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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X OS MONSTROS E OS (DIREITOS) HUMANOS: UMA LEITURA HISTÓRICA E LITERÁRIA DA OBRA DE CHARLAINE HARRIS Luciana Calissi 1 Resumo: Este trabalho se refere ao meu projeto de doutoramento intitulado Os Monstros e os (Direitos) Humanos: uma leitura histórica e literária da obra de Charlaine Harris. O estudo em andamento investiga o monstruoso, o excluído social, representados na literatura dessa escritora norte-americana. Na década de 2000, publicou uma série de livros intitulada The Southern Vampire Mysteries, que narra a história de Sookie Stackhouse, uma garçonete telepata, em Louisiana, amiga de vampiros e de outras “estranhas” criaturas. São sobre as duas primeiras obras desta sua última série que este trabalho tem sido desenvolvido. Seus personagens; vampiros, travestis, mulheres, entre outros, vivenciam formas de opressão próprias de uma sociedade de controle (DELEUZE, 1997), bem como desenvolvem práticas de resistência, que indiciam as experiências históricas da segunda metade do século XX e do século XXI, compreendidas nessa proposta de pesquisa como representativas dos embates sociais dessa historicidade; o estudo destas narrativas literárias será problematizado como materialidade/campo de análise social. Ao analisarmos o vampiro e sua monstruosidade em conflito com a humanidade viva, pretende-se elaborar uma estrutura de análise a partir dos conceitos de monstruosidade, humanidade e direitos civis e humanos. A monstruosidade, representada a princípio pelos vampiros, na verdade será complexizada pela ideia de que todos somos monstros e humanos. Palavras-chave: Literatura; Monstruosidade; Direitos Humanos Este estudo investiga o insólito, o monstruoso, o excluído social, representados na literatura vampiresca de Charlaine Harris, escritora norte-americana que escreveu, desde a década de 1980, diversos livros de mistérios com vampiros, lobisomens e outras personagens, configurando-se como uma autora destacada, no cenário contemporâneo, das narrativas que tematizam a presença de monstros, sobrenaturais e pós-humanos. Na década de 2000, publicou uma série de 13 livros intitulada The Southern Vampire Mysteries, que narra a história de Sookie Stackhouse, uma garçonete telepata, em Louisiana, amiga de vampiros e de outras “estranhas” criaturas. Estes livros extrapolaram o campo literário quando adaptados para a TV, no seriado intitulado True Blood, no canal HBO, elevando o alcance da narrativa de Harris a outros públicos leitores. O enredo das obras se desenrola a partir de Bon Temps, uma pequena cidade fictícia, localizada no estado de Louisiana, região sul dos Estados Unidos, próxima à cidade de Nova Orleans. Esta região é considerada conservadora e pouco atraente, inclusive para os vampiros, mas reconhecidamente profícua em seu legado multicultural, com forte influência das culturas francesa, 1 Doutoranda em Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade (PPGLI) UEPB - Campus I Campina Grande PB - Brasil/ Professora Adjunta UEPB Campus III Guarabira PB - Brasil.

OS MONSTROS E OS (DIREITOS) HUMANOS: UMA LEITURA …D)H_GT136_Trabalho... · Vampiros em Dallas (2010) é o segundo livro que dá sequência à saga; nele, ... Os monstros, de certa

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

OS MONSTROS E OS (DIREITOS) HUMANOS: UMA LEITURA

HISTÓRICA E LITERÁRIA DA OBRA DE CHARLAINE HARRIS

Luciana Calissi1

Resumo: Este trabalho se refere ao meu projeto de doutoramento intitulado Os Monstros e os

(Direitos) Humanos: uma leitura histórica e literária da obra de Charlaine Harris. O estudo

em andamento investiga o monstruoso, o excluído social, representados na literatura dessa escritora

norte-americana. Na década de 2000, publicou uma série de livros intitulada The Southern Vampire

