lobato (...) que deixou provido em correição que fez nesta villa, e de como o Capp.am Miguel Rodrigues recebeu he
49 LEÃO, op. cit., v. I, p. 257-258. 50 BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. v. IX, p. 93-94. A partir desta
referência, será utilizada a sigla B.A.M.C. para indicar BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA.
51 B. A. M. C., v. XII. p. 102. 52 B. A. M. C., v. VIII, p. 60.
42
asignou neste termo com os ditos officiais da Camara e eu Ant.º Alz´ Fr.e escrivam escrevi.53 O interessante neste fato foi que, anos mais tarde, em 13 de Julho de 1738, foi
cobrado o dinheiro entregue ao dito Capitão pela Câmara da Vila, surgindo um impasse
entre Miguel Rodrigues Ribas e os oficiais da governança. Assim, o Capp.am Sebastiam dos
Santos Pereira e o Capp.am Salvador de Albuquerque, procuradores da fatura da obra da
Igreja Matriz, requereram aos oficiais da Câmara que notificassem o Capitão Ribas para
que este devolvesse os ditos cem mil reis. A Câmara recebeu, no entanto, setenta e três mil.
Justifica o Capitão que
tinha em seu poder setenta e tres mil reis, e tinha despendido vinte e sete mil reis em quatro duzias e meya de taboado e elles ditos procuradores Repugnaram aseitar o dito Taboado por se achar alguns incapazes, e nam receberam o dito dr.º athe virem dous louvados; e como sendo que digo e sendo que se os avaliadores viessem e achassem que estavam as taboas boas que os ditos procuradores receberiam o dito dr.º , e com efeito ajustaram entre si que ficasse obrigado o official que fez os taboados a por o que tivesse dano. Determinaram os oficiais, nesta questão, que
sendo assim se obrigasse o dito official das taboas a dar o que tivesse dano e sendo assim determinaram mandarem os ditos officiais entregar os ditos setenta e tres mil reis digo os officiais da Camara entregar os ditos setenta mil, digo os setenta e tres mil reis que logo o dito Capp.am. Miguel Rodrigues entregou em dr.º de contado o qual dr.º recebeo o Thezoureiro do cofre de Orphaons o Capp.am Sebastiam dos Santos Pereira, e ficou desobrigado o dito Capp.am Miguel Rodrigues Ribas, desobrigados dos ditos cem mil reis, por os ditos Procuradores da dita Igreja, e ficou encarregado Vitorino Teixeira a fazer bom todo taboado que tivesse dano, e nisto receberam os vinte e sete milreis (sic) no dito taboado; de tudo mandaram fazer este termo de exibição do dr.º que assignaram os ditos officiais da Camara e mais procuradores da Igr.ª e eu Ant.º Alvres Fr.e escrivam que escrevi. 54
Embora não se saiba as razões reais para o saldo incompleto apresentado pelo
Capitão Ribas – e ele poderia realmente ter sido sincero quanto à má qualidade das tábuas –
instigou o fato de que, embora os oficiais não tenham recorrido a nenhuma testemunha,
puniram o dito Capitão, já que a responsabilidade pelo dinheiro foi transmitida a outra
pessoa. Por outro lado, tal punição, ou precaução, apresentou-se branda na medida em que
o fato pareceu não sofrer maiores conseqüências. Ou seja, se houve realmente má fé de
Miguel Rodrigues Ribas, este fora protegido, abafando, portanto, piores situações.
53 B. A. M. C., v. XIII, p. 63-64.
43
Amparado ou não, a querela provavelmente suscitou sentimentos de desconfiança, ou
estranhamento, por parte dos oficiais. Da parte de Miguel, talvez a sua vergonha, ou a sua
honra, ou ainda, o seu orgulho.
Segundo Marco Antonio Silveira, a corrupção era um problema incrustado na
burocracia portuguesa. Além dos desvios de rendas para as mãos de particulares e
funcionários, o apadrinhamento e as mercês (...) faziam dos órgãos administrativos centros
de gente ociosa sustentada pelo Estado. No entanto, este Estado parecia fazer vistas grossas
para o ato. Reformas ocorreram, nesse sentido, justamente no século XVIII, numa tentativa
de restringir sua prática. Mas, como foi dito, não se pode dizer que tenha sido um ato ilícito
o que ocorrera com o Capitão Miguel Rodrigues Ribas.55
Tendo este fato ocorrido em 1738, não se constitui na primeira controvérsia da qual
Miguel Rodrigues Ribas participava. Nos anos intermediários a este caso, ou seja, entre
1736 a 1737, ele havia ocupado o cargo de almotacé, cuja atividade incluía visitas às
vendas e tabernas, bem como a averiguação das condições das casas de morada da Vila.
Aos treze dias do mês de Novembro de 1737, estando a vereança composta,
apareceu Ant.º Francisco de Siquera, o qual apresentou despacho do Doutor Ouvidor da
Comarca Manoel dos Santos Lobato, em que se mandava restituir dois mil réis ao dito
Antonio, cujo valor era a metade da condenação em que foi condenado pello Almotacel o
Capp.am Miguel Rodrigues Ribas que o condenou em quatro mil reis o qual estava
carregado ao Procurador do Conselho.56
Neste caso não foi especificado o motivo da retratação. Constituiu mais um
momento, entre vários, em que Miguel sofreu algum tipo de retaliação. No entanto,
surgiram alguns indícios de que tais reclamações alcançaram, também, um nível pessoal.
Em trinta de Dezembro de 1739, por exemplo, ele requereu à Câmara que fosse absolvido
de uma condenação de quatro mil réis imposta pelo almotacé Ant.º Francisco de Siquera, o
mesmo da citação anterior. Alegava Miguel que fora condenado porque
tendo levantado huns esteyos na Rua desta villa pegados a suas cazas para fabricar cazas; a fora notificado pello dito Almotacel que no termo de oito dias fizesse as cazas e nam as
54 B. A. M. C., v. XV, p. 6. 55 SILVEIRA, Marco Antonio. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas
setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997. p. 54. 56 B. A. M. C., v. XIII, p. 83-84.
44
fazendo botasse os esteyos in terras e nam podendo fazer dentro do dito tempo saindo outravez o dito Almotacel de correiçam o condenou nos ditos quatro mil reis.57
Neste dia, foi absolvido assim como também o foi seu cunhado Agostinho de
Andrade, punido pelo mesmo almotacé em quatrocentos réis. Este último livrou-se da
condenação por rezam de não haver edital pera a dita correicam e elle estava auzente de
caza.
