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Os Princípios Fundamentais, o
Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITOESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
Cel Cav JOSÉ RICARDO
Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das
Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao
Conflito Moderno
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITOESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
Cel Cav JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES
Rio de Janeiro
2016
Planejamento das
Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO
Cel Cav JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES
Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das
Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao Conflito
Moderno
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito do Programa de Pós-graduação lato sensu em Ciências Militares.
Orientador: Cel Cav MÁRCIO BESSA CAMPOS
Rio de Janeiro
2016
N972p Nunes, Ricardo Vendramin
Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao Conflito Moderno. / Ricardo Vendramin Nunes. 一2016.
91 f. : il. ; 30 cm.
Orientação: Márcio Bessa Campos. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Altos Estudos em Política e Estratégia)一Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2016.
Bibliografia: f. 88-90.
1. OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU. 2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS.
3. PLANEJAMENTO. I. Título.
CDD 355.4
Cel Cav JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES
Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das Operações de Paz
e suas Perspectivas em face ao Conflito Moderno
Aprovado em Rio de Janeiro - RJ, ______/_____/______
COMISSÃO AVALIADORA
__________________________________________ MÁRCIO BESSA CAMPOS - Cel Cav - Presidente Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
_______________________________________________ JOSÉ HELENO ZANGALI VARGAS - Cel Com - Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
________________________________________________________ CANDIDO CRISTINO LUQUEZ MARQUES FILHO - Cel Art - Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito do Programa de Pós-graduação lato sensu em Ciências Militares.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha família a paciência e o estímulo constantes, permitindo-me a
tranquilidade para dedicar tempo ao trabalho.
Agradeço ainda ao meu orientador pela amizade e respeito com que conduziu os
trabalhos.
“A mudança começou na Somália, onde nós descobrimos que nós estávamos envolvidos em uma operação onde não havia paz; dessa forma, não havia mais uma operação de manutenção da paz porque não havia paz.” (Boutros Boutros-Ghali)
“A imparcialidade das Nações Unidas permite negociar e operar em alguns dos mais duros lugares do mundo. E ao longo do tempo, estudos tem mostrado que UN peacekeeping é de longe mais efetivo e feito com menos dinheiro do que qualquer governo possa fazer por si próprio.” (Ban Ki-moon)
RESUMO
Na última década a Organização das Nações Unidas vem testando os princípios
fundamentais que regulam suas operações de manutenção da paz (OMP), algumas
das quais vem sendo sacudidas por terrorismo, gravíssimas violações de direitos
humanos, agressões de agentes não estatais e um fluxo enorme de refugiados e
deslocados. Os princípios estão adequados e atuais à realidade do planejamento
para as OMP? A implementação dos mandatos é realizada com a observância dos
princípios? Estas são questões cruciais que permeiam o uso do chamado
instrumento político peacekeeping, uma solução ad hoc inovadora para crises
internacionais relacionadas a paz e segurança, funcionando por mais de 70 anos.
Como ferramenta e iniciativa legítima da comunidade internacional, a manutenção
da paz tem evoluído ao longo do tempo conforme os desafios internacionais foram
sendo propostos às Nações Unidas. Neste percurso, foram colhidas vitórias e
fracassos que ultimamente moldaram nos últimos dez anos um modelo de
planejamento e intervenção consentida em Estados-Membros da Organização das
Nações Unidas. Os princípios fundamentais das operações de paz propõem a
regulação e a dosagem dessas intervenções. Enquanto princípios sólidos e
norteadores da atuação de diversos segmentos da Organização, eles não são
compulsórios para uma multidão de atores que participam da execução da
manutenção da paz mas não pertencem a ONU. Este trabalho busca discutir a
adequabilidade e a atualidade dos princípios fundamentais em relação ao
planejamento para operações de paz em ambientes complexos e voláteis,
normalmente caracterizados como áreas em que ocorre o conflito moderno.
Palavras-chave: Organização das Nações Unidas; ONU; operações de
manutenção da paz; princípios fundamentais das operações de paz; planejamento e
implementação de mandatos; conflito moderno.
ABSTRACT
In the last decade the United Nations is putting to test the fundamental principles
which regulate peacekeeping operations (PKO), some of them shaken by terrorismo,
grave human rights violations, agressions by non-state agentes and a huge flux of
regugees and deslocated persons. Are the principles adequate and updated to the
planning reality of peacekeeping? Mandate implementation is undertaken under the
full observance of the principles? These are crucial questions that intermingle the use
of the political instrument called peacekeeping. instrumento político peacekeeping,
an ad hoc solution for international peace and security crisis, being runned by more
than 70 years. As per a international community legitimate tool and initiative,
peackeeping has evolved with time according to the international challenges being
proposed to the United Nations. Following this path, a number of victories and
disasters shaped what in the last ten years a model for consented intervention in a
Member-State of the United Nations. The Peace operations fundamental principles
guide and regulate these interventions. While solid and orientative for actors within
the Organization, they are not compulsory to a multitude of actors who participate in
peacekeeping but are not part of the United Nations. This study seeks to discuss
adequability and applicability of the fundamental principles and planning processes
of peacekeeping in complex and volatile operational environments, usually known as
areas of modern conflict.
Keywords: United Nations; UN; peacekeeping operations; fundamental
principles of peace operations; mission planning and mandate implementation;
modern conflict.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Visão sumária do Processo de Planejamento Estratégico
Integrado......................................................................................................... 29
Figura 2 – Quadro de Planejamento para uma Presença Integrada da ONU
quando há uma OMP ..................................................................................... 36
Figura 3 - Atividades relacionadas ao planejamento operacional ................. 59
Figura 4 - Desdobramento de uma OMP multidimensional e tarefas sob
influência dos princípios fundamentais .......................................................... 66
Figura 5 – Planejamento, Implementação do mandato e os princípios
fundamentais ................................................................................................. 82
Figura 6 - Ações e atividades relacionadas com o Consentimento ............... 84
Figura 7 - Ações e atividades relacionadas com a Imparcialidade ............... 85
Figura 8 - Ações e atividades relacionadas com o Não Uso da Força Exceto
em Autodefesa e em Defesa do Mandato ..................................................... 86
LISTA E SIGLAS DE ABREVIATURAS
AFISMA
AU
- Missão de Apoio Internacional liderada pela África no Mali
- União Africana
CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha
DDR - Desarmamento, Desmobilização e Reintegração
DFS - Departamento de Apoio ao Terreno
DPA - Departamento de Assuntos Políticos
DPKO - Departamento de Operações de Manutenção da Paz
EB - Exército Brasileiro
ECOWAS
EU
- Comunidade Econômica dos Estados do Oeste da Àfrica
- União Européia
EUA - Estados Unidos da América
FIB
HLIPPO
- Force Intervention Brigade
- Painel Independente de Alto Nível sobre Operações de Paz
ITS
JMAC
JLOC
JOC
MHQ
- Serviço de Treinamento Integrado
- Centro de Análise Conjunto da Missão
- Centro de Operações Logísticas Conjunto
- Centro de Operações Conjunto
- Quartel-General da Missão
MINUSMA
MINUSTAH
- Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das
Nações Unidas no Mali
- Missão de Estabilização das Naçòes Unidas no Haiti
MONUSCO - Missão de Estabilização das Nações Unidas na República
Democrática do Congo
OCHA - Escritório para Coordenação de Ajuda Humanitária
OHCHR - Escritório do Alto-Comissário para Direitos Humanos
OMA - Escritório de Assuntos Militares
OMP - Operação de Manutenção da Paz
ONG - Organização Não Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
OO - Escritório de Operações
OROLSI - Escritório de Estado de Direito e Instituições de Segurança
PBSO - Escritório de Apoio a Peacebuilding
SRSG - Representante Especial do Secretário Geral
UNCT - Time das Nações Unidas no País
UNDAF - Quadro de Trabalho de Assistência ao Desenvolvimento
UNDG - Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas
UNDP - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
UNDSS - Departamento de Segurança das Nações Unidas
UNHCR
UNMISS
- Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados
- Missão das Nações Unidas na República do Sudão do Sul
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 12
2 METODOLOGIA............................................................................................ 21
2.1 TIPO DE PESQUISA..................................................................................... 21
2.2 COLETA DE DADOS..................................................................................... 21
2.3 TRATAMENTO DOS DADOS........................................................................ 22
2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO.......................................................................... 22
3 O PLANEJAMENTO POLÍTICO-ESTRATÉGICO DE UMA OPERAÇÃO
DE MANUTENÇÃO DA PAZ ........................................................................
23
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
3.7
4
4.1
4.2
4.3
4.4
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO VISANDO OMP EM ÁREAS DE
CONFLITO MODERNO ................................................................................
PROCESSO DE AVALIAÇÃO E PLANEJAMENTO INTEGRADO ..............
AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA........................................................................
MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO ...............................................................
PLANEJAMENTO INTEGRADO ...................................................................
MONITORAMENTO INTEGRADO ..............................................................
CONCLUSÕES PARCIAIS ...........................................................................
OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO ..........................
CONSENTIMENTO ......................................................................................
IMPARCIALIDADE ........................................................................................
NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO
MANDATO ....................................................................................................
CONCLUSÕES PARCIAIS ...........................................................................
24
27
30
31
33
37
37
39
40
46
50
54
5 O PLANEJAMENTO OPERACIONAL E OS PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS .........................................................................................
56
5.1
5.2
5.3
6
6.1
PLANEJAMENTO OPERACIONAL VISANDO OMP EM ÁREAS DE
CONFLITO MODERNO ................................................................................
OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL ...........................
CONCLUSÕES PARCIAIS ...........................................................................
A IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS ......................................................
OS PRINCÍPIOS E A IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS .........................
57
63
68
69
69
6.2
6.3
6.4
6.5
CONSENTIMENTO ......................................................................................
IMPARCIALIDADE ........................................................................................
NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO
MANDATO ....................................................................................................
CONCLUSÕES PARCIAIS............................................................................
71
73
74
80
7 CONCLUSÃO................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................
82
88
12
1 INTRODUÇÃO
Historicamente as operações de paz tem sido um instrumento político utilizado
por países e organizações internacionais para a resolução de conflitos. Dentre o
amplo espectro de intervenções internacionais contidas pela expressão operações
de paz, são as operações de manutenção da paz (OMP) levadas a cabo pela
Organização das Nações Unidas (ONU) aquelas que detém a maior legitimidade.
Não há provisão específica na Carta da ONU para a manutenção da paz e esta
surgiu como uma solução política adotada no fragor de crises internacionais do pós-
guerra, com uma institucionalização e regulamentação crescentes desde então. A
OMP a ser examinada neste trabalho é a que trata do conflito interno, intra-estado,
em que pese muitas das idéias caberem também em situações de conflito
interestado.
A legitimidade das OMP da ONU é normalmente fruto das decisões do
Conselho de Segurança da Organização, célula politico-diplomática com mandato
dos países-membros para a tomada de decisões sobre paz e segurança. Goste-se
ou não do arranjo existente desde a criação da Organização, o Conselho de
Segurança tem funcionado atualmente como sempre historicamente funcionou,
chegando eventualmente a entendimentos que geram ação ou omitindo-se em
interferir em questões relevantes, segundo os interesses dos países participantes do
Conselho, muito particularmente dos membros com assento permanente, em face
de situações críticas que se apresentam no panorama internacional. De qualquer
forma, é patente e absoluta a legitimidade de uma operação de manutenção da paz
(peacekeeping) autorizada pelo Conselho, que em verdade atua em nome de todos
os Estados-Membros da ONU.
A Doutrina Capstone, consolidada pelo Departamento de Operações de
Manutenção da Paz (DPKO) da ONU em 2008 e peça doutrinaria mais elevada do
sistema conceitual da manutenção da paz da ONU, descreve peacekeeping como
uma técnica de intervenção para emprego político, resultado prático de uma
evolução de intervenções baseadas em acordos de paz, que poderá gerar uma
operação de manutenção da paz, sob certos princípios fundamentais e
condicionantes.
“ Peacekeeping é uma técnica concebida para preservar uma paz, embora frágil, onde os combates tenham cessado, e para assistir na implementação de acordos de paz conquistados por meio do estabelecimento da paz. Ao
13
longo dos anos, a manutenção da paz tem evoluido de um modelo inicial militar de observação de cessar-fogo e de separação de forças após conflitos entre estados, para incorporar um modelo complexo de muitos elementos – militar, policial e civil – trabalhando juntos para ajudar a construir as fundações de uma paz sustentável. “ (Doutrina Capstone – ONU, 2008. Tradução própria).
Por esta razão, no contexto da manutenção de paz internacional sob o manto da
legitimidade, aquela determinada pelo Conselho de Segurança, o objeto de
investigação e estudo do trabalho são os princípios fundamentais das OMP da ONU.
O objetivo é discutir e confrontar os princípios com os processos de criação, de
planejamento político e estratégico, de planejamento e implementação de mandatos
no terreno, e com aspectos profundamente desafiadores atualmente presentes no
conflito moderno.
As OMP foram criadas com uma solução ad hoc e prática para problemas
internacionais que surgiram com a reorganização de países e forças ao fim da
Segunda Guerra Mundial. A fundamentação teórica destas missões de paz passou a
ser desenvolvida com o passar dos anos e, notadamente, como resultado dos
sucessivos desdobramentos internacionais da ONU em diferentes teatros e
situações de conflito.
O tema peacekeeping tornou-se relevante após alguns empreendimentos
exitosos e passou a contar com agenda própria. Ao fim da primeira missão de paz
da ONU no Congo em 1960 (ONUC – United Nations Operation in Congo), o Comitê
Especial para Peacekeeping da Assembléia Geral foi criado, o denominado C-34, a
fim de ater-se ao assunto com constância e consistência.
Com o fim da Guerra Fria, simbolizada pelo colapso da União Soviética, o
Conselho de Segurança passou a autorizar um grande número de operações de
manutenção da paz. Naquele momento, a ONU parecia ser o ator certo no tempo
certo para resolver questões internacionais. Somente entre 1988 e 1995 o Conselho
autorizou 27 missões, em comparação com 13 autorizadas nos quatro anos
anteriores. A publicação The Blue Helmets, expedida pelo ONU em 1990, traçava o
seguinte cenário:
“A distensão do confronto Leste-Oeste melhorou a cooperação dentro do Conselho de Segurança e proveu excelentes oportunidades para a resolução de conflitos de longa duração. Entretanto, o fim da Guerra Fria também viu outros conflitos emergirem, permitindo o levantamento de reclamações ferozes de identidades sub-nacionais baseadas em etnicidade, religião, cultura e idiomas, que frequentemente resultaram em conflito armado. Para responder a esta nova paisagem política, a comunidade
14
internacional voltou-se para a manutenção da paz, que cresceu rapidamente em tamanho e abrangência. (The Blue Helmets – ONU, 1990. Tradução própria)
Após mais de 70 anos de desdobramentos de missões de paz em todas as
regiões do globo, a manutenção da paz está consolidada como um dos mais
importantes instrumentos de intervenção à disposição do CS e da comunidade
internacional.
Como último ponto antes de adentrar a uma breve exposição do contido na
doutrina atual da ONU e seus princípios, é preciso entender o ambiente no qual são
forjadas as decisões e se determinam os parâmetros para o planejamento de uma
operação de manutenção de paz. Interferem diretamente na adoção de
peacekeeping como apoio à resolução de determinado conflito:
a) o contexto político internacional, dentro de um viés multilateral da ONU;
b) a política real e o pragmatismo dos Estados Membros da ONU nos temas
de paz e segurança; e,
c) a política existente e a cultura organizacional representadas nas estruturas
de negociação e de tomada de decisão da ONU.
Sobre a transformação de modelos antigos, ditos tradicionais, em concepções
empregadas na atualidade das OMPs, a Doutrina Capstone, informa que:
“ A transformação do ambiente internacional tem permitido o nascimento de uma nova geração de operações de manutenção da paz multidimensionais. Estas operações são tipicamente desdobradas em situações perigosas após um violento conflito de caráter interno e podem empregar uma combinação de capacidades militares, policiais e civis para apoiar a iimplementação de um acordo de paz abrangente. (Doutrina Capstone – ONU, 2008. Tradução própria).
Como exposto, modernamente, com sua evolução conceitual e prática, as
missões adquiriram um caráter multidimensional, em que uma operação de
manutenção da paz demonstra a presença e a atuação coordenada de componentes
civis, um componente militar e um componente policial. A configuração da missão
quanto ao número e natureza dos componentes é produto das necessidades e
tarefas expressas no mandato autorizado pelo Conselho de Segurança. Uma
definição registrada pelo Serviço de Treinamento Integrado do DPKO (ITS –
Integrated Training Service) sobre operações de paz multidimensionais pode ser
vista a seguir.
¨Operação de caráter multidisciplinar dirigida por uma organização internacional, legitimada para isso, e desenvolvida sob os auspícios da ONU, cujos objetivos são eliminar as ameaças à paz, empregando meios pacíficos ou limitando o uso da força ao nível mínimo
15
indispensável¨. (Core Pre-deployment Training Materials – ONU, 2009. Tradução própria).
Os componentes constitutivos da operação de paz desdobrada no terreno
procuram também trabalhar coordenadamente com outras entidades, externas à
operação de paz, que estão desdobradas no mesmo espaço geográfico em que eles
atuam, porém nem sempre com uma mesma visão do processo político de paz , com
objetivos por vezes diferentes e com mandatos razoavelmente distintos. Os atores
eternos referidos podem ser agências e programas das próprias Nações Unidas
(independentes da missão de paz) e outras organizações, governamentais, não
governamentais e internacionais.
Para efeito deste trabalho, serão consideradas com mais ênfase as missões
de paz multidimensionais em situações de conflito intra-estado. Situações de conflito
interestados seguem os mesmos princípios, mas as missões de paz mais complexas
e desafiantes da atualidade e que servem ao propósito da discussão proposta pelo
trabalho se enquadram na situação de conflito interno.
Sobre todos os atores que estão envolvidos na estabilização de um país
recipiente de uma operação de paz, sejam eles da missão ou atores externos,
repousam os princípios fundamentais das OMP descritos na Doutrina Capstone.
Para os primeiros, os princípios tem caráter mandatório; para os últimos, podem ou
não servirem de ponto de orientação. Por essas razões, a idéia básica que
impulsiona este trabalho é analisar os princípios que correntemente regem as OMP
da ONU e suas relevâncias para o planejamento e execução da operação de
manutenção da paz, para seus parceiros e outros atores, em face da complexidade
apresentada pelos conflitos modernos. O caminho a seguir passa por entender como
os princípios fundamentais impactam sobre os processos de planejamento e de
execução de uma OMP.
A Doutrina Capstone delibera e esclarece o significado dos princípios
fundamentais das OMP, a saber: a imparcialidade, o consentimento e o não uso da
força exceto em autodefesa e em defesa do mandato da missão de paz. Os
princípios estão, desta forma, há quase uma década, detalhadamente explicados na
Doutrina da ONU.
Vamos nos ater, na sequência desta introdução, de modo sumário, aos
princípios como definidos na doutrina e tecer considerações que servirão ao
16
prosseguimento do trabalho. Nos capítulos seguintes o assunto será mais
detalhadamente discutido.
O primeiro princípio enumerado na doutrina é o princípio do Consentimento.
Em sua acepção político-estratégica, o princípio do consentimento implica em
legitimidade e, por outro lado certa limitação, ao planejamento e configuração de
uma operação de paz. De modo muito geral, a legitimidade é dada pela autorização
do CS e pelo consentimento do país anfitrião da missão. Quando, no entanto, a
OMP está operando no terreno, o grau de consentimento pode produzir limitações
variadas, em função de que a própria presença da OMP no país pode ver
restringidas determinadas necessidades operacionais, como por exemplo a
imperiosa necessidade de intervir usando a força contra tropas do país hospedeiro
da missão que estejam cometendo abusos contra a população local. O
consentimento nunca é absoluto, definitivo e permanente.Na continuação deste
trabalho vamos explorar esta e outras situações.
A imparcialidade, como segundo princípio fundamental, é vital para que a
OMP seja percebida como justa e legítima. A doutrina enfatiza que esta
imparcialidade não pode ser confundida com neutralidade. Deste modo, os
peacekeepers devem agir para defender o mandato da missão e não permanecerem
neutros, mesmo que utilizando a força, se uma parte do conflito não respeita o
mandato da missão e, por exemplo, ataca a população civil do país. Por outro lado,
na prática cotidiana da imparcialidade durante o cumprimento da missão, este é um
exercício difícil de ser realizado sem que as partes concluam que a OMP é parte do
conflito ou tem preferências, mesmo que temporárias. Esta é uma discussão
importante a ser feita, pois o assunto deságua em comportamento, credibilidade,
percepção, segurança e eficiência dos integrantes da missão.
O terceiro e não menos relevante princípio é o princípio do não uso da força
exceto em autodefesa e em defesa do mandato. O princípio foi elaborado com vistas
a expandir a clássica idéia de legítima defesa do próprio peacekeeper ou de outrem,
para a defesa das tarefas constantes do mandato da missão. A utilização de força
para defender o mandato proporciona amplas condições para fazer cumprir o
mandato por meio de dissuasão ou pressão direta sobre grupos armados, mas
permite também uma leitura por vezes crítica da atuação da OMP, se a força
empregada for percebida como exagerada.
