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Os Lusíadas e Mensagem Os Lusíadas, de Camões Foram publicados em 1572 e são a principal obra épica da Renascença. Influenciado pelo mundo antigo e pelas epopeias de Virgílio e Homero, Camões canta o povo aventureiro, a viagem de Vasco da Gama à Índia e as descobertas. Exalta o espírito do povo português que foi capaz da formação de Portugal e da expansão imperial. Narrativa épica que faz uma leitura mítica da História de Portugal. Em estilo elevado, canta uma ação heróica passada e analisa os acontecimentos futuros, cuja visão os deuses são capazes de antecipar. O povo português é o herói coletivo e o sujeito da ação heróica. Camões procura perpetuar a memória de todos os heróis que construíram o Império Português. Os nautas, incluindo Vasco da Gama, são símbolo do heroísmo lusíada, do seu espírito de aventura e da capacidade de vivência cosmopolita. Camões faz a síntese entre o mundo pagão e o mundo cristão. Estrutura Externa – o poema é uma narrativa, em dez cantos, organizados em oitavas, com versos decassílabos e rimas com esquema abababcc (cruzada nos primeiros seis versos e emparelhada nos dois últimos). Estrutura Interna – tal como as epopeias clássicas, divide-se em quatro partes: “Proposição”, a apresentação do assunto; “Invocação”, súplica da inspiração para escrever o poema; “Dedicatória”, oferecimento da obra a D. Sebastião, e “Narração”, desenvolvimento do assunto, já a meio da ação – in media res). 1

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Comparação entre a mensagem e os lusíadas

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Os Lusíadas e Mensagem

Os Lusíadas, de Camões

Foram publicados em 1572 e são a principal obra épica da Renascença. Influenciado pelo mundo antigo e pelas epopeias de Virgílio e Homero, Camões

canta o povo aventureiro, a viagem de Vasco da Gama à Índia e as descobertas.

Exalta o espírito do povo português que foi capaz da formação de Portugal e da expansão imperial.

Narrativa épica que faz uma leitura mítica da História de Portugal. Em estilo elevado, canta uma ação heróica passada e analisa os acontecimentos futuros, cuja visão os deuses são capazes de antecipar.

O povo português é o herói coletivo e o sujeito da ação heróica.

Camões procura perpetuar a memória de todos os heróis que construíram o Império Português.

Os nautas, incluindo Vasco da Gama, são símbolo do heroísmo lusíada, do seu espírito de aventura e da capacidade de vivência cosmopolita.

Camões faz a síntese entre o mundo pagão e o mundo cristão.

Estrutura Externa – o poema é uma narrativa, em dez cantos, organizados em oitavas, com versos decassílabos e rimas com esquema abababcc (cruzada nos primeiros seis versos e emparelhada nos dois últimos).

Estrutura Interna – tal como as epopeias clássicas, divide-se em quatro partes: “Proposição”, a apresentação do assunto; “Invocação”, súplica da inspiração para escrever o poema; “Dedicatória”, oferecimento da obra a D. Sebastião, e “Narração”, desenvolvimento do assunto, já a meio da ação – in media res).

A obra desenvolve-se em quatro planos: Plano da Viagem (plano central, em que se narram os acontecimentos ocorridos durante a viagem de Lisboa a Calecut); Plano da História de Portugal (plano encaixado em que são contados episódios marcantes da nossa História); Plano da mitologia (plano paralelo que permite a evolução da acção, os deuses ou apoiam a viagem ou opõem-se-lhe); Plano das reflexões do Poeta (plano ocasional em que o poeta vai fazendo as suas considerações).

Há um narrador principal que introduz o narrador Vasco da Gama (o herói individual) que representa o povo português (o herói coletivo). O Gama narra a História de Portugal e a viagem desde Lisboa até Moçambique.

