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Os Princípios Fundamentais, o

Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITOESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

Cel Cav JOSÉ RICARDO

Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das

Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao

Conflito Moderno

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITOESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

Cel Cav JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES

Rio de Janeiro

2016

Planejamento das

Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO

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Cel Cav JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES

Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das

Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao Conflito

Moderno

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito do Programa de Pós-graduação lato sensu em Ciências Militares.

Orientador: Cel Cav MÁRCIO BESSA CAMPOS

Rio de Janeiro

2016

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N972p Nunes, Ricardo Vendramin

Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao Conflito Moderno. / Ricardo Vendramin Nunes. 一2016.

91 f. : il. ; 30 cm.

Orientação: Márcio Bessa Campos. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Altos Estudos em Política e Estratégia)一Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2016.

Bibliografia: f. 88-90.

1. OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU. 2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS.

3. PLANEJAMENTO. I. Título.

CDD 355.4

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Cel Cav JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES

Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das Operações de Paz

e suas Perspectivas em face ao Conflito Moderno

Aprovado em Rio de Janeiro - RJ, ______/_____/______

COMISSÃO AVALIADORA

__________________________________________ MÁRCIO BESSA CAMPOS - Cel Cav - Presidente Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

_______________________________________________ JOSÉ HELENO ZANGALI VARGAS - Cel Com - Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

________________________________________________________ CANDIDO CRISTINO LUQUEZ MARQUES FILHO - Cel Art - Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito do Programa de Pós-graduação lato sensu em Ciências Militares.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família a paciência e o estímulo constantes, permitindo-me a

tranquilidade para dedicar tempo ao trabalho.

Agradeço ainda ao meu orientador pela amizade e respeito com que conduziu os

trabalhos.

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“A mudança começou na Somália, onde nós descobrimos que nós estávamos envolvidos em uma operação onde não havia paz; dessa forma, não havia mais uma operação de manutenção da paz porque não havia paz.” (Boutros Boutros-Ghali)

“A imparcialidade das Nações Unidas permite negociar e operar em alguns dos mais duros lugares do mundo. E ao longo do tempo, estudos tem mostrado que UN peacekeeping é de longe mais efetivo e feito com menos dinheiro do que qualquer governo possa fazer por si próprio.” (Ban Ki-moon)

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RESUMO

Na última década a Organização das Nações Unidas vem testando os princípios

fundamentais que regulam suas operações de manutenção da paz (OMP), algumas

das quais vem sendo sacudidas por terrorismo, gravíssimas violações de direitos

humanos, agressões de agentes não estatais e um fluxo enorme de refugiados e

deslocados. Os princípios estão adequados e atuais à realidade do planejamento

para as OMP? A implementação dos mandatos é realizada com a observância dos

princípios? Estas são questões cruciais que permeiam o uso do chamado

instrumento político peacekeeping, uma solução ad hoc inovadora para crises

internacionais relacionadas a paz e segurança, funcionando por mais de 70 anos.

Como ferramenta e iniciativa legítima da comunidade internacional, a manutenção

da paz tem evoluído ao longo do tempo conforme os desafios internacionais foram

sendo propostos às Nações Unidas. Neste percurso, foram colhidas vitórias e

fracassos que ultimamente moldaram nos últimos dez anos um modelo de

planejamento e intervenção consentida em Estados-Membros da Organização das

Nações Unidas. Os princípios fundamentais das operações de paz propõem a

regulação e a dosagem dessas intervenções. Enquanto princípios sólidos e

norteadores da atuação de diversos segmentos da Organização, eles não são

compulsórios para uma multidão de atores que participam da execução da

manutenção da paz mas não pertencem a ONU. Este trabalho busca discutir a

adequabilidade e a atualidade dos princípios fundamentais em relação ao

planejamento para operações de paz em ambientes complexos e voláteis,

normalmente caracterizados como áreas em que ocorre o conflito moderno.

Palavras-chave: Organização das Nações Unidas; ONU; operações de

manutenção da paz; princípios fundamentais das operações de paz; planejamento e

implementação de mandatos; conflito moderno.

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ABSTRACT

In the last decade the United Nations is putting to test the fundamental principles

which regulate peacekeeping operations (PKO), some of them shaken by terrorismo,

grave human rights violations, agressions by non-state agentes and a huge flux of

regugees and deslocated persons. Are the principles adequate and updated to the

planning reality of peacekeeping? Mandate implementation is undertaken under the

full observance of the principles? These are crucial questions that intermingle the use

of the political instrument called peacekeeping. instrumento político peacekeeping,

an ad hoc solution for international peace and security crisis, being runned by more

than 70 years. As per a international community legitimate tool and initiative,

peackeeping has evolved with time according to the international challenges being

proposed to the United Nations. Following this path, a number of victories and

disasters shaped what in the last ten years a model for consented intervention in a

Member-State of the United Nations. The Peace operations fundamental principles

guide and regulate these interventions. While solid and orientative for actors within

the Organization, they are not compulsory to a multitude of actors who participate in

peacekeeping but are not part of the United Nations. This study seeks to discuss

adequability and applicability of the fundamental principles and planning processes

of peacekeeping in complex and volatile operational environments, usually known as

areas of modern conflict.

Keywords: United Nations; UN; peacekeeping operations; fundamental

principles of peace operations; mission planning and mandate implementation;

modern conflict.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Visão sumária do Processo de Planejamento Estratégico

Integrado......................................................................................................... 29

Figura 2 – Quadro de Planejamento para uma Presença Integrada da ONU

quando há uma OMP ..................................................................................... 36

Figura 3 - Atividades relacionadas ao planejamento operacional ................. 59

Figura 4 - Desdobramento de uma OMP multidimensional e tarefas sob

influência dos princípios fundamentais .......................................................... 66

Figura 5 – Planejamento, Implementação do mandato e os princípios

fundamentais ................................................................................................. 82

Figura 6 - Ações e atividades relacionadas com o Consentimento ............... 84

Figura 7 - Ações e atividades relacionadas com a Imparcialidade ............... 85

Figura 8 - Ações e atividades relacionadas com o Não Uso da Força Exceto

em Autodefesa e em Defesa do Mandato ..................................................... 86

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LISTA E SIGLAS DE ABREVIATURAS

AFISMA

AU

- Missão de Apoio Internacional liderada pela África no Mali

- União Africana

CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha

DDR - Desarmamento, Desmobilização e Reintegração

DFS - Departamento de Apoio ao Terreno

DPA - Departamento de Assuntos Políticos

DPKO - Departamento de Operações de Manutenção da Paz

EB - Exército Brasileiro

ECOWAS

EU

- Comunidade Econômica dos Estados do Oeste da Àfrica

- União Européia

EUA - Estados Unidos da América

FIB

HLIPPO

- Force Intervention Brigade

- Painel Independente de Alto Nível sobre Operações de Paz

ITS

JMAC

JLOC

JOC

MHQ

- Serviço de Treinamento Integrado

- Centro de Análise Conjunto da Missão

- Centro de Operações Logísticas Conjunto

- Centro de Operações Conjunto

- Quartel-General da Missão

MINUSMA

MINUSTAH

- Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das

Nações Unidas no Mali

- Missão de Estabilização das Naçòes Unidas no Haiti

MONUSCO - Missão de Estabilização das Nações Unidas na República

Democrática do Congo

OCHA - Escritório para Coordenação de Ajuda Humanitária

OHCHR - Escritório do Alto-Comissário para Direitos Humanos

OMA - Escritório de Assuntos Militares

OMP - Operação de Manutenção da Paz

ONG - Organização Não Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas

OO - Escritório de Operações

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OROLSI - Escritório de Estado de Direito e Instituições de Segurança

PBSO - Escritório de Apoio a Peacebuilding

SRSG - Representante Especial do Secretário Geral

UNCT - Time das Nações Unidas no País

UNDAF - Quadro de Trabalho de Assistência ao Desenvolvimento

UNDG - Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas

UNDP - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

UNDSS - Departamento de Segurança das Nações Unidas

UNHCR

UNMISS

- Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados

- Missão das Nações Unidas na República do Sudão do Sul

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 12

2 METODOLOGIA............................................................................................ 21

2.1 TIPO DE PESQUISA..................................................................................... 21

2.2 COLETA DE DADOS..................................................................................... 21

2.3 TRATAMENTO DOS DADOS........................................................................ 22

2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO.......................................................................... 22

3 O PLANEJAMENTO POLÍTICO-ESTRATÉGICO DE UMA OPERAÇÃO

DE MANUTENÇÃO DA PAZ ........................................................................