17
Os princípios, de outro ângulo, como enunciados em 2008, procuraram
responder às demandas conceituais da época e dar motor para que o DPKO e o
DFS, em consulta e consonância com a comunidade internacional e os principais
países contribuintes com militares, policiais e aporte financeiro pudessem tomar as
medidas de supressão de deficiências operacionais existentes. Ou seja, os
princípios forneceram o piso conceitual para que a missões avançassem na última
década, em concepção, planejamento, configuração e execução das tarefas do
mandato. Se isto é verdade, também é o fato de que o custo de novas estruturas,
treinamento, equipamento, logística, entre outros fatores, foi elevado para atender as
demandas surgidas.
Dito de outro modo, todo o reestudo e consequente desenvolvimento e
implementação de doutrina de nível político-estratégico e sua tradução para os
níveis operacional e tático aumentou a necessidade de recursos financeiros,
humanos e materiais, em um período em que se viveu uma fortíssima crise
econômica internacional.
Como conclusão parcial, é possível afirmar que os princípios fundamentais
são um interessante objeto de estudo, pois deriva deles, essencialmente, o espírito
das atuais operações de manutenção de paz, em uma visão conceitual que gera
inúmeras consequências de ordem prática nos níveis estratégico, operacional e
tático, seja no planejamento como na execução da operação de paz.
Ainda nesta introdução é preciso posicionar o trabalho no que se entende como
conflito moderno. O que se chama de conflito moderno tem nos dias atuais uma
miríade de definições e percepções, segundo diferentes autores e organizações. A
visão de conflito moderno que desejamos trabalhar será aquela construída com base
na ótica das Nações Unidas. O Relatório Brahimi no ano de 2000, comissionado
pelo Secretário-Geral como painel para estudo das operações de paz, já reportava
aspectos que seriam potencializados no futuro e seriam característicos do conflito
moderno:
“ Desde o fim da Guerra Fria, as operações de manutenção de paz das Nações Unidas foram implementadas como operações complexas em um contexto de conflito intra-estatal. Estes cenários de conflito, no entanto, afetam e são afetados por vários agentes externos: patronos políticos; fornecedores de armas; mercadores de commodities ilícitas; potências regionais que enviam suas próprias forças para a luta; e países vizinhos que acolhem refugiados, que por vezes são sistematicamente obrigados a fugir de suas casas. .......... esses conflitos muitas vezes são decididamente transnacionais em essência. (Relatório Braimi - ONU 2000. Tradução própria).
18
Assim sendo, há alguns aspectos que aparecem com certa constância mesmo
na diversidade de opiniões que buscam caracterizar o que se passa atualmente em
determinadas áreas de conflito. Dentre estes aspectos destacam-se no conflito
moderno: a presença de atores não-estatais com capacidades politico-militares
significativas; o conflito em meio a população de centros urbanos com alta letalidade
contra civis; a relativização ou não respeito à Lei Humanitária Internacional; o
enorme número de pessoas deslocadas ou refugiadas; a presença de grupos
fortemente armados; a eventual ação de terrorismo; as raízes do conflito de
natureza étnico-religiosa e nacionalista, entre outros. O documento Tendências
Recentes mais Marcantes em Conflito Violento, da Universidade das Nações
Unidas, na busca de caracterizar a atualidade do conflito intra-estatal, expressa o
que se segue:
“ Os conflitos estão se tornando mais intratáveis e menos suscetíveis a processos políticos tradicionais devido a três principais fatores: a) o crime organizado tem emergido como um fator estressante que incrementa a fragilidade do Estado, reduz a sua legitimidade, especialmente em períodos pós-conflito e frequentemente diminui os incentivos para que grupos armados entrem em um processo de paz; b) a internacionalização de guerras civis, que tendem a ser mais longas e mortíferas; e c) a presença crescente de grupos extremistas em áreas de missão da ONU, o que complica o estabelecimento da” paz e fortalece uma mentalidade de não intervenção nos peacekeepers. (UNU - ONU, 2014. Tradução própria).
O Relatório do Painel Independente de alto Nível sobre Operações de Paz,
comissionado pelo Secretário Geral e expedido em 2015, também oferece uma
perspectiva, ao situar o contexto e o escopo de estudo:
¨De modo muito preocupante, o número de guerras civis tem aumentado nos últimos anos e os ataques levados a cabo por governos e grupos armados contra civis tem sido incrementados pela primeira vez em uma década. Este processo é composto ainda pela elevação de extremismo violento, que pode ser canalizado para o terrorismo. Uma subida histórica no número de deslocados e refugiados, atingindo mais de 50 milhões de pessoas, resulta em um fardo significativo para os países anfitriões, esticando de modo severo a capacidade de resposta das agências humanitárias. Agregando-se à mantança indiscriminada, abusos chocantes são perpetrados contra civis no seio dos conflitos armados atuais. A violência sexual permanence como uma tática da guerra moderna. Mulheres e meninas estão sujeitas ao sequestro em massa, assim como a conversão e o casamento forçados, e a escravidão sexual. Homens e meninos são mais frequentemente recrutados de modo forçado para lutar ou devem enfrentar uma execução extra-judicial (Relatório do Painel Independente de Alto Nível em Operações de Paz – ONU, 2015. Tradução própria).
As duas citações anteriores traçam um perfil claro da visão das Nações
Unidas sobre o que tem ocorrido nos conflitos atuais. Este inclusive é o perfil de
19
diversas OMP que trafegam e operam em ambientes altamente complexos,
enfrentando desafios extremamente difíceis. A esta classe de OMP é nos
referiremos no correr do trabalho, as inseridas em um ambiente de conflito moderno
na concepção das Nações Unidas.
Os princípios fundamentais são o norte que deve permitir a navegação
segura, se a interpretação dos mesmos for correta em todas as fases do
planejamento e da execução da operação de manutenção de paz.
Por mais que seja realizado um planejamento criterioso, os meios para o
cumprimento das tarefas do mandato nem sempre são obtidos junto a comunidade
internacional e, da mesma forma, nem sempre há um processo político orientado à
paz viável a ser conduzido. Por isso, entre outras razões, o impacto deste ambiente
complicado sobre uma operação de manutenção da paz é gigantesco, com a
exposição de deficiências da OMP, de diversas naturezas e grandezas. Estas
deficiências serão abordadas em capítulos posteriores.
Por hora é útil mencionar que o ambiente caracterizado no parágrafo anterior
é realidade em países como a República Democrática do Congo, a República do
Haiti, a República do Sudão do Sul, a República Centro-Africana e a República do
Mali, somente para citar algumas nações com OMP complexas em vigor.
O foco do estudo procurará explicar nos capítulos seguintes as influências
dos princípios fundamentais na formação, planejamento e execução da missão, e a
aplicabilidade atual dos princípios em alguns cenários que carregam alguns
aspectos presentes no conflito moderno, em uma teatro em que há o
desdobramento de uma OMP. Uma avaliação da adequabilidade e as limitações dos
princípios também será realizada mais a miúde, em virtude dos desafios e
obstáculos impostos por áreas de conflito complexas, em que há atualmente
desdobramento de OMP da ONU.
De outro prisma, é preciso ainda examinar com atenção como os princípios
são utilizados para justificar determinados parâmetros que configuram a missão de
paz, bem como entender como estes mesmos princípios podem condicionar a
ausência, a participação, a cooperação e eventualmente a integração de outros
atores (que não são da ONU) com a operação de paz. Estes outros atores que
podem contribuir com a OMP são muitas vezes altamente necessários para que se
chegue a uma paz sustentável.
20
Dentro desta linha de pensamento, será visto como a implementação de
mandatos à luz dos princípios fundamentais pode produzir ações e reações nos
parceiros da missão e em outros atores na área da OMP. Atores da missão de paz e
parceiros da missão no terreno podem essencialmente ou circunstancialmente
concordar ou divergir dos princípios e, como resultado, atuar concomitantemente,
para benefício ou prejuízo da operação de paz.
21
2 METODOLOGIA
Este capítulo procura definir a metodologia da pesquisa a ser realizada.
2.1 TIPO DE PESQUISA
Quanto à classificação desta pesquisa, define-se como qualitativa e
fenomenológica, já que se almeja identificar, descrever e interpretar quanto a
aplicabilidade e atualização os aspectos mais importantes dos princípios
fundamentais das operações de manutenção da paz da ONU.
No que diz respeito a finalidade, a pesquisa pode ser considerada como
exploratória e descritiva.
Existem inúmeros trabalhos de pesquisa relativos a temática selecionada,
nacionais e internacionais, mas considera-se exploratória a pesquisa pelo fato de
que este trabalho tem como foco a verificação da aplicabilidade e atualização dos
princípios fundamentais das OMP em função da análise de documentos que
norteiam o planejamento e a execução de missões reais que possuem aspectos
claramente presentes no conflito moderno.
A pesquisa pode ainda ser vista como descritiva observando-se o fato de que a
análise do problema ocorrerá dentro de uma visão própria das Nações Unidas, com
peculiaridades, conceitos e visão específica da organização sobre o contexto
internacional e as OMP em particular, perspectiva nem sempre familiar ao ambiente
acadêmico que se interessa por OMP da ONU no Brasil.
Finalmente, a pesquisa será classificada como bibliográfica e documental, em
virtude da investigação e consulta a bibliografia da ONU, de instituições nacionais e
internacionais. O tipo de operação de manutenção de paz da ONU que será
pesquisado é aquele multidimensional e implementado para a resolução de conflitos
internos.
2.2 COLETA DE DADOS
A pesquisa bibliográfica será realizada por meio de consultas e pesquisa
documental aos documentos oficiais das bibliotecas virtuais e documentação
disponível da Organização das Nações Unidas, em particular das bases de dados do
Departamento de Operações de Manutenção da Paz, de instituições nacionais e
internacionais relevantes com interesse no assunto. O objetivo principal será
22
levantar informações em documentos como resoluções, políticas, diretrizes,
conceitos de operação, pareceres, e relatórios publicados e ostensivos.
2.3 TRATAMENTO DOS DADOS
Como resultado do tipo de pesquisa e dos meios de coleta de dados
apresentados anteriormente, será realizado um trabalho de interpretação dos dados
levantados, realizando, após o trabalho de avaliação, a comparação com os
resultados das pesquisas bibliográfica e documental.
Será empregado como método de tratamento de dados para a pesquisa o
Método Comparativo, já que os dados conseguidos podem possuir enfoques
diferentes, além de serem diferentes fontes de dados, o que exige um tratamento
mais pormenorizado no presente trabalho.
2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO
O tratamento de dados apresenta limitações resultantes da profissão do
pesquisador, militar de carreira. A imperiosa necessidade de neutralidade e
afastamento para o exercício da análise de dados possivelmente sofrerá efeitos
devido ao tempo de serviço no Exército e a experiência deste pesquisador junto a
Organização das Nações Unidas, que permite possuir uma vivência suficiente para
ter argumentos de caráter pessoal que, eventualmente poderão interferir no
julgamento. Estes fatos demandarão constante observação dos princípios de
neutralidade e equidistância durante o trabalho.
23
3 O PLANEJAMENTO POLÍTICO-ESTRATÉGICO DE UMA OPERAÇÃO DE
MANUTENÇÃO DA PAZ
A primeira compreensão que deve-se ter sobre o planejamento de uma
operação de paz da ONU é de que ele procura conciliar um enorme número de
interesses políticos, econômicos e sociais, de muitos atores distintos, sob uma
autorização do Conselho de Segurança para a criação e manutenção de um
ambiente seguro e estável, propício à condução de um processo político focado na
construção de uma paz duradoura em um contexto de crise.
A segunda noção necessária é que o processo de planejamento historicamente
tem sido sempre responsivo às demandas, particularmente no que tange a produção
de respostas a problemas no terreno, em função do caráter técnico do trabalho de
desenvolvimento doutrinário e planejamento do DPKO e do DFS, e também de
outros setores do Secretariado, mas que em realidade é sempre intensamente
permeado por injunções políticas. A despeito de procedimentos técnicos e ciência
aplicada, este trabalho de planejamento encontra-se normalmente mergulhado em
um ambiente de busca constante de consenso político entre os variados atores que
influenciam o planejamento e o desdobramento de uma OMP, afetando
substancialmente a sua conformação e objetivos.
Como terceira mensagem introdutória é preciso entender que um grande
número de canais diplomáticos, políticos e operacionais, do próprio sistema ONU
mas também de países e organizações com interesse, acompanham situações de
crises existentes ou potenciais no mundo. Assim sendo, as crises são normalmente
acompanhadas e analisadas. Em teoria, crises regionais e internacionais não devem
ser uma surpresa para estes canais. Neste tópico, como rápido exemplo, vale a
pena citar apenas alguns dos canais em que flui a informação, especialmente
quando de uma crise em gestação: Conselho de Segurança, Assembléia Geral,
Secretariado (DPKO, DFS, DSS, OCHA, UNHCR), outras agências da ONU, UNCT
presentes nos países, as próprias OMP quando já estiverem operando, o CICV,
organizações regionais com propósitos de segurança, econômicos e políticos
(OTAN, AU, UE, OEA etc), instituições acadêmicas e ONGs dos mais diferentes
matizes. Alguns destes atores se relacionam com frequência, em fóruns regulares
ou eventualmente quando interesses comuns afloram.
24
Como quarto e último ponto atento a realidade, nesta etapa da discussão,
devemos perceber que mesmo quando ainda não houve a criação de uma OMP
para lidar com um desafio de paz e segurança específico, há organizações que
trabalham assuntos relacionados a paz e segurança, a assuntos humanitários e de
desenvolvimento no local de futuro desdobramento da operação de paz. Várias
dessas entidades utilizam processos de planejamento formal, reconhecidos pela
ONU, especialmente no mundo acadêmico e em instituições de paz e segurança.
Na comunidade internacional, quando as Nações Unidas, por meio do CS,
decidem por uma OMP multidimensional, é comum que três grandes dutos sejam
montados para propor soluções junto ao país anfitrião: assistência humanitária (se
há uma crise), apoio ao desenvolvimento e ações de paz e segurança. Estes dutos
necessitam descarregar produtos que beneficiem o país hospedeiro da missão,
respeitando sua vontade nacional, de modo coordenado e eficiente. O duto paz e
segurança quase sempre tem como protagonista a OMP, enquanto os outros dois
tem quase sempre a liderança da OCHA (assistência humanitária) e do UNDP
(desenvolvimento).
Acima dos três dutos mencionados e com importância essencial para a OMP
estão os assuntos políticos e o processo político que pretende levar o país anfitrião
com suas partes em conflito a uma estabilização que aponte para uma paz
duradoura e sustentável.
A discussão sobre a influência dos princípios fundamentais no planejamento
político-estratégico passa inevitavelmente por compreender o processo de
planejamento do Secretariado da ONU junto ao Conselho de Segurança e em
coordenação com múltiplos atores, incluído aí o país anfitrião da OMP. Este capítulo
tem a pretensão de explicar o processo de planejamento e tecer comentários sobre
como os princípios condicionam a criação, o planejamento e a configuração de uma
missão de paz.
3.1 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO VISANDO OMP EM ÁREAS DE CONFLITO
MODERNO
Antes de prosseguir com uma breve discussão sobre o processo específico
de planejamento gerador de uma OMP, o chamado Processo de Avaliação e
Planejamento Integrados (IAP – Integrated Assessment and Planning), é importante
explicar a existência do método de planejamento adotado por entidades da ONU
25
residentes no país, quando uma operação de paz não existe mas as Nações Unidas
firmam compromisso de apoio ao desenvolvimento do país.
De fato, para os Estados-Membros que possuem times das Nações Unidas
(UNCT) desdobrados em seus territórios com mandatos para apoio ao
desenvolvimento, o processo de planejamento estratégico desenvolvido pelo UNDG
é o Quadro de Trabalho de Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF – UN
Development Assistance Framework). As Orientações sobre como Preparar um
UNDAF afirmam que: ¨Um UNDAF é um processo de estabelecimento de programas
de nível estratégico que descreve a resposta coletiva do sistema ONU às
prioridades nacionais de desenvolvimento. (Guidelines on How to Prepare an
UNDAF – ONU, 2011. Tradução própria).
De outro modo, pode-se dizer o UNDAF é o processo de planejamento
estratégico que o UNCT desenvolve para atender as necessidades de
desenvolvimento de um país, em que este voluntariamente aceita o auxílio da ONU.
Para tanto, o UNDAF normatiza o planejamento segundo os cinco seguintes
critérios: a) participação das capacidades e atores nacionais durante todo o
processo; b) alinhamento com as prioridades, as estratégias, os sistemas e os
programas nacionais de desenvolvimento; c) participação total do sistema ONU, até
mesmo de entidades do sistema que não fazem parte do UNCT; d) integração dos
cinco princípios programáticos de abordagem de direitos humanos, de igualdade de
gênero, desustentabilidade ambiental, de gestão baseada em resultados e de
desenvolvimento de capacidades locais; e, e) responsabilidade e imputabilidade
recíprocas entre a ONU e o país anfitrião.
O UNDAF é um processo de planejamento estratégico completo e detalhado
para países que não tem OMP, ou seja, não apresentam uma crise em virtude da
qual o CS determinou como solução peacekeeping.
De outro ângulo e de modo simples, se, por acaso, um país com UNCT e um
UNDAF em funcionamento entrar em uma crise que necessite uma OMP
determinada pelo CS, o UNDAF poderá ser aproveitado e adaptado como parte do
processo de planejamento da futura OMP.
Como última mensagem nesta introdução ao capítulo, é preciso ter em mente
que o UNDAF, como processo de planejamento estratégico voltado para
desenvolvimento, naturalmente avalia cuidadosamente a política interna do país. O
IAP (Processo de Planejamento Estratégico Integrado), como veremos, é processo
26
de planejamento estratégico tremendamente focado na resolução de um conflito
existente, ou seja na formulação de opções político-estratégicas para que uma OMP
possa estabilizar o ambiente e apoiar um processo politico interno que leve a uma
paz duradoura. O IAP buscará a integração dos atores do sistema ONU, uma
presença integrada das entidades da família ONU, para atuarem de modo coerente
e eficiente na busca de uma solução para o conflito.
Note-se finalmente que o UNDAF não é balizado pelos princípios
fundamentais das OMP. Isto pode gerar problemas. Ocorre que, não raramente, um
país com UNDAF em execução tem que migrar para um IAP quando uma OMP é
autorizada para aquele país. Tem-se dessa forma uma situação em que a atuação
do UNCT e sua interação com o governo local e outras lideranças, às vezes por
anos, foi realizada por meio de princípios da Carta e, repentinamente, tem que ser
ajustados para os princípios fundamentais de peacekeeping, caracterizados por
interpretações de cunho político.
Da mesma forma, as lideranças da ONU que representam o UNCT, algumas
vezes por anos, e que lidam com o governo nacional, quando da criação de uma
OMP, tem que se submeter a uma nova autoridade, a autoridade do Chefe da OMP.
Dificuldades podem ocorrer quando se somam a ação baseada em princípios
diferentes o câmbio de lideranças estratégicas distintas. Nem sempre é fácil uma
transição assim, sem que pareça que há duas ONU desdobradas no país anfitrião
da missão.
O planejamento estratégico a ser apresentado na sequência do trabalho,
denominado Processo de Avaliação e Planejamento Integrados (IAP – Integrated
Assessment and Planning), tem como alvo a formulação e a configuração de uma
operação de manutenção da paz por agentes do sistema Nações Unidas, em
consulta com outros atores externos à organização.
Este planejamento estratégico é uma clara evolução de métodos anteriores e
visa o desdobramento em um ambiente operacional complexo, volátil e composto
por atores com os mais variados mandatos, legitimidades (ou ausência de) e
interesses, um ambiente de conflito moderno. Os erros e acertos do passado,
notadamente fracassos retumbantes originados de falhas de planejamento, foram
incorporados ao processo como lições aprendidas, o qual é cuidadoso, em integrar
diferentes visões e interesses.
27
3.2 O PROCESSO DE AVALIAÇÃO E PLANEJAMENTO INTEGRADO (IAP)
O planejamento estratégico evoluiu tremendamente na última década,
impulsionado pela complexidade crescente dos conflitos e também pela
complexidade crescente das soluções políticas adotadas.
As advertências e recomendações do Relatório Brahimi quanto a
necessidade premente de realizar um planejamento integrado não foram
imediatamente consideradas quando da promulgação do mesmo no ano de 2000.
Entretanto, após desenvolvimento doutrinário e experiências de integração
em OMP (dentre as quais se destaca a MINUSTAH, no Haiti em 2004, como uma
das primeiras missões de paz de caráter integrado), o conceito de Missão Integrada,
com seu correspondente processo de planejamento, foi formalmente expedido pelo
DPKO em 2006 (IMPP - Integrated Mission Planning Process). Como vimos
anteriormente, o UNDG por sua vez deu à luz o UNDAF em 2011, para situações de
apoio ao desenvolvimento pelos UNCT.
Neste período, especificamente para situações com OMP, o processo de
integração começou com objetivos ambiciosos para o planejamento e a
implementação de mandatos no terreno. Grandes avanços em planejamento foram
levados a cabo, estruturas de coordenação a nível estratégico em Nova York, e a
nível operacional nas OMP no terreno, foram criadas.
