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OS PERIGOS ESCONDIDOS NOS ALIMENTOS E COMO NOS PODEMOS PROTEGER Os produtos mais comuns estão carregados de substâncias que provocam doenças e podem levar à morte. Sete especialistas em nutrição, segurança e química alimentar explicam o que é possível fazer para evitar os riscos

OS PERIGOS ESCONDIDOS NOS ALIMENTOS · 2019. 2. 14. · O de contaminação do bebé por mercúrio é muito maior porque este é transmitido tanto pela pla- centa, como pelo leite

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Page 1: OS PERIGOS ESCONDIDOS NOS ALIMENTOS · 2019. 2. 14. · O de contaminação do bebé por mercúrio é muito maior porque este é transmitido tanto pela pla- centa, como pelo leite

OS PERIGOSESCONDIDOS

NOS ALIMENTOS

E COMO NOSPODEMOS PROTEGER

Os produtos mais comuns estão carregados de substâncias que provocamdoenças e podem levar à morte. Sete especialistas em nutrição, segurança e química

alimentar explicam o que é possível fazer para evitar os riscos

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Por Susana Lúcio

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maçã com que

engana a fome aK meio da manhã;

o peixe-espadagrelhado que

ao almoço,bolachas que

mastiga ao lanche ou o bife queguardou no frigorífico podem pare-cer inócuos e ate saudáveis. Mas,escondidos nestes alimentos, podemestar pesticidas, micropoluentes,aditivos e bactérias que, em últimainstância, podem levar à morte.

Não, não é exagero. O consumo de

carne contaminada em casa é a prin-cipal causa de mortalidade por infe

cão alimentar na Europa. Os aditivos

existentes nos doces que dá aos seus

filhos podem provocar alergias, hiperatividade e mesmo cancro. Os pei-xes predadores como o peixe espada e ou atum estão mais sujeitos à

contaminação por metais pesados do

que as espécies mais pequenas. Os

legumes e a fruta são muitas vezes

pulverizados por um verdadeirococktailáe pesticidas cu]os efeitos

não estão estudados: em 20Í7, foram

detetados vestígios destes produtostóxicos em 97% das mais de 84.000amostras analisadas pela Autoridade

Europeia para a Segurança Alimentar(EFSA). E cerca de 25% das culturas

no mundo estão contaminadas porsubstâncias tóxicas produzidas porfungos que podem ser cancerígenos.

Existem centenas de aditivos,

alguns necessários para conservaras características dos alimentos, e

foram estabelecidas doses diárias

admissíveis, consideradas seguras

pelas autoridades europeias e portu-guesas. Porém, há sempre um risco

no consumo de produtos com mui-tos aditivos. "Os estudos efetuados

nesta área têm alguns limites, umavez que se realizam em animais e a

extrapolação dos dados para o ho-mem não é completamente satisfa-

tória", avisa a Autoridade de Segu-

rança Alimentar e Económica(ASAE). Mais: "A dose diária admissí-vel pode ser ultrapassada, em resultado do crescente número de ali-mentos a que se podem adicionarum ou mais aditivos e, depois, da sua

combinação na dieta alimentar."Perante isto, o que devemos comer

A CARNEDEVE SER

AQUECIDANO FOGÃO E

NÃO NO MI-CRO-ONDASPARA ELIMI-

NAR ME-LHOR AS

BACTÉRIAS

A investigadorada Faculdade

de Farmácia daUniversidade

de Lisboa estu-da a presençade mercúrio na

populaçãoportuguesa

A MAIORIADOS CASOS

DE INFEÇÃOALIMENTAROCORRE EM

CASA DOSCONSUMI-

DORES

e como podemos evitar os riscos as-sociados aos diferentes alimentos? É

o que sete especialistas em nutrição,

segurança e química alimentar expli-cam à SÁBADO ao longo das próximas páginas, divididas em diferentes

categorias: carne, peixe, fruta c vege-tais, cereais e alimentos processados.