O narrador principal conta a viagem de Vasco da Gama desde Moçambique até à Índia e toda a viagem de regresso. É ele que passa a função aos outros narradores secundários: Paulo da Gama, que, em Calecut, explica o significado das 23 figuras representadas nas bandeiras; e a Fernão Veloso, que descreve o episódio dos Doze de Inglaterra; ou a Júpiter que, através de profecias, anuncia para os Portugueses “feitos ilustres” no Oriente; ao Adamastor que vaticina as

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desgraças futuras; à Ninfa Sirena, que fala das glórias futuras dos Portugueses; e a Tétis que aponta os lugares onde os Portugueses hão de realizar feitos heroicos.

Esta obra não canta apenas a viagem marítima e a História portuguesa, mas também revela o espírito do homem da Renascença que acredita na experiência e na razão.

No fim da obra, a “Ilha dos Amores” é o símbolo da capacidade dos Portugueses na exploração dos mares, graças às experiências marítimas e ao seu espírito de aventura, mas também à vontade de aproximarem o Oriente e o Ocidente.

Camões faz as suas considerações e críticas ao longo do poema: refere os perigos, a guerra e os enganos; faz a apologia da expansão territorial para divulgar a fé cristã; manifesta o seu patriotismo e exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra do povo português. Realça o valor das glórias alcançadas por mérito próprio; critica o facto de nem sempre se dar a devida importância às letras; denuncia a ambição e a tirania como honras vãs que não dão verdadeiro valor ao homem; e lamenta a importância dada ao dinheiro, que é fonte de corrupções e traições.

Mensagem, de Fernando Pessoa

Contém 44 poemas, escritos entre 21 de julho de 1913 e 16 de março de 1934. Nesta obra, o autor procura anunciar um novo império civilizacional.

É uma obra mítica e simbólica. Surge tripartida, a traduzir a evolução do país desde a sua origem, passando pela sua fase adulta, até à morte, a que se seguirá a ressurreição.

1ª Parte – “Brasão” – corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a grandes feitos (os construtores do império). Nesta parte, faz-se o elogio da grandiosidade portuguesa, do heroísmo do povo português, a valorização dos predestinados que construíram o país e das mulheres portuguesas, mães dos fundadores (“humano ventre do império”).

2ª Parte – “Mar Português” – realização e vida. Refere personalidades e acontecimentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. A missão foi cumprida, porque “tudo vale a pena” (sonho marítimo e descobertas). Esta parte procura simbolizar a essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho. O poema “Infante” traduz uma conceção messiânica da História (Deus é a causa de tudo, o homem é o seu intermediário e a obra é o efeito). O sonho é essencial, pois é ele que alimenta a nossa alma e nos leva mais longe. Além disso, é a forma de Deus nos comunicar as suas vontades.

3ª Parte – “O Encoberto” – a desintegração que conduziu a um presente de sofrimento e de mágoa, pois “falta cumprir-se Portugal”. Contudo, existem já as sementes da ressurreição (império moribundo). Esta parte encontra-se tripartida: “Os Símbolos” – manifesta a esperança e o “sonho português”, pois o atual

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império encontra-se moribundo. Acredita que a morte tem o gérmen da ressurreição; “Os avisos” – define os espaços de Portugal; “Os Tempos” – traduz a ânsia e a saudade do “salvador/encoberto”, que na “hora” vai chegar para edificar o V Império (império espiritual, moral e civilizacional).

Esta obra é percorrida por um sentido simbólico e messiânico. O país está à espera “do sinal” para voltar a acordar para a glória. Estamos predestinados para construir o novo império civilizacional, Deus escolheu-nos e estamos só à espera da altura certa. O nosso herói encoberto (D. Sebastião) virá e conduzir-nos-á.

Ocultismo na obra – o herói é o “encoberto”; há um sentimento de mistério; só o detentor do esotérico se encontra legitimado para realizar o sonho do V Império.

Nem todos estão predestinados para o novo império, só os que conseguirem elevar-se além do mundo sensível, o mundo das sombras. Só a força criadora do mundo inteligível nos permitirá atingir o verdadeiro conhecimento.

