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Anais do XVI Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas 24 e 25 de setembro de 2013 ISSN 1982-0178 Os primeiros contatos: Rompendo o modelo da queixa escolar Antonio Richard Carias Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida email: [email protected] Raquel de Sousa Lobo Guzzo Avaliação e Intervenção Psicossocial: prevenção, comunidade e libertação. Centro de Ciências da Vida email: [email protected] Resumo: O psicólogo escolar ao atuar sob uma perspectiva crítica e preventiva precisa investigar quais são os paradigmas dominantes utilizados na escola que en- quadram os alunos a modelos que ditam como de- vem se portar dentro destas instituições. Pesquisar quais são as ações que são aceitas ou não pela es- cola desvela qual é a ideologia dominante que tem regido toda a prática e o olhar do educador diante da criança ou do adolescente. Diante disso, a presente pesquisa a partir da análise de 177 registros deno- minados “Primeiros Contatos” de duas instituições municipais de ensino fundamental, no período de 2004 a 2012, permitiu-nos verificar: o “padrão de comportamento” que conduz a escola a identificar as crianças e adolescentes intitulados “alunos proble- ma” e o discurso presente nestes encaminhamentos. As informações obtidas foram analisadas e interpre- tadas conforme a unidades de sentidos e as catego- rias encontradas foram as seguintes: dificuldade de aprendizagem e linguagem; dificuldade nas relações sociais; dificuldade em seguir regras e limites, vio- lência sexual, física e psicológica; crianças e/ou ado- lescentes com necessidades especiais; negligência familiar; falta escolar; situação de risco; conflito fami- liar; problema de saúde; adoção; sexualidade; difi- culdade financeira, mentiras e manipulação, encami- nhamento não-justificado. Palavras-chave: educação fundamental, psicólogo escolar, ideologia. Área do Conhecimento: Ciências Humanas , Psico- logia, Psicologia Escolar. 1. INTRODUÇÃO 1.1. A Psicologia Escolar adaptacionista A atuação do psicólogo escolar diante da queixa escolar foi historicamente marcada por uma ação clínica e remediativa que tendia a culpabilizar o indivíduo por todas as dificuldades encontradas no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. De acordo com Patto (1997; 1999) a relação da Psi- cologia com a Educação tinha como propósito primá- rio avaliar e diagnosticar os alunos que não estavam respondendo as demandas da escola, fornecendo laudos que ignoravam as condições sociais e políti- cas. Segundo Guzzo, Mezzalira, Moreira, Tizzei e Faria Neto (2010) a disseminação de uma prática individualizante no âmbito escolar foi fruto dos mode- los médicos de atuação, baseados numa visão clíni- ca de atendimento. Ocorreu, portanto, a redução das atividades do psicólogo, sendo esta restringida a aplicação de psicodiagnósticos e testes ao individuo. Como resultado, criam-se estereótipos clínicos dis- seminados no espaço escolar, reduzindo o problema como fruto das ações únicas e exclusivas do indivi- duo ou no máximo a sua família, deixando a margem uma consideração sobre o contexto histórico, eco- nômico, cultural e de trabalho. Esses aspectos adap- tacionistas na atividade do psicólogo estavam atrela- dos ao sucesso deste profissional. Conforme explica Guzzo, Moreira e Mezzalira (2011) o psicólogo seria bem sucedido se conseguisse com êxito solucionar os problemas de adaptação dos alunos a escola. . 1.2. A legitimação do status quo pela culpa indi- vidual A ciência psicológica como mantenedora do status quo foi pesquisada por Martin - Baró (1996) ao questionar o autêntico papel desse profissional na sociedade. Este autor explica que a psicologia anali- sava o contexto social a partir de uma perspectiva naturalizante.