Mysteries, que narra a história de Sookie Stackhouse, uma garçonete telepata, em Louisiana, amiga

de vampiros e de outras “estranhas” criaturas. São sobre as duas primeiras obras desta sua última

série que este trabalho tem sido desenvolvido. Seus personagens; vampiros, travestis, mulheres,

entre outros, vivenciam formas de opressão próprias de uma sociedade de controle (DELEUZE,

1997), bem como desenvolvem práticas de resistência, que indiciam as experiências históricas da

segunda metade do século XX e do século XXI, compreendidas nessa proposta de pesquisa como

representativas dos embates sociais dessa historicidade; o estudo destas narrativas literárias será

problematizado como materialidade/campo de análise social. Ao analisarmos o vampiro e sua

monstruosidade em conflito com a humanidade viva, pretende-se elaborar uma estrutura de análise

a partir dos conceitos de monstruosidade, humanidade e direitos civis e humanos. A

monstruosidade, representada a princípio pelos vampiros, na verdade será complexizada pela ideia

de que todos somos monstros e humanos.

Palavras-chave: Literatura; Monstruosidade; Direitos Humanos

Este estudo investiga o insólito, o monstruoso, o excluído social, representados na literatura

vampiresca de Charlaine Harris, escritora norte-americana que escreveu, desde a década de 1980,

diversos livros de mistérios com vampiros, lobisomens e outras personagens, configurando-se como

uma autora destacada, no cenário contemporâneo, das narrativas que tematizam a presença de

monstros, sobrenaturais e pós-humanos. Na década de 2000, publicou uma série de 13 livros

intitulada The Southern Vampire Mysteries, que narra a história de Sookie Stackhouse, uma

garçonete telepata, em Louisiana, amiga de vampiros e de outras “estranhas” criaturas. Estes livros

extrapolaram o campo literário quando adaptados para a TV, no seriado intitulado True Blood, no

canal HBO, elevando o alcance da narrativa de Harris a outros públicos leitores.

O enredo das obras se desenrola a partir de Bon Temps, uma pequena cidade fictícia,

localizada no estado de Louisiana, região sul dos Estados Unidos, próxima à cidade de Nova

Orleans. Esta região é considerada conservadora e pouco atraente, inclusive para os vampiros, mas

reconhecidamente profícua em seu legado multicultural, com forte influência das culturas francesa,

1 Doutoranda em Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade (PPGLI) – UEPB - Campus I –

Campina Grande – PB - Brasil/ Professora Adjunta – UEPB – Campus III – Guarabira – PB - Brasil.

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africana e espanhola em função de sua própria construção histórica. Além disto, vale lembrar que

esta região compreende o espaço de narrativas de Anne Rice, que “imortalizou” o vampiro Lestat

(também adaptado nas narrativas cinemáticas), na série Crônicas Vampirescas. “Mas o norte caipira

de Lousiana, na verdade, não era muito sedutor para vampiros, ao que parecia; por outro lado, Nova

Orleans era um centro legítimo para eles – por causa daquela coisa toda de Anne Rice, certo?”.

(HARRIS, 2007, p.7).

Este trabalho tem como corpus, os dois primeiros volumes desta série. No primeiro, Morto até

o Anoitecer (2007), são apresentadas as principais personagens. A trama narrativa se desenrola em

torno das reivindicações de vampiros que “saíram do caixão”, para se tornarem cidadãos legais. Isto

porque os japoneses desenvolveram um sangue sintético que poderia ser consumido por vampiros2.

Esta descoberta possibilitou aos mortos-vivos a convivência em sociedade sem, necessariamente,

representar uma ameaça, pois não necessitavam mais do sangue dos vivos para seu sustento.

Vampiros em Dallas (2010) é o segundo livro que dá sequência à saga; nele, os vampiros

ainda estão tentando se adaptar à sociedade atual, em meio à resistência de humanos, que não os

aceitam e são refratários até mesmo à sua existência. Neste volume, Sookie, após um acordo com os

vampiros, é obrigada a realizar pequenos serviços de acordo com seu dom, a “telepatia”. Quem

solicitou foram os Vampiros de Dallas, que vinham enfrentando sérios problemas com a resistência

humana à Irmandade.