Fernando Pessoa aborda o sebastianismo como mito, o que exprime o drama de um país moribundo, desiludido, que precisa de acreditar nas suas capacidades e nos valores que, no passado, lhe permitiram conquistar os mares. D. Sebastião simboliza a capacidade de sonhar, já que foi o sonho que o conduziu para Alcácer Quibir. Ao longo da obra, a sua figura evolui do príncipe feliz para o mito.

Outro mito da obra é o das “Ilhas Afortunadas”, um lugar sem tempo nem espaço, onde o rei mora até que chegue o sinal… Este mito faz parte da tradição clássica, como o paraíso onde repousam os deuses e os heróis míticos.

D. Sebastião, na ideia de Pessoa, simboliza o poder absoluto, o chefe que poderá realizar o sonho do V Império (outro dos mitos da obra). Este império é espiritual e está destinado a acontecer após o “intenso sofrimento patriótico”.

Para se construir o futuro (revolução cultural) há que ter em conta o presente e aproveitar as lições do passado, fundamentando-se nas nossas ancestrais tradições.

O verdadeiro poder é aquele que se baseia na justiça, na lealdade e na coragem.

Uma obra épico-lírica – O autor utiliza a voz da epopeia tradicional, mas vai refletindo sobre o passado de conquistas, ao mesmo tempo que expressa as emoções do “eu” face ao acontecer histórico, muitas vezes num tom profético. Os poemas têm uma linguagem metafórica e musical, bastante sugestiva, com frases curtas e apelativas, onde abundam a pontuação expressiva e as perguntas retóricas.

1.Comparação entre as duas obras

Tanto a Mensagem, de Fernando Pessoa, como Os Lusíadas, de Camões, são obras que enaltecem o período dos Descobrimentos e o valor do povo português.

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Os Lusíadas referem-se a um herói coletivo que conquistou o mar e têm uma intenção patriótica: consciencializar os Portugueses do seu valor e registar de uma forma única a aventura marítima e a História do país, para que todo o mundo as fique a conhecer. A Mensagem, escrita quatro séculos mais tarde, pretende fazer ressurgir o heroísmo e o desejo de superar os limites do povo português, que atravessava uma fase de “apatia nacional”. Camões pretende eternizar os feitos passados dos portugueses e Fernando Pessoa pretende incentivar os portugueses do futuro, lembrando-lhes que podem voltar a ser gloriosos.

No entanto, Camões refere-se mais às conquistas do território e à formação do Império, embora foque a importância dos valores e do aspeto emocional do herói. Fernando Pessoa escreveu a Mensagem com intenções saudosistas, a crença no Sebastianismo e no quinto império que, juntos, poderão reanimar a alma decadente e vazia dum país que já foi grandioso e que poderá voltar a sê-lo.

Uma e outra são obras nacionalistas e patrióticas reveladoras do amor dos autores pela nossa nação, que pretendem levar mais longe, a partir de um impulso emocional que conduza o povo à ação.

2. Os Lusíadas e a Mensagem, obras separadas por quatro séculos, apresentam semelhanças e diferenças.

Os Lusíadas e a Mensagem são obras de carácter épico que pretendem enaltecer os descobrimentos portugueses e o valor do povo lusitano. Embora apresentem semelhanças, têm também diferenças ao nível da forma e do conteúdo.

Como semelhanças, podemos apontar o tema, que é Portugal e o seu passado glorioso. A história portuguesa surge contada como uma empresa mística, quase divina, em que D. Sebastião é descrito como um rei enviado por Deus para conduzir os destinos do país e expandir a fé cristã. Os heróis de uma e outra são os concretizadores da vontade divina e são motivados por um conceito abstrato de Pátria. A Pátria é mais do que as fronteiras dum país, mais do que uma nação. É a mãe que os cria e guia.

