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Repositório Autorizado de Jurisprudência | STF Registro nº 049 INT-11 | TST – Registro nº 36/2010 | ISBN 978-85-8390-003-0 JULHO | 2014 Jurisprudência dominante Novas Súmulas 511 a 513 do STJ Carga tributária Computação em nuvem pode ficar mais cara Sindicatos e Ministério Público Direitos colevos e legimidade concorrente Os novos desafios da Defensoria Pública Emenda Constitucional 80/2014 e o fortalecimento da Instituição

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Repositório Autorizado de Jurisprudência | STF Registro nº 049 INT-11 | TST – Registro nº 36/2010 | ISBN 978-85-8390-003-0

JULHO | 2014

Jurisprudência dominanteNovas Súmulas

511 a 513 do STJ

Carga tributária

Computação em nuvem pode ficar mais cara

Sindicatos e Ministério Público

Direitos coletivos e legitimidade concorrente

Os novos desafios da Defensoria PúblicaEmenda Constitucional 80/2014 e o fortalecimento da Instituição

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NESTA EDIÇÃO

06 Enquete | Multimídia | Destaqueadvocaciadinamica.com

DOUTRINAS

Direitos coletivos e legitimidade concorrente preferencial: sindicatos e Ministério PúblicoGustavo Filipe Barbosa Garcia

Os novos Enunciados da Súmula do Superior Tribunal de JustiçaRômulo de Andrade Moreira

ESPECIAL – OS NOVOS DESAFIOS DA DEFENSORIA PÚBLICA

A nova face e os novos desafios da Defensoria Pública: fortalecimento e interiorização. Os impactos da Emenda Constitucional 80/2014Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa

A polêmica da tutela coletiva pela Defensoria Pública e a Emenda nº 80/2014 à Constituição FederalCarlos Alberto Souza de Almeida Filho

Cidadania para todos – A Emenda Constitucional 80/2014 e o fortalecimento do acesso à justiçaHelom César da Silva Nunes

O Estado-Defensor como custos vulnerabilis: entre o REsp. 1.192.577 e a EC 80/2014Maurilio Casas Maia

DIREITO DIGITAL

Nuvem pode ficar mais cara!Patricia Peck Pinheiro

EMENTÁRIO

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ESPECIAL – OS NOVOS DESAFIOS DA DEFENSORIA PÚBLICA

A Defensoria Pública como instrumento de efetivação do acesso à educação financeira, ao empreendedorismo e à ascensão socialWilliam Douglas Resinente dos Santos

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EXPEDIENTEDIRETOR GERAL | Márcio William Faria de SouzaDIRETOR DE MARKETING E CONSULTORIA: | Humberto Nunes Andrade SilvaDIRETORA TÉCNICA | Crystiane Cardoso de Souza DIRETOR FINANCEIRO E DE CURSOS | Marcus Vinícius Derito GrecoDIRETOR COMERCIAL DE SOFTWARE E PUBLICAÇÕES | Rafael BleichGERÊNCIAS NACIONAIS | Alberto Luiz Moraes Bessa, Andrea Soares Guilhon, Christine Ferreira Portilho, Heloísa Fátima Thomaz de Aquino Mello, Jair de Souza Gomes, João Afonso Vilela Jr., José Luis Monteiro, Luiz de Oliveira Júnior, Luiz Roberto da Silva CostaGERÊNCIAS REGIONAIS: RJ/Norte/Centro-Oeste | Rosemere Monzatto Motta SP | Rita de Cássia Camisotti MG | Lúcia Marinho Sul | Fernanda Dias de Lima Graciano ES/Nordeste | Sônia Maria XavierCOORDENAÇÃO EDITORIAL | Angela Maria Oliveira da SilvaREDATOR RESPONSÁVEL INFORMATIVO ADV | Elisa Maria Nunes da SilvaREDATOR RESPONSÁVEL JURISPRUDÊNCIA ADV | Zilton Moraes Di PaceREDATOR RESPONSÁVEL SELEÇÕES JURÍDICAS ADV | Amanda de Abreu Cerqueira CarneiroCONSELHO EDITORIAL | Claudio Carneiro B. P Coelho - Ênio Santarelli Zuliani - Escritório Siqueira e Castro - Gustavo Filipe Barbosa Garcia - José Carlos Teixeira Giorgis - José da Silva Pacheco - Maria Berenice Dias - Rénan Kfuri LopesCOLABORADORES FIXOS | Alberto Nogueira Júnior • Aldo de Campos Costa • Alexandre Atheniense • André Tavares Ramos • Atahualpa Fernandez • Cândido Furtado Maia Neto • Cláudia Brum Mothé • Clovis Brasil Pereira • Dayse Coelho de Almeida • Denis Donoso • Fernando Capez • Flávio Tartuce • Francisco César Pinheiro Rodrigues • Francisco das C. Lima Filho • Gisele Leite • Humberto Dalla Bernardina de Pinho • Ives Gandra da Silva Martins • Joaquim Falcão • Jorge Luiz Souto Maior • Jorge Rubem Folena de Oliveira • Kiyoshi Harada • Lélio Braga Calhau • Lúcio Delfino • Luís Roberto Barroso • Luiz Fernando Gama Pellegrini • Luiz Flávio Gomes • Marcelo Di Rezende Bernades • Marcelo Lessa Bastos • Marco Aurélio Mello • Marcus Vinicius Fernandes Andrade Silva • Mauro Vasni Paroski • Nagib Slaibi Filho • Renato Marcão • Renato Opice Blum • Rita Tourinho • Roberto Rodrigues de Morais • Rodrigo Carneiro Gomes • Roger Spode Brutti • Rômulo de Andrade Moreira • Sylvio Guerra Júnior • Tassus Dinamarco • Thomaz Thompson Flores Neto • Vitor Vilela GuglinskiEQUIPE TÉCNICA ADV | Amanda de Abreu Cerqueira Carneiro; Elisa Maria Nunes da Silva; Renata Rocha Leocádio dos Santos; Roberta Segadilha Borges; Zilton Moraes Di Pace

CENTRAL DE RELACIONAMENTO | 9:00 às 18:00hBA/ES (27) 3145-1300MG: (31) 3555-5600 e 3555-5630Região Sul: (41) 3207-2100SP: (11) 2147-0051RJ: (21) 2156-5907 e 3389-6902Demais Estados: 0800-026-5878

ASSINATURAS | 9:00 às 18:00hBA/ES (27) 3145-1303MG: (31) 3555-5631 e 3555-5632Região Sul: (41) 3207-2100SP: (11) 2147-0051RJ: (21) 2156-5901 e 3389-6910Demais Estados: 0800-022-7722

LOJA VIRTUAL | 9:00 às 18:00hTodos os Estados: 0800 022 7722

ADMINISTRAÇÃO | 9:00 às 18:00hTodos os Estados: (21) 2156-5900

PROJETO GRÁFICOCyan Design Estratégico | www.cyan.com.br

DIREÇÃO DE ARTE Fernanda Vasconcelos

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EDITORIALA Emenda Constitucional 80/2014, que alterou o Capítulo IV (Das Funções Essen-ciais à Justiça), o Título VI (Da Organização dos Poderes), e acrescentou artigo ao ADCT, é o tema da capa desta edição de Seleções Jurídicas, representando um ver-dadeiro marco para o sistema judiciário brasileiro. O próprio presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, se pronunciou quanto à relevância da Defensoria Pública para o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente para “aquela faixa da popu-lação que não possui condições de pagar advogados para fazer valer seus direitos”.

Mais do que isso, a Defensoria Pública é, por vocação, uma instituição efetivado-ra dos direitos fundamentais, que busca a realização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, e de grande parte dos que lhe são correlatos, espe-cialmente na tutela ao mínimo existencial e em sua relação com o patrimônio indi-vidual. Desde então, a Defensoria passou a ser uma Instituição permanente, assu-mindo um caminho sem volta, ou seja, esse modelo não poderá mais ser extirpa-do do ordenamento jurídico pátrio. Afinal, o que se espera da Defensoria Pública após a publicação da Emenda Constitucional 80/2014? Para brindar esta edição, se-lecionamos contribuições de William Douglas Resinente dos Santos, Rafael Vinhei-ro Monteiro Barbosa, Carlos Alberto Souza de Almeida Filho, Helom César da Silva Nunes, e Maurilio Casas Maia.

Em Doutrinas, não deixe de conferir o posicionamento de Gustavo Filipe Barbosa Garcia, quanto aos direitos coletivos e a legitimidade concorrente preferencial, em se tratando dos sindicatos, e da atuação do Ministério Público. Os sindicatos têm legitimidade para a defesa de direitos difusos, coletivos em sentido estrito, direitos individuais homogêneos, na titularidade da categoria e de seus componentes. Rô-mulo de Andrade Moreira traz comentários sobre as novas Súmulas 511 a 513 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). E, na seção Opinião, Patricia Peck Pinheiro exami-na a incidência de carga tributária no uso do serviço de cloud computing. Vale lem-brar aos leitores que todos os acórdãos do STF e TST disponíveis, tanto em nosso site, quanto na seção Ementário, servem como repositório autorizado de jurispru-dência (Registros nº 049 INT-11, e nº 36/2010, respectivamente), e correspondem, na íntegra, aos originais fornecidos pelas Secretarias dos Tribunais.

Até a próxima edição!

Amanda de Abreu Cerqueira Carneiro Redação ADV [email protected]

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6 | Julho de 2014

A Presidenta da República, Dilma Rousseff, san-cionou no início de junho a Lei 12.990/2014, que destina 20% (vinte por cento) das vagas nos concursos públicos do Governo Federal pa-

ra negros. Você concorda com a medida? Parti-cipe da nossa enquete, enviando considerações à Redação através do e-mail [email protected]. Entre em contato conosco, aguardamos suas ideias!

ENQUETE ATUAL

ENQUETE ANTERIOR

Estão em vigor as novas regras do comércio varejista que normatizam a venda do seguro de garan-tia estendida e de outras coberturas. Conhecida como “venda casada”, a prática foi alvo do Minis-tério da Justiça recentemente, com a instauração de processos administrativos contra grandes va-rejistas. A Resolução Susep 293/2013 apenas permitia a venda da garantia estendida. Para vende-rem, as redes terão que se credenciar como representante de seguradora ou se associarem a uma corretora que preste o serviço. A medida representa uma vitória para o consumidor?

Sim, pois o texto anterior não previa a comercialização de outros tipos de seguro que vinham sendo ofe-recidos. Por isso, as novas regras propiciarão maior segurança ao consumidor na hora da compra. Sim

75%

Não25%

advocaciadinamica.com

O quadro Saiba Mais, do canal do Supre-mo Tribunal Federal (STF) no YouTube, exi-be uma entrevista sobre sigilo processual, produzida pela TV Justiça. O advogado Re-nato Borges Barros, especialista em Direi-to Processual, explica por que alguns pro-cessos correm em segredo de justiça ou em caráter sigiloso. Ele esclarece ainda a diferença entre as duas situações, quando elas são utilizadas, a definição de interes-se público nesses casos, o conflito com a liberdade de imprensa e o que ocorre ca-so haja vazamento de informações sigilo-sas. Confira na seção Multimídia do site.

O respeito à ordem judicial é uma garantia ao cidadão e um pré-requisito para um Estado De-mocrático de Direito. A Constituição Federal de-termina que uma pessoa só pode ser processa-da ou sentenciada pela autoridade competen-te. E diz, ainda, que ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido pro-cesso legal. O programa Artigo 5º, exibido pela TV Justiça, trata dos tipos de ordem judicial e mostra o que acontece com quem descumpre a determinação.

MULTIMÍDIA

Sigilo processualOrdem judicial

Não, pois a venda casada só é aceita por mera liberalidade do consumi-

dor. O direito de desistir da garan-tia após sete dias, sem qualquer ônus, continuará valendo. Cabe ao consumidor ter atenção quan-do constatar a vinculação da ven-

da do seguro com a concessão de descontos ou à aquisição compulsó-

ria de produtos comercializados.

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COAD | Seleções Jurídicas | 7

CURSOS COAD

Gostaria de compor o nosso quadro de colaboradores? Entre em contato conosco atra-vés do e-mail [email protected] e conheça a nossa política de publicação. São levadas em consideração não só a exclusividade na elaboração, mas a originalidade, o tamanho e a especificação do tema de acordo com as seções da revista.

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MULTIMÍDIA

O Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IB-GE) revela que a maioria dos brasileiros se consideram ne-gros ou pardos. Com esse re-sultado, os negros passaram a ser a população predomi-

nante no Brasil. Apesar dis-so, a discriminação se mostra presente no país. O Progra-ma Fórum, exibido pela TV Justiça, discute o racismo no Brasil, crime inafiançável. O vídeo está disponível no Por-tal ADV.

Desrespeito ao negro

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8 | Julho de 2014

| DOUTRINAS |

A tutela jurisdicional coleti-va vem se consolidando co-mo forma eficaz de solucionar os diversos conflitos de natu-reza transindividual, frequen-temente observados nas rela-ções sociais.

A respeito do tema, observa--se a presença de um sistema de tutela jurisdicional metain-dividual, com fundamento na Constituição da República, no qual merecem destaque o Có-digo de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e a Lei Orgânica do Ministério Pú-blico da União (Lei Comple-mentar 75/93), entre outras normas legais, viabilizando a solução uniforme e concen-trada de controvérsias envol-vendo várias pessoas e grupos atingidos por violações coleti-vas de direitos.

Os mencionados diplomas le-gislativos, os quais são aplicá-veis também à Justiça do Tra-balho, apresentam importan-tes disposições na regulamen-tação dessa modalidade de processo coletivo.1

A ação civil pública tem funda-mento no art. 129, inciso III, da Constituição da República, ao prever entre as funções insti-tucionais do Ministério Públi-co, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a

proteção do patrimônio públi-co e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

A legitimação do Ministério Público para as ações civis pre-vistas no mencionado art. 129 não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto na Constituição Fe-

deral de 1988 e na lei (art. 129, § 1º, da CRFB).

A legitimidade para o ajuiza-mento de ações civis públi-cas e ações coletivas, portan-to, mesmo na Justiça Laboral, não é exclusiva do Ministério Público do Trabalho.

As entidades sindicais, por te-rem natureza jurídica de asso-ciações privadas2, também a possui, conforme os arts. 8º, inciso III, 129, § 1º, da Consti-tuição Federal de 1988, art. 5º, inciso V, da Lei 7.347/85, e art. 82, inciso IV, da Lei 8.078/90.

Efetivamente, o art. 82, inci-so IV, do Código de Defesa do Consumidor, arrola as associa-ções como entes legitimados para o ajuizamento de ações coletivas. Isso também é pre-visto no art. 5º, inciso V, da Lei da Ação Civil Pública.

Faz-se necessário que a asso-ciação seja legalmente consti-tuída há pelo menos um ano e que inclua entre seus fins institucionais a defesa dos di-reitos e interesses que visa a proteger. O § 1º, do art. 82, do Código de Defesa do Con-sumidor e o § 4º, do art. 5º, da Lei da Ação Civil Públi-ca dispõem que o requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz “quan-do houver manifesto interes-se social evidenciado pela di-

Direitos coletivos e legitimidade concorrente preferencial: sindicatos e Ministério Público

“(...) Faz-se necessário que a associação

seja legalmente constituída há

pelo menos um ano e que inclua entre seus fins institucionaisa defesa dos

direitos e interesses que

visa a proteger.”

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COAD | Seleções Jurídicas | 9

mensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”.

Quanto aos fins institucionais do sindicato, certamente en-volvem a defesa dos interes-ses e direitos (coletivos e in-dividuais) da categoria como um todo (art. 8º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, e art. 513, a, da CLT).

Consequentemente, torna-se evidente a legitimidade con-ferida ao sindicato, na defe-sa dos direitos coletivos (lato sensu) pertinentes à categoria.

É certo que nem todos os in-tegrantes da categoria são fi-liados ao respectivo sindicato, atendendo ao princípio da li-berdade de associação (arts. 5º, inciso XX, e 8º, inciso V, da Constituição Federal de 1988).

Ainda assim, a mencionada legitimação não se restringe aos associados propriamen-te, mas abrange todos os in-tegrantes da categoria, pois a pertinência temática, quanto ao sindicato, refere-se à de-fesa de direitos relativos à ca-tegoria e de todos os seus in-tegrantes, e não somente de quem se filiou.

Destaca-se, sobre esse te-ma, importante decisão pro-ferida pelo Supremo Tribu-nal Federal:

Processo civil. Sindicato. Art. 8º, III, da Constitui-ção Federal. Legitimida-de. Substituição processu-al. Defesa de direitos e in-teresses coletivos ou indi-viduais. Recurso conheci-do e provido. O artigo 8º, III, da Constituição Fede-ral estabelece a legitimi-dade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e in-

teresses coletivos ou in-dividuais dos integrantes da categoria que repre-sentam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos traba-lhadores. Por se tratar de típica hipótese de substi-tuição processual, é des-necessária qualquer au-torização dos substituí-dos. Recurso conhecido e provido.” (STF, Pleno, RE 210.029/RS, Rel. Min. Car-los Velloso, Rel. p/ acór-dão Min. Joaquim Barbo-sa, DJ 17-8-2007).

O sindicato, como se nota, tem legitimidade para a defesa de direitos difusos, coletivos em sentido estrito, bem como dos direitos individuais homogê-neos, de titularidade da cate-goria e de seus componentes.

Nesse sentido, consoante o art. 8º, inciso III, da Constitui-ção Federal de 1988, “ao sin-dicato cabe à defesa dos di-reitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, in-clusive em questões judiciais e administrativas”.

Conforme assevera Amauri Mascaro Nascimento: “Ressal-te-se, também, que os sindica-tos podem cumprir uma impor-tante função; têm eles poderes conferidos, em nível constitu-cional, pelo disposto no art. 8º, III, da Lei Maior, quando decla-ra que cabe ao sindicato a defe-sa dos direitos e interesses cole-tivos ou individuais da catego-ria, inclusive em questões judi-ciais ou administrativas. Ora, se o preceito constitucional literal-mente declara que os interesses coletivos e individuais dos tra-balhadores e da categoria por estes organizada competem ao sindicato, é forçoso reconhecer

“(...) O sindicato, como se

nota, tem legitimidade

para a defesa de direitos difusos,

coletivos emsentido estrito,

bem como dos direitos individuais

homogêneos,de titularidade

da categoria e de seus

componentes.”

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10 | Julho de 2014

| DOUTRINAS |

que a esfera de atuação sindical tem pleno amparo no ordena-mento jurídico. Cumpre aos sin-dicatos efetivá-la.”3

Cabe, assim, ao sindicato da categoria profissional, cum-prir o seu papel constitucio-nal, na defesa dos direitos dos integrantes de sua categoria.4

Logo, na hipótese de direito da categoria, de caráter coletivo ou individual homogêneo, in-cide a legitimidade de atuação pelo respectivo sindicato, mes-mo como substituto processu-al, conforme jurisprudência do STF, anteriormente transcrita.

Pode-se dizer, inclusive, que, em se tratando da defesa de

direitos metaindividuais na es-fera trabalhista, o art. 8º, inci-so III, da Constituição da Repú-blica, ao conferir legitimidade ao sindicato, é norma especial, que, segundo as regras básicas de hermenêutica, prevalece sobre a norma geral, relativa ao Ministério Público, do art. 129, inciso III, da Constituição.5

NOTAS:

1. Cf. Garcia, Gustavo Filipe Barbo-sa. Curso de direito processual do tra-balho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 891-910.2. Cf. garcia, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1295.3. Nascimento, Amauri Mascaro. Cur-so de direito processual do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 313.4. Cf. Mazzilli, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 286: “Quanto aos sindicatos, a Constitui-ção lhes permitiu a defesa judicial dos

direitos e interesses coletivos e indivi-duais da categoria, inclusive em ques-tões judiciais ou administrativas, bas-tando-lhes o registro no Ministério do Trabalho. Embora a Lei Maior não se-ja expressa quanto à possibilidade de defesa de interesses difusos pelos sin-dicatos, entendemos estarem incluí-dos dentro do sentido lato da expres-são interesses coletivos. Assim, nada obsta, por exemplo, a que os sindica-tos defendam em juízo o meio ambien-te do trabalho (interesses difusos)”.5. Cf. Nascimento, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do traba-lho, cit., p. 307: “Note-se que a defe-sa dos interesses coletivos é atribuída, pela Constituição, art. 8º, aos sindica-tos, de modo que a concorrente atri-

buição da Procuradoria [...] do Traba-lho para a defesa de interesses cole-tivos poderia representar invasão de competência sindical”. Idem, ibidem, p. 316: “é de toda conveniência uma gradação entre legitimação do sindi-cato e legitimação do Ministério Públi-co e se não for assim a ação civil pú-blica poderia ser utilizada para a de-fesa de todos os direitos previstos nos arts. 7º e 8º da Constituição Federal, e o sindicato, mesmo que legitimado a defendê-lo, ficaria prejudicado, se-cundarizado, em danosa contribuição para o seu enfraquecimento em nos-so ordenamento jurídico e que leva-ria o Ministério Público a ser um bra-ço sindical”.