Concluiu-se, muito acertadamente e como resultado de experiência, que não
haveria possibilidade de sucesso verdadeiro se uma OMP não fosse concebida e
planejada sem uma visão comum de tarefas e responsabilidades das áreas-chave
das Nações Unidas: política, paz e segurança, direitos humanos, humanitária e
desenvolvimento. Era necessário acabar com a visão de duas ONU no país, e
reduzir as críticas a falta de coordenação e a ineficiência.
A participação de importantes atores passou a ocorrer durante fases cruciais
de planejamento, que resultaram em planos melhores e mais viáveis, com a
acomodação de interesses de atores da missão e, em algumas vezes, externos à
missão, discutidos e eventualmente incorporados.
Esta evolução conceitual na forma de integração, por outro lado, também
enfrentou alguns obstáculos. Dentro da OMP em concepção organizacional foi
necessário ajustar interesses de componentes diferentes e, com maior dificuldade
ainda, conciliar interesses da OMP como um todo com atores externos à missão.
28
É importante notar que para que os componentes militar, policial e civis de
uma OMP possam atuar coordenadamente e de modo eficaz é vital que haja um
sólido e flexível plano político, de vertentes diversas, com metas mensuráveis e
monitoramento e ajustamento de resultados constante, considerando sempre os
objetivos das partes em conflito. É necessário da mesma forma coordenar com os
atores externos, que, não raramente, possuem outros mandatos legítimos para
atividades humanitárias, de desenvolvimento, sociais e, às vezes, políticas.
Muitas vezes a coordenação no terreno somente tem chance de prosperar se
o plano político-estratégico for bem desenvolvido, com participação dos atores
relevantes que atuarão ou influenciarão a OMP. Foi basicamente esta busca de
harmonização de tarefas e propósitos de entidades do sistema ONU e de
coordenação com respeito às tarefas e mandatos de atores externos à missão que
proporcionou o desenvolvimento do Processo de Avaliação e Planejamento
Integrados (IAP - Integrated Assessment and Planning). O IAP entrou em
substituição ao Processo de Planejamento para Missão Integrada (IMPP). O IAP
configurou-se então no principal documento normativo para o planejamento de uma
OMP.
O IAP indica como o processo de planejamento deve ser integrado, no qual
se considera a coordenação de conceitos, ações, fundos e programas dos
diferentes atores das Nações Unidas em uma área de missão, ou seja, a família de
elementos da ONU presentes no país anfitrião da missão.
O que se chama de presença integrada da ONU, quando da ocorrência de
uma OMP em uma país anfitrião, é o chamamento ao planejamento e à
coordenação de todos os elementos da ONU com mandatos, funções e
responsabilidades com relação a paz e segurança, assuntos humanitários e
desenvolvimento, tudo enquadrado no grande plano político de paz.
O que se espera no IAP é que o planejamento, ao menos dentro do sistema
ONU, seja integrado e coordenado de modo que se alcance eficácia operacional e
financeira e se evite a duplicação de esforços. A presença integrada deve significar
então que o planejamento foi realizado conjuntamente, que os objetivos foram
alinhados, que houve respeito às peculiaridades dos atores e seus mandatos, que
as estratégias foram coordenadas e que o planejamento financeiro foi discutido. O
IAP foi promulgado em 2013 e é regulado por uma politica (Policy on Integrated
29
Assessment and Planning) e um livreto explicativo para realização do planejamento
(Integrated Assessment and Planning Handbook).
O que se deseja, idealmente, é que os atores externos à missão de paz se
envolvam e possivelmente se comprometam com a implementação do mandato sob
a liderança da OMP. Áreas de conflito moderno presentes no Oriente Médio e na
África impõem desafios enormes para OMP que devem implementar mandatos
complexos. Desafios como a proteção da população, a preservação de direitos
humanos, a ajuda humanitária, o apoio a refugiados e deslocados, a criação ou
reconstrução de instituições políticas, e a sustentabilidade econômica, em torno de
um processo político de paz, requerem um processo de planejamento detalhado e
abrangente, que abarque múltiplas visões e capacidades.
A figura abaixo procura reproduzir de modo sumário as etapas de um
processo de planejamento estratégico integrado. O processo será esmiuçado nos
tópicos seguintes.
Figura 1: Visão sumária do Processo de Planejamento Estratégico Integrado.
Fonte: Mission Start-up Field Guide (esquema modificado pelo autor).
Planning assumptions and options analysis
Primary responsibility
Member states
Secretariat
Shared
Integrated Mission Planning Process with UN
agencies, funds and programmes and external
partners(This process will continue
through mission deployment and beyond)
Pre-mandate Commitment Authority (PMCA)
Mission scope, Force Generation & Financial Implications
Revise initial assumptions and develop mission concept and
component CONOPS
SG report on situation with recommendations
SG Planning Directive/USG DPKO Directive
Strategic Assessment of UN options (tasks, scale and scope)
Technical Assessment Mission Report
Peace Process (Possible UN role identified by parties and
Security Council)
Security Council Mandate
Processo de paz
iden ficado
Avaliação Estratégica com opções
Diretriz de Planejaemento do SG
Planejamento e análise
Relatório da Missão de Avaliação
Técnica (TAM)
Escopo da Missão, geração de força
e implicações financeiras
Autoridade para comprome mento
de recursos (pré-mandato)
Relatório do SG com recomendações
ao CS
Mandato expedido
pelo CS
Desenvolvimento do Conceito da
Missão e dos conceitos de operação
dos componentes
Processo do
IAP para a
OMP
(Secretariado,
Agências,
Fundos e
Programas da
ONU +
parceiros
externos)
Desenvolvimento da Diretriz para o
SRSG e do ISF
30
3.3 AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA
O conceito de Avaliação Estratégica é basilar para entendimento do processo.
É, em verdade, o primeiro e fundamental passo conduzido pelo DPKO para que
opções possam ser levadas ao Secretário-Geral, e de uma decisão deste,
recomendações com alternativas sejam oferecidas ao Conselho de Segurança. O
CS definirá então se uma operação de manutenção de paz será a melhor linha de
ação para a crise em questão.
Uma avaliação estratégica também poderá servir a outros propósitos e
contextos que não uma OMP, por exemplo para um UNCT em um contexto nacional
sobre assuntos de desenvolvimento, em proveito de um UNDAF. Ou para que uma
operação de manutenção de paz possa solicitar uma avaliação estratégica para
melhor compreender o ambiente operacional, antes de uma possível alteração no
mandato. Uma avaliação estratégica é realizada por uma Força-Tarefa Integrada
(ITF – Integrated Task Force) em processo de consultas cerrado junto ao UNCT.
Uma avaliação estratégica pode ser iniciada por determinação ou pedido, por
exemplo, do Secretário-Geral, de um chefe de Força-Tarefa Integrada, de um chefe
de UNCT e de um Representante Especial, Chefe de OMP. O IAP define avaliação
estratégica da seguinte forma:
¨Uma avaliação estratégica é definida como qualquer processo analítico nos níveis estratégico, programático ou operacional que carrega implicações para múltiplas entidades das Nações Unidas, e a qual, dessa forma, requer a participação das mesmas entidades interessadas. A avaliação estratégica é o processo analítico usado para levar a cabo a integração estratégica no sistema ONU. (IAP Handbook – ONU, 2013. Tradução própria).
A finalidade da avaliação estratégica é associar entidades do sistema ONU de
áreas como política, segurança, desenvolvimento, direitos humanos e assuntos
humanitários e fazê-las trabalhar conjuntamente para desenvolverem um
entendimento compartilhado da natureza e dinâmica do conflito.
A avaliação estratégica é um processo amplo e inclusivo e pode,
eventualmente, utilizar-se de avaliações estratégicas técnicas como Missões de
Avaliação Estratégica (TAM – Technical Assessment Mission). Uma TAM é uma
equipe multidisciplinar de reconhecimento e avaliação técnica, usualmente montada
em apoio ao planejamento de uma nova ou já existente missão de campo (OMP).
No processo de avaliação estratégica ocorre a definição de responsabilidades
dos principais atores e das prioridades para alcançar uma paz duradoura, com
propostas relativas ao tipo de engajamento das Nações Unidas para lidar com a
31
crise. Durante a geração das opções de engajamento são ainda levantadas
oportunidades e riscos.
Para fins da discussão ao fim deste capítulo, é relevante observar o que diz o
IAP sobre a consulta a atores externos às Nações Unidas:
¨Apesar da avaliação estratégica ser um processo interno das Nações Unidas, as consultas a atores externos são essenciais por um número de razões: a) para assegurar que a avaliação estratégica é desenvolvida com base nas melhores informaçòes disponíveis; b) para assegurar que as opções para o engajamento da ONU estão corretamente coordenadas com iniciativas nacionais, regionais e internacionais e seus níveis de apoio estão adequadamente avaliados; c) para assegurar envolvimento cerrado de insitituições financeiras, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional , e outros atores como doadores bilateriais, de modo a ligar as opções de engajamento com as discussões e a mobilização de recursos; d) para assegurar que o governo, lideranças da sociedade civil, incluindo mulheres e também o setor privado sejam engajados. (IAP Handbook – ONU, 2013. Tradução própria).
Desta forma, o IAP também busca consultar e preferencialmente engajar os
principais atores externos à OMP. Na etapa final deste capítulo serão apresentadas
idéias relacionadas aos princípios e a participação destes agentes externos, em
particular relacionadas ao princípio do consentimento.
É muito importante lembrar que no planejamento de uma OMP, é o processo
político a área decisiva para o encaminhamento de soluções para o conflito. Para os
outros atores do sistema ONU o processo político é o rumo tomado pelas Nações
Unidas (OMP), sobre o qual serão planejadas e assentadas as suas atividades, não
constituindo-se necessariamente em prioridade para essas entidades externas a
OMP. A avaliação estratégica possibilitará um entendimento claro do ambiente e
proporá as bases para que as opções políticas sejam formuladas.
3.4 MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO
A estruturação de mecanismos de integração é muitíssimo importante tendo
em vista que o planejamento somente ocorrerá a contento se as estruturas
estiverem corretamente concebidas e com as melhores condições de
funcionamento.
O IAP informa que, no nível estratégico do Quartel-General da ONU em Nova
York, a estrutura de integração adequada é a Força-Tarefa Integrada (ITF),
enquanto que, no nível operacional no terreno (OMP), devem ser estabelecidos duas
capacidades de integração: um fórum de liderança sênior e uma capacidade de
planejamento conjunto.
32
A ITF conformada no Quartel-General da ONU como célula inter-
departamentos e interagências da ONU, é o principal fórum para a avaliação
estratégica de um caso particular e se prestará para debater planejamento,
coordenação, compartilhamento de informações, análise e tomada de decisões. A
princípio, devem participar de uma ITF representantes do DPKO, DFS, DPA, PBSO,
OHCHR, OCHA, UNDSS e UNDG, entre outros.
No terreno, nível operacional, necessidades similares de planejamento e
análise são estruturadas de acordo com o contexto local e a dinâmica do conflito.
O fórum de liderança sênior da OMP, Time de Liderança Sênior da Missão
(SMLT – Senior MIssion Leadership Team), responsável primário pela análise e
tomada de decisões sobre a vida da missão e pela implementação do mandato, é
normalmente integrado pelo Representante Especial; por vezes dois subchefes ou
sub-representantes, um político e outro o Coordenador Residente/Humanitário; o
Chefe de Estado-Maior Civil; os Chefes de Componentes (Militar, Policial, Direitos
Humanos, Político, Eleitoral etc, segundo a configuração específica da missão); e os
chefes de agências, fundos e programas desdobrados no país. O fórum de liderança
sênior é o cliente direto dos diferentes produtos das células de planejamento,
integração e coordenação existentes na OMP.
Na OMP, dependendo do mandato da missão e da situação de conflito,
podem ser estruturados diferentes mecanismos de integração. Dentre estes vale
mencionar como exemplos células conjuntas de inteligência (Centro Conjunto de
Análise da Missão, JMAC – Joint Mission Analysis Center), operacionais (Centro
Conjunto de Operações, JOC – Joint Operation Center), logísticas (Centro Conjunto
de Operações Logísticas, JLOC – Joint Logistics Operation Center) e de treinamento
(Centro de Treinamento de Missão Integrada, IMTC – Integrated MissionTraining
Center). Células conjuntas como estas proporcionam o espaço de integração de
planejamento, assessoramento e tomada de decisões para que os diferentes
componentes da operação de paz trabalhem de modo coordenado e integrado.
Dentro de uma OMP multidimensional deverá haver também a criação de
outros mecanismos de integração em três escalões distintos. O primeiro tratará da
estratégia da missão e expedirá diretrizes de planejamento em função da
implementação das tarefas do mandato e em face do contexto abrangente do
conflito e do avanço do processo político (Grupo de Política Estratégica, SPG –
Strategic Policy Group). Em um escalão mais baixo, um outro grupo planejará para
33
tornar as diretrizes superiores em ações implementáveis pelos componentes da
OMP, em parceira com entidades do UNCT (Time de Planejamento e Estratégia
Integrados, ISPT – Integrated Strategy and Planning Team). O terceiro escalão
conduzirá as atividades no terreno por meio de Grupos Temáticos (TG – Thematic
Groups). Estes mecanismos de integração permitem o desenvolvimento de planos e
o monitoramento de resultados em áreas em que a OMP e o UNCT devem trabalhar
coordenadamente (direitos humanos, assuntos humanitários, proteção de civis e
etc).
Sobretudo, é o processo político que amalgama as demais áreas. Para a
OMP o processo político é a grande meta, para os outros atores o processo político
é a moldura sobre a qual suas atividades são desenvolvidas. O que o planejamento
estratégico pretende no sistema ONU é conciliar os interesses diferentes, dentro de
uma metodologia de integração de esforços e utilização de vantagens comparativas.
3.5 PLANEJAMENTO INTEGRADO
O IAP expressa planejamento integrado no âmbito do sistema ONU como: ¨A
articulação de uma visão comum das Nações Unidas, prioridades e
responsabilidades em apoio à consolidação da paz, incluindo a relação, se for o
caso, com os planos e as prioridades nacionais” (IAP Handbook – ONU, 2013.
Tradução própria).
No planejamento de nível estratégico realizado no Secretariado em Nova
York, a articulação a que se refere o texto acima é bastante focada no sistema ONU.
O processo porém prevê espaço de diálogo e envolvimento para elementos externos
ao sistema ONU.
A consulta ao país anfitrião da OMP obviamente acontece pela necessidade
imperiosa de entender com esse ator vital será encaixado no plano político-
estratégico, incluindo uma estratégia futura de saída da missão, com uma transição
segura de funções da OMP para o governo nacional.
O planejamento integrado no Quartel-General da ONU tem então por meta
fazer a conciliação de interesses dos diferentes departamentos (DPKO, DFS, DPA,
DSS etc), que se encontram representados na ITF, de modo a elaborar documentos
fundamentais para que a liderança sênior da missão e seu estado-maior possam
iniciar o planejamento operacional no terreno. Estes documentos são a Diretriz de
Planejamento para o Representante Especial (SRSG), o Coordenador Residente
34
(RC) e o Coordenador Humanitário (HC) (Directive to SRSG, RC and HC); e o o
Quadro de Trabalho Estratégico Integrado (ISF – Integrated Strategic Framework).
A Diretriz de Planejamento para o Representante Especial (SRSG), o
Coordenador Residente (RC) e o Coordenador Humanitário (HC) dá orientação
estratégica para a liderança sênior da operação de paz. Ela fornece os parâmetros
básicos e define responsabilidades e prioridades iniciais para o planejamento de
nível operacional. Como expressado no IAP, na prática, a diretriz significa a
transferência de responsabilidades para o SRSG, de modo que possa complementar
os planejamentos para que a presença da das entidades da ONU seja de fato
integrada (início do planejamento operacional).
A diretriz é um documento detalhado que possibilita que o planejamento
operacional seja realizado à luz do terreno e contextualizado dentro da dinâmica do
conflito. A diretriz expressará: a) a situação e o contexto; b) os objetivos estratégicos
e as prioridades para a consolidação da paz; c) a configuração da presença
integrada, suas funções e responsabilidades; e d) os parâmetros de planejamento.
O Quadro de Trabalho Estratégico Integrado, ISF, é a ferramenta de
planejamento que reflete as conclusões do planejamento integrado. O ISF deve
incluir:
a) as principais conclusões da avaliação integrada relativas ao conflito, os
desafios para a consolidação da paz, o papel da ONU e as vantagens comparativas
(quem do sistema ONU cumpre melhor a tarefa?);
b) uma definição clara das prioridades do sistema ONU e a relação destas
com o desenvolvimento das capacidades nacionais e o aprimoramento institucional
do país;
c) uma articulação de todos os programas, funções e áreas operacionais
dentro de um enfoque de integração;
d) os resultados acordados e esperados, o cronograma de execução, as
responsabilidades e os mecanismos de implantação e coordenação; e,
e) um sistema comum de monitoramento e relatórios com indicadores e
eventos essenciais que permitam acompanhar o progresso da implementação do
mandato da missão.
Além dos itens acima, o ISF pode ainda conter quaisquer outros assuntos que
a OMP julgue importantes para fins de integração e coordenação, como, por
exemplo: política de comunicação e informações públicas da missão; mecanismos
35
de interação da OMP com agentes externos aos sistema ONU no país; e utilização
de meios pelos componentes da missão como helicópteros.
Por outros prisma, é possível ainda afirmar que as tarefas do mandato serão
dissecadas e analisadas por meio do processo de planejamento integrado e que o
ISF expressará as áreas temáticas com maior prioridade. Nos modernos mandatos
atuais tem sido comum a presença de áreas temáticas variadas, a saber: reforma do
setor de segurança; desarme, desmobilização e reinserção de ex-combatentes;
restauração da autoridade do Estado em todo o território; proteção de civis da
população; retorno de refugiados e deslocados; direitos humanos; provimento de
serviços sociais básicos; fortalecimento institucional, e etc.
Assim, deve-se entender que o ISF é ferramenta de planejamento integrado
produzida inicialmente no Quartel-General da ONU em Nova York e ajustado no
terreno por uma nova OMP em processo de desdobramento no terreno. É a OMP
que faz a validação e o ajustamento do ISF (concebido por uma ITF em Nova York)
no terreno. O ISF também pode ser formulado como ferramenta para apoio a ações
de redução ou retirada da missão, como estratégia de transição e saída.
O esquema do quadro abaixo apresenta de modo sumário a sequência de
atividades de planejamento. Os blocos em azul expressam a sequência do
planejamento geral, da avaliação estratégica até o ISF. Os campos em amarelo
expressam por sua vez as atividades dos três dutos a que nos referimos
anteriormente: paz e segurança (ao centro), assuntos humanitários (à esquerda) e
assuntos de desenvolvimento (à direita). O processo político é central a tudo mas
principalmente para o mandato da OMP. A política tem primazia e as ações de paz e
segurança são planejadas para apoiar os processos que empurrem o conflito para o
seu fim e criem as condições para que não retorne.
36
Figura 2: Quadro de Planejamento para a Presença Integrada da ONU quando há uma OMP no
país.
Fonte: Mission Start-up Field Guide (modificado pelo autor).
É interessante observar que no setor “paz e segurança” ocorrerá a produção
do Conceito da Missão, os conceitos de operação dos componentes e o orçamento
baseado em resultados. Estes serão documentos que resultarão dos planejamentos
de nível operacional que a liderança da missão e dos componentes confeccionarão
quando já desdobrados no terreno. No lado humanitário, o Processo de Apelo
Consolidado e os programas humanitários e no lado de desenvolvimento, o UNDAF
e os programas de desenvolvimento também serão ajustados em confrontação com
a realidade da missão no terreno. As discussões relativas ao planejamento
operacional serão realizadas no próximo capítulo, o Capítulo 4.
Cabe aqui novamente a observação de que a OMP atua em função do
processo político e os três setores devem ter seus planejamentos estratégicos
coordenados e integrados por serem compostos por entidades do sistema ONU. A
OMP atua em coordenação com atores humanitários e de desenvolvimento para
mitigar sofrimento, encaminhar o desenvolvimento mas, notadamente, para resolver
Planning Framework for Integrated UN Presences
Strategic Assessment
Recommendation to SG/PC, SG/PC Decision and Recommendation tothe Security Council
Security CouncilMandate
Directive to S/ERSG, RC and HC
Integrated Strategic Framework or Equivalent(e.g. UNDAF+)
Mission Concept
Mission Component CONOPS(military, police, support etc.)