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Anais do XVI Encontro de Iniciação Científica e

III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas

24 e 25 de setembro de 2013

ISSN 1982-0178

Os primeiros contatos: Rompendo o modelo da queixa escolarAntonio Richard Carias

Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida

email: [email protected]

Raquel de Sousa Lobo Guzzo Avaliação e Intervenção Psicossocial: prevenção,

comunidade e libertação. Centro de Ciências da Vida

email: [email protected]

Resumo:

O psicólogo escolar ao atuar sob uma perspectiva crítica e preventiva precisa investigar quais são os paradigmas dominantes utilizados na escola que en-quadram os alunos a modelos que ditam como de-vem se portar dentro destas instituições. Pesquisar quais são as ações que são aceitas ou não pela es-cola desvela qual é a ideologia dominante que tem regido toda a prática e o olhar do educador diante da criança ou do adolescente. Diante disso, a presente pesquisa a partir da análise de 177 registros deno-minados “Primeiros Contatos” de duas instituições municipais de ensino fundamental, no período de 2004 a 2012, permitiu-nos verificar: o “padrão de comportamento” que conduz a escola a identificar as crianças e adolescentes intitulados “alunos proble-ma” e o discurso presente nestes encaminhamentos. As informações obtidas foram analisadas e interpre-tadas conforme a unidades de sentidos e as catego-rias encontradas foram as seguintes: dificuldade de aprendizagem e linguagem; dificuldade nas relações sociais; dificuldade em seguir regras e limites, vio-lência sexual, física e psicológica; crianças e/ou ado-lescentes com necessidades especiais; negligência familiar; falta escolar; situação de risco; conflito fami-liar; problema de saúde; adoção; sexualidade; difi-culdade financeira, mentiras e manipulação, encami-nhamento não-justificado. Palavras-chave: educação fundamental, psicólogo escolar, ideologia.

Área do Conhecimento: Ciências Humanas , Psico-logia, Psicologia Escolar.

1. INTRODUÇÃO 1.1. A Psicologia Escolar adaptacionista

A atuação do psicólogo escolar diante da queixa escolar foi historicamente marcada por uma ação clínica e remediativa que tendia a culpabilizar o indivíduo por todas as dificuldades encontradas no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. De acordo com Patto (1997; 1999) a relação da Psi-cologia com a Educação tinha como propósito primá-rio avaliar e diagnosticar os alunos que não estavam respondendo as demandas da escola, fornecendo laudos que ignoravam as condições sociais e políti-cas.

Segundo Guzzo, Mezzalira, Moreira, Tizzei e Faria Neto (2010) a disseminação de uma prática individualizante no âmbito escolar foi fruto dos mode-los médicos de atuação, baseados numa visão clíni-ca de atendimento. Ocorreu, portanto, a redução das atividades do psicólogo, sendo esta restringida a aplicação de psicodiagnósticos e testes ao individuo. Como resultado, criam-se estereótipos clínicos dis-seminados no espaço escolar, reduzindo o problema como fruto das ações únicas e exclusivas do indivi-duo ou no máximo a sua família, deixando a margem uma consideração sobre o contexto histórico, eco-nômico, cultural e de trabalho. Esses aspectos adap-tacionistas na atividade do psicólogo estavam atrela-dos ao sucesso deste profissional. Conforme explica Guzzo, Moreira e Mezzalira (2011) o psicólogo seria bem sucedido se conseguisse com êxito solucionar os problemas de adaptação dos alunos a escola. .

1.2. A legitimação do status quo pela culpa indi-vidual

A ciência psicológica como mantenedora do status quo foi pesquisada por Martin - Baró (1996) ao questionar o autêntico papel desse profissional na sociedade. Este autor explica que a psicologia anali-sava o contexto social a partir de uma perspectiva naturalizante.

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Segundo Martín-Baró (1996) o psicólogo precisa questionar a manutenção do status quo, a falta de acesso a oportunidades, a justificação do mais forte como aquele que deve dominar o mais fraco. Em outras palavras, a atuação do psicólogo crítico seja em seu compromisso com a educação ou em outras áreas é se direcionar contra a dominação ideológica de um sistema econômico opressor. A desvalorização dos professores com baixos salários, ausência de um bom plano de carreira e garantia de empregabilidade e condições de trabalho é um fator que pesa consideravelmente na promoção de uma escola que trabalhe com o contexto dos seus alunos.