Gustavo Filipe Barbosa GarciaLivre-Docente pela Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo – Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla – Pós-Doutorado em

Direito pela Universidad de Sevilla – Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ – Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27 – Advogado e Consultor jurídico – Ex-Juiz

do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões. Ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público

da União. Ex-Auditor Fiscal do Trabalho

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A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, especiali-zada no julgamento de proces-sos criminais, aprovou três no-vos Enunciados (a propósito, o Enunciado é a Súmula de um entendimento consolidado no órgão julgador, que é adotado em todos os julgamentos que tratam da mesma matéria, servindo de orientação para todos os órgãos do Poder Ju-diciário no país, de primeira e segunda instância).

Os três Enunciados tiveram as teses fixadas anteriormen-te em julgamento de Recurso Especial sob o rito dos repre-sentativos de controvérsia, es-tabelecido no artigo 543-C do Código de Processo Civil.

O primeiro deles diz respei-to ao benefício previsto no art. 155, § 2º, do Código Pe-nal, in verbis: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno va-lor a coisa furtada, o juiz po-de substituir a pena de reclu-são pela de detenção, diminuí--la de um a dois terços, ou apli-car somente a pena de multa.” Eis um direito subjetivo públi-co do réu!

O Enunciado 511 permite a aplicação do benefício em ca-so de furto qualificado, com seguinte texto: “É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do Código Penal nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a prima-riedade do agente, o peque-

no valor da coisa e a qualifi-cadora forem de ordem objeti-va.” (Recurso Repetitivo: REsp. 1.193.194 – Fonte para con-sulta: http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/ju-risprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp1193194).

Como qualificadoras de or-dem objetiva, consideramos aquelas previstas nos incisos I, II (escalada), III e IV. Nada obstante, não aceitamos a ra-zão da limitação do Enuncia-do apenas em relação às qua-lificadoras de natureza objeti-va, mesmo porque o que im-porta para gozar do benefício legal é a primariedade e o pe-queno valor da coisa subtraí-da, pouco importando se foi com abuso de confiança, ou mediante fraude ou destreza. Uma coisa não tem nada a ver com a outra!

Aqui, parece-nos importante uma observação: não pode-mos confundir “furto privile-giado” com crime de bagatela (que não é crime, pois não há tipicidade em razão do prin-cípio da insignificância). Co-mo ensina Cezar Roberto Bi-tencourt, “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente pa-ra configurar o injusto típico.”1

Estamos diante do velho adá-gio latino mínima non curat praetor, que fundamenta o

princípio da bagatela, cunha-do por Claus Roxin, na déca-da de 60.

Francisco de Assis Toledo en-sina que Welzel considerava que “o princípio da adequa-ção social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso, Claus Roxin propôs a in-trodução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria igualmente co-mo regra auxiliar de interpre-tação. Trata-se do denomina-do princípio da insignificância, que permite, na maioria dos ti-pos, excluir os danos de pou-ca importância. Não vemos in-compatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção ma-terial do tipo que estamos de-fendendo. Segundo o princípio da insignificância, que se reve-la por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentá-ria só vai até onde seja neces-sário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.”2

Aliás, atentemos que “em tempo de pensar a gestão e a estrutura do Poder Judiciário, notadamente após a Emen-da Constitucional 45, e face ao acúmulo de processo que gera insuportável morosida-de aos jurisdicionados, o prin-cípio da insignificância repre-senta sofisticado mecanismo

Os novos Enunciados da Súmula do Superior Tribunal de Justiça

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| DOUTRINAS |

obstaculizador de demandas cujo custo é injustificável.”3

Ademais, é sabido desde há muito que a norma penal “existe para a tutela de al-guns bens ou interesses (de es-pecial relevância) consubstan-ciados em relações sociais va-loradas positivamente pelo le-gislador para constituir o ob-jeto de uma especial e quali-ficada proteção, como é a pe-nal.”4 Logo, alguém só “pode ser responsabilizado pelo fato cometido quando tenha cau-sado uma concreta ofensa, ou seja, uma lesão ou ao menos um efetivo perigo de lesão pa-ra o bem jurídico que consti-tui o centro de interesse da norma penal.”5 É a aplicação do princípio da ofensividade,6 segundo o qual nulla poena, nullum crimen, nulla lex poe-nalis sine iniuria. É de Luigi Ferrajoli a seguinte lição: “La necesaria lesividad del resul-tado, cualquiera que sea la concepción que de ella ten-gamos, condiciona toda jus-tificación utilitarista del dere-cho penal como instrumento de tutela y constituye su prin-cipal límite axiológico externo. Palabras como ‘lesión’, ‘daño’ y ‘bien jurídico’ son claramen-te valorativas.”7

Ora, se a conduta do agente não lesa (ofende) o bem ju-rídico tutelado, não causan-do nenhum dano, ou, no má-ximo, um dano absolutamen-te insignificante, não há fato a punir por absoluta inexistên-cia de tipicidade, pois “la con-ducta que se incrimine ha de serem inequivocamente lesiva para aquellos valores e inte-reses expresivos de genuínos ‘bienes juridicos’.”8

Relembre-se de que o Direi-to Penal deve ser a ultima ra-tio, ou seja, a sua intervenção

só será aceitável em casos de ataques relevantes a bens ju-rídicos tutelados pelo Estado. Paulo Queiroz, por exemplo, explica o inexpressivo sentido jurídico penal de determina-das condutas, nada obstante típicas abstratamente: “É que não tem o legislador, em fa-ce das limitações naturais da técnica legislativa e da multi-plicidade de situações que po-dem ocorrer, o poder de pre-visão, casuística, das hipóte-ses efetivamente merecedo-ras de repressão. Noutros ter-mos, falta-lhe o poder de pre-ver em que grau e em que in-tensidade deve tais ações me-recer, in concreto, castigo. Não lhe é possível, enfim, ao prever tipos abstratos, ain-da que se atendo àquelas le-sões mais significativas, fixar, segundo o caso concreto, em que intensidade a lesão deve assumir relevância penal efe-tiva. Com bem assinala Mau-rach, nenhuma técnica legis-lativa é tão acabada a ponto de excluir a possibilidade de que, em alguns casos parti-culares, possam ficar fora da ameaça penal certas condutas que não apareçam como me-recedoras de pena. Vale dizer, a redação do tipo legal preten-de certamente só incluir preju-ízos graves à ordem jurídica e social, porém não impede que entrem também em seu âmbi-to os casos mais leves, de ínfi-ma significação social. Enfim, o que in abstrato é penalmen-te relevante pode não o ser verdadeiramente, isto é, po-dem não assumir, in concreto, suficiente dignidade e signifi-cado jurídico-penal.”9

Assim, impõe-se a aplicação do princípio da insignificância, pois somente as condutas mais graves e mais perigosas prati-cadas contra bens jurídicos efe-tivamente relevantes carecem

dos rigores do Direito Penal. Seu aparecimento “recomen-da a aplicação do Direito Pe-nal apenas nos casos de ofensa grave aos bens jurídicos mais importantes (principio bagate-lar próprio).”10 Já o seu funda-mento “está, também, na ideia de proporcionalidade que a pe-na deve guardar em relação à gravidade do crime. Nos casos de ínfima afetação ao bem jurí-dico o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste ne-nhuma razão para o pathos éti-co da pena, de sorte que a mí-nima pena aplicada seria des-proporcional à significação so-cial do fato.”11

Aliás, como dissemos acima, “el origen del estudio de la insignificancia se remonta al año 1964, cuando Claus Roxin formuló una primigenia enun-ciación, la que fuera reforza-da – desde que se contempla-ba idéntico objeto – por Claus Tiedemann, con el apelativo de delitos de bagatela.”12

Como ensina Luiz Flávio, “pe-quenas ofensas ao bem jurídi-co não justificam a incidência do direito penal, que se mos-tra desproporcionado quando castiga fatos de mínima im-portância (furto de uma folha de papel, de uma cebola, de duas melancias etc.). Dogma-ticamente falando, já não se discute que o princípio da in-significância (ou da bagatela, como lhe denominam os italia-nos, assim como Tiedemann) exclui a tipicidade, mais pre-cisamente a tipicidade mate-rial.” Para ele, hoje, “já prati-camente ninguém nega a re-levância do princípio da insig-nificância (ou da bagatela) no direito penal. Não há dúvida que é um princípio de política criminal, mas adotado e apli-cado diariamente pelos juízes e tribunais.”13

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Rômulo de Andrade MoreiraProcurador-Geral de Justiça Adjunto para

Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia

Também restou pacificado o entendimento da Terceira Seção e pelas duas Turmas a ela vinculadas, Quinta e Sex-ta, de que a aplicação da cau-sa de diminuição de pena pre-vista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), não afasta a hediondez do cri-me de tráfico de drogas. Por-tanto, “a redução de um sexto a dois terços da pena para réus primários, de bons anteceden-tes e que não integrem orga-nização criminosa não decor-re do reconhecimento de uma menor gravidade da condu-ta praticada, nem da existên-cia de uma figura privilegia-da do crime. Trata-se de um favor legislativo ao peque-no traficante, ainda não en-volvido em maior profundida-de com o mundo do crime, co-mo forma a propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização.”

O verbete mantém, portan-to, o caráter hediondo do cri-me de tráfico, mesmo em ca-so de redução da pena: “A apli-cação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006

não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.” (Recurso Repetitivo: REsp. 1.329.088 – Fonte para con-sulta: http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/ju-risprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp1329088). Acertado tal entendimento.

Por fim, o terceiro Enunciado diz respeito à abolitio criminis, prevista na Lei 10.826/2003, conhecida como o Estatuto de Desarmamento, que fixou pra-zo de 180 dias, a partir de sua publicação, para registro des-sas armas. Os prazos foram prorrogados diversas vezes por leis posteriores. Coube à Ter-ceira Seção estabelecer qual o prazo final da abolição cri-minal temporária para o crime de posse de armas sem identi-ficação e sem registro.

Assim, em julgamento de re-curso repetitivo, “a Seção de-cidiu que é crime a posse de arma de fogo de uso permiti-do com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identi-ficação raspada, suprimida ou adulterada, praticada após 23 de outubro de 2005”. Segun-

do a decisão, foi nesta data que a abolitio criminis tempo-rária cessou, pois foi o termo final da prorrogação dos pra-zos previstos na redação origi-nal dos artigos 30 e 32, da Lei 10.826/2003.

Eis a redação do Enuncia-do 513: “A abolitio criminis temporária prevista na Lei 10.826/2003 aplica-se ao cri-me de posse de arma de fogo de uso permitido com nume-ração, marca ou qualquer ou-tro sinal de identificação ras-pado, suprimido ou adulte-rado, praticado somente até 23-10-2005.” (Recurso Re-petitivo: REsp. 1.311.408 – Fonte para consulta: http://www.stj.jus.br/webstj/pro-cesso/justica/jurispruden-cia.asp?tipo=num_pro&valo-r=REsp1311408).

Obviamente que este Enun-ciado contraria o disposto na Lei nº 11.922/2009 que, em seu art. 20, prorrogou para o dia 31 de dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3º. do art. 5º. e o art. 30, ambos da Lei nº 10.826, de 22 de dezem-bro de 2003.

NOTAS

1. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 4ª ed. Ed. Revistas dos Tribu-nais, p. 45.2. Princípios Básicos de Direito Penal. 4ª ed. Ed. Saraiva, 1991, p. 132.3. Artigo escrito coletivamente por Sa-lo de Carvalho, Alexandre Wunderli-ch, Rogério Maia Garcia e Antônio Carlos Tovo Loureiro intitulado Breves Considerações sobre a Tipicidade Ma-terial e as Infrações de Menor Poten-cial in AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de e CARVALHO Salo de (organizado-res). A Crise do Processo Penal e as No-vas Formas de administração da Justi-ça Criminal. Sapucaia do Sul, RS: Nota-dez, 2006, p. 144.

4. GOMES, Luiz Flávio. Norma e Bem Jurídico no Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 18.5. Idem, p. 15.6. Sobre o assunto, conferir a recen-te obra de GOMES, Luiz Flávio. Princí-pio da Ofensividade no Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-nais, 2002.7. Derecho y Razón. Madrid: Editorial Trotta, 1995, p. 467.8.GARCIA-PABLOS, Antonio. Derecho Penal – Introducción. Madrid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho Uni-versidad Complutense, 1995, p. 265.9. QUEIROZ, Paulo de Souza. Do cará-

ter subsidiário do direito penal – Line-amentos para um direito penal míni-mo. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998, p.122.10 CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. O princípio da insignifi-cância ou bagatela – conceito, classifi-cação hodierna e limites. Revista Jurí-dica Consulex, Ano VIII, nº 186, 15 de outubro/2004, p. 62.11. REBELO, José Henrique Guaracy. Princípio da Insignificância. Belo Ho-rizonte: Del Rey, 2000, p. 38.12. VITOR, Enrique Ulises García. La In-significancia en el Derecho Penal. Bue-nos Aires: Hammurabi, 2000, p. 20.13. Site: ultimainstancia.com.br. Ter-ça-feira, 9 de novembro de 2004.

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A Defensoria Pública como instrumento de efetivação do acesso à educação financeira, ao empreendedorismo e à ascensão social

“Se uma pessoa tiver uma atitude reta em relação ao dinheiro, isso ajudará a endireitar

quase todas as outras áreas de sua vida.”

(Billy Graham)

1. A PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO NA ORDEM CONSTITU-CIONAL VIGENTE

1.1. A proteção à pessoa humana e ao mínimo existencialAo longo de toda a sua histó-ria, a humanidade tem se mo-vido pela busca da felicidade. Podemos defender a ideia que esta felicidade parte de uma harmonia interna, de uma paz existencial, contudo, há quem sustente que “a felicidade ne-cessita igualmente de bens ex-teriores, pois é impossível, ou pelo menos não é fácil, prati-car ações nobres sem os devi-dos meios. (...) O homem feliz

parece necessitar deste tipo de prosperidade, e é por isso que algumas pessoas identificam a felicidade com a boa fortu-na, embora outros a identifi-quem com a virtude”.1

É interessante notarmos que em momentos passados o ser humano percebeu que preten-der somente a aquisição dos bens necessários à sobrevi-vência seria extremamente ár-duo e, por isso, desenvolveu-se gradualmente a noção da ne-cessidade de estabelecer acor-dos com os semelhantes para a aquisição dos bens da vida.2

Em tais acordos, sob o manto da autonomia da vontade, da cláusula pacta sunt servanda e da soberania dos contratos, os particulares3 sempre exerce-

ram seus interesses sob o man-to protetivo da lei civil e da co-dificação comercial,4 normas cuja função precípua era man-ter a liberdade na prática dos atos negociais, mantendo o Es-tado e sua ingerência ao largo dos negócios praticados.

Mas hoje não podemos igno-rar que a partir do Século XX, com as transformações sofri-das pelo mundo ocidental as-solado pelas duas grandes guerras neste período, o Esta-do Liberal se transmutou em Estado Social, processo que teve início após a Primeira Guerra Mundial e que trouxe a consolidação dos denomina-dos direitos sociais, que bus-cam garantir a todos os cida-dãos um mínimo de bens cul-turais, materiais e sociais, que

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se refletiram em grande par-te das Constituições dos Esta-dos. Com o segundo pós-guer-ra daquele século, buscou-se uma efetivação dos direitos humanos e a construção de Constituições em que o Estado assuma o compromisso políti-co de servir ao homem, e não o homem, o de existir para su-prir as necessidades do Estado (GRECO, 2008, p. 42).

Esta mudança trazida pelo Estado Social provocou uma modificação na concepção de igualdade. Deixa-se de la-do a noção de igualdade for-mal adotada a partir dos ide-ais liberais e percebemos niti-damente um largo passo das legislações em busca de uma igualdade material. A partir daí, outorga-se ao ser humano a liberdade de querer e bus-car seus objetivos em idênti-cas condições. Determinismos como condição social, nasci-mento ou gênero sexual dei-xam, ou ao menos deveriam deixar, de ser determinantes para o alcance de uma vida digna e plena.5

E esta percepção se encon-tra presente em nossa ordem constitucional. Tendo como fundamento axiológico o prin-cípio6 da dignidade da pessoa humana,7 a Carta Magna de 1988 tratou como instrumen-to de efetivação do desenvolvi-mento humano não apenas di-reitos pessoais, extrapatrimo-niais ou existenciais, mas tam-bém atrelou como direito fun-damental a propriedade priva-da e a possibilidade de cresci-mento humano em todas as di-mensões da vida privada.

Parece-nos que o legislador constituinte percebeu que a perseguição aos bens da vi-da deve ser vista como instru-mento de efetivação do ple-

no desenvolvimento humano. Houve uma percepção de que a busca de acumular bens da vida é inerente à perseguição de uma vida melhor.

Neste momento, passa a ser considerada a existência de um núcleo duro de direitos pa-trimoniais a serem assegura-dos pelo Estado aos cidadãos, que podem ser compreendi-dos como direito ao mínimo existencial, ou seja, um con-junto de condições que seriam pressupostos para o exercício da liberdade individual e de-senvolvimento humano (TOR-RES, 1998, p.128).

E é imperioso identificarmos estes direitos como um conjun-to vinculado ao direito funda-mental8 às condições materiais que asseguram uma vida com dignidade e que transcendem aos direitos sociais9 e culturais.

É possível identificarmos no mínimo existencial os direitos sociais específicos,10 mas, co-mo princípio não tipificado na Carta Constitucional, encon-tra-se também identificado em relações privadas, a exemplo da prestação de alimentos e, ainda, da proteção infraconsti-tucional ao bem de família.

Para Ana Paula de Barcellos (2002, p. 289-295), a assistên-cia aos desamparados contida no art. 6º da CRFB e o acesso à justiça compõem o conteúdo do mínimo existencial e, como princípios constitucionais, de-vem ser entendidos como im-perativos interpretativos pe-los quais as normas e atos do Poder Público devem ser ob-servados para que possam as-segurar a mais ampla e consis-tente dignidade.11

Atribui-se a William Wallace, herói da independência da Es-cócia, a frase: “Todo homem

morre, mas nem todo homem vive”. Apenas manter a pessoa viva, mas não lhe permitir um mínimo de dignidade e negar--lhe a possibilidade de desen-volvimento, pode ser tão ou mais cruel do que a subtração de sua vida.

Nesse passo, a assistência ju-rídica integral prevista cons-titucionalmente serve não só para estabelecer um coman-do, mas também para dissol-ver alguns preconceitos. De fato, gosta-se muito de dizer que o Direito, notadamente o Direito Privado, está nos dias de hoje, em função do prin-cípio da dignidade, “despatri-monializado” e ligado a valo-res existenciais. Mas não raro se esquece que a dignidade e os valores existenciais depen-dem em boa parte de ques-tões econômicas e patrimo-niais. Não que limitemos a vi-da a questões econômicas e patrimoniais, mas não cabe esquecer delas.12

1.2. A proteção ao trabalho e à livre iniciativa como instrumento para a efetivação da dignidadeNa esteira da proteção à pes-soa humana e da efetivação do mínimo existencial, o art. 1° da CRFB estabeleceu, em seu inciso IV, como funda-mentos da República, os valo-res sociais do trabalho e da li-vre iniciativa.13

Podemos perceber que tais valores constitucionais estão intrinsecamente relacionados com o mínimo existencial e expressamente estabelecidos pelo caput do art. 170 da Car-ta Constitucional, que os co-loca como instrumentos para a efetivação da dignidade hu-mana,14 no capítulo que trata

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dos princípios gerais da ativi-dade econômica no país.