23

3.1

3.2

3.3

3.4

3.5

3.6

3.7

4

4.1

4.2

4.3

4.4

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO VISANDO OMP EM ÁREAS DE

CONFLITO MODERNO ................................................................................

PROCESSO DE AVALIAÇÃO E PLANEJAMENTO INTEGRADO ..............

AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA........................................................................

MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO ...............................................................

PLANEJAMENTO INTEGRADO ...................................................................

MONITORAMENTO INTEGRADO ..............................................................

CONCLUSÕES PARCIAIS ...........................................................................

OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO ..........................

CONSENTIMENTO ......................................................................................

IMPARCIALIDADE ........................................................................................

NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO

MANDATO ....................................................................................................

CONCLUSÕES PARCIAIS ...........................................................................

24

27

30

31

33

37

37

39

40

46

50

54

5 O PLANEJAMENTO OPERACIONAL E OS PRINCÍPIOS

FUNDAMENTAIS .........................................................................................

56

5.1

5.2

5.3

6

6.1

PLANEJAMENTO OPERACIONAL VISANDO OMP EM ÁREAS DE

CONFLITO MODERNO ................................................................................

OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL ...........................

CONCLUSÕES PARCIAIS ...........................................................................

A IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS ......................................................

OS PRINCÍPIOS E A IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS .........................

57

63

68

69

69

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6.2

6.3

6.4

6.5

CONSENTIMENTO ......................................................................................

IMPARCIALIDADE ........................................................................................

NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO

MANDATO ....................................................................................................

CONCLUSÕES PARCIAIS............................................................................

71

73

74

80

7 CONCLUSÃO................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................

82

88

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1 INTRODUÇÃO

Historicamente as operações de paz tem sido um instrumento político utilizado

por países e organizações internacionais para a resolução de conflitos. Dentre o

amplo espectro de intervenções internacionais contidas pela expressão operações

de paz, são as operações de manutenção da paz (OMP) levadas a cabo pela

Organização das Nações Unidas (ONU) aquelas que detém a maior legitimidade.

Não há provisão específica na Carta da ONU para a manutenção da paz e esta

surgiu como uma solução política adotada no fragor de crises internacionais do pós-

guerra, com uma institucionalização e regulamentação crescentes desde então. A

OMP a ser examinada neste trabalho é a que trata do conflito interno, intra-estado,

em que pese muitas das idéias caberem também em situações de conflito

interestado.

A legitimidade das OMP da ONU é normalmente fruto das decisões do

Conselho de Segurança da Organização, célula politico-diplomática com mandato

dos países-membros para a tomada de decisões sobre paz e segurança. Goste-se

ou não do arranjo existente desde a criação da Organização, o Conselho de

Segurança tem funcionado atualmente como sempre historicamente funcionou,

chegando eventualmente a entendimentos que geram ação ou omitindo-se em

interferir em questões relevantes, segundo os interesses dos países participantes do

Conselho, muito particularmente dos membros com assento permanente, em face

de situações críticas que se apresentam no panorama internacional. De qualquer

forma, é patente e absoluta a legitimidade de uma operação de manutenção da paz

(peacekeeping) autorizada pelo Conselho, que em verdade atua em nome de todos

os Estados-Membros da ONU.

A Doutrina Capstone, consolidada pelo Departamento de Operações de

Manutenção da Paz (DPKO) da ONU em 2008 e peça doutrinaria mais elevada do

sistema conceitual da manutenção da paz da ONU, descreve peacekeeping como

uma técnica de intervenção para emprego político, resultado prático de uma

evolução de intervenções baseadas em acordos de paz, que poderá gerar uma

operação de manutenção da paz, sob certos princípios fundamentais e

condicionantes.

“ Peacekeeping é uma técnica concebida para preservar uma paz, embora frágil, onde os combates tenham cessado, e para assistir na implementação de acordos de paz conquistados por meio do estabelecimento da paz. Ao

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longo dos anos, a manutenção da paz tem evoluido de um modelo inicial militar de observação de cessar-fogo e de separação de forças após conflitos entre estados, para incorporar um modelo complexo de muitos elementos – militar, policial e civil – trabalhando juntos para ajudar a construir as fundações de uma paz sustentável. “ (Doutrina Capstone – ONU, 2008. Tradução própria).

Por esta razão, no contexto da manutenção de paz internacional sob o manto da

legitimidade, aquela determinada pelo Conselho de Segurança, o objeto de

investigação e estudo do trabalho são os princípios fundamentais das OMP da ONU.

O objetivo é discutir e confrontar os princípios com os processos de criação, de

planejamento político e estratégico, de planejamento e implementação de mandatos

no terreno, e com aspectos profundamente desafiadores atualmente presentes no

conflito moderno.

As OMP foram criadas com uma solução ad hoc e prática para problemas

internacionais que surgiram com a reorganização de países e forças ao fim da

Segunda Guerra Mundial. A fundamentação teórica destas missões de paz passou a

ser desenvolvida com o passar dos anos e, notadamente, como resultado dos

sucessivos desdobramentos internacionais da ONU em diferentes teatros e

situações de conflito.

O tema peacekeeping tornou-se relevante após alguns empreendimentos

exitosos e passou a contar com agenda própria. Ao fim da primeira missão de paz

da ONU no Congo em 1960 (ONUC – United Nations Operation in Congo), o Comitê

Especial para Peacekeeping da Assembléia Geral foi criado, o denominado C-34, a

fim de ater-se ao assunto com constância e consistência.

Com o fim da Guerra Fria, simbolizada pelo colapso da União Soviética, o

Conselho de Segurança passou a autorizar um grande número de operações de

manutenção da paz. Naquele momento, a ONU parecia ser o ator certo no tempo

certo para resolver questões internacionais. Somente entre 1988 e 1995 o Conselho

autorizou 27 missões, em comparação com 13 autorizadas nos quatro anos

anteriores. A publicação The Blue Helmets, expedida pelo ONU em 1990, traçava o

seguinte cenário:

“A distensão do confronto Leste-Oeste melhorou a cooperação dentro do Conselho de Segurança e proveu excelentes oportunidades para a resolução de conflitos de longa duração. Entretanto, o fim da Guerra Fria também viu outros conflitos emergirem, permitindo o levantamento de reclamações ferozes de identidades sub-nacionais baseadas em etnicidade, religião, cultura e idiomas, que frequentemente resultaram em conflito armado. Para responder a esta nova paisagem política, a comunidade

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internacional voltou-se para a manutenção da paz, que cresceu rapidamente em tamanho e abrangência. (The Blue Helmets – ONU, 1990. Tradução própria)

Após mais de 70 anos de desdobramentos de missões de paz em todas as

regiões do globo, a manutenção da paz está consolidada como um dos mais

importantes instrumentos de intervenção à disposição do CS e da comunidade

internacional.