Narrado em primeira pessoa, Sookie Stackhouse é a narradora e protagonista. Garçonete do

Merlotte’s Bar, tem poderes considerados estranhos; de forma involuntária, “escuta” o que todos

estão pensando ao seu redor, e isto lhe causa um transtorno constante. Ela tinha o desejo de

conhecer um vampiro que, um dia aparece no bar em que trabalhava. Sookie então se envolve com

Bill Compton, um vampiro veterano da Guerra Civil (Guerra de Secessão ocorrida nos EUA no

século XIX), que representa aqueles que reivindicam direitos civis para a sua Irmandade. A partir

de seu contato com Bill, ela vai descobrindo o mundo dos vampiros e de outras criaturas

“estranhas”.

Outros personagens compõe a trama desenvolvida nas obras, como a amiga de Sookie, Tara

Thornton, mulher, negra, pobre e com problemas familiares, que reage às adversidades e busca, de

algum modo, superá-las. Lafayette Reynolds, gay e travesti; vampiros refratários às ideias de

adaptação, resistentes aos padrões sociais vigentes; além de mênade, lobisomens, entre outros.

2 True Blood era a marca de sangue mais consumida pelos mortos-vivos nesta narrativa. Daí, portanto, o nome da série televisiva norte-americana estreada em 2008.

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A proposta aqui apresentada trata da inter-relação entre literatura e sociedade, em que o

estudo destas narrativas literárias é problematizado como materialidade/campo de análise social,

revelando que esta produção literária, que tematiza os monstros, quando os incorpora na vida

cotidiana do espaço social criado na trama, cria espaços de heterotopia. Estes espaços heterotópicos

(FOUCAULT, 2001) são aqui compreendidos como espaços ficcionais que possibilitam questionar

uma dada realidade, denunciando o desalinhamento do real através da politização do espaço

literário, ao criar metáforas capazes de representar a resiliência em conflitos sociais de forma

inusitada, principalmente, em relação à experiência histórica da contemporaneidade.

Monstros fornecem um negativo da nossa imagem de mundo, mostrando-nos disjunções

categóricas. Dessa maneira, eles funcionam como metáforas, aquelas figuras do discurso

que indicam uma semelhança entre coisas dessemelhantes, geralmente juntando elementos

de diferentes domínios cognitivos. O que liga os dois ou mais elementos de uma metáfora é

a ideia que ela representa. (JEHA, 2007, p. 22).

Neste caso, a metáfora nos chama a refletir sobre a nossa condição de sujeitos nessa sociedade

que é lida, nessa pesquisa, como espaço de conflitos, contradições e possibilidades. Pois, embora o

biopoder, de um lado, “deixa morrer”, a biopotência, poder da vida, revela novas possibilidades de

vivência e resistência. Em certo sentido, a monstrualização do outro também pode produzir um

contraponto, pois quando as narrativas literárias denunciam – nas suas artes de ler os conflitos

sociais – as práticas do biopoder, também sinalizam as possibilidades de biopotência, de dobra, de

linhas de fuga, de resistência e de resiliência (PELBERT, 2011).

Nesta perspectiva, a narrativa de Harris pode ser vista como metáfora social das lutas pelos

Direitos Humanos a partir da segunda metade do século XX, estabelecendo um diálogo entre o

estudo da história e o texto literário. Seus personagens, organizados em movimentos ou não,

vivenciam formas de opressão próprias de uma sociedade de controle (DELEUZE, 1997), bem

como desenvolvem práticas de resistência, ou não, que indiciam as experiências históricas da

segunda metade do século XX e do início do século XXI, compreendidas nesse estudo como

representativas dos embates sociais dessa historicidade.