CARNEO GRANDE PERIGODAS INFEÇÕES EM CASAO O risco maior de contaminaçãonas carnes são as infeções por bac

terias, nomeadamente Listeria mo-

nocytogenes, que pode provocaraborto, meningite e até a morte.Mas, neste caso, a prevenção do

problema passa também pelo con-sumidor e não só pela produção do

alimento. "Por muitos cuidados quese tenha no abate, na desmancha e

na distribuição da carne e dos pro-dutos cárneos, se o consumidor não

transportar devidamente os alimen-tos para casa, se não os conservar

em temperaturas de real refrigera-ção cm casa (inferiores a 4 "O c se

não os cozinhar bem podem ocorrer

toxi-infeções alimentares", adverteà SÁBADO Teresa Letra Mateus,

professora da Escola Superior Agrá-ria do Instituto Politécnico de Vianado Castelo e membro do Departamento de Saúde Pública Veterináriado Instituto de Saúde Pública daUniversidade do Porto.

A bactéria está presente no solo, na

água e nos alimentos dos animais e é

tolerada até valores considerados se-

guros pela EFSA. Em 2018, a investi

gadora foi autora de um estudo quedetetou a Listeria spp - o estudo nãoanalisou se a espécie era a Listeria —monocytogenes em 15% das

amostras de carne fresca de porco ede vaca.

A indústria usa processos tecnoló

gicos e aditivos

para a reduzir,

mas é nas cozi-nhas das famí-lias qué ela é

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mais detetada. Segundos estudos re-cenres, a maioria dos casos de infe-

ção alimentar ocorre em casa dos

consumidores. "Um surto numa es

cola ou num hospital tem mais visi

bilidadc, já as toxi-infeçõcs no domi-cilio são difíceis de agregar, não tèmo mesmo impacto, sendo a maioriadas vezes subdiagnosticadas e sub-notificadas." Para a eliminar bastaconfecionar os alimentos a uma tem

peratura superior a 65 graus Celsius.

Mas mesmo que a tenha eliminado

quando cozinhou a carne, a bactéria

pode surgir novamente no frigorífico,se guardar as sobras para consumir

mais tarde. "A bactéria desenvolve-se em temperaturas baixas e quanto

mais tempo os alimentos ficam no

frigorífico, mais tempo a Listeria tem

para se desenvolver, podendo atingirfacilmente números capazes de pro-vocar doença."

Nada disto seria problemático se

o reaquecimento fosse feito a tem

peraturas apropriadas. "Hoje usa

se mais o micro-ondas c este nãoé tão eficaz quanto o fogão paraaquecer de forma uniforme a refei-ção e a temperaturas que eliminema bactéria."

A questão é que o perigo de conta

O maior risco de contamina-ção são as infeções por

bactérias como a Listeria

monocytogenes - podeprovocar aborto, meningite

e a morte

minação não se resume a uma infe-

ção alimentar. "A listeriose pode pro-vocar a morte por meningite e septi-cemia. E pode ainda provocar o

aborto." É mesmo a principal causade mortalidade por origem alimentarna Europa.

UM ESTUDOIDENTIFICOU

NÍVEIS DEMERCÚRIOELEVADOS

NO SANGUEDE RECÉM--NASCIDOS

A ESCOLHADE PEIXE

DEVE RECAIREM ESPÉCIES

PEQUENASCOMO A

SARDINHAOU O

CARAPAU

per capita Cada português ingerecerca de 56,5 kg por ano, quando amédia na União Europeia não passados 22,7 kg. Só a Islândia (91 kg/ano)e o Japão (65 kg/ano) consomemmais. São boas notícias porque o peixe é rico cm ácidos gordos polinsaturados, ómega 3 importantes para asaúde do sistema cardiovascular e

essenciais durante a gravidez para odesenvolvimento do feto.

Mas algumas espécies estão sujeitasà poluição que existe nos oceanos,nomeadamente a metais pesados

comocádmio, arsénio

e chumbo e a

poluentes orgâ-nicos persisten-tes (POP), estes últimos produzidossobretudo pela indúsrria e pela agricultura. A concentração de mefilmer

cúrio, a substância sintetizada do

mercúrio por bactérias, é o problemamais preocupante porque prejudicao desenvolvimento neurológico.