Como último ponto antes de adentrar a uma breve exposição do contido na

doutrina atual da ONU e seus princípios, é preciso entender o ambiente no qual são

forjadas as decisões e se determinam os parâmetros para o planejamento de uma

operação de manutenção de paz. Interferem diretamente na adoção de

peacekeeping como apoio à resolução de determinado conflito:

a) o contexto político internacional, dentro de um viés multilateral da ONU;

b) a política real e o pragmatismo dos Estados Membros da ONU nos temas

de paz e segurança; e,

c) a política existente e a cultura organizacional representadas nas estruturas

de negociação e de tomada de decisão da ONU.

Sobre a transformação de modelos antigos, ditos tradicionais, em concepções

empregadas na atualidade das OMPs, a Doutrina Capstone, informa que:

“ A transformação do ambiente internacional tem permitido o nascimento de uma nova geração de operações de manutenção da paz multidimensionais. Estas operações são tipicamente desdobradas em situações perigosas após um violento conflito de caráter interno e podem empregar uma combinação de capacidades militares, policiais e civis para apoiar a iimplementação de um acordo de paz abrangente. (Doutrina Capstone – ONU, 2008. Tradução própria).

Como exposto, modernamente, com sua evolução conceitual e prática, as

missões adquiriram um caráter multidimensional, em que uma operação de

manutenção da paz demonstra a presença e a atuação coordenada de componentes

civis, um componente militar e um componente policial. A configuração da missão

quanto ao número e natureza dos componentes é produto das necessidades e

tarefas expressas no mandato autorizado pelo Conselho de Segurança. Uma

definição registrada pelo Serviço de Treinamento Integrado do DPKO (ITS –

Integrated Training Service) sobre operações de paz multidimensionais pode ser

vista a seguir.

¨Operação de caráter multidisciplinar dirigida por uma organização internacional, legitimada para isso, e desenvolvida sob os auspícios da ONU, cujos objetivos são eliminar as ameaças à paz, empregando meios pacíficos ou limitando o uso da força ao nível mínimo

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indispensável¨. (Core Pre-deployment Training Materials – ONU, 2009. Tradução própria).

Os componentes constitutivos da operação de paz desdobrada no terreno

procuram também trabalhar coordenadamente com outras entidades, externas à

operação de paz, que estão desdobradas no mesmo espaço geográfico em que eles

atuam, porém nem sempre com uma mesma visão do processo político de paz , com

objetivos por vezes diferentes e com mandatos razoavelmente distintos. Os atores

eternos referidos podem ser agências e programas das próprias Nações Unidas

(independentes da missão de paz) e outras organizações, governamentais, não

governamentais e internacionais.

Para efeito deste trabalho, serão consideradas com mais ênfase as missões

de paz multidimensionais em situações de conflito intra-estado. Situações de conflito

interestados seguem os mesmos princípios, mas as missões de paz mais complexas

e desafiantes da atualidade e que servem ao propósito da discussão proposta pelo

trabalho se enquadram na situação de conflito interno.

Sobre todos os atores que estão envolvidos na estabilização de um país

recipiente de uma operação de paz, sejam eles da missão ou atores externos,

repousam os princípios fundamentais das OMP descritos na Doutrina Capstone.

Para os primeiros, os princípios tem caráter mandatório; para os últimos, podem ou

não servirem de ponto de orientação. Por essas razões, a idéia básica que

impulsiona este trabalho é analisar os princípios que correntemente regem as OMP

da ONU e suas relevâncias para o planejamento e execução da operação de

manutenção da paz, para seus parceiros e outros atores, em face da complexidade

apresentada pelos conflitos modernos. O caminho a seguir passa por entender como

os princípios fundamentais impactam sobre os processos de planejamento e de

execução de uma OMP.

A Doutrina Capstone delibera e esclarece o significado dos princípios

fundamentais das OMP, a saber: a imparcialidade, o consentimento e o não uso da

força exceto em autodefesa e em defesa do mandato da missão de paz. Os

princípios estão, desta forma, há quase uma década, detalhadamente explicados na

Doutrina da ONU.

Vamos nos ater, na sequência desta introdução, de modo sumário, aos

princípios como definidos na doutrina e tecer considerações que servirão ao

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prosseguimento do trabalho. Nos capítulos seguintes o assunto será mais

detalhadamente discutido.

O primeiro princípio enumerado na doutrina é o princípio do Consentimento.

Em sua acepção político-estratégica, o princípio do consentimento implica em

legitimidade e, por outro lado certa limitação, ao planejamento e configuração de

uma operação de paz. De modo muito geral, a legitimidade é dada pela autorização

do CS e pelo consentimento do país anfitrião da missão. Quando, no entanto, a

OMP está operando no terreno, o grau de consentimento pode produzir limitações

variadas, em função de que a própria presença da OMP no país pode ver

restringidas determinadas necessidades operacionais, como por exemplo a

imperiosa necessidade de intervir usando a força contra tropas do país hospedeiro

da missão que estejam cometendo abusos contra a população local. O

consentimento nunca é absoluto, definitivo e permanente.Na continuação deste

trabalho vamos explorar esta e outras situações.

A imparcialidade, como segundo princípio fundamental, é vital para que a

OMP seja percebida como justa e legítima. A doutrina enfatiza que esta

imparcialidade não pode ser confundida com neutralidade. Deste modo, os

peacekeepers devem agir para defender o mandato da missão e não permanecerem

neutros, mesmo que utilizando a força, se uma parte do conflito não respeita o

mandato da missão e, por exemplo, ataca a população civil do país. Por outro lado,

na prática cotidiana da imparcialidade durante o cumprimento da missão, este é um

exercício difícil de ser realizado sem que as partes concluam que a OMP é parte do

conflito ou tem preferências, mesmo que temporárias. Esta é uma discussão

importante a ser feita, pois o assunto deságua em comportamento, credibilidade,

percepção, segurança e eficiência dos integrantes da missão.

O terceiro e não menos relevante princípio é o princípio do não uso da força

exceto em autodefesa e em defesa do mandato. O princípio foi elaborado com vistas

a expandir a clássica idéia de legítima defesa do próprio peacekeeper ou de outrem,

para a defesa das tarefas constantes do mandato da missão. A utilização de força

para defender o mandato proporciona amplas condições para fazer cumprir o

mandato por meio de dissuasão ou pressão direta sobre grupos armados, mas

permite também uma leitura por vezes crítica da atuação da OMP, se a força

empregada for percebida como exagerada.

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Os princípios, de outro ângulo, como enunciados em 2008, procuraram

responder às demandas conceituais da época e dar motor para que o DPKO e o

DFS, em consulta e consonância com a comunidade internacional e os principais

países contribuintes com militares, policiais e aporte financeiro pudessem tomar as

medidas de supressão de deficiências operacionais existentes. Ou seja, os

princípios forneceram o piso conceitual para que a missões avançassem na última

década, em concepção, planejamento, configuração e execução das tarefas do

mandato. Se isto é verdade, também é o fato de que o custo de novas estruturas,

treinamento, equipamento, logística, entre outros fatores, foi elevado para atender as

demandas surgidas.

Dito de outro modo, todo o reestudo e consequente desenvolvimento e

implementação de doutrina de nível político-estratégico e sua tradução para os

níveis operacional e tático aumentou a necessidade de recursos financeiros,

humanos e materiais, em um período em que se viveu uma fortíssima crise

econômica internacional.

Como conclusão parcial, é possível afirmar que os princípios fundamentais

são um interessante objeto de estudo, pois deriva deles, essencialmente, o espírito

das atuais operações de manutenção de paz, em uma visão conceitual que gera

inúmeras consequências de ordem prática nos níveis estratégico, operacional e

tático, seja no planejamento como na execução da operação de paz.