Em seis de Janeiro de 1743, o Capitão Ribas foi nomeado, novamente, juiz
ordinário. Em nove de Março do mesmo ano, passou por outro processo. Numa apelação
conjunta, o Alferes Domingos Ribeyro da Silva e Francisco Ribeyro da Silva e Paullo da
Rocha e Antonio Soares e Antonio Gomes e Francisco dos Reis e Joam da Costa Rosa
requereram à Câmara quanto ao prejuízo que tinham recebido suas casas devido às
cavalgaduras e porcos. Estes animais eram, especialmente, do Capitão Miguel Rodrigues
Ribas o qual
não atendendo a hum edital que mandou publicar a dita Camara pera que Recolhesem as cavalgaduras que faziam prejuizo a esta villa sehouve o dito Capp.am Miguel Rodrigues com pouco cuidadado (sic) a mandar retirar humas egoas suas vindas do Rio grande e sem atender ao dito edital dos ditos officiais da Camara que mandarão publicar.58
Foram condenados o Capitão Ribas e Manoel Martins de Farias, pelo mesmo
motivo, em seis mil réis cada um.
Em dez de Agosto de 1743, juntou-se a vereança da Vila para apurar somente
reclamações quanto às punições do almotacé Miguel Rodrigues Ribas. Amaro Fernandes,
negociante, Manoel Rodrigues Porto, sapateiro, e Joseph Nunes Collares foram absolvidos
da condenação de cinco testoins por terem sido almotaçados sal e açúcar, produtos que
estavam isentos de taxas. Reivindicaram, ainda, Manoel Pereyra Vidal, Fran.co da Cunha,
Furtuoso da Costa Braga, Antonio Gomes Setuvel, Fran.co Furtado, Antonio Rodrigues dos
Santos.59 Todos geralmente apresentavam duas punições, sendo dispensados de uma delas.
Tais petições indicaram, também, a falta de recursos que enfrentava a população, que pedia
isenção das multas aplicadas, mesmo daquelas que eram cobradas justamente.
57 B. A. M. C., v. XV, p. 29. 58 B. A. M. C., v. XVI, p. 50-51. 59 B. A. M. C., v. XVI, p. 58-60.
45
O último documento referente às atividades de Miguel Rodrigues Ribas demonstrou
um pouco do seu temperamento. Em vinte e seis de Agosto de 1743, o mesmo escrivão do
termo de vereança acima citado, Manoel Borges de Sam Payo, requereu à Câmara que
durante uma audiência do almotacé o Tenente Manoel Alvres Fontes, na sua correição a
Francisco Nunes de Oliveira, o Capitão Ribas reclamava de uma condenação sua,
considerada por ele injusta. Embora não sejam escritos mais detalhes sobre o fato, conta o
escrivão que
por nan ter mandado rezistar o escrito de Almotacaria e por cauza desta condenação o dito Capp.am Miguel Rodrigues Ribas entrando onde seu companheiro Almotacel o Tenente Manoel Alvres Fontes estava em audiencia em os passos do Conselho comessou alterar vozes pondo culpa ao dito Manoel Borges de Sam Payo escrivam de Almotacaria mandando logo, que fosse preso o d.º escrivam e que queria autuar elle d.º escrivam e alem disso mandou ao mesmo condenado Francisco Nunes de Oliveira, que servisse de escrivam pera formar auto delle d.º escrivam, e as mais rezoins descomedidas na mesma audiencia em occasiam que estavam tambem em audiencia Ant.º Gomes Setubal e o dito Francisco Nunes de Oliveira os quais tambem nesta veriança asistiram edebaxo de juramento confirmaram que tudo o que o dito escrivam tinha proposto e requerido neste termo era verdade e requereu tambem o dito escrivam que se lhe mandasse passar este termo com seu requerimento p.ª em todo tempo pedir por sertidam, e se lhe passar de tudo mandaram os ditos officiais da Camara fazer este termo de requerimento que asignaram com o dito escrivam e os sobreditos Ant.º Gomes Setubal e Francisco Nunes de Oliveira e eu Ant.º Alvres Fr.e escrivam eleito pera este termo que o escrivi.60
Demonstrando irritação e ameaçando o escrivão pela sentença recebida, bem como
pelas vezes em que foi chamado a prestar esclarecimentos enquanto oficial da Câmara e
como morador da Vila, Miguel Rodrigues Ribas revelou-se figura impulsiva e inusitada,
mas sobretudo com orgulho de reinol. Ermelino de Leão cita que, em 1755, morando
Miguel no Rocio, recebeu visita do procurador Henrique Ferreira de Barros, que requereu
um mandado da Câmara para cobrar os foros atrasados, allegando que não pagava foros e
vivia no Rocio despoticamente. A Câmara, então, resolveu colher informações e solicitou
sua presença. O Capitão Ribas jurou que seu sítio ficava nos fundos do terreno do seu
sogro Lourenço de Andrade. Feita a vistoria, ficou provado que o sítio estava fora dos
terrenos do sogro, sendo o Cap. condenado a pagar os foros atrazados.61 Mais uma vez,
obrigou-se a lembrar: o Brasil não era o El Dorado prometido.
60 B. A. M. C., v. XVI, p. 61-62. 61 LEÃO, op. cit., v. IV, p. 1310.
46
Miguel Rodrigues Ribas (1694-1774), de sua união com Maria Rodrigues de
Andrade (1706-1730), teve seis filhos.
PAIS FILHOS / SOGROS
Isabel Ribeira Ribas _____
Francisco _____ _____
Miguel Ribeiro Ribas
Mª Clara Domingues Moraes
Amaro Borba Pontes
Isabel Cardoso Moraes
Lourenço Ribeiro de Andrade
Isabel de Borba Pontes
Amaro Borba Pontes
Isabel Cardoso Moraes
Maria Ribeiro Ribas _____
Miguel Rodrigues
Ribas
e
Maria Rodrigues de
Andrade Lourenço de Andrade
e
Isabel Rodrigues Thereza _____
Tabela 9 – Família Miguel Rodrigues Ribas.
Francisco, Maria e Thereza, por não constar mais informações além das datas de
batismo, respectivamente, 1722, 1726, 1727, imaginou-se que teriam falecido ainda
crianças. Isabel Ribeira Ribas, batizada em 24-02-1721 faleceu em estado de solteira em
21-08-1793, aos 72 anos de idade. Dos filhos que geraram descendência à família, Miguel
nasceu em 25 de Maio de 1722 e Lourenço em 24 de Setembro de 1724.
O varão mais velho integrou o corpo de milícias da Comarca. Em 21-01-1745,
Dom Luiz Mascarenhas Capitão General da Capitania de S. Paulo promoveu o já Capitão
Miguel Ribeiro Ribas para o posto de Cappitão de uma das companhias de Infanteria da
Ordenança da Villa de Curiytiba que se achava vago. Por este cargo, não havera soldo
algum mas gozará de todas as onras previlegios liberdades e exençõens e franquezas que
em rezão do dito posto lhe pertencerem.62
Ainda em 1775 Miguel atuava como Capitão. Nesse momento, no entanto,
intensificaram-se as agitações e expedições de defesa do território português. Em
substituição ao Governador General da Capitania de São Paulo Dom Luiz Antonio de
Souza Botelho de Mourão – o Morgado de Mateus –, Martim Lopes Lobo de Saldanha
conferiu nova característica à Capitania nos anos de 1775 a 1782. Absorvido mais com a
organização militar do que com a administração civil, mobilizou forças militares para se
62 B. A. M. C., v. XII, p. 34-35.
47
integrarem ao exército do Sul, em defesa do Rio Grande.63 Preocupado, ainda, com a
infestação de indígenas e com o domínio dos espanhóis, transformou o Pouso do Yapó em
freguesia. Assim, em 1789 foi elevada a Vila Nova de Castro.