Segundo André Ramos Tava-res (2006, p. 121), nosso sis-tema constitucional adotou o regime capitalista, em que é claramente perceptível:

O reconhecimento da legi-timidade da apropriação privada dos meios de pro-dução e de seu produto, bem como pela declaração do postulado da liberdade e, em especial, da livre ini-ciativa privada. Este con-junto certamente caracte-riza o modo de produção capitalista (ou seus ele-mentos essenciais), o que não é afastado por poder eventual de interferência (incluindo a intervenção) econômica atribuído ao Es-tado, nem mesmo por cir-cunstancial exploração di-reta de atividade de cunho econômico por parte des-te, em condições conside-radas excepcionais.

Contudo, sem abrir mão da in-tervenção estatal para a pre-servação dos direitos individu-ais, sociais e coletivos, confor-me os parâmetros fixados no seu caput, ao estabelecer que toda atividade econômica de-ve ser realizada conforme os ditames da justiça social.

A partir desta percepção, ve-rificamos que a livre iniciativa decorre dos direitos constitu-cionais consagrados no art. 5º, da CRFB, e deve ser interpreta-da como um instrumento de efetivação do bem-estar social.

Logo, sendo nosso sistema ju-rídico fundado na dignidade da pessoa humana e no interesse social, a livre iniciativa e o tra-balho devem sempre partir de uma interpretação em confor-midade com os valores sociais.

Conforme explica Enzo Rop-po (1988, p. 295-297), desde os tempos do laissez-faire, as sociedades contemporâneas ocidentais sofreram enormes transformações em sua estru-tura econômica, social e polí-tica, e geraram a necessidade de um redimensionamento da liberdade de contratar e suas consequências econômicas.

Interessante a visão de Andréa Cançado (2009, p. 132-133), de que todos os atores sociais envolvidos no processo de ga-rantir a efetivação da dignida-de humana devem se propor a repensar, apontar e divulgar os novos contornos dos ele-mentos fático-jurídicos confi-guradores do vínculo de em-prego, de forma a alcançar, ca-da vez mais, um número maior de trabalhadores: todos aque-les que não detêm os meios de produção, trabalhadores des-pojados de autonomia, “de terra e de suas ferramentas”.

Esta visão decorre da necessi-dade de implementação dos valores contidos em nossa or-dem econômica a partir da va-lorização do trabalho huma-no, tido como um instrumento de realização da própria exis-tência humana,15 do bem-es-tar e da justiça social.

Percebe-se que o ente estatal não pode permanecer à mar-gem deste processo. A atuação do Estado na implementação de uma ordem social fundada nestes valores é fundamental.16

A proteção do pobre em suas relações de trabalho tem evo-luído, fato que pode ser com-provado pelos sindicatos, pelo elastecimento dos direitos tra-balhistas, pela luta por proteção judicial, e pela própria existên-cia de uma justiça especializada onde é inequívoca a tendência à proteção do trabalhador.

No entanto, não se verifica uma preocupação similar com o acesso dos pobres à atividade empresarial, expressão maior da livre iniciativa. Sob certo as-pecto, quase se pode identificar uma barreira invisível que im-pede aos mais pobres o aces-so ao empreendedorismo, sem chances ao sucesso.

É quase como se, por uma vi-são limitada por paradigmas consolidados há séculos, o Es-tado e os operadores sociais não imaginassem pessoas po-bres empreendendo. As medi-das de fomento e qualquer ou-tro tipo de apoio ao incremen-to de atividade empresarial, mesmo quando se fala em pe-quenas empresas, são volta-das para a classe média. Con-trariamente a outros países, como a Índia por exemplo, não há um movimento organizado destinado ao microcrédito e ao apoio àqueles que, mesmo pertencendo às classes D e E, desejam empreender.

Em suma, se a sociedade, o Go-verno e os operadores jurídicos conseguem proteger o desfa-vorecido economicamente em suas relações de trabalho, não faz sentido que não sejam ado-tados os mesmos procedimen-tos diante dos pobres que de-sejam empreender. Não fazê--lo é reproduzir um preconcei-to e deixar estes empreende-dores à margem da proteção a que fazem jus.

Não amparar o microempresá-rio pobre é uma cruel forma de mantê-lo longe dos benefícios do empreendedorismo. Bene-fícios que irão repercutir em sua família e comunidade. Be-nefícios que não se limitam aos econômicos, mas que alcançam desde a autoestima até reper-cussões nas demandas por saú-de, educação, lazer, etc. O influ-

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xo de atividade econômica e cir-culação de riqueza nas comuni-dades carentes reflete-se em todo o organismo social.

Não se pode entender que o po-bre que consegue transpor as barreiras socioeconômicas que lhe são naturais e se transfor-ma em empresário deva perder as proteções básicas que tem aquele que não empreende. Por ser um universo que lhe é mais estranho, não seria exage-ro que a proteção fosse maior.

Obviamente, se o faturamen-to da empresa criada por uma pessoa originalmente desfa-vorecida economicamente co-meça a aumentar, cedo ou tar-de não caberá mais o supor-te estatal, mas apenas quan-do houver mudança substan-cial de qualidade econômico--financeira deste. Até certo nível de potencial econômi-co, retirar dos empreendedo-res pobres a proteção estatal e jurídica equivale a aumentar o risco de mortalidade empre-sarial e a continuação da histó-ria econômica daquela pessoa e de sua família.

Pedindo vênia para usar ter-mos mais coloquiais: os po-bres que conseguem “vencer na vida” tornando-se empre-sários não podem continuar a ser casos esporádicos, atre-lados a alguma sorte ou a um talento extraordinário. A mo-bilidade social através do em-preendedorismo deve se tor-nar corriqueira e, mais que is-so, fenômeno a ser incentiva-do e amparado pelo Estado.

1.3. O acesso aos bens da vida e o desenvolvimento econômicoA partir da consagração da li-vre iniciativa e da valorização

do trabalho, fundamentos ju-rídicos decorrentes do valor jurídico “liberdade”, é permiti-do ao sujeito de direito escre-ver sua própria história patri-monial. Esta liberdade encon-tra-se traduzida em possibili-dade de enriquecimento e de melhoria de vida.

À guisa de ilustração em que se verifica a efetivação deste princípio, citamos matéria jor-nalística,17 onde foi feito um levantamento sobre o impac-to dos programas de transfe-rência de renda do atual Go-verno Federal e da onda de geração de empregos que ho-je incide sobre o Nordeste.18

Esta, tida como a mais pobre região do país, hoje traz um dos melhores índices de cres-cimento dentre as demais.19

Neste caso empírico, não há como não relacionarmos a efetivação dos princípios da li-vre iniciativa e da proteção ao trabalho à melhoria das condi-ções de vida daquela popula-ção. O acesso aos bens de con-sumo é um dos indicadores de que a sobrevivência já foi asse-gurada e agora se parte para a realização dos sonhos.

A grande migração de pesso-as pobres para a classe média vem sendo proclamada cons-tantemente, e igualmente os benefícios que essa enorme massa de consumidores está trazendo para o país. Um mer-cado interno consumidor dimi-nui a dependência do país em relação a problemas no plano internacional. Contudo, essa migração não deve, nem po-de, se sustentar sem um gran-de investimento na criação de instrumentos para dar maior efetividade ao fenômeno.

Proteger a livre iniciativa en-tre os mais desafortunados é tão importante quanto a pro-

teção ao trabalhador. A uma, pois ambas as atividades (tra-balho e livre iniciativa) estão sujeitas à mesma proteção; a duas, porque a livre inicia-tiva tem maior potencial de permitir mobilidade social; a três, porque o grau de risco (e a consequente necessidade de proteção e apoio) é maior na livre iniciativa e, conside-rando que estamos lidando com classe social que não foi talhada para reconhecer tais dificuldades, o risco é supe-rior aos em que incorrem os empreendedores oriundos de outras classes sociais; por úl-timo, porque a livre iniciativa nesse estrato social represen-ta mais uma fonte de postos de trabalho. É fato constan-temente reproduzido na mí-dia que as pequenas e médias empresas são as grandes em-pregadoras do país.

1.4. A proteção ao desen-volvimento humano: o di-reito à ascensão e à pros-peridade como deriva-ções individuais ou indivi-duais-familiares do artigo 3º, inciso III, da Constitui-ção da RepúblicaA era das codificações20 trou-xe como valor fundamental a proteção ao indivíduo. Nesta fase, o Direito buscava tute-lar no plano formal a atuação dos sujeitos de direito, valori-zando essencialmente a pro-priedade privada e a celebra-ção de pactos livres (TEPEDI-NO, 2004, p. 2). Nessa fase, a grande preocupação do legis-lador era garantir a segurança jurídica dos atos negociais.

A liberdade individual e a igualdade em seu sentido for-mal eram primados dos siste-mas jurídicos, mas não havia qualquer preocupação com a

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busca de igualdade e dignida-de para todos. Contudo, a par-tir da tutela contemporânea à pessoa humana e seu desen-volvimento com dignidade, deve-se adotar na efetivação destes fundamentos o princí-pio da igualdade substancial, que tem importância determi-nante para a fixação da jusfun-damentalidade dos direitos sociais, pois implementa ao cidadão uma proteção abso-luta em face da desigualdade social (TORRES, 2009, p. 171).

Ou seja, o Estado assumiu, dentro da nova ordem cons-titucional, um dever de dimi-nuir as desigualdades. O legis-lador constituinte incluiu en-tre os objetivos fundamen-tais da República a erradica-ção da pobreza e das desigual-dades sociais. Com isso, assu-me o compromisso político de efetivar no país a igualdade substancial.

Ainda na dicção do mestre Lo-bo Torres (2009, p. 173):

A igualdade de chances ou de oportunidades, que é igualdade na liberdade, informa a ideia de mínimo existencial, que visa garan-tir as condições iniciais da liberdade. Pela igualda-de de chances garantem--se as condições mínimas para o florescimento da igualdade social.

A igualdade consiste não ape-nas em assegurar a mesma condição de todos perante a lei, mas, especialmente, em permitir a todos que se capa-citem e tenham iguais condi-ções de se desenvolver, inclu-sive facultando às pessoas a li-berdade de serem diferentes.

Um dos instrumentos para a efetivação desta igualdade encontra-se na implementa-

ção dos valores constitucio-nalmente estabelecidos no capítulo que inicia o estabele-cimento da ordem econômica no país. Utilizar políticas públi-cas que sejam consistentes no sentido de propiciar o floresci-mento das empresas, não ape-nas dos grandes grupos eco-nômicos, mas especialmen-te da pequena empresa e da microempresa,21 o desenvol-vimento do pleno emprego e a aquisição de propriedade é certamente o primeiro passo rumo à plena igualdade.

Ninguém concordaria com posturas que visassem excluir os pobres do direito à vida, à liberdade, à proteção do lar, etc., mas é corriqueiro manter tais pessoas à margem de pro-cessos e medidas que permi-tam sua ascensão social e en-riquecimento. A prosperida-de possui várias acepções, al-gumas espiritualizadas, outras filosóficas, mas nunca deixará de ter uma acepção consisten-te no direito à ascensão social e ao acesso aos bens da vida que corriqueiramente as pes-soas anseiam.

Ainda que por alguns caminhos possam ser questionadas as es-colhas, não se pode negar que o desejo pelos bens de consu-mo, tais como casa, automóvel, eletrodomésticos, viagens, etc., é legítimo. Ainda que existam programas assistenciais como o Bolsa Família, para custear as despesas de sobrevivência, di-ficilmente se concordaria com benefícios governamentais pa-ra a aquisição de bens consi-derados supérfluos ou, para al-guns, “de luxo”. Esse espaço de-ve ser ocupado pelos benefícios da educação, do trabalho e pelo empreendedorismo.

O Bolsa Família tem uma uti-lidade, não se nega, mas esta

modalidade de intervenção es-tatal também tem um limite: a sequência natural de um pro-grama inteligente de alteração das condições socioeconômi-cas deve oferecer instrumentos para que as pessoas não preci-sem mais do assistencialismo. De igual modo, uma Defensoria mais moderna, ousada e inova-dora deve pretender não ape-nas atender às questões jurídi-cas dos hipossuficientes, mas também dar a orientação jurí-dica necessária para que seus assistidos deixem de ser care-cedores dessa assistência, ao menos pelo Estado.

2. O PAPEL DO ESTADO NA EFETIVAÇÃO DO CRESCIMENTO ECONÔMICO ATRAVÉS DA IM-PLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE PERMITAM O DE-SENVOLVIMENTO DO PEQUENO E DO MICROEM-PRESÁRIO

A passagem da igualdade for-mal (“todos os homens são criados por Deus igualmente” — liberdade/vontade) para a igualdade material (exercício da liberdade — igualdade/po-der) trouxe à pessoa huma-na maiores condições de bus-car sua felicidade e os bens da vida para que esta possa ser exercida com dignidade (FER-RAZ JUNIOR, 2003, p. 89).

Tercio Sampaio Ferraz Junior leciona que a noção de liber-

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dade individual e de consciên-cia trazida pela Era Moderna produziu significativas reper-cussões no Direito, vez que fez emergirem os direitos indi-viduais em relação ao Estado. E nesse diapasão, posterior-mente, com relação aos efei-tos desse fenômeno, colocou--se um complicado problema de justiça social, isto é, de par-ticipação e distribuição respei-tantes aos benefícios sociais e ao papel do Estado nesta sea-ra, questões que serão anali-sadas mais adiante.

Como assevera Daniel Sar-mento (2000, p. 70), o Esta-do tem não apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a digni-dade humana, como também o de promover esta dignidade através de condutas ativas, ga-rantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de algu-ma das suas liberdades funda-mentais, como também quan-do não tem acesso à alimen-tação, educação básica, saú-de, moradia, etc.

O Estado ainda tem, em sua relação com os menos favore-cidos, uma atuação marcada pelo viés assistencialista. Pro-

gramas sociais que não criam estímulo para o estudo, o tra-balho e o empreendedoris-mo não só sangram os cofres públicos como desenvolvem uma mentalidade equivoca-da em grande parte da popu-lação. Se, por um lado, cata-logar os necessitados e suprir suas necessidades emergen-ciais é nobre, por outro, não levar os beneficiários a um no-vo degrau é inadequado, cus-toso e não autossustentável.

O Estado tem o dever de criar mecanismos que façam os as-sistidos por programas sociais terem uma expectativa e um estímulo para se tornarem não elegíveis para tais progra-mas o mais rápido possível. A proteção do pobre não pode se limitar a amparar as agru-ras da pobreza, mas deve ter o firme propósito de retirá-lo dessa condição.

A atividade da Defensoria Pú-blica, por exemplo, é muito eficiente para proteger o po-bre em ações possessórias, in-ventários e divórcios, pedidos de alimentos, etc., mas ainda não existe uma atuação volta-da para a proteção do direito à ascensão social e à prosperi-dade. Sob certo aspecto, o que temos é o amparo para resol-ver os problemas típicos da

condição social ou inerentes a qualquer pessoa, mas ainda não existe um trabalho de in-dução ao enriquecimento. E, considerando a incapacidade de tais pessoas de atentarem para essas possibilidades e ca-minhos, é dever do Estado dar esse amparo.

A expressão constitucional de “assistência jurídica integral” não é ociosa. As classes mais abastadas não só sabem que é preciso orientação técnica para que as empresas tenham sucesso: os mais abastados a buscam e têm como remune-rá-la. A assessoria e a consul-toria jurídica empresarial não são luxos, mas contingências para que qualquer empreen-dimento tenha maior chance de êxito. Assim, como o hipos-suficiente ainda não tem tan-ta percepção da necessidade dessa orientação, e muito me-nos acesso a profissionais ca-pacitados que ofereçam tais serviços (e menos ainda o nu-merário suficiente para cus-teá-los), esta tarefa incumbe à Defensoria Pública. A po-breza do empreendedor, ou, melhor, a eleição — por uma pessoa pobre — do empreen-der como forma de ascensão e prosperidade não retira do Es-tado a obrigatoriedade de dar assistência jurídica integral.

“(...) O Estado tem o dever de criar mecanismos que façam os assistidos por programas sociais terem uma expectativa e um estímulo para se tornarem não elegíveis para tais programas o mais rápido possível. A proteção do pobre não pode se limitar a amparar as agruras da pobreza, mas deve ter o firme propósito de retirá-lo dessa condição.”

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3. A EMPRESA COMO ATIVIDADE DE CRESCIMENTO SOCIAL E A NECESSIDADE DE SUA PROTEÇÃO

A empresa é a atividade de-senvolvida pelo empresário e pode ser compreendida como uma atividade econômica or-ganizada para a produção ou a circulação de bens ou de ser-viços, sendo um conceito abs-trato e econômico, não jurídi-co. Por ser considerada uma atividade, não é sujeito de di-reito, mas objeto de Direito.22

Para Enzo Roppo (1988, p. 67), a empresa ocupa atualmente o histórico lugar da proprieda-de como centro de produção de riquezas. O processo eco-nômico contemporâneo é de-terminado e impulsionado pe-la atividade empresarial.

Por outro lado, surge no exer-cício da empresa a fundamen-tal aplicação do princípio da função social, saindo do papel de mero agente econômico e passando a ocupar a posição de propulsora da produção e do desenvolvimento econô-mico da sociedade. Deve ser considerada como coração da sociedade contemporânea (MACHADO, 2003, p. 9) e de-ve fugir ao ideal de livre regu-lamentação vigente no estado liberal, para se tornar um ve-tor de efetivação da dignidade da pessoa humana.

A sociedade empresária faz parte do cenário socioeconô-mico da contemporaneidade como um agente transforma-dor que congrega simultanea-mente os valores constitucio-nais da livre iniciativa e a fina-

lidade de assegurar a todos uma vida digna, conforme os direitos sociais que lhes são garantidos.23

Contudo, este cenário de in-gerência do Estado nestas re-lações privadas para a efetiva-ção dos direitos fundamentais encontra um claro limite mar-cado pela autonomia privada. A liberdade de manifestação de vontade se põe como um fundamento do Direito Priva-do e se move ao encontro dos corolários constitucionais de liberdade de expressão e de livre celebração dos contratos.

A perspectiva apresentada aponta para a necessidade de se realizar uma análise preci-sa da existência de limites da atuação do Estado nesta rela-ção e, ainda, se o processo civil atual poderá estabelecer uma verdade jurídica a partir das relações negociais que transi-tam na órbita da família e da empresa. É necessário se ve-rificar se há a possibilidade de se estabelecer um critério úni-co e preconcebido para a solu-ção dos conflitos surgidos.

Na perspectiva teórica do Di-reito Privado contemporâneo, a autonomia privada deve ser exercida sob o manto dos di-reitos fundamentais. Esta no-va compreensão demonstra que a pessoa humana é o ele-mento finalístico da proteção estatal, destinatário principal da tutela emanada do direito positivo, e que o Direito Priva-do deve ter um conteúdo ins-trumental, aplicando àfattis-pecie24 a cláusula geral de tu-tela da pessoa humana (CRFB, art. 1º, III). Nesta órbita, as re-lações privadas não devem ser valoradas em si mesmas, mas como um instrumento de rea-lização da pessoa humana (TE-PEDINO, 2004, p. 356).

“(...) A atividade da Defensoria Pública, por exemplo, é muito eficiente para proteger o pobre em ações possessórias, inventários e divórcios, pedidos de alimentos etc., mas ainda não existe uma atuação voltada para a proteção do direito à ascensão social e à prosperidade.”

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A proteção do Estado à em-presa é necessária, pois es-ta é a projeção dos interes-ses econômicos dos cidadãos e tem grande contribuição a dar na criação de postos de trabalho, recolhimento de tributos, geração de riqueza etc. Não existe nenhuma ra-zão para que os pobres sejam excluídos da proteção à em-presa. E, no caso destes, a tu-tela se inicia no acesso ao de-sejo e compreensão do que é uma empresa e da orientação necessária para a sua criação e desenvolvimento.

Uma parcela das tarefas é atendida por organismos co-mo Sesc, Senai, Sebrae e con-gêneres, mas não se pode ex-cluir a assistência jurídica des-te cenário. Existe um hiato en-tre os pertencentes às classes D e E e os serviços típicos de-mandados por pequenos e microempresários.