Ainda nesta introdução é preciso posicionar o trabalho no que se entende como

conflito moderno. O que se chama de conflito moderno tem nos dias atuais uma

miríade de definições e percepções, segundo diferentes autores e organizações. A

visão de conflito moderno que desejamos trabalhar será aquela construída com base

na ótica das Nações Unidas. O Relatório Brahimi no ano de 2000, comissionado

pelo Secretário-Geral como painel para estudo das operações de paz, já reportava

aspectos que seriam potencializados no futuro e seriam característicos do conflito

moderno:

“ Desde o fim da Guerra Fria, as operações de manutenção de paz das Nações Unidas foram implementadas como operações complexas em um contexto de conflito intra-estatal. Estes cenários de conflito, no entanto, afetam e são afetados por vários agentes externos: patronos políticos; fornecedores de armas; mercadores de commodities ilícitas; potências regionais que enviam suas próprias forças para a luta; e países vizinhos que acolhem refugiados, que por vezes são sistematicamente obrigados a fugir de suas casas. .......... esses conflitos muitas vezes são decididamente transnacionais em essência. (Relatório Braimi - ONU 2000. Tradução própria).

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Assim sendo, há alguns aspectos que aparecem com certa constância mesmo

na diversidade de opiniões que buscam caracterizar o que se passa atualmente em

determinadas áreas de conflito. Dentre estes aspectos destacam-se no conflito

moderno: a presença de atores não-estatais com capacidades politico-militares

significativas; o conflito em meio a população de centros urbanos com alta letalidade

contra civis; a relativização ou não respeito à Lei Humanitária Internacional; o

enorme número de pessoas deslocadas ou refugiadas; a presença de grupos

fortemente armados; a eventual ação de terrorismo; as raízes do conflito de

natureza étnico-religiosa e nacionalista, entre outros. O documento Tendências

Recentes mais Marcantes em Conflito Violento, da Universidade das Nações

Unidas, na busca de caracterizar a atualidade do conflito intra-estatal, expressa o

que se segue:

“ Os conflitos estão se tornando mais intratáveis e menos suscetíveis a processos políticos tradicionais devido a três principais fatores: a) o crime organizado tem emergido como um fator estressante que incrementa a fragilidade do Estado, reduz a sua legitimidade, especialmente em períodos pós-conflito e frequentemente diminui os incentivos para que grupos armados entrem em um processo de paz; b) a internacionalização de guerras civis, que tendem a ser mais longas e mortíferas; e c) a presença crescente de grupos extremistas em áreas de missão da ONU, o que complica o estabelecimento da” paz e fortalece uma mentalidade de não intervenção nos peacekeepers. (UNU - ONU, 2014. Tradução própria).

O Relatório do Painel Independente de alto Nível sobre Operações de Paz,

comissionado pelo Secretário Geral e expedido em 2015, também oferece uma

perspectiva, ao situar o contexto e o escopo de estudo:

¨De modo muito preocupante, o número de guerras civis tem aumentado nos últimos anos e os ataques levados a cabo por governos e grupos armados contra civis tem sido incrementados pela primeira vez em uma década. Este processo é composto ainda pela elevação de extremismo violento, que pode ser canalizado para o terrorismo. Uma subida histórica no número de deslocados e refugiados, atingindo mais de 50 milhões de pessoas, resulta em um fardo significativo para os países anfitriões, esticando de modo severo a capacidade de resposta das agências humanitárias. Agregando-se à mantança indiscriminada, abusos chocantes são perpetrados contra civis no seio dos conflitos armados atuais. A violência sexual permanence como uma tática da guerra moderna. Mulheres e meninas estão sujeitas ao sequestro em massa, assim como a conversão e o casamento forçados, e a escravidão sexual. Homens e meninos são mais frequentemente recrutados de modo forçado para lutar ou devem enfrentar uma execução extra-judicial (Relatório do Painel Independente de Alto Nível em Operações de Paz – ONU, 2015. Tradução própria).

As duas citações anteriores traçam um perfil claro da visão das Nações

Unidas sobre o que tem ocorrido nos conflitos atuais. Este inclusive é o perfil de

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diversas OMP que trafegam e operam em ambientes altamente complexos,

enfrentando desafios extremamente difíceis. A esta classe de OMP é nos

referiremos no correr do trabalho, as inseridas em um ambiente de conflito moderno

na concepção das Nações Unidas.

Os princípios fundamentais são o norte que deve permitir a navegação

segura, se a interpretação dos mesmos for correta em todas as fases do

planejamento e da execução da operação de manutenção de paz.

Por mais que seja realizado um planejamento criterioso, os meios para o

cumprimento das tarefas do mandato nem sempre são obtidos junto a comunidade

internacional e, da mesma forma, nem sempre há um processo político orientado à

paz viável a ser conduzido. Por isso, entre outras razões, o impacto deste ambiente

complicado sobre uma operação de manutenção da paz é gigantesco, com a

exposição de deficiências da OMP, de diversas naturezas e grandezas. Estas

deficiências serão abordadas em capítulos posteriores.

Por hora é útil mencionar que o ambiente caracterizado no parágrafo anterior

é realidade em países como a República Democrática do Congo, a República do

Haiti, a República do Sudão do Sul, a República Centro-Africana e a República do

Mali, somente para citar algumas nações com OMP complexas em vigor.

O foco do estudo procurará explicar nos capítulos seguintes as influências

dos princípios fundamentais na formação, planejamento e execução da missão, e a

aplicabilidade atual dos princípios em alguns cenários que carregam alguns

aspectos presentes no conflito moderno, em uma teatro em que há o

desdobramento de uma OMP. Uma avaliação da adequabilidade e as limitações dos

princípios também será realizada mais a miúde, em virtude dos desafios e

obstáculos impostos por áreas de conflito complexas, em que há atualmente

desdobramento de OMP da ONU.

De outro prisma, é preciso ainda examinar com atenção como os princípios

são utilizados para justificar determinados parâmetros que configuram a missão de

paz, bem como entender como estes mesmos princípios podem condicionar a

ausência, a participação, a cooperação e eventualmente a integração de outros

atores (que não são da ONU) com a operação de paz. Estes outros atores que

podem contribuir com a OMP são muitas vezes altamente necessários para que se

chegue a uma paz sustentável.

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Dentro desta linha de pensamento, será visto como a implementação de

mandatos à luz dos princípios fundamentais pode produzir ações e reações nos

parceiros da missão e em outros atores na área da OMP. Atores da missão de paz e

parceiros da missão no terreno podem essencialmente ou circunstancialmente

concordar ou divergir dos princípios e, como resultado, atuar concomitantemente,

para benefício ou prejuízo da operação de paz.

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2 METODOLOGIA

Este capítulo procura definir a metodologia da pesquisa a ser realizada.

2.1 TIPO DE PESQUISA

Quanto à classificação desta pesquisa, define-se como qualitativa e

fenomenológica, já que se almeja identificar, descrever e interpretar quanto a

aplicabilidade e atualização os aspectos mais importantes dos princípios

fundamentais das operações de manutenção da paz da ONU.

No que diz respeito a finalidade, a pesquisa pode ser considerada como

exploratória e descritiva.

Existem inúmeros trabalhos de pesquisa relativos a temática selecionada,

nacionais e internacionais, mas considera-se exploratória a pesquisa pelo fato de

que este trabalho tem como foco a verificação da aplicabilidade e atualização dos

princípios fundamentais das OMP em função da análise de documentos que

norteiam o planejamento e a execução de missões reais que possuem aspectos

claramente presentes no conflito moderno.