Em ambas as obras, os heróis portugueses são apresentados de forma fragmentária e permitem-nos verificar a exaltação épica da ação humana no domínio dos mares. É no mar e na guerra que os nossos heróis superam os limites humanos e provam a sua superioridade relativamente aos povos antigos. A glória conseguida tem o preço do sofrimento e das lágrimas, mas o mais importante é a luta pela afirmação do ideal patriótico. Tanto uma como outra têm uma estrutura rigorosamente pensada e evocam o passado com intenção de construir o futuro.

No que se refere às diferenças, em Os Lusíadas existe o dinamismo da viagem, da aventura e do perigo. Esta obra, por privilegiar o concreto, os feitos dos portugueses e a glória do Império, traz a possibilidade de ter esperança. Camões dirige-se a D. Sebastião, que na altura era vivo, e incentiva-o a novos feitos para uma nova epopeia. Por isso, a memória e a esperança estão juntas, no mesmo plano. A conceção de heroísmo presente consiste na concretização de feitos épicos pelos humanos.

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Além destas características, destacamos ainda o amor à Pátria e o enaltecimento da história e do povo; uma linguagem épica; a forma e o conteúdo da epopeia clássica, assim como o assunto que são os feitos dos Portugueses e a fé que é a motivação dos heróis. Esta epopeia é humanista-renascentista pelo acesso ao conhecimento dos segredos da natureza.

A Mensagem caracteriza-se, por sua vez, pelo estatismo do sonho e do indefinido. Em vez do concreto, está presente o abstrato da sensibilidade, da utopia e do sebastianismo. Existe em toda a obra a falta de razões para ter esperança e o desânimo, como se Portugal estivesse num beco sem saída. D. Sebastião simboliza a força que vive na memória do povo e que pode ser reanimada. A memória e a esperança pertencem a planos diferentes e só a última existe no sonho. A conceção do heroísmo não é concreta, mas sim mental e conceptual. O autor identifica-se com os heróis, mas a nível do ideal e não da ação.

Nesta obra, o amor à Pátria é metafísico e exprime-se na crença no Quinto império; a linguagem é épico-lírica, de estilo lapidar. A Mensagem é um poema de caráter ocultista. O seu assunto é a essência da pátria e a missão que o povo tem de cumprir. Para isso, os heróis devem procurar o sonho e o infinito. Este poema é épico-lírico-simbólico-mítico e faz o elogio do sonho e da imaginação.

3.“A Mensagem é também o elogio do Português desvendador e dominador de mundos. O que a define não é a ânsia do poderio terreno, mas a fome de Absoluto, o ideal cujo escopo pertence à alma interna”.

A Mensagem é uma obra épica, mítica e simbólica que pretende enaltecer o potencial espiritual do povo português e elogiar a loucura, o sonho e a imaginação.

Além de elogiar o português dinâmico, empreendedor, que desvenda e domina os mundos, elogia também o homem insatisfeito em cujas veias corre o desejo de Absoluto, de sublime. Neste sentido, Fernando Pessoa une o herói d’Os Lusíadas, um herói que, com suor e lágrimas, dignifica a Pátria, aumentando o Império e dilatando a fé, a um herói que tem dentro da alma o desejo de perseguir aquilo que ainda não tem, o objeto longínquo e indeterminado que, por vezes, nem ele próprio sabe definir. A fome de Absoluto que caracteriza o herói da Mensagem leva-o ao dilema constante de “tudo ou nada”, “vida ou morte”. Ele não se importa de arriscar tudo, mesmo que venha a perder a vida. O que lhe interessa é investir as suas forças na concretização de um ideal maior.

Segundo Fernando Pessoa, Portugal é um país predestinado, escolhido por Deus para concretizar, não o império material da época dos Descobrimentos, mas sim um império espiritual (o Quinto Império), que consiste na vivência do mundo invisível como almas. Por isso, repugna o carnal e o físico e aponta o mito e a lenda como a chama que animam a alma insatisfeita. O mito é o “nada que é tudo” que define o destino do Homem. Por essa razão é que temos nos nossos genes homens como Viriato e o Infante D. Henrique, depois de Ulisses ter aportado em Lisboa, o centro do império físico e espiritual. Fomos escolhidos e temos de cumprir o nosso destino. D. Sebastião vive nas nossas almas e espera ser libertado para nos conduzir mais longe.