Em paralelo, não é inútil men-cionar que nos colégios parti-culares existem aulas de em-preendedorismo e educação financeira. Os ricos sabem a importância disso e seus fi-lhos têm acesso a tal tipo de orientação não só no seio dos seus lares mas também nos bancos escolares. Não existir um esforço semelhante vol-tado às classes menos favo-recidas na pirâmide social se-rá agravar o fosso entre ricos e pobres, pois aqueles esta-rão cada vez mais aptos a re-produzir e multiplicar sua ri-queza, ao passo que estes ca-da vez mais tenderão a ser vi-timados pelos cruéis mecanis-mos do mercado.

Nosso país é um dos piores em desigualdade e distribuição de renda. Não proporcionar edu-cação e assistência que permi-ta mudar esse quadro é con-

trário a todo o arcabouço jurí-dico constitucional.

4. A EDUCAÇÃO FINANCEIRA COMO INSTRU-MENTO DE PRO-TEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO DO POBRE PELO RICO E COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMA-NA E DE ASCEN-SÃO SOCIAL

Embora venhamos discorren-do sobre as empresas, sobre o microcrédito para empre-endedores, sobre a assistên-cia jurídica integral alcançan-do as micro e pequenas em-presas até determinado fatu-ramento, a questão da explo-ração do pobre é de uma com-plexidade ainda maior. Como foi dito, ela pode ser repre-sentada emblematicamen-te pelas aulas de educação fi-nanceira e empreendedoris-mo nos colégios particulares que atendem às classes mais abastadas, conhecimento que não é disseminado nos colé-gios públicos e em boa par-te das escolas particulares, qual seja, aquela que aten-de aos filhos de pais que, mesmo elegendo uma esco-la particular, não podem pa-gar as mais qualificadas.25

Em suma, sem educação fi-nanceira haverá sempre a ex-ploração do pobre pelo ri-co. Essa exploração represen-ta transferência de riqueza no

sentido errado e diminuição considerável da possibilidade de ascensão social.

Vedar, pela falta de educação e de medidas estatais que a compensem, o acesso à me-lhor qualidade de vida e dis-ponibilidade financeira, afe-ta a dignidade da pessoa hu-mana. Se alguém pode pro-gredir financeiramente atra-vés de seu trabalho (seja co-mo empregado ou como mi-croempresário), deixar que fe-nômenos sociais derivados da falta de educação impeçam is-so é degradante. Ou, em pala-vras mais simples, é fazer o po-bre descer degraus ou perma-necer em patamar inferior aos que poderia alcançar.

Entre os vários exemplos, po-demos citar a questão tribu-tária. Ninguém desconhece que os impostos sobre consu-mo oneram muito mais os po-bres. Um assalariado e um em-presário pagam o mesmo im-posto ao beber um refrigeran-te. A única diferença é que tal-vez o refrigerante do empresá-rio seja pago pela empresa e, se assim for, será tributada pe-lo lucro real. A tributação das pessoas físicas alcança 27,5%, ao passo que as empresas pos-suem percentuais que podem ser muito menores. A simples constituição de uma pessoa ju-rídica pode reduzir a tributação de uma pessoa para 14 a 17%, ou 11%, ou até 3%. Assim, não faz sentido que uma pessoa pobre não tenha orientação no sentido de, se for possível, passar a modificar a situação jurídica em que exerce seu ofí-cio. A classe média já tem aces-so a isso. Os benefícios de um mínimo de planejamento tri-butário podem ser a diferença entre uma empresa ter ou não sucesso, ou de uma pessoa as-cender ou descer de classe so-

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cial. Os grandes empresários têm acesso às melhores ban-cas de advocacia tributária do país, mas raramente os servi-ços tributários alcançam os pe-quenos negócios.

Nos exemplos acima, não se alegue que boa parte dos po-bres vive na informalidade. Ora, esta apenas aumenta os riscos para tais pessoas, a co-meçar pelo ataque de servido-res públicos desonestos. O pri-meiro passo para diminuir a corrupção e aumentar o acesso aos benefícios da lei, inclusive em relação à previdência, pas-sa por diminuir essa situação. E até para isto é preciso orienta-ção jurídica de boa qualidade.

O Estado tem produzido em-pobrecimento a todos através da alta carga tributária, mas tal dano é maior para os mais pobres. Outra fonte de cruel-dade é deixar à margem da população mais pobre o aces-so às melhores taxas de juros, por falta de maior ação dos bancos sociais.

Registre-se que, apesar das críticas que o Governo Lula fez por merecer em várias áreas, e que não serão citadas por não serem o escopo desse traba-lho, programas como o Bolsa Família têm o condão de fazer um até então inexistente ban-co de dados sobre quem são os mais miseráveis do país. O BNDES tem conseguido ex-pandir a oferta de crédito para empresários de menor porte, embora ainda mantenha a tra-dição de ser mais útil ao gran-de empresariado (quando não a empresas estrangeiras). O Programa Minha Casa, Minha Vida é outro exemplo de aces-so dos mais pobres a bens da vida que até então lhes eram vedados. Enfim, existem pro-gressos. O lado negativo é, em

alguns casos, a falta de instru-mentos que levem o benefici-ário a investir em educação e trabalho ao invés de aguardar a assistência estatal.

Em vários aspectos, contudo, permanece a exploração es-tatal do pobre. A complexida-de burocrática, a tributação, o custo-Brasil etc., não devem ser desprezados. Ao lado de-les, e motivo de reiterados es-tudos e críticas, estão os da-nos que a falta de melhor edu-cação básica no país traz pa-ra o desenvolvimento, sendo um dos fatores onde o Brasil tem o pior desempenho en-tre os BRICs. Aliás, em termos de educação, logramos estar atrás de grande quantidade de países subdesenvolvidos.

Mas a exploração do pobre não é privilégio do Estado. As empresas privadas, em espe-cial os grandes grupos econô-micos, dão sua contribuição. Os bancos, por exemplo, dão acesso irracional ao crédito. Cheques especiais, financia-mentos, cartões de crédito, crédito pré-aprovado etc. são instrumentos que induzem as pessoas com menor conheci-mento a se endividarem ex-cessivamente. Esse crédito fa-cilitado não é mais privilégio dos bancos: as grandes redes também o providenciam. Co-mo o brasileiro é estimulado ao consumo, como não existe cultura de poupança e como não existem instrumentos de controle mais efetivo, o brasi-leiro médio está afundado em dívidas. Pior, costuma se refi-nanciar através do mesmo sis-tema de pagamento de juros altos. O negócio é tão atra-ente (para as empresas que o gerenciam) que é comum um banco comprar a dívida que o cliente tem com outro.

Ainda fruto da falta de educa-ção financeira, um brasileiro médio se dispõe a, para com-prar logo uma nova televisão ou geladeira, entregar para o vendedor o valor suficien-te para a compra de três des-tes bens. É clássico o costume do brasileiro de se fixar ape-nas no tamanho da parcela, e não na taxa de juros. A inter-posição de medidas judiciais e a orientação para não se sub-meterem a estes financiamen-tos contribuiriam em mui-to para que os pobres não ti-vessem que entregar aos ricos dois ou três bens para cada um que pretendessem adquirir.26

Inexiste um esforço coordena-do e constante dos órgãos es-tatais para orientar os consu-midores e para dificultar, ou melhor, punir estes estratage-mas para auferir ganho exage-rado. E, por exagerado que é, injusto, e mais ainda porque tomado da camada mais po-bre da população.

A Defensoria Pública pode vir a ser mais do que é hoje, aten-dendo não apenas ao coman-do constitucional mas também se transformando em uma Ins-tituição que, além de dar assis-tência aos hipossuficientes, co-laborará com a mudança de sua situação social. Como afirma Muhammad Yunus, “a pobre-za não é criada pelos pobres. É causada pelas instituições que criamos ou não criamos”.27

5. CONCLUSÃOEm decorrência do exposto, entendemos que inexiste as-sistência adequada aos po-bres em dois aspectos:

Primeiramente no tocante à assistência aos pequenos e microempresários, para que tenham acesso a tudo o que

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possa contribuir para o suces-so do seu empreendimento.

Em segundo lugar, em relação à assistência às pessoas e fa-mílias, para que não sejam ví-timas de contratos, juros ou condições abusivas.

Embora tal assistência não de-va ser exclusiva da Defensoria Pública, não se pode negar que boa parte das atividades e medidas pode ser executada pelos Defensores. O ideal seria que houvesse um trabalho de orientação para todos os De-fensores Públicos, repercutin-do em todas as Varas Cíveis, e que houvesse um Núcleo vol-tado para tais assuntos.

Como ressalta Luhmann,28 o Direito, antes de se impor como força normativa e co-ercitiva de comportamentos, deve trazer “caminhos con-gruentemente generalizados para as expectativas”.29 Ou se-ja, a luta deverá ser por uma lei que possa satisfazer os in-teresses através de preceitos genéricos, que tenham o con-dão de ir ao encontro do inte-resse social, sem prejuízo dos interesses individuais.

A atuação da Defensoria Públi-ca, se quer atender ao precei-to constitucional da assistên-cia jurídica integral, bem como ao que vibra no coração da es-magadora maioria dos Defen-sores Públicos, não pode se li-mitar a resolver as questões de imposição coativa da solu-ção jurídica para os casos típi-cos do dia a dia do Judiciário, seja em demandas individuais ou até coletivas.

O espírito da norma, e sua li-teralidade, e o espírito da De-fensoria têm que ir além, pro-porcionando “alívio para as expectativas”, entre as quais as de não ser explorado pe-

los grandes grupos econômi-cos, não ser tributado de for-ma iníqua e, em especial, não ter subtraída a possibilidade de ascensão social através do trabalho e da livre iniciativa.

Não se imagine que este arti-culista, ou melhor, proponen-te, crê que o dinheiro30 resolva todos os problemas, mas cer-tamente cabe repetir a citação do evangelista Billy Graham: “se uma pessoa tiver uma ati-tude reta em relação ao di-nheiro, isso ajudará a endirei-tar quase todas as outras áre-as de sua vida”. Não só endi-reitará muito, mas também deixará menor a demanda de defensores e expandirá o mer-cado de trabalho dos advoga-dos. Se por um lado o dinheiro não resolve todos os proble-mas,31 não se pode negar que ele resolva uma boa quantida-de deles e, mais, que a disci-plina na administração finan-ceira é precursora de ascen-são social e outros benefícios.

A prestação desta assistên-cia jurídica se encontra ple-namente adequada à função constitucionalmente estabe-lecida para a Defensoria Pú-blica: proteger os pobres e to-dos aqueles que não podem, por si, obter adequada orien-tação e representação de seus interesses em juízo.

É, portanto, fundamental pa-ra a efetivação de prestação jurisdicional mais ampla, jus-ta e irrestrita a implantação da Defensoria Pública Em-presarial e do Núcleo Preven-tivo de Proteção ao Patrimô-nio Familiar, como instrumen-tos de viabilização dos ideais constitucionais à proteção ao trabalho, à livre iniciativa e, soberanamente, ao alcance de uma vida plena e digna a todos os brasileiros.

Estes Núcleos irão comple-mentar a atuação da Insti-tuição, caminhando em con-junto com os órgãos tradicio-nais. O ideal é que novas va-gas sejam criadas, para não onerar os Defensores já exis-tentes. Vencer preconceitos e mudar paradigmas é indis-pensável para atender a inte-gralidade do texto constitu-cional e a necessidade aqui apontada, que afeta direta-mente a vida dos assistidos pela Defensoria Pública.

A Defensoria não pode ser me-ramente assistencial da po-breza, protegendo juridica-mente quem sofre seus efei-tos. É preciso dar assistência jurídica integral, o que inclui orientação jurídica para sair da pobreza.

Nesse sentido, vale citar:

A pura e simples transfe-rência de renda por meios assistenciais não permitirá a superação do quadro de pobreza. No máximo per-mite a alimentação com-prada no mercado, sem o oferecimento de uma por-ta de saída da pobreza.

O caminho para enfrentar o problema da pobreza, que fará com que a presi-dente Dilma marque defi-nitivamente sua passagem na história, como chefe de governo e Estado transfor-madora do país, está em uma revolução conceitual com a adoção do que vem sendo chamado de ‘keyne-sianismo produtivo e so-cial’, com o emprego de pessoas pobres, para lhes garantir uma renda, mas sobretudo para possibili-tar a produção e oferta dos bens e serviços que permi-tem a saída da pobreza.

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Com um conjunto de ‘in-centivos sociais diretos’ para empregar pobres pa-ra que produzam o que necessitam, como sanea-mento, frequência de seus filhos à escola; e, ‘indire-tos’, salários decentes para os professores, implanta-ção de um sistema de saú-de pública eficiente. Assim será possível executar com eficiência outra Abolição, a da pobreza.32

Ousamos repetir a citação de Jo-hn Wesley, fundador do Meto-dismo: “Ganhe o máximo pos-sível. Economize o máximo pos-sível. Invista o máximo possível. Reparta o máximo possível.”

A Defensoria Pública tem o de-ver constitucional de dar assis-tência e orientação jurídica, sem prejuízo da intervenção de outros profissionais, a fim de que a sua grande massa de assistidos tenha condição real de ganhar, economizar, inves-tir e repartir. Os ganhos serão coletivos. E mais uma vez, en-tão, a Defensoria seguirá sua natureza e missão: proteger. E proteger não é atividade uni-camente passiva.

Em termos sociais e econômi-cos, pela observação do mer-cado, o Governo certas vezes, os grandes grupos econômi-cos outras, e a falta de orien-tação sempre estão matan-do (sonhos e expectativas),

roubando (através de tribu-tos e juros exagerados) e des-truindo (o patrimônio, o mí-nimo existencial e as possibi-lidades de ascensão social). As “mãos invisíveis do merca-do” não são muito gentis com os hipossuficientes. Ao provi-denciar Núcleos e orientações gerais para enfrentar esses fe-nômenos, a Defensoria Públi-ca poderá contribuir para que a vida dos seus assistidos seja dotada de maiores perspecti-vas e de maior abundância.33

A ideia de uma Defensoria Pú-blica mais ativa e proativa, não apenas atendendo aos po-bres, mas também fomentan-do sua ascensão social, pare-ce-me indeclinável.

William Douglas Resinente dos SantosMestre em Direito (UGF) – Juiz Federal e ex-Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro –Especialista em

Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ)

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NOTAS:

1. Neste sentido, ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 30.2. Para Adam Smith, pode-se identifi-car no comportamento humano uma “propensão a intercambiar, permu-tar ou trocar uma coisa pela outra. O homem, entretanto, tem necessidade quase constante da ajuda dos seme-

lhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a autoestima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa. É isto o que faz toda pes-soa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você te-rá isto aqui, que você quer — esse é o significado de qualquer oferta des-se tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos”. SMI-TH, Adam. A Riqueza das Nações, vol. I. Trad. de Luiz João Baraúna.São Pau-lo: Nova Cultural, 1996, p. 73.3. Considerando como tais as pesso-as naturais e as pessoas jurídicas de Direito Privado (neste sentido, STEIN-METZ, 2004, p. 74).4. Aqui, nos referimos ao Código Ci-vil de 1916 e ao Código Comercial de 1950.5. Neste sentido, cabe a referência a FERRAZ, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 88-89.6. Hoje os princípios são considera-dos fonte primária da normatividade, pois incorporam os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direi-tos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional (BONA-VIDES, 2002, p. 254). No entendimen-to de Alexy, são normas que ordenam que algo seja realizado na maior me-dida possível, dentro das possibilida-des jurídicas e reais existentes. Por is-so, os princípios são mandamentos de otimização e que podem ser cumpri-dos em diferentes graus na medida em que seu cumprimento seja pauta-do pelas necessidades reais e também jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado por princípios e regras opostos (ALEXY, 1993, p. 86).7. Este princípio pode ser considerado como a qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano que o faz mere-cedor do mesmo respeito e conside-ração por parte do Estado e da comu-nidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres funda-mentais que assegurem a pessoa con-tra todo e qualquer ato de cunho de-gradante e desumano (SARLET, 2006, p. 78).8. Defende esta posição Ingo Sarlet (2007, p. 336).9. Em interessante exemplo de In-go Sarlet (2007, p. 334), não permi-tir que o sujeito passe fome é assegu-rar-lhe um direito fundamental à vi-da, mas por si só não atende ao míni-mo existencial, pois passa ao largo de uma vida com dignidade.10. A exemplo dos direitos à educa-ção, à saúde, à moradia, à previdência

social, à assistência social e ao salário mínimo, assegurados nos arts. 6º e 7º da Constituição da República.11. Para a citada autora, a dignidade da pessoa humana é princípio dotado de eficácia interpretativa e deve sem-pre ser buscada pelas políticas adota-das pelo Poder Público (2002, p. 284).12. Limitar a atuação da Defensoria, ou do Estado, por razões ideológicas, políticas, filosóficas ou pessoais, sem atentar para a situação fática das pes-soas que estão em situação penosa, ou discutir teorias em relação a ter-ceiros com necessidades imediatas, pode demonstrar falta de sensibilida-de. No Livro de Tiago, 2, 15-16, há ad-vertência quanto a tal comportamen-to: “E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento co-tidiano/ E algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?”13. Em uma inspirada síntese, Fernan-da Gurgel (In NERY, 2006, p. 23) iden-tifica a livre iniciativa como expres-são da liberdade individual no campo econômico, que é “evidenciada no po-der jurídico normativo dos particula-res de reger seus próprios interesses”, de livremente exercerem sua ativida-de econômica.14. CRFB, “Art. 170 – A ordem econô-mica, fundada na valorização do tra-balho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos exis-tência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...)”.15. A valorização do trabalho humano está no centro das relações humanas contemporâneas, pois o esforço que cada um faz para subsistir, asseguran-do o necessário a si e àqueles que de-le dependem, permitem ao homem “transcender a sua condição, prati-cando coisas semelhantes às divinas. Pelo trabalho criativo, o homem se su-pera e aproxima-se de Deus. Mas, ob-viamente, o trabalho que redime não é o escravo, mas o livre. Não é o tra-balho imposto de fora, mas o traba-lho livremente escolhido. Para que o homem projete sua personalidade no trabalho ele há de ser livre, é di-zer: é necessário que o Estado asse-gure a opção individual de cada um” (BASTOS; MARTINS, 1998, p. 425, gri-fo nosso).16. Neste sentido, a CRFB, em seu art. 193, dispõe que: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justi-ça sociais.”17. “Aqui o Brasil cresce mais rápido”, publicada na edição 955 da Revista Exame (4-11-2009).18. “Para entender as estatísticas atuais é preciso voltar um pouco no tempo. Nenhuma região do país foi