Mas não risque o peixe da sua listade compras. Há que saber esco-lher. Deve-se reduzir o consumo de

peixes predadores que se alimen-tam de outros peixes e assim acumulam mais mercúrio no organismo", explica à SÁBADO CristinaCarvalho, investigadora do Institutode Investigação do Medicamento daFaculdade de Farmácia da Univer-sidade de Lisboa.

Estamos a falar de animais de

maior porte como o peixe espadapreto, o atum (fresco), o espadarte,o cação e os da família dos tuba-rões como a tintureira e o anequim."O atum enlatado é de outra espé-cie e tem 10 vezes menos mercúrio

que o vendido fresco", garante a

investigadora.A escolha deve recair em espécies

pequenas como a sardinha, o cara-

pau, a sarda e nos peixes produzidosem aquacultura, como a dourada e o

salmão, onde a alimentação é maiscontrolada e que são ricos em ácidos

gordos ómega 3.

O problema d mais premente nasmulheres grávidas. "E uma altura em

que não devem deixar de comer pei-xe porque o ómega 3 é muito impor-tante para o desenvolvimento do

feto", mas também em que o risco O

PEIXEOS RISCOS PARAGRÁVIDAS E CRIANÇASO Portugal c o terceiro pais no mun-do onde se consome mais pescado

Inovações parareduzir os riscosOs cientistas estão a

desenvolver novas técnicaspara minimizar o uso de

aditivos e pesticidas

Alta pressãoSubmetem-se os alimentos

a pressões muito elevadas,

geradas pela água, que

terar significativamente os

alimentos. Usados nos sumos, es-

tuda-se a sua aplicação na fruto

fresca fatiada.

destroem os micróbios sem ai

Embalagens ativasSão recipientes com agentes debiocontrolo, como bactérias, que

absorvem gases ehumidade de modo a

conservar os alimentos.

BacteriófagosSão vfrus inofensivos para

os humanos que destroem cer-tas bactérias como Listeria spp.

sem eliminar outros micro-

-organismos presentes nosalimentos e que são benéficos.

NanoencapsulaçãoUso da nanotecnologia para en-

capsular nutrientes, comovitaminas, que são libertados de

forma controlada paraserem totalmente absorvidaspelo intestino. Permite ainda

abrandar a oxidação e

aumentar o tempo de

prateleira dos produtos.

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O de contaminação do bebé pormercúrio é muito maior porqueeste é transmitido tanto pela pla-centa, como pelo leite materno.

A presença do metal nos oceanosdeve-se à poluição humana, sobre-tudo mineração c várias outras in-dústrias, mas também a fenómenos

naturais, como o desgasto natural da

crosta terrestre, e está presente emzonas vulcânicas, como a ilha da Madeira. Foi aqui, onde o consumo de

peixe espada c espadarte domina a

gastronomia, que a investigadora en-controu números preocupantes.

"Fizemos um estudo com mais de500 mulheres grávidas, recolhemos

amostras de sangue c no cordão um-bilical dos bebés quando nasceram e

verificámos que em 30% delas a pre-sença de mercúrio no sangue supe-rava o limite máximo definido pelaOMS, 10 microgramas por litro", ex-plica a investigadora. Durante a realização do estudo, que foi submetido

para publicação no Journal ofToxicology and Environmental Health as

mulheres foram informadas sobre as

espécies de peixe que não deviamconsumir e nas amostras do cordãoumbilical os valores de mercúrio não

eram tão elevados. "Notámos umamodificação de hábitos alimentares edevemos continuar a informar a po-pulação." Um estudo anterior esti

mou em 28% o número de mulheres

em risco em Portugal Continental.

As crianças também são um gru-po de risco e o consumo destes

peixes predadores deve ser evita-da especialmente nos primeirosanos de vida. As mulheres queplaneiam engravidar não devemcomer mais do que uma refeiçãodestes peixes por mês.