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4.“Ao longo da Mensagem, Fernando Pessoa defende a necessidade do homem sonhar.”

Ao longo da Mensagem, Fernando Pessoa defende a importância que o sonho tem na concretização dos feitos humanos. No poema “Infante”, o poeta a firma que “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, o que significa que o sonho é a mensagem que o homem recebe sobre as intenções divinas, sendo a obra humana fruto da vontade de Deus.

O sonho surge do mito (“o nada que é tudo”) e torna o homem um ser insatisfeito, com uma fome constante de Absoluto, como se a sua alma ouvisse os apelos de um passado glorioso em que os heróis arriscavam tudo para engrandecerem a pátria. A capacidade de sonhar é o que leva o homem mais longe, permitindo-lhe vencer o medo, perseguir o Infinito e ver o invisível. No poema “Horizonte”, o poeta refere que quem persegue o sonho é recompensado pela sua ousadia encontrando a verdade, ou seja, encontrando-se a si próprio (“os beijos merecidos da verdade”). Por isso, sonhar é ver o invisível e persegui-lo sem pensar no sacrifício, tudo para desvendar o mistério. Para se atingir o objetivo, não se pode perder a esperança e, tal como é referido no poema “Mar Português”, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

Só com esta atitude destemida, louca e ousada, é que se pode cumprir Portugal, pois D. Sebastião vai regressar, com sonhos de Deus e planos para nos conduzir mais longe (poema “D. Sebastião”).

Por estas razões, no poema “O Quinto Império”, o poeta lamenta aqueles que vivem sem sonhos, que são felizes e satisfeitos. Lamenta-os, porque são “cadáveres adiados” e têm a alma morta. O que justifica a existência do homem é o seu descontentamento, a sua vontade de lutar pelos sonhos.

5.Os Lusíadas e a Mensagem tomam D. Sebastião como referência comum: o homem-rei de Camões tornado mito em Pessoa.

D. Sebastião é uma figura histórica comum n’Os Lusíadas, de Camões, e na Mensagem, de Fernando Pessoa, e a sua importância é determinante em duas épocas distintas.

Os Lusíadas, obra do século XVI, são dedicados a D. Sebastião, o monarca reinante, em cuja presença são lidos, para o fazer sentir-se orgulhoso do povo que governa e levá-lo a continuar a obra dos seus ilustres antepassados. Camões, na “Dedicatória”, descreve-nos um rei em quem a nação deposita as suas esperanças para um futuro que será a continuação de um passado de dilatação da fé e do império. Exalta-o como um rei escolhido por deus ou pelo Destino para salvar a pátria da crise em que se encontrava, prenunciando, assim, o sebastianismo que Pessoa reclamará.

Este monarca torna-se a figura mítica central da Mensagem, quatro séculos mais tarde, no séc. XX, o que prova que não morreu na memória do povo e que permanece oculto pelo “nevoeiro”, desde a fatídica batalha de Alcácer-Quibir, à espera da “hora” para conduzir os portugueses ao caminho certo, pois foi escolhido por Deus para cumprir Portugal.

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Assim, em ambas as obras, D. Sebastião simboliza a crença num futuro melhor e no cumprimento do Império (material, n’Os Lusíadas, e espiritual, na Mensagem).

6. Mensagem: “O Encoberto” – a construção do mito num tempo por descobrir.

A obra Mensagem, de Fernando Pessoa, divide-se em três partes: “Brasão”, “Mar Português” e “O Encoberto” e recorre à força do mito, relembrando a História de Portugal e anunciando uma nova era.