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tão beneficiada pelos programas de transferência de renda do atual go-verno quanto o Nordeste. Hoje, cer-ca de metade dos 12 milhões de fa-mílias atendidas pelo Bolsa Família em todo o país vive na região. O pro-grama é responsável por 2,6% da ren-da familiar nordestina — média três vezes superior à brasileira, mas ain-da assim um volume de dinheiro pe-queno diante do todo. Há também ou-tras iniciativas (...). Mas é fundamen-tal deixar claro que a economia nor-destina, embora tenha sido empurra-da por incentivos de distribuição de renda, hoje se move graças às forças do capitalismo tradicional. A região começou a receber grandes investi-mentos nos últimos anos, sobretudo no que se refere ao setor de infraes-trutura. (...) Essa combinação fez com que o Nordeste acelerasse sua mar-cha econômica — o aumento da ren-da gera mais consumo, que gera mais produção, que gera mais investimen-to. Um levantamento do economis-ta Marcelo Neri, da Fundação Getu-lio Vargas, revela que a renda do tra-balho nesse pedaço do país vem cres-cendo 7,27% ao ano desde 2003, ante 5,13% da média brasileira. De setem-bro de 2008 a setembro deste ano, o Nordeste apresentou o maior cresci-mento em vagas formais de trabalho do país. ‘São números emblemáticos, para derrubar as teses de que a re-gião só cresce graças aos programas de transferência de renda’, diz Neri. O efeito direto dessa mudança de cená-rio é uma mobilidade social sem pre-cedentes. Em 2003, metade das famí-lias nordestinas vivia com menos de 768 reais por mês e fazia parte da cha-mada classe E, um extrato da popula-ção alijada do mercado de consumo. Nos últimos cinco anos, essa faixa caiu para 31% da população. Isso signifi-ca que cerca de 10 milhões de nordes-tinos ingressaram nas classes C e D. Trata-se de um imenso contingente de pessoas que compraram seu primei-ro fogão ou seu primeiro aparelho de TV” (grifou-se).19. Utilizados dados de pesquisa reali-zada pelo Ministério do Trabalho e pe-

lo Banco do Nordeste e sistematizada pela Revista Exame. Disponível em: .20. Assim denominada a era das gran-des codificações civis surgidas ao lon-go do Século XIX.21. Conforme estabelecido na CRFB, em seu art. 170, inciso IX, que prevê “tratamento favorecido para as em-presas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.22. Conceito extraído da proposta fei-ta por Viviane Perez no artigo Função social da empresa: uma proposta de sistematização do conceito. In ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; GAMA, Guilherme Calmon Noguei-ra da (Coords.). Temas de Direito Ci-vil-Empresarial. Rio de Janeiro: Reno-var, 2008, p. 197.23. Em decorrência destes valores so-ciais, extrai-se da norma constitucio-nal uma proteção ao mínimo existen-cial, que está diretamente ligada aos direitos econômicos e, conforme Ri-cardo Lobo Torres, são valores anco-rados na ética e que se fundamentam na liberdade, ou melhor, nas condi-ções iniciais para o exercício da liber-dade, na ideia de felicidade, nos direi-tos humanos e nos princípios da igual-dade e da dignidade humana (2009, p. 39-41).24. Situações em concreto que devem ser solucionadas à luz da ordem jurídi-ca vigente (PERLINGIERI, 2007, p.18).25. Anotem-se algumas situações que importam em transferência injusta de renda. Para dar um exemplo, em via-gem para o Nordeste, em região de praias paradisíacas, vim a descobrir que os artesãos, por não terem con-ta em banco, pagavam uma taxa de desconto de cheques aos “afortuna-dos” que tinham conta bancária. Nou-tro exemplo, fazendeiros pegavam di-nheiro com peões para investir em ga-do e devolviam valores inferiores aos que tais peões obteriam em rendi-mentos como poupança ou renda fixa.26. Naturalmente, o ideal é que ha-ja intervenção de outros profissio-nais, não se reproduzindo aqui a qui-

mera de que os juristas e o Direito são a panaceia de todos os males. Entre as medidas que poderiam influenciar o mercado estão desde a redução dos depósitos compulsórios (que influen-ciam as taxas de juros) até a expan-são do microcrédito. Algumas medi-das dependem unicamente do gover-no, mas várias outras podem ser for-çadas ou implementadas por sindi-catos, cooperativas, entidades priva-das etc.27. Muhammad Yunus foi Prêmio No-bel da Paz em 2006 (VIEGAS-LEE, Ca-mila. O guru do social business. Revis-ta Mundo Corporativo, nº 25, jul./set. 2009).28. “O Direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas” (LUH-MANN, 1983, p. 115).29. Neste sentido o Direito é uma das bases imprescindíveis da evolução so-cial (LUHMANN, 1983, p. 115).30. Ao se falar em “dinheiro”, referi-mo-nos a um termo reduzido mas que pode ser lido como riqueza, sucesso financeiro, gestão financeira, prospe-ridade etc., não sem recordar que há diversas formas de “riqueza”, sendo o dinheiro apenas uma delas.31. Considerando Muhammad Yunus: “Não deveríamos depender de apenas um tipo de empresa — aquela criada para a maximização de lucro, que tra-ta o homem como uma máquina de fazer dinheiro. O ser humano é multi-dimensional e fazer dinheiro é apenas uma de suas dimensões. Uma segun-da dimensão, por exemplo, é social” (VIEGAS-LEE, Camila. O guru do social business. Revista Mundo Corporativo, nº 25, jul./set. 2009).32. BUARQUE, Cristovam. Outra aboli-ção. Jornal O Globo, 15-1-2011.33. Ainda que não se queira dar um cunho religioso a um assunto laico, pode ser elucidativo fazer uma com-paração adequada. Jesus disse que o diabo vem para matar, roubar e des-truir e que ele veio para que as pesso-as tenham vida, e vida em abundân-cia. Evangelho de João, 10:10.

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No dia 4 de junho de 2014, mais um importante passo foi dado para o fortalecimento da Defensoria Pública como Ins-tituição. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram a Emen-da Constitucional nº 80/2014.

A proposta, extremamente audaciosa, surgiu como uma saída para arrefecer o ânimo da população, ainda estarre-cida com o veto da Presiden-te Dilma Rousseff ao Proje-to de Lei Complementar nº 114, que pretendia alterar a Lei de Responsabilidade Fis-cal, de modo a regulamentar a autonomia das Defensorias Públicas de todos os Estados da Federação.

Pelo projeto, as Defensorias passariam a ter os gastos com pessoal limitados a 2% do seu orçamento, que em alguns Es-tados se implementaria de forma gradativa, a depender da realidade local, permitin-do a sua efetiva estruturação, porquanto caberia ao próprio órgão melhor gerir e planejar os seus recursos. A disponibi-lidade financeira, com toda certeza, asseguraria às De-fensorias Públicas um maior poder de investimento, per-

mitindo a ampliação dos seus serviços e a melhor qualifica-ção de seus profissionais.

O incremento da efetiva au-tonomia da Defensoria Pú-blica findava por coroar a vi-toriosa opção do legislador constitucional de criar um ór-gão específico para cumprir a árdua missão de levar cida-dania e assistência jurídica in-tegral e gratuita aos despro-vidos de recursos. Entretan-to, de nada adiantava a Cons-tituição Federal prever tal di-reito no art. 5º, inciso LXXIV – “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiên-cia de recursos” – quando o órgão encarregado para tanto não possuía condições estru-turais para desempenhar tão difícil mister.

Estatísticas comprovam a falta de Defensor Público em 72% (setenta e dois por cento) das Comarcas, situação que se agrava quando são considera-das apenas as localizadas no interior dos Estados. Os pou-cos Defensores Públicos e a in-suficiente estrutura, quando existentes, estão concentra-dos nas capitais e nos maiores centros urbanos.

A constatação dessa realidade e o pouco caso com que alguns governantes tratam a Defen-soria Pública impuseram aos parlamentares a elaboração de um novo projeto de lei que fizesse frente ao status quo. Os deputados federais Ales-sandro Molon (PT/RJ), Mauro Benevides (PMDB/CE) e André Moura (PSC/SE),1 propuseram a PEC 247/2013, em março de 2013. Na Câmara dos Depu-tados, o projeto foi aprovado em primeiro turno no dia 19 de fevereiro de 2014 (392 vo-tos a favor e duas abstenções) e, em segundo turno, no dia 12 de março (424 votos a fa-vor e apenas um contra).

Encaminhado ao Senado Fe-deral, com nomenclatura e numeração novas,2 a proposi-ção foi aprovada, por unanimi-dade, em dois turnos, no dia 20 de maio, com 61 e 59 vo-tos, respectivamente.

A primeira inovação trazida pe-lo advento da Emenda Consti-tucional nº 80/2014 foi o reco-nhecimento expresso do cará-ter da Defensoria Pública como instituição permanente. A exis-tência do órgão não mais de-pende dos humores dos gover-nantes, já que com a modifica-

A nova face e os novos desafios da Defensoria Pública: fortalecimento e interiorização.Os impactos da Emenda Constitucional 80/2014

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ção a instalação da Defensoria Pública passa a ser uma obriga-ção do Estado, verdadeira im-posição constitucional.

O legislador constitucional atribuiu à Defensoria Pública, de forma inovadora, a tarefa de, como expressão e instru-mento do regime democráti-co, além de atuar na orienta-ção jurídica, promover os di-reitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extra-judicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.

Dita redação é suficiente para, na esteira do que foi alcança-do com o advento da Lei Com-plementar nº 132/2004, selar uma ressignificação nas fun-ções institucionais do órgão. A Defensoria Pública deixa de atuar na defesa apenas dos desprovidos economicamente e investe-se na missão de ser a “defensora” dos “interesses in-dividuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessi-dades especiais, da mulher ví-tima de violência doméstica e familiar e de outros grupos so-ciais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”.

Nota-se, portanto, que a atu-ação da Defensoria Pública no atendimento individual ou co-letivo de grupos sociais vulne-ráveis não se encontra, e nem pode se encontrar, atrelada exclusivamente ao parâmetro econômico. Justificada, assim, a inclusão, no espectro de atri-buições funcionais do órgão, a promoção dos Direitos Huma-nos e a defesa de outros tan-tos grupos marginalizados.

No sentido de fortalecimento, a Emenda sacramenta os prin-cípios institucionais da Defen-soria Pública, alçando-os ao status constitucional. A uni-

dade e a indivisibilidade fo-mentam a relação umbilical que existe entre as Defenso-rias dos Estados e a da União, equalizando e minorando as diferenças locais, perniciosas ao enquadramento da Defen-soria Pública como um órgão nacional e com identidade de propósitos. Estende, ainda, à Defensoria Pública a incidên-cia, no que for compatível, do disposto no art. 93, e no inciso II, do art. 96, ambos da Consti-tuição Federal.

Finaliza incluindo mais um arti-go (art. 98), no Ato das Dispo-sições Constitucionais Transi-tórias, asseverando que “o nú-mero de Defensores Públicos na unidade jurisdicional será pro-porcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pú-blica e à respectiva população”.

Fixa, também, o prazo de 8 (oito) anos para que a União, os Estados e o Distrito Fede-ral possibilitem a existência de Defensores Públicos em todas as unidades jurisdicio-nais, sempre com atenção à demanda e à população a ser atendida. Por essa razão o projeto ficou conhecido como “PEC das Comarcas”.

Importante gizar, todavia, que a imposição constitucional não se volta aos Defensores Públicos Gerais, responsáveis pela gestão do órgão. Exigir dos administradores a aloca-ção de, no mínimo, um Defen-sor Público por Comarca, con-siderando os parcos recursos financeiros e de pessoal, seria reclamar o impossível e o inal-cançável. A exigência incluída na Constituição Federal diri-ge-se aos Governadores e ao Presidente da República, pois são os únicos que detém o po-der de tornar possível o desejo do constituinte derivado.

“(…) O legislador constitucional atribuiu à Defensoria Pública, de forma inovadora, a tarefa de, como expressão e instrumento do regime democrático, além de atuar na orientação jurídica, promover os direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.”

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Um dos maiores desafios da Defensoria Pública, lança-do com o advento da referi-da Emenda, e a do Amazonas enfrenta uma dificuldade ain-da maior em razão da sua di-mensão continental e da re-alidade dos Municípios inte-rioranos, consiste em interio-rizar os seus serviços, de mo-do a levar à população das re-giões mais longínquas desse Brasil um pouco de cidadania.

Povoar de Defensores Pú-blicos um Estado que pos-sui a dimensão territorial de 1.559.159,148 km², com 61 Municípios, excluindo a capi-tal, muito dos quais em condi-ção de extrema penúria, não pode ser considerada uma ta-refa fácil. Mesmo assim, a De-fensoria Pública do Amazonas hoje conta com Defensores Públicos em 49 Municípios, sendo que em cidades co-mo Parintins, Itacoatiara, Te-fé, Tabatinga, Humaitá, Coari, Maués, Manacapuru e Mani-coré, atuam mais de um De-fensor Público.

Inegável que o Estado do Ama-zonas evoluiu bastante em te-ma de Defensoria Pública. O atual Governo (a) possibilitou a realização de concurso pú-blico, (b) implementou a au-tonomia financeira através do repasse via duodécimo, (c) concedeu ao Defensor Público Geral a iniciativa de lei para a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus ser-viços auxiliares e dos próprios Defensores Públicos.3

Porém, para efetivamen-te cumprir o mandamento constitucional introduzido no ADCT, muito ainda há por fa-zer. Apenas com o aumento do repasse orçamentário e finan-ceiro, a Defensoria poderá se-lecionar e capacitar os servi-dores responsáveis pela ativi-dade-meio, nomear os Defen-sores Públicos aprovados em concurso público,4 viabilizar a construção de sedes próprias nos Municípios do interior do Estado e, o que comprovada-mente fortalece a carreira, de-senvolver uma política remu-

neratória condizente com o trabalho e as responsabilida-des do Defensor Público.

O que a Emenda Constitucio-nal nº 80, de 4 de junho de 2014, textualmente já sacra-mentou é que o necessário fortalecimento da Defenso-ria Pública deixa, a partir do seu advento, de ser simples questão de “vontade políti-ca” para transmudar-se num dever constitucional, direta-mente dirigido aos Governa-dores dos Estados e ao Presi-dente da República.

Fazer-se respeitar a Constitui-ção Federal é um dever de ofí-cio de todo Defensor Público, firmado no momento da sua investidura no cargo. Esse de-ver ganha inalcançável enver-gadura quando a fiel obser-vância da Carta Magna benefi-ciar diretamente aqueles que, nos rincões desse vasto Brasil, sem a Defensoria Pública, re-manescem privados dos mais elementares direitos.

NOTAS

1. O Projeto de Lei Complementar nº 114 foi iniciado no Senado Fede-ral, proposição feita pelo Senador Jo-sé Pimentel (PT/CE).

2. Projeto de Emenda Constitucional nº 4/2014.3. Acréscimo também proporciona-do pela Emenda Constitucional nº 80/2014, quando manda aplicar à De-fensoria Pública o inciso II, do art. 96,

da Constituição Federal, no que couber.4. Vale lembrar que a Defensoria Pú-blica do Amazonas conta, atualmen-te, com 51 cargos vagos de Defensor Público, 11 no interior do Estado e 40 na capital.

Rafael Vinheiro Monteiro BarbosaSubdefensor Público Geral do Estado do Amazonas –

Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual

(IBDP) – Pesquisador e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam)

– Membro do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério da Justiça para a elaboração do curso de

mediação e negociação para Defensores Públicos

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A tutela coletiva sempre foi objeto de polêmica: muita po-lêmica. Tal se dá tanto em sua própria existência como na ex-tensão de seus limites (territo-riais e subjetivos). Observe-se, neste tocante, que até o pre-sente momento, existem ár-duas discussões, por exemplo, com o alcance das demandas coletivas passivas. Como se impor a alguém que não fez parte da lide obrigação da qual não teve oportunidade de se defender? Um verdadeiro di-lema kafkaniano.

Mas a polêmica mesmo vem a residir quanto à legitimida-de: toda vez que um novo ator surge nesta seara, começam as discussões. Pode? Não po-de? Onde está escrito? A mens legis assim o exige? O erige? Nossa! É muita discussão.

Oras, para quê tanta confusão?

Diplomas que integram o cha-mado “Estatuto dos Direitos Coletivos”, a Lei nº 7.347/85 e o Código de Defesa do Consu-midor já deram a Pedra de To-que: se associações, que são uma das mais simples estrutu-ras jurídicas, o podem, porque estabelecer restrições a quem quer que o seja?

E não se fala somente de Ações Civis Públicas, em sen-

tido estrito, mas sim de qual-quer ação que possa ter refle-xo de natureza coletiva. Nes-ta vereda, se encontram, v.g., as ações de controle objetivo de constitucionalidade, on-de toda uma discussão exis-te quanto aos legitimados ativos: “Não! Somente aque-les lá previstos na Constitui-ção!”. Que razão explica is-so? Literalismo exarcerba-do? Se assim o fosse, inexis-tiria espaço para a compre-ensão de estruturas consti-tucionais que não estão pre-sas à literalidade do texto da Carta, como, por exemplo, o constitucional princípio da proporcionalidade.

Mas não, não pode! É proibi-do! E teorias e teorias em ci-ma! É quase engraçado.

Porque tanta restrição no pro-cesso coletivo? É um verda-deiro paradoxo: um dos fun-damentos de sua existência é justamente a economia pro-cessual, mas não param de aparecer, ora leis, ora deci-sões judiciais, a tentar deco-tar a amplitude de seus efei-tos, como a obtusa decisão do REsp. 1.192.577-RS do Su-perior Tribunal de Justiça, que entende, pasme, que devem ser identificados os destina-tários da ação coletiva a car-

go da Defensoria, nada po-deria ser mais chocante: uma decisão que nega a própria ex-pressão do existir do proces-so coletivo.

Mas ela não está só. Outras tantas vêm a estabelecer res-trições ao alcance das medi-das de natureza coletiva, im-pondo restrições que inexis-tem na lei, tal como é o ca-so de julgados como o REsp. 1.387.960/SP, que afirma con-dições ao Ministério Público à tutela de direitos individu-ais homogêneos. Onde está escrito isso? Afinal de contas, o brocardo não é justamen-te aquele que diz justamente onde o legislador não fez res-trições, não cabe ao intérpre-te fazê-lo?

Tais discursos existem como se a Constituição, ou qualquer diploma legal inferior, fosse o primor do tecnicismo, a po-derem ser usados com segu-ro arrimo ao vaticinar direi-tos. Não o são. Então, não é com base em leituras literais que se vão extirpando a am-plitude de instrumentos es-senciais ao desenvolver da ci-dadania. Crer em sentido con-trário é fazer loas à interpreta-ção literal, justamente a mais rechaçada em nosso ordena-mento jurídico. E, ainda que

A polêmica da tutela coletiva pela Defensoria Pública e a Emenda nº 80/2014 à Constituição Federal

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assim não o fosse, crer na le-gitimidade de tais restrições seria militar contra a própria Carta Constitucional, pois seu art. 5º, XXXV, brada a nulida-de de disposições que venham estabelecer vedação de aces-so à Jurisdição.

Mas, bem, compreende-se: afinal de contas, o que são al-gumas décadas desde o início da estruturação do processo coletivo em nosso País? Nada. Em especial, quando o pro-cesso de constitucionalização é necessariamente lento. Por isso, ainda se verificam claudi-cantes entendimentos aqui ou acolá, a pregar, graças, avan-ços, e hora, retrocesso.

Um dos melhores exemplos de avanço vem tratando da Or-dem dos Advogados do Brasil, a qual já se começou compre-ender como legitimada ativa para a propositura de deman-das coletivas: já não era sem tempo! Ah, porque não está explicitamente na lei, não o poderia? Desde quando? Des-de o art. 6º, do Código de Pro-cesso Civil? Um diploma erigi-do em 1973, que necessaria-mente depende de oxigena-ção constitucional?

O entender tacanho na restri-ção aos atores coletivos mi-lita contra a sociedade: tan-to lhe é melhor que o máxi-mo possível de representan-tes se manifestem em seu no-me. Afinal de contas, não é as-sim que vem compreendendo já desde há muito o Pretório Excelso nos processos de jul-gamento constitucionalidade: és amicus curiae? Represen-tas algum setor da coletivida-de em apreço? Então, te mani-festa. Cadê o problema nisso?

O entendimento do Supremo se extrai mesmo do art. 1º, pa-rágrafo único, da Constituição

Federal, afinal, se todo poder emana do povo, desde quan-do lhe assiste apenas um úni-co porta-voz? Quanto maiores forem os direitos ou o núme-ro de afetados, mais numero-sos ainda devem ser os atores a por eles falar. Este é o racio-cínio de longa data das class actions norte americanas.

Então, para quê restringir?

Não há porquê. Só pode ha-ver, como bem já disse o mes-tre Alexandre Freitas Câma-ra, em palestra este ano em Manaus, um fetichismo em se ver o que é literal, clarividen-te, hialino, pular do que está implícito e compreensível pa-ra o texto, de preferência em lei ordinária. E é verdade: to-me-se o exemplo da razoável duração do processo. Sempre esteve na Constituição, mas se teve de lá escrever. Daí co-meçam: é norma constitucio-nal de eficácia limitada? Con-tida? Precisa estar na lei para ter efetividade. E lá vem o No-vo Código de Processo Civil ter de colocar o que a Constitui-ção já grita a plenos pulmões.

E tal paranoia acontece com a Defensoria: nascida com a Constituição de 88, já tinha consagrada – é verdade, de forma tímida – a sua missão de assistência jurídica integral e gratuita. De lá se extraindo o óbvio: integral é integral, com todos os instrumentos possí-veis, dentre os quais as ações coletivas, conforme já o vinha fazendo a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro desde antes de 1988. E aí vêm as discussões inúteis: mas on-de está escrito? Já não o está?