2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral Compreender, desvelar e discutir a ideologia

dominante que tem regido a prática e a visão do educador sobre o chamado “aluno-problema”, apre-sentando uma visão critica e contextual pautada no modelo histórico e social.

2.2 Objetivos Específicos

1. Descrever a queixa escolar a partir da avali-ação feita pelo educador ou funcionário da escola;

2. Sistematizar as queixas em categorias temá-ticas que permitem uma avalição contextual;

3. Avaliar as informações obtidas por meio das categorias temáticas.

3. MÉTODO

3.1 Metodologia A metodologia utilizada foi a Análise de Con-teúdo ou unidades de sentidos propostas por Gon-zalez Rey (2002) e o Materialismo Histórico Dialético.

3.2. Cenário Estes registros acontecem desde 2004 em

duas instituições públicas de ensino fundamental e tem a intenção de avaliar quais são as demandas dominantes no espaço escolar.

3.3 Material O material que será utilizado neste plano

pertence ao Banco de Dados do LAMP (Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas) da PUC-Campinas, coordenado pela Profª Drª Raquel Souza

Lobo Guzzo. Constituir-se-á dos registros denomina-dos “Primeiro Contatos”.

3.4 Desenvolvimento Metodológico As informações obtidas serão analisadas e

interpretadas conforme a unidades de sentido, pro-posta por González Rey (2002). Para este autor, as categorias seriam uma concretização e organização do processo construtivo-interpretativo em constante movimento, em que os núcleos de significações teó-ricas ou as unidades de sentido se articulam entre si dando visibilidade a uma produção teórica. Portanto, as categorias não são entidades rígidas e fragmen-tadas, pois estão em constante processo de desen-volvimento. Assim, as informações serão extraídas a partir da análise documental, das entrevistas e dos demais materiais na base de dados.

4. RESULTADOS Por meio das informações obtidas foi possi-

vel a elaboração de 15 categorias que demonstram a contextualidade da queixa escolar, ou seja, de que a mesma não é fruto de uma culpabilização do indivi-duo que generaliza e estigmatiza a criança e/ou ado-lescente.

4.1. Dificuldades de aprendizagem

Abrange situações em que as crianças não con-seguem se concentrar, realizar com satisfação ativi-dades de linguagem e matemática, sendo que, mui-tas são encaminhadas para a equipe de psicologia na escola e/ou para um atendimento clinico em con-sultório particular. Segundo Maluf (s/d), a queixa es-colar, em sua maioria, compreende dificuldades de aprendizagem, ou seja, alunos que não conseguem acompanhar o ritmo de desenvolvimento das ativida-des em aula, como desenvolver leitura, escrita e do-mínio básico da matemática. A autora pontua que até a década de 1980, a maioria dos psicólogos escola-res apenas reproduziam uma atuação clinica e psi-cométrica diante desses casos, sendo que, essa ação contribuiu para a manutenção de mecanismos de exclusão escolar na escolarização das crianças mais pobres da população.

Desta forma, Maluf (s/d), reflete sobre a prática pedagógica do professor, além da necessidade do conhecimento por parte dos profissionais da educa-ção sobre os processos psicológicos envolvidos na aquisição da linguagem. No que se refere à prática pedagógica, é destacado o trabalho individualizado para com o aluno em dificuldade, pois o mesmo tem

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que ser compreendido em sua história pessoal e as limitações decorrentes desta.

1.3. Dificuldades nas relações sociais A categoria refere-se aos alunos que desenvol-

vem pouca interação social e/ou atitudes de agressi-vidade. Pasqualini (2012) apresentou uma discussão sobre crianças agressivas e com dificuldades de re-lacionamentos, destacando em sua argumentação a Teoria da Atividade de Leontiev, na qual existe o pressuposto de que a criança não tem uma organi-zação plena de sua atividade, com “motivos, meios e fins” e, portanto suas ações não possuem um caráter intencional, mas são reflexos da mediação dos adul-tos.