O mito e a simbologia estão presentes desde o início ao fim da obra. A divisão tripartida simboliza o nascimento, ascensão e declínio de um império material cujas sementes de glória permaneceram inertes e esperam renascer para um futuro grandioso. Por isso, a terceira parte, “O Encoberto”, centra-se num império moribundo que espera um Messias que o conduza para a luz. O mito anuncia-se como a única força capaz de levar o nosso povo de volta às glórias do passado e à construção do V Império. Pessoa retoma mitos como o de Ulisses, o fundador mítico de Lisboa que nos tornou guerreiros e heróis, o Sebastianismo, em que D. Sebastião é visto como o Messias que nos guiará até ao mítico Império espiritual que nos aguarda, o Império dos escolhidos, da nova civilização universal.

Assim, na Mensagem, o declínio não significa um fim, mas a força latente do Império, o prenúncio do renascer da nação, que será possível porque as sementes lançadas pelo mito ganharam raízes na consciência do povo, pois ele é “o nada que é tudo”.

7.A mitificação do herói em Camões e Pessoa

N’Os Lusíadas, de Camões, e na Mensagem, de Fernando Pessoa, a mitificação do herói é um aspeto comum, embora surja explorado de forma diferente.

Na primeira obra, temos um herói coletivo, o povo português, que ultrapassa os limites da condição humana, tornando-se, pelos seus feitos, um povo de semideuses, que se tornam mito, depois de terem sido simples mortais em busca de um sonho de glória. Servem de inspiração aos vindouros e provam que se pode ir mais longe, desde que se persiga o sonho e se vença o medo do desconhecido. A mitificação é a sua maior recompensa e estes heróis de “carne e osso” simbolizam um povo que não hesitou em partir à descoberta e á conquista de novos horizontes, numa época em que o homem estava apenas a constatar que o mundo se estendia para lá daquilo que lhe era familiar.

Na Mensagem, o herói mitificado não é o final do percurso, como n’Os Lusíadas, mas um ponto de partida. Ulisses, Viriato, D. Dinis, o Infante D. Henrique e D. Sebastião são exemplos de heróis que deixaram em nós, povo português, as sementes do heroísmo passado que florescerão no futuro, na conquista de quem somos e no cumprimento de Portugal. Foram eles que nos deixaram nos genes a capacidade de sonhar e a vontade de lutar que nos permitirão ir mais longe, cumprindo o nosso destino.

Contudo, embora o herói seja abordado de forma diferente em ambas as obras, o facto de aparecer mitificado significa o mesmo: que é um impulso para a ação dos homens do futuro, inspirando-os na busca do que falta cumprir.

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8. O mito na Mensagem

Um dos temas mais significativos na Mensagem é o mito. Pessoa acredita que ele fortalece a consciência do homem, levando-o a concretizar a sua missão.

No poema “Ulisses” refere que “o mito é o nada que é tudo”, pretendendo dizer que uma lenda pode significar tudo, depois de fecundar a realidade. Aqui, Ulisses representa o antepassado que deixou vestígios na nossa consciência, predestinando-nos para um destino maior.

Pessoa explora, ao longo da obra, os mitos do Sebastianismo e do Quinto Império. O Sebastianismo assenta na crença de que D. Sebastião, “o louco” que “quis grandeza”, vai voltar para nos guiar, como se pode ver no poema “D. Sebastião”. Em “O Desejado”, o rei é comparado a Galaaz, o cavaleiro mais puro de Artur e levar-nos-á de encontro à verdade.

A verdade suprema que nos falta alcançar é o Quinto Império, não o império material dos Descobrimentos, mas sim o império espiritual da civilização universal. O império dos descontentes, dos que sonham e abandonam tudo o que é seguro para partirem à conquista do impossível. Por isso, no poema “O Quinto Império”, Pessoa lamenta os que vivem felizes, pois o descontentamento é o que dá vida ao homem.

Pessoa alimenta a chama dos mitos que vivem em nós, para Portugal poder cumprir o seu destino.

Dina Carvalho Aparício

(Professora de Português e Inglês desde 1996. Pós-graduada em Ciências da Educação. Mestranda em Literatura e Cultura Portuguesas)

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