Oras, o Estado Brasileiro vem com um débito de séculos e compreende que lhe falta uma vertente Defensor. E não iria lhe equipar com menos ins-

trumentos que o Estado Acu-sador, por exemplo. Que raios de ampla defesa seria essa?

Mas bem, segue-se então o nascimento da Lei Comple-mentar nº 80/94, a consa-grar toda uma plêiade de ins-trumentos e tal não pare-ce ser suficiente para aplacar as polêmicas. Vem em segui-da a Emenda Constitucional nº 45/2004, a consagrar au-tonomia da Instituição, o que se traduz, também, na liberda-de do agir do Defensor, como promotor de cidadania e, por consequência, do uso de ins-trumentos coletivos. Mas na-da parece suficiente.

Surge então a Lei nº 11.448/2007, a alterar o art. 5º da Lei nº 7.347/85, incluin-do a Defensoria Pública no rol dos legitimados ativos pa-ra a propositura de ações ci-vil públicas, o que motiva a propositura da ADI 3.943 pe-lo Conamp a lhe questionar constitucionalidade...

Daí, para espancar as dúvi-das, vem, ao final, a Lei Com-plementar nº 132/2009, que ao alterar o art. 4º, VII, da Lei Complementar nº 80/94, afir-ma textualmente que à De-fensoria compete “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da de-manda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes.”

Mas a gritaria ainda perma-nece. Vivas são ainda as dis-cussões quanto à inclusão da Defensoria Pública como legi-timada ativa no rol do art. 82 do Código de Defesa do Con-sumidor: “a Defensoria não ainda possui maturidade”, foi o que, no Senado, uma das

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instituições acabou falando. E Instituições agora têm maturi-dade? Idade é patente? A pen-sar por tal obtuso viés, seria o caso de se depositar todos os votos na milenar Instituição do Judiciário, como no passa-do já o fizeram os romanos, e deixar que tomem as dores de todos os problemas, e que por si só os resolvam de agora em diante na gigantesca socieda-de em que vivemos.

É uma gritaria besta: a ir por tal raciocínio despicienda

seria a pluralidade e, o que se traduzido fosse para o Legislativo, desnecessárias seriam tantas vozes. Mas não, é obvio que Democracia, como bem exige o caput do art. 1º da Constituição, de-manda que vários possam fa-lar pela sociedade.

Então, finalmente, nos vem a Emenda 80/2014 à Cons-tituição, a dizer o que já era explícito: “Art. 134 – A De-fensoria Pública é institui-ção permanente, essencial

à função jurisdicional do Es-tado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, funda-mentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos di-reitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos in-dividuais e coletivos, de for-ma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”

Ainda vai haver gritaria?

Carlos Alberto Souza de Almeida FilhoDefensor Público do Estado do Amazonas – Titular

da Especializada em Ações Coletivas – Professor de Direito na Faculdade Martha Falcão em Manaus –

Diretor da Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Amazonas

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No último dia 4 de junho, o acesso à Justiça alcançou rele-vante avanço no Estado brasi-leiro. Isso porque o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 80/2014, a qual promove fundamental al-teração na Defensoria Pública.

Inicialmente, observa-se a alte-ração topográfica, uma vez em que foi criada a “Seção IV – Da Defensoria Pública”. Dessa for-ma, a Constituição destacou a distinção existente entre a Ad-vocacia e a Defensoria Públi-ca. Por tal razão, a capacidade postulatória do Defensor Públi-co decorre da posse no cargo, não havendo que se falar em vinculação de tal agente políti-co à Ordem dos Advogados do Brasil. Aliás, a presença da ad-vocacia e da Defensoria Pública na mesma seção do texto cons-titucional era um dos principais argumentos da ADI 4.636, que ataca o artigo 4º, § 6º, da Lei Complementar nº 80/94. To-davia, o argumento deixou de ser sustentável por contrariar o novo texto da Lei Maior.

De mais a mais, a Defensoria Pública passou a ser Institui-ção permanente. Em outras palavras, a partir de então, a Constituição aponta idêntica importância entre as funções essenciais à Justiça. Obtem-pere-se, ainda, que o princípio da perenidade apenas apare-ce apenas em duas outras si-tuações no texto constitucio-nal – Ministério Público (art.

127, da CRFB) e Forças Arma-das (art. 142, da CRFB). Logo, a relevância da Defensoria Pú-blica assume um caminho sem volta, não podendo mais ser extirpado tal modelo do Esta-do Brasileiro.

Superada a análise da nova posição institucional, passa--se à verificação do papel ati-vo exercido pela Defensoria Pública brasileira. Nesse pon-to, a mentalidade outrora exis-tente de atuar na defesa judi-cial do assistido está ultrapas-sada. A nova redação do arti-go 134 da CRFB dispõe sobre as seguintes incumbências: a) expressão e instrumento do regime democrático; b) orien-tação jurídica; c) solução judi-cial e extrajudicial de conflitos individuais e coletivos; d) pro-moção dos direitos humanos e e) assistência jurídica gratui-ta e integral aos necessitados.

Como se vê, houve relevante aumento das atribuições da Defensoria Pública.

A reforma constitucional ou-torgou aos Defensores Públi-cos a responsabilidade de for-talecer a democracia (edu-cação em direitos), solucio-nar conflitos sem o Poder Ju-diciário (mediação e concilia-ção), reconheceu a legitimida-de para agir em interesses co-letivos (termos de ajustamen-to de condutas, recomenda-ções, ações civis públicas, etc. – afastada assim, qualquer dú-vida sobre a legitimidade para

Cidadania para todos – A Emenda Constitucional 80/2014 e o fortalecimento do acesso à justiça

“(…) De mais a mais, a

Defensoria Pública passou

a ser Instituição permanente.

Em outras palavras, a

partir de então, a Constituição

aponta idêntica importância

entre as funções essenciais à

Justiça.”

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atuação coletiva), e além dis-so, a promoção dos direitos humanos (por sinal, tal propa-gação atinge qualquer grupo, ainda que não seja necessita-do). Em suma, são tarefas in-dispensáveis para construção de uma sociedade justa que estão sobre os ombros dos De-fensores Públicos.

Outra importante alteração diz respeito à constituciona-lização dos princípios da uni-dade, indivisibilidade e in-dependência funcional, os quais já existiam na Lei Or-gânica da Defensoria Pública, mas a partir da EC nº 80/2014, ficam previstos na Lei Maior, assim como no caso do Minis-tério Público (art. 127, § 1º, da CRFB).

Aliado a isso, as garantias da Magistratura previstas nos ar-tigos 93 e 96, II, da Constitui-ção, são aplicáveis à Defenso-ria Pública. Assim, a movimen-tação na carreira será regida por critérios objetivos, cursos oficiais de preparação e em atendimento à demanda judi-

cial e populacional. Ademais, a Defensoria Pública alcança a poderosa ferramenta da ini-ciativa de lei que, juntamen-te com as conquistas de EC nº 45/2004 (autonomia fun-cional, administrativa, inicia-tiva de proposta orçamentá-ria), contribuirá para que alte-rações legislativas necessárias para o aperfeiçoamento insti-tucional e materialização de seus objetivos possam ocor-rer com maior velocidade.

Portanto, este é o desfecho: constitucionalmente, Magis-tratura, Ministério Público e Defensoria Pública estão es-sencialmente equiparados.

Todavia, a maior conquista es-tá na alteração do artigo 98 do Ato das Disposições Constitu-cionais Transitórias (ADCT). Ali, há previsão de Defensor Público em todas as unida-des jurisdicionais, no prazo de 8 (oito) anos da promulgação da Emenda Constitucional.

Como consabido, o Estado Brasileiro ainda possui uma dí-vida com o cidadão, especial-

mente com os necessitados e grupos vulneráveis. A dimi-nuta quantidade de Defenso-res Públicos, e a impossibili-dade de pagar advogados, le-vam muitos brasileiros à frus-tração e privação de exerce-rem o direito à saúde, educa-ção, liberdade, entre outros. Na verdade, muitos brasilei-ros sequer possuem a prerro-gativa de ter direito a ter di-reitos porque estão privados do primeiro direito: o acesso à justiça. Infere-se, portanto, que o quadro atual atente ao exercício da cidadania.

Por isso, a promulgação da Emenda Constitucional nº 80/2014 deve ser comemo-rada. A promessa constitucio-nal está renovada e com prazo certo. Em 8 (oito) anos, todos os brasileiros poderão exer-cer o acesso à Justiça, demo-cratizando o Poder Judiciário para todos aqueles que pre-cisarem, ainda que não pos-sam pagar um advogado. As-sim, poderemos afirmar que, em nosso país, A CIDADANIA É PARA TODOS.

Helom César da Silva NunesDefensor Público/AM e presidente da Associação dos

Defensores Públicos do Amazonas – Adepam

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Santo Ivo, advogado dos po-bres, é homenageado no dia 19 de maio e, por óbvias ra-zões, esse dia é também con-siderado o dia do Defensor Pú-blico. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça, já no dia 20 de maio de 2014, noticiou que a “Defensoria Pública não tem legitimidade extraordiná-ria para ajuizar ação coletiva em favor de consumidores de plano de saúde que sofreram reajustes em seus contratos em razão da mudança de faixa etária” – Vide REsp. 1.192.577. Amarga surpresa para a carrei-ra em comemoração...

Segundo noticiado pelo STJ, narrou-se no precedente que “[a]o optar por contratar pla-no particular de saúde, parece intuitivo que não se está dian-te de consumidor que possa ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública”. Intuitivo? Será que, de fato, consumidores-usuá-rios de plano de saúde, norte-ados pela noção de vulnerabili-dade (CDC, art. 4º, I) – os quais muitas vezes investem mais do podem em seus planos de saú-de –, deixam de ser necessita-dos de tutela jurídica coletiva ou anulam sua vulnerabilidade por investirem em plano priva-do de saúde, para fugir das ma-zelas do SUS? Certamente, os reflexos sociais do precedente retrotranscrito merecem aten-ta reflexão.

INDÍCIOS JURISPRUDENCIAIS DE LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIAEm primeiro lugar, há longa data, o STJ vem considerando a legitimação extraordinária das Defensorias Públicas pa-ra a proteção dos direitos in-dividuais homogêneos, cole-tivos e difusos de consumido-res – conceito no qual se en-quadram os usuários de plano de saúde, categoria presumi-velmente vunerável (CDC, art. 4º, I) e necessitada, portanto, de proteção estatal (CRFB/88, art. 5º, XXXII), inclusive atra-vés do Estado-Defensor.

Ademais, é preciso consignar que, em diversos julgados, o STJ é favorável à legitimidade defensorial, conforme são ci-tados a seguir: Em contrato de arrendamento mercantil (EDcl no AgRg no REsp. 417.878/RJ,1 Relª Minª Maria Isabel Gallot-ti, 4ª Turma, julgado em 27-11-2012, DJe 10-12-2012); contra instituições financeiras (AgRg no REsp. 1.000.421/SC,2 Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, j. 24-5-2011, DJe 1-6-2011); em prol da dignida-de (REsp. 1.106.515/MG,3 Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, j. 16-12-2010, DJe 2-2-2011) e; em favor do consumi-dor (REsp. 912.849/RS,4 Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, j. 26-2-2008, DJe 28-4-2008).

Com base legislativa, há tem-pos a Defensoria Pública já se utilizava da norma estampa-da no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para tu-tela dos consumidores pre-sumivelmente vulneráveis (CDC, art. 4º, I), resultando essa compreensão da leitu-ra conjunta dos artigos 6º, in-ciso VII (in fine), 81, 82, inci-so III, todos do CDC. Com es-sa mesma razão, o STJ dita-ra: “(...) In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública, bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF. (...) a le-gitimatio ad causam da De-fensoria Pública para inten-tar ação civil pública na de-fesa de interesses transindi-viduais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/2007, dada a relevância social (e ju-rídica) do direito que se pre-tende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico bra-sileiro (...)”. (REsp. 1.106.515/MG, Rel. Min. Arnaldo Este-ves Lima, 1ª Turma, j. 16-12-2010, DJe 2-2-2011). Porém, maior amplitude à multici-tada legitimidade foi confe-rida com a promulgação da Lei 11.448/2007, alterando a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). Confirmando a le-gitimidade anterior ao ano de 2007, vide: REsp. 555.111/RJ, Rel. Min. Castro Filho, 3ª Tur-ma, Dje 18-12-2006.

O Estado-Defensor como custos vulnerabilis: entre o REsp. 1.192.577 e a EC 80/2014

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A CLÁUSULA LEGAL DE BENEFÍCIO POTENCIALCom efeito, é na Lei Comple-mentar nº 80/94, a qual dita as atribuições da Defensoria Pú-blica, que se pode encontrar a diretriz maior para o atuar co-letivo das Defensorias Públi-cas. Verbis: “Art. 4º – São fun-ções institucionais da Defenso-ria Pública, dentre outras: (...) VII – promover ação civil públi-ca e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequa-da tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homo-gêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar gru-po de pessoas hipossuficientes”.

Observe-se que a referida re-gra legal, contenta-se com a possibilidade de benefício dos hipossuficientes em um uni-verso maior de “justiçados”. Essa conclusão é, por oportu-no, a única em harmonia com a segunda onda de acesso à Jus-tiça, vinculada à tutela transin-dividual de direitos, porquan-to uma demanda que prote-ge necessitados pobres, prote-gerá também necessitados de justiça em igual situação, mas não encartáveis na interpreta-ção econômica da expressão.

Por fim, é preciso se lembrar que a cláusula legal de poten-cial benefício dos vulneráveis já ressoou entre os tribunais pátrios. Provavelmente, um dos bons exemplos seja o se-guinte julgado extraído do Tri-bunal de Justiça do Rio Gran-de do Sul:

(...) O inciso VII no arti-go 4º da Lei Complemen-tar nº 80/94 não restrin-ge o ajuizamento de ação civil pública pela Defenso-ria Pública apenas àqueles casos em que os direitos

tutelados sejam de indiví-duos economicamente hi-possuficientes, sendo ne-cessário tão somente que estes possam ser benefi-ciados pelo resultado da demanda. No caso em te-la, a extensão da eventu-al procedência da presen-te ação coletiva a grupo de pessoas necessitadas é inconteste. (...) (TJ-RS, Agravo de Instrumento nº 70.041.564.717, 5ª Câma-ra Cível, Relª Isabel Dias Al-meida, j.18-5-2011).

Nesse contexto, entende-se que a “cláusula legal de po-tencial benefício” é o mais importante referencial legal acerca da legitimação extra-ordinária do Estado-Defensor nas ações coletivas, garantin-do-se aí o mais amplo acesso à Justiça possível.

QUEM É O NECESSITADO? E QUE RECURSO É INSUFICIENTE?Dentre temas ainda pouco es-tudados na doutrina brasilei-ra acerca do Estado-Defen-sor, pode-se citar que um dos mais incipientes assuntos é o que tangencia às possíveis in-terpretações das expressões “necessitados” (CRFB/88, art. 134), e “insuficiência de recur-sos” (CRFB/88, art. 5º, LXXIV), podem restringir ou ampliar o acesso à justiça via Defenso-ria Pública. Afinal, o assistido da Defensoria Pública deveria ser carente de que tipo de re-curso? E necessitado de quê? Dinheiro? A Constituição, cer-tamente, não apontou em ne-nhum momento que a inte-pretação dos retrocitados ter-mos deve ser guiada pela ma-triz econômica.

No cenário jurídico brasileiro, a Defensoria Pública auxilia na concretização das 3 (três) on-das de acesso à justiça preco-nizadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth pois é, tradicio-nalmente, acesso à justiça pa-ra os pobres e ainda o acesso à racional justiça transindividu-al e aos meios extrajudiciais de pacificação dos conflitos.

É preciso ponderar, ademais, que se por um lado a interpre-tação constitucional não pode repreender o amplo acesso à justiça, por outro viés, é pre-ciso também respeitar o âm-bito de atuação da advocacia privada. Desse modo, propõe--se que o viés econômico te-nha maior importância no atu-ar individual do Estado-De-fensor, sendo a interpretação mais ampla possível no que se refere à justiça transindividu-al - Nesse ponto, o lugar cons-titucionalmente devido à De-fensoria Pública é o status de guardião dos vulneráveis, a se-guir exposto.

O “CUSTOS VULNERABILIS” CONSTITUCIONALOs debates sobre a legitimação do Estado-Defensor, principal-mente na esfera transindividu-al, não podem olvidar do viés social da sobredita Instituição enquanto custos vulnerabilis – guardião dos vulneráveis, ne-cessitados e hipossuficientes. Nessa quadra, não se pode ig-norar as múltiplas necessida-des, vulnerabilidades e hipos-suficiências que afligem o po-vo brasileiro. A doutrina nacio-nal vem apontando a existên-cia de diversos tipos de neces-sidades ou de carências de re-cursos. Fala-se, por exemplo, em vulnerabilidade organiza-cional e geográfica – somente

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para citar exemplos oriundos da tese de doutorado de Fer-nanda Tartuce (USP).

Eis então as perguntas não si-lenciadas: Por que “ausência de recursos” deveria assumir conotação meramente econô-mica? Por que o termo “neces-sitado” só deve ter viés finan-ceiro? Sem dúvidas, qualquer resposta às perguntas ante-riormente formuladas deve perpassar por todas as ondas de acesso à justiça e pela máxi-ma efetividade desse grandio-so direito dos direitos...

A DEFENSORIA, COMO VOZ DOS EXCLUÍDOS, NÃO PODE SER EXCLUÍDAA exclusão da legitimação extraordinária do custos vulnerabilis em prol de usuá-rios de planos exposta no REsp. 1.192.577, traz consigo um ris-co democrático: o silêncio da Instituição que é, a um só gol-pe, voz dos excluídos e essen-cial à Justiça. Entretanto, essa não foi a primeira vez que a re-presentatividade dos necessi-tados por meio do Estado-De-fensor foi silenciada no STJ.

Outro infeliz exemplo ocorreu no REsp. 1.333.977/MT (Relª Minª Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, j. 26-2-2014, DJe 12-3-2014), na ocasião em que debadito incidentalmente a atuação defensorial enquan-to amicus curiae em recur-so representativo. Entendeu--se que “revela-se insuficien-te a alegação de representar consumidores em milhares de ações, não havendo nenhuma representatividade na preten-dida intervenção. A matéria não se enquadra às hipóteses de atuação típica da Defenso-ria Pública”.

O retrocitado julgado5 não admitiu a intervenção da Defensoria como amicus curiae em Recurso Repetitivo por en-tender que essa atribuição não estaria entre as funções típicas do Estado-Defensor a tutela dos interesses de centenas de moradores do campo que, por vezes com muito sacrifício, ad-quirem bens viabilizados por cédula de crédito rural. Olvi-dou-se que, em termos gerais, o único ente estatal a proteger esse grupo de cidadãos, quan-do superendividados por conta de práticas bancárias abusivas, é a própria Defensoria Pública. Ora, se a Instituição essencial à Justiça que defende vulnerá-veis em “milhares” de ações ju-diciais não pode alçar voo co-mo amicus curiae em recur-so representativo, quem mais poderia? Mais um caso mere-cedor de detida atenção, por-quanto silencia o porta-voz dos excluídos no âmbito judicial.

Ademais, existem ainda es-quecimentos aparentemen-te involuntários do custos vulnerabilis que eventual-mente silenciam a voz dos excluídos na Justiça. Veja--se, por exemplo, os con-vites para a audiência pú-blica no caso da interna-ção hospitalar na modalida-de diferença de classe no SUS (RE nº 581.488, Rel. Min. Dias Toffoli), vários órgãos foram convidados aos debates, me-nos Estado-Defensor – talvez o maior interessado no funcio-namento do SUS. Não obstan-te se tenha aberto prazo pa-ra habilitação na audiência pú-blica, o esquecimento de con-vocação do Defensor dos Ex-cluídos aos debates forenses é atitude anacrônica, a qual de-ve ser abandonada.