A pesquisa pode ainda ser vista como descritiva observando-se o fato de que a

análise do problema ocorrerá dentro de uma visão própria das Nações Unidas, com

peculiaridades, conceitos e visão específica da organização sobre o contexto

internacional e as OMP em particular, perspectiva nem sempre familiar ao ambiente

acadêmico que se interessa por OMP da ONU no Brasil.

Finalmente, a pesquisa será classificada como bibliográfica e documental, em

virtude da investigação e consulta a bibliografia da ONU, de instituições nacionais e

internacionais. O tipo de operação de manutenção de paz da ONU que será

pesquisado é aquele multidimensional e implementado para a resolução de conflitos

internos.

2.2 COLETA DE DADOS

A pesquisa bibliográfica será realizada por meio de consultas e pesquisa

documental aos documentos oficiais das bibliotecas virtuais e documentação

disponível da Organização das Nações Unidas, em particular das bases de dados do

Departamento de Operações de Manutenção da Paz, de instituições nacionais e

internacionais relevantes com interesse no assunto. O objetivo principal será

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levantar informações em documentos como resoluções, políticas, diretrizes,

conceitos de operação, pareceres, e relatórios publicados e ostensivos.

2.3 TRATAMENTO DOS DADOS

Como resultado do tipo de pesquisa e dos meios de coleta de dados

apresentados anteriormente, será realizado um trabalho de interpretação dos dados

levantados, realizando, após o trabalho de avaliação, a comparação com os

resultados das pesquisas bibliográfica e documental.

Será empregado como método de tratamento de dados para a pesquisa o

Método Comparativo, já que os dados conseguidos podem possuir enfoques

diferentes, além de serem diferentes fontes de dados, o que exige um tratamento

mais pormenorizado no presente trabalho.

2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

O tratamento de dados apresenta limitações resultantes da profissão do

pesquisador, militar de carreira. A imperiosa necessidade de neutralidade e

afastamento para o exercício da análise de dados possivelmente sofrerá efeitos

devido ao tempo de serviço no Exército e a experiência deste pesquisador junto a

Organização das Nações Unidas, que permite possuir uma vivência suficiente para

ter argumentos de caráter pessoal que, eventualmente poderão interferir no

julgamento. Estes fatos demandarão constante observação dos princípios de

neutralidade e equidistância durante o trabalho.

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3 O PLANEJAMENTO POLÍTICO-ESTRATÉGICO DE UMA OPERAÇÃO DE

MANUTENÇÃO DA PAZ

A primeira compreensão que deve-se ter sobre o planejamento de uma

operação de paz da ONU é de que ele procura conciliar um enorme número de

interesses políticos, econômicos e sociais, de muitos atores distintos, sob uma

autorização do Conselho de Segurança para a criação e manutenção de um

ambiente seguro e estável, propício à condução de um processo político focado na

construção de uma paz duradoura em um contexto de crise.

A segunda noção necessária é que o processo de planejamento historicamente

tem sido sempre responsivo às demandas, particularmente no que tange a produção

de respostas a problemas no terreno, em função do caráter técnico do trabalho de

desenvolvimento doutrinário e planejamento do DPKO e do DFS, e também de

outros setores do Secretariado, mas que em realidade é sempre intensamente

permeado por injunções políticas. A despeito de procedimentos técnicos e ciência

aplicada, este trabalho de planejamento encontra-se normalmente mergulhado em

um ambiente de busca constante de consenso político entre os variados atores que

influenciam o planejamento e o desdobramento de uma OMP, afetando

substancialmente a sua conformação e objetivos.

Como terceira mensagem introdutória é preciso entender que um grande

número de canais diplomáticos, políticos e operacionais, do próprio sistema ONU

mas também de países e organizações com interesse, acompanham situações de

crises existentes ou potenciais no mundo. Assim sendo, as crises são normalmente

acompanhadas e analisadas. Em teoria, crises regionais e internacionais não devem

ser uma surpresa para estes canais. Neste tópico, como rápido exemplo, vale a

pena citar apenas alguns dos canais em que flui a informação, especialmente

quando de uma crise em gestação: Conselho de Segurança, Assembléia Geral,

Secretariado (DPKO, DFS, DSS, OCHA, UNHCR), outras agências da ONU, UNCT

presentes nos países, as próprias OMP quando já estiverem operando, o CICV,

organizações regionais com propósitos de segurança, econômicos e políticos

(OTAN, AU, UE, OEA etc), instituições acadêmicas e ONGs dos mais diferentes

matizes. Alguns destes atores se relacionam com frequência, em fóruns regulares

ou eventualmente quando interesses comuns afloram.

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Como quarto e último ponto atento a realidade, nesta etapa da discussão,

devemos perceber que mesmo quando ainda não houve a criação de uma OMP

para lidar com um desafio de paz e segurança específico, há organizações que

trabalham assuntos relacionados a paz e segurança, a assuntos humanitários e de

desenvolvimento no local de futuro desdobramento da operação de paz. Várias

dessas entidades utilizam processos de planejamento formal, reconhecidos pela

ONU, especialmente no mundo acadêmico e em instituições de paz e segurança.

Na comunidade internacional, quando as Nações Unidas, por meio do CS,

decidem por uma OMP multidimensional, é comum que três grandes dutos sejam

montados para propor soluções junto ao país anfitrião: assistência humanitária (se

há uma crise), apoio ao desenvolvimento e ações de paz e segurança. Estes dutos

necessitam descarregar produtos que beneficiem o país hospedeiro da missão,

respeitando sua vontade nacional, de modo coordenado e eficiente. O duto paz e

segurança quase sempre tem como protagonista a OMP, enquanto os outros dois

tem quase sempre a liderança da OCHA (assistência humanitária) e do UNDP

(desenvolvimento).

Acima dos três dutos mencionados e com importância essencial para a OMP

estão os assuntos políticos e o processo político que pretende levar o país anfitrião

com suas partes em conflito a uma estabilização que aponte para uma paz

duradoura e sustentável.

A discussão sobre a influência dos princípios fundamentais no planejamento

político-estratégico passa inevitavelmente por compreender o processo de

planejamento do Secretariado da ONU junto ao Conselho de Segurança e em

coordenação com múltiplos atores, incluído aí o país anfitrião da OMP. Este capítulo

tem a pretensão de explicar o processo de planejamento e tecer comentários sobre

como os princípios condicionam a criação, o planejamento e a configuração de uma

missão de paz.

3.1 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO VISANDO OMP EM ÁREAS DE CONFLITO

MODERNO

Antes de prosseguir com uma breve discussão sobre o processo específico

de planejamento gerador de uma OMP, o chamado Processo de Avaliação e

Planejamento Integrados (IAP – Integrated Assessment and Planning), é importante

explicar a existência do método de planejamento adotado por entidades da ONU

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residentes no país, quando uma operação de paz não existe mas as Nações Unidas

firmam compromisso de apoio ao desenvolvimento do país.

De fato, para os Estados-Membros que possuem times das Nações Unidas

(UNCT) desdobrados em seus territórios com mandatos para apoio ao

desenvolvimento, o processo de planejamento estratégico desenvolvido pelo UNDG

é o Quadro de Trabalho de Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF – UN

Development Assistance Framework). As Orientações sobre como Preparar um

UNDAF afirmam que: ¨Um UNDAF é um processo de estabelecimento de programas

de nível estratégico que descreve a resposta coletiva do sistema ONU às

prioridades nacionais de desenvolvimento. (Guidelines on How to Prepare an

UNDAF – ONU, 2011. Tradução própria).