Segundo o Plano de Colheitas de

Amostras da ASAE, em 2017, foramdetetados valores superiores cm 8%das amostras de pescado analisadas.

CEREAISTOXINAS NATURAIS E

IMPOSSÍVEIS DE ELIMINARO Um dos riscos que poderão não

ser visíveis para o consumidor é a

presença de toxinas produzidas porfungos que podem contaminar vá-rios alimentos, incluindo produtos

agrícolas. "As micotoxinas são sub

stâncias naturais que se desenvol-vem nos alimentos quando ocorremcondições ideais de humidade e

temperatura", explica à SÁBADO

Paula Alvito, investigadora do Insti-tuto Nacional de Saúde Doutor Ri-cardo Jorge (INSA).

Os bolores que se desenvolvem nafruta e no pão podem conter micotoxinas e estas podem ser detetadas

nos campos, durante a colheita, no

armazenamento e no transporte dos

alimentos. "É um problema mundial,estima-se que cerca de 25% das cul-

As alfaces e o efeitodos medicamentosOs cientistas investigam apassagem do paracetamol dosolo e da água para alimentos

Para além dos pesticidas.foram detetados resíduos defármacos corno paracetamol c

ibuprofeno, ainda que em con-

centrações baixos, em solos e

águas subterrâneas. "Osfárma-cos são excretados e vão pa-rar às águas residuais", exp li-

ça a professora Cristina Delerue--Matos do instituto Superior de

Engenharia do Porto. As esta-

ções de tratamentos de águasresiduais não têm capacidadepara eliminar estes mícropoluen-:es e podem aparecer nos ali-

mentos. A cientista coordenauma equipa que está a avaliar

em laboratório o nível de toxici-

dade, usando plantas como a al-

face, e a desenvolver técnicas

que permitam a sua remoção.

Os peixes de maior portealimentam-se de outros mais

pequenos e assim acumulammais mercúrio no organismo

PaulaAlvito

A investigadorado InstitutoNacional de

Saúde DoutorRicardo Jorge

analisa a

presença demicotoxinas

nos cereais e

na fruta

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turas estejam contaminadas", diz a

investigadora. São substâncias tóxi-

cas que se desenvolvem sobretudo

em climas semitropicais e tempera-dos e que resistem ao processamentoindustrial. Por essa razão, é ainda im-possível eliminá-los por completodos alimentos.

O problema é que das centenasde micotoxinas existentes, algu-mas têm efeitos tóxicos comoperturbações nos sistemas diges-tivos, renais e imunitário e podemmesmo provocar cancro. Segundoa Agência Internacional de Invés

tigaçâo em Cancro, da Organização Mundial de Saúde, as mais

perigosas são as aflatoxirias e as

ocratoxinas.O trigo, o milho, a cevada, o sorgo e

o arroz são alguns dos cereais onde

podem surgir as aflatoxinas. Váriosestudos concluíram que estas subs-tâncias podem provocar cancro, no-meadamente, no fígado. O problematambém foi detetado em Portugal.Em 2017. um estudo do INSA, publi-cado em 2017, analisou 83 amostrase encontrou micotoxinas em 96%dos cereais de pequeno-almoço,50% das farinhas infantis, 50% das

bolachas, 40% das fórmulas infantis e

19% dos leites UHT. Mas todos os va-

lores estavam abaixo dos limitesmáximos permitidos pelas Comissão

Europeia, valores estes que foramdeterminados por vários estudos

toxicológicos através dos quais foramdefinidas doses diárias toleradas porquilograma de peso corporal, consideradas seguras.

A ASA£ realiza programas de con

DulceRicardo

A engenheiraalimentar daDeco realizouestudos quedetetaram

pesticidas emazeite c vinho

SE COMER-MOS SEMPREOS MESMOSALIMENTOSPODEMOS

ESTAR MAISEXPOSTOS

ÀS TOXINAS

PãoOs bolores que se desenvol-vem no pão podem contermicotoxinas que provocam

perturbações no sistema¦, digestivo, renal e imunitário

trolo nacional para verificar se os

teores encontrados não ultrapassamos valores máximos permitidos por

lei. E foi criado o Sistema de Aler-ta Rápido para a AlimentaçãoHumana e Animal através do

qual os países europeus são

notificados quando são detetadosalimentos com valores superioresaos legislados. No ano passado, aASAJi fez 12 notificações sobre a en-trada no País de produtos com valo-

res superiores aos permitidos de

aflatoxinas, a maioria de produtosimportados.