Considerado o mais severo dos Capitães Generais da capitania, Martim Lopes Lobo
de Saldanha parecia comportar-se de forma mais branda nas suas cartas ao Capitão Miguel
Ribeiro Ribas. Impressões à parte, na leitura das missivas remetidas às diversas Vilas,
mesmo a Paranaguá, termos mais ríspidos eram utilizados. Preocupado com os altos índices
de deserção dos soldados paranaenses, o Capitão general ameaçava e repudiava a
negligência e incompetência dos oficiais responsáveis. Ao Cap. Miguel, no entanto, a
retaliação restringia-se a um nam estou bem satisfeito, porque observey, e V. M. o confeça,
que se recrutarão na Plébe que como tal tem dado já mostras de o ser, por terem dezertado
não poucos, que espero me não escapem em parte algua.64
Assim, no intento de melhorar os integrantes da milícia, foram convocados os filhos
das pessoas nobres da capitania. Na carta de 31 de Agosto de 1775, advertia Lobo de
Saldanha que não era preciso o Cap. Miguel Ribeiro Ribas oferecer seu filho para que se
conheça sua honra.65 Em 11 de Outubro do mesmo ano, respondeu à mensagem recebida
por Ribas, ratificando que seu filho ainda que não tivesse a lesão que V. M. me dis, Sempre
seria izento como mandey dizer a V. M. antes de Saber della.66 Embora não se saiba qual
dos filhos estava fisicamente impedido, a sua família tinha a proteção do chefe maior da
capitania.
Outros cargos exerceu Miguel Ribeiro Ribas além das atividades militares. Foi
almotacé, juiz ordinário em 1751, 1755, 1783 e 1787 e vereador.67 Depois de 1750, ainda,
tomou posse do sertão do Tibagy em nome da Câmara de Curitiba, bem como as margens
meridionais do Itararé e do Paranapanema.68
Miguel Ribeiro Ribas casou-se com Maria Clara Domingues de Moraes, filha do
Capitão paulista Amaro Borba Pontes e de Isabel Cardoso de Moraes. Seus sogros, no
63 RODERJAN, Roselys Vellozo. Os curitibanos e a formação de comunidades campeiras no
Brasil meridional (séculos XVI a XIX). Curitiba: Works Informática, 1992. p. 85. 64 DOCUMENTOS INTERESSANTES PARA A HISTÓRIA DE SÃO PAULO: ofícios do Capitão
general Martim Lopes Lobo de Saldanha aos diversos funcionarios da capitania, 1975-1776. v. LXX, p. 36. 65 DOCUMENTOS INTERESSANTES..., v. LXXIV, p. 82-83. 66 DOCUMENTOS INTERESSANTES..., v. LXXIV, p. 230. 67 LEÃO, op. cit., v. I, p. 258, 260. 68 Ibid., v. IV, p. 1307.
48
entanto, são os mesmos adquiridos pelo seu irmão Lourenço Ribeiro de Andrade, casado
com Isabel de Borba Pontes. Assim, Amaro Borba Pontes casou suas duas únicas filhas
com membros de uma mesma família, a Ribeiro de Andrade.
PAIS FILHOS / SOGROS
Victor Mariano Ribas
Mariana Ferreira Prestes
Antonio Ferreira de Faria
Maria Prestes de Aguiar
Antonia Maria Rodrigues
Manoel José Ferreira
José Ferreira
Domingas Francisca
Benedicta Maria Rodrigues
Francisco Adão _____
Gertrudes Maria Rodrigues
Manoel Alves Gusmão
Mathias Alvares Gusmão
Maria da Silva Pinheiro
Joaquim Mariano Ribas
Mº Rita Ferreira Bueno
Francisco Xavier Pinto
Rita Ferreira Bueno
Miguel Rodrigues
Ribas
e
Maria Rodrigues de
Andrade
José Maria Ribeiro Ribas _____
Maria Clara Ribeiro Ribas
Tomé José Monteiro Barros _____
Gabriel Ribeiro Ribas
_____
Clara Maria Rodrigues
Francisco José Almeida _____
Rafael Ribeiro Ribas _____
Serafim Ribeiro Ribas _____
Cordula Mª Rodrigues Ribas _____
Victoriana _____
Miguel Ribeiro
Ribas
e
Maria Clara
Domingues de
Moraes Amaro Borba Pontes
e
Isabel Cardoso de
Moraes
Maria _____
Tabela 10 – Família Miguel Ribeiro Ribas.
Miguel Ribeiro Ribas faleceu em 26 de Setembro de 1795.
49
ENFIM UM DOUTOR: LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE
O filho mais ilustre do Capitão Miguel Rodrigues Ribas e de Maria Rodrigues de
Andrade percorreu um caminho bastante distinto dos demais homens da Vila. Enquanto seu
irmão ocupou-se dos cargos oficiais que ofereciam a Câmara e o exercício militar,
Lourenço Ribeiro de Andrade, antes de também ocupar postos no poder público, tornou-se,
provavelmente, o primeiro filho da terra curitibano a estudar em Portugal. Estudou na
Universidade de Coimbra, recebendo o título de licenciado por volta do ano 1747.69
Ainda que não se saiba quantos anos o agora Doutor Lourenço tenha convivido na
metrópole portuguesa, muitas mudanças do Reino ele provavelmente acompanhou. Na
primeira metade do século XVIII, reinava D. João V, monarca conhecido pelo
desenvolvimento cultural que promoveu entre os anos de 1706 a 1750. Segundo Oliveira
Marques, teria ocorrido mesmo uma revolução cultural em Portugal nesse período, e que
significou, sobretudo, a substituição da influência espanhola pelas influências francesa,
inglesa, italiana e alemã.70
Tal negação às influências espanholas decorreu de um desejo bastante forte do
Reino português. Ele almejava civilizar-se. Para tanto, a Espanha surgia como um
obstáculo situado entre ele e o resto da Europa, qualquer coisa a obstruir o caminho, a
impedi-lo de comunicar facilmente com a França e os demais países. Assim,
gradualmente, Portugal foi-se tornando menos ibérico e mais europeu.71 Em outras
palavras, um pouco mais iluminado.