De outro modo, pode-se dizer o UNDAF é o processo de planejamento

estratégico que o UNCT desenvolve para atender as necessidades de

desenvolvimento de um país, em que este voluntariamente aceita o auxílio da ONU.

Para tanto, o UNDAF normatiza o planejamento segundo os cinco seguintes

critérios: a) participação das capacidades e atores nacionais durante todo o

processo; b) alinhamento com as prioridades, as estratégias, os sistemas e os

programas nacionais de desenvolvimento; c) participação total do sistema ONU, até

mesmo de entidades do sistema que não fazem parte do UNCT; d) integração dos

cinco princípios programáticos de abordagem de direitos humanos, de igualdade de

gênero, desustentabilidade ambiental, de gestão baseada em resultados e de

desenvolvimento de capacidades locais; e, e) responsabilidade e imputabilidade

recíprocas entre a ONU e o país anfitrião.

O UNDAF é um processo de planejamento estratégico completo e detalhado

para países que não tem OMP, ou seja, não apresentam uma crise em virtude da

qual o CS determinou como solução peacekeeping.

De outro ângulo e de modo simples, se, por acaso, um país com UNCT e um

UNDAF em funcionamento entrar em uma crise que necessite uma OMP

determinada pelo CS, o UNDAF poderá ser aproveitado e adaptado como parte do

processo de planejamento da futura OMP.

Como última mensagem nesta introdução ao capítulo, é preciso ter em mente

que o UNDAF, como processo de planejamento estratégico voltado para

desenvolvimento, naturalmente avalia cuidadosamente a política interna do país. O

IAP (Processo de Planejamento Estratégico Integrado), como veremos, é processo

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de planejamento estratégico tremendamente focado na resolução de um conflito

existente, ou seja na formulação de opções político-estratégicas para que uma OMP

possa estabilizar o ambiente e apoiar um processo politico interno que leve a uma

paz duradoura. O IAP buscará a integração dos atores do sistema ONU, uma

presença integrada das entidades da família ONU, para atuarem de modo coerente

e eficiente na busca de uma solução para o conflito.

Note-se finalmente que o UNDAF não é balizado pelos princípios

fundamentais das OMP. Isto pode gerar problemas. Ocorre que, não raramente, um

país com UNDAF em execução tem que migrar para um IAP quando uma OMP é

autorizada para aquele país. Tem-se dessa forma uma situação em que a atuação

do UNCT e sua interação com o governo local e outras lideranças, às vezes por

anos, foi realizada por meio de princípios da Carta e, repentinamente, tem que ser

ajustados para os princípios fundamentais de peacekeeping, caracterizados por

interpretações de cunho político.

Da mesma forma, as lideranças da ONU que representam o UNCT, algumas

vezes por anos, e que lidam com o governo nacional, quando da criação de uma

OMP, tem que se submeter a uma nova autoridade, a autoridade do Chefe da OMP.

Dificuldades podem ocorrer quando se somam a ação baseada em princípios

diferentes o câmbio de lideranças estratégicas distintas. Nem sempre é fácil uma

transição assim, sem que pareça que há duas ONU desdobradas no país anfitrião

da missão.

O planejamento estratégico a ser apresentado na sequência do trabalho,

denominado Processo de Avaliação e Planejamento Integrados (IAP – Integrated

Assessment and Planning), tem como alvo a formulação e a configuração de uma

operação de manutenção da paz por agentes do sistema Nações Unidas, em

consulta com outros atores externos à organização.

Este planejamento estratégico é uma clara evolução de métodos anteriores e

visa o desdobramento em um ambiente operacional complexo, volátil e composto

por atores com os mais variados mandatos, legitimidades (ou ausência de) e

interesses, um ambiente de conflito moderno. Os erros e acertos do passado,

notadamente fracassos retumbantes originados de falhas de planejamento, foram

incorporados ao processo como lições aprendidas, o qual é cuidadoso, em integrar

diferentes visões e interesses.

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3.2 O PROCESSO DE AVALIAÇÃO E PLANEJAMENTO INTEGRADO (IAP)

O planejamento estratégico evoluiu tremendamente na última década,

impulsionado pela complexidade crescente dos conflitos e também pela

complexidade crescente das soluções políticas adotadas.

As advertências e recomendações do Relatório Brahimi quanto a

necessidade premente de realizar um planejamento integrado não foram

imediatamente consideradas quando da promulgação do mesmo no ano de 2000.

Entretanto, após desenvolvimento doutrinário e experiências de integração

em OMP (dentre as quais se destaca a MINUSTAH, no Haiti em 2004, como uma

das primeiras missões de paz de caráter integrado), o conceito de Missão Integrada,

com seu correspondente processo de planejamento, foi formalmente expedido pelo

DPKO em 2006 (IMPP - Integrated Mission Planning Process). Como vimos

anteriormente, o UNDG por sua vez deu à luz o UNDAF em 2011, para situações de

apoio ao desenvolvimento pelos UNCT.

Neste período, especificamente para situações com OMP, o processo de

integração começou com objetivos ambiciosos para o planejamento e a

implementação de mandatos no terreno. Grandes avanços em planejamento foram

levados a cabo, estruturas de coordenação a nível estratégico em Nova York, e a

nível operacional nas OMP no terreno, foram criadas.

Concluiu-se, muito acertadamente e como resultado de experiência, que não

haveria possibilidade de sucesso verdadeiro se uma OMP não fosse concebida e

planejada sem uma visão comum de tarefas e responsabilidades das áreas-chave

das Nações Unidas: política, paz e segurança, direitos humanos, humanitária e

desenvolvimento. Era necessário acabar com a visão de duas ONU no país, e

reduzir as críticas a falta de coordenação e a ineficiência.

A participação de importantes atores passou a ocorrer durante fases cruciais

de planejamento, que resultaram em planos melhores e mais viáveis, com a

acomodação de interesses de atores da missão e, em algumas vezes, externos à

missão, discutidos e eventualmente incorporados.

Esta evolução conceitual na forma de integração, por outro lado, também

enfrentou alguns obstáculos. Dentro da OMP em concepção organizacional foi

necessário ajustar interesses de componentes diferentes e, com maior dificuldade

ainda, conciliar interesses da OMP como um todo com atores externos à missão.

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É importante notar que para que os componentes militar, policial e civis de

uma OMP possam atuar coordenadamente e de modo eficaz é vital que haja um

sólido e flexível plano político, de vertentes diversas, com metas mensuráveis e

monitoramento e ajustamento de resultados constante, considerando sempre os

objetivos das partes em conflito. É necessário da mesma forma coordenar com os

atores externos, que, não raramente, possuem outros mandatos legítimos para

atividades humanitárias, de desenvolvimento, sociais e, às vezes, políticas.

Muitas vezes a coordenação no terreno somente tem chance de prosperar se

o plano político-estratégico for bem desenvolvido, com participação dos atores

relevantes que atuarão ou influenciarão a OMP. Foi basicamente esta busca de

harmonização de tarefas e propósitos de entidades do sistema ONU e de

coordenação com respeito às tarefas e mandatos de atores externos à missão que

proporcionou o desenvolvimento do Processo de Avaliação e Planejamento

Integrados (IAP - Integrated Assessment and Planning). O IAP entrou em

substituição ao Processo de Planejamento para Missão Integrada (IMPP). O IAP

configurou-se então no principal documento normativo para o planejamento de uma

OMP.

O IAP indica como o processo de planejamento deve ser integrado, no qual

se considera a coordenação de conceitos, ações, fundos e programas dos

diferentes atores das Nações Unidas em uma área de missão, ou seja, a família de

elementos da ONU presentes no país anfitrião da missão.