Results-Based Budget
CAP
HumanitarianProgrammes
UNDAF
Agency Funds and Programmes’
Country Project Documents
National andInternational
PlanningFramework
UN-Wide StrategicPlanning
Entity-Specif cStrategic andOperationalPlanning
= Integrated PlanningProducts/Process
Span of Activities
Peace Consolidation
Figure 1: Overview of Planning Framework for Integrated UN Presences
Quadro de Planejamento para a Presença Integrada da ONU quando há uma OMP
Avaliação Estratégica
Recomendação ao SG, Decisão do SG e Recomendação ao CS
Mandato do Conselho de Segurança
Diretriz ao RESG, ao CR e ao CH
ISF ou
planejamento equivalente (UNDAF)
Planejamento nacional e
internacional
Planejamento
Estratégico
Geral
Processo de Apelo Consolidado
Planejamento Estratégico e Operacional específico de cada entidade
Conceito da Missão UNDAF
Programas Humanitários
Orçamento Baseado em Resultados
Conceitos de Operações dos Componentes (Militar, Policial,
apoio etc)
Programas dos Fundos
e Agências
ligados ao UNCT
Consolidação da Paz / Processo Político
Espectro de atividades
37
as questões profundas do conflito, de modo a impedir que ele retorne.
3.6 MONITORAMENTO INTEGRADO
A idéia central do monitoramento integrado é estabelecer no planejamento um
modus operandi eficaz para avaliar se há progresso na implementação das tarefas
do mandato. O desenvolvimento de indicadores e benchmarks para as diversas
tarefas e seus objetivos de cumprimento é vital para que o monitoramento possa
ocorrer e a tomada de decisões possa ser oportuna. Passa por criar mecanismos de
acompanhamento e relatoria que apoiem a implementação do mandato da missão.
O monitoramento integrado é realizado pelos atores que participaram do
desenvolvimento do ISF por meio das estruturas de integração e do próprio uso do
ISF como ferramenta de verificação da prosperidade da missão.
As metas, funções e responsabilidades da OMP (e seus componentes), do
UNCT (e suas agências e entidades afilidadas) e de outros atores (como o governo
nacional, por exemplo) foram previamente acordados e estabelecidos no ISF com
marcadores de controle e progresso das tarefas do mandato e de indicadores de
desempenho, de modo que é possível auferir o progresso e fazer as correções de
rumo necessárias.
O UNCT e outros parceiros da missão que tenham participado do
desenvolvimento do ISF, irão realizar o seu próprio monitoramento e reunir-se
periodicamente com a OMP para conjuntamente fazerem avaliações da situação.
A operação de manutenção da paz possui seus mecanismos de integração,
que somados ao monitoramento dos próprios componentes (militar, policial e civis),
permitirá o acompanhamento cerrado da dinâmica do conflito e dos resultados
propostos e de fato atingidos.
O monitoramento procura evitar os passos em falso na busca dos objetivos
politicos, de segurança, humanitários e de desenvolvimento (além de direitos
humanos, protectão de civis e muitos outros) e faculta a OMP a antecipação e o
ajustamento em tempo hábil de atividades que não estejam atingindo as
benchmarks propostas.
3.7 CONCLUSÕES PARCIAIS
A conclusão parcial que se deve fazer é afirmar que o processo de
planejamento estratégico é resultado da experiência e do aperfeiçoamento.
Configura-se em uma metodologia completa que atende aos pressupostos da ONU
38
e leva em consideração as múltiplas visões das entidades do sistema ONU, bem
como outras percepções de atores externos.
A integração de diferentes visões é buscada durante todo o processo de
planejamento mas depende essencialmente da participação efetiva e do
comprometimento dos atores.
39
4 OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
É chegado o momento de proceder às observações pertinentes quanto a
influência dos princípios fundamentais no processo de planejamento de nível
político-estratégico para as operações de manutenção da paz.
Todo o processo de avaliação e planejamento integrado é realizado para a
criação de uma nova OMP buscando a aplicação integral dos princípios
fundamentais conforme descritos na doutrina. O processo é muito bem explicado e
detalhado nos documentos normativos da ONU, como visto rapidamente no capítulo
prededente, e pode ser considerado um processo técnico cujo bom funcionamento
tem sido demonstrado na formação de novas missões de paz como a MINUSMA
(Missão de Estabilização das Nações Unidas no Mali) em 2013 e na MINUSCA
(Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Centro-Africana) em
2014. O planejamento descrito no IAP, quando adequadamente seguido pelo
planejamento de nível operacional (alvo do próximo capítulo deste trabalho),
possibilita a edificação da estrutura da OMP em boas condições. Este é um fato
provado pelas sucessivas OMP desdobradas nos últimos anos, que operam com
relativo sucesso na implementação de mandatos tremendamente ambiciosos, muitas
vezes sem um processo político de estabilização plenamente viável.
Uma das principais conclusões, se não a mais relevante, do Painel
Independente de Alto Nível de 2015, é a primazia do processo político sobre todos
os outros objetivos estratégicos que devem nortear os planejamentos estratégico e
operacional.
Ocorre, porém, que o processo no nível estratégico, quando da concepção de
uma nova operação (ou de revisão e ajustamento de uma missão em curso; ou
ainda, para planejamento de uma transição e estratégia de saída), está firmemente
inserido em um ambiente altamente politico.
Este ambiente político apresenta diferentes camadas. Uma camada se refere
às negociações político-estratégicas entre os Estados Membros, especialmente
aqueles membros do CS (Membros Permanentes em particular), os representantes
do país anfitrião e as partes significativas do conflito e as instituições internacionais
com peso específico para produzirem pareceres sobre determinados assuntos
(como direitos humanos, assuntos humanitários, desenvolvimento, proteção de civis,
viabilidade financeira etc).
40
Em discussões anteriores foi observado que o IAP e outros processos
auxiliares de planejamento se destinam a priori às entidades do sistema ONU. Deste
modo, uma população de atores relevantes que podem influir na montagem da
OMP na fase de planejamento estratégico não estão sujeitos ao IAP. Estes atores
podem ser convidados a participar, como também foi mostrado anteriormente. Nem
sempre, porém, a participação ocorre e com o comprometimento desejável.
Certos alinhamentos já acontecem pela comunhão de objetivos e pela prática
de atuação em um mesmo espaço comum (o território do país anfitrião), como, por
exemplo o OHCHR e o CICV e certas ONGs de direitos humanos. Outras ONGs de
direitos humanos, contudo, não se comprometerão com o planejamento da OMP,
mesmo sendo convidadas a participar. Muitas vezes elas não estão de acordo com
os objetivos políticos da OMP em concepção ou não concordam com a maneira
como o planejamento visualiza a implementação de tarefas do mandato. O exemplo
do campo dos direitos humanos serve para outras tantas áreas importantes para a
OMP, como assuntos humanitários e de desenvolvimento, mas podem afetar as
áreas vitais de assuntos políticos e de paz e segurança. Este é apenas uma situação
com a qual os princípios fundamentais das OMP tem relação direta e impactam no
planejamento estratégico, no planejamento para a formação da OMP e seu
desdobramento. Contextos em que as pressões de grupos terroristas ou que violam
gravemente os direitos humanos aumentam exponencialmente as preocupações na
conduçãoo do planejamento estratégico de modo o mais integrado e coordenado
possível.
4.1 CONSENTIMENTO
Antes de entrar no debate sobre o consentimento do país anfitrião da missão
e das principais partes do conflito (que não o país hospedeiro), é importante
compreender como o consentimento é vital para o estabelecimento da manutenção
da paz definida pela ONU (não se deve esquecer que a ONU não é a única
organização internacional que denomina peacekeeping certos tipos de operação). A
Doutrina Capstone diferencia manutenção de imposição da paz de maneira
claríssima quando afirma que:
‘O Conselho de Segurança pode determiner ações de imposição sem o consentimento das principais partes do conflito se acredita que o conflito apresenta uma ameaça a paz e a segurança internacionais. Isto, contudo, seria uma operaçào de imposição da paz. O Conselho também pode determiner a ação de imposição por propósitos de proteçãoo ou
41
humanitários, onde não há um processo politico e onde o consentimento das partes mais significativas do conflito pode não ser obtido, mas há civis da população sofrendo. (Capstone Doctrine – ONU, 2008. Tradução própria).
Como visto na Introdução deste trabalho, fica também demonstrado que o
Conselho de Segurança exerce poder discricionário quanto as medidas que julgue
necessárias para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais, segundo
sua visão e ótica política do conflito em questão.
Posto isto, é preciso dizer que o princípio do Consentimento, esteve sempre
presente na concepção de peacekeeping, mormente por estar diretamente ligado a
uma certa legitimidade em atuar. A sua moldagem conceitual avançou com os anos.
Uma das primeira definições oficiais de peacekeeping das Nações Unidas foi
publicada no livreto The Blue Helmets em 1990, quando se lê:
‘Operação envolvendo pessoal military, mas sem poderes de imposição, levada a cabo pelas Nações Unidas para ajudar a manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais em áreas de conflito. Estas operações são voluntárias e são baseadas no consentimento e na cooperação. (The Blue Helmets – ONU, 1990. Tradução própria).
Aqui fica caracterizada a preocupação existente à época, em evitar a
associação de idéias entre consentimento e imposição da força. Reflete uma visão
do fim da Guerra Fria em que se visualizava uma retomada vigorosa das operações
de manutenção da paz, mas sob certas condicionantes limitadoras.
Um pouco mais adiante o então Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali
lançaria Uma Agenda para a Paz (An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy,
Peacemaking and Peacekeeping), um documento que chamava a uma reflexão
profunda sobre os desafios daquele tempo e as necessidades de reforma no
instrumento político manutenção da paz. Peacekeeping foi assim definido nesse
documento:
“Peacekeeping é o desdobramento da presença das Nações Unidas no terreno, desde que haja o consentimento de todas as partes afetadas pelo conflito, normalmente com o envolvimento de pessoal militar e policial das Nações Unidas, e frequentemente civis também. (An Agenda for Peace – ONU, 1992. Tradução própria).
Neste trecho fica reforçado conceito de consentimento mandatório de todas as
partes, uma necessidade para que uma OMP pudesse ser aceita e atuar em um
ambiente operacional de conflito interno, sujeito a múltiplos atores que interferiam
diretamente na paz e segurança. A ONU e o modelo OMP estavam então sendo
42
duramente testada na Somália (1991 e 1992) e o seria subsequentemente em
Ruanda em 1994.
Atualmente, a Doutrina Capstone estabelece consentimento como um princípio
fundamental, indispensável a peacekeeping:
¨As operações de manutenção da paz das Nações Unidas são desdobradas com o consentimento das principais partes do conflito. Isto requer o compromisso das partes com um processo politico e sua aceitação da operação de manutenção da paz com mandato para apoiar aquele processo. (Capstone Doctrine – ONU, 2013. Tradução própria).
O consentimento foi estabelecido em 2008 como pedra angular. Sem
consentimento das principais partes do conflito não poderá haver OMP. O
consentimento proporciona a OMP a liberdade de ação suficiente para fazer cumprir
o mandato da missão dos pontos de vista político e operacional.
Quando conferido pelo país anfitrião, o consentimento é estratégico, e é
plenamente manifestado de maneira prática pela assinatura de acordos ente a OMP
e o país anfitrião da missão, em que este aceita determinadas limitações pontuais
em sua soberania em favor daquela. O Acordo de Status da Força Militar (Status of
Force Agreement, quando o mandato requer a existência de um componente militar)
ou o Acordo de Status da Missão (Status of Mission Agreement, quando não há
componente militar na OMP), permitem a OMP operar no país com muito poucas
restrições ao uso de símbolos da ONU, as comunicações rádio, telefone e satelital, a
utilização de estradas, portos e aeroportos e a autorização de isenções
alfandegárias (para a importação de equipamentos da missão), a acordos de justiça
e imunidade para peacekeepers, entre outras facilidades.
A pergunta que se segue poderia ser: como o consentimento do país anfitrião
e das principais partes pode ser obtido e como esse consentimento afeta o
planejamento estratégico?
É importante notar que, de um modo geral, o consentimento é formalmente
manifestado por um representante diplomático do país anfitrião ao Conselho de
Segurança, para desdobramento de uma OMP em seu território. Em outros casos, a
solicitação de desdobramento não acontece, mas um acordo de paz é firmado entre
as partes do conflito, solicitando o desdobramento de uma OMP. Neste tipo de
situação, o Conselho de Segurança sanciona a situação e expede uma resolução
autorizando o desdobramento da OMP. Considerando-se que o consentimento é a
base sobre a qual a OMP poderá operar com liberdade de ação e segurança, estes
43
são contextos altamente favoráveis para o planejamento estratégico.
Há que se prestar atenção também ao fato de que a Lei Internacional
privilegia as relações entre os Estados constituídos e que no caso de conflito inter-
Estado ou intra-Estado, o(s) Estado(os) deve(m) dar o seu consentimento para a
presença de uma OMP.
Ocorre que, em alguns outros contextos internacionais, é cristalina a
necessidade de intervenção internacional por meio de uma OMP (uma crise
humanitária provocada pela violência, por exemplo), mas o consentimento não é
obtido, pois o país anfitrião não concede o consentimento diretamente ou não o faz
por meio de uma potência do Conselho de Segurança com interesses alinhados aos
seus. Neste caso, a ONU permanence amarrada e uma avaliação estratégica
proverá outras opções que não a OMP.
Parte da credibilidade das operações de manutenção da paz, e por extensão
da ONU, é arranhada por vezes pela simples constatação de que em algumas crises
internacionais, onde fatos e violações de direitos humanos gravíssimas acontecem,
não há intervenção da Organização, ou seja do CS, seja por meio de manutenção
ou até mesmo imposição da paz. Em que pese esta ser uma situação em que o
julgamento politico do CS seja uma realidade inevitável e que suas decisões ao fim
tenham legitimidade e legalidade por pelo fato do CS representar os membros da
ONU e o dispositivo estar na Carta da ONU, em algumas situaçòes fica a percepção
de falha e de seletividade nas decisões de intervenção ou omissão tomadas. Esse
problema operacional do CS resiste ao longo do tempo e uma possível reforma do
Conselho não é visualizada como viável no horizonte curto.
É fácil depreender da história recente das OMP que essa dicotomia
permanece entre os membros permanentes do CS, e que, por isso, pode-se concluir
que o consentimento como princípio fundamental das OMP é ponto doutrinário que
nem sempre é unanimidade entre os países com poder de veto no Conselho, ou, ao
menos, o princípio sofre interpretações convenientes conforme os interesses
politicos e sistemas de alianças.
Um contundente exemplo recente é a crise na Síria, em que uma breve
tentativa de uso de peacekeeping, em 2012, por intermédio da MIssão de
Supervisão das Nações Unidas na Síria (UNSMIS – United Nations Supervision
Mission in Syria) não prosperou após quase cinco meses de esforços para
consolidar um cessar-fogo e estabelecer um acordo de paz entre o Governo e uma
44
oposição fragmentada e difusa. De saída, pode ser argumentado que a opção por
uma missão de observação de cessar-fogo e de monitoramento de direitos humanos
(base do mandato da UNSMIS) talvez não fosse a modalidade de peacekeeping
mais adequada à situação, mas era a possível em face das divergências e do
sistema de alianças entre membros do CS e as partes do conflito. O desdobramento
de uma missão de paz desarmada, com mandato restrito e com um componente
politico com pouquíssimos recursos humanos e estrutura para interlocução, e
limitada visão do processo politico, afundou as possiblidades de sucesso. Parte do
que ocorreu, do ponto de vista do planejamento estratégico, é que a avaliação
estratégica propôs opções variadas para a crise em 2012, mas a decisão do CS não
contemplou aquela que pareceria a mais adequada, com uma OMP mais robusta ou
a imposição da paz.
O princípio do consentimento (pelo Governo da Síria) neste caso foi
interpretado, desde o começo dos julgamentos iniciais quanto a modalidade de
interferência da ONU, como um bloqueador da possibilidade da opção de imposição
da paz e um limitador das outras opções de manutenção da paz robusta, gerando ao
final uma missão de paz de supervisão, fraca em estrutura e lenta no processo
politico, uma presença da ONU débil e ineficaz (entre outras razões pela aliança
Rússia e Síria). Desde então, houve um agravamento da crise Síria, com
consequências regionais enormes, e com alguma ação de uso da força pelo
Conselho (autorizando ações de forças aéreas), mas ainda sem uma solução
acordada definitiva.
Outra abordagem que deve ser feita quanto ao consentimento é a
legitimidade do consentimento a ser dado pelo país anfitirão e algumas partes do
conflito. Deve o consentimento concedido por um governo nacional que comete ou
permite a seus representantes cometer graves violações da lei internacional dos
direitos humanos ser considerado com suficientemente legitimidade para que haja o
desdobramento de uma OMP? Percebendo que o consentimento do país anfitrião
tem uma dimensão prática de permitir que a OMP atue com o mínimo de restrições
operacionais, deve-se submeter a OMP aos ditames de um governo nacional
ilegítimo ou permissive no que tange a graves violações de direitos humanos?
O consentimento dado por outras partes do conflito, que não o governo
nacional, segue o mesmo raciocínio quanto a legitimidade de concessão de
consentimento. Grupos armados que cometem crimes e são contumazes violadores
45
da Lei Humanitária Internacional e dos direitos humanos, mesmo assinando um
acordo de paz que consente e solicita o desdobramento de uma OMP, possuem
legitimidade para consentir?
Estas colocações, dúvidas e dilemas são considerações de cunho politico, e
que serão estudadas por meio de uma avaliação estratégica. A avaliação estratégica
será então levada ao Secretário-Geral, que priorizará as opções de intervenção da
ONU e recomendará as linhas de ação ao Conselho de Segurança. Ao fim e ao
cabo, pode-se dizer que o Conselho, de posse das recomendações, decidirá
interpretando o grau de consentimento que será politicamente palatável ao contexto
e, por conseguinte, o grau de consentimento que permitirá um determinado tipo
intervenção.
A decisão por uma OMP será condicionada por este grau de consentimento
interpretado pelo Conselho.
Da mesma forma, o planejamento estratégico será também fortemente
influenciado quanto ao consentimento, indicando que o IAP será usado como um
método que buscará a integração dos atores do sistema ONU com maior ou menor
latitude operacional.
Como pode-se ainda constatar, maior ou menor consentimento condicionará
a participação de atores dos sistema ONU, e também os externos, no planejamento
de uma presença integrada da Organização em um país hospedeiro de missão.
O planejamento integrado também sofrerá impacto do modo como o
consentimento dado pelo país anfitrião e pelas partes em conflito se manifesta no
terreno. O planejamento, a geração de forças e de staff civil para compô-la, e
configuração da OMP segundo as tarefas do mandato, e o consequente
desdobramento das estruturas da missão no terreno vão depender da concordância
e muitas vezes da permissão das partes para acontecer. A capilaridade territorial
necessária a OMP dependerá de consentimento. É possível que certos atores do
sistema ONU e também externos sintam constrangimento em relação a
implementação de seus mandatos particulares se atores com domino sobre parte do
território do país anfitrião não propiciam consentimento pleno para suas atividades.
A participação destes atores no planejamento pode, como sequela, também ser
limitada ou inexistente.
Algumas vezes as partes, incluindo o governo, podem forçar a situação de
modo que o planejamento estratégico tenha que aceitar limitações quanto ao
46
desenvolvimento das tarefas do mandato, de modo que a OMP possa ser aceita e
desdobrada.
Pode-se inferir, pelo exposto da análise acima, que o princípio fundamental
do consentimento, a nível de planejamento estratégico para uma OMP, apesar de
bem descrito na doutrina da Organização, sofre interpretações e entendimentos
disitintos em função da ação dos atores principais do jogo politico realizado no CS e
de seus interesses. O planejamento estratégico é ainda fortemente impactado em
razão do grau de consentimento do governo nacional hospedeiro da missão e das
outras principais partes do conflito.
4.2 IMPARCIALIDADE
O princípio da imparcialidade foi, desde o nascimento de peacekeeping, um
sinônimo de neutralidade. Por décadas, foi possível pensar imparcialidade como
neutralidade, basicamente, porque o modelo de manutenção da paz tradicional
apresentava dois vieses de entendimento: a) imparcialidade como neutralidade, a
nível político-estratégico, no sentido de não favorecimento a nenhuma parte do
conflito no contexto internacional (aqui é necessário lembrar o longo período de
peacekeeping sob a lógica da Guerra Fria); e b) imparcialidade como neutralidade
nas ações de uso da força no terreno, nível operacional, como resultado de inação e
passividade diante de quaisquer ações executadas pelas partes, com o uso da força
pela OMP somente em autodefesa.
Os episódios ocorridos na década de 1990 na Somalia, em Ruanda e na
Iugoslávia, com tragédias bem documentadas e resultantes em parte dessa
concepção de manutenção da paz tradicional, forçaram a reação dos anos 2000,
cujo motor de transformação conceitual foi muito bem expresso pelo Relatório
Brahimi.
Em realidade, foi no Relatório Brahimi que ocorreu a separação conceitual
entre neutralidade e imparcialidade: ¨Imparcialidade para tais operações significam
aderência aos princípios da Carta e aos objetivos do mandato que está enraizado
naqueles princípios da Carta”. (Brahimi Report – ONU, 2000. Tradução própria).
O Relatório agrega, ainda, que: ¨Em alguns casos, as partes do conflito não
são iguais de um ponto de vista moral, mas óbvios agressores e vítimas, e os
peacekeepers podem não ser somente moralmente justificados em usar a força mas
obrigados a fazê-lo”. (Brahimi Report – ONU, 2000. Tradução própria).