Pode-se consignar, ademais, a relação Defensoria-FIFA. A De-

fensoria Pública de Minas Ge-rais, por exemplo, insurgiu-se contra o tratamento que con-cedia acesso mais restrito a De-fensores Públicos no ambien-te da Copa do Mundo quando comparados com o tratamen-to recebido pelo Ministério Pú-blico e Judiciário. A Resolução nº 88/2014, de 18-6-2014 (Di-ário de 19-6-2014, p. 72), as-sinado pela Defensora Públi-ca-Geral Andrea Abritta Gar-zon, decidiu: “Art. 1º – Suspen-der os plantões pelos membros da Defensoria Pública do Esta-do de Minas Gerais no Juizado do Torcedor e no Juizado da in-fância e Juventude do estádio Mineirão, durante os jogos da ‘Copa do Mundo FIFA 2014’, até a expedição de credenciais emitidas pela FIFA, em confor-midade com as atribuídas ao Poder Judiciário e ao Ministé-rio Público do Estado de Minas Gerais, como medida indispen-sável para a continuidade dos serviços”. A situação revela que a FIFA ignora os moldes consti-tucionais de atuação individu-al e coletiva em que concebi-do o Estado-Defensor brasilei-ro, daí porque a medida de pro-testo da DPE-MG é pertinente e legítima.

O mesmo debate ocorreu no Rio de Janeiro e a situação foi questionada pelo Defen-sor Público-Geral, Nilson Bru-no Filho, que teria afirmado ser inconstitucional o trata-mento díspar entre as carrei-ras jurídicas. Certamente, a fi-gura do Estado-Defensor bra-sileiro é figura típica da Cons-tituição Brasileira, sendo ain-da desconhecida a extensão de suas atribuições por diver-sos juristas, situação essa que pode ter prejudicado a cor-reta organização e tratamen-to da Instituição pela FIFA. Eis mais uma distorção a ser refle-tida e corrigida...

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EC 80/2014 E O FORTALECIMENTO DO CUSTOS VULNERABILISNo fim do mesmo dia 20 de maio de 2014, os ventos sopraram fa-voravelmente ao Estado-Defen-sor, e é preciso dizer que todo o retrocitado debate sofrerá in-cidência da aprovação da PEC 4/2014 do Senado. A nova reda-ção não deixa dúvidas da legíti-ma vocação Constitucional do “custos vulnerabilis”: “Art. 134 – A Defensoria Pública é insti-tuição permanente, essencial à função jurisdicional do Es-tado, incumbindo-lhe, como ex-pressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmen-te, a orientação jurídica, a pro-moção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, ju-dicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessi-tados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Fede-ral”. A PEC aprovada, por certo, fortalece a atuação da Defenso-ria em defesa de direitos cole-tivos e humanos dos necessita-dos, sem restringir ou adjetivar o retrocitado grupo carente.

A Defensoria Pública passará ago-ra a ter seção própria (Seção IV, do Capítulo IV da Constituição so-bre as funções essenciais à Justi-ça), separando-a da advocacia, como era até então na redação anterior da Seção III – as conse-quências hermenêuticas da refe-rida alteração topográfica serão julgadas pela doutrina e jurispru-dência em um futuro breve.

O ESTADO-DEFENSOR SOB ATAQUEConvém lembrar que o Esta-do-Defensor também sofre

ataques de algumas entidades que deveriam ser suas par-cerias na promoção de direi-tos fundamentais. E tese de-fendida pelo STJ no multicita-do REsp. 1.192.577, por exem-plo, é restritiva ao amplo aces-so à justiça em muito coinci-dente com os reclames classis-tas da Associação Nacional dos Membros do Ministério Públi-co, o Conamp, na ADI 3.943, em trâmite no STF. O debate na ADI 3.943 versa sobre a exclu-são ou restrição da legitimação coletiva da Defensoria Pública.

Além da ADI 3.943, há ainda a ADI 4.636, proposta pelo Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), a qual pretende vincular os Defensores Públicos à manu-tenção de sua inscrição junto à Ordem dos Advogados do Brasil. É tema polêmico a ser reavivado no cenário jurídico após a EC 80/2014...

As discussões retromenciona-das, embora não sejam novas, sofrerão influência das altera-ções provocadas pela EC nº 80/2014. Isso porque, além de, a partir de agora, o Esta-do-Defensor contar com legiti-mação extraordinária expres-sa, o custos vulnerabilis pos-sui seção própria na Consti-tuição, não dividindo mais es-paço com a advocacia privada.

NOTA CONCLUSIVAAo remate, registram-se as seguintes indagações: Como o Estado-Defensor poderá al-cançar toda a amplitude mis-sionária constitucionalmen-te almejada e digna de uma sociedade cuja população é predominantemente neces-sitada “de quase tudo”? Co-mo poderá esse mesmo po-vo vulnerável, titular de to-do o poder (CRFB/88, art. 1º,

“(...) A Defensoria Pública passará agora a ter seção própria (Seção IV, do Capítulo IV da Constituição sobre as funções essenciais à Justiça), separando-a da advocacia, como era até então na redação anterior da Seção III – as consequências hermenêuticas da referida alteração topográfica serão julgadas pela doutrina e jurisprudência em um futuro breve.”

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parágrafo único), ser ouvido no contexto forense? Embo-ra não se tenha respostas pa-ra tais questões, um aviso é imprescindível: Enquanto os olhos dos Tribunais se fecha-rem à Defensoria, nascida no período pós-88, o caminho se-

rá único: o silêncio antidemo-crático dos pobres, necessita-dos, vulneráveis e hipossufi-cientes, no palco constitucio-nal de debate.

Ao custos vulnerabilis constitu-cional, ao Estado Defensor dos excluídos, deseja-se vida lon-

ga, próspera e que o se repro-duzam os ecos da voz dos ex-cluídos no pós-88, contribuin-do decisivamente para a erradi-cação da pobreza e marginaliza-ção, bem como para a constru-ção de uma sociedade livre, jus-ta e verdadeiramente solidária.

NOTAS:

1. “(...) 2. A Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública, nos termos do art. 5º, II, da Lei 7.347/85, com a redação da Lei 11.448/2007. (...) (STJ, EDcl no AgRg no REsp. 417.878/RJ, Relª Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 27-11-2012, DJe 10-12-2012)2. “(...)1. A Defensoria Pública tem le-gitimidade ativa ad causam para pro-por ação civil pública com o objetivo de defender interesses individuais ho-mogêneos de consumidores lesados em virtude de relações firmadas com as instituições financeiras. (...)”. (STJ, AgRg no REsp. 1.000.421/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, j. 24-5-2011, DJe 1-6-2011).3. “(...) 3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que “A nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ en-tre os instrumentos de tutela dos in-teresses transindividuais” (STJ, REsp. 700.206/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Pri-meira Turma, Dje 19-3-2010), a ação civil pública é o instrumento proces-sual por excelência para a sua defe-sa. 4. A Lei 11.448/2007 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a De-fensoria Pública como legitimada ati-va para a propositura da ação civil pú-blica. Essa e outras alterações proces-suais fazem parte de uma série de mu-danças no arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efe-tiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF. 5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o coman-do constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF. 6. É imperioso reiterar,

conforme precedentes do Superior Tri-bunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para in-tentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipos-suficientes é reconhecida antes mes-mo do advento da Lei 11.448/2007, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurí-dico brasileiro: assegurar a dignida-de da pessoa humana, entendida co-mo núcleo central dos direitos funda-mentais. 7. Recurso especial não pro-vido. (STJ, REsp. 1.106.515/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, j. 16-12-2010, DJe 2-2-2011).4. “PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO COLE-TIVA – DEFENSORIA PÚBLICA – LEGI-TIMIDADE ATIVA – ART. 5º, II, DA LEI Nº 7.347/85 (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.448/2007) – PRECEDENTE. 1. Re-cursos especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores. 2. Esta Superior Tribu-nal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/2007), a De-fensoria Pública tem legitimidade pa-ra propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir Responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de va-lor artístico, estético, histórico, turísti-co e paisagístico e dá outras providên-cias. (...)”. (STJ, REsp. 912.849/RS, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, j. 26-2-2008, DJe 28-4-2008).5. Em seu voto, discorreu a ministra relatora: “Inicialmente, analiso o pe-dido da Defensoria Pública da União,

com base § 4ª do art. 543-C do CPC e no inciso I, do art. 3º, da Resolução STJ 8/2008. Considero que a represen-tatividade das pessoas, órgãos ou en-tidades referidos deve relacionar-se, diretamente, à identidade funcional, natureza ou finalidade estatutária da pessoa física ou jurídica que a qualifi-que para atender ao interesse públi-co de contribuir para o aprimoramen-to do julgamento da causa, não sen-do suficiente o interesse em defender a solução da lide em favor de uma das partes (interesse meramente eco-nômico). Penso que a intervenção for-mal no processo repetitivo deve dar--se por meio da entidade de âmbito nacional cujas atribuições sejam per-tinentes ao tema em debate, sob pena de prejuízo ao regular e célere anda-mento de tal importante instrumento processual. No caso em exame, a re-querente alega representar consumi-dores em milhares de ações, o que é insuficiente, ao meu sentir, para a re-presentatividade que justifique inter-venção formal em processo submeti-do ao rito repetitivo. Observo que, no presente caso, discutem-se encargos de crédito rural, destinado ao fomento de atividade comercial, não se subsu-mindo a matéria, como regra, às hipó-teses de atuação típica da defensoria pública. Apenas a situação de even-tual devedor necessitado justificaria, em casos concretos, a defesa da tese jurídica em debate pela Defensoria, tese esta igualmente sustentada por empresas de grande porte econômi-co. A inteireza do ordenamento jurí-dico já é defendida nos autos pelo Mi-nistério Público Federal. Consideradas essas razões, indefiro o pedido de in-clusão como amicus curiae.”

Maurilio Casas MaiaDefensor Público – Professor de Carreira da Universidade Federal do Estado do Amazonas (UFAM), em concurso no

qual foi aprovado em 1º lugar para as disciplinas de “TGP e Processo Civil” – Mestre em Ciências Jurídicas

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Quanto mais digital a ope-ração, menos fronteiras físi-cas. Será que isso representa mais ou menos impostos pa-ra a TI? E no uso da tal cloud computing, conhecida no Bra-sil como “da nuvem”, será que estamos pagando o custo cer-to por tal serviço?

Um dos motivos para uso da nuvem tem sido a justificati-va de barateamento dos cus-tos. Dependendo do que cons-tar do contrato (solução técni-ca contratada), pode fazer toda a diferença o uso de uma “nu-vem nacional” (de fornecedor no Brasil), ou de uma “nuvem estrangeira” (de fornecedor de fora como é o caso do uso da plataformada Amazon Web Services Inc., disponibilizado no site <aws.amazon.com>), para fins de recolhimento de impostos.

Hoje, muitas empresas pagam pelo uso da nuvem por forne-cedores sediados no exterior por meio de cartão de crédi-to ou transferência bancária internacional. E o que ocorre é que a grande maioria acaba esquecendo de recolher o im-posto devido, pois o fato de a retenção destes impostos não vir descrita na fatura do forne-cedor não significa que o su-jeito passivo ou o responsável tributário não seja obrigado ao seu recolhimento (que no caso é o contratante no Brasil).

Em geral, a computação em nuvem é tratada no Brasil co-mo “serviço”, não obstante o seu enquadramento tribu-tário ainda seja controverti-do. Em linhas gerais, o cloud

computing (a nuvem) consis-te, basicamente, em uma série de recursos físicos (computa-dores, servidores, softwares) que podem ser utilizados re-motamente pelo contratante conforme a sua necessidade. Vê-se, portanto, que envolve o uso remunerado de equipa-mentos e softwares.

Logo, do ponto de vista tributá-trio, a “nuvem” estaria sujeita à incidência tanto do Imposto so-bre Serviços de Qualquer Natu-reza (ISS), quanto do Imposto de Renda (IR), e, além destes, do Imposto sobre Operações Financeiras, da Contribuição de Intervenção de Domínio Econô-mico (Cide) e das contribuições PIS/Pasep e Cofins.

Mas o que é a nuvem afinal? Bem, juridicamente, a tecno-logia de computação em nu-vem (cloud computing) dispo-nibiliza aos usuários (pessoas físicas ou jurídicas) o acesso a uma série de recursos tecno-lógicos (equipamentos, servi-dores, redes, softwares), pa-ra uso remoto e sob deman-da. Permite, assim, o armaze-namento de dados fora do am-biente físico de uma empresa ou organização.

Outra importante característi-ca dos recursos de computação em nuvem oferecidos no mer-cado é o conceito de autosservi-ço: a ativação e uso das máqui-nas são feitos diretamente pelo usuário, num sistema totalmen-te automatizado.

Hoje, temos três principais modelos de operação de

cloud: SaaS (Software as a Service), IaaS (Infrastructu-re ou Hardware as a service) e PaaS (Plataform as a Servi-ce). Contudo, a identificação das funcionalidades ofereci-das por cada um deles deve ser feita com cuidado, uma vez que nem todos os recur-sos tecnológicos podem ser efetivamente classificados co-mo “produto” nem como “ser-viço”, o que excluiria a incidên-cia de impostos.

Como exemplo, o portfó-lio de serviços da AWS, prin-cipal fornecedor no merca-do brasileiro, inclui diver-sos tipos de recursos: com-putação sob demanda (Ama-zon EC2), que é seu princi-pal produto, armazenamen-to sob demanda (Amazon S3), distribuição geográfica de conteúdo e streaming (Amazon CloudFront), banco de da-dos (Amazon RDS), serviços de pagamento e faturamen-to (Amazon Flexible Payments Service – FPS), redes privadas (Amazon Route 53), softwares (AWS Marketplace) e até mes-mo a contratação de profissio-nais sob demanda (Amazon Mechanical Turk, ainda em desenvolvimento).

Vê-se, portanto, que os for-necedores oferecem, além de recursos computacionais e de armazenamento (hardware), também o uso de licenças de softwares, atrelados à ativa-ção das máquinas.

Pela lei, o ISS incide mesmo que o serviço seja provenien-te do exterior, ocasião em

Nuvem pode ficar mais cara!

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que o responsável pelo reco-lhimento passa a ser o toma-dor sediado ou domiciliado no Brasil. Pela lista anexa LC 116/2003, o enquadramen-to seria em um dos dois itens previstos: 1.03 (processamen-to de dados e congêneres) ou 1.05 (licenciamento ou ces-são de direito de uso de pro-gramas de computador).

Apesar da lista, criada há mais de dez anos, não prever o ser-viço de computação em nu-vem, deve-se considerar, con-tudo, que a lei determina que o imposto deve ser recolhido independentemente da deno-minação conferida ao serviço (art. 1º, § 4º). Caso o enqua-dramento seja feito sob o su-bitem 1.03, a alíquota, no Mu-nicípio de São Paulo, será de 5% sobre o preço final do ser-viço. Caso o enquadramen-to seja feito no subitem 1.03, a alíquota será de 2% (Lei nº 13.701/2003).

O enquadramento em um ou outro item trará implicações também sobre a alíquota do Imposto de Renda incidente sobre os valores remetidos ao exterior, bem como sobre a in-cidência ou não da Contribui-ção de Intervenção de Domí-nio Econômico prevista na Lei nº 10.168/2000.

Nesta situação, o responsável está obrigado ao recolhimen-to integral do imposto, multa e acréscimos legais, indepen-dentemente de ter realizado a

retenção deste tributo sobre o pagamento enviado ao presta-dor. Excluem-se dessa hipóte-se de incidência apenas os ser-viços de comunicações (art. 155, II, CF/88).

Assim, ainda que a pessoa obrigada ao pagamento do imposto seja o próprio pres-tador, quando o serviço é ini-ciado ou prestado no exte-rior a obrigação de recolhi-mento é atribuída ao contra-tante do serviço.

No tocante ao Imposto de Renda, se a atividade for en-quadrada no subitem 1.05 da LC 116/2003 (Licenciamento de software), a retenção de-verá ser feita conforme a alí-quota prevista para rendimen-tos de prestação de serviços, que é de 25% sobre o valor bruto dos valores remetidos ao fornecedor.

Contudo, se a atividade for enquadrada no subitem 1.03 da LC 116/2003 (Processa-mento de dados), o servi-ço atrai a incidência da Lei nº 10.168/2003, a qual institui a contribuição de intervenção de domínio econômico (Cide), destinada a financiar o Pro-grama de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, e aí o impos-to cai para 10% sobre os ren-dimentos remetidos para o ex-terior em decorrência de con-tratos de transferência de tec-nologia e prestação de assis-tência técnica.

A referida lei prevê também a redução da alíquota do Im-posto de Renda na fonte in-cidente sobre as importân-cias pagas, creditadas, entre-gues, empregadas ou remeti-das ao exterior a título de re-muneração de serviços de as-sistência administrativa, que será de 15% (artigo 2º, da Lei nº 10.168/2003). Assim, se o enquadramento do serviço for feito no subitem 1.03 da LC 116/2003 (processamento de dados), o Imposto de Ren-da será reduzido para 15%, porém haverá a incidência da Cide, no valor de 10% dos va-lores remetidos ao exterior.

No entanto, as empresas po-dem ficar livres de ter que re-colher o IR na fonte quando pagam pelo serviço de empre-sa contratada no exterior, de-vido ao entendimento do Pa-recer nº 2.363 da PGFN, de 19 de dezembro de 201, e a No-ta Cosit nº 23, da Receita Fe-deral, que reconhecem a ne-cessidade de revisão da apli-cação do imposto após várias decisões judiciais a favor dos contribuintes devido à bitri-butação (como é o caso ana-lisado pelo STJ que envolveu a Copesul e demais casos jul-gados pelos TRFs favorecendo Nestlé, Fibria, Veracel, Philips e Sodexo, entre outras).

Abaixo, um quadro resumo dos impostos incidentes so-bre a nuvem ofertada fora do país:

1.03. Processamento de dados(IAAS)

1.05. Licença de Software(SAAS)

ISS 5% 2%IR 25% 15%

Cide – 10%PIS/Cofins 9,25% 9,25%

IOF 0,38% 0,38%Fonte: Patricia Peck Pinheiro Advogados 2014.

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Portanto, ainda, os pagamen-tos efetuados por meio de cartão de crédito sem a reten-ção dos tributos acima descri-tos poderão ser questionados e cobrados futuramente pela Receita Federal, gerando um passivo tributário pra a em-presa e um risco de isso vir a prejudicar inclusive futuras li-citações, trabalhos para a Ad-ministração Pública e obten-ção de certidões negativas.

Em caso de autuação ou lan-çamento de ofício, as penali-dades incidentes sobre os va-lores não recolhidos serão as seguintes: ISS de 50% (art. 13, da Lei 13.476/2002 de SP), IR de 75% (art. 957, do RIR), IOF de 75% (art. 49, do De-creto 3.603/2007) e PIS/Co-fins de 75% (art. 19, da Lei 10.850/2004 c/c art. 44, da Lei 9.430/96).

As empresas que estão pa-gando com cartão (e não es-

tão recolhendo tributos refe-ridos neste parecer) têm a op-ção da denúncia espontânea (138, do CTN), para se eximir do pagamento da multa (inci-dem apenas juros de mora so-bre o valor não recolhido).

Muitas das publicidades de serviços de cloud acabam in-duzindo em erro, pois não ve-em com qualquer ressalva so-bre os impostos a recolher que impactam diretamente o pre-ço. Esta prática pode ser en-tendida como um ato de con-corrência desleal, pois gera a impressão equivocada de que um determinado serviço é mais barato do que o dos de-mais concorrentes.

Em caso de dúvida, devido a complexidade da matéria, é importante que o CIO solici-te formalmente uma mani-festação do próprio fornece-dor sobre a incidência de im-postos e se proteja no tocan-

te ao recolhimento dos mes-mos fazendo um estudo jurí-dico especializado para análi-se do conjunto da oferta técni-ca, contrato e enquadramento de impostos.

Concluindo, hoje para um CIO, dentro de uma visão de GRC (Governança, Riscos e Com-pliance), o importante é que ele, ao contratar cloud, reali-ze a conta certa, com o devi-do enquadramento, e que seja feito o respectivo recolhimen-to do imposto em conformi-dade com as normas brasilei-ras (mesmo que o serviço se-ja ofertado fora do país), em especial, atendendo ao arti-go 156, da Constituição Brasi-leira, Código Tributário Nacio-nal (Lei nº 5.172/96), Lei Com-plementar nº 116/2003, Lei nº 9.779/99, Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 30 -00/999-, Lei nº 10.168/2000, Lei nº 10.865/2004, Decreto nº 6.306/2007).