Desse modo, novos comportamentos foram incentivados e vivenciados. A língua
espanhola, por exemplo, segunda mais falada em Portugal, entrou em declínio a favor do
francês já no final do XVII, intensificando-se no século seguinte. Surgiram, ainda, os
primeiros dicionários e gramáticas que auxiliavam no conhecimento de outras línguas
européias. A produção cultural de vários países também encontrou espaço no Reino, sendo
69 LEÃO, op. cit., v. III, p. 1168-1169. 70 MARQUES, A.H. de Oliveira. Breve história de Portugal. 3. ed. Lisboa: Presença, 1998. p. 377. 71 Ibid., p. 378.
50
encenadas peças de teatro de autores sobretudo franceses e italianos. A literatura e o teatro
espanhóis, por sua vez, passaram a ser considerados como algo antiquado e de mau gosto.72
Dom João V, consciente de que o estado de civilização almejado dependia muito do
grau de instrução dos seus súditos, promoveu uma série de reformas no âmbito
educacional* do Reino, bem como apoiou e criou instituições que proporcionassem ao
lusitano maior contato com outras civilizações.
Desse modo, foi fundada em 1715 a Gazeta de Lisboa, que revelou interesse
crescente pelos assuntos e modas européias. Em todo o XVIII, várias outras gazetas
surgiram e eram lidas, sobretudo, por estrangeiros, pela nobreza palaciana, pelos homens de
letras e mercadores. Tais textos davam uma idéia das coisas do mundo e sua difusão surgia
com fins políticos, econômicos e culturais. Contudo, desde de 1750, o jornalismo foi
limitado pela censura imposta pelo Estado.73
Um suporte maior à difusão das letras e das vantagens trazidas pelo conhecimento
tomou forma em 1716, quando foi reformada e ampliada a biblioteca da Universidade de
Coimbra, principal centro de formação de que dispunha o Reino naquela época.**
Freqüentavam-na estudantes do Brasil e também de Angola, inscritos nos cursos de
Teologia, Cânones, Leis e Medicina. No entanto, ao que parece, no Brasil o curso mais
procurado era o de Leis. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, ao menos no início do
século XIX, dos 112 estudantes baianos matriculados em Coimbra, 90 pretendiam seguir a
carreira de magistratura, enquanto que apenas nove optaram pelos estudos de Medicina. Do
restante, 21 inscreveram-se em Matemática e 22 em Filosofia, cursos fundados somente no
final do XVIII.74
72 Ibid., p. 379. * Embora a iniciativa de D. João V, foi no reinado de D. José (1750-1777), através das prerrogativas
do Marquês de Pombal, que as alterações maiores ocorreram na área da educação. 73 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: a restauração e a monarquia absoluta
(1640-1750). 2. ed. Lisboa: Verbo, 1980. p. 411. MARQUES, op. cit., p. 381. ** Em 1684, esta universidade contava com seis professores de Teologia, sete de cânones, dez de
Direito Civil, cinco de Medicina, dois de Matemática e um de Música. Somente em 1772, sob novo estatuto, foram fundadas as faculdades de Matemática e Filosofia Natural (Ciências), dotadas de um observatório astronômico, um museu de história natural, laboratórios de física e química, um teatro de anatomia (laboratório médico), uma farmácia e um jardim botânico. Introduziu-se, também, disciplinas como história do direito e história eclesiástica e a Medicina ganhou um caráter mais prático. MARQUES, op. cit., p. 383.
74 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Vida privada e quotidiano no Brasil. Lisboa: Estampa, 1993. p. 91-92.
51
Ressaltou-se no período joanino, ainda, a criação da Academia Real da História em
1720, reconhecida como um dos maiores títulos de glória da realeza de D. João V. Segundo
decreto de fundação, a nova instituição recebia o encargo de compor "a historia
eclesiastica destes Reinos e depois tudo o que pertencesse à historia delles e de suas
conquistas", ao mesmo tempo que estimulava a investigação ao nível provincial, de modo a
fazer-se da história o espelho da grandeza do Reino. Dessa forma, seguindo o exemplo da
França, era a história a realização da vontade divina na pessoa dos reis e pela acção
heróica dos homens.75
A criação desta academia revelou, assim, o interesse real em preservar e resgatar um
pouco da história portuguesa. Em 1721, foi expedido novo decreto régio, o qual outorgava
que ninguém podia destruir monumentos, estátuas e mármores, nem estragar moedas e
medalhas, ficando as Câmaras e Vilas do país responsáveis pela sua conservação.76
Em expressão usada por Marco Antonio Silveira, o século XVIII foi um século onde
emergiram novas sensibilidades. Em virtude das alterações trazidas pela burguesia, um
refinamento nos hábitos foi sentido. Observando a si mesmos e aos demais, o clero, a
nobreza e igualmente a burguesia estavam interiorizando a moral da ordem e do
controle.77 Segundo Johan Huizinga, citado pelo mesmo Silveira,
nos períodos aristocráticos (...) ser representante da verdadeira cultura significa, por meio da conduta, dos costumes, das maneiras do vestuário, do porte, dar a ilusão do ser heróico, cheio de honra e dignidade, de sabedoria e, em todos os casos, de cortesia. Isto parece ser possível por meio da referida imitação de um passado ideal. O sonho da passada perfeição enobrece a vida e as suas formas, enche-as de beleza e atualiza-as como formas de arte. A vida é regulada como um nobre jogo.78 Na chegada das Luzes, a influência francesa na cultura portuguesa foi a mais
destacada. Até mesmo nos usos e costumes adotados pelo lusitano isso foi percebido. No
entanto, a importação de novos hábitos sofreu críticas por forjar-se uma civilização não
original, falseando uma realidade tão distinta quanto era a lusa e a francesa. Joaquim Serrão
exemplificou esta questão com o depoimento de um suíço, César de Saussure, que estava
em 1730 em Lisboa. Criticava este que os portugueses eram vaidosos no convívio e no
vestuário, querendo aparentar cultura. Assim, declarou que os eclesiásticos, os homens de
75 SERRÃO, op. cit., p. 426. 76 Id. 77 BURKE, Peter. Apud: SILVEIRA, op. cit., p. 38.
52
leis, os médicos e outros, mesmo quando andavam nas ruas, a cavalo ou de coche, traziam
sempre óculos para mostrarem que a literatura lhes enfraquecera os olhos. Para Saussure,
os portugueses não passavam de ignorantes, ainda que tivessem espirito e vivacidade.79
Para chegar à condição de civilização almejada, Portugal precisava adaptar-se aos
vícios de um Império antigo e decadente. O Reino não se entendia isolado das questões de
sangue que há tanto tempo preservou. Linhagens e bens de família eram preocupações
ainda muito fortes e determinavam o seu cotidiano. Segundo Charles Boxer80, estes fatores
contavam muito mais do que a cultura e a literatura que D. João V tentava expandir. Dessa
forma, para escapar de vícios como ignorância e ambição fortuita, o Reino difundiu formas
de fidalguia para estes aproximarem-se da civilização e do Rei. Assim, em Portugal ser
civilizado dependia do título adquirido ou do papel desempenhado na estrutura
burocrático-patrimonialista; porém significava, acima de tudo, ser um "bom vassalo" e um
"bom cristão".81 Ser um fiel vassalo, por sua vez, traduzia-se no fato de ser forte, robusto e
sempre pronto a servir; mas também fino, sensível e humano.
Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade foi o único na sua época a sair da Vila de N. S. da
Luz dos Pinhais de Curitiba a tomar um banho de civilização. Certamente, grande foram os
contrastes encontrados na sua viagem de ida a Coimbra. Mas principalmente a sua volta
deve tê-lo marcado ainda mais. Chegando por volta de 1747, encontrou uma região que há
pouco teve um caminho de acesso aos principais núcleos urbanos da Colônia. Afinal, o
ciclo das tropas começara em 1731. Mas mudanças no comportamento social e na
mentalidade dos homens que aqui viviam, isso ele não deve ter encontrado. Não encontrou
o desejo de civilização, mas o desejo de prestígio, de fortuna, de fama, de sobrevivência.
Deparou-se com os vícios que o Reino queria minar. *
O primeiro registro que se tem notícia da presença de Lourenço novamente na Vila
data de 1750, quando exerce a função de juiz ordinário da Câmara. Mas não se sabe muito a
78 HUIZINGA, Johan. Apud: Silveira, op. cit., nota 2, p. 29-30. 79 SERRÃO, op. cit., p. 413. 80 BOXER, Apud : SILVEIRA, op. cit., nota 11, p. 48. 81 SILVEIRA, op. cit., p. 49. * Em 1780 este estado de vícios também foi reprovado em Minas Gerais. Assim, Teixeira Coelho
comentou que a "relaxação dos costumes" dos habitantes de Minas, "onde a virtude é sufocada pela ambição, pela soberba, e pelo orgulho; a riqueza é que faz a honra, e a veneração popular; a vingança é que adquire, e estabelece o respeito; e a grandeza do fausto é o único caráter da Nobreza, e Fidalguia."TEIXEIRA COELHO, Apud : SILVEIRA, p. 66-67. TEIXEIRA COELHO. Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais. [1780], RAPM, 8:399-581, 1903.
53
esse respeito, somente que não chegou a exercê-lo outras vezes. Contudo, o título
conquistado em Coimbra era por todos lembrado. Chamava-se agora Licenciado Lourenço
Ribeiro de Andrade.
Embora pouco atuante nos ofícios da Câmara, a distinção que conseguiu através do
licenciamento contribuiu para o aumento de sua fama, sendo considerado capaz de exercer
um cargo superior. Em 1765, já casado, Lourenço tornou-se o Capitão-mor da Vila, cargo
máximo a que poderia chegar, e nesta condição permaneceu até seu falecimento em 1799,
aos 75 anos de idade. Havia substituído Rodrigo Félix Martins, nomeado em 1748 e que
deixou o cargo em 1765 alegando residir longe e fora da Vila, uma distância de cinco dias.*
No entanto, o êxito advinha, também, de outros fatores. Para o Estado português era
bastante interessante sustentar um letrado na administração de uma Vila situada numa
região de fronteira e que, além disso, estivesse ciente dos objetivos da Coroa no que tange à
necessidade de proteger o território, sobretudo dos espanhóis, bem como na possibilidade
de conduzir os homens a uma vida menos bruta, mais civilizada – ainda que o interesse
metropolitano em melhorias correspondesse ao desejo de maior produção e enriquecimento
do Reino com base nos produtos da Colônia. Letramento e instrução pareciam servir como
suportes do poder num momento em que se tentava fazer com que o uso da violência
convivesse com o uso da razão.
Embora não localizado o termo de posse do Dr. Lourenço, seu antecessor o Capitão-
mor Rodrigo Félix Martins foi nomeado pelo Exm.º Snr. Governador e Capp.am general da
Capitania de Sam Paullo.82 Assim, para serem reconhecidas suas qualidades e virtudes, o
merecimento pessoal do escolhido dependia da honra e fama demonstrada não somente por
ele, mas pelo grupo que pertencia, bem como por sua família. Neste caso, o Dr. Lourenço
Ribeiro de Andrade teve uma família que se articulou e estabeleceu alianças desde finais do
século XVII, estando seus membros sempre presentes no poder local. A fama da sua
linhagem já comportava quatro gerações. Ainda que seu pai Miguel Rodrigues Ribas tenha
se envolvido algumas vezes em situações embaraçosas, nada disso corrompeu o poder que
* O Capitão-mor Rodrigo Félix Martins foi casado com D. Maria de Lemos Conde, viúva do Cap.
Manoel de Lemos Conde. Estabeleceu-se em Pitanguy, tendo fazenda pastoril, localizada a cinco dias de viagem da Vila de N. S. da Luz. LEÃO, op. cit., v. V, p. 1994.
82 B. A. M. C., v. XII, p. 16.
54
o seu grupo de afinidade detinha sobre a Vila de Curitiba, fazendo com que um dos
membros desse grupo os liderasse.
António Manuel Hespanha desdobrou esta questão do merecimento individual e do
grupo. Segundo o autor, na sociedade portuguesa, ou melhor, no pensamento social do
Antigo Regime, vigorava uma concepção corporativa e organicista da sociedade. Em outras
palavras, a idéia de que há múltiplas funções sociais e de que seus portadores devem estar
organizados de forma adequada à sua realização e ter um estatuto social correspondente.83
Tal lógica compreendia dois pensamentos distintos, embora semelhantes. O primeiro deles
era o de que o indivíduo era definido a partir da representação organicista, ou seja, a partir
da consideração das suas funções sociais e da sua natureza. Logo, os elementos em que a
sociedade se analisa não são os indivíduos, mas os grupos de indivíduos portadores da
mesma função e titulares de um mesmo estatuto.
A integração grupal dos indivíduos era definida, por sua vez, pela tradição. Assim,
ocupava-se o mesmo lugar social antes reservado aos seus antepassados. Neste caso,
considerou-se que o estatuto social não decorria tanto da situação atual das pessoas, mas
sobretudo de uma posse de estado estabelecida pela tradição familiar, pelo uso e pela fama.
Embora não tenha suprimido a mobilidade social, verificou-se uma ossificação das
estruturas sociais, reforçada pela idéia de que uma virtude decisiva – a honra – consiste
na permanente observância por cada um dos deveres e direitos do seu estado. À idéia de
sociedade naturalmente estratificada corresponde a uma "sociedade ordenada".84
Sob esta ótica, o letramento do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade não foi
incentivado à toa por seu pai. Fora descoberto, afinal, uma maneira insuspeita de se
conservar e fortalecer o estatuto do seu grupo de afinidade. Sendo o único diplomado na
Vila, detentor de um conhecimento inexistente na região e membro de uma família imersa
no poder local há anos, dificilmente um outro grupo poderia tirar-lhe o espaço conquistado.