O que se chama de presença integrada da ONU, quando da ocorrência de

uma OMP em uma país anfitrião, é o chamamento ao planejamento e à

coordenação de todos os elementos da ONU com mandatos, funções e

responsabilidades com relação a paz e segurança, assuntos humanitários e

desenvolvimento, tudo enquadrado no grande plano político de paz.

O que se espera no IAP é que o planejamento, ao menos dentro do sistema

ONU, seja integrado e coordenado de modo que se alcance eficácia operacional e

financeira e se evite a duplicação de esforços. A presença integrada deve significar

então que o planejamento foi realizado conjuntamente, que os objetivos foram

alinhados, que houve respeito às peculiaridades dos atores e seus mandatos, que

as estratégias foram coordenadas e que o planejamento financeiro foi discutido. O

IAP foi promulgado em 2013 e é regulado por uma politica (Policy on Integrated

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Assessment and Planning) e um livreto explicativo para realização do planejamento

(Integrated Assessment and Planning Handbook).

O que se deseja, idealmente, é que os atores externos à missão de paz se

envolvam e possivelmente se comprometam com a implementação do mandato sob

a liderança da OMP. Áreas de conflito moderno presentes no Oriente Médio e na

África impõem desafios enormes para OMP que devem implementar mandatos

complexos. Desafios como a proteção da população, a preservação de direitos

humanos, a ajuda humanitária, o apoio a refugiados e deslocados, a criação ou

reconstrução de instituições políticas, e a sustentabilidade econômica, em torno de

um processo político de paz, requerem um processo de planejamento detalhado e

abrangente, que abarque múltiplas visões e capacidades.

A figura abaixo procura reproduzir de modo sumário as etapas de um

processo de planejamento estratégico integrado. O processo será esmiuçado nos

tópicos seguintes.

Figura 1: Visão sumária do Processo de Planejamento Estratégico Integrado.

Fonte: Mission Start-up Field Guide (esquema modificado pelo autor).

Planning assumptions and options analysis

Primary responsibility

Member states

Secretariat

Shared

Integrated Mission Planning Process with UN

agencies, funds and programmes and external

partners(This process will continue

through mission deployment and beyond)

Pre-mandate Commitment Authority (PMCA)

Mission scope, Force Generation & Financial Implications

Revise initial assumptions and develop mission concept and

component CONOPS

SG report on situation with recommendations

SG Planning Directive/USG DPKO Directive

Strategic Assessment of UN options (tasks, scale and scope)

Technical Assessment Mission Report

Peace Process (Possible UN role identified by parties and

Security Council)

Security Council Mandate

Processo de paz

iden ficado

Avaliação Estratégica com opções

Diretriz de Planejaemento do SG

Planejamento e análise

Relatório da Missão de Avaliação

Técnica (TAM)

Escopo da Missão, geração de força

e implicações financeiras

Autoridade para comprome mento

de recursos (pré-mandato)

Relatório do SG com recomendações

ao CS

Mandato expedido

pelo CS

Desenvolvimento do Conceito da

Missão e dos conceitos de operação

dos componentes

Processo do

IAP para a

OMP

(Secretariado,

Agências,

Fundos e

Programas da

ONU +

parceiros

externos)

Desenvolvimento da Diretriz para o

SRSG e do ISF

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3.3 AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA

O conceito de Avaliação Estratégica é basilar para entendimento do processo.

É, em verdade, o primeiro e fundamental passo conduzido pelo DPKO para que

opções possam ser levadas ao Secretário-Geral, e de uma decisão deste,

recomendações com alternativas sejam oferecidas ao Conselho de Segurança. O

CS definirá então se uma operação de manutenção de paz será a melhor linha de

ação para a crise em questão.

Uma avaliação estratégica também poderá servir a outros propósitos e

contextos que não uma OMP, por exemplo para um UNCT em um contexto nacional

sobre assuntos de desenvolvimento, em proveito de um UNDAF. Ou para que uma

operação de manutenção de paz possa solicitar uma avaliação estratégica para

melhor compreender o ambiente operacional, antes de uma possível alteração no

mandato. Uma avaliação estratégica é realizada por uma Força-Tarefa Integrada

(ITF – Integrated Task Force) em processo de consultas cerrado junto ao UNCT.

Uma avaliação estratégica pode ser iniciada por determinação ou pedido, por

exemplo, do Secretário-Geral, de um chefe de Força-Tarefa Integrada, de um chefe

de UNCT e de um Representante Especial, Chefe de OMP. O IAP define avaliação

estratégica da seguinte forma:

¨Uma avaliação estratégica é definida como qualquer processo analítico nos níveis estratégico, programático ou operacional que carrega implicações para múltiplas entidades das Nações Unidas, e a qual, dessa forma, requer a participação das mesmas entidades interessadas. A avaliação estratégica é o processo analítico usado para levar a cabo a integração estratégica no sistema ONU. (IAP Handbook – ONU, 2013. Tradução própria).

A finalidade da avaliação estratégica é associar entidades do sistema ONU de

áreas como política, segurança, desenvolvimento, direitos humanos e assuntos

humanitários e fazê-las trabalhar conjuntamente para desenvolverem um

entendimento compartilhado da natureza e dinâmica do conflito.

A avaliação estratégica é um processo amplo e inclusivo e pode,

eventualmente, utilizar-se de avaliações estratégicas técnicas como Missões de

Avaliação Estratégica (TAM – Technical Assessment Mission). Uma TAM é uma

equipe multidisciplinar de reconhecimento e avaliação técnica, usualmente montada

em apoio ao planejamento de uma nova ou já existente missão de campo (OMP).

No processo de avaliação estratégica ocorre a definição de responsabilidades

dos principais atores e das prioridades para alcançar uma paz duradoura, com

propostas relativas ao tipo de engajamento das Nações Unidas para lidar com a

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crise. Durante a geração das opções de engajamento são ainda levantadas

oportunidades e riscos.

Para fins da discussão ao fim deste capítulo, é relevante observar o que diz o

IAP sobre a consulta a atores externos às Nações Unidas:

¨Apesar da avaliação estratégica ser um processo interno das Nações Unidas, as consultas a atores externos são essenciais por um número de razões: a) para assegurar que a avaliação estratégica é desenvolvida com base nas melhores informaçòes disponíveis; b) para assegurar que as opções para o engajamento da ONU estão corretamente coordenadas com iniciativas nacionais, regionais e internacionais e seus níveis de apoio estão adequadamente avaliados; c) para assegurar envolvimento cerrado de insitituições financeiras, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional , e outros atores como doadores bilateriais, de modo a ligar as opções de engajamento com as discussões e a mobilização de recursos; d) para assegurar que o governo, lideranças da sociedade civil, incluindo mulheres e também o setor privado sejam engajados. (IAP Handbook – ONU, 2013. Tradução própria).

Desta forma, o IAP também busca consultar e preferencialmente engajar os

principais atores externos à OMP. Na etapa final deste capítulo serão apresentadas

idéias relacionadas aos princípios e a participação destes agentes externos, em

particular relacionadas ao princípio do consentimento.

É muito importante lembrar que no planejamento de uma OMP, é o processo

político a área decisiva para o encaminhamento de soluções para o conflito. Para os

outros atores do sistema ONU o processo político é o rumo tomado pelas Nações

Unidas (OMP), sobre o qual serão planejadas e assentadas as suas atividades, não

constituindo-se necessariamente em prioridade para essas entidades externas a

OMP. A avaliação estratégica possibilitará um entendimento claro do ambiente e

proporá as bases para que as opções políticas sejam formuladas.