47
Brahimi modificou profunda e decisivamente o entendimento de
imparcialidade, é é assim que as atuais operações de manutenção da paz
multidimensionais atuam. A neutralidade permanece como um conceito longe do
terreno, vivo porém na esfera das relações internacionais e diplomáticas, e dentro da
idéia de que a ONU não favorece nenhuma parte do conflito, de que o Conselho de
Segurança não tomará partido.
A autorização para o uso da força além da autodefesa é o fator evidente
nesta compreensão de imparcialidade corrente, com a produção de consequências
marcantes no nível operacional e no grau de implementação do mandato da OMP.
Aspectos ligados ao terreno e o planejamento operacional serão explorados no
capítulo seguinte mas, por ora, é necessário o entendimento da imparcialidade da
Doutrina Capstone e visualizar as repercussões no planejamento estratégico para
uma OMP.
¨As operações de manutenção de paz das Nações Unidas devem implementar seus mandatos sem favor ou prejuízo a nenhuma parte. A imparcialidade é crucial para manter o consentimento e a cooperação das principais partes do conflito, mas não deve ser confundida com neutralidade ou inatividade. Peacekeeping das Nações Unidas deve ser imparcial ao lidar com as partes do conflito, mas não neutral na execução de seu mandato ”. (Capstone Doctrine – ONU, 2000. Tradução própria).
Para dar maior clareza, a Doutrina explica:
¨Assim como um bom juiz é imparcial, mas penalizará as infrações, da mesma forma a operação de peacekeeping não deve aceitar ações das partes que violem as conquistas do processo de paz ou as normas e princípios internacionais que a manutenção da paz das Nações Unidas se referencia.”(Capstone Doctrine – ONU, 2000. Tradução própria).
Agora que é lúcida a compreensão do que se entende por imparcialidade no
âmbito de peacekeeping da ONU, pode-se discutir como este princípio fundamental
das OMP avança sobre o planejamento estratégico. De início, deve-se admitir que a
partir do momento em que a OMP passe a ser percebida como parcial haverá
consequências quanto a credibilidade, legitimidade e na prática, para o processo
político, mobilidade, inteligência, segurança, logística e vários outros aspectos, que
serão debatidos no planejamento operacional. A manutenção da imparcialidade é
mesmo crucial para a implementação do mandato e fortemente conectada com o
consentimento. Perder a imparcialidade pode significar tornar-se parte do conflito.
A imparcialidade também está bastante associada ao princípio do não uso da
força exceto em autodefesa e em defesa do mandato, como visto em parágrafos
48
pregressos. É patente que quanto mais a OMP utiliza a força em defesa e
cumprimento das tarefas do mandato, maior é a chance de que seja percebida como
frágil no princípio da imparcialidade. Esta é uma característica das OMP
multidimensionais atuais, com mandatos complexos e ambiciosos.
O planejamento estratégico integrado enfrentará dificuldades de saída se na
construção política do mandato houver a percepção de falta de imparcialidade por
parte da ONU. É fácil imaginar como as partes aguardarão com desconfiança o
desdobramento de uma missão de paz que foi configurada para fazer cumprir um
mandato suspeito de parcialidade. Da mesma forma, se esta for a percepção, a
imparcialidade será vista como um limitador na cooperação e no alcance dos
objetivos dos atores que farão parte do planejamento estratégico integrado.
Um exemplo cabal é o mandato da antiga MONUC (Missão de Organização
das Nações Unidas na República Democrática do Congo), atual MONUSCO. Dentre
outras, a Resolução 1906 do CS, de 2009 afirmava em um de seus parágrafos:
¨Reitera, consistente com os parágrafos 3(g) e 14 da Resolução 1856 (2008) que o apoio da MONUC às operações militares das FARDC contra grupos armados congoleses e estrangeiros são estritamente condicionados ao cumprimento pelas FARDC da Lei Internacional Humanitária, da Lei Internacional dos Direitos Humanos e a Lei dos Refugiados e com o efetivo planejamento conjunto destas operações …”(UNSCR 1906 – ONU, 2000. Tradução própria).
De modo simples, em uma decisão incomum do ponto de vista histórico, a
MONUC apoiou as Forças Armadas Congolesas (FARDC) contra grupos armados,
provendo apoio em planejamento, inteligência, alimentação, transporte,
comunicações e apoio médico. Pode-se e deve-se argumentar que os grupos em
questão cometiam graves atrocidades e que a OMP estava mantendo a
imparcialidade sem ficar neutra em face aos acontecimentos – e isto está
plenamente de acordo com a definição e o entendimento de imparcialidade atual do
DPKO. Entretanto, foi muito difícil manter a percepção de imparcialidade no terreno.
O planejamento estratégico integrado do sistema ONU e com parceiros externos
convidados para atingir os objetivos de avançar o processo político
(temporariamente pela via da força), proteger civis e também reformar as forças
armadas congolesas praticamente fracassaram naquele momento.
Chamar ao comprometimento atores do sistema ONU que teriam
provavelmente problemas de segurança, mobilidade e cooperação junto a
comunidades que eram dominadas por grupos armados que acreditavam que a
49
OMP tomou o partido do Governo, foi tarefa difícil e de duvidoso êxito. Agências da
ONU como a OCHA e a UNHCR, por exemplo, que não faziam parte da MONUC
(atual MONUSCO) puderam vivenciar dificuldades enormes para operar em um
ambiente como esse. Quando as próprias FARDC perpetraram crimes contra a
população civil congolesa, a associação da MONUC com elas minou ainda mais as
possibilidades de sucesso do empreendimento. A imparcialidade no terreno é muito
complicada de ser mantida e será objeto de discussão em capítulos posteriores.
No momento, é necessário observar que as condições objetivas no terreno
quanto a expectativa de imparcialidade, expressas detalhadamente por uma
avaliação estratégica, geradora de opções políticas e operacionais, influenciam
pesadamente o planejamento estratégico integrado para uma OMP, seja pela
participação e comprometimento dos atores, seja pelas limitações aos planos de
implementação das tarefas do mandato, seja pela geração de força militar (tropas da
ONU com países vizinhos contribuintes podem gerar percepções erradas) e ainda
outros fatores. O planejamento estratégico requer uma visão crítica do princípio da
imparcialidade durante todo o tempo.
Manter a imparcialidade impõe precauções extremas durante o planejamento
integrado. No desenvolvimento de um UNDAF para apoio ao desenvolvimento de
um país haverá a preocupação de alinhar o planejamento estratégico do UNCT aos
objetivos de desenvolver capacidades nacionais. No desenvolvimento de um IAP
para a criação de uma OMP para desdobramento em um país, o alinhamento dos
objetivos do ISF com os objetivos do país anfitrião irão requerer muita cautela.
Caberá sempre a pergunta sobre o que deve ou não ser compartilhado com o
país anfitrião sem afetar a imparcialidade, bem como com relação a partes do
conflito honestamente interessadas em um processo político que vise a paz. Há
ainda outros ângulos a serem observados como a execução de uma justiça de
transição que impeça a impunidade de líderes de grupos armados ou do governo
que tenham cometido crimes; todo cuidado será pouco para que a percepção seja
de justiça e imparcialidade.
Dessa forma, a imparcialidade impacta como princípio no planejamento
estratégico integrado. A sua manutenção ou não como princípio durante o
planejamento estratégico poderá agregar ou afastar atores do sistema ONU e
externos.
50
O planejamento estratégico baseado no mandato e na avaliação estratégica
poderá frutificar em boas condições se for realizado com um olhar sempre posto no
principio, especialmente quando a OMP estiver sendo configurada, os meios
estiverem sendo distribuídos, os países participantes das tropas de paz estiverem
sendo convidados a participar, os planejamentos e conceitos de operações dos
componentes estiverem sendo preparados. Acompanhando a configuração da OMP
e o desenvolvimento do Conceito da Missão e o ISF, estarão o país anfitrião,
organizações internacionais (como o CICV), países membros do CS e países do
entorno regional do país anfitrião, futura área de interesse da OMP.
4.3 NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO
MANDATO
Como ocorreu com os dois princípios fundamentais anteriores, o princípio do
não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do mandato foi reinterpretado
ao longo do tempo. Foi inicialmente formulado como não uso da força exceto em
autodefesa, um princípio dito universal e não propriamente específico para
manutenção de paz, muito próximo da legítima defesa.
Com o advento das operações de peacekeeping com unidades de tropa, em
que a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF – United Nations Emergency
Force) foi convocada com rapidez, como solução inovadora, para apoiar a resolução
da Crise do Canal de Suez em 1956, o uso da força foi explicitamente expresso na
resolução de autorização da UNEF como apenas para autodefesa e com as cautelas
necessárias.
Já em 1992 o Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali afirmava:
¨A lógica da manutenção da paz flue de premissas políticas e militares que são bastante distintas daquelas da imposição da paz; e as dinâmicas da última são incompatíveis com o processo politico que a manutenção da paz pretende facilitar. Embaralhar a distinção entre as duas pode reduzir a vialbilidade de uma operação de colocar em risco seu pessoal.”(An Agenda for Peace – ONU, 1992. Tradução própria).
O alerta de Boutros Boutros-Ghali dizia respeito as preocupações evidentes
na intervenção realizada na Somália em 1991, quando ficou patente a discrepância
entre o conflito complexo entre senhores da guerra e as contenções impostas ao uso
da força pela OMP.
Desde então, o uso da força em manutenção da paz tem evoluído na
proporção direta do aumento da complexidade das operações e dos desafios e das
51
tarefas previstas nos mandatos.
Especialmente desde o término da Guerra Fria, o Conselho de Segurança
tem elaborado mandatos robustos, com latitude de uso da força pelas OMP
grandemente ampliado. Expressões que autorizam o “uso de todos os meios
necessários” para implementar o mandato também passaram a caracterizar os
mandatos ditos robustos. Tarefas do mandato como manter o ambiente seguro e
estável, deter grupos que perturbem o processo político e proteger civis sob risco
iminente de violência física, foram incorporadas na medida em que componentes
militares de missões de paz tornaram-se mais operacionalmente capazes. As
tragédias em Ruanda (1994) e na Bósnia (1995), entre outras, aceleraram processo
de robustez das OMP e ajudaram a consolidar a proteção de civis como uma
obrigação moral e legal. A proteçãoo de civis como tarefa do mandato foi um forte
propulsor da robustez das OMP, com maior emprego do uso da força.
Certamente peacekeeping não é enforcement (imposição), e esta distinção é
feita com base no princípio do consentimento. Novamente a Doutrina Capstone é a
fonte para entendimento da diferença.
¨Embora no terreno eles posssam às vezes parecerem similares, a manutenção da paz robusta não deve ser confundida com a imposição da paz, como visualizada sob o Capítulo VII da Carta. O peacekeeping robusto envolve o uso da força no nível tático, com a autorização do Conselho de Segurança e o consentimento da nação anfitriã e ou das principais partes do conflito. Em contraste, a imposição da paz não requer o consentimento das principais partes e pode envolver o uso da força militar no nível estratégico ou internacional.”(Capstone Doctrine – ONU, 2008. Tradução própria).
Doutrinariamente fica clara, então, a distinção entre as duas modalidades de
intervenção autorizadas pelo CS. As OMP mais desafiadoras são estabelecidas com
várias tarefas do Capítulo VII da Carta, com o uso de todos os meios necessários,
inclusive a força para cumprir o mandato.
Voltando a doutrina, ela enfatiza que o uso da força deve ser o último
recurso, quando todos os outros falharam (especialmente a negociação e a
mediação políticas). A principal finalidade é: ¨…o uso da força para influenciar e
deter grupos negativos que trabalham contra o processo de paz ou buscam causar
mal a civis, e não procurar a derrota militar dos mesmos.”(Capstone Doctrine – ONU,
2008. Tradução própria).
Por vezes, tem ocorrido, em missões de paz multidimensionais robustas,
situações em que o uso da força para defender o mandato implica em atuar contra
52
grupos negativos de modo robusto e firme. Não se deve esquecer, como visto no
planejamento integrado, que o processo político está acima de tudo e que mesmo as
mais importantes operações militares com largo emprego da força visam a redução
de resistências ao processo de paz ou a proteção da população de ataques de
grupos armados.
O planejamento deve ser feito com vista a trazer o grupo armado para o
processo político e não buscar a sua derrota. Esse conceito foi alterado para a
situação específica da MONUSCO, com a criação da Brigada de Intervenção da
Força (FIB – Force Intervention Brigade), assunto do Capítulo 6 deste trabalho.
É fato de que o uso da força no nível do terreno, nível operacional da OMP,
requer considerações e cautelas, planejamento acurado e conhecimento detalhado
do ambiente. Estará sempre em jogo a percepção de imparcialidade pela sociedade
local e pelos atores envolvidos.
Vários fatores serão levados em conta para o uso da força em defesa do
mandato, uma expressão em que cabe todo o tipo de ação, como, por exemplo: as
capacidades da missão, a oportunidade para fazê-lo, a natureza, as intenções e as
capacidades das ameaças (inclusive de retaliação contra a população), as
percepções públicas, o impacto humanitário e sobre os direitos humanos, a proteção
da força, e o efeito e as consequências da ação ou inação sobre a população e o
consentimento dado pelas partes (em particular o país hospedeiro da OMP).
O uso da força é disciplinado por meio de regras de engajamento (ROE –
Rules of Engajement) e diretrizes para o uso da força (DUF - Directives for the Use
of Force) para militares e policiais, respectivamente, da OMP. Estas regras traduzem
a Lei Humanitária Internacional para o contexto da manutenção da paz e devem ser
exaustivamente treinadas por tropas e pessoal dos países contribuintes com para
missões multidimensionais.
O planejamento estratégico integrado deve considerar cuidadosamente o
impacto do mandato e seu desenvolvimento em planos derivados, como o Conceito
da Missão e os conceitos de operações dos componentes militar e policial
(CONOPS). Entidades do sistema ONU, que farão parte do planejamento
estratégico, estarão atentas às capacidades desejadas e a formulação operacional
da OMP para decidir sobre seus engajamentos e comprometimento no processo.
Os participantes do planejamento estratégico sabem que, em geral, quanto
mais a OMP utilizar a força maior será a chance de haver percepção de parcialidade
53
e redução do nível de consentimento.
O desenvolvimento do Conceito da Missão e as Diretrizes para o
Representante Especial do Secretário Geral, a serem elaborados por uma ITF, serão
escrutinados na busca de um claro entendimento de capacidades e determinação
em implementar o mandato. Os conceitos de operações dos componentes militar
(principalmente) e policial detalharão, de modo reservado, os objetivos, as tarefas e
as responsabilidades atinentes ao uso da força em defesa do mandato. Os
participantes do planejamento estratégico, integrantes da ITF, compreendidos nas
suas ações e prováveis consequências.
Na condução dos trabalhos pela ITF, a confiança a ser construída e o
consequente comprometimento com o planejamento poderá flutuar segundo:
a) uma maior ou menor percepção de que o consentimento do país anfitrião e
das principais partes do conflito é real e se traduzirá em liberdade de ação e
segurança;
b) a clareza quanto ao entendimento de imparcialidade para o caso específico
das partes em conflito existentes no contexto; e,
c) as capacidades visualizadas do componente militar em geração de força
(qualidade e quantidade de tropas e equipamentos) e as tarefas do mandato que
exigirão o uso da força em sua defesa.
As entidades do sistema ONU, especialmente aquelas pertencentes ao
UNCT, serao mais suscetíveis à coordenação e integração se os três princípios
fundamentais forem discutidos durante o planejamento, com clareza suficiente sobre
o alcance e as consequências práticas de cada um deles visualizada no terreno. De
outro, o planejamento estratégico pode ser enfraquecido, incompleto, pouco viável
ou com nós difíceis de serem desatados quando do planejamento operacional no
terreno, momento crítico em que a OMP em formação planeja e executa tarefas
altamente complexas.
As mesmas considerações podem ser aplicadas às instituições externas
convidadas a participarem de etapas do planejamento estratégico, com a ressalva
de que muito maior atenção deve ser dada ao fato de que, por não pertencerem ao
sistema ONU, terão por vezes limitada compreensão do processo e mesmo idéias
pré-concebidas sobre a ONU, a OMP e peacekeeping em geral.
Por outro lado, é visível que o processo de planejamento amparado pelos
princípios fundamentais confere uma legitimidade imediata à OMP: ele é
54
transparente, regulado e aceito pelos Estados-Membros, tem caráter internacional e
participação abrangente e é autorizado pelo Conselho de Segurança.
Em um outro tópico, o uso da força em defesa do mandato da MONUSCO
chegou a um patamar inédito em 2013, mas específico para uma única OMP. O CS
autorizou a criação e o desdobramento de uma brigada de intervenção (FIB – Force
Intervention Brigade) para que o componente militar da missão e a liderança política
pudessem fazer frente aos duros desafios impostos por grupos armados do leste do
Congo. Nos capítulos seguintes esta questão será discutida.
O princípio fundamental do não uso da força exceto em autodefesa e em
defesa do mandato deve ser observado já durante a fase de planejamento
estratégico integrado da missão de paz. O desenvolvimento de conceitos
operacionais e planos de ação pelos componentes da missão e a configuração final
em recursos humanos, materiais e financeiros, realizados durante o planejamento,
devem atentar para como se pretende utilizar a força em defesa do mandato na
OMP no terreno. Alguns meios não estarão sob o controle do componente militar –
helicópteros são uma boa ilustração de meios militares de mobilidade sob o controle
civil – e deverão ser cedidos por outros componentes mediate um entendimento
conjunto das tarefas planejadas a nível estratégico para empregar a força.
O contido nos mandatos atuais de OMP multidimensionais certamente
apresentam tarefas que requerem robustez na ação de força dos peacekeepers,
especialmente os militares. Contudo, somente a correta tradução dessas tarefas
operacionais em planos derivados a serem aplicados no terreno indicará quão crível
a OMP será no emprego da força para implementar o seu mandato, com
consequências diretas na disposição e engajamento de outros atores nos
planejamentos estratégico integrado e operacional, e na execução no terreno.
4.4 CONCLUSÕES PARCIAIS
O exposto no capítulo procurou comprovar a efetiva influência dos princípios
fundamentais das OMP, formulados na Doutrina Capstone, durante a fase de
planejamento estratégico.
As entidades do sistema ONU que são convocadas a participar do
planejamento estratégico, como parte de uma ITF ou eventualmente convidadas, de
fato o fazem. Entretanto, o grau de envolvimento e comprometimento dessas
55
entidades no planejamento será variável conforme haja transparência e diálogo
entre os elementos do sistema ONU, além de ouros fatores cruciais como tempo
disponível e lideranças adequadas.
Um instrumento de gestão da implementação do mandato como o ISF
somente será adequadamente produzido se as entidades do sistema enxergarem
claramente que os princípios fundamentais estão sendo observados e que há
transparência no entendimento de cada um deles. Como visto anteriormente, a
avaliação de vantagens comparativas de distintas entidades do sistema ONU
somente será real se um verdadeiro ambiente de confiança for estabelecido e
nenhum agente omita suas reais capacidades. Da mesma forma, a decisão sobre
prioridades e responsabilidades que também estará expressa no ISF terá bons
resultados se os participantes da ITF entenderem que consentimento, imparcialidade
e não uso da força exceto em autodefesa e defesa do mandato estão refletidos em
objetivos, capacidades e tempo de execução das tarefas do mandato.
O desenvolvimento dos planos e ferramentas que visarão o andamento
satisfatório do processo politico, permitirão a consciência situacional por meio de
monitoramento integrado, a implementação de tarefas de cada componente a
também a produção de respostas multidimensionais são dependentes do
planejamento estratégico integrado que elaborará o conceito e expedirá diretrizes
que orientarão os planejamentos da OMP no nível operacional. Não é incomum que
OMP multidimensionais sejam quase que destinadas a começarem suas operações
de modo deficiente porque a discussão franca e tansparente entre os membros da
ITF não teve lugar ou não foi profunda o suficiente.
Pode-se, ao término deste capítulo, concluir parcialmente que os princípios
estão formulados de modo claro e que parecem adequados e atuais para os fins do
planejamento estratégico que origina uma operação de manutenção da paz
multidimensional. Requerem, no entanto, atenção cuidadosa pelos representantes
das entidades que participarão da ITF que liderará o planejamento, quanto ao
entendimento comum das nuances de interpretação possíveis em face ao contexto
específico do teatro em que a OMP vai desdobrar e operar.
56
5 O PLANEJAMENTO OPERACIONAL E OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
No Capítulo 3 foi discutido o planejamento integrado de nível político-
estratégico, e no Capítulo 4, as implicações dos princípios fundamentais sobre o
processo de geração de uma OMP em áreas de conflito moderno. As estruturas de
planejamento e integração no nível operacional foram também brevemente
abordadas. Neste capítulo, a elaboração da discussão passará pelo subsequente
planejamento operacional, com abordagens sobre a implementação do mandato da
missão e os relacionamentos existentes com os princípios fundamentais das
operações de paz.
Deve-se notar que no nível político-estratégico a maior parte do planejamento
é elaborado, comparativamente com a etapa do planejamento operacional. Isto se
deve ao fato de que os planejadores de nível operacional (ou seja, a liderança da
OMP e seus staff) ainda não foram selecionados e não estão em campo. Dessa
forma, o Quartel-General expede diretrizes e orientações e forma uma ITF para fazer
o planejamento estratégico e iniciar o operacional, de modo que a cabeça da missão
seja desdobrada com as orientações e o planejamento adiantados.