Ainda que parte dos movimentos sociais e os conflitos presentes na narrativa de Harris

promova uma ressignificação dos sentidos e dos tecidos históricos do século XX, a exemplo dos

movimentos dos direitos civis, estes ainda são atuais para pensar a tensão existente entre as práticas

de opressão e de resistência social. Os preteridos pela sociedade, representados em diversos

personagens, são aqui entendidos como símbolos daquilo que amedronta e ameaça uma ordem

social estabelecida. O medo do desconhecido e do estranho ou daquilo que é considerado ameaça

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para a sociedade aparentemente normatizada e conservadora, permeia a trama desta obra, sendo,

portanto, um espaço de exercício da crítica social.

O estudo sobre o medo, este que acompanha a humanidade em sua trajetória, pode significar

um dos elementos que, ao mesmo tempo que nos une, também nos separa. O “ser humano”, que se

associa em comunidades compartilhadas, sobretudo por necessidade de proteção, por medo da

solidão e de outros animais, no intuito de enfrentar desafios como a fome, vai da sociabilidade à

insociabilidade, muitas vezes fazendo uso perverso do sentimento de superioridade. A arrogância

como forma de defesa? O medo como forma de alerta ao perigo, ou como medo de si mesmo? E o

medo social, seria medo do outro? Qual outro?

O termo medo ganha então um significado menos rigoroso e mais amplo do que nas

experiências individuais, e esse singular coletivo recobre uma gama de emoções que vai do

temor e da apreensão aos mais vivos terrores. O medo é aqui o hábito que se tem, em grupo

humano, de temer tal ou tal ameaça (real ou imaginária). (DELUMEAU, 2009, p. 32)

Este sentimento tem também um sentido político. Busca defender fronteiras – o que fica

dentro, o que fica fora -, separar o outro que não compartilha das regras de dentro. Adauto Novaes,

em Ensaios sobre o Medo, nos coloca “que a zona de sombra criada pelo medo é parte da vida

social e política” (NOVAES, 2007, p. 9), e que são criados vários tipos de barreiras necessárias para

o estabelecimento da ordem. Tanto barreiras físicas, “concretas”, legais (legislação) quanto

barreiras imaginárias. Historicamente, os monstros, entendidos como constructos culturais, são

obstáculos imaginários que ajudam a controlar fronteiras entre o permitido e o proibido; entre o que

pode significar ordem e desordem. Talvez por isto a construção imaginária dos monstros

acompanhe a história da sociedade humana.

Neste sentido, devemos questionar como se dá a produção dos corpos monstruosos nas

relações de alteridade. Quem é o outro de nós? O que significa monstrualizar o outro? Estas

questões podem ser analisadas a partir da narrativa de Harris, uma vez que o jogo das relações de

poder entre os diversos espaços/personagens é evidente. Na trama desta narrativa fictícia, as

metáforas referentes à monstruosidade questionam a concepção sobre a mesma: quem é monstro?

Para quem? Sookie é considerada “louca” para a comunidade onde mora mas, para o vampiro Bill,

ela é sua semelhante.

Julio Jeha, na obra Monstros e Monstruosidades na Literatura, apresenta-nos o monstro como

algo que significa ameaça para uma sociedade ou grupo humano. “Nas mais antigas e diversas

mitologias, o monstro aparece como símbolo da relação de estranheza entre nós e o mundo que nos

cerca. ” (JEHA, 2007, p. 7). Essas imagens da estranheza associadas aos signos da ameaça e do

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perigo, que emergem na constituição de grupos sociais ou sociedades mais complexas, são também

representadas na arte e na literatura. Estas imagens se transformam, muitas vezes, em mitos, deuses

ou monstros, lendas, representações de nossas formas de ver o mundo, significativas de nossos

medos. Os monstros, de certa maneira, dão forma/corporeidade ao medo do desconhecido, do que

tendemos a associar ao mal/sofrimento de que podemos padecer, assim como do incômodo que

podemos experienciar a contragosto.