Desta forma, comportamentos menos sociáveis como ações agressivas ou de pouca interação são manifestações de um contexto mediado, não restrito apenas ao ambiente familiar, mas a própria socieda-de como um todo. O termo agressividade denota uma característica inata na criança, o que na reali-dade não convém, pois o que é perceptível são ações agressivas, que não são parte constituinte dessas mesmas crianças, mas fruto de um contexto histórico com múltiplas determinações.

1.4. Dificuldade em seguir regras e limites A categoria apresenta casos de alunos que não

seguem regras escolares e/ou normas e leis estabe-lecidas. Ao desobedecerem são punidos pela escola e muitos nem se importam mais com as consequên-cias das suas ações. Segundo Sidman (1995), autor da linha comportamental, a ação punitiva e coercitiva em crianças, perante o rompimento de regras, tende apenas a extinguir comportamentos e não gerar consciência. Desta forma, punir simplesmente, como uma ação de remediação, não trará resultados à lon-go prazo; portanto, a prevenção e a ação interventiva social para a maioria dos casos torna-se relevante. A imposição de regras muitas vezes não é respeitada pelos alunos, sendo que, os mesmos não se sentem intimidados com as punições sociais pelo não cum-primento das mesmas. Em sala de aula, por exem-plo, a presença do professor tem sido desconsidera-da como uma figura a ser respeitada, ocorrendo ofensas, brigas e até destruição do patrimônio esco-lar.

1.5. Violência sexual, física e psicológica Segundo Viodres Inoue e Ristum apud Lisboa et

al. (2008), as professoras são grandes denunciado-ras da violência em casa, pela observação do com-portamento diferente da criança. Em uma sociedade onde denunciar questões familiares, principalmente sexuais ainda é um tabu, as autoras destacam o pa-pel do professor como um agente atento para esse problema. Geralmente a criança em tal situação cria um repertório de estratégias para lidar com essa rea-lidade, tal como ser mais agressiva ou mais silencio-sa, o que por sua vez gera relações hostis ou de ex-clusão no âmbito escolar.

Segundo Euzébios Filho e Guzzo (2006) os atos de violência, particularmente com as crianças, de-vem ser compreendidos a partir dos fatores de risco e proteção que se manifestam em seu entorno. É destacado que a escola não tem sido um espaço no qual há fatores de proteção para essas crianças, pois elas são estigmatizadas pela situação em que se encontram.

1.6. Crianças e/ou adolescentes com necessidades especiais

Nesta categoria observaram-se vários casos de

crianças especiais em escolas publicas, sem um de-vido acompanhamento, ou seja, sem a verdadeira “inclusão” proposta por muitos sistemas educacio-nais, particularmente o público. Segundo Enumo (2005), as crianças com necessidades educativas especiais (NEE) têm sido inseridas na educação formal das escolas públicas e particulares, não fican-do segregadas em instituições exclusivas para o cui-dado das mesmas, como no passado. Essa política de inclusão do aluno especial está baseada na pro-posta de integração escolar que apregoa que todos os alunos em tais condições devem ter as mesmas oportunidades de interação e a possibilidade de usu-fruir de condições de vida semelhantes a todos. Po-rém, a educação especial no Brasil, particularmente a pública, não tem ainda uma adequada estrutura para a demanda de crianças que necessitam desses serviços.

Portanto, torna-se evidente, segundo a mesma autora, a existência de professores não preparados para atuarem com alunos especiais, salas lotadas que impedem uma atenção peculiar a estes e recur-sos metodológicos para a aprendizagem.

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1.7. Negligência familiar Na categoria “negligência familiar” ocorreu casos

em que as crianças estavam sem condições básicas, tais como mal alimentadas, sem banho diário, sem roupas limpas. Desta forma, segundo Guzzo, Moreira e Mezzalira (2011) a negligência familiar afeta o de-senvolvimento da criança e mostra uma falta de consciência dos responsáveis pelos seus deveres. De acordo com as autoras, o Conselho Tutelar, que geralmente intervêm nesses casos, age de forma punitiva, sendo que, essa ação gera comportamen-tos paliativos dos pais diante da situação, não preve-nindo e nem conscientizando sobre o que está sendo punido, gerando resultados imediatos, mas não de longo prazo.