É no terreno que os ajustes, correções, complementações e
redirecionamentos do planejamento estratégico (IAP) são realizados e constituem-se
na parte mais significativa do que se denomina o planejamento operacional. É a fase
em que o comando da OMP, já no terreno, faz as propostas de alteração do
planejamento estratégico ao Quartel-General da ONU em Nova York. Nesse
momento, os princípios fundamentais passam a ser vistos de uma dimensão de
muito maior prática, tendo em vista que a configuração da missão toma forma para,
na prática do terreno, começar a implementar um mandato.
Os planos de nível político-estratégicos oriundos do Quartel-General em Nova
York são então confrontados com o terreno e ajustados para enfrentar a realidade
vivida pela missão.
A partir daí, o planejamento operacional é consolidado e os documentos
derivados (ISF, Conceito da Missão, conceitos operacionais de componentes, planos
de trabalho, ROE e DUF, SOMA ou SOFA e etc) são continuamente ajustados
segundo a dinâmica do processo político de paz e os ditames do contexto
operacional.
57
Os princípios fundamentais tem vasta aplicabilidade no ajustamento dos
planos e principalmente na execução das tarefas previstas no mandato da OMP,
quando devem se mostrar suficientemente sólidos para justificar ações de caráter
político e operacional, muitas vezes com o emprego de violência controlada e
autorizada pela missão.
O planejamento operacional será realizado em condições nem sempre
favoráveis de infra-estrutura e tempo disponível, especialmente no contextos em que
o conflito prossegue e apenas um cessar fogo ou acordo de paz frágil são obtidos.
Na maioria dos casos, a OMP lutará para criar corpo e tornar-se operativa, em
pouquíssimo tempo, em meio a um turbilhão de atores, simpáticos ou hostis à
presença da missão. Nas áreas de conflito moderno, atuam atores de toda a
natureza, alguns deles sem nenhum respeito pelas leis internacionais e com pouco
ou nenhum interesse em um processo político a ser iniciado pela liderança da OMP.
A liderança e o Estado-Maior da OMP terão pouco tempo e muitas tarefas
para fazer a missão funcionar o mais rápido possível. Em alguns casos, devem agir
simultaneamente com vistas a várias frentes de atuação, tendo de enfrentar crises
locais com suas capacidades de operação no terreno ainda incompletas.
Quanto mais cedo a presença integrada da ONU for visível no terreno e
começar a operar, maior a chance de impactar positivamente sobre as partes do
conflito e obter um momentum favorável para o processo político. É importante notar
que a presença integrada dificilmente acontecerá imediatamente; ela provavelmente
ocorrerá de forma gradual, com a construção da confiança entre o UNCT e a OMP, e
o ajustamento e realinhamento dos planos estratégicos às realidades do terreno.
Entender sumariamente como funciona o planejamento de nível operacional é
relevante para, mais adiante, a compreensão da influência dos princípios
fundamentais, especialmente na maioria das atuais missões de paz, mergulhadas
em áreas de conflito moderno com imensas dificuldades para se firmarem e
iniciarem a implementação de mandatos ambiciosos.
5.1 PLANEJAMENTO OPERACIONAL
O planejamento operacional é aquele realizado pela liderança e o staff da
OMP já no terreno, com base nos documentos produzidos e orientações proferidas
pela ITF e pelas lideranças do DPKO e DFS no Quartel-General da ONU em Nova
York. Algumas vezes o DPA também participa do planejamento operacional em
58
função de necessidades políticas da missão multidimensional. O DPA lidera o
processo de planejamento quando se trata de uma Missão Política Especial.
Um ponto de partida conveniente para o exame das implicações dos
princípios fundamentais no terreno, é considerar uma operação de manutenção da
paz com mandato definido e expedido pelo Conselho de Segurança (etapa finalizada
no último capítulo).
Neste momento, a OMP, nos seus primeiros meses de vida, iniciará o seus
desdobramentos (de pessoal, material e estruturas) e conduzirá um esforço brutal
para tornar-se operativa em um novo ambiente, seja de pós-conflito ou de conflito,
com a maior rapidez possível. A OMP dispõe do planejamento político-estratégico
detalhado oriundo do trabalho da ITF, mas necessita, no menor espaço de tempo,
fazer os ajustes segundo o contexto real do país hospedeiro da missão.
Áreas de conflito e pós-conflito atuais na República Democrática do Congo
(MONUSCO), no Mali (MINUSMA), no Líbano (UNIFIL – United Nations Interim
Force in Lebanon) ou na República Centro-Africana (MINUSCA – United Nations
Mission in the Central African Republic) propõem situações extremamente
complicadas e mandatos altamente ambiciosos. A despeito das diferentes naturezas
dos conflitos, dos atores em presença e dos aspectos geográficos, OMP antigas
como a MONUSCO ou muito recentes como a MINUSCA apresentam características
comuns ao conflito moderno, que necessitam de um planejamento operacional
focado em soluções contextualizadas, transparentes e discutidas com os atores da
situação de conflito.
Nestes contextos de conflito moderno, agentes não-estatais como grupos
armados com significativas capacidades militares, não respeitosos à lei internacional
e que desprezam soluções políticas, ameaçam os processos de paz em ambos os
países e, por consequência, a própria credibilidade e legitimidade das duas OMP.
Nesses exemplos, o planejamento operacional vai oferecer as ferramentas para que
as ameaças sejam entendidas e contidas segundo os princípios fundamentais das
OMP.
O quadro abaixo esquematiza de modo simplificado as principais atividades
de planejamento inseridas no planejamento operacional e mostra as
responsabilidades gerais, antes e depois da expedição do mandato.
A partir da Diretriz ao Representante Especial e o draft do ISF entregues pela
ITF à liderança da OMP, a responsabilidade por fazer a missão surgir e funcionar no
59
terreno é da cabeça da Missão, com apoio do Quartel-General da ONU e do UNCT.
Figura 3: Atividades relacionadas ao planejamento operacional.
Fonte: Mission Start-up Field Guide (modificado pelo autor).
O Time de Liderança Sênior da Missão (SMLT – Senior MIssion Leadership
Team), antes de ser desdobrado no terreno, tem contato com a ITF e recebe em
mãos as orientações e os documentos chave para o desenvolvimento do Conceito
da Missão, plano que de fato busca atribuir tarefas e responsabilidades e é
intimamente ligado à implementação do mandato. Drafts dos conceitos de operação
dos componentes miltiar e policial são preparados pelo DPKO, bem como outros
CONOPS ou planos de trabalho de outros componentes da OMP também podem
ser produzidos. A liderança da missão, em particular o Chefe da Missão, recebe
então orientações pessoais dos Chefes do DPKO e do DFS, dentre outras
autoridades do Secretariado.
Desdobramento
da OMP
Mandato expedido
pelo CS
Desenvolvimento
do arcabouço
legal
Início do diálogo
com as partes /
Processo Polí co
Estabelecimento
do apoio logís co
Desenvolvimento
de planos
decorrentes
Recrutamento de
staff individual
Financiamento da
OMP
Diretriz ao SRSG e
dra ISF
Liderança da
OMP no
planejamento
com apoio do
DPKO/DFS
Liderança do
Secretariado no
planejamento
Ajustamento do Conceito da
Missão e CONOPS de
componentes
Capacidade
Opera va Inicial
Capacidade Opera va
Completa
Desenvolvimento do Conceito
da Missão e CONOPS de
componentes
Geração de
con ngentes
60
Uma OMP é desdobrada por etapas, supervisionadas pelo SMLT e pelo
DPKO/DFS. A primeira etapa é levada a cabo por uma equipe pequena denominada
Time Avançado (AT – Advanced Team), que irá organizar a infraestrutura básica e
os sistemas iniciais para o funcionamento da OMP. O AT vai preparar o terreno para
o desdobramento de grandes quantidades de staff e dos contingentes militares e
policiais.
A etapa seguinte é implementada pelo desdobramento do Quartel-General da
MIssão (MHQ – Mission Headquarters). É neste momento que o SMLT chega à àrea
da Missão e que os sistemas de comando e controle e de gestão começam a ser
melhor estruturados.
O SMLT vai expedir diretrizes para a instação do JOC, do JMAC, do JLOC, da
IMTC e de outras estruturas integradas, bem como diretrizes para os componentes
da OMP. Um bom número de staff administrativo, logístico e dos componentes
substantivos (militar, policial, direitos humanos, politico, financeiro e etc) também
desembarca no país anfitrião e inicia a instalação de seus sistemas e da
infraestrutura correspondente. Os primeiros contingentes de tropas chegam no
terreno e a OMP desdobra seus primeiros elementos afastados do MHQ.
Esta etapa visa o estabelecimento de uma capacidade operativa inicial (IOC –
Initial Operating Capability), que deve ser atingida antes de começar a realização
das tarefas essenciais do mandato e gerir a estruturação da missão. A IOC significa
na prática que funções-chave foram ocupadas, que os componentes da OMP estão
sendo formados e seus planos estão prontos, que a infraestrura para receber o
grosso dos demais elementos está estabelecida e que o dispositivo de segurança da
Missão está colocado e funcionando. Planos, como, por exemplo, o Conceito da
Missão e o ISF, devem ser aprovados pela OMP e pelo UNCT.
Finalmente, a OMP encorpa com a chegada dos demais elementos
constitutivos de seus componentes e pelo funcionamento pleno de seus sistemas e
processos, podendo, então, atacar as tarefas impostas por seu mandato. A
capacidade operativa completa (FOC – Full Operating Capability) é alcançada
quando:
a) recursos suficientes para implementar o mandato estão prontos;
b) os planejamentos operacionais já foram adaptados do nível estratégico; e,
c) o orçamento e o processo de gestão da Missão estão funcionando.
61
O processo de planejamento operacional traz em seu bojo uma série de
riscos que podem gerar o insucesso. A escassez de recursos, o não desdobramento
rápido de pessoal e meios, a estabilização parcial do ambiente, a má qualidade de
recursos humanos em componentes-chave da estrutura da missão, a baixa
cooperação do UNCT, a liderança deficiente, a resistência do país anfitrião devido
ao baixo consentimento e muitos outros fatores podem inibir ou mesmo incapacitar a
OMP. O tempo é normalmente a commoditiy mais valiosa para a liderança da
missão.
A OMP deve crescer sustentável e rapidamente, enquanto deve resolver
problemas complexos. É uma situação difícil, considerando-se que foi concebida e
dimensionada para resolver um problema político complicado mas que somente
atingirá sua plena capacidade operacional muito depois de oficialmente ser lançada
no terreno.
Corroborar, ajustar ou corrigir (se a dinâmica do conflito ou o ambiente
mudaram) o planejamento estratégico no mais curto espaço de tempo exige a
presença coordenada não somente do SMLT, mas também do UNCT.
Quando do ajustamento de planos esboçados ou completos oriundos do
Quartel-General da ONU, como o Conceito da Missão e os CONOPS dos
componentes, alguns dos atores desdobrados no terreno (da ONU/UNCT ou
externos a ONU) poderão ser chamados a participar do planejamento operacional da
OMP.
O país hospedeiro da OMP, em particular, terá um peso grande como ator e,
por isso, será ouvido em diversas oportunidades, sempre que for possível conjugar
ações de interesse direto do governo, como, por exemplo, a proteção de civis da
população ou ações que estimulem o desenvolvimento econômico, com os
interesses da OMP.
Nesse mister, a interação da OMP com o governo local, obviamente, será
parcial, pois algumas informações poderão não ser dadas ao conhecimento do país
anfitrião. Elas talvez sejam classificadas e reservadas, pois nem sempre o país
anfitrião é um parceiro totalmente confiável em alguns temas sensíveis (proteção de
civis, justiça de transição, projetos econômicos com doações internacionais e etc), e,
eventualmente, pode postar-se um antagonista durante o processo politico.
Como anteriormente discutido, os planejamentos operacionais resultam em
documentos centrais (conceito da Missão, ISF, CONOPS dos componentes, entre
62
outros), alguns previamente preparados a nível estratégico pela ITF, que
proporcionam a gestão da OMP e a condução de atividades que objetivam a
execução de tarefas do mandato.
Dos documentos centrais do planejamento operacional nascerão outros
planejamentos que mostrarão como tarefas críticas de menor nível ligadas às tarefas
do mandato serão executadas. Tomando o exemplo do componente militar:
a) o Conceito da Missão, na seção correspondente, descreverá quais são as
tarefas e responsabilidades do componente militar;
b) o CONOPS Militar definirá com maior detalhes as tarefas do mandato,
essenciais e de apoio, responsabilidades, áreas de responsabilidade e outras
medidas de coordenação;
c) os planos de campanha e de operações, de contingência, as ordens de
operações e as ordens fragmentárias atenderão a situações específicas ligadas às
tarefas contidas no CONOPS;
d) as diretrizes do Comandante da Força, os planos de coleta de informações,
de gerenciamento de risco, as ROE e vários outros documentos completarão as
orientações necessárias para que o componente militar possa cumprir as suas
missões adequadamente. �
Para todos os demais componentes haverá planos decorrentes das diretivas
do SMLT, do Conceito da Missão, do ISF e de outros documentos ou orientações.
Haverá um CONOPS policial e outro de apoio administrativo e logístico, assim como
planos de tabalho para todos os demais componentes da OMP, segundo a
organização da própria OMP para cumprir as tarefas do mandato.
A preparação do plano político que visa a paz sustentável e seus reflexos nos
campos de paz e segurança, assistência humanitária e desenvolvimento,
obviamente buscará a inserção do consentimento, da imparcialidade e do não uso
da força exceto em defesa própria ou em defesa do mandato.
O SMLT é diretamente responsável para que os três princípios fundamentais
sejam observados, já na configuração da Missão no terreno. O SMLT dá o tom e a
interpretação dos princípios fundamentais e orienta a dosagem dos mesmos por
meio da expedição de documentos, da condução de reuniões, da realização de
inspeções, da orientação dos trabalhos, da produção de diretrizes e de se fazer
presente, com a maior transparência de propósitos, junto aos múltiplos atores no
terreno. A presença capilarizada da OMP no terreno é planejada também para
63
monitorar o nível de consentimento e de imparcialidade e o grau de emprego da
força pela OMP.
5.2 OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL
Similarmente ao que ocorre durante o planejamento estratégico, os princípios
devem estar presentes durante o planejamento operacional. Na fase de
planejamento estratégico integrado os princípios fundamentais tem grande
importância, por funcionarem como elementos de filtragem de interesses e de
convergencia de objetivos. No planejamento operacional cresce de importância a
participação efetiva dos atores no terreno.
É inegável que uma OMP em formação, ainda tentando atingir a sua
capacidade operativa inicial (IOC – Initial Operating Capability), pode depender
muito do UNCT para apoio em informações, orientação política e aclimatização com
o ambiente operacional.
É o UNCT que está em contato com o governo nacional já há um tempo
ponderável e, muitas vezes, também com grupos em oposição ao governo. O UNCT
também está certamente em relações de trabalho ou de contato com inúmeras
ONGs que operam no país. Projetos de desenvolvimento nacionais ligados a
doadores internacionais, por vezes expressos por meio de uma UNDAF, são da
mesma forma, escopo do UNCT. Desse ângulo, é possível perceber o quanto é
importante para a OMP fazer o reajuste dos planos estratégicos à luz do terreno,
contando com o apoio do UNCT.
O SMLT e o pessoal que trabalha nas lideranças dos componentes (militar,
policial e civis ou temáticos) da OMP no Quartel-General da Missão devem dar
suficiente atenção ao que diz o UNCT. Devem, ainda, consultar o UNCT
cuidadosamente durante o processo de planejamento operacional, de modo que os
proncípios fundamentais estejam sendo respeitados e reforçados no reajuste dos
planejamentos.
O planejamento para o cumprimento da tarefa de proteção de civis é um
excelente exemplo de reajuste do ISF, do Conceito da Missão e do CONOPS Militar.
Sabe-se que o governo nacional tem a responsabilidade primária na proteção de
seus próprios cidadãos e que a OMP deverá atuar em situações em que o governo é
incapaz, inábil ou não deseje executar a proteção.
64
Como parte do planejamento estratégico, a tarefa de proteção de civis possui
benchmarks listadas no ISF e tarefas assignadas no Conceito da Missão que serão
revisadas durante o planejamento operacional. Examinando o princípio do
consentimento pode-se entender quão delicado é a revisão do ISF e do Conceito da
Missão.
É preciso exercitar um verdadeiro espírito de equipe para juntos, OMP e
UNCT, discutirem pontos relevantes do ISF e verificar como o governo do país
anfitrião vai lidar com a abordagem da ONU em seu território. Uma pergunta justa e
realista nesse caso pode ser: como atuar em socorro da população contra grupos
armados hostis sem ferir suscetibilidades, sem demonstrar arrogância e sem deixar
qualquer incapacidade nacional patente, e ainda mais, sem perder a credibilidade da
OMP?. Algum grau de troca de informações quanto às capacidades nacionais e a
vontade política para proteger civis deve ser estabelecido pela OMP com o governo
nacional, projetando como pano de fundo o princípio do consentimento.
Fixando-se ainda o tema da proteção de civis, quando do ajuste dos
CONOPS, especialmente o CONOPS Militar, quais serão as atividades operacionais
militares da OMP, em que o uso de sua liberdade de ação não comprometa a
participação ou cooperação das forças de segurança nacionais?. E se essas
mesmas forças de segurança nacionais atacarem os seus cidadãos? Como manter
o nível de consentimento do governo do país anfitrião necessário para continuar
atuando? Estas são deliberações necessárias cujas consequências podem ser
desastrosas em perda de consentimento pela missão. O planejamento operacional
deve responder a essas perguntas e contemplar outras hipóteses.
Em que pesem estas situações estarem diretamente ligadas à implementação
do mandato, é na fase do planejamento operacional que as possibilidades e
limitações operacionais serão delineadas e colimadas nos documentos de
planejamento. Ou seja, se o princípio do consentimento não estiver muito bem
discutido e inserido dentro destas possibilidades e limitações operacionais, sempre
considerando o processo político em curso, chances existem de que a OMP cometa
erros que prejudiquem o consenso em torno de sua presença consentida no país.
Raciocínio análogo pode ser feito com relação aos princípios da
imparcialidade e do não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do
mandato. Na análise dos documentos recebidos do Quartel-General (QG) da ONU, o
65
QG da OMP vai preocupar-se em verificar se estes dois princípios também estão
plenamente inseridos, guardados os limites que o ambiente político pode demarcar.
A imparcialidade é muito percebida do ponto de vista do próprio uso da força
pela OMP, no sentido de a OMP não ser neutra em face de agressões ao mandato
por partes do conflito.
A questão pode também ser vista por outros prismas. Um deles é o
planejamento operacional de atividades ligadas a peacebuilding e, eventualmente, a
desenvolvimento. Durante o planejamento operacional, por exemplo, é importante
discutir como as atividades que de alguma maneira benficiarão as comunidades
nacionais, em áreas controladas pelas diferentes partes do conflito, serão
executadas, de modo a passar a clara impressão, durante as atividades, de que não
há favorecimento a nenhuma área populacional ou região. Provavelmente haverá
muito pouco espaço para improvisações futuras na execução das tarefas se o
planejamento operacional for realizado sem uma grande atenção ao princípio da
imparcialidade aplicado a todas as atividades planejadas da OMP.
Quanto ao não uso da força exceto em autodefesa em em defesa do
mandato, pode-se explorar facilmente, como exemplo, o planejamento operacional
do componente militar. É patente que as tarefas do Componente Militar previstas no
Conceito da Missão, melhor elaboradas e definidas no CONOPS Militar e daí para
planos de campanha e ordens de operação, tratarão do uso da força pela OMP.
Naturalmente, a caracterização de ameaças, as ações operacionais militares,
a redução de riscos quanto a danos colaterais, a proteção da Força e muitos outros
aspectos serão objeto de análise, desenvolvimento de novos planos operacionais e
reajuste de planos estratégicos. Este é um princípio extremamente ligado ao
componente militar da missão, cuja tradução para ações operacionais deve ser alvo
de cuidados planejamento. O princípio, porém, também se aplica ao componente
policial quando dispõe de unidades de tropa vocacionados para o controle de
distúrbios civis.
O quadro abaixo pretende mostrar as principais tarefas a serem realizadas
pela OMP quando do recebimento da Diretriz de Planejamento ao SRSG e do
esboço do ISF. Nele foram posicionadas graficamente algumas das influências dos
princípios fundamentais sobre o planejamento operacional (e sobre produtos do
planejamento estratégico).
66
Figura 4: Desdobramento de uma OMP multidimensional e tarefas sob influência dos
princípios fundamentais.
Fonte: Mission Start-up Field Guide (modificado pelo autor).
Pode-se observar que os princípios influem diretamente em muitos dos
processos ou produtos do planejamento operacional. Alguns pontos explicativos
sobre o quadro podem ser lidos em seguida.