Existem diversas representações da monstruosidade da antiguidade à contemporaneidade. A

Esfinge, o Minotauro, as Górgonas, Bruxas, monstros horripilantes – representando pessoas

defeituosas –, Vampiros, Zumbis e, em sentido mais amplo e atual, os homoafetivos, os transexuais,

as lésbicas, os velhos, os pobres, os negros e mulheres. Haroldo Marques (2001), identifica os mitos

nascidos na modernidade como representações socioculturais de ansiedades, medos e desejos da

sociedade europeia, argumentando como se estenderam para o imaginário do mundo ocidental de

forma mais abrangente. Frankenstein, de Mary Shelley faz sua crítica ao cientificismo do século

XIX, quando revela o monstruoso na figura do cientista Victor, que quer se igualar a deus,

representando uma heresia; em Metrópolis, Fritz Lang, apresenta a cidade moderna, a metrópole

como monstro – lugar da insensatez e da barbárie; e, Mario e o Mágico, de Thomas Mann, aparece

como narrativa que representa o controle exercido pelo totalitarismo na modernidade. (MARQUES,

2001).

Lídia Avelar Estanislau (2001), em seu texto Drácula, de Bram Stoker, apresenta o vampiro,

até a primeira metade do século XX, de duas maneiras: para os burgueses, como metáfora da

nobreza decadente, uma vez que consideravam esta nobreza como dependente do sangue alheio e

que nada produzia; e, para os críticos do sistema de exploração exacerbada do outro, o capitalismo,

símbolo daquilo que suga a vida – sugar o sangue é também sugar a vida. E para a

contemporaneidade, o que representa o vampiro?

A literatura vampiresca de Charlaine Harris, escrita na primeira metade do século XXI,

reinterpreta o mito moderno do vampiro, apresentando-o como símbolo de diversos

indivíduos/grupos excluídos socialmente. Não se trata de limitar os vampiros como representantes

de um determinado grupo socioeconômico ou político, mas de compreender as tensões da nossa

contemporaneidade, tão marcada pela pluralidade, diversidade e fragmentação.

A Globalização, anulando espaços e tempos, colocou no centro da cena a diferença, que a

antropologia contemporânea elegeu como um de seus temas principais. Entretanto, apesar

do conceito de multiculturalismo apresentar uma mensagem de tolerância, nas sociedades

imperialistas permanece, manifesto ou latente, o horror ao diferente, ao estranho, ao

estrangeiro, sob variadas formas de discriminação. (ESTANISLAU, 2001, p. 64).

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Neste sentido, o monstro-vampiro é todo aquele que é considerado fora da pretensa

normatização da sociedade contemporânea e, portanto, amedronta. O que deveria ter apenas um

valor de símbolo, pois, teoricamente, “as coletividades e as próprias civilizações estão

comprometidas com o diálogo com o medo” (DELUMEAU, 2009, p. 12), representam, de fato, a

opressão e a violência concreta que se manifesta no cotidiano das sociedades atuais. A busca de

uma normatividade política, capturada pelo dispositivo jurídico que permeia a institucionalização de

direitos humanos, revela os limites de nossa sociedade e destes direitos, quando a diferença gera

desconforto, opressão, violência.

Apesar da busca do ideal de uma sociedade de igualdade na diferença, principal lema dos

movimentos sociais ligados aos chamados Direitos Humanos, vivemos, na verdade, um paradoxo,

com a exacerbação dos conflitos. Conflitos estes, revelados de diversas formas. No Brasil estão

expressos na violência da polícia contra negros, pobres e mendigos. Os assassinatos ligados a

gênero alcançam índices alarmantes. O feminicídio, faz parte constante dos mapas da violência no

Brasil e no mundo. Estes são alguns exemplos dos desafios enfrentados por grupos que são, de

diversas maneiras, monstrualizados e desrespeitados em nosso cotidiano.

As décadas de 1960 e 1970 representam um período em que movimentos sociais diversos se

intensificaram sob os lemas da igualdade étnico-racial, de gênero e sexualidade, e de respeito à

diversidade, tendo como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de Dezembro de 1948, e que propõe em seu

“Art. 1: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de

razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade." (ONU,

1948)

Esta Declaração, embora compreenda um conjunto de proposições referentes ao que,

aparentemente, é consenso, sobre o viver e conviver com respeito e dignidade, não contempla

necessariamente todos os povos e não consegue se efetivar entre aqueles que as desejam. Quais os

limites dos Direitos Humanos? De acordo com Boaventura de Sousa Santos, os Direitos Humanos

representam uma política normativa, ainda que internamente contemple uma diversidade de

posições, de forma geral, estes direitos “são individualistas, seculares, culturalmente ocidente-

cêntricos, quer quando visam controlar o Estado, quer quando pretendem tirar proveito dele”

(SANTOS, 2012, p. 10).