3.4 MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO

A estruturação de mecanismos de integração é muitíssimo importante tendo

em vista que o planejamento somente ocorrerá a contento se as estruturas

estiverem corretamente concebidas e com as melhores condições de

funcionamento.

O IAP informa que, no nível estratégico do Quartel-General da ONU em Nova

York, a estrutura de integração adequada é a Força-Tarefa Integrada (ITF),

enquanto que, no nível operacional no terreno (OMP), devem ser estabelecidos duas

capacidades de integração: um fórum de liderança sênior e uma capacidade de

planejamento conjunto.

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A ITF conformada no Quartel-General da ONU como célula inter-

departamentos e interagências da ONU, é o principal fórum para a avaliação

estratégica de um caso particular e se prestará para debater planejamento,

coordenação, compartilhamento de informações, análise e tomada de decisões. A

princípio, devem participar de uma ITF representantes do DPKO, DFS, DPA, PBSO,

OHCHR, OCHA, UNDSS e UNDG, entre outros.

No terreno, nível operacional, necessidades similares de planejamento e

análise são estruturadas de acordo com o contexto local e a dinâmica do conflito.

O fórum de liderança sênior da OMP, Time de Liderança Sênior da Missão

(SMLT – Senior MIssion Leadership Team), responsável primário pela análise e

tomada de decisões sobre a vida da missão e pela implementação do mandato, é

normalmente integrado pelo Representante Especial; por vezes dois subchefes ou

sub-representantes, um político e outro o Coordenador Residente/Humanitário; o

Chefe de Estado-Maior Civil; os Chefes de Componentes (Militar, Policial, Direitos

Humanos, Político, Eleitoral etc, segundo a configuração específica da missão); e os

chefes de agências, fundos e programas desdobrados no país. O fórum de liderança

sênior é o cliente direto dos diferentes produtos das células de planejamento,

integração e coordenação existentes na OMP.

Na OMP, dependendo do mandato da missão e da situação de conflito,

podem ser estruturados diferentes mecanismos de integração. Dentre estes vale

mencionar como exemplos células conjuntas de inteligência (Centro Conjunto de

Análise da Missão, JMAC – Joint Mission Analysis Center), operacionais (Centro

Conjunto de Operações, JOC – Joint Operation Center), logísticas (Centro Conjunto

de Operações Logísticas, JLOC – Joint Logistics Operation Center) e de treinamento

(Centro de Treinamento de Missão Integrada, IMTC – Integrated MissionTraining

Center). Células conjuntas como estas proporcionam o espaço de integração de

planejamento, assessoramento e tomada de decisões para que os diferentes

componentes da operação de paz trabalhem de modo coordenado e integrado.

Dentro de uma OMP multidimensional deverá haver também a criação de

outros mecanismos de integração em três escalões distintos. O primeiro tratará da

estratégia da missão e expedirá diretrizes de planejamento em função da

implementação das tarefas do mandato e em face do contexto abrangente do

conflito e do avanço do processo político (Grupo de Política Estratégica, SPG –

Strategic Policy Group). Em um escalão mais baixo, um outro grupo planejará para

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tornar as diretrizes superiores em ações implementáveis pelos componentes da

OMP, em parceira com entidades do UNCT (Time de Planejamento e Estratégia

Integrados, ISPT – Integrated Strategy and Planning Team). O terceiro escalão

conduzirá as atividades no terreno por meio de Grupos Temáticos (TG – Thematic

Groups). Estes mecanismos de integração permitem o desenvolvimento de planos e

o monitoramento de resultados em áreas em que a OMP e o UNCT devem trabalhar

coordenadamente (direitos humanos, assuntos humanitários, proteção de civis e

etc).

Sobretudo, é o processo político que amalgama as demais áreas. Para a

OMP o processo político é a grande meta, para os outros atores o processo político

é a moldura sobre a qual suas atividades são desenvolvidas. O que o planejamento

estratégico pretende no sistema ONU é conciliar os interesses diferentes, dentro de

uma metodologia de integração de esforços e utilização de vantagens comparativas.

3.5 PLANEJAMENTO INTEGRADO

O IAP expressa planejamento integrado no âmbito do sistema ONU como: ¨A

articulação de uma visão comum das Nações Unidas, prioridades e

responsabilidades em apoio à consolidação da paz, incluindo a relação, se for o

caso, com os planos e as prioridades nacionais” (IAP Handbook – ONU, 2013.

Tradução própria).

No planejamento de nível estratégico realizado no Secretariado em Nova

York, a articulação a que se refere o texto acima é bastante focada no sistema ONU.

O processo porém prevê espaço de diálogo e envolvimento para elementos externos

ao sistema ONU.

A consulta ao país anfitrião da OMP obviamente acontece pela necessidade

imperiosa de entender com esse ator vital será encaixado no plano político-

estratégico, incluindo uma estratégia futura de saída da missão, com uma transição

segura de funções da OMP para o governo nacional.

O planejamento integrado no Quartel-General da ONU tem então por meta

fazer a conciliação de interesses dos diferentes departamentos (DPKO, DFS, DPA,

DSS etc), que se encontram representados na ITF, de modo a elaborar documentos

fundamentais para que a liderança sênior da missão e seu estado-maior possam

iniciar o planejamento operacional no terreno. Estes documentos são a Diretriz de

Planejamento para o Representante Especial (SRSG), o Coordenador Residente

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(RC) e o Coordenador Humanitário (HC) (Directive to SRSG, RC and HC); e o o

Quadro de Trabalho Estratégico Integrado (ISF – Integrated Strategic Framework).

A Diretriz de Planejamento para o Representante Especial (SRSG), o

Coordenador Residente (RC) e o Coordenador Humanitário (HC) dá orientação

estratégica para a liderança sênior da operação de paz. Ela fornece os parâmetros

básicos e define responsabilidades e prioridades iniciais para o planejamento de

nível operacional. Como expressado no IAP, na prática, a diretriz significa a

transferência de responsabilidades para o SRSG, de modo que possa complementar

os planejamentos para que a presença da das entidades da ONU seja de fato

integrada (início do planejamento operacional).

A diretriz é um documento detalhado que possibilita que o planejamento

operacional seja realizado à luz do terreno e contextualizado dentro da dinâmica do

conflito. A diretriz expressará: a) a situação e o contexto; b) os objetivos estratégicos

e as prioridades para a consolidação da paz; c) a configuração da presença

integrada, suas funções e responsabilidades; e d) os parâmetros de planejamento.

O Quadro de Trabalho Estratégico Integrado, ISF, é a ferramenta de

planejamento que reflete as conclusões do planejamento integrado. O ISF deve

incluir:

a) as principais conclusões da avaliação integrada relativas ao conflito, os

desafios para a consolidação da paz, o papel da ONU e as vantagens comparativas

(quem do sistema ONU cumpre melhor a tarefa?);

b) uma definição clara das prioridades do sistema ONU e a relação destas

com o desenvolvimento das capacidades nacionais e o aprimoramento institucional

do país;

c) uma articulação de todos os programas, funções e áreas operacionais

dentro de um enfoque de integração;

d) os resultados acordados e esperados, o cronograma de execução, as

responsabilidades e os mecanismos de implantação e coordenação; e,

e) um sistema comum de monitoramento e relatórios com indicadores e

eventos essenciais que permitam acompanhar o progresso da implementação do

mandato da missão.

Além dos itens acima, o ISF pode ainda conter quaisquer outros assuntos que

a OMP julgue importantes para fins de integração e coordenação, como, por

exemplo: política de comunicação e informações públicas da missão; mecanismos

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de interação da OMP com agentes externos aos sistema ONU no país; e utilização

de meios pelos componentes da missão como helicópteros.

Por outros prisma, é possível ainda afirmar que as tