Upload
ketilin-silva
View
60
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
KETILIN KELI DA SILVA
OS PRIMEIROS CONTATOS ESTABELECIDOS ENTRE OS XOKLENG E OS
IMIGRANTES ITALIANOS NA CIDADE DE URUSSANGA, SANTA CATARINA
Tubaro
2012
KETILIN KELI DA SILVA
OS PRIMEIROS CONTATOS ESTABELECIDOS ENTRE OS XOKLENG E OS
IMIGRANTES ITALIANOS NA CIDADE DE URUSSANGA, SANTA CATARINA
Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Graduao em Histria da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial obteno do ttulo de Licenciado em Histria.
Orientador: Prof. Dra. Deisi Scunderlick Eloy de Farias
Tubaro
2012
KETILIN KELI DA SILVA
OS PRIMEIROS CONTATOS ESTABELECIDOS ENTRE OS XOKLENG E OS
IMIGRANTES ITALIANOS NA CIDADE DE URUSSANGA, SANTA CATARINA
Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Graduao em Histria da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial obteno do ttulo de Licenciado em Histria. .
Tubaro, 03 de julho de 2012.
______________________________________________________ Deisi Scunderlick Eloy de Farias, Prof. Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________ Alexandre de Medeiros Motta, Prof. Msc. Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Elvis Diene Bardini, Prof. Msc. Universidade do Sul de Santa Catarina
Aos meus pais e irms, que tanto me
incentivaram a apoiaram.
AGRADECIMENTOS
Agradeo, primeiramente, aos meus pais, Jaime e Marli, e irms, Fabiana
e Karini, e sobrinha, Lvia, que so a minha base e que me ensinaram valores muito
importantes.
Tambm quero externar meu agradecimento ao Pedro e a Renata,
pessoas que amo e me ouviram e ajudaram em todos os momentos de ansiedade e
insegurana.
A minha professora, orientadora e coordenadora Deisi Farias, que uma
pessoa que admiro e me espelho profissionalmente, agradeo pela excelente
orientao, pela pacincia e oportunidade de trabalhar com voc.
Aos professores do Curso que nos acompanham por toda a caminhada e
nos ensinam no apenas com suas sabias palavras, mas tambm com o exemplo de
profissionais que so.
A experincia a mestra das coisas. (Leonardo da Vinci)
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo principal identificar de que forma ocorreram
os primeiros contatos entre o ndio Xokleng e o imigrante italiano em Urussanga e de
que maneira esses conflitos gerados por diferenas culturais, levaram a muitas
vtimas e consequente extino do grupo indgena na regio. Os italianos imigraram
para o Brasil no sculo XIX, impulsionados por promessas de uma vida melhor,
feitas pelo governo do Brasil e da Itlia, j que em seu pas de origem enfrentavam
uma srie de problemas polticos, econmicos e sociais. O grupo indgena que
habitava o territrio que compreende a antiga colnia e atual municpio de
Urussanga o Xokleng, que eram chamados de botocudos, bugres e at selvagens,
entraram em confronto com os imigrantes italianos, acabando sendo extintos por
estarem em nmero menor e no poder competir com a arma de fogo do imigrante
italiano. Passados muitas dcadas, esse contato ainda est presente na memria da
populao de Urussanga, fato esse identificado nas entrevistas realizadas com os
moradores antigos, os quais contribuem contando lembranas de seus
descendentes da vinda para o Brasil e do contato com o ndio.
Palavras-chave: ndio Xokleng. Imigrante. Conflito. Memria.
ABSTRACT
The present work has as main objective, identify how occurred the first contacts
between the Xokleng Indian and the Italian immigrant in Urussanga, and how these
conflicts caused by cultural differences, led to many victims and the consequent
extinction of the indigenous group at this area. The Italians immigrated to Brazil in the
XIX century, influenced by promises of a better life, made by the governments of
Brazil and Italy, cause in their home country they were facing a number of political,
economic and social problems. The indigenous group who lived in the territory that
comprises the old colony and now the present city of Urussanga is the Xokleng, they
were called Botocudos, Bugres and even Savages, these indians clashed with Italian
immigrants, and eventually being extinct cause they were outnumbered and not able
to compete with the fire guns of the Italian immigrant. After many decades, such
contact still present in the memory of the Urussanga population, this fact was
identified in interviews with old residents which ones contribute telling the memories
of their descendants that came to Brazil and made contact with the Indian.
Keywords: Indian Xokleng. Immigrant. Conflict. Memory.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 01 Cartaz de propagandas martimas italianas, incentivando a imigrao
................................................................................... Erro! Indicador no definido.7
Figura 02 Mapa do ncleo de Urussanga .............................................................. 19
Figura 03 Colonos voltam da floresta com trs pequenos ndios ........................... 34
Figura 04 Ado Bettiol ............................................................................................ 41
Figura 05 Joo Trento ............................................................................................ 41
Figura 06 Zelinda Pelegrin ..................................................................................... 41
Figura 07 Emblema do centenrio de Urussanga .................................................. 44
Figura 08 Representao do ndio caando ........................................................... 47
Figura 09 Pequeno ndio - Acary - aprisionado na floresta dois anos depois de
conviver com os imigrantes ....................................................................................... 49
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................. 10
2 OS IMIGRANTES ITALIANOS E OS XOKLENG: UM COMEO DE
ABORDAGEM ....................................................................................................................... 14
2.1 A VINDA DOS IMIGRANTES ITALIANOS PARA O BRASIL ................................. 14
2.2 OS XOKLENG: NDIOS QUE HABITARAM O TERRITRIO DE URUSSANGA .. 21
3 OS PRIMEIROS CONTATOS E CONFLITOS ENTRE IMIGRANTES ITALIANOS
E NDIOS XOKLENG EM URUSSANGA .......................................................................... 25
3.1 OS CONTATOS E CONFLITOS .................................................................................... 25
3.2 FATORES DOS CONFLITOS ENTRE O IMIGRANTE ITALIANO E XOKLENG EM
URUSSANGA .......................................................................................................................... 36
4 ORALIDADE E MENTALIDADE: A VISO DO COLONIZADOR SOBRE O
CONTATO COM O NDIO XOKLENG ............................................................................... 40
4.1 DISCUSSO E ANLISE DAS ENTREVISTAS ......................................................... 42
5 CONCLUSO ................................................................................................................... 54
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 57
APNDICES ........................................................................................................................... 59
APNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............. 60
APNCICE B ROTEIRO DA ENTREVISTA ................................................................. 61
10
1 INTRODUO
O presente trabalho monogrfico tem como objeto explicar como ocorreu
o contato entre os italianos e os ndios Xokleng na cidade de Urussanga, SC. Para
isso, pesquisou-se o processo migratrio de italianos para o Brasil, mais
especificamente para a cidade de Urussanga, localizada no Sul do Estado de Santa
Catarina.
Para a realizao deste estudo, analisamos o contexto social, poltico e
econmico da Itlia e do Brasil do sculo XIX. A partir do ano de 1870, o Brasil
comeou a receber os primeiros imigrantes italianos, impulsionados por problemas
socioeconmicos que estavam ocorrendo no Continente Europeu e atingiu uma
grande massa da populao italiana.
No mesmo momento, a escravido no Brasil passava a ser vista como um
mau negcio, j que com o surgimento das indstrias precisava-se de mo de obra e
consumidores para movimentar a economia. Nesse perodo, o Brasil precisava
alterar seu sistema produtivo, j que fora o ltimo pas da Amrica a acabar com o
regime de escravido. Nesse momento, o governo brasileiro precisando se encaixar
nos novos padres, e ao mesmo tempo sendo pressionado pela Inglaterra (pas
precursor na implantao de Indstrias) e por uma srie de movimentos contra a
escravido, acabou decretando a abolio deste regime.
Mas o governo brasileiro, no via o trabalhador negro e ex-escravo como
um candidato ao trabalho assalariado, j que as ideias racistas de superioridade do
homem branco que se espalhavam por todo o mundo gerando o fortalecimento do
nacionalismo e uma consequente necessidade de construo de uma identidade
nacional baseada nos padres europeus, que o Brasil ainda no possua.
Mas de que forma o Brasil iria se identificar com os padres europeus se
grande parte da populao que estava vivendo aqui era negra? A resposta
encontrada para este problema foi facilitar a entrada de imigrantes para o Brasil, que
ocorreu atravs do agenciamento de imigrantes, os quais passaram a encontrar
nesse pas a esperana de terras e de uma vida nova e digna, que no estavam
tendo em seu pas de origem.
Os imigrantes ento ocuparam e fundaram na regio sul, em 1877, a
colnia de Azambuja, atual cidade de Pedras Grandes, que chegou a ser
11
considerada a principal colnia italiana da regio, recebendo em 28 de abril do
mesmo ano, aproximadamente 90 famlias de origem italiana.
Cerca de um ano depois, em 1878, comeou a colonizao de
Urussanga, que inicialmente era bastante dependente da colnia vizinha de
Azambuja, que possua um centro comercial de significativa importncia para o
abastecimento de Urussanga e regio. Porm, logo Urussanga tornou-se uma das
principais colnias italianas da regio.
O colonizador italiano, quando chegou a Urussanga, iniciou um processo
de desmatamento, plantao, colheita e construo, dando os primeiros passos para
iniciar uma nova vida, sem, no entanto, considerar que ali viviam vrios grupos
indgenas Cedo ou tarde o contato aconteceria e inicialmente havia uma curiosidade
natural de ambas as partes. No entanto, logo os conflitos se iniciariam ocasionados
pelos estranhamentos entre os dois grupos. Muitas so as histrias que justificavam
as causas desses conflitos, atribuindo a culpa ora ao ndio, ora ao imigrante. O que
de fato sabemos que essa guerra deflagrada gerou uma convivncia difcil entre
esses dois povos de culturas to distintas.
Assim, percebemos a necessidade de esclarecer a viso preconceituosa
de evoluo de Edward B. Tylor de selvagem, brbaro e civilizado, onde o ndio
encontra-se no estgio de selvagem, e o europeu do sculo XIX no estgio de
civilizado. Diante dessa teoria, o ndio torna-se um no civilizado, incapaz de viver
em sociedade e por esse motivo deve ser dominado, ensinado, para que possa
evoluir dentro desse processo.
No entanto, para entendermos os conflitos, optou-se por investigar
atravs dos documentos e bibliografias especializadas a mentalidade dos dois
referidos grupos em relao ao territrio ocupado, ou seja, o indgena obtinha a terra
como local de moradia e como fonte de alimentao atravs da caa de animais
nativos e da coleta de frutos; j o imigrante italiano, que tinha uma concepo da
terra como propriedade privada, inicia a agricultura nas terras para produzir
alimentos para a prpria subsistncia e tambm para o comrcio.
Alm do estudo bibliogrfico, tambm utilizamos a Histria Oral como
forma de entender os conflitos entre imigrantes e ndios. Foram realizadas
entrevistas com moradores, descendentes de italianos que residem em Urussanga.
Segundo Delgado (2010, p. 22), as histrias de vida so extremamente
importantes para entendermos, os ambientes, mentalidade e costumes de
12
determinada poca. E por meio das entrevistas buscamos compreender de que
formas as ideologias, costumes e mentalidades impulsionaram tantos conflitos.
Assim, esse estudo importante para esclarecer os pr-conceitos
existentes ainda nos dias atuais em relao aos ndios, e de que forma os conflitos
ocorridos com os imigrantes italianos contriburam para a extino dos grupos de
indgenas que habitavam a antiga colnia e atual cidade de Urussanga.
Temos como objetivo geral Investigar como foi o contato entre os grupos
Xokleng e o imigrante italiano, avaliando as circunstncias que levaram o grupo
indgena extino na regio de Urussanga, contribuindo para aumentar ainda mais
a imagem do indgena como um ser brbaro e maldoso.
E objetivos especficos: Analisar os fatores scio-culturais que levaram os
italianos a imigrarem para o Brasil, mais precisamente para o sul de Santa Catarina;
Identificar qual grupo indgena ocupava o territrio compreendido pelo municpio de
Urussanga e quais eram suas principais caractersticas sociais, culturais, polticas e
econmicas; Identificar quando e como ocorreram os primeiros contatos entre o
grupo indgena e os imigrantes italianos; Realizar entrevistas com moradores mais
antigos do municpio de Urussanga que se recordam de acontecimentos referentes
aos contatos entre os indgenas e os imigrantes e caracterizar os fatores que
levaram a extino dos grupos indgenas que habitaram Urussanga no perodo do
contato, cunhando o ndio como um ser brbaro e maldoso.
Elegemos, ento, como questo central a investigao sobre os
primeiros contatos estabelecidos entre os imigrantes italianos e os grupos
indgenas, habitantes do municpio de Urussanga, localizado no Sul de Santa
Catarina.
O presente trabalho ficou dividido em seis captulos:
O primeiro capitulo uma introduo ao assunto pesquisado. O capitulo 2
trata da vinda dos imigrantes italianos para o Brasil, nele discute-se o contexto
social, poltico e econmico da Itlia e do Brasil, para que possamos entender o que
impulsionou a vinda de imigrantes.
O terceiro captulo aborda a questo dos Xokleng e o territrio por eles
ocupados, ali dissertado sobre as caractersticas gerais do grupo indgena.
No quarto capitulo enfatiza-se os primeiros contatos e os conflitos entre os
imigrantes italianos e ndios Xokleng, onde so expostas as histrias dos primeiros
desentendimentos e vtimas.
13
No quinto captulo fazemos uma anlise dos fatores que levaram aos
conflitos entre os dois grupos, fazendo uma comparao das vises de terra,
trabalho, estado de ambos, a fim de compreender a motivao dos conflitos.
No sexto e ltimo captulo, discorremos sobre a importncia e
metodologia da histria oral para o trabalho realizando, trabalhando ainda a anlise
e discusso das entrevistas realizadas.
14
2 OS IMIGRANTES ITALIANOS E OS XOKLENG: UM COMEO DE
ABORDAGEM
2.1 A VINDA DOS IMIGRANTES ITALIANOS PARA O BRASIL
A palavra imigrao tem como definio o estabelecimento de indivduos
em um pas estranho. Logo, entende-se que sair de seu pas de origem e ir para
outro totalmente diferente em aspectos culturais, climticos, econmicos e polticos
seria um grande obstculo a ser enfrentado e por esta razo no podemos ver a
vinda de imigrantes para o Brasil como uma viagem decidida do dia para a noite, j
que uma srie de fatores fizeram com que famlias sem lugar para morar, sem
emprego e principalmente, sem perspectiva de melhora de vida deixassem seu pas
e imigrassem para outros na esperana de um futuro prspero. Nesse perodo, de
forte crise europeia, a Amrica era vista como um local de possibilidades.
Para entender o que levou tantos europeus, principalmente, italianos,
alemes e poloneses a migrarem para o Brasil preciso compreender que a Europa
no sculo XIX lidava com grandes transformaes ocasionadas pela Revoluo
Industrial, que nasceu na Inglaterra e rapidamente se espalhou por todo o mundo.
Essa Revoluo Industrial que trouxe novas tecnologias industriais,
aumentando a produo e, consequentemente, a oferta de emprego, acabou
encontrando no continente europeu um cenrio diferente, j que o feudalismo ainda
tinha suas razes na concentrao de terras em mos de grandes proprietrios,
restando poucas opes para o trabalhador que dependia da agricultura para sua
subsistncia. Sem ou com poucas terras para praticar a agricultura, o trabalhador
precisou abandonar a vida rural e ir aos centros urbanos pegar filas em busca de
vagas nas indstrias, as quais rapidamente ficaram saturadas de operrios, gerando
filas de desempregados, levando grande parte da populao misria.
Os pequenos proprietrios tambm sofreram com as mudanas que a
Revoluo Industrial trouxe, levando-os a falncia por no ter capital para investir em
15
novos maquinrios, ficando para trs na produo de bens que o mercado consumia
de forma acelerada. Precisavam produzir da mesma forma ou acabavam
endividados pelos altos impostos.
Caruso (2007, p. 129) faz referncia aos imigrantes como comboios de
desesperados que comeam a partir, aos milhares, com os filhos e as parcas
moblias s costas, com destino Amrica e liberdade.
De acordo com Furlan (1997, p. 42), dois milhes de italianos escolheram
o Brasil como local para restabelecer suas vidas com seus familiares entre 1871 e
1970. Esse grande nmero de imigrantes teve o apoio do governo brasileiro, que
tambm passava por uma srie de mudanas, reflexos das transformaes que
vinham ocorrendo em toda a Europa.
O Brasil, que foi o ltimo pas do continente americano a proibir o regime
de escravido, assinado oficialmente somente em 1888, estava correndo contra o
tempo para perder o conceito de pas atrasado e conquistar uma boa imagem no
exterior.
a escravido a causa principal do nosso atraso, nunca houve correntes de imigrao para pas de escravos, nunca houve indstrias em pases de escravos, nunca houve instruo em pases de escravos, nunca houve respeito liberdade alheia em pases de escravos na longa experincia da escravido africana. Esse um trecho de uma das cartas do abolicionista Joaquim Nabuco, quando se achava em Londres, enviada ao senador Saraiva, a 28 de fevereiro de 1882. (CARUSO, 2007, apud FERRARINI, 1977, p. 47).
A Inglaterra, bero da Revoluo Industrial, pressionava o Brasil para
regularizar a situao dos escravos, j que precisava que trabalhadores assalariados
consumissem seus bens manufaturados produzidos em grande escala.
Porm, o Governo brasileiro no estava interessado em contratar
escravos como mo de obra assalariada e, segundo Selau (2010, p. 21), este fato
deve-se a ideias racistas de superioridade do homem branco que se espalhavam por
todo o mundo gerando o fortalecimento do nacionalismo e uma consequente
necessidade de construo de uma identidade nacional (que o Brasil ainda no
possua) baseada nos padres europeus, fazendo surgir o interesse em receber
imigrantes europeus para colonizar as reas ainda no ocupadas. Logo, podemos
dizer que o governo brasileiro tinha interesse em um branqueamento da sua
16
populao e no o contrrio, que ainda segundo o autor, acreditavam estar dando
um passo rumo ao progresso.
Selau (2010, p. 21), ainda, diz que de acordo com as ideias racistas, nem
o negro nem o indgena poderia ser espelho para a sociedade brasileira, pois o
negro era considerado sem iniciativa para o trabalho assalariado e o ndio um ser
indolente e sem disposio. Porm, acreditavam que ao trazer o imigrante e dar a
ele um pedao de terra para cultivar alimentos, inspiraria os demais a trabalharem
da mesma forma.
O Governo Brasileiro passa a por em prtica, ento, um projeto para
receber os milhares de imigrantes que escolheriam o Brasil como destino, conforme
consta no Contrato Caetano Pinto de 1877:
Em virtude desse contrato, esse conhecido arrolador estava autorizado a prometer, nos seus folhetos de propaganda, que assim que desembarcassem no Brasil, os imigrantes teriam, alm da passagem gratuita do porto de desembarque sede da residncia escolhida, terra, sementes, alimentos por mais de seis meses e poderiam tornar-se proprietrios assim que tivessem dado provas de estabelecimento fixo. (CARUSO, 2007, apud ALVIM, 1986, p. 43).
Caruso (2007, p. 135) informa que: antes da vinda dos europeus, a partir
de 1850, Santa Catarina era habitada por aproximadamente 70 mil pessoas, entre
elas 15 mil eram escravos.
Na primeira metade do sculo XIX, Santa Catarina foi includa dentro das
reas destinadas a colonizao, porm era preciso disponibilizar grande quantidade
de terra, que seria dividida em pequenas propriedades onde as famlias de
imigrantes italianos se estabeleceriam.
O Governo ento iniciou um processo de sondagens de terras
pertencentes a ele, as quais seriam colocadas a disposio dos imigrantes, as
chamadas terras devolutas. Outras terras que foram concedidas aos imigrantes
foram os chamados vazios demogrficos, que se trata de terras disputadas por
fazerem parte de fronteiras e estarem sendo reclamadas por outros pases.
Santa Catarina possua esses vazios demogrficos, mais um motivo que
provocou a entrada de imigrantes neste Estado.
Ento, a partir de 1876, que se inicia a campanha para trazer imigrantes
ao Brasil, que, segundo Baldessar (2007, p. 28), era feita atravs de panfletos,
17
conferncias e anncios de jornais, levando ao colono a esperana de ser dono de
um pedao de terra, coisa que muitos no tinham nem em seu pas de origem.
Figura 01: Cartaz de propaganda das companhias martimas italianas, incentivando emigrao. Fonte: Caruso (2007, p. 265)
Porm, ainda de acordo com Baldessar (2007, p. 28), as propagandas
nem sempre eram honestas, exagerando pelo ouro e pedrarias que por toda a parte
se recolhia em abundncia, sem esforo de trabalho e sem muito suor. At rvores
aurferas havia e prolas preciosas nas frutas, como nas ostras orientais. Os
imigrantes esperavam sim que aqui no Brasil teriam uma vida melhor e muito
provavelmente foram motivados por tais anncios de grandes riquezas, acreditando
que aqui tudo seria mais fcil de ser conquistado.
Mas, para que o governo garantisse a execuo de suas promessas e o
cumprimento da lei por parte dos imigrantes, foi criado o Decreto n 3784/19.01.1867
de Regulamentao para as colnias do Estado. Nele eram garantidos os deveres e
os direitos dos imigrantes quanto a fundao de colnias, distribuio de terras,
condies de propriedade, administrao das colnias e recepo e estabelecimento
dos mesmos.
18
Segundo Caruso (2007, p.136), os primeiros imigrantes europeus que
habitaram Santa Catarina no sculo XIX foram os alemes. Esse grupo se instalou
aqui em 1829 a uma pequena distncia da cidade de So Jos, prxima da capital
que naquela poca se chamava Desterro.
Ainda de acordo com o autor (2007), outros imigrantes foram assentados
em So Pedro de Alcntara, sendo que o objetivo do governo imperial era
estabelecer uma ligao entre o litoral e os campos de Lages, que at ento tinham
sido pouco explorados.
Estima-se que nove mil italianos tenham vindo para Santa Catarina.
Desses, grande parte ficou estabelecida na regio Sul do Estado, chegando aqui
atravs de Laguna e do Rio Tubaro e instalando-se em abril de 1877 em Azambuja,
que foi a primeira colnia da regio sul e seria na poca segundo Selau (2010, p. 73)
a sede das colnias.
Azambuja era uma colnia com um vasto territrio com o objetivo de ter
capacidade de receber um grande nmero de novos imigrantes que ainda estariam
por vir. Por ser a sede das colnias, tudo deveria funcionar conforme estabelecido
na lei, para que o Brasil no perdesse a credibilidade quanto a suas promessas e
continuasse a ser o destino dos imigrantes.
Um ano mais tarde, fundariam a colnia e atual cidade de Urussanga, a
qual, segundo Caruso (2007, p. 138), se tornaria o principal plo de expanso da
regio, gerando outras cidades como Cricima, Iara, Nova Veneza, Orleans, Gro
Par, Turvo, entre outras.
Selau (2010, p. 86) identifica a colnia de Urussanga como uma espcie
de ligao entre o Vale do Rio Tubaro e o Rio Ararangu, com o objetivo de
produzir alimentos para abastecer os centros baseados na atividade agrcola
exportadora e as cidades que no produziam a quantidade de alimentos suficiente
para seu sustento.
19
Figura 02: Mapa do ncleo de Urussanga. Fonte: SELAU (2010, p. 88)
A chegada at o local onde hoje se situa a cidade de Urussanga foi difcil,
j que segundo Mazurana (1989, p. 24) o caminho foi feito a p, carregando sua
bagagem nas costas, visto que no havia estrada para carro de boi e ao chegarem
foram alojados em barraces cobertos com palha e fechado com achas de ripas.
Porm, ao chegarem colnia de Urussanga, os colonos no teriam
ficado to satisfeitos com o que viram, uma vez que eles sentiam-se como
aprofundados num abismo sem sada, j que naquele momento no havia nada na
cidade alm de cu e matas virgens, que teriam que ser desmatadas para a
construo do povoado que eles mesmos iniciariam (BALDESSAR, 2007, p.47).
Logo, tudo se tornava um problema. As terras que receberam eram
morros com muita declividade, alm de possurem muitas rochas dificultando a
prtica da agricultura. Outro ponto que gerou descontentamento foi a presena de
ndios, animais e insetos. Baldessar (2007, p. 61) completa que os imigrantes
sentiam-se jogados sorte, nesses abismos desconhecidos e nunca imaginados,
cheios de perigos e incgnitas. Restavam-lhes ento, cortar alguns troncos e
improvisar abrigos enquanto no tinham um lugar digno para chamar de lar, sendo
que eles no podiam sequer pensar em reclamar de suas situaes, j que h
registros de que eles seriam ameaados a serem mandados de volta aos seus
pases de origem se causassem tumulto. Isso, para eles seria uma pssima ideia.
20
Marzano (1985, p. 59) conta que seis meses aps a chegada dos
imigrantes, cessaram-se qualquer tipo de auxlio por parte da Companhia de
Imigrao, era cada famlia por si.
As famlias ento, aos poucos construam seus barracos e derrubaram
uma rea florestada para iniciar o cultivo de diversos alimentos como milho, arroz,
feijo e abbora, porm, como qualquer plantao, apenas depois de alguns meses
eles realizaram a primeira colheita. E enquanto isso? Como eles viveriam?
Marzano (1985, p. 59) afirma que os que tinham algum dinheiro que
haviam trazido da Itlia, conseguiam se manter comprando alimentos bsicos para
sustentar a famlia. Os que no possuam dinheiro vendiam alguns de seus bens
como relgios, lenis, roupa branca, entre outros para garantir o sustento,
enquanto a terra no lhes gerava frutos.
O territrio que foi disponibilizado aos imigrantes era ocupado pelo grupo
indgena Xokleng, tambm conhecidos como botocudos, devido a um adorno labial,
o tembet. A presena desse grupo em diversas partes do territrio catarinense foi
desprezada pelas autoridades brasileiras ao longo do sculo XIX.
fato que os imigrantes s tiveram conhecimento da existncia de
indgenas na regio aps a sua chegada, j que essa fora omitida por parte dos
governantes. Os ndios passaram ento a dividir o mesmo espao com os
imigrantes, um espao grande, no entanto um no conseguiria ignorar a presena do
outro, no demorando muito para que iniciassem os contatos e posterior conflito
entre ambos.
H relatos de que inicialmente os colonos s ouviam falar da presena
dos bugres ou selvagens como lhes chamavam pejorativamente, sendo alertados a
usarem armas ao entrar nas matas fechadas, vindo a se tornar um mito a presena
indgena, j que alguns acreditavam e outros riam incrdulos.
No entanto, apenas alguns anos aps a instalao efetiva dos colonos no
territrio catarinense que se estabeleceram os primeiros contatos. Relatos dizem
que a presena dos Xokleng foi percebida atravs de pequenos furtos nas
plantaes de milho dos colonos.
Aps estes fatos, os imigrantes italianos e os indgenas iriam estabelecer
outros contatos, ora amistosos, ora violentos, levando-lhes a muitas vtimas de
ambas as partes como veremos a seguir.
21
2.2 OS XOKLENG: NDIOS QUE HABITARAM O TERRITRIO DE URUSSANGA
O Xokleng foi o grupo indgena que habitou o territrio que compreende o
municpio de Urussanga e grande parte do territrio catarinense. Esse grupo
recebeu dos imigrantes vrias denominaes diferentes. Em algumas bibliografias
estudadas encontramos os Xokleng sendo chamados de selvagens, um termo
pejorativo que significa no civilizado e que foi largamente utilizado pela Teoria do
Evolucionismo Cultural para justificar a dominao de uns povos sobre os outros.
Outro termo que encontramos o bugre que segundo Farias (2005, p. 92)
proveniente de um grito de espanto (ou alerta) dado pelos ndios quando
avistavam os brancos. Botocudo outro termo que identifica os Xokleng, se
referindo ao adorno labial (tembet) usado pelos ndios desse grupo. Porm, o grupo
22
no teria um termo de auto-designao, j que, segundo Santos (1987, p. 31), a
preocupao de nominar o grupo dos civilizados e no dos ndios.
O Xokleng um grupo indgena pertencente ao tronco lingustico Macro-
J e conforme Brancher (2004, p. 75) ocupavam a regio da Mata Atlntica, entre o
litoral e o planalto, desde o Norte do Rio Grande do Sul at o Sul do Paran,
ocupando ainda os pinheirais das bordas do Planalto Catarinense.
J, segundo Farias (2005 p. 97), os dados arqueolgicos obtidos at
agora, infelizmente, no elucidaram a extenso da ocupao territorial dos Xokleng.
Sabe-se que eles estavam circulando numa rea ampla e que em determinados
perodos alguns grupos assentavam-se em espaos diferenciados.
Os Xokleng eram grupos nmades e viviam da caa e da coleta de frutas
e, de acordo com Farias (2005, p. 106), [...] fariam o trajeto migratrio entre
encosta, planalto e litoral e teriam a caa como principal fonte de subsistncia.
Sobre seus padres de sepultamento, Farias (2005, p. 98) esclarece que
as fontes arqueolgicas ainda esto sendo testadas, mas sabe-se que a cremao
fazia parte do ritual de sepultamento de seus mortos.
A respeito do padro de assentamento, Farias (2005, p. 99) escreve que
a base das construes em assentamentos Xokleng era representada por espaos
domsticos unitrios que formavam acampamentos residenciais - locais escolhidos
pelas mulheres, que ali descansavam os pertences do grupo e acendiam a fogueira
para se aquecer. Ainda para Farias (2005, p. 99), os acampamentos possuam
estruturas diferentes umas das outras, fato que pode estar relacionado com a
funo, pois tanto o tipo de cabana, quanto a unio delas podem ser indicadores de
atividades especficas (ritual, moradia, observao e caa).
Kempf numa descrio mais detalhada, possibilita-nos perceber um modelo de habitao e de organizao espacial em uma aldeia Xokleng. Ele afirma que os ndios constroem suas choas com galhos, ramos e folhagens; estas no passam de simples abrigos em forma de meia-gua assentada sobre o solo na parte inferior. Esses abrigos medem aproximadamente 20 m de comprimento. (KEMPF, 1947, p.27 apud FARIAS, 2005, p. 100)
Permaneciam no acampamento por alguns meses, de acordo com a
quantidade de caa disponvel no local, porm ao migrarem para outros territrios,
eram as mulheres as encarregadas de carregar todos os utenslios do grupo.
23
Os acampamentos tambm eram feitos de forma a proteg-los dos
inimigos: Ele relata que os Xokleng guarneciam as imediaes de seus
acampamentos, escavando profundos fossos com at dois metros, crivados de
madeiras com suas extremidades aguadas. (PAULA 1924, apud FARIAS, 2005 p.
xx)
Sobre as fogueiras tambm podemos dizer que eram feitas de formas
diferentes de acordo com a necessidade, as fogueiras para preparar caas, por
exemplo, eram feitas em forma de forno subterrneo, as fogueiras externas
permaneciam sempre acesas e as internas eram feitas no centro das cabanas e
acesas nos intervalos a cada duas filas de dormentes, conforme Boiteux (1912, p.
72).
De acordo com Farias (2005, p. 106), h referncias de que os Xokleng
produziam material ltico e outros tipos de artefatos, em madeira e cermica, esses
ltimos em pequena quantidade. Alm disso, produziam balaios de todos os
tamanhos e formas.
Informaes coletadas com vrios indgenas durante os anos 1973 e 1974 por Simonian (1975:14) demonstraram a presena do material ltico entre os Xokleng. Alm das pontas de projteis, confeccionadas em slex, quartzo e pedra ferro, foram descritos artefatos como mo-de-pilo, seixos para batedores, seixos para alisar cermica, machados, facas, pedras oficinas (pedra achatada encontrada prximo ao leito de rios e crregos, que eram carregadas para servirem de polidores), cortadores de cabelo (pedra achatada, sobre a qual colocavam o cabelo, e outra, lascada e bem amolada, com a qual iam picando os fios, aos poucos), moendas, etc. (FARIAS, 2005, p. 107)
H tambm referncia sobre o uso do ferro, aps o contato estabelecido
com o colonizador europeu.
Sobre como se vestiam, Simonian (1975, p.33 apud FARIAS, 2005, p.
113) afirma que peas para vestir e adornos eram poucos entre os Xokleng, no
entanto, os homens utilizavam logo abaixo na cintura, um feixe de cordas de imbira
ou urtiga brava como tanga, a qual era confeccionada pela mulher que a enfeitava.
O feixe era preso com tiras de cip nos lados e a glande era presa junto a tanga,
com uma cordinha.
Os homens tambm usavam uma pulseira no tornozelo feita com imbira,
ticum ou urtiga e enfeitada com penas que ficavam expostas do lado de fora da
24
perna, e nos lbios inseriam o tembet, adorno que chegou a identificar o grupo
(botocudo).
J entre as mulheres, Simonian (1975:34 apud FARIAS, 2005, p. 113)
discorre que usavam uma manta de urtiga brava, enrolada da cintura para baixo.
Para confeccionar a manta, a mulher tinha a ajuda do homem que preparava a
matria-prima, porm era ela que tecia em um pequeno tear. Tal tarefa demorava
at um ms.
O autor tambm informa que usavam tambm colares feitos com
sementes de limoeiro do mato e dentes de animais, em geral de macacos, que eram
presos com fibra de ticum. A tinta utilizada por grupos Xokleng exogmicos para
festas era produzida pelas mulheres e armazenada em vasos de barro ou de cano
de taquara e durava de um ano para outro. (SIMOMNIAN, 1975, p.48 apud FARIAS,
2005, p. 114).
25
3 OS PRIMEIROS CONTATOS E CONFLITOS ENTRE IMIGRANTES
ITALIANOS E NDIOS XOKLENG EM URUSSANGA
3.1 OS CONTATOS E CONFLITOS
A presena dos ndios no territrio catarinense no algo novo, todavia,
registros de contatos desse grupo com os chamados civilizados comearam a
ocorrer com maior frequncia aps o incio da colonizao.
Segundo Santos (1987, p. 61) nesse perodo que as referncias
presena dos Xokleng comeam a se tornar constantes.
O grupo indgena que habitava a rea que compreende o municpio de
Urussanga era o Xokleng, que, segundo Selau (2010, p. 133), percorria a regio em
um movimento caracterizado como nomadismo estacional, deslocando-se procura
de caa e frutos para a coleta.
No entanto, para Farias (2005), o grupo possua estabilidade territorial,
percorrendo um ambiente que era amplamente aproveitado em todos os seus
recursos.
Se o territrio catarinense era habitado por indgenas antes da chegada
dos imigrantes italianos de se entender que aqueles se sentissem invadidos ao
perceberem em seu territrio, estranhos que chegaram em grande quantidade,
derrubando a floresta e ocupando seu espao.
De acordo com Selau (2010, p. 151) nos locais onde seriam estabelecidos
novas colnias, era comum que fossem derrubadas grandes pores de floresta
para afastar o perigo desconhecido de animais e tambm dos indgenas que ali
habitavam.
Relatos sobre os contatos entre os Xokleng e os imigrantes italianos em
Urussanga so citados por Baldessar (2007, p.175):
26
De incio os ndios receberam bem os imigrantes e os trataram bem e a recproca tambm verdadeira. Houve uma convivncia pacfica na qual os ndios merecem nota mais alta pelo comportamento fraterno, pois eram os legtimos donos das terras que estavam sendo invadidas.
Santos (1987, p. 62) discorre sobre os primeiros contatos que teriam
ocorrido em Blumenau, falando sobre um senhor que ao avistar alguns ndios
procurou, ento, falar com os bugres, por mmica, largando a espingarda no cho e
mostrando-lhes um ramo verde como sinal de paz. Porm, tal gesto de nada teria
adiantado, j que segundo o autor o cacique que se achava dentro da plantao e
dali dirigia para assalto, ordenou-lhes e, aos outros bugres que se achavam
escondidos, que atacassem a casa e os moradores.
Ainda sobre a possvel atitude pacfica do ndio, Baldessar (2007, p. 175)
afirma que tal comportamento fez com que o imigrante se sentisse encorajado de
ampliar cada vez mais o seu territrio, levando os Xokleng a serem empurrados para
o Costo da Serra, o que em algum momento lhes levaria a reagir a tal situao, j
que escolher outro local para habitar era de seu costume, mas no era to simples
assim, sendo que diversos grupos indgenas possuam reas reservadas que
tambm no podiam ser invadidas.
De acordo com Selau (2010, p. 150) comum a ideia de que no incio
havia uma relao pacfica e que aps algum tempo, em funo das artes dos
ndios, os colonos foram obrigados a se defender.
O prprio grupo indgena jamais aceitaria ter seu territrio invadido por
outra tribo, por que ento aceitaria pacificamente a invaso feita pelos imigrantes?
H tambm, relatos duvidosos sobre o desconhecimento da presena dos
Xokleng por parte dos imigrantes, os quais teriam vivido em terras Urussanguenses
por aproximadamente quatro anos sem estabelecer qualquer contato com os ndios.
Os colonos viveram cerca de quatro anos tranquilos em plena floresta virgem, sem o mnimo temor dos selvagens. E aps esse perodo de calmaria, os colonos comearam a observar pequenos furtos que estavam ocorrendo nas plantaes de milhos. De incios esses furtos seriam atribudos a animais selvagens que viveriam na floresta. (MARZANO, 1985, p. 74)
Porm, Santos (1987, p. 63) afirma que os imigrantes localizados em
Blumenau sabiam da existncia dos ndios nas florestas, e por esse motivo tinham
27
sempre uma arma de fogo ao seu alcance. E, em Urussanga, no poderia ser muito
diferente.
Em relao ao conhecimento do colono sobre a presena do indgena
Marzano (1985, p. 74) afirma que numa nica noite teria desaparecido fileiras de
milho e ainda teriam sido avistadas pegadas grandes no cho, induzindolhes a
acreditar na presena dos selvagens, os quais seriam vistos mais tarde se
aproximando das plantaes armados de longas flechas.
Esse grupo que vivia da caa e da coleta ao ver uma grande quantidade
de alimento, logo tomou para si da mesma forma que coletava outros alimentos da
natureza, uma vez o alimento estando em seu territrio, considerava-o seu, no
possuindo conhecimento de propriedade privada (criado pelos europeus).
Ao estabelecer os primeiros contatos Baldessar (2007, p. 176) cita que
de incio o ndio se aproximava curioso e se sentia recompensado por algum brinde
que o imigrante lhe oferecia E ainda de acordo com o autor, sua famlia, possua
terras e residncia da localidade de Rio Deserto, situada no interior da atual cidade
Urussanga, local onde os botocudos, como lhes chamavam, tinham uma maloca
(casa sagrada), afirmando que mantinham boas relaes com eles.
A convivncia entre duas culturas to distintas poderia parecer
impossvel, mas segundo Marzano aconteceria por um bom tempo entre os Xokleng
e imigrantes italianos Meu pai tocava bem a gaitinha de boca e os ndios crianas
ou jovens como ele, se divertiam ao ouvi-lo e queriam ouvi-lo sempre mais
(BALDESSAR, 2007, p 177).
Os ndios tambm trabalhavam para os colonos, sendo que em troca de
sua ajuda nas plantaes recebiam vinho e outros gneros alimentcios.
Outros relatos tambm do conta da vontade do indgena em estabelecer
relao com os colonos:
Mas um dia quando um grupo de homens estava derrubando mato e alguns deles estavam postados de sentinelas e Bernardo Mazzucco Bianco tinha acabado de derrubar um baguau, viu a pouca distncia um homem completamente nu que se aproximava calmamente armado de arco e flecha, fazendo gestos como para pedir que lhe desse o machado. Se Bernardo lhe tivesse dado o machado e o convidasse a experimentar a derrubar uma rvore, talvez se estabelecesse uma amizade, um entendimento entre os dois, pois o bugre no tinha inteno de fazer-lhe mal, porque se tivesse teria feito, pois estava armado com arco e flecha. Mas, Bernardo, assustado, caminhando por cima do tronco de baguau e o bugre atrs querendo tirar-lhe o machado, comeou a gritar dando alarme aos que
28
estavam de sentinela que acorreram fazendo fogo contra os selvagens com suas espingardas pica-pau. (MAZURANA, 1989, p. 37)
Segundo Baldessar (2007, p. 177), essas relaes pacficas teriam
perdurado at um ndio atingir um colono com uma flecha, foi o dia em que Giovanni
Baldessar teria sido incumbido de preparar madeiras, se deslocando para perto do
paredo onde os Xokleng viviam, sendo acompanhado por seu pai e irmos.
Todavia, ao se deslocar para prximo do paredo para cortar madeiras com um
machado, levantou-se ao ouvir seu nome ser chamado, momento em que foi
atingido por uma flecha. Giovanni gritou e recebeu ajuda dos familiares, contando-
lhes que antes de ser atingido no avistou ningum, apenas ouviu barulhos na mata.
A flecha que lhe atingiu causou uma hemorragia interna, levando o imigrante a morte
no dia seguinte ao incidente.
Essa teria sido a primeira vtima dos conflitos entre colonos e ndios em
Urussanga, o que levaria ao fim da pacificao de ambos os lados.
Essa histria tem outra verso. H relatos de que um dia antes do ataque
a Giovanni Baldessar, ele teria jogado uma pedra grossa para dentro da mata, vindo
a atingir uma ndia, chamada Guaraci, jovem esposa de Caapora, a qual teria
falecido. No dia seguinte, depois de consultar o conselho tribal, Caapora revolveu
vingar a morte de sua esposa. (BALDESSAR, 2007, p. 186)
Os motivos para justificar os conflitos entre os ndios e imigrantes eram
variados, uma vez que o contato de dois grupos de costumes e interesses to
distintos no poderia ser to amistoso como falado por alguns autores.
Segundo Marzano (1985, p. 75), aps o ocorrido, os ndios teriam
abandonado seu acampamento no Rio Deserto e aparecido na localidade de Rio
Salto alguns dias depois, onde atacaram com flechas a casa de Caetano De Brida,
que estava trabalhando e havia deixado sua esposa e trs filhos em casa. A mulher
ento, bastante temerosa deixou a criana mais nova dormindo num ba da casa,
pegou os outros filhos e saiu correndo atrs de ajuda enquanto os ndios saqueavam
sua casa. Um vizinho pegou ento sua velha pistola e foi at a casa da senhora,
espantando rapidamente os ndios com sua arma. Porm, ao chegar na casa
encontrou o ba aberto e a criana pisoteada e morta.
Segundo o mesmo autor (1985), outras mortes tambm ocorreram no
mesmo perodo, a de um imigrante conhecido como Sprcigo, que cortava rvores na
mata e foi atingido por uma flecha; outro caso de um imigrante chamado de Pilon
29
que estava serrando uma tora com o irmo e foi atingido por uma flecha e, ainda um
ataque feito ao senhor Antnio Zanelatto que tambm foi atingido por uma flecha
enquanto roava.
Qual seria a viso do Xokleng sobre o imigrante? muito provvel que
ele lhe visse como uma grande ameaa a seu territrio, da mesma maneira que
conflitava com os Kaingang, certamente o mesmo aconteceria com os europeus.
No entanto, Baldessar (2007, p. 191) afirma que o ndio tinha admirao
pelo imigrante:
Nos primeiros tempos, o Bugre Carij (Botocudo), olhava com espanto e admirao para o Imigrante. O seu modo de trabalhar de derrubar o mato, de amanhar a terra, de semear os cereais, suas ferramentas seu jeito de alimentar-se e a forma de viver em sociedade. Tudo lhe era to estranho, como se viessem indivduos de outros planetas e se instalassem na terra com seus usos e costumes. Entretanto, chegou o dia, em que ele percebeu que o colono era um intruso que perturbava seu vagar incessante pelas florestas e suas caadas de ariscos animais e de aves de plumagem colorida. Comearam as hostilidades.
Porm, de acordo com Santos (1987, p. 64), os conflitos com os
imigrantes eram resultado de disputas de territrio, que os Xokleng estavam
acostumados a transitar:
Nesse quadro, no se pode pensar que os Xokleng resolveram decretar guerra ao branco-invasor. No se pode pensar, tambm, que os indgenas se aproximaram do branco e de sua propriedade sempre com o intuito de observar, de ver o que fazia o novo habitante, pacificamente. Na realidade os Xokleng eram homens e, como tais, sujeitos a emoes e atitudes imediatistas, desconectadas de qualquer objetivo futuro. No havia assim guerra ao homem branco e sim revide a ataques ou simplesmente agresso, motivadas, s vezes, pelo encontro de ndios e brancos em territrios que ambos tinham interesse. E para um povo que vivia j em estado de guerra, a presena de brancos na floresta, com suas armas barulhentas, no poderia significar paz.
Mazurana (1989, p. 37) diz que os bugres, de qualquer maneira, no
foram os primeiros a atirar. Eles se aproximaram, armados sim, mas com gestos de
paz e, simplesmente responderam com flechadas ao chumbo das garruchas e dos
trabucos dos colonos.
Conforme os anos iam passando, os ataques aumentavam, e os ndios
ficavam de campanha, esperando os homens sarem de casa para entrar e roubar o
que vissem pela frente atacando mulheres e crianas que ficavam sozinhas.
30
Quando o marido se afastava, e ficava a mulher com as crianas, ento caam-lhe em cima ferindo, matando e carregando tudo quanto lhe vinha s mos: panelas, ps, gadanhos, machadinhas, foices, enxadas, armas, vestidos, roupa branca e pratos. Nunca souberam utilizar-se das espingardas. Quebravam-nas para fazer pontas de flechas acutssimas. Servem-se de foices e machados para extrair das plantas o mel selvagem, que muito apreciam, por isto os conservam. (MARZANO, 1985, p. 77)
Os anos de 1883 e 1885 teriam sido os piores para os imigrantes italianos
que residiam em Urussanga, pois as mortes no cessavam e o medo tomava conta
de todos. Alguns pensavam em migrar para outras terras, mas como fazer se a nica
terra que lhe pertencia era a que agora habitavam?
Os colonos italianos ento decidiram pedir ajuda ao governo: ele que os
trouxe como Imigrantes, o governo que d a soluo conveniente (BALDESSAR,
2007, p. 199)
O governo, ento, mandou um grupo de soldados que, segundo relatos,
teve sua presena ignorada, j que os ataques continuaram e, de certa forma, isso
teria incomodado ainda mais os ndios. Os soldados permaneceram por trs anos e,
logo aps foram embora.
Pelo fato de a presena dos soldados no ter intimidado os ataques,
pensou-se ento, em tentar a pacificao de contatos, atravs da religio catlica.
Segundo Baldessar (2007, p. 200), foi para Urussanga um padre
franciscano chamado Fr. Luiz de Semetile, o qual tinha certa experincia com o
assunto, trazendo consigo cinco ndios com idade de trs a cinco anos, para ajudar
a manter o contato. O padre, tambm, no obteve sucesso ao tentar manter contato
com os Xokleng.
Os colonos italianos estavam cada vez mais temerosos com os ataques e
tambm impacientes com o comportamento dos ndios Xokleng, que, para eles,
eram selvagens, que no sabiam viver civilizadamente. Com isso, foi decretado que
os:
[...]colonos moradores no Distrito de Urussanga, ex-colnia Azambuja, que se obrigam a entrar no mato junto a outros colonos, por fim de afugentar os indgenas, os quais vo infestando esta colnia. Aquele que no puder pagar uma quantia e quem no quiser ser multado. (BALDESSAR,2007, p. 79)
31
Aps o recrutamento, confirmaram presena 260 homens, tendo sua
incurso na mata concedida pelo governo que ainda lhes enviou um homem que
entendia de floresta e mais alguns soldados que os ajudariam.
Chegando o dia do ataque, os colonos italianos estavam muito bem
armados e prontos para enfrentar os bugres. Porm, segundo relatos, algo estranho
teria acontecido, os ndios fugiram de seus acampamentos, por prever que algo
aconteceria, ou por terem sido avisados do ataque.
Os italianos moradores de Urussanga no desistiriam e logo encontrariam
os indgenas, e, segundo Marzano (1985, p. 80) um grupo composto de oito homens
encontrou um grande nmero de selvagens a uns vinte quilmetros ao Norte de
Urussanga, destroou-os e trouxe consigo feixes de flechas, arcos e tambm duas
crianas.
Os imigrantes italianos sentiam-se vingados pelas mortes de seus
parentes e amigos, porm no entendiam que a vida que estavam tirando daquelas
pessoas, tinham o mesmo valor das vidas dos seus familiares. Essa conscincia de
humanidade no existia, uma vez que o indgena era considerado, ainda no sculo
XIX, um selvagem sem alma.
Em 1891, inicia-se a colonizao do municpio de Nova Veneza, porm os
incidentes que vinham acontecendo entre colonos italianos e indgenas em
Urussanga estavam assustando os recm-chegados nas novas colnias vizinhas,
Jordo, Rio Fiorita e Nova Treviso.
Miguel Napoli, membro da Companhia Metropolitana que distribua lotes
aos imigrantes italianos, que chegavam, viu que os ndios iriam atrapalhar seus
planos: Miguel Napoli percebia que era necessrio tomar medidas urgentes para
que a sua Companhia Metropolitana no fosse prejudicada na distribuio de terras
(BALDESSAR, 2007, p. 207). Diante disso, entrou em contato com os responsveis
pela colnia de imigrantes italianos de Urussanga para fazer novos grupos de
homens bem armados e organizados para atacar os ndios Xokleng.
Miguel Napoli, fazia todas as promessas para que os grupos assumissem a arriscada misso, inclusive, o pagamento de uma taxa por ndio morto. A oferta por ndio morto, no foi de dois mil ris, mas foi de cinquenta mil ris por cabea. Cinquenta mil ris era uma quantia respeitvel, uma vaquinha de leite ainda no chegava a esse preo, a menos que fosse de qualidade superior. (BALDESSAR, 2007, p. 208)
32
O pagamento ento s seria feito por Napoli na presena das orelhas que
comprovaria a morte do bugre. A empreitada tambm teve o apoio das autoridades
da colnia de Urussanga, que ajudou distribuindo munio e at armas.
Para iniciar o ataque, esperou-se alguns dias at que os ndios
aparecessem para roubar mais mantimentos dos colonos, o nmero de ndios e a
quantidade de roubos vinha aumentando cada vez mais.
Partiram no amanhecer de um dia dos primeiros meses do comeo do ano de 1894. No era difcil seguir a trilha aberta por aquele grande nmero de ndios com grandes cargas nas costas. (BALDESSAR, 2007, p. 210)
Os colonos teriam seguido os Xokleng pelas margens do crrego do Rio
Deserto, foram at as proximidades de Belvedere, chegaram a ultrapassar as
montanhas de Treviso, no entendendo porque os ndios viriam de to longe para
lhes roubar alimentos.
Talvez por temerem ataque dos colonos italianos, os Xokleng teriam
modificado seus acampamentos para locais mais afastados da colnia, uma vez que
caminhar grandes distncias para os indgenas no era nenhum problema.
A caminhada dos italianos era cautelosa para que no espantassem ou
dessem sinais de sua chegada.
Mais alguns dias de caminhada, e os colonos chegaram ao local onde os
ndios Xokleng estava acampados, localizando duas malocas.
Havia duas casas, uma fechada com paredes de palha, com trs portas e outra somente com cobertura. Esta a casa que normalmente, os ndios usavam para o seu trabalho artesanal durante o dia. A noite todos se transferem para a maloca que fechada, e que tem a fogueira central, os tabiques das diversas famlias com suas redes de dormir. (BALDESSAR, 2007, p. 210)
Nesse dia, os ndios estariam em festa, aps terem pegado das
plantaes dos colonos de Urussanga uma grande quantidade de alimentos. O
grupo que atacaria os ndios dividiu-se em trs, entrariam pelas trs portas da
maloca onde os ndios estavam. Esperaram que a noite chegasse para entrarem no
acampamento.
A ordem era ir p ante p at alcanar a porta, aguardar um pouco e ao ouvir o primeiro tiro, todos os trs da porta daria a sua descarga, depois retirariam-se para dar lugar ao segundo disparo em srie e, sem perda de
33
tempo, o terceiro enquanto cada qual agiria rpido para carregar sua arma novamente. (BALDESSAR, 2007, p. 212)
Rapidamente todos os ndios foram mortos, sem terem tempo de reagir ao
ataque, j que tudo fora muito bem planejado. A maioria dos ndios daquele
acampamento estava morta ou gravemente ferida. A cena era aterradora, pois o
sangue tomou conta da maloca. Ainda, de acordo com Baldessar, (2007, p. 213),
quando o dia clareou foi possvel ver a cena macabra que tomou conta do
acampamento indgena: muito sangue e cadveres espalhados por todos os lados.
Aps o ataque, os colonos teriam percebido quatro crianas vivas, que
provavelmente estariam nas redes e ficaram protegidas dos tiros. Estas foram
levadas por eles.
O prximo passo seria cortar as orelhas para levar como prova para
Napoli que lhes pagaria uma boa quantia por unidade. As orelhas teriam sido
guardadas em uma manga de palet e colocadas no sal para desacelerar o
apodrecimento.
A manga teria recebido um total de 62 orelhas decepadas, juntamente
com outros materiais trazidos como feixe de flechas, arcos e lanas, objetos de uso
indgena, dois balaios muito fortes onde carregavam seus alimentos e as quatro
crianas, sendo uma de colo, uma menina de 4 anos, um menino de
aproximadamente 7 anos e uma adolescente de uns 15 anos.
34
Figura 03: Colonos voltam da floresta com trs pequenos ndios. Fonte: MARZANO (1904, p. 30)
A ndia de 15 anos deveria ser muito bela, pois logo despertou a ateno
de um dos colonos que atacou sua tribo, mostrando sua inteno em casar com ela
assim que fosse civilizada. Esse fato causou confuso entre os companheiros e
principalmente, entre o irmo que no admitia de maneira alguma que se casasse
com uma selvagem. A ndia ento foi solta mais tarde pelo irmo para impedir o
casamento, tendo sido morta posteriormente, por outros caadores que ainda
estavam na mata.
O dinheiro prometido pelas orelhas dos ndios no foi pago, ficando
apenas a promessa que nunca se cumpriu. No entanto, o grupo teria sido
homenageado por onde passavam e todos ficavam boquiabertos com o fato de
nenhum deles sair ferido da incurso. (BALDESSAR, 2007, p. 218)
Aps este fato, no foi mais visto a presena de ndios na regio que
compreendia o municpio de Urussanga e segundo Balsessar (2007, p. 220),
cessaram-se aqueles roubos e os ataques dos ndios que saiam das matas
assustando e roubando as casas dos colonos.
35
Teria sido esse fato o motivo para a extino dos ndios Xokleng em
Urussanga? No podemos dizer com certeza, mas fato que pelo nmero de
orelhas coletadas, foi grande o nmero de ndios mortos.
H relatos, tambm, de que alguns ndios teriam sado a noite para caar
com seus ces do mato, ao voltarem para o acampamento e verem o local coberto
de corpos feridos e sangue por todos os lados, provavelmente fugiriam e depois de
tal ataque violento, dificilmente se atreveriam a retornar para Urussanga.
(BALDESSAR, 2007, p. 223).
36
3.2 FATORES DOS CONFLITOS ENTRE O IMIGRANTE ITALIANO E XOKLENG
EM URUSSANGA
A fim de compreendermos de que forma o contato entre o grupo indgena
Xokleng e o imigrante italiano, levou a tantos conflitos, preciso analisar a
sociedade, economia e poltica que se diferencia nesses grupos e que gerou todos
os conflitos que j citamos.
A primeira grande diferena entre os dois grupos a existncia de Estado
e segundo Clastres (1978, p. 132) as sociedades primitivas so sociedades sem
estado. Nesse pensamento, os ndios so uma sociedade incompleta, pois falta a
eles um poder moderador, algum que lhes policie.
Pelo fato das sociedades indgenas estarem formuladas nos padres
muito diferente dos europeus elas so enxergadas como uma ausncia de cultura,
que ainda segundo Clastres (1978, p. 133) as sociedades arcaicas so
determinadas de maneira negativa, sob o critrio da falta: as sociedades sem
Estado, sociedades sem escrita, sociedades sem histria.
No entanto, os ndios Xokleng possuem uma hierarquizao de seu
grupo, o cacicado, que regula os setores econmico, poltico e social de seu grupo,
e que segundo Cunha (1992, p. 424):
A chefia era uma posio de relativa importncia e no tinha carter hereditrio. A escolha recaa sobre aqueles que apresentassem caracterstica de bravura no seu comportamento. Essa bravura era explicada pela dotao de poderes sobrenaturais. Suas responsabilidades eram solucionar querelas internas, decidir o momento e o local adequado para as migraes, alm de orientar a guerra.
O ndio de um modo geral foi por muito tempo visto como um selvagem
desalmado, e assim sendo, no teria direito a vida. Conforme Santos (1987, p. 97) o
que se ouvia nas colnias a respeito dos Xokleng, era que o ndio no era
exatamente humano. No entanto, Farias (2005, p. 92), avalia que os Xokleng no
eram de interesse dos bandeirantes da regio, que consideravam mais vivel
submeter o ndio Guarani, o qual no era to difcil de dominar quanto o Xokleng,
que vai ter um contato efetivo apenas com a chegada dos imigrantes europeus, na
metade do sculo XIX.
37
Para que o ndio Xokleng se tornasse to civilizado quanto o imigrante
italiano desejava, era preciso que ele se deixasse civilizar, no entanto segundo
Selau (2010, p. 142) se pensava na civilizao como algo irresistvel e, na tica
europeia (...) no haveria povo que no se dispusesse a isso. Porm, os Xokleng
resistiram a essa dominao.
Para Selau (2010, p. 133) a imagem construda sobre os Xokleng os
condenaria a morte:
A reputao que se constri sobre os botocudos da ferocidade, do indomvel, o que no aceita curvar-se a civilizao. Esta reputao serviu de base para a elaborao de um pensamento que condenava os botocudos morte, uma vez que no sendo possvel o contato amistoso com a civilizao, sua morte passa a ser vista como um fator necessrio apropriao e integrao de vastas reas ocupadas por estes grupos aos interesses econmicos do Imprio, razo pela qual se declara uma verdadeira guerra aos botocudos ao longo do sculo XIX.
Antes da chegada dos imigrantes, os maiores e talvez nico inimigo dos
Xokleng eram os Kaingang, que rivalizavam entre si, disputando territrios. Porm,
com a chegada dos imigrantes, os ndios tiveram que competir com os imigrantes e
sua propriedade privada.
Os Xokleng tambm no tinham conhecimento acerca de propriedade
privada, da mesma forma que desconhece o territrio como algo de sua posse, ou
de valor comercial como defendido pelo imigrante europeu.
Essa uma diferena que pode nos explicar muito dos conflitos que
aconteceram na antiga colnia de Urussanga, pois o imigrante com seu olhar
europeu via a terra como sua propriedade e no aceitava que ela fosse invadida e o
ndio, por sua vez, no poderia compreender um conceito que no existira em sua
cultura. Diamond (2007, p. 91) contribui afirmando que boa parte da histria
humana constituda de conflitos desiguais entre os que tm e os que no tm (...).
O ndio, por tirar da floresta o seu sustento, possui um vasto
conhecimento sobre ela e, segundo Posey (1986, p. 19), os povos indgenas, mais
do que quaisquer outros, possuem informaes acuradas sobre a diversidade
biolgica e as potencialidades dela resultantes para a captao de recursos
naturais. E , atravs desse conhecimento, que o ndio tira seu alimento atravs da
caa de animais ou coleta de frutos da natureza.
38
Outra grande diferena entre o imigrante italiano e o Xokleng era o
trabalho, no qual os ndios Xokleng, ao dominarem a agricultura, produziam para a
sua subsistncia, passando a ser vistos como preguiosos pelos europeus, uma vez
que s dedicavam pouco tempo quilo a que damos o nome de trabalho
(CLASTRES, 1978, p.135).
No entanto, o pensamento europeu do acmulo de excedentes deve-se
as inmeras experincias que o homem teve ao longo dos sculos e que lhes fez
acumular para se prevenir de colheitas pouco produtivas, pestes e outros infortnios,
mas principalmente, para a movimentao do comrcio.
De acordo com a viso europeia de que a sociedade indgena seria vista
como atrasada pelo fato de produzir apenas para a subsistncia, Clastres (1987, p.
133) avalia de outra maneira:
Se entendermos por tcnica o conjunto dos processos de que se munem os homens, no para assegurarem o domnio absoluto da natureza (...) mas para garantir um domnio do meio natural adaptado e relativo s suas necessidades, ento no mais podemos falar em inferioridade tcnica das sociedades primitivas: elas demonstram uma capacidade de satisfazer suas necessidades pelo menos igual quela de que se orgulha a sociedade industrial e tcnica.
Se os europeus acreditavam ser mais evoludos que os ndios, logo
usariam isso para justificar seu comportamento com eles, ou seja, se os Xokleng no
aceitavam serem ensinados a viver no modo de vida europeu, estes deveriam ser
exterminados.
A postura dos europeus em relao aos mesmos passou a ser de indiferena, pois a ideia de seleo natural justificava o comportamento predominante entre os brancos em relao aos indgenas, ou seja, o extermnio dos mesmos passava a ser visto de forma natural e como uma etapa evolutiva da civilizao, j que poucos eram os que reconheciam nos indgenas uma sociedade digna de respeito e, no caso dos botocudos, menos ainda era o nmero de pessoas que acreditavam que os mesmos poderiam conviver com o modelo de civilizao europeia. (SELAU, 2010, p. 141)
No se sabe ao certo at que ponto as diferenas culturais e ideolgicas
impulsionaram tantos conflitos, no entanto, sabe-se que fizeram muitas vtimas, em
nmero muito maior de ndios que habitavam o municpio de Urussanga.
muito clara a mnima presena de descendentes de ndios no local, no
podemos precisar o nmero, uma vez que necessitaramos de uma pesquisa, mas
39
sempre houve no municpio de Urussanga, uma predominncia de descendentes de
italianos e pouca ou nenhuma de indgenas, caracterizando que mesmo que
historicamente esses grupos tivessem ocupado aquele territrio, em perodos
passados, atualmente, as suas heranas tnicas parecem ter se mesclado e at
sumido entre os descendentes europeus.
Na busca de entender a motivao dos conflitos entre italianos e ndios,
precisamos investigar a mentalidade, costumes, e viso de ambos. Para isso,
realizamos entrevistas com moradores mais antigos de Urussanga, que atravs de
um roteiro de perguntas, expuseram as histrias que ouviam seus parentes
imigrantes italianos contarem a respeito do contato e conflitos com os ndios.
40
4 ORALIDADE E MENTALIDADE: A VISO DO COLONIZADOR SOBRE O
CONTATO COM O NDIO XOKLENG
As entrevistas realizadas com moradores de Urussanga tiveram como
objetivo identificar as causas da vinda dos imigrantes italianos para o municpio e
entender como se deram os primeiros contatos entre os imigrantes e os ndios
Xokleng, procurando analisar de que forma esses conflitos geraram tantas vtimas e
consequente extino do grupo indgena no municpio.
Procuramos ento, utilizar os dados obtidos com as entrevistas e com a
pesquisa bibliogrfica, para analisar, comparar e encontrar uma relao entre elas.
Para que obtivssemos as informaes referente a memria dos
entrevistados, nos utilizamos da histria oral, que segundo Delgado (2010, p. 15):
A histria oral um procedimento metodolgico que busca, pela construo de fontes e documentos, registrar, atravs de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, verses e interpretaes sobre a Histria em suas mltiplas dimenses: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais.
A metodologia da Histria Oral nos possibilita, ento, a construo de
uma nova fonte de informaes, uma vez que os dados obtidos com a memria dos
entrevistados sero registrados em um documento, que poder ser utilizado
posteriormente para outros estudos e por outros estudiosos. a memria do
entrevistado que nos possibilita fazer a leitura dos acontecimentos em outro
contexto, diferente do que temos na histria oficial.
Para Alberti (2004, p. 77), uma das principais bases da histria oral a
narrativa da memria do entrevistado:
O trabalho com a histria oral consiste na gravao de entrevistas de carter histrico e documental com atores e/ou testemunhas de acontecimentos, conjunturas, movimentos, instituies e modos de vida da histria contempornea. Um de seus principais alicerces a narrativa.
Neves (2000, p. 109) tambm cita a memria como um fator importante
para a histria oral:
41
Quando se emprega a metodologia da Histria Oral, um projeto previamente elaborado por historiadores orienta o processo de rememorar e relembrar sujeitos histricos, ou mesmo de testemunhas da histria vivida por uma coletividade. (NEVES,2000, p. 109)
Sendo assim, para entendermos a histria oral precisamos entender a
memria e como ela funciona.
Alberti (2004, p. 35) se utiliza de Lutz Niethammer para distinguir dois
nveis de memria, a ativa e a latente, a primeira aquela que utilizamos no dia-a-
dia e precisamos ter a nossa disposio e a segunda aquela que est oculta e que
necessitamos de associaes para recuperar. E nessa ltima memria que a
histria oral trabalha, utilizando-se da conversa e questionamentos o entrevistado vai
relembrando e dividindo as informaes que guarda em sua memria.
Conforme Delgado (2010, p. 15) no , portanto, um compartilhamento
da histria vivida, mas, sim, o registro de depoimentos sobre essa histria vivida.
Escolhemos como entrevistados, trs pessoas idosas, descendentes de
italianos e com grande conhecimento sobre o assunto. So eles: Ado Betiol, com
88 anos; Zelinda Pelegrin, com 81 anos; e Joo Trento, com 99 anos. Ambos
assinaram o termo de consentimento, aceitando que o contedo de suas entrevistas
fossem divulgados nessa monografia.
Figura 04: Ado Bettiol Fonte: Lente Vanguarda, 2009.
Figura 05: Joo Trento Fonte: Lente Vanguarda, 2009.
Figura 06: Zelinda Pelegrin Fonte: Elaborada pela autora.
42
No obtivemos informaes sobre a existncia de descendentes de
grupos indgenas, neste caso, os Xokleng, que vivessem no municpio atualmente, o
que acabou nos impedindo de realizar entrevistas.
O fato que no termos localizado descendentes indgenas para entrevistar
pode ser analisado diante de dois fatores: um seria a falta do auto reconhecimento
como descendente indgena, que pode ser explicado pelo esteretipo negativo que o
ndio possui perante a sociedade. Outro fator pode ser a possvel extino dos
grupos indgenas no municpio, no havendo realmente, descendentes que possam
contribuir com suas memrias.
Para realizao das entrevistas estabelecemos um roteiro, para que
atravs dele alcanssemos nossos objetivos, focando na vinda dos imigrantes, os
primeiros contatos e os conflitos entre os grupos estudados.
Segundo Alberti (2004, p. 77), ao contar suas experincias, o
entrevistado transforma aquilo que foi vivenciado em linguagem, selecionando e
organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido.
O roteiro da entrevista:
a) Quais motivos levaram sua famlia a vir para o Brasil? Quais benefcios eram oferecidos
pelo governo da poca?
b) Voc conheceu algum ndio ou ouviu falar sobre eles? Quais caractersticas desse grupo
mais lhe chama a ateno?
c) Que lembranas voc tem sobre como foram os primeiros contatos do ndio com
imigrante italiano?
d) Quais lembranas voc guarda sobre os conflitos e mortes entre de italianos e ndios no
perodo de colonizao?
4.1 DISCUSSO E ANLISE DAS ENTREVISTAS
Ao iniciarmos o primeiro questionamento, que trata- dos motivos da vinda
dos imigrantes italianos para o Brasil no sculo XIX e sobre quais benefcios foram
oferecidos pelo governo da poca. O objetivo deste questionamento como j
falamos, cruzar os dados que obtivemos atravs dos estudos bibliogrficos, que do
43
conta da crise que a Itlia e toda a Europa viveu neste momento e de que forma o
governo influenciou na vinda desses imigrantes para o Brasil e quais teriam sido os
subsdios oferecidos por ele.
O entrevistado Ado Betiol, relata sobre os membros de sua famlia que
vieram para o Brasil e a situao na Itlia naquele perodo:
Vieram meu av, minha av e quatro filhos. Vieram porque tinha uma crise muito grande, eles queriam vir embora. Tinha gente que vinha com 80, 90 anos que abandonaram tudo e vieram. Tinham prometido que aqui era melhor, porque na Itlia era s pedra e no tinha mais nada, para fazer um canteiro de cebolinha tinha que juntar terra na estrada e levar em cima das pedras fazer uma cama para plantar, porque no tinha mais pasto.
Ao fazermos o mesmo questionamento Zelinda Pelegrin, ela disse ser
neta de imigrantes italianos, Carlos Martignago e Rosa Bonn, os quais chegaram no
Brasil uma semana antes do natal. Fui criada com os meus avs e eles contavam
muita coisa.
Sobre a situao na Itlia, a entrevistada relatou: As dificuldades era que
na Itlia havia uma grande quantidade de populao, ento os governos, que era rei
naquela poca, resolveram fazer imigraes e partiram. No tinha onde mais eles se
ocuparem (trabalho).
Sobre promessas feitas pelo governo, Zelinda disse:
O governo da Itlia prometeu que aqui no Brasil eles (imigrantes) iam ganhar terra e casas e iam continuar trabalhando para progredir, mas chegaram aqui no meio do mato, no meio da floresta.
Sobre essa ideia de progresso, exposta pela entrevistada, podemos
observar o emblema do primeiro centenrio da colonizao de Urussanga, que tem
como lema paisagem, gente e progresso.
44
Figura 07: Emblema do Centenrio de Urussanga: 1878 1978. Fonte: Baldessar (2007, p. 303)
O terceiro entrevistado, Joo Trento, disse que foi seu pai quem veio para
o Brasil com apenas 16 anos para trabalhar, e tambm confirma a crise na Itlia:
Pedro Trento, meu pai veio para o Brasil com 16 anos, vieram porque no dava
mais para viver l, no tinha servio no tinha nada, da foram vir pra c. Meu pai
tinha o dinheiro s para o navio, e aqui teve que vir a p.
A promessa de melhora de vida fica bastante clara na seguinte colocao
tinham prometido que aqui era melhor e sobre promessa e ajuda, Ado disse que
era escassa, pois havia muito imigrante em Urussanga: Eles ajudavam no armazm
que tinha milho, charque, ento cada vez por ms, ou cada quinze dias no lembro
bem, eles ganhavam tipo uma cesta bsica.
A entrevistada Zelinda Pelegrin tambm fala sobre a ajuda do governo:
O governo ajudou com a passagem, e quando chegaram no Rio de Janeiro ficaram apavorados, encontraram uma mesa enorme e comprida cheio de queijo ralado e eles no conheciam, era farinha de mandioca, a minha av cansou de contar. Farinha de mandioca para eles comerem, eles no
45
conheciam, na Itlia no tinha, ento achavam que era queijo ralado, olharam de longe e acharam aquela fartura de queijo ralado e no era.
J Joo Trento, ao ser questionado sobre a ajuda do governo, afirmou
que O governo no ajudou com nenhum vintm. Este um dado bastante
interessante, pois diferente de todo o estudo bibliogrfico realizado nos captulos
anteriores e tambm das entrevistas.
De acordo com a declarao de Joo Trento, ento algumas famlias
teriam vindo ao Brasil sem qualquer benefcio do governo. O entrevistado conta que
seu pai veio para o Brasil ao ser motivado por um tio que j vivia aqui h algum
tempo: Tinha um tio de meu pai que estava h 5 anos aqui no Rio Carvo Baixo
(Urussanga), ele escrevia carta que aqui tinha de tudo, mas no tinha comrcio, no
tinha nada, s em Pedras Grandes.As promessas alimentaram tanto a esperana
dos imigrantes italianos que Ado disse que a viagem durou 36 dias viajando no
mar, e que os imigrantes cantavam a msica [...] Merica, Merica, Merica, cossa
sarlo sta Merica? Merica, Merica, Merica, un bel mazzolino di fior [...]" Traduo:
Amrica, Amrica, Amrica, Que coisa ser esta Amrica? Amrica, Amrica,
Amrica. um lindo ramalhete de flores. [Folclore Italiano] Merica-Merica (1875)
Eles acharam aqui um jardim, mato, no era o que tinham prometido,
tinha mata virgem, animais ferozes, cobras venenosas, ndios, pensando bem era de
arrepiar os cabelos, conta Ado.
O entrevistado, disse ainda, que ao chegar aqui, os imigrantes ficaram
desenganados, tristes com o que viram:
A eles diziam: o bem, o mal, tem que ir, quando eles sentavam numa pedra para conversar, e no viam ningum, muitos choravam e diziam queriam voltar, dizendo: dou minha alma para o diabo para ele me levar para la de novo porque aqui no quero ficar aqui s tem mato, bicho, mas outros no, diziam que aqui era bom a terra era boa, tem de tudo aqui.
Ado diz , que os imigrantes passaram muita dificuldade, e a promessa do
mao de flores no foi cumprida, na verdade eram apenas muito mato e bugres,
como eram chamados os ndios.