No desenvolvimento do arcabouço legal, um Status of Forces Agreement
(SOFA) ou Status of Mission Agreement (SOMA) somente poderão ser assinados
entre o país anfitrião e a OMP se houver consentimento pleno por parte do governo
nacional. Regras de Engajamento (ROE, para os militares) e Diretrizes para o Uso
da Força (DUF, para a polícia) serão produzidas observando-se o maior critério
possível de imparcialidade.
No estabelecimento planejado do diálogo político com as partes, um elevado
grau de consentimento e imparcialidade devem ser conquistados e mantidos como
única forma segura para avançar um processo políico que vise a uma paz
sustentável. O diálogo com interlocutores da comunidade internacional também
SOMA/SOFA
ROE
Maintain Political Dialogue
Logistical support
Mission planning Staff recruitmentContingent/force
recruitmentMission financing
Develop legal framework
With Parties
With international community
SDS deployment
Contracting
Mission Asset
Transfer
Movement planning
Police Use of Force Directive
Recruitment
Mission transfers
Material resource planning
Experts on mission (UNMO/Police)
Movement planning
Pre-deployment
visits
TCC/PCC Recce Visits
Conduct MOU
negotiations
Budget authorized by
General Assembly
Budget defence
Budget estimate
MISSION DEPLOYMENT
Mission Concept
Military CONOPS
Police CONOPS
Support CONOPS
CONOPS for other
mandated tasks
Desenvolvimento
do arcabouço
legal
Diálogo
polí co
Desenvolvimento
de planos
Apoio
logís co
Recrutamento
de staff
individual
Geração de
força /
con ngentes
Financiamento
da OMP
SOMA / SOFA
ROE
DUF
Com as partes
Com a comunidade internacional
Planejamento do material
Uso de estoques
estratégicos
Contratações
Meios de outras OMP
Plano de movimento / desdobramento
Conceito da MIssão
Conceito de Operações
Militar
Conceito de Operações
Policial
Conceito de Operações de Apoio
Outros conceitos para outras tarefas do mandato
Recrutamento de staff civil,
inclusive local
Transferência de staff de
outras OMP
Recrutamento de Obs Mil e Policiais dos
Estados Membros
Visitas de reconhecimento pelos Estados
Membros
Visitas de inspeçào do DPKO aos Estados Membros
Negociações e assinatura do
Memorando de Entendimento
Plano de movimento de contingentes
Estimativa de orçamento
Defesa do orçamento junto
a Assembléia Geral
Orçamento autorizado pela
Assembléia Geral
Desdobramento
da OMP
Consentimento
Imparcialidade
Não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do mandato
Mandato expedido
pelo CS
67
necessita de ambos os princípios, decisivos para que a legitimidade imediatamente
recebida com a autorização da OMP pelo CS seja conquistada e mantida no terreno.
Com relação ao planejamento operacional para o apoio logístico, ressaltam
dois aspectos. O planejamento para a contratação de empresas privadas locais e
internacionais para o fornecimento de apoio logístico à OMP deve obedecer ao
princípio da imparcialidade de modo o mais transparente possível, evitando qualquer
percepção de favorecimento. Um outro aspecto diz respeito aos meios que podem
advir da cooperaçãoo entre OMPs, como por exemplo a cessão de helicópteros de
uma missão para a outra, que influencia tremendamente as capacidades relativas ao
uso da força.
Na concepção e reajuste dos planos operacionais propriamente ditos, cabe
dizer que todos sofrem a influência do consentimento, da imparcialidade e do não
uso da força exceto em autodefesa e em defesa do mandato, especialmente o
conceito da missão, o mais abrangente e do qual os outros conceitos de operação e
planos de trabalho derivam. Nos CONOPS militar e policial o princípio do não uso da
força exceto em autodefesa e em defesa do mandato deve ser registrado de
diversas formas, desde o conceito das ações táticas até o emprego de meios,
passando pelo controle das ações e dos danos colateriais possíveis.
No que tange a contratação de staff individual, o planejamento para a
contratação de recursos humanos locais deve ser realizado com total imparcialidade,
de modo a contemplar as diversas comunidades que formam a população do país
anfitrião. Da mesma forma, observadores militares e policiais individuais a serem
cedidos pelos Estados Membros devem ser convidados a participar com base em
critérios de contribuição dos países membros, geográficos e etc, de modo a que o
princípio da imparcialidade seja claramente demonstrado, sem preferência por
nenhum país contribuinte em particular.
A geração de força de contingentes militares e policiais também apresenta
aspectos com forte presença dos princípios fundamentais. As visitas, inspeções e
avaliações nos países contribuintes, que fiquem a cargo de equipes do DPKO ou da
OMP em formação, devem ser planejadas de modo a atuar no cumprimento de suas
tarefas com a maior isenção e imparcialidade. A imparcialidade também se
manifesta no momento em que a OMP planeja a chegada de contingentes na área
de operações sem favorecimento de país contribuinte quanto as melhores e mais
cômodas áreas operacionais e setores, balizando o seu planejamento estritamente
68
pelo interesse da implementação do mandato. Os três princípios, por sua vez, estão
presentes quando da negociação entre os países contribuintes com tropa (militar ou
policial) e a ONU, já que este tipo de acordo, apesar de administrativo, deve refletir
consentimento, imparcialidade e influenciar de certa forma o uso da força, devido as
questões de localização e apoios que os contingentes terão para fluir suas
capacidades.
Finalmente, neste breve comentário sobre o quadro, ao mirar o orçamento
autorizado pela Assembléia geral para a OMP, é possível notar que o consentimento
é reflexo da contribuição de todos os Estados Membros da ONU para a conta de
peacekeeping, origem dos recursos financeiros para as operações de paz.
5.3 CONCLUSÕES PARCIAIS
O capítulo procurou demonstrar o impacto dos princípios fundamentais no
processo de planejamento operacional. O planejamento à luz do terreno,
subsequentemente ao planejamento estratégico e a criação da OMP é o momento
em que uma nova missão de paz reajusta planos estratégicos e concebe outros
novos de caráter operacional.
É um momento crucial porque a liderança da missão já tem um mandato mas
ainda não tem os meios; está altamente pressionada pelo tempo para estabelecer
um vínculo de confiança com as partes e com o UNCT e entregar os primeiros
resultados.
Os princípios devem necessariamente ser a todo o tempo pensados,
lembrados e analisados pelas equipes de planejamento, em face das demandas,
desafios, da necessidade de construção de alianças, do gerenciamento de
percepções, e etc.
Alguns riscos quanto a uma má impressão que a missão pode causar podem
ser evitados se os princípios são tidos como peças conceituais basilares que devem
ser observados em cada planejamento, pois, na prática, irão em breve ser
traduzidos para ações reais em tarefas de implementação do mandato.
69
6 IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS
Um excelente planejamento operacional deverá proporcionar as melhores
condições para a implementaçãoo do mandato, mas de nenhuma maneira constituir-
se-á em garantia de sucesso.
Em 2013, após muitos anos, o Conselho de Segurança expediu uma
resolução tratando exclusivamente de peacekeeping multidimensional. Entre seus
parágrafos cabe destacar:
¨ [O Conselho de Segurança) enfatiza que a ação integrada entre atores de segurança e de desenvolvimento no terreno requer coordenação com as autoridades nacionais de modo a estabilizar e melhorar a situação de segurança e auxiliar na recuperação econômica, e sublinha a importância de esforços integrados entre as entidades das Nações Unidas no terreno para promover coerência no trabalho da ONU em situações de conflito e pós-conflito.”(UNSCR 2086 – ONU, 2013. Tradução própria).
Essa passagem chama a atenção para as dificuldades presentes na
implementação de mandatos modernos em operações multidimensionais, os quais
propõem tarefas de estabilização e segurança simultâneas a outras voltadas para a
área de desenvolvimento, todas a serem levadas a cabo em um ambiente volátil e
de fácil ruptura, com múltiplos atores da ONU e externos.
A arte de implementação de mandatos depende fundamentalmente de:
a) planejamento estratégico e operacional detalhados e viáveis;
b) de liderança competente e capaz no terreno;
c) da existência de recursos previstos no planejamento;
d) de apoio político consistente do Conselho de Segurança;
e) do relacionamento a ser construído com as partes e outros atores; e, não
menos,
f) da interpretação circunstanciada e da aplicação criteriosa dos princípios
fundamentais das operações de manutenção da paz.
Entre muitos fatores de êxito, sobressai a necessidade de lideranças
talentosas e experientes para levar a cabo tarefas complexas consolidadas em
mandatos ambiciosos.
6.1 OS PRINCÍPIOS E A IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS
Na fase de planejamento operacional, os princípios fundamentais terão um
caráter fortemente prático, em que a tradução dos mesmos pelos planejadores da
70
OMP e atores externos à OMP que participam do planejamento causará influência
direta no comportamento da OMP em face de inúmeros desafios existentes na area
de operações.
Das variadas tarefas de um mandato específico de uma OMP
multidimensional, tem havido nos últimos anos a recorrência de tarefas que de certo
modo tem caracterizado esse tipo de operação de paz, notadamente no que se
chama atualmente de conflito moderno. Algumas destas tarefas tem uma resiliência
histórica e têm-se mantido constantes ao longo da existência da história da
manutenção da paz (monitoramento de acordos de paz e desmobilização e
desarmamento de ex-combatentes, por exemplo). Outras tarefas, por outro lado, são
mais atuais ou são históricas, mas potencializadas em função de desafios impostos
pelo conflito moderno.
Dentre as últimas, as mais recentes, foram escolhidas para efeito desta
discussão quatro tarefas certamente vitais para a implementação de um mandato de
operação de paz multidimensional: o processo politico de paz, o apoio à ajuda
humanitária, a proteção de civis e o apoio ao desenvolvimento.
Uma rápida visão a respeito destas tarefas aponta para:
a) o processo politico como o principal objetivo estratégico da OMP, devendo
ser inclusivo, transparente e pró-ativo, utilizando-se das capacidades da missão de
paz para levar as partes a um acordo duradouro; o processo politico estará ancorado
na busca da solução das causas profundas do conflito, para evitar-se que o conflito
retorne;
b) o apoio à ajuda humanitária como tarefa subsidiária da OMP, em auxílio a
OCHA que organizará o cluster de entidades humanitárias; crises humanitárias
naturalmente potencializam o conflito e oferecem oportunidades para agentes
negativos de toda a ordem;
c) a proteção de civis pelo país anfitrião como uma tarefa central do mandato,
cuja ação ou inação por parte da OMP no contexto de proteção afetará
tremendamente a reputação da missão; e,
d) o apoio às atividades de desenvolvimento, também um apoio de modo
secundário por parte da OMP, muitas vezes em apoio a atividades de peacebuilding,
cujo cluster sera coordenado pelo UNDP.
O Painel Independente de Alto Nível sobre Operações de Paz faz uma
ressalva importante sobre a interpretação dos princípios fundamentais, quando da
71
preparação de planos e da execução das ações e atividades no terreno: que os
princípios jamais sejam usados como desculpa para omissão, especialmente com
relação a defesa do mandato, singularmente quanto a tarefas relacionadas com paz
e segurança e a proteção de civis.
A Capstone Doctrine traz uma discussão relativamente pormenorizada sobre
os princípios fundamentais e a implementação de mandatos que se pretende
explorar com aspectos um pouco mais distintos nos tópicos seguintes.
Para o exame dos princípios fundamentais a ser realizado em sequência,
será considerada uma OMP com capacidade operativa completa (FOC – Full
Operating Capability) alcançada.
Enquanto o consentimento é um princípio com igual peso estratégico e
operacional/tático, a imparcialidade e o não uso da força exceto em autodefesa e em
defesa do mandato são mais visíveis no terreno, no nível operacional.
6.2 CONSENTIMENTO
Antes de tecer considerações sobre as quarto tarefas eleitas para discussão,
é relevante entender alguns aspectos do consentimento quando da implementação
do mandato, de um ângulo de visada voltado para o governo nacional e de outro
voltado para elementos negativos com capacidades militares significativas. Em
ambos os casos, a população também é agente do consentimento e é, ao mesmo
tempo, afetada pela conduta dos atores supramencionados.
O governo nacional como ator. Como discutido anteriormente, o
consentimento estratégico foi dado pelo governo nacional na etapa que precede a
resolução do CS e o consequente planejamento estratégico. O consentimento tático,
o da implementação do mandato, também é considerado pleno por início das
atividades da OMP; entretanto, pode se deteriorar com o passar do tempo e de
situações em que os interesses do governo se choquem com os da operação de
paz.
É o caso de situações exemplificadas a seguir: em que a OMP desagrada o
governo nacional por diferir em projetos de desenvolvimento, ou a OMP é incisiva
quanto a situações de corrupção, ou, ainda, a OMP não é condescendente com
violações de direitos humanos por parte de forças de segurança nacionais.
Grupos armados e outros agentes negativos com capacidades militares como
atores. Aqui cabem duas posições gerais: o grupo armado assinou um acordo de
72
paz, participa do processo politico de paz e mantém o consentimento nas regiões
sob seu domínio; ou o grupo armado não assinou nenhum acordo, não está
interessado em participar do processo político e faz oposição declarada a OMP. No
ultimo caso, o grupo ameaça a OMP e simplesmente não consente na presença da
missão, criando toda a sorte de dificuldades operacionais e de segurança, quando
não tornando-se um antagonista armado que ataca a missão.
Da população local a OMP também espera consentimento pleno. No início
das atividades a OMP goza deste consentimento pleno, pois a população nutre
grandes expectativas com relação a capacidade da operação de paz em alterar
positivamente e de modo rápido o contexto existente. Se a OMP não opera
eficientemente com relação aos outros atores, o governo e os grupos armados, o
consentimento da população decai rapidamente e interfere negativamente na
credibilidade da missão. Este processo gera repercussões muito negativas para a
OMP, pois esta terá dificuldades crescentes quanto a própria segurança de seus
militares, civis e policiais e de obtenção de inteligência necessária a manter a
consciência situacional e operar eficazmente.
Feitas essas reflexões, é possível examinar algumas consequências do
consentimento na implementação de tarefas do mandato.
a) Processo politico de paz. É, sem dúvida, o grande fio condutor da
presença da OMP no país. É o processo principal, em que são
depositadas as esperanças de uma paz duradoura e para o qual
convergem e contribuem uma série de atividades e de tarefas acessórias.
Evidentemente, o consentimento das partes é essencial para que o
processo politico mantenha sua legitimidade inicial e possa ser levado a
bom termo. Atores negativos que não estão interessados em uma solução
política e não dão seu consentimento, acabam por serem alvos de ações
de pressão da OMP (entre estas, possivelmente, ações militares) e da
comunidade internacional para participarem das negociações políticas.
b) Apoio à ajuda humanitária, à proteção de civis e ao desenvolvimento.
Determinados grupos armados que detém domínio territorial do país
regulam o consentimento para estas atividades da OMP e do UNCT.
Enquanto o UNCT e algumas ONGs negociam o acesso a parcelas da
população sob o jugo de grupos armados, a OMP, detentora do poder
militar e com mandato para usá-lo, exerce pressão para que o grupo
73
armado não interfira na liberdade de ação da OMP e que a proteção dos
funcionários da ONU (da OMP ou externos) e da população possa ser
realizada.
6.3 IMPARCIALIDADE
Afora uma confusão conceitual entre neutralidade e imparcialidade carregada
por muitos anos antes do advento das missões multidimensionais e da Doutrina
Capstone, o aspecto mais crítico da imparcialidade na execução do mandato passa
por, principalmente, saber gerenciar a percepção dessa imparcialidade junto ao
governo nacional, aos grupos armados e a população local.
Assim tem sido em muitas missões de paz, em que o relacionamento entre a
OMP, o governo nacional e os grupos interessados no processo politico, pode variar
intensamente em função da percepção de imparcialidade que a missão de paz
passa a esses atores.
Não é uma situação de fácil explicação quando a OMP ataca militarmente um
grupo armado e não um outro; quando tolera a presença de um grupo em uma
região e não em outra. Comunicar as razões pelas quais a OMP atua contra um
grupo em dado momento e não contra outro é fundamental. A OMP deve atuar
sempre em defesa do mandato e comunicar claramente que as agressões ao
mandato por grupos armados serão respondidas, muitas vezes no campo militar.
Para a população deve ser esclarecido porque a OMP age dessa forma, de modo
que a percepção de que a missão é imparcial seja cutivada e mantida.
Como expressão prática de imparcialidade, o Painel Independente de Alto
Nível sobre Operações de Paz é categórico ao afirmar que:
a) a imparcialidade das Nações Unidas no terreno deve ser julgada pela sua
determinação em responder de modo justo às ações das diferentes partes do
conflito, basedo não em quem comete a ação mas na natureza da ação;
b) as missões devem proteger civis independentemente da origem da
ameaça;
c) as missões devem promover o respeito pelos direitos humanos da
população local e dos combatentes por parte de todos os atores, não levando-se em
conta de que parte são apoiadores; e
d) as missões devem buscar soluções políticas respeitosas dos interesses
legítimos e reclamações das partes e da sociedade como um todo.
74
Em uma última consideração sobre imparcialidade, é imperioso afirmar que
uma OMP cujo mandato determina o apoio a forças de segurança nacionais
certamente terá muito maior dificuldade em provar aos interlocutores que é imparcial
e que não está do lado do governo. OMP com mandatos assim, a MONUSCO como
exemplo, necessitam de um excelente planejamento e um forte e ágil componente
de informação pública e comunicação social para gerenciarem a percepção de
imparcialidade de modo adequado.
Na continuação, pode-se verificar algumas considerações sobre tarefas do
mandato.
a) Processo politico. Quando a operação de paz atua com eficiência, a
imparcialidade converte-se naturalmente em credibilidade para que a OMP possa
portar-se como mediadora de um processo político acordado ou planejado, para um
acordo duradouro entre as partes do conflito.
b) Apoio à ajuda humanitária e ao desenvolvimento. É cabível neste tópico a
observação de que qualquer auxílio planejado a uma parcela da população deve ser
transparente e explicado para não suscitar dúvidas quanto a preferências e
favorecimentos que detonem a percepção de imparcialidade.
c) Proteção de civis. As ações de proteção de civis, que normalmente
implicam em salvar vidas, necessitam de muito maior precaução e detalhamento no
planejamento, a fim de prevenir que uma desastrosa percepção de favorecimento a
comunidades e grupos populacionais específicos não aflore.
6.4 NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO
MANDATO
O princípio do não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do
mandato pode ser olhado de pontos diferentes e interessantes, para além do
constante na Doutrina Capstone.
Na Doutrina Capstone é realizada a discussão que diferencia manutenção da
paz robusta de imposição da paz. Além disso, peacekeeping robusto é elucidado,
com explicações satisfatórias quanto ao uso de todos os meios necessários da OMP
para fazer cumprir o mandato, incluindo a proteção de civis da população de ataques
de grupos armados. A Doutrina chama a atenção do leitor pelo entrelaçamento que
o uso da força tem com o consentimento:
¨ O uso da força pela operação de manutenção da paz das Nações Unidas
75
sempre tem implicações políticas e pode frequentemente dar vazão a circunstâncias não previstas. Julgamentos e análise para seu uso necessitarão ser feitos no níveis da missão apropriados, baseados em uma combinação de fatores, incluindo a capacidade da missão, as percepções públicas, o impacto humanitário, a proteção da força, a segurança do pessoal e, de modo mais importante, o efeito que tal ação terá no consentimento da missão junto a população local e nacional”. (Doutrina Capstone – ONU, 2008. Tradução própria).
Essa passagem traz a mente a sensibilidade que existe em usar a força como
último recurso, mesmo quando a OMP é robusta, perfeitamente autorizada e dotada
dos instrumentos legais e operacionais.
Realizada esta digressão, pode ser importante discutir pontos relativos a
expressão quase sempre presente nos mandatos multidimensionais: “emprego de
todos os meios necessários” e também debater alguns aspectos relacionados com a
presença de grupos terroristas em missões de paz e uso da força ofensivamente,
facetas reais de alguns conflitos modernos.
O emprego de todos os meios da missão para fazer cumprir, ou defender, o
mandato tem uma acepção que parece clara mas necessita obrigatoriamente do
foco concentrado nas tarefas da resolução do CS que dizem respeito a esta
expressão. Dos diversos parágrafos de uma resolução do CS poucos estão
conectados a esta expressão. Ela tem usualmente vindo conectada a proteção de
civis e tem caráter coercito do Capítulo VII da Carta da ONU. É certo, nesse ponto,
que diferentes ameaças devem ser enfrentadas com diferentes medidas de uso da
força, podendo variar da dissuasão até ações ofensivas diretas sobre um oponente
que ofende o mandato.
Para não produzir ambiguidades quanto ao “uso de todos os meios”, a OMP
deve expedir orientações claras quanto ao uso da força, específicas para os
componentes militar e policial. O componente militar, em particular, existe na
estrutura da OMP exatamente para que o uso da força tenha uma dosagem
adequada a uma operação de manutenção paz, mesmo as mais robustas. As
capacidades militares para empregar a força são atingidas por meio de treinamento
e preparação operacional e logística antes da missão e são mantidas durante a
mesma por meio de treinamento complementar. OMP com componentes militares de
vulto e mandato robusto, como a MONUSCO, a UNMISS, a UNAMID, a MINUSMA e
outras, exigem pessoal militar e equipamento de primeira ordem, com capacidades
operacionais de ampla envergadura.