Por outro lado, são eles que ainda representam, na contemporaneidade, alternativa na

construção ou busca de respeito ao outro, pois discutem, propõem e realizam intervenções políticas

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a favor dos excluídos, e reafirmam a alteridade e a dignidade como princípios da vida social.

Contribuem, de uma forma ou de outra, com os movimentos sociais de grupos que buscam sua

afirmação e respeito na sociedade. Estes movimentos sociais e seus desdobramentos no cotidiano

das pessoas estão em constante reafirmação e reelaboração na tentativa de defesa do que

consideramos aqui uma luta que embasa todas as outras, a luta pela dignidade humana.

O movimento social organizado e debatido na obra de Harris, é de vampiros; este movimento

é o mote inicial da discussão dos direitos civis na atualidade. Os mortos-vivos em conflito com a

humanidade viva, permite uma estrutura de análise a partir dos conceitos de monstruosidade,

humanidade e direitos civis e humanos. A monstruosidade, representada a princípio pelos vampiros,

na verdade será complexizada pela ideia de que todos somos monstros e humanos. Neste sentido, as

lutas contra a opressão representam as lutas não dos vampiros propriamente ditos, mas dos

diferentes, do transgressor de determinado padrão, dos excluídos que lutam por igualdade.

Problematizar os aspectos presentes na narrativa literária para dimensionar os conflitos entre a

sociedade normatizada e os excluídos, sobre as normas e direitos estabelecidos em nossa sociedade,

é a base desta reflexão.

Problematizar as reivindicações por direitos e os próprios direitos é importante, na medida em

que, no Brasil e no mundo, atualmente, as lutas por novos e antigos direitos se intensifica ainda

mais, sob a constante ameaça de retrocessos sociais, políticos e culturais, protagonizados por grupos

conservadores extremistas que se revelam em todas as partes do mundo. Estes grupos utilizam-se de

discursos discriminatórios que corroboram para as homofobias, sexismos, racismos e tantos outros

“ismos”, que podem fazer da humanidade algo desumano. “No meio dessa sucessão de mal estares

e desencantos da história, no meio de um profundo sentimento de inumanidade e barbárie, nos

vemos na difícil tarefa de repensar o valor da educação, dos Direitos Humanos e da cidadania [...]”

(WARAT, 2003, p. 06). Não se trata, portanto, da defesa ou não do Direitos Humanos como tal,

mas de reelabora-los, repensá-los em uma sociedade em constante transformação.

A expressão da arte e da literatura têm um significado especial para esta reflexão, pois este

tipo de narrativa nos possibilita pensar para além do discurso direto e “intencional” – mesmo

considerando que “a literatura não é inocente” (BATAILLE apud JEHA, 2007, p. 12). Mas também

possibilita uma análise que passa pela história. De que forma? Ao pensarmos sobre a sociedade e

seus limites, conflitos e exclusões, estamos pensando a sociedade como construção, e a história e

literatura como produção de sentidos. Afinal, para que serve ou qual o sentido da história? Esta

questão é bastante discutida entre profissionais do ramo, como Marc Bloch, Jacques Le Goff,

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François Dosse, entre outros, e contempla muitas abordagens e perspectivas, o que nos possibilita

maior conhecimento e compreensão de nós mesmos.