"Não há contaminação zero",

salienta a investigadora Paula Alvito."Mas a situação está controlada." Aúnica forma de evitar problemas de

saúde é ter uma alimentação diversificada. "Se comermos sempre os

mesmos alimentos podemos estar

mais expostos às toxinas."

O problema é inerente à agricultura, mas foi ignorado até ao século

passado. Foi em 1962, quandomorreram cerca de fO.OOO peruscm Londres que se descobriram as

micotoxinas a ração à base de

amendoins estava contaminadacom aflatoxinas. "As micotoxinas

sempre existiram, mas nós nãotínhamos em termos analíticos ca

pacidade para as deterar."As micotoxinas controlam-se se se

respeitarem as boas práticas agrícolas: o momento em que se colhe o

produto, o tempo que fica a secar,como é feito o transporte e o arma-zenamento. "Há investigação a de-correr para desenvolver produtos

que mitiguem o desenvolvimentodos fungos."

FRUTAE VEGETAISBOLORES E COCKTAILSDE PESTICIDASO A fruta também pode ser conta-minada por micotoxinas. "Entre as

toneladas de frutos que são usados

para fazer sumo, pode haver frutos

estragados ou com partes podresonde se desenvolvem fungos quepodem produzir toxinas", explica a

investigadora Paula Alvito. O

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O A patulina ca mico toxina quepode contaminar maçãs - e estar

presente nos sumos -. pêras, pêsse-

gos, cerejas e uvas. Segundo a lARC(International Agency for Research

on Câncer), esta micotoxina pode terefeitos tóxicos no sistema nervoso eno sistema imunológico. Em 2016, a

patulina foi detetada em Portugal so-bretudo em pêras e maças num es-tudo que analisou 50 amostras defruta durante o processo de fabricode sumos. Realizado pelo INSA, o es-tudo Avaliação dos Teores de Patuli-na em Sumos de fruta durante o

Processamento Industrial concluiu

que os valores encontrados estavamabaixo do permitido pela lei, pelo

que se concluiu que havia "qualida-de no processo industrial".

Esta micotoxina também podedesenvolver-se na fruta que temem casa. Se tiver peças de frutacom bolor, o melhor é deitá-la fora.Mesmo a parte que aparenta estarcomestível pode estar contaminadacom micotoxinas.

Outro contaminante presente nafruta e nos vegetais são os pesticidase há vestígios destes produtos tóxi-cos usados para eliminar parasitasem quase todos eles. No seu últimorelatório, em 2017, a EFSA detetou

vestígios de pesticidas em 97% das

84.341 amostras analisadas, entre

bananas, beringelas, brócolos, crvilhas, sumo de laranja e pimento. A

maioria dos valores encontradosestava abaixo do limite máximo de

resíduos definidos. Mas foramdetetados valores superiores em5,6% de produtos provenientes de

países fora da Europa e em 1,7% de

produtos europeus.Estes vestígios dentro dos limites

foram estudados e considerados

seguros, mas mais uma vez, isso foifeito individualmente para cada pes-ticida. "O problema é que em vez de

um pesticida encontrámos cinco. Háum efeito-cockta/íque não está estu-

dado", alerta Dulce Ricardo, enge-nheira alimentar da Deco, "E é difícil

estudar os efeitos que a ingestão si-multânea pode ter na saúde." Foramdetetados mais de 774 pesticidas di-ferentes e em 28% das amostras, so-bretudo nas uvas, bananas, passas e

pimentos, foram encontrados vários

na mesma peça.Se as boas práticas agrícolas fo-

rem respeitadas - fazer a colheitana altura apropriada após o uso do

pesticida - os vestígios são meno-res. "Os produtores usam menos

quantidade de pesticida, mas estão

a usar mais variedade numa só

cultura, porque é mais fácil obteruma rentabilidade boa."

Embora necessários, os pesticidassão químicos tóxicos responsáveis

por problemas graves como redu-

ção na fertilidade, cancro, altera

ções do sistema imunitário e doen-

ças degenerativas do sistema

nervoso, segundo a ASAE.

E não é só na fruta e nos vegetais

que se podem encontrar. Em 2018, a

Deco analisou a presença de pesti-cidas em 24 marcas de azeite vir-

gem extra e detetou resíduos emcinco. "Nenhum no limite máximo",

assegura Dulce Ricardo. Antes, em2015, foram estudados 325 vinhos,

incluindo 75 portugueses. "Cerca de

70% dos vinhos continham pestici-das, mas no limite permitido."

Os vegetais, como a alface, tam-bém podem estar contaminados,como revelou um estudo da Decoem 2007. "Analisámos 90 amostrasincluindo fruta, alface, beringela e

uvas", diz Dulce Ricardo. "Cinco

marcas atingiram os limites máximos

permitidos de pesticidas."

Nuno DiasO engenheiro

químico da

Deco defendeque os aditivos

que geramsuspeitas

deviam ser

proibidos

EM 2018,A DECO

ENCONTROURESÍDUOS DEPESTICIDASEM CINCO

MARCAS DEAZEITEVIRGEMEXTRA

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O investigador Sebastião Rodri-

gues do Centro de Toxicogenómicae Saúde Humana da Faculdade de

Ciências Medicas da UniversidadeNova de Lisboa, confia nos limites

impostos pela lei e salienta que nemtudo o que é natural é saudável."Lembro-me do caso de um agricul-tor americano que criou uma varie-dade de alho-francês resistente aos

insetos para usar menos pesticidas.Ao fim de três anos, as autoridades

registaram uma série de interna-mentos hospitalares de pessoas quetinha ingerido esse alho-francês - a

planta produzia toxinas para se

proteger dos Insetos.'Comer fruta sem pesticidas é pos-

É POSSÍVELCOMER LE-GUMES SEMPESTICIDAS:DEVE-SE LA-VAR BEM OSAUMENTOS

EM ÁGUACORRENTE

Corantes e conservantespodem provocar cancro

10 aditivos perigosos

Carmosína (E122), usado

em sopas, refrigerantes, pastelaria,delícias do mar e ovas de peixe.

Azul patenteado V (E131),encontrado em aperitivos,bebidas alcoólicas e decoraçõesde pastelaria.

Verde S (E142), usado em ge-leias, frutos cristalizados,

gelados, doces e sopas.

margarinas, queijo curado, queijofundido aromatizado o cercais.

Anato (El6ob), incluído em

Negro PN (E151), adicionado a

sopas, temperos, condimentos e

bebidas alcoólicas.

Dióxido de titãnio (E171).mineral encontrado empastilhas e drageias.

Prata (E 174), metal adicio

nado a licores e decoraçãode chocolate.

Dióxido de enxofrevkid&lJ), presente em salsi-

chas frescas, milho doce emba-lado em vácuo e em sumo de

lima e limão.

sível. "O ideal era que os alimentos

chegassem ao consumidor sem

qualquer vestígio." Para evitar a sua

ingestão, deve lavar bem os ali-mentos frescos em água corrente."É mais seguro descascar a fruta,mais isso implica perder a fibra queestá na casca."

PROCESSADOSOS ALIMENTOSCOLORIDOSQUE ENVENENAMO Fritos de milho, bebidas alcoóli

cas, bolos coloridos, refrigerantes,molhos, bolachas e refeições preparadas são alimentos cada vez mais

populares, mas que escondem um

perigo - são os que mais aditivos

concentram. A maioria destas subs

tâncias é usada para conservar os

alimentos, mas também são adictonados adoçantes, intensificadores desabor e corantes que, em excesso,

podem ser prejudiciais para a saúde.