1.8. Falta escolar Faltar às aulas constantemente é um indicativo

de alguma situação adversativa ao ensino e portanto, ocorre um impedimento de contato com a cultura. Em muitos casos, as famílias exploram as crianças, tirando-as da escola para trabalharem em serviços que degradam o seu desenvolvimento. Segundo Weber e Guzzo (2012), a opressão enquanto fenô-meno psicossocial possibilita ao individuo oprimido uma visão de que a escolarização é uma realidade inacessível ao que carece de recursos, portanto exis-te uma ação dirigida para a obtenção de recursos, mas não a apropriação da cultura. Desta forma, é possível questionar que muitas crianças não vão a escola devido a essa visão de que o trabalho, para o filho do oprimido socialmente, é a única realidade acessível e que a formação escolar passa a ser um aspecto secundário na concepção destes. Ocorrem situações em que, por meio de uma negligência não visível aparentemente, a criança não vai à escola porque os pais não a levam. Também é perceptível medo; por parte dos alunos; de irem às aulas, sendo que, esse fato possa estar relacionado com bullyng.

1.9. Situação de risco Nesta categoria houve casos de envolvimento do

aluno ou de seus familiares com drogas e/ou álcool, podendo ocorrer ou não violência ou até prisões por assassinatos. A proximidade com contextos onde há drogas e o excesso de consumo do álcool, possibilita situações de vulnerabilidade a criança, com possí-veis riscos de vida devido ao envolvimento de famili-

ares e conhecidos com o tráfico ou com ações vio-lentas desencadeadas pelo consumo de ambos. O psicólogo, dentro desse contexto, pode trabalhar na promoção e efetivação de políticas publicas que as-segurem segurança a essas crianças e a seus fami-liares, além da formação de consciência sobre uma política de prevenção as drogas e ao álcool.

1.10. Conflito familiar De acordo com Gomes et al (2007), a violência

doméstica está fundamentada na legitimização da autoridade do homem no âmbito familiar, enquanto disciplinador de seus filhos e o direcionador do rela-cionamento conjugal. A autora afirma na possibilida-de de se falar em uma violência intergeracional, na qual ocorre uma transgressão do poder, dito como cuidado e uma coisificação da infância em que a cri-ança deve apenas obedecer, não sendo respeitada as suas vontades e desejos dentro de um contexto coercitivo. Gomes et al (2007), aponta ainda a ne-cessidade de relações simétricas dentro da família, possibilitando mais igualdade e um ambiente menos coercitivo.

1.11. Problema de saúde Segundo Euzébios Filho e Guzzo (2006), a do-

ença é uma fator de risco para a criança e se esten-de ao atendimento de saúde pública, a qual a maio-ria da população recorre. A oportunidade de trata-mento adequado permite o enfrentamento da condi-ção de doente, porém é necessário melhorias na qualidade do serviço. Problemas de saúde nas crian-ças ou em seus familiares afetam direta ou indireta-mente seu aproveitamento escolar, assim como suas vivências.

1.12. Adoção Em “adoção” ocorreu casos de dificuldades dos

pais de apresentarem para a criança a informação de que ela é adotada. Segundo Ebrahim (2001), a ado-ção no Brasil ainda está permeada pelo preconceito de assegurar a uma criança não parental a condição de filho. Ainda permanece a visão de que os casais que buscam adotar são estéreis e que, portanto dian-te do desejo de ter um filho, (e não havendo a possi-bilidade de concepção) a adoção torna-se uma alter-nativa. Desta forma, é importante destacar as causas do comportamento de muitos pais de omitir essa in-

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formação a criança, considerando irrelevante para a mesma.

1.13. Sexualidade Esta categoria refere-se a comportamentos sen-

sualizados e/ou de imitação de atos sexuais por par-te de crianças em âmbito escolar. Segundo Pasqua-lini (2012), a criança age no mundo com ações refle-xas da atividade do adulto. Desta forma, ao apresen-tarem comportamentos sensualizados, as mesmas estão imitando cenas vistas dentro de seu contexto de convivência. Muito provavelmente ambientes de prostituição ou casas familiares em que a criança tem acesso a ver adultos em relações sexuais permi-te a ocasião para esses comportamentos. O psicólo-go pode trabalhar com a educação e prevenção se-xual na comunidade e na observação constante da criança procurando perceber se não está ocorrendo possíveis abusos sexuais. Se estiver, o mesmo pro-fissional pode tomar as providencias jurídicas para o caso.