Afinal, para que serve a história? Para pluralizar as prosas, para produzir espaços outros,

para dar lugar a quem foi expulso para as sombras, para o exercício da alteridade, a

compreensão da multiplicidade, para profanar o sagrado, para politizar os cus, para infectar

o mundo, para zumbificar as narrativas grandiloquentes, para capturar os cipós, para alertar

o quanto da nossa vida, vida nua, é prótese, é cu-l-tura, que a natureza é artificio, que o

Cristo deles é também nosso, se assim quisermos, que nossa genitália não define nada, que

as imagens estão aí, no ser-para-o-mundo, para serem democratizadas e politizadas, hoje e

ontem. Pois o futuro, está em aberto. É preciso apenas ter cuidado com os vigias do cu

alheio. (NÓBREGA, E. M. M.; NÓBREGA, G. M., 2015, p. 195)

Assim, a História, pode ser um instrumento de conhecimento, autoconhecimento que nos

liberta e possibilita uma reflexão sobre o outro, sobre a humanidade enquanto pluralidade, enquanto

abertura de espaços mentais para outras possibilidades de perspectivas, como denúncia, como

questionamento, para a “compreensão da multiplicidade. ” Representa um momento de reflexão a

partir também das heterotopias, lugares ficcionais que extrapolam os espaços sociais vigentes; a

heterotopia, através da narrativa literária, pode sobrepor espaços diferentes e, às vezes,

incompatíveis, em um só lugar, como se fosse uma contestação da normatização que oblitera a

visão de mundo.

Na realidade ou na ficção, as mazelas e a ambiguidade humanas se revelam. Mas a ficção

pode ser ainda mais livre para isto. É a ficção que permite a representação do medo pelo vampiro e

demais monstros. É ela que permite uma viagem que nos mostre, de forma alegórica e livre, e ainda

mais rica, a história social dos homens, sem desconsiderar o seu devir-monstro.

Mesmo que a narrativa literária seja, a princípio, diferente da narrativa histórica, quando a

primeira incide sobre um imaginário do insólito ou heterotópico, também pode ser compreendida

enquanto constitutiva do real. Este é um dos elementos que caracteriza a narrativa literária,

diferenciando-a da narrativa histórica.

Conceito amplo e discutido, o imaginário encontra a sua base de entendimento na ideia da

representação. Neste ponto, as diferentes posturas convergem: o imaginário é sempre um

sistema de representações sobre o mundo, que se coloca no lugar da realidade, sem com ela

se confundir, mas tendo nela o seu referente. (PESAVENTO, 2006, p.7).

A literatura como representação do real, como metáfora das experiências vividas ao longo do

tempo e no tempo; a História como narrativa do “real”, que interroga o passado a partir do presente,

para compreender as experiências vividas ao longo do e no tempo. A história e a literatura são

frutos de um tempo/espaço; tempo que constrói espaços “reais” a partir do simbólico, e tempos

simbólicos a partir do real, para pensarmos a realidade.

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Zilah Bernd considera que o discurso literário, embora seja regido pela “convenção da

ficcionalidade”, ao contrário do discurso histórico, que é regido pela “veracidade”, ocorre que a

narrativa ficcional se constrói, muitas vezes, próximo do real. E, embora o narrador conte a história

– quando, por exemplo, se insere em um determinado contexto histórico localizável –, de seu ponto

de vista e de forma “romanceada”, é possível perceber que os personagens “emigram diretamente

da história real.” (BERND, 1998, p. 127).

Na narrativa de Harris, também estão presentes elementos do real, “fatos identificáveis”,

como os conflitos sociais entre grupos identitários (gays, mulheres, negros etc., representados pela

figura do vampiro) como parte de uma trama em que as relações de poder se revelam por disputa de

“poder territorial”, reelaborados através de um discurso literário que tem o insólito como importante

recurso narrativo.

“Nesse caso, ‘monstruosidade’ carrega implicações tanto estéticas quanto políticas.

Deformidades externas revelam transgressão, pois o indivíduo personifica uma traição da natureza.”

(JEHA, 2007, p. 7). A referência no mundo ocidental moderno é cristã bíblica. Aquilo que não

corresponde ao padrão cristão, representa o Mal que se opõe ao Bem e por isto deve ser combatido,

e este combate toma várias formas; muitos conflitos são gerados a partir do medo.