Patricia Peck PinheiroAdvogada – Especialista em Direito Digital

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| EMENTÁRIO |

PROCESSO CIVIL

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – MULTA DIÁRIA – NÃO INCIDÊN-CIA DE JUROS MORATÓRIOS – IN-CIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONE-TÁRIA. Ação de anulação e subs-tituição de títulos, cujos autos fo-ram restaurados em 1998, em fa-se de cumprimento de senten-ça, da qual foi extraído o presen-te Recurso Especial, concluso ao Gabinete em 5-12-2011. A con-trovérsia reside em definir se so-bre a multa prevista no § 4º, do art. 461, do CPC, incidem juros de mora legais e correção monetária e, em caso positivo, o termo ini-cial para sua exigibilidade. O po-der de intimidação refletido no valor arbitrado pelo Juiz a título de multa diária, nos termos do § 4º, do art. 461, do CPC, deve ser preservado ao longo do tempo – e, portanto, corrigido – a fim de que corresponda, desde então, à expectativa de ser o suficiente para a obtenção da tutela espe-cífica. Assim, a partir de sua fixa-ção, o contexto apresentado pa-ra o devedor tem de revelar, sem-pre, que lhe é mais interessante cumprir a obrigação principal que pagar a multa. O termo inicial de incidência da correção monetária sobre a multa do § 4º, do art. 461, do CPC, deve ser a data do res-pectivo arbitramento, como ocor-re nas hipóteses de dano moral – Súm. 362/STJ. Não incidem juros de mora sobre a multa imposta pelo descumprimento de obriga-ção de fazer, sob pena de confi-gurar bis in idem. Recursos Espe-ciais conhecidos; provido parcial-mente o do primeiro recorrente e desprovido o do segundo. (Emen-ta ADV 147649*)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA DO TRABALHO – AÇÃO DE COBRAN-ÇA DE COMISSÕES DE CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL – PEDIDO DE ÍNDOLE EMINENTE-MENTE CIVIL. Compete à Justiça Comum processar e julgar ação

de cobrança de comissão propos-ta por representante comercial, porquanto a controvérsia pos-ta na demanda deriva de relação jurídica de cunho eminentemen-te civil, nem sequer tangencian-do eventual relação de emprego. Não se pretendendo, na hipóte-se, o reconhecimento de víncu-lo empregatício ou o recebimen-to de verbas trabalhistas, falece competência à Justiça Laboral pa-ra o exame da lide, mesmo após a edição da EC nº 45/2004. Confli-to conhecido para declarar com-petente a Justiça Comum Estadu-al. (Ementa ADV 147652*)

CIVIL E COMERCIAL

PREVIDÊNCIA PRIVADA – ALTERA-ÇÃO REGULAMENTAR – APLICA-ÇÃO A TODOS OS PARTICIPANTES – DIREITO ADQUIRIDO. Na previ-dência privada, o sistema de ca-pitalização constitui pilar de seu regime – baseado na constituição de reservas que garantam o bene-fício contratado –, adesão faculta-tiva e organização autônoma em relação ao regime geral de previ-dência social. Nessa linha, os pla-nos de benefícios de previdência complementar são previamen-te aprovados pelo órgão público fiscalizador, de adesão facultati-va, devendo ser elaborados com base em cálculos matemáticos, embasados em estudos de na-tureza atuarial, e, ao final de ca-da exercício, devem ser reavalia-dos, de modo a prevenir ou mi-tigar prejuízos aos participantes e beneficiários do plano – artigo 43, da ab-rogada Lei nº 6.435/77, e artigo 23, da Lei Complemen-tar nº 109/2001. Os regulamen-tos dos planos de benefícios evi-dentemente podem ser revistos, em caso de apuração de déficit ou superávit, decorrentes de pro-jeção atuarial que no decorrer da relação contratual não se confir-me, pois no regime fechado de previdência privada há um mu-tualismo, com explícita submis-são ao regime de capitalização.

Os desequilíbrios verificados, is-to é, a não confirmação de pre-missa atuarial decorrente de fa-tores diversos – até mesmo exó-genos, como por exemplo a varia-ção da taxa de juros que remune-ra os investimentos –, resultando em eventuais superávits ou défi-cits verificados no transcurso da relação contratual, repercutem para o conjunto de participan-tes e beneficiários. Dessarte, os vigentes arts. 17, parágrafo úni-co, e 68, § 1º, da Lei Complemen-tar 109/2001, dispõem que as al-terações processadas nos regula-mentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entida-des fechadas, a partir de sua apro-vação pelo órgão público fiscali-zador, só sendo considerados di-reito adquirido do participante os benefícios a partir da implemen-tação de todas as condições esta-belecidas para elegibilidade con-signadas no regulamento vigente do respectivo plano de previdên-cia privada complementar. Prece-dentes. Recurso Especial provido. (Ementa ADV 147587*)

RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CON-TRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVI-ÇOS – DESNECESSIDADE DA APRE-SENTAÇÃO DA CERTIDÃO NEGATI-VA DE DÉBITO – RETENÇÃO INDE-VIDA DO PAGAMENTO. O artigo 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recupera-ção judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é “viabilizar a superação da situa-ção de crise econômico-financei-ra do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produto-ra, do emprego dos trabalhado-res e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preserva-ção da empresa, sua função so-cial e o estímulo à atividade eco-nômica”. Segundo entendimento exarado pela Corte Especial, em uma exegese teleológica da no-va Lei de Falências, visando con-ferir operacionalidade à recupe-ração judicial, é desnecessário comprovação de regularidade tri-butária, nos termos do artigo 57,

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da Lei nº 11.101/2005, e do artigo 191-A, do CTN, diante da inexis-tência de lei específica a discipli-nar o parcelamento da dívida fis-cal e previdenciária de empresas em recuperação judicial (REsp. 1.187.404/MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19-6-2013, DJe 21-8-2013). Dessarte, o STJ, para o mo-mento de deferimento da recupe-ração, dispensou a comprovação de regularidade tributária em vir-tude da ausência de legislação específica a reger o parcelamen-to da dívida fiscal e previdenciá-ria de empresas em recuperação judicial. Nessa linha de intelec-ção, por óbvio, parece ser inexi-gível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regu-laridade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja pa-ra continuar no exercício de sua atividade – já dispensado pela norma –, seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público. Na hipóte-se, é de se ressaltar que os servi-ços contratados já foram efetiva-mente prestados pela ora recor-rida e, portanto, a hipótese não trata de dispensa de licitação pa-ra contratar com o Poder Públi-co ou para dar continuidade ao contrato existente, mas sim de pedido de recebimento dos va-lores pelos serviços efetiva e re-conhecidamente prestados, não havendo falar em negativa de vi-gência aos artigos 52 e 57 da Lei nº 11.101/2005. Malgrado o des-cumprimento da cláusula de re-gularidade fiscal possa até ense-jar, eventualmente e se for o ca-so, a rescisão do contrato, não poderá haver a retenção de pa-gamento dos valores devidos em razão de serviços já prestados. Is-so porque nem o artigo 87, da Lei nº 8.666/93, nem o item 7.3, do Decreto nº 2.745/98, preveem a retenção do pagamento pelos serviços prestados como sanção pelo alegado defeito comporta-mental. Precedentes. Recurso Especial a que se nega provimen-to. (Ementa ADV 147586*)

PENAL E PROCESSO

ESTUPRO E ATENTADO VIOLEN-TO AO PUDOR – LEI 12.059/2009 – CRIME ÚNICO – REDIMENSIO-NAMENTO DA PENA. Fenôme-no bastante comum em casos de violência sexual intrafamiliar é o da “síndrome do segredo”, que ilustra o modo pelo qual crianças e adolescentes vitima-dos – e até mesmo as famílias – permanecem em silêncio, dian-te da fragilidade física, e princi-palmente psicológica, podendo, até mesmo, incorrer em retrata-ção do que um dia foi revelado. Muito embora a conclusão ado-tada neste Recurso Especial se-ja pela aplicação de filtros de ad-missibilidade – necessidade de reexame de prova e ausência de cotejo analítico –, em virtude da fundamentação vinculada, os fragmentos de estudos psi-cossociais se mostram relevan-tes para a melhor compreen-são da dinâmica fática submeti-da ao crivo do Tribunal de ori-gem. Deve o Tribunal a quo redi-mensionar a pena aplicada, ten-do em vista que a atual jurispru-dência desta Corte Superior se-dimentou-se no sentido de que, “como a Lei 12.015/2009 unifi-cou os crimes de estupro e aten-tado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, deve ser re-conhecida a existência de crime único de estupro, caso as condu-tas tenham sido praticadas con-tra a mesma vítima e no mesmo contexto fático.” – AgRg AREsp. 233.559/BA, Relª Ministra Assu-sete Magalhães, 6T, DJe 10-2-2014. Recurso Especial a que se nega provimento. Habeas Cor-pus concedido de ofício, tão so-mente para que o Tribunal de origem proceda à nova dosime-tria da pena aplicada em relação aos delitos de estupro e de aten-tado violento ao pudor, confor-me dispõe a Lei nº 12.015/2009, devendo a pluralidade de con-dutas ser valorada na análise da culpabilidade do sentenciado,

quando da fixação da pena-ba-se, dado o reconhecimento de crime único entre as condutas. (Ementa ADV 147589*)

PRONÚNCIA – INCLUSÃO DE QUALIFICADORAS – FALTA DE DE-LIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA – EXCESSO DE LINGUAGEM INO-CORRENTE. Embora seja mencio-nado no Recurso Especial, ape-nas uma única vez, que a pronún-cia também seria nula por ausên-cia de fundamentação quanto às qualificadoras, não houve o de-senvolvimento dessa tese nas razões recursais, nem indicou--se, nesse ponto, o artigo de Lei Federal que teria sido afrontado, tampouco se colacionou julga-do para justificar o dissenso pre-toriano. Sendo assim, nesse as-pecto, pela falta de delimitação da controvérsia, tem aplicação a Súmula 284/STF. A divergên-cia jurisprudencial que autoriza a interposição de Recurso Espe-cial é aquela concernente à in-terpretação de dispositivos in-fraconstitucionais, motivo pelo qual é descabido, em seu bojo, suscitar dissenso acerca de arti-gos da Constituição da Repúbli-ca. Inexiste excesso de lingua-gem na pronúncia. Em nenhum momento o magistrado afirmou juízo de certeza acerca da auto-ria delitiva, mas apenas indicou as provas, em especial testemu-nhais, que davam suporte à sua conclusão acerca da existência dos indícios em desfavor dos re-correntes. O grande número de depoimentos transcritos na pro-núncia decorreu do fato de que, sendo vários os acusados, diver-sos foram os testemunhos que ti-veram de ser analisados pelo jul-gador singular, a fim de apurar a existência dos indícios que leva-ram à pronúncia. Contudo, em relação a nenhum deles houve análise aprofundada e emissão de juízo de valor conclusivo acer-ca da culpabilidade dos réus. Re-curso Especial parcialmente co-nhecido e, nessa extensão, im-provido. (Ementa ADV 147590*)

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COAD | Seleções Jurídicas | 45

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO

FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL – INSCRIÇÃO DE TÉCNICO EM RA-DIOLOGIA – CURSO REALIZADO CONCOMITANTEMENTE COM O ENSINO MÉDIO – POSSIBILIDA-DE. É possível a obtenção de re-gistro profissional de Técnico em Radiologia na respectiva entidade de classe, não obstante tenha cur-sado concomitantemente o ensi-no médio e o profissionalizante. Precedentes: REsp. 1.244.114/DF, Rel. Ministro Mauro Camp-bell Marques, Segunda Turma, DJe 5-5-2011; REsp. 1.402.731/SP, Rel. Ministro Mauro Camp-bell Marques, Segunda Turma, DJe 15-10-2013. Aplicabilidade da Súmula 83 do STJ, segundo a qual “não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quan-do a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da de-cisão recorrida”. Recurso Espe-cial a que se nega provimento. (Ementa ADV 147640*)

PROCESSO ADMINISTRATIVO DIS-CIPLINAR – POLICIAL CIVIL – DE-MISSÃO POR INCONTINÊNCIA PÚ-BLICA – INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIO-NALIDADE E DA RAZOABILIDADE. Cuida-se de Recurso Ordinário in-terposto contra acórdão no qual foi denegada a segurança ao plei-to de anulação de decreto de de-missão aplicada após processo ad-ministrativo que apurou infração de incontinência pública. As pro-vas dos autos demonstram que o demitido era policial civil, tendo se envolvido em acidente de trânsito, no qual negou socorro à vítima, as-sim como sacou sua arma em situ-ação de incontinência pública. As violações estão devidamente pre-vistas no diploma legal pertinente – Estatuto da Polícia Civil do Esta-do de Rondônia –, o qual também prescreve a penalidade de demis-são. Há plena adequação da pena-lidade aplicada com a conduta de-vidamente apurada, não havendo

falar em violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionali-dade. Precedente: AgRg no RMS 42.555/MS, Rel. Ministro Mau-ro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 26-3-2014. Recurso Ordinário improvido. (Ementa ADV 147638*)

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – ABATE DE ANIMAIS – PRESCRIÇÃO DA AÇÃO INDENI-ZATÓRIA – LEGISLAÇÃO APLICÁ-VEL. A Corte de origem não tra-tou do tema à luz do dispositivo tido por violado, o que inviabili-za a análise da questão à míngua do necessário prequestionamen-to. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimen-to do STJ, segundo o qual o pra-zo da prescrição para ajuizamento de ação indenizatória pelo sacri-fício de animais doentes ou des-truição de coisas ou construções rurais, para salvaguardar a saúde pública ou por interesse da defesa sanitária animal, é aquele estabe-lecido no art. 7º, da Lei nº 569/48, com a redação dada pela Lei nº 11.515/2007. A norma geral que disciplina a prescrição no Direito Administrativo – art. 1º, do De-creto 20.910/1932 –, relativa à cobrança das dívidas Passivas da União, dos Estados e dos Muni-cípios, e de todo e qualquer di-reito ou ação contra a Fazen-da Federal, Estadual ou Munici-pal cede regência ao art. 7º, da Lei nº 569/48, norma específica que regula a matéria e de obser-vância obrigatória, na ação em comento, em razão do princípio da especialidade. Recurso Espe-cial a que se nega provimento. (Ementa ADV 147641*)

TRABALHO E PREVIDÊNCIA

ESTABILIDADE PROVISÓRIA – GESTANTE – DEMORA NO AJUI-ZAMENTO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – POSSIBILIDADE, DESDE QUE RESPEITADO O PRA-ZO PRESCRICIONAL. Segundo as

disposições do artigo 10, II, “b”, do ADCT, a empregada gestante tem direito à estabilidade desde a concepção – e não com a cons-tatação da gravidez mediante exame clínico – até cinco meses após o parto. Referida garantia constitucional tem como esco-po a proteção da maternidade e do nascituro, haja vista a notória dificuldade de obtenção de no-vo emprego pela gestante. Nessa esteira, esta colenda Corte con-solidou o entendimento no sen-tido de que a demora no ajuiza-mento da ação não afasta o direi-to da gestante de receber a inde-nização de todo o período esta-bilitário, desde que respeitado, é claro, o prazo prescricional. Inte-ligência da Orientação Jurispru-dencial nº 399, da SBDI-1. Recur-so de Revista conhecido e provi-do. (Ementa ADV 147409*)

FUNDO DE GARANTIA DO TEM-PO DE SERVIÇO – RECOLHIMENTO SOBRE DIFERENÇAS APURADAS A TÍTULO DE DÉCIMO TERCEIRO SA-LÁRIO, FÉRIAS + 1/3, AVISO-PRÉ-VIO E GRATIFICAÇÕES SEMES-TRAIS – LIMITES DA COISA JULGA-DA. O artigo 5º, XXXVI, da Consti-tuição Federal determina que “a lei não prejudicará o direito ad-quirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” – destaques acres-cidos. Dessa forma, a determina-ção de integrar parcelas no cál-culo do FGTS + 40%, sem que ha-ja previsão no título exequendo, ofende a coisa julgada. Recurso de Revista a que se dá provimen-to. (Ementa ADV 147412*)

RESCISÃO DO CONTRATO DE TRA-BALHO – MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT – RECONHECIMEN-TO DO VÍNCULO DE EMPREGO EM JUÍZO. Após o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 351 da SBDI-1, a jurisprudência desta c. Corte se firmou no sen-tido de que a decisão judicial que reconhece a existência de vín-culo de emprego apenas decla-ra situação fática preexistente, o que impõe a incidência da multa

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| EMENTÁRIO |

46 | Julho de 2014

do artigo 477, § 8º, da CLT, pe-lo atraso no pagamento das ver-bas rescisórias. Precedentes des-ta e. Subseção. Recurso de Em-bargos conhecido por Divergên-cia jurisprudencial e não provido. (Ementa ADV 147413*)

TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – NATUREZA TRIBUTÁRIA – DECA-DÊNCIA – PRAZO QUINQUENAL. “A jurisprudência deste Tribunal revela-se uníssona em admitir o prazo decadencial de 5 anos pa-ra a constituição de créditos de contribuições sociais, nos termos em que disciplina o art. 173, I, do CTN, mesmo em período anterior à Carta Política de 1988” – REsp. 1.017.266/RS, Rel. Ministro Jo-sé Delgado, Primeira Turma, jul-gado em 22-4-2008, DJe 21-5-2008. Na presente hipótese, so-mente em março de 2001, o INSS promoveu a execução dos crédi-tos previdenciários correspon-dentes ao período de agosto de 1988 a abril de 1992, após esgo-

tado o lapso temporal quinque-nal. Agravo Regimental improvi-do. (Ementa ADV 147631*)

EXECUÇÃO FISCAL – ARREMATA-ÇÃO – SALDO REMANESCENTE – DIFERENÇA A MENOR QUE NÃO CONFIGURA FALTA DE PAGAMEN-TO DO PREÇO. A pretensão recur-sal reside na reforma do acórdão regional que afastou a aplicação, de ofício, do artigo 98, § 6º, da Lei 8.212/91, que prevê a aplica-ção de multa sobre o saldo deve-dor, na hipótese de o arrematan-te deixar de pagar qualquer das parcelas do parcelamento. O Tri-bunal de origem firmou entendi-mento de que o aludido dispositi-vo não tem aplicação no caso dos autos, porquanto, além de não caber ao juízo da execução sua aplicação ex officio, sob pena de imiscuir-se indevidamente na ati-vidade administrativa, não hou-ve falta de pagamento do preço da arrematação, mas sim e ape-nas diferenças de valores decor-rentes da aplicação da taxa Selic sobre as parcelas. Com efeito, a própria decisão que determinou

a comprovação do depósito do valor remanescente já com a in-cidência da multa de 50% de que trata 98, § 6º, da Lei nº 8.212/91, reconhece que todas as 60 parce-las mensais foram adimplidas pe-la recorrida e que o saldo deve-dor apurado pela Contadoria Ju-dicial refere-se, na realidade, à diferença decorrente da errônea atualização monetária das parce-las, o que poderia configurar pa-gamento extemporâneo, mas não inadimplemento. Não merece re-forma, portanto, o entendimento firmado pelo Tribunal de origem quando afirma a impossibilidade de subsunção do caso às normas que ora se entende por afronta-das, as quais preveem a incidên-cia de multa de 50% do valor das parcelas não adimplidas no ven-cimento – artigo 98, § 6º, da Lei 8.212/91 – e a possibilidade de tornar sem efeito a arrematação caso não haja pagamento do pre-ço – artigo 694, § 1º, do CPC –, si-tuações que não se configuraram, in casu. Recurso Especial improvi-do. (Ementa ADV 147658*)

* Utilize os números para buscar a íntegra dos acórdãos relacionados no site www.advocaciadinamica.com

Menção a ser feita nas peças processuais e após cada acórdão do STF disponibilizado: Repositório autorizado de jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, conforme Registro nº 049 INT-11, concedido nos parâmetros da Resolução nº 330/2006.

Menção a ser feita nas ementas do TST: Repositório autorizado de jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, conforme Registro nº 36/2010, de acordo com o Ato TST.GP nº 421/99, e com as alterações constantes do Ato TST.GP nº 651/2009.

* O processo para concessão do registro do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA como repositório autorizado encontra-se em andamento.

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