Zelinda fala sobre a revolta dos imigrantes que ao chegar no Brasil, foi
muito grande, pois a esperana de vida melhor ficara somente na promessa:
46
Os imigrantes ficaram revoltados, eles chegaram, vieram at o Rio de Janeiro, de l vieram de navio at Florianpolis, revoltadssimos. Em Florianpolis eles no encontraram nada para eles e de l vieram at Tubaro de barco, pelo rio, e de Tubaro para c vieram a p trazendo sacolas, algumas ferramentas, e tudo que lhes pertencia. Mas foi um desgosto muito grande porque no encontraram nada do que foi prometido.
Ao chegar aqui ento, os imigrantes teriam que derrubar a mata para
construir suas moradias e iniciar a plantao de alimentos para subsistncia e
comrcio que j existia na regio.
E o entrevistado Joo Trento conta que o ofcio de seu pai ao chegar em
Urussanga era bastante necessrio e no faltava trabalho: Quando meu pai veio,
ele pegou servio de abrir picada, extremas de terra e tudo, em Urussanga, por tudo,
era s mato e tinha que cortar o mato.
Sobre a construo das casas ao chegar em Urussanga, Zelinda Pelegrin
explica como eram feitas:
Para construir as casas eles cortavam a madeira e levantavam os postes e a parede, um padre franciscano ensinava os imigrantes a cortar as madeiras para fazer a armao da casa e com folhas de palmeiras eles cobriam as casas deles.
Zelinda, tambm, fala sobre a ajuda que o governo italiano deu para
iniciar as plantaes: o rei da Itlia mandou um agrnomo italiano chamado de
Cavalassi para ensinar os agricultores a plantar o fumo junto um espanhol tcnico
para ajudar no preparo do fumo de corda.
O segundo questionamento feito aos entrevistados, foi em relao aos
seus conhecimentos sobre os ndios e o que mais chama ateno em suas
caractersticas.
O objetivo deste questionamento identificar a imagem que os imigrantes
tem sobre o ndio e transmitiu atravs da oralidade seus descendentes.
Sobre os ndios, o entrevistado Ado Betiol disse:
Ali em Rancho dos Bugres era a casa deles, oca, toda feita de palha, s tinha uma porta, porque de noite era mais quente. Eles se vestiam com uma tanga na frente, algumas tribos era natural mesmo como Deus mandou e no tinham vergonha, no conheciam comprar, no tinha fbrica, ento eles ficavam nus, viviam da caa e da pesca. Tinha ndio por toda a cidade, cada tribo tinha seu local, no eram todos juntos.
47
Zelinda Pelegrin foi breve ao falar sobre os ndios Os ndios no usavam
roupa, tinham uma tanga.
E Joo Trento tambm faz meno a pouca vestimenta do ndio: O ndio
usava um pouco de folha de caet para cobrir o corpo e que o pote deles tinha
cera de abelha para que no passe gua fazendo referncia aos cestos de palha.
Atravs do contedo das entrevistas, podemos perceber que a imagem
estereotipada do ndio como um selvagem, que cobre apenas as partes ntimas do
corpo, aquele que anda nu, como Deus mandou como disse Ado Betiol. Isso se
deve a diferena cultural, ao espanto do italiano com seu olhar europeu ao ver
algum nu.
Em algumas imagens, como na Figura 08 onde vemos uma
representao do ndio, realmente esta figura exposta pelos entrevistados que
vemos, porm pouco provvel que o ndio andasse sempre nu, pois Urussanga
uma cidade famosa por suas baixas temperaturas no inverno.
Figura 08: Representao do ndio caando Fonte: MARQUES (1977, p. 233)
O terceiro questionamento feito aos entrevistados foi em relao aos
primeiros contatos estabelecidos entre imigrantes italianos e ndios Xokleng.
O objetivo desta pergunta entender de que forma se deram os primeiros
contatos e de que forma levaram a tantos conflitos.
48
Sobre o contato estabelecido entre imigrantes italianos e ndio Xokleng, o
entrevistado Ado Betiol disse:
Com os ndios nunca tiveram contato porque o ndio vinha e roubava as plantaes, matava os animais. Eles tinham muita raiva dos colonos italianos, porque os verdadeiros proprietrios eram os ndios. Houve muito massacre, muita morte.
Sobre os primeiros contatos, a entrevistada Zelinda Pelegrin diz que foi
um momento difcil e que os conflitos, logo de incio foram muitos:
O momento com os ndios foi muito triste, os italianos achavam que tinham direito de cuidar de todas as terras de tudo que havia aqui e os ndios achavam que eles no tinham direito, porque eles que tinham nascido aqui, eram os que estavam cuidando das matas, e eles se revoltaram contra os imigrantes. Os ndios se revoltaram e usavam as flechas e mataram vrios (...) Os ndios quiseram avanar neles, querendo expuls-los, mas no conseguiram porque eles j tinham a ordem de se estabelecer aqui, e no s aqui, toda a redondeza do municpio, Siderpolis, Treviso, Urussanga e depois Cricima que foi mais tarde.
Joo Trento fala sobre os primeiros contatos com os ndios em
Urussanga, dizendo que a tarefa de cortar rvores para povoar as terras era difcil:
era s dar uma machadada que vinha a flecha e quem que tirava? Porque ela
igual um anzol, se puxa vem as tripas e naquele tempo no tinha nada de mdico,
se fosse hoje era outra coisa.
O entrevistado falou tambm sobre o medo que o ndio tinha da
espingarda dos imigrantes: quando ele enxergava a espingarda o bugre fugia para
o mato, tinha medo, porque uma vez ele viu uma espingarda ali, ele pegou a
espingarda olhou por dentro, mexeu, mexeu e saiu um tiro e o bugre se foi, ele tinha
medo.
O entrevistado Ado Betiol, aproveitou para falar sobre a primeira missa
realizada no Brasil e sobre a curiosidade dos ndios:
A primeira missa que foi celebrada aqui no Brasil foi Frei Henrique de Coimbra e o outro foi Padre Emanuel de Nbrega, ento os bugres estavam tudo apavorados vendo os padres celebrar a missa ento, eles se penduravam nas rvores para assistir a missa, vieram bastante e era novidade para eles.
Os entrevistados tambm falaram sobre a catequizao do ndio, que
acabou no tendo muitos resultados positivos.
49
Ado disse: Eles tentaram catequizar os ndios mas no conseguiram.
O entrevistado ainda contou em conversa informal, que ouviu falar sobre um padre
italiano que veio para Urussanga e ao retornar para a Itlia, teria levado um ndio
com ele, de nome Acary.
No livro do Pe. Marzano, h uma foto de um ndio com este mesmo nome,
ele est vestido no estilo europeu e aparenta semblante de estranhamento, porm
no livro no h nenhuma meno sobre a possvel adoo.
Figura 09: Pequeno ndio Acary aprisionado na floresta dois anos depois de conviver com os imigrantes. Fonte: MARZANO (1904, p. 43)
J Zelinda disse que a catequizao funcionava apenas com as crianas:
Os ndios eram catequizados, os pequenos aceitavam a catequizao, eles
trouxeram os ndios roubados da floresta e depois adotaram e trouxeram para o
Centro.
Sobre os ndios que eram retirados do convvio com as tribos e levados
para catequizao e adoo, Joo Trento lembra que o comportamento deles era de
50
estranhamento: E meu pai dizia que os ndios pequenos apontavam e cutucavam
os italianos, ficaram um tempo e depois foram levados para Florianpolis, da no
sei que fim que deu.
A ltima pergunta feita aos entrevistados foi em relao as lembranas
referentes aos conflitos ocorridos entre imigrantes italianos e ndios Xokleng em
Urussanga.
O objetivo deste questionamento entender de que forma os conflitos
levaram a tantas vtimas e consequente extino do grupo indgena na cidade.
Todos os entrevistados discorrem sobre vrios casos de mortes de
imigrantes italianos nos conflitos com os ndios, muitos destes casos j foram citados
nos captulos acima.
O entrevistado Ado Betiol fala sobre o furto frequente nas plantaes
feitas pelos imigrantes, um dos motivos dos conflitos: Os ndios gostavam de roubar
as plantaes, milho, mandioca e eles comiam tudo verde, no cozinhavam, comiam
cru e com a mandioca faziam uma bebida para as festas.
Joo Trento tambm conta sobre os alimentos que os ndios levavam das
plantaes dos imigrantes O ndio comeou a roubar, roubar milho, roubar tudo,
imagina, numa noite era uma turma e quanta espiga de milho ele levavam? Faziam
fogo e assavam o milho na roa de noite.
Sobre as apropriaes praticadas pelos ndios, Joo Trento tambm conta
que no eram somente de alimentos: os imigrantes estavam fazendo um rancho
para morar, eles pensaram essa noite no vem ningum aqui, vamos deixar as
ferramentas, e de manh as ferramentas no estavam mais, os bugres haviam
roubado.
O entrevistado Joo Trento tambm cita a lngua como um fator para
agravar os conflitos: ningum compreende a lngua daquela gente (ndio).
Ao questionar sobre episdios de conflitos e mortes que os entrevistados
tinham conhecimento, Ado lembrou-se do caso de uma mulher, imigrante italiana
que teria sido levada pelos ndios:
Um dia uma senhora, era da famlia Coral, esposa de Natal Coral e ela tava na roa e levaram a mulher, ela tava sozinha. E ento o marido tinha chego que tinha ido viajar ou caar sei l a mulher no tava e de noite no veio e no dia seguinte tambm no veio e os ndios levaram ela viva para o mato, o cacique ento ficou como marido dela e tratou muito bem, eram muito
51
bem tratada e quando o cacique saia, deixava um guarda para ela no fugir, ela era branca, n? E ento ela escrevia nas pedras com carvo assim vocs vem mais pra frente que vocs me encontram, que eu no estou morta, estou viva e quero voltar para casa e quando teve oportunidade ela fugiu, e quando fugiu estava grvida, e teve um filho de um ndio.
A entrevistada Zelinda Pelegrin tambm citou o mesmo caso, porm
atribui o fato a vingana dos ndios:
Os ndios de vingana dos imigrantes levaram a mulher deste casal, levaram a mulher para a floresta e no soltaram mais e eles fizeram o que bem entenderam e ela ficou grvida e ganhou uma criana que era filha de ndio.
Joo Trento tambm menciona o caso:
Os ndios roubaram uma mulher de um senhor que fazia picada por tudo, ela foi buscar um balde de gua e quando se acrocou o bugre abraou e levou. Ela ficou grvida depois do bugre. Ento o marido procurou, procurou e acabou achando o local onde os ndios estavam. Foram achar ela amarrada em Ararangu.
O entrevistado Ado comen