As representações do Mal e seus desdobramentos em práticas concretas, sejam literárias ou

históricas, são entendidas, nessa perspectiva de abordagem, como aquilo que demarca o corpo

estranho, o não aceitável ou que representa ameaça. O estranhamento, como gerador de conflitos

sociais, permite propor uma análise que contemple a produção dos direitos, principalmente, quando

associados à noção de alteridade e/ou outridade. Ricoeur (1991), ao tratar da noção de outridade,

demonstra como esse conceito pode ser útil para considerar a constituição do ser em relação ao

outro. O ser humano/sujeito se constitui na relação com o outro, em interdependência, em

convivência e não apenas coexistência, de onde se infere que a compreensão do mundo requer não

apenas a visão do Eu, mas também do Outro, uma vez que a incorporação das diferenças como

componente da vida social e do conhecimento, amplia o olhar sobre a nossa cultura, como também

das demais culturas.

Sobre isto, Warat propõe uma refundação de nossa forma de ver o Outro, sugere uma

alteridade relacional e não uma identidade ou unicidade. Isto por que, segundo ele, os Direitos

Humanos que se propõem universais, permanecem ainda praticamente da mesma forma como

nasceram e foram estabelecidos. “A retórica perversa chama essa impossibilidade de ir além do já

estabelecido: valor universal.” (WARAT, 2003, p. 06). Este valor universal ocidental gera

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totalitarismos; uma unicidade em contraposição ao real respeito à diversidade. Por isto precisamos

reinventar a nossa concepção sobre o Outro.

Reinventar, refundar, quer também dizer poder ver-se a si mesmo desde o outro e para o

outro, repensar tudo o que nos foi obrigado a pensar desde as escolas, academias,

instituições, desde os lugares dos especialistas, desde os lugares onde se pronuncia a digna

voz da majestade, a digna voz das consciências acomodadas, aquelas que se acreditam estar

na posse de um lugar de normalidade. Repensar tudo o que nos coloca em situações de

discriminação, opressão, exclusão, seja no lugar do opressor ou do oprimido, do

discriminado ou do discriminador. (Warat, 2003, p. 8).

Repensar o que é o Outro, a partir da compreensão de que todos somos oprimidos e

opressores, humanos e monstros.

É a partir da representação simbólica do monstro, do estranho, incompreensível e ameaçador,

que desenvolvo uma análise da narrativa literária dialogando com a história dos direitos humanos e

dos movimentos sociais, para refletir sobre a vida que pode ser sugada, excluída, despojada, ou

respeitada, incluída, questionada e, sobretudo, sobre os modos de vida, na experiência da alteridade,

que questionam a vida “humana” em sociedade, no continuum do tempo.

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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

The Monstruous and the Human (Rights): a historical and literary reading of Charlaine

Harris’ works

Luciana Calissi

Abstract: This presentation refers to my doctoral project entitled The monstrous and the human

(rights): a historical and literary reading of Charlaine Harris’ works. Such ongoing study

investigates the monstrous and the socially excluded as represented in the fiction produced by

Harris, an author who, in the 2000s, published a series of books, entitled The Southern Vampire

Mysteries, that narrates the story of Sookie Stackhouse, a telepath and waitress from Louisiana who

is friend with vampires and other “strange” creatures. This presentation aims to analyze the first two

books of this series. The literary characters – vampires, transvestites, women, among others –

experience oppression forms characteristic of a society of control (DELEUZE, 1997), at the same

time developing practices of resistance that point towards historical experiences from the second

half of the 20th century and beginning of the 21st century, understood in our research as

representative of the social clashes of this historicity; the study of these literary narratives will be

problematized as a materiality/space for social analysis. By analyzing the vampire and its

monstrosity in conflict with the living humanity, we intend to elaborate an analytical structure based

on the concepts of monstrosity, humanity, and civil and human rights. The monstrosity, at first

represented as a trait of the vampires, will be later complexified through the notion that we are all

monsters and humans.

Keywords: Literature; Monstrosity; Human Rights