As letras, assim como fora com seu bisavô João Rodrigues Seixas, novamente permitiu
ascensão social dos componentes da linhagem. Tais são os louros que a família conquistou.
Além destas questões, a ciência transformou-se, também, em critério de nobilitação,
sendo enquadrada na chamada nobreza natural, nativa ou generativa. Assim, o direito
concedia privilégios de nobreza a certas profissões intelectuais. Aos doutores,
83 HESPANHA, op. cit., p. 307.
55
a lei nacional concedia certos privilégios quanto à fé pública dos seus escritos (Ord. Fil., III, 29; III, 59, 15), quanto à impenhorabilidade dos seus livros (Ord. Fil., III, 87, 23), quanto à não sujeição, em geral, a tortura e à prisão (Ord. Fil., V, 120; V, 134, 3), quanto à isenção de tributos pessoais (Ord. Fil., I, 66, 24), exclusão de prisão por dívidas e à possibilidade de efectuar substituição pupilar militar, etc. Depois, os licenciados e "magistriartium", a quem a doutrina estendia os mesmos privilégios dos doutores.85 Mais uma vez, o seu desejo de distinguir-se socialmente dos demais encontrou
respaldo na sua atividade intelectual, que reafirmava, portanto, a condição de nobreza que
lhe concedia.
Como Capitão-mor da Vila, Lourenço Ribeiro de Andrade teve o encargo de
fomentar a agricultura, nomeando em cada bairro prepostos seus encarregados de examinar
as lavouras e estimular a nobre profissão de Cincinato, que no seu dizer era o primeiro
movel da felicidade do povo. Assim, relata Ermelino de Leão que o Dr. Lourenço
conseguiu da Câmara que certa zona do rocio fosse considerada livre para a lavoura, na
qual seria prohibida a creação de gado; e que outra fosse destinada a indústria pastoril,
de forma que os danos causados pelos animais nas roças, deixassem de ser uma constante
preocupação dos lavradores e uma fonte de contendas e queixas.86 Relata, ainda, Leão que
a postura da Câmara descriminando zonas agrícolas e pastoris, dentro em breve deixou de ser observada; e quando os pobres roceiros reclamavam contra este estado de cousas, denunciando os infractores da postura, colhiam além dos danos, as custas das denúncias. Esta situação impedia o desenvolvimento da agricultura, fazendo com que, nos dizeres de Lourenço Ribeiro Ribas, "que os pobres afrouxem no seu trabalho e a república perca a utilidade que lhe podia resultar". O capitão-mor, não querendo ser corresponsável desses factos, representou à Câmara, pedindo providências e requerendo que o seu offício fosse transcripto no livro de vereanças, obtendo despacho favorável a 22 de setembro de 1798.87 Tal atenção pela correto desenvolvimento e necessidade de se fazer melhor uso do
solo remeteram não somente ao fato de ser enquadrada a agricultura – bem como a
fisiocracia – numa forma de se alcançar meios um pouco mais civilizados de sobrevivência,
produzindo não somente produtos para consumo básico, mas para a produção de excedentes
a serem comercializados. Assim, para uma melhor captação de dinheiro, uma melhor
84 Ibid., p. 308.
85 Ibid., p. 346. 86 LEÃO, op. cit., v. III, p. 1168-1169.
56
condição de vida. A atividade agrária justificava-se, ainda, pela responsabilidade das
Câmaras em amparar as guardas militares, fornecendo alimentos. Além do mais, tal prática
proporcionava a fixação do indivíduo no solo, atendendo, portanto, outro interesse da
Coroa, que era o de elevar o índice populacional para defender melhor seu território. Por
esses motivos, a administração colonial também incentivou tal prática.88
Várias cartas foram remetidas à Comarca de Curitiba pelo Illm.º e Exm.º Snr. Gn.al
D. Luiz Antonio de Souza, as quais explicitaram o desejo régio pelo desenvolvimento da
lavoura. No entanto, uma deixou bem clara a sua intenção. Datada de 17 de Fevereiro de
1766, determinava que
Com toda brevidade fação publico, nesta Villa, que cada hum dos moradores da mesma, eseo destricto deve plantar, (alem do que tiver) quantidade de mandioca para effeito de quando for percizo, poder se fazer copioso numero de alqueires de farinha, sem que tenha lemite a duração da ditta planta porquanto colhida a quantidade que estiver capaz, para isso seha plantando, mais pera o futuro, se sepersizar a execução desta Ordem recomendo muito a vossas merces, que com toda a brevidade amandarão publicar.89 Embora o Capitão-mor Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade tenha tentado promover o
as mudanças das quais a Vila necessitava, no final do seu governo, e também da sua vida –
faleceu em 1799 –, ainda se mostrou bastante insatisfeito com a realidade presente. Numa
carta enviada ao Snr.. Coronel Luiz Antônio Neves de Carvalho em 30 de Novembro de
1797, em razão de acompanhar a lista nominativa dos habitantes de Curitiba no dito ano90,
o Dr. Lourenço demonstrou algumas das razões do seu desânimo.
Primeiramente, seu desapontamento pareceu inscrever-se na sua própria perspectiva
pessoal. Ou seja, o texto por ele escrito por vezes denotou que o sonho das luzes era muito
pouco compartilhado na Colônia. Ele, licenciado, tinha poucas oportunidades de transmitir
seu conhecimento. Assim, nesta carta, Dr. Lourenço não somente descreveu os productos
naturais, e artificiais deste Pais e dos Bugres bravos vezinhos como requereu o dito
Coronel Luiz Antonio, como resolveu relatar a história da Vila. Por influência dos tempos
acadêmicos, justificou Lourenço na primeira parte do seu texto – e para cada tema
87 Id. 88 SILVEIRA, op. cit. CARNEIRO, David. O Paraná na história militar do Brasil. Curitiba:
Travessa dos Editores. Coleção Farol do Saber, 1995. 89 B. A. M. C., v. XVI, p. 18-19. 90 MARTINS, op. cit., p. 244-248.