Centenas destes aditivos podemprovocar reações alérgicas e hipera-tividade em crianças. Sobre outros há

suspeitas de que podem ter efeitos

cancerígenos: c o caso da sacarina(E954). "É um substituto do açúcarusado em refrigerantes que foi asso

ciado a cancro da bexiga em estudos

com animais", explica à SÁBADO

Nuno Dias, engenheiro químico da

Deco. Entretanto foram realizados

outros estudos que obtiveram resul-tados inconclusivos. "São estudos O

Foram detetadas micotoxinas,substâncias tóxicas produzidas

por fungos, que podem provocarinflamação intestinal

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D com limitações porque os animaisrém uma esperança de vida menor

que a dos humanos. E também por-que não avaliam nos animais outras

doenças, como a depressão."A indústria só pode incluir quanti-

dades limitadas de aditivos, chama-das doses diárias admissíveis, determinadas pela ErSA após testes toxi-

cológicos com animais. Mas. tal

como acontece com os pesticidas(ver textos seguintes), também aquinão é conhecido o efeito cumulativodo consumo de aditivos. "Se consumir muitas vezes um alimento comaditivos posso ultrapassar esse va-lor seguro", explica o engenheiroquímico da Deco. O risco é aindamaior nas crianças: "Elas correm

especial risco, porque têm um bai

xo peso corporal."Pior: não são conhecidos os efei

tos da mistura de vários aditivos

num alimento. "Só quando se notamdeterminadas reações c que se elaboram estudos sobre a mistura de

aditivos", crítica Nuno Dias. Foi o queaconteceu em 2007, quando a Universidade de Southampton, no ReinoUnido, investigou a relação entre do-ces com corantes Ingeridos porcrianças e a desordem por défice de

atenção c hiperatividade. Os investi-

gadores analisaram o comportamento de 300 crianças, entre os 3 e os 8

anos, após a ingestão de alimentos

com os corantes tartrazina (E102), oamarelo de quinoleína (E104), ver-melho Allura AC (E129), vermelhocochonllha A (E124), Carmosina(E122). Amarelo-sol TCE (E110) e oconservante benzoato de sódio.

O estudo, publicado na revista Lan-cet. concluiu que aqueles aditivos,

presentes cm refrigerantes, gomas e

biscoitos, aumentavam "significativãmente" os comportamentos hipe-rativos e de défice de atenção. Os

cientistas consideraram mesmo quea proibição poderia reduzir cm 30%os casos de hiperatividade no ReinoUnido. A ErSA voltou a estudar os

corantes, mas não os proibiu. "Consi-

derou se haver limitações no estudo

britânico e, em vez de os proibir, tor-nou obrigatório incluir no rótulo dos

produtos a frase "podem causar efei

tos negativos na atividade e atençãodas crianças'", diz Nuno Dias. Ainda

Os refrigerantes têm '

corantes e conservan-ites que podem levar ,

á formação de benze-

no, uma substância

cancerígena

OS ADITIVOSPARA TOR-NAR A COR

DOS ALIMEN-TOS MAISATRATIVA

PODEM PRO-VOCAR ASMAE URTICÁRIA

assim, a medida gerou resultados.

"Alguns produtores deixaram de usar

os corantes para não terem de incluir

essa frase." Não é o caso de algumasmarcas de gomas.

Os aditivos usados para tornar a cordos alimentos mais atrativa, nomea-damente os sintéticos, podem provocar ainda reações alérgicas comocrises de asma, urticária, lacrimejo,eczema e choque anafilático. Há co-

rantes, como o Amarante (E123) queforam banidos nos tstados Unidos e

na Rússia devido a estudos queapontam para possíveis efeitos can-

cerígenos, mas que são permitidosna União Europeia. A EFSA conside

rou que os estudos não eram conclu-

sivos, mas reduziu a dose diária ad

ODoces

As gomas e os bolos de

pastelaria coloridos contêmvários aditivos que estão as-sociados a comportamentos

hiperativos

|\ missível de 0,8 mg/kg para O.ls%\ mg/kg. Para além dos doces, os

corantes surgem ainda em%\ conservas de frutos verme-W\ lhos. peixe fumado, nas deli¦I cias do mar e queijo fundidoMi aromatizado.H |á a Deco defende que ai