O terrorismo internacional tem estado presente nas últimas décadas em
76
muitos dos conflitos. Em algumas das missões multidimensionais da ONU há um
pequeno número de grupos que utilizam do terror para tentar obter seus objetivos
políticos. Um destes exemplos se encontra na MINUSMA (Missão Multidimensional
Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali), em que foi detectada a
presença de grupos terroristas na área de operações e na área de interesse da
missão, que eventualmente engloba alguns espaços vizinhos. Esta é uma discussão
atual e que se impõe pela realidade do contexto operacional no terreno.
De modo sumário, é possível dizer que a MINUSMA foi criada em 2013 para
substituir a missão de peacekeeping africana então vigente, a AFISMA (African-led
International Support Mission in Mali – Missão de Apoio Internacional liderada pela
África no Mali), desdobrada pela Comunidade Econômica de Estados do Oeste
Africano (ECOWAS - Economic Community of West African States) . Em um país
enorme como o Mali, as duas principais forças confrontantes são o Governo e o
grupo armado tuaregue do norte do país, denominado Movimento para a Liberação
do Azawad (MNLA - Mouvement national pour la libération de l’Azawad). Um ator
perturbador desse cenário é o grupo Al Qaeda do Magreb Islâmico (AQIM - Al-Qaida
in the Islamic Maghreb), que emprega o terrorismo. A MINUSMA, e tampouco a sua antecessora africana, foram concebidadas
para atuar em um cenário como esse, com a atuação efetiva de um grupo terrorista
e de grupos armados com táticas que se aproximam do terror. Dessa forma, foi
solicitado pelo CS a um Estado-Membro militarmente capaz e culturalmente e
politicamente vinculado, a França, para que interviesse militarmente e reduzisse os
grupos terroristas e outros oponentes ao processo de estabilização, situados ao
norte do país. A campanha francesa, em combinação com as Forças de Defesa do
Mali, foi bem sucedida e limpou a área, preparando o terreno para a assunção de
responsabilidades pela MINUSMA.
Desde então, a presença francesa foi então reduzida e a MINUSMA ocupou
as suas posições no país, passando a enfrentar crescente resistência de grupos
armados no norte. A OMP não estava e não está preparada para enfrentar ameaças
terroristas, nem foi dotada de mandato para isso. Da mesma forma, a coordenação
de ações entre a OMP e uma outra força com tarefa de contra-terrorismo no mesmo
ambiente operacional (no caso em tela a tropa francesa) é complexa e difícil. Para
os grupos antagonistas, muitas vezes não há distinção entre as diferentes presenças
estrangeiras no Mali.
77
Os países contribuintes com tropas e com indivíduos isolados, em sua imensa
maioria, não concordam com uma missão de paz da ONU com este tipo de tarefa
(de contra-terrorismo). As investigações realizadas pelo Painel Independente de Alto
Nível sobre Operações de Paz com países contribuintes, instituições acadêmicas,
entidades da ONU, centros de treinamento e missões de paz conclui na mesma
linha de pensamento:
¨ O Painel acredita que as operações de manutenção de paz das Nações Unidas, devido a suas composições e naturezas, não são adequadas para serem engajadas em operações militares contra-terrorismo. Elas não dispõem de equipamento específico, inteligência, logística, capacidades e de preparação militar especializada requeridas, entre outros aspectos. Tais operações deveriam ser levadas a cabo pelo governo do país anfitrião, ou por uma força regional com capacidades necessárias, ou por uma coalizão formada segundo o contexto”. (Relatório do HIPPO – ONU, 2015. Tradução própria).
A experiência de campo e o lamentável elevado número de baixas e
fatalidades de peacekeepers na MINUSMA tem comprovado essa concepção. Pode-
se inferir, desse modo, preferencialmente, que, ou uma OMP não deveria ser
desdobrada em um contexto operacional com presença terrorista, ou a OMP deveria
ser desdobrada se uma separação de tarefas e geográfica (distintos ambientes de
atuação) fosse possível enter ela e outra força militar com missão contra-terrorismo..
Um terceiro e tópico merecedor de discussão no que tange ao uso da força é
o que alguns tem chamado de militarização de peacekeeping, expressão cunhada
em função do passo dado na MONUSCO com a criação da Brigada de Intervenção
da Força (FIB – Force Intervention Brigade). É preciso antes recordar que a Doutrina
Capstone prescreve que: ¨…o uso da força para influenciar e deter grupos negativos
que trabalham contra o processo de paz ou buscam causar mal a civis, e não
procurar a derrota militar dos mesmos.” Em favor da MONUSCO e contra grupos
armados altamente agressivos e violadores do mandato o CS abriu uma exceção.
Em março de 2013 o Conselho de Segurança deu um passo ousado na
direção do uso da força além da autodefesa, ao autorizar um mandato específico e
de caráter ofensivo para uma parcela do componente militar da MONUSCO. O CS
estabeleceu uma Brigada de Intervenção da Força militar (uma nova força com
aproximadamente 3000 homens para fazer parte do componente militar da OMP).
Houve uma reação intensa contra essa iniciativa por parte de alguns entes da
academia, de instituições de treinamento e de países contribuintes com tropas, que
78
clamavam que a militarização de peacekeeping iria transformar a manutenção da
paz em imposição da paz.
Do ponto de vista conceitual a preocupação não se justificaria, já que
peacekeeping robusto depende do consentimento estratégico enquanto a imposição
da paz não, e o Governo da República Democrática do Congo concordou com a FIB.
Na prática, havia uma preocupação justificada, de que as ações ofensivas da FIB
iriam produzir efeitos nefastos na proteção da força como um todo, além da uma
perda imediata da percepção de imparcialidade que a MONUSCO procurava manter.
A FIB tinha um mandato com alguns elementos novos, dos quais pode-se
destacar a autorização para “conduzir operações ofensivas contra alvos específicos
de grupos armados que ameaçem a autoridade do Estado e a segurança da
população civil, com ou sem a participação das Forças Armadas e de Segurança da
República Democrática do Congo”. Como pode-se deduzir, a FIB poderia então
realizar ações preventivas com o uso da força; não havia mais a necessidade de
esperar a agressão por parte do grupo armado; era possível antecipar ações e ir ao
encalço dos grupos armados para proteger civis.
A FIB atuou circunscrita a certas áreas, coordenada com o restante do
componente militar, e dentro de um conceito de operações que criava ilhas de
segurança e depois as expandia com o apoio das Forças Armadas nacionais. A FIB
obteve grande sucesso ao reduzir e desbaratar o poderoso grupo armado M-23, que
havia conquistado a cidade de GOMA (com mais de um milhão de habitantes no
leste do país) e continua atualmente atuando com ações altamente positivas que
vem recuperando a credibilidade da MONUSCO junto a população, ao governo e a
comunidade internacional.
A despeito dos resultados e efeitos positivos e dos benefícios visíveis que a
FIB proporciona ao país e a MONUSCO, o CS e a ONU tem sido extremamente
prudentes em não enxergar na Brigada de Intervenção uma nova solução para as
OMP com mandatos robustos. Ao contrário, o consenso internacional tem indicado
que a FIB é uma experiência bem sucedida para o contexto da MONUSCO, não
necessariamente uma panaceia curativa para o emprego robusto da força em
peacekeeping.
O último comentário a respeito do princípio é relativo ao uso da força pela
OMP contra forças de segurança nacionais. Um verdadeiro dilema persegue as
missões nesse sentido. As OMP devem ser profundamente cautelosas em usar a
79
força contra forças de segurança de países anfitriões, mesmo quando possuem
mandato e autorização para fazê-lo, e se verificam violações contra cidadãos do
país. Em situações como essas, o uso da força afeta diretamente o consentimento
do país anfitrião para que a missão possa operar sem restrições.
Se o mandato da OMP impõe à missão de paz o apoio às forças armadas
nacionais (como no caso da MONUSCO e da UNMISS) este tipo de problema se
agrava e o uso da força acaba por passar por deliberações políticas delicadas, para
pesar os prós e contras de uma ação de força. Naturalmente, se a OMP não age
contra uma flagrante violação de direitos humanos, a sua credibilidade é fortemente
minada e a população pode passar para uma atitude de indiferença e até mesmo de
hostilidade. Há ainda consequências óbvias de perda de credibilidade junto a
comunidade inernacional, com pressão da imprensa internacional.
No prosseguimento, o princípio do não uso da força exceto em autodefesa ou
em defesa do mandato será explorado quanto as tarefas do mandato.
a) Processo politico. O correto emprego do princípio pela OMP é vital. Se a
missão se omite, falha; se se excede, falha. As falhas são exploradas politicamente
e embargam o processo político. A operação deve ser precisa no uso da força para
que tenha credibilidade e legitimidade para conduzir o processo político.
b) Apoio à ajuda humanitária e ao desenvolvimento. É relativamente comum o
apoio militar a atividades de caráter humanitário e de desenvolvimento. Por outro
lado, nem sempre a realização do atividade humanitária diretamente pelo
componente militar em subsittuição aos atores com mandato para cumprir estas
tarefas é bem vinda.
O uso da força para a proteção de comboios e de instalações de estocagem
de suprimentos e para apoio a outros empreendimentos similares deve ser levada a
cabo com extremo cuidado devido a sensibilidade que este apoio tem para os
agentes civis (Há regulações internacionais e as OMP normalmente estabelecem
protocolos detalhados). Estes agentes humanitários e de desenvolvimento temem
que o seus espaços operacionais sejam invadidos e que a população civil confunda
a OMP e sua força militar com eles, com possíveis consequencias quanto a
segurança e apoio da população local às suas atividades.
c) Proteção de civis. Na estrutura da OMP o componente militar quase
sempre possui o monopólio do uso da força e está autorizado a exercê-lo, muitas
vezes de modo robusto. De outro ângulo, uma das tarefas centrais do mandato é a
80
proteção de civis, com altas expectativas de proteção pela população do país
anfitrião. A OMP enfrenta inúmeros desafios para uma aplicação adequada,
proporcional e dosada do uso da força em suas operações militares, dentre elas, a
de distinguir entre combatentes e não combatentes no seio da população local, para
evitar danos colaterais e riscos às pessoas a serem protegidas. A aplicação da força
pelos militares deve também buscar a coordenação com os outros componentes, de
forma que a resposta de proteção seja multidimensional.
O entrelaçamento entre o uso da força, a imparcialidade e o consentimento é
cristalino durante as operações militares na implementação do mandato. Se a força
é necessária e é bem aplicada, contra um grupo negativo para proteger uma
comunidade de pessoas, a percepção de imparcialidade e o consentimento devem
ser bem gerenciados pela OMP. Desse modo, os vários atores no terreno podem
entender o que aconteceu, porque aconteceu e que atitudes a força militar tomou.
Os atores militares que estão próximos a comunidades a serem protegidas devem
explicar as sus capacidades e limitações como parte da gestão de expectativas. Um
deslize operacional no uso da força, por ação ou omissão, cria dificuldades enormes
para a manutenção dos outros princípios.
6.5 CONCLUSÕES PARCIAIS
E interessante observar que a aplicação judiciosa dos princípios fundamentais
das OMP e sua tradução para entendimentos de caráter prático no terreno
influenciam de modo marcante o cumprimento das atividades preconizadas no
mandato.
Não é nada fácil fazer esta tradução, dos princípios para normas de ação dos
componentes da OMP, de forma que os diferentes atores e em especial aqueles
externos à missão, particularmente o governo e a sociedade local e os agentes
negativos, percebam que eles são aplicados com clareza. Para a OMP é vital que a
legitimidade que os princípios fornecem quando bem aplicados seja conquistada e
mantida.
A OMP é configurada operacionalmente durante o planejamento operacional
e a implementaçãoo mandato, quando os ajustes são realizados, de modo a cumprir
as atividades previstas. A legitimidade da atuação da OMP, porém, necessita ser
conquistada durane a implementação do mandato, junto aos diversos atores em
presença e mesmo junto aqueles que não estão no terreno, como os países
81
limítrofes, os integrantes do CS, os países doadores de recursos financeiros para
projetos econômicos importantes e muitos outros. Por isso, a legitimidade nesse
caso é conquistada e não imediata, como ocorre quando da autorização do CS e do
país anfitrião para o desdobramento da missão.
Quando planejadores esquecem da importância dos princípios e procuraram
acelerar o planejamento com base em experiências de outras OMP, falhas de
concepção se reletirão na implementaçãoo do mandato.
Pode-se concluir parcialmente que os princípios estão formulados de modo
coerente e são de incorporação viável durante o planejamento operacional e a
implementação do mandato, desde que haja a atenção devida e, por vezes, a
coragem necessária para que não sejam omitidos.
82
7 CONCLUSÃO
As Operações de Manutenção da Paz estabelecidas pela ONU evoluíram
tremendamente desde a sua inserção como instrumento político da comunidade
internacional. Esta evolução foi dramática e episódica, por ter sido algumas vezes o
resultado de catástrofes operacionais. Deve-se ainda considerar os princípios
fundamentais foram finalmente concebidos e conformados somente em 2008,
mediante consenso atingido pela comunidade internacional.
A figura abaixo procura demonstrar, de forma conclusiva, as interações entre
os princípios fundamentais, os processos de planejamento, a implementação do
mandato e os diferentes atores, em termos das principais ações de relacionamento.
Figura 5: Planejamento e Implementação do Mandato e os Princípios Fundamentais
Fonte: concepção do autor.
O quadro apresenta as duas zonas em que flutuam os princípios, as quais
não pertencem exclusivamente e não ocupam lugar fixo em nenhuma delas:
83
a) a zona de configuração político-estratégica, nascedouro da OMP, que
surge ccom sua legitimidade imediata, entre outras razões, adquirida da autorização
do CS e do consentimento do país anfitrião; zona do planejamento político-
estratégico; e,
b) a zona de configuração operacional, em que a OMP toma corpo com a
chegada dos recursos humanos e materiais e estabelecimento de estruturas e
processos, e que deverá litar obstinadamente por conquistar e manter a sua
legitimidade no terreno em face de desafios impostos pelos diferentes atores; zona
do planejamento operacional.
O quadro permite ainda verificar que existe uma clara interdependência:
a) entre os princípios, sempre norteadores dos processos, mas por eles
também influenciados; e entre os princípios e os atores no terreno, influenciando-se
mutuamente;
b) entre os processos de planejamento e de implementação do mandato e os
atores, seja pela participação nos planejamentos e na execução das tarefas do
mandatos, seja pelas influências significativas que determinados atores exercem
sobre os processos.
O consentimento tornou-se o principal princípio de caráter estratégico, sem o
qual não pode haver peacekeeping das Nações Unidas e pelo qual se faz a
diferenciação para peace enforcement. O consentimento internacional para a OMP é
legítmo desde a partida, ou seja, desde que o país anfitrião concordou com a
presença da ONU e o Conselho de Segurança autorizou a missão de paz. O
consentimento tático, no terreno, não é absoluto e necessita de atenção permanente
para que a legitimidade internacional e em operações no país anfitrião seja
conquistada durante a implementação do mandato. A figura abaixo mostra algumas
atividades relacionadas ao consentimento, nos campos político-estratégico e
operacional-tático.
84
Figura 6: Ações e atividades relacionadas com o Consentimento
Fonte: concepção do autor.
A imparcialidade no nível estratégico é inicialmente o produto da presença
consentida da OMP, e de sua configuração por elementos internacionais, de
diferentes regiões e países sob o objetivo justo de implementar um mandato que
vise a paz duradoura. Quando da execução do mandato, no nível operacional-tático,
a OMP aturá de modo imparcial, mas não neutro, e lutará para gerenciar uma
percepção de imparcialidade junto aos outros atores no terreno e a população local.
Uma zona de configuração político-estratégica e de legitimação imediata é
constituída quando o consentimento a nível político-estratégico é obtido para o
planejamento e estabelecimento de uma OMP, e a imparcialidade inicial é admitida
quando uma missão de paz com grande presença internacional é montada.
Autorização do país
anfitrião C
Posicionamento das organizações
regionais (OTAN, UE, UA)
Apoio dos Membros
Permanentes do CS
Apoio de doadores
econômicos
Condução eficiente
do processo polí co
Papel imparcial da
mídia internacional
Estabelecimento de
Mandato robusto
Condução eficiente
do processo polí co
C
Autorização do país
anfitrião
Convivência posi va com as
forças de segurança nacionais
A tude favorável
dos países da região
A tude favorável
dos países da região
A tude dos grupos
antagônicos
Papel favorável dos
parceiros da OMP
A tude colabora va
do UNCT
A tude colaboratva ou
refratária de ONGs
Apoio da sociedade
civil
Condução eficiente da
comunicaçãp pública
Ação de grupos
terroristas
Polí co
Estratégico
Operacional
Tá co
85
Figura 7: Ações e atividades relacionadas com a Imparcialidade
Fonte: concepção do autor.
O princípio do uso da força em defesa própria e em defesa do mandato
também influi de modo relevante no planejamento político-estratégico .mas tem a
sua maior aplicabilidade no planejamento operacional e na implementação do
mandato. É um princípio que mandatoriamente necessita de atores capazes e
maduros para aplicar a força com postura, firmeza e iniciativa, uma combinação que
exige alto nível de treinamento militar e policial, doutrina e equipamentos em dia e
excelente liderança em todos os níveis de comando. Este princípio é aquele que
mais influi no terreno na percepção dos demais porque o seu emprego gera
consequências benéficas ou desastrosas para a credibilidade e legitimidade da
OMP, por ação ou omissão.
Promoção de
eleições justas
C Gerenciamento eficiente da
percepção de imparcialidade
Apoio dos Membros
Permanentes do CS
Legi midade do
mandato
Condução imparcial
do processo polí co
Papel imparcial da
mídia internacional
Caráter internacional da
OMP
Comunicação imparcial
do processo polí co
I
Pró-a vidade da
liderança da OMP
Ação firme contra violações do
mandato / não neutralidade
Apoio imparcial para a vidades
humanitárias e de desenvolvimento
A tude imparcial para com os
países da região
Ação imparcial da
mídia nacional
Apoio único a todas as
comunidades nacionais
Distribuição igualitária da
ajuda econômica
Gerenciamento eficiente da percepção
de imparcialidade
Condução eficiente da
comunicaçãp pública
Polí co
Estratégico
Operacional
Tá co
Distribuição justa da ajuda
econômica Condução eficiente da
jus ça de transição
Contratação criteriosa de
recursos humanos locais
86
Figura 8: Ações e atividades relacionadas com o Não Uso da Força Exceto em
Autodefesa e em Defesa do Mandato
Fonte: concepção do autor.
É significativo entender as razões pelas quais os princípios fundamentais das
operações de manutenção da paz são tão relevantes para o planejamento e
execução e porque a sua não observância em todas as fases da vida de uma OMP
será fator causal para o fracasso.
Os princípios tardaram a surgir na sua atual forma doutrinária e somente em
2008 puderam ser totalmente compreendidos e liberados como o produto de
consenso inernacional. Este trabalho buscou marcar a relevância dos princípios no
curso dos processos atuais de planejamento e implementação do mandato,
insistindo na inevitabilidade da inserção analisada dos mesmos, para o bem do
cumprimento das tarefas do mandato.
Os princípios parecem estar adequados ao seu tempo: eles são flexíveis o
suficiente para as interpretações positivas com fins de aplicação nos níveis político-
estratégico e operacional, assim como para funcionarem como bases orientadoras
para a implementação do mandato. É certo, porém, que não preocupar-se
constantemente em tê-los como pilares dos planejamentos estratégico e operacional
e, também, da implementação do mandato pode gerar distorções importantes nas
concepções e ações de uma OMP.
Relacionamento posi vo com as
forças nacionais de segurança
C
Apoio dos Membros
Permanentes do CS
Visitas ao terreno por elementos-
chave (CS, DPKO/DFS)
Não interferência
dos países da região
Planejamento
operacional detalhado
Posicionamento favorável de ins tuições
acadêmicas e de paz e segurança
Engajamento favorável de TCC/PCCs na
implementação do mandato
Formulação operacional
clara e adequada
UF
Autorização do país
anfitrião
Convivência posi va com as
forças de segurança nacionais
Autorização do país
anfitrião
Extensão da autoridade do
Estado
Apoio às forças nacionais de segurança
(treinamento e profissionalização)
Cooperação entre
OMP
Manutenção dos níveis de
eficiência (treinamento)
Proteção de civis
Redução das ameaças
Polí co
Estratégico
Operacional
Tá co
Emprego de
moderna tecnologia
87
Em peacekeeping, a liderança é o principal fator que conduz a interpretação
correta dos princípios e sua aplicação: liderança no planejamento e na execução.
Enquanto é compreensível que a OMP tenha mais presente em mente os
princípios durante a implementação do mandato e procure analisá-los com
frequência na execução das tarefas, o mesmo não pode ser afirmado durante os
planejamentos estratégico e operacional. Nas fases de planejamento, o tempo por
vezes conspira contra o pensamento analítico baseado nos princípios, cuja
discussão sempre será necessária, como este trabalho procurou demonstrar.
______________________________________ JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES-Cel Cav
88
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