57
comentado, um título próprio – que para Satisfazer com algua notta, fundamental (ainda
q'e paressa faztidioso) intendi q' não obrava mal, dando nua noção das vitilidez, q'
moverão aos antigos Sertatistaz p.a o descobrimento, e povoação deste destricto.91
Após 34 anos exercendo o cargo máximo da Vila, ele havia percebido que
mudanças de comportamento e de mentalidade não era tarefa das mais fáceis. Muito pelo
contrário. Deste fato justificou ele a importância da força e da intimação para que os
homens da Colônia despertassem. Disse ele sobre a agricultura que
A necefsid.de p.ª o Suztento, e veztuario a forSa de perSuaSoiñsE intimaçoinz fez q' o Povo Se aplicasse aLavoura; pª. oq' Cooperou m.to o Exmº. S.or Francisco da Cunha Menezes determinando Se não recultase p.ª Prafsa aquelles q'Se occupaSem na agricultura, e vtilid.e publica; izto féz naquelle tempo de mineram.to, a libertinage, e aumentar a agricultura Como Se Vê no tempo prez.te q' della jâ Se extrae p.ª a Marinha bastante trigo, feijão, algua vez milho, fumo ou tabaco de Corda, TonSinho e a erva chamada Congonhas q' a terra produz.92
Preocupação corrente , também, foi o estado de pobreza ou o pouco enriquecimento
dos homens da Vila. Alegou, dessa forma, que os criadores que tinham campos e
exportavam bois, potros e algumas bestas eram, em sua maioria, donos das principais
fazendas de Paranaguá, Santos e São Paulo, Sendo Só dos moradores desta o pouco q' pode
rezultar das Campinas, reziduos Comq' ficarão. Concluiu dizendo: Não pofso affirmar q' o
Povo no tempo prez.te, Com aLavoura esteja maiz rico do q' no tempo da mineraão; porem
maiz Luzido hê manifesto; eq' tal seria antes?93
No final da missiva, Lourenço Ribeiro de Andrade novamente aludiu ao fato da
pouca lucidez dos colonos com os quais convivia. Assim, ao mesmo tempo que justificou a
contribuição singela da Vila ao Reino, alegou que na sua missão de providenciar a
quantificação da população em 1797: Se não cheguei a verdadr.a intelig.a delle, não foi
por falta de cuid.oa Sim o deq.m pudefse aprender. E reiterou seu desejo de melhores
condições com uma pontinha de otimismo. Acreditava que o aumento doz Povoz anima as
nofas esperanças de melhorar de ventura, eq' Serâ hegado o tempo anunciado das grd.es
91 Ibid, p. 245. 92 Ibid., p. 247-248. 93 Ibid., p. 248.
58
felicidades, desta terra.94 Sua felicidade, no entanto, esbarrava sempre na ignorância dos
demais.
Da data de seu casamento, igualmente a seu irmão Miguel Ribeiro Ribas, não foi
encontrado na documentação pesquisada. No entanto, calculou-se que tenha contraído
matrimônio com Isabel de Borba Pontes entre 1756 a 1758, pois o registro de batismo de
seus filhos de data mais recuada indica 1759 e em um dos filhos não há informação alguma.
Isabel faleceu em 1771, mas não são conhecidas as causas de sua morte.
FILHOS SEXO NASCIM. CASAMENTO Idade ÓBITO Idade Anna Maria
F 1759 08-10-1781 22 1793 34
Antonio
M 13-07-1762 19-07-1797 35 27-07-1829 67
Francisco de Paula
M 1764 _____ __ _____ __
Maria Angela
F 1766 15-01-1786 20 08-09-1852 86
Francisca de Paula
F 1768 27-06-1785 17 05-11-1803 35
Manoel José
M 1770 17-07-1786 16 1831 61
José Antonio
M _____ _____ __ _____ __
Tabela 11 – Nascimento, casamento e óbito dos filhos de Lourenço Ribeiro de Andrade e Isabel de Borba Pontes.
Por esta tabela, verificou-se que a média da idade ao casar das filhas de Lourenço e
Isabel, 19,6 anos, incluía-se na média encontrada pelo trabalho de Ana Maria Burmester.
Segundo esta autora, metade das mulheres curitibanas no setecentos estavam casadas antes
de completar 20 anos de idade. Tal lógica encontrava respaldo, por sua vez, no longo
período de vida reprodutiva, se for considerada a idade de 45 anos como encerramento da
vida fértil feminina.95 Das três filhas, todas se casaram com reinóis. Dos filhos, no entanto,
são escassas as informações trazidas pelos genealogistas consultados.
94 Id. 95 BURMESTER, Ana Maria. A nupcialidade em Curitiba no século XVIII. História: Questões &
Debates, Curitiba, ano 2, n.2, junho de 1981. p. 67.
59
PAIS FILHOS / SOGROS
Ana Maria Espírito Santo Ribas
João Antonio Pinto Sá Menez.
Manoel Antonio Faria
L.? Mendonça
Antonio Ribeiro de Andrade
Francisca de Paula Carneiro
Francisco Carneiro Lobo
Mª de Jesus Vasconcelos
Francisco de Paula Ribas
Maria Joaquina Marcondes _____
Miguel Rodrigues
Ribas
e
Maria Rodrigues de
Andrade Maria Angela Euphrosina Ribas
José Antonio Mendes Vieira
Santos José Mendes
Jeronyma Vieira
Francisca de Paula Ribas
João Antonio da Costa
Manoel da Costa
Marcelina Josepha de Sá
Manoel José Taborda Ribas
Maria Rita de Lima
José Nabo de Medeiros
Maria Francisca de Lima
Dr. Lourenço
Ribeiro de Andrade
e
Isabel de Borba
Pontes
Amaro Borba Pontes
e
Izabel Cardoso de
Moraes José Antonio Ribeiro Andrade
Joanna Maria de Jesus _____
Tabela 12 – Família Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade.
Observou-se, ainda, que as filhas de Lourenço Ribeiro de Andrade faleceram muito
novas, o que comprometeu sua descendência. Anna Maria do Espírito Santo Ribas casou
aos 22 anos e faleceu aos 34. De sua união com o quartel-mestre João Antonio Pinto de Sá
Marques Menezes, fidalgo da Villa de Ocanha, bispado de Lamego, teve três filhos, sendo
que dois faleceram ainda crianças. Somente vingou Lourenço Pinto de Sá Ribas, casado
com Joaquina Francisca da Purificação em 1816.
Francisca de Paula Ribas casou-se com João Antonio da Costa, reinol da prelazia de
Thomar, aos 17 anos, falecendo aos 35. Desta união, tiveram seis filhos, contudo, somente
um sobreviveu aos quinze anos, casando-se posteriormente. Chamava-se Anna Maria Sá
Ribas, casada com o comendador Manoel Mendes Leitão em 1815.
Maria Angela Euphrosina ou Fulgina Ribas foi a única a falecer em idade mais
avançada, com 86 anos. Contraiu matrimônio aos 20 anos de idade com o capitão José
Antonio Mendes Vieira, reinol de Braga. Contudo, não tiveram descendência e daí se
justificou sua longevidade.
Dos filhos, não são conhecidas muitas informações a respeito de José Antonio
Ribeiro de Andrade. A única informada trazida por Francisco Negrão revelou que este fora
60
o único filho ausente no inventário de sua mãe, datado de 11 de Outubro de 1771.96 No
entanto, tal inventário não foi localizado.
De igual forma, pouco se conheceu sobre o tenente-coronel Francisco de Paula
Ribas casado com Maria Joaquina Marcondes. Esta união, no entanto, gerou dois filhos.
Francisco Ribas, falecido em estado de solteiro em 1806, e Francisco de Paula Ribas, o
qual foi casado com Maria de Souza Dias Negrão em 1837.
O filho mais novo da família, Manoel José Borba ou Taborda Ribas, também
conhecido como Capitão Nano, casou-se com Maria Rita de Medeiros de Lima em 1786.
Foi grande proprietário e fazendeiro na freguesia do Iguassú e Tatuquara, onde residia.
Tiveram 10 filhos. Informa Negrão que Manoel José Taborda foi assassinado em 1831 em
uma emboscada que lhe armou um compadre e vizinho, por questões de família.97
Quanto ao mais velho, Antonio Ribeiro de Andrade, dentre os irmãos, foi o que se
aliou com a família mais distinta. Casou-se com Francisca de Paula Carneiro, filha do
capitão Francisco Carneiro Lobo, reinol de Vianna do Castelo, e de sua segunda mulher
Maria de Jesus Vasconcelos, por sua vez, filha de Leão de Mello e Vasconcellos, reinol de
Elvas, Capitão-mor de Curitiba de 1743 a 1748 e de Rosa Jesus, natural de Taubaté.98 Desta
união, contudo, Antonio e Francisca não geraram nenhum descendente. No entanto,
segundo Ermelino de Leão, no testamento de Antonio Ribeiro de Andrade, datado de 27 de
Julho de 1829, declarou este ser seu neto Americo Pedroso Ribas, que dizia ser filho natural
de Joaquim Marianno Ribas (sendo então seu primo, filho de Miguel Ribeiro Ribas). Leão
concluiu, com base nas certidões dos autos, que tanto Americo quanto Joaquim foram
expostos. Contudo, provavelmente, somente Americo constituísse num exposto. Em todo
caso, interessante foi a declaração de Antonio Ribeiro Ribas em seu testamento. Confessou
ele não ter filhos naturaes, mas, que, mesmo que o fossem, elle como Ajudante gozava de
nobreza tanta quanto bastava para excluir os filhos naturaes; que o Capitão-Mór, como
seus ascendentes, se tratavam com decencia e honra e eram dos principais personagens da
Villa.99
96 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 446. 97 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 524-525. 98 NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 537; 542. LEÃO, op. cit., v. I, p. 108-110. CARNEIRO, Galeria..., p.
94-95. 99 LEÃO, op. cit., v. I, p. 108-109.
61
Antonio Ribeiro de Andrade sucedeu seu pai no cargo de Capitão-mor da Vila,
permanecendo no poder de 1800 a 1821. Assim, somando os anos em que tanto o pai
Lourenço Ribeiro de Andrade, quanto o filho Antonio permaneceram no poder, contou-se
55 anos.
As conseqüências do poder de mando desta família em Curitiba – embora este
estudo não tenha analisado a atuação de Antonio Ribeiro de Andrade como Capitão-mor –
podem ser pensadas, no entanto, recorrendo às narrativas feitas pelo viajante Auguste de
Saint-Hilaire e por Antonio Vieira dos Santos.
Saint-Hilaire100 permaneceu no Brasil de 1816 a 1822. Nesse período, em visita a
Curitiba, hospedou-se na casa do Capitão-mor da Vila. Sendo considerada pelo autor como
uma das melhores paragens, dada a acolhida e cortesia com que foi recebido, Saint-Hilaire,
no entanto, não citou em nenhum momento o nome do Capitão que tanto admirou. Pelo
período coincidente, correspondia a Antonio Ribeiro de Andrade. Esta omissão sugeriu,
desse modo, que o título de Capitão-mor era tão importante e maior nesse momento, que o
nome fora suprimido. Não se identificava mais por Antonio, mas pelo título que dispunha e
que o representava.
Vieira dos Santos, por sua vez, recuperou a história da origem de Curitiba com base
nos relatos dos seus moradores mais antigos. Ainda que não se identifique as famílias às
quais pertenciam os narradores escolhidos, verificou-se que estes, na sua versão da
fundação da Vila, citaram F... Soares do Valle, F... Seixas, Lourenço Rodrigues de Andrade
e até mesmo Antonio Rodrigues de Andrade, que seria irmão do dito Lourenço e que teria,
contudo, seguido para Santa Catarina.101
O depoimento atentou, sobretudo, pelo fato de não serem lembrados outros homens
que chegaram na região antes mesmo dos Soares, Seixas e Andrades e que tiveram papel
social e político mais relevante no XVII. No entanto, independente dos motivos que
levaram a omissão de Eleodoro Ébano Pereira, Balthazar Carrasco dos Reis ou Matheus
Martins Leme, principais personagens citados pela historiografia paranaense, foram os
nomes da família Ribeiro de Andrade que permaneceram na memória local. Tais foram os
louros de Lourenço.
100 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural
de Curitiba. Coleção Farol do Saber, 1995. 101 VIEIRA DOS SANTOS, op. cit., p. 14.
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CONCLUSÃO
A análise da genealogia e da vida do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, Capitão-
mor de Curitiba entre os anos de 1765 a 1799, permitiu compreender não apenas
mecanismos de articulação social e política, mas também a importância das experiências
individuais na trajetória desta família, cuja característica era o de integrar homens-bons e,
acima de tudo, letrados.
Desde a chegada dos homens que compuseram a primeira geração no século XVII,
ou seja, desde João Rodrigues Seixas, percebeu-se que a regra de sobrevivência e ascensão
social dependia do uso das habilidades pessoais que cada um continha. No caso dos
Rodrigues Seixas, o início do seu prestígio se fundamentou no conhecimento das letras,
possibilitando o ingresso nos ofícios oferecidos pela Câmara Municipal. Nesta geração,
ainda, percebeu-se o início de alianças matrimoniais, as quais atenderam os interesses de
prosperidade, proteção e auxílio mútuo.
Na família formada por Lourenço de Andrade, constatou-se a expansão dos grupos
de apoio que, através do parentesco, seja pela via matrimonial e do compadrio, seja pelos
laços de sangue, levaram a um fortalecimento maior do grupo. Contudo, além da integração
de membros alheios à linhagem, notou-se a coesão existente dentro da própria família, que
se articulava internamente para melhor se impor na Vila de N. S. da Luz dos Pinhais de
Curitiba. Ciclos de vereança comportando relações de parentesco também foram notados.
Acompanhando a trajetória da família de Miguel Rodrigues Ribas, observou-se,
sobretudo, que o êxito individual dependia do êxito do grupo a que se pertencia. Desse
modo, por mais freqüentes que fossem as situações onde a honra pudesse ser ameaçada, o
grupo, sendo coeso, garantia a viabilidade da permanência dos seus integrantes no poder.
Através da análise da vida do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, verificou-se o
resultado das medidas tomadas pelos seus antepassados em adquirir prestígio e honra. Dr.
Lourenço consagrou-se como Capitão-mor da Vila por pertencer a uma família já
participante da elite colonial, bem como por consistir num licenciado. Dotado de instrução
superior e imbuído de idéias influenciadas pelo espírito das luzes, não encontrou respaldo,
contudo, para atender seu desejo de civilizar seu local de origem.
63
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