H guns aditivos deviam ser reti-¦ rados do mercado. "QuandoU há dúvidas, a EFSA devia proi-K bir o seu uso."K Para alem dos corantes, há ouW tros aditivos sobre os quais re-

caem suspeitas. Muitos conservan-

tes, necessários para evitar a deterio

ração dos alimentos, estão associados a reações alérgicas c alguns es-tão associados a efeitos cancerígcnos. É o caso do benzoato de sódio

quando associado com o ácido as-córbico ou vitamina C e usados so

bretudo em refrigerantes. "Desco-briu-se que em determinadas condi-

ções estas duas substâncias podemlevar à formação de benzeno, umquímico cancerígeno", salienta NunoDias. O hidrocarboneto. libertadotambém pelos tubos de escape dos

automóveis e pelo fumo dos cigarros,forma-se dependendo da luz e da

temperatura. Em 2005, a agência de

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segurança alimentar norte--americana encontrou 10 amos-

tras em 200 com níveis supe-\ riores aos considerados segu-

j. ros (5 partes por bilião).

7 O ideal seria seguir umadieta sem aditivos, "mas isso

é impossível no mundo de hoje".A melhor forma de se proteger é ler

a lista de ingredientes e escolher os

produtos com menos aditivos. Porlei, estas substâncias têm de estarmencionadas por classe, se são

conservantes ou corantes, e pornome ou número. "Mas os Es quasedesapareceram dos rótulos porqueos consumidores associam-nosmais a substâncias a evitar."

A nutricionista Mafalda Rodriguesde Almeida defende uma alimenta

ção livre de aditivos e há 12 anos

que a pratica. "O meu problema é

não se saber a relação entre aditivos

presentes em vários alimentos. Acho

que todos os dias vou exceder adose diária que a EFSA diz ser segu-ra", argumenta. "Ninguém fala de

doses seguras em cenouras porquenão têm toxicidade."

Prefere produtos naturais e frescos,

como a fruta da época "porquetem os nutrientes que necessitamos

para essa altura do ano" -, vegetais,as massas frescas e o pão sem aditi-vos. "O pão deve ter apenas farinha,sal e fermento, não uma lista de vá-rias linhas de ingredientes." Evita as

bolachas, os cercais de pcqucno-al-moço e as leguminosas enlatadas,

por terem excesso de sal.

São escolhas que acabam por ser

mais dispendiosas. "Alocamos muito

pouco do nosso orçamento para ali-

mentação, apenas 11 a 15%", defende."Penso que se torna mais económico

a longo prazo porque podemos evi-tar uma série de patologias associa-

das à alimentação."Para o investigador do Centro de

Toxicogenómica e Saúde Humanada Faculdade de Ciências Médicas daUniversidade Nova de Lisboa, Sebas-

tião Rodrigues, o problema são os

hábitos alimentares. "É o consumoexcessivo dos produtos e não dos

aditivos que provocam problemas de

saúde. Até o consumo excessivo de

frutose [açúcar da frutal pode levar a

um fígado gordo e à diabetes." O

MafaldaRodrigues

deAlmeida

É nutricionistae defende uma

alimentaçãolivre de aditivos

e rica em ali-

mentos frescos

SebastiãoRodriguesInvestigador noCentro de Toxi-

cogenómica eSaúde Humanada Faculdade

de CiênciasMédicas da Uni-

versidade Nova

MUITOSCONSERVAN-

TES ESTÃOASSOCIADOSA REAÇÕESALÉRGICASE A EFEITOSCANCERÍGE-

NOS

Page 11: OS PERIGOS ESCONDIDOS NOS ALIMENTOS · 2019. 2. 14. · O de contaminação do bebé por mercúrio é muito maior porque este é transmitido tanto pela pla- centa, como pelo leite