1.14. Dificuldades financeiras

Em “dificuldades financeiras” é perceptível a escassez de recursos financeiros de muitas famílias. De acordo com Yune et al (2004), há no senso co-mum, uma visão generalizada de que a noção de pobreza traz ideias incorporadas de patologização do ser humano como doenças e drogas. Esses estereó-tipos, disseminados na cultura, possibilitam o pre-conceito dentro do ambiente escolar, particularmente de crianças que tem roupas velhas e rasgadas, sem um tênis e/ou sapato fechado, além de outros aces-sórios que denotam maior ou menor condição eco-nômica. Esse fato se reflete na atuação do professor que também tende a ver a pobreza da família como sinônimo de desestruturação, sendo que, na verda-de, envolve fatores políticos e sociais.

1.15. Mentiras e manipulação

Na categoria houve casos de crianças que men-tem constantemente e sem motivo aparente. Pas-qualini (2012) apresenta que as ações da criança são mediadas por um contexto. Possivelmente as crianças aprenderam a mentir e até manipular, talvez por situações de fuga e/ou necessidade, ou sim-plesmente como forma de brincadeira. Desta forma, é interessante não patologizar esses comportamen-

tos, que muitas vezes são trazidos como queixas escolares, até mesmo como se a criança fosse uma personalidade maldosa, capaz de manipular adultos. Porém, em casos em que a mentira extrapola os ní-veis aceitáveis a prática mais comum, tanto da famí-lia quanto da escola é culpabilizar a criança pelo seu processo educativo.

1.16. Encaminhamento não-justificado. A última categoria analisada nos casos foram os

“encaminhamentos não-justificados” que se referem a total ausência de informações nos registros arqui-vados sobre os motivos que levaram a solicitação da equipe de psicologia. Pode-se levantar hipóteses sobre o que levou os casos a não serem divulgados inicialmente, como a possibilidade de serem escân-dalos para a familia. Contudo, são situações com poucas informações.

5. CONCLUSÕES Por meio deste plano, foi possível construir

uma análise do discurso ideológico na queixa esco-lar, ou seja, a argumentação de que o fracasso esco-lar é culpa do aluno e/ou de sua família “desestrutu-rada”, além de preconceitos e estereótipos associa-dos a essa prática. Ao culpabilizar o aluno por suas dificuldades é reafirmado uma visão naturalizante dos problemas de aprendizagem, retirando a respon-sibilidade da escola, do seu plano pedagógico, da atuação do professor, das ações governamentais e seus representantes, das politicas públicas, particu-larmente as que estão ligadas a educação. Esta pesquisa, portanto buscou a contextualização de cada queixa dentro de um âmbito maior do que a criança e a sua família, possibilitando uma discus-são.

O psicólogo escolar, com uma visão critica, analisa a queixa escolar dentro de um contexto, não medindo e adaptando a criança, mas possibilitando condições para o seu desenvolvimento saudável, através da cultura, das boas relações, do acesso igualitário a oportunidades de aprendizado. Desta forma, o bem-estar, as condições de vida, os relacio-namentos e o aprendizado enquanto processo é que são elementos de trabalho valorizados, pois a crian-ça é constituída por meio de um processo histórico, no qual o psicólogo pode intervir e fazer parte.

AGRADECIMENTOS Agradecimentos a Prof° Dra° Raquel de

Sousa Lobo Guzzo que acreditou na possibilidade

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dessa pesquisa. A Dra° Adinete de Sousa Costa Mezzalira pela importante contribuição e FAPIC –Reitoria pelo financiamento da pesquisa.

REFERÊNCIAS

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Anais do XVI Encontro de Iniciação Científica e

III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas

24 e 25 de setembro de 2013

ISSN 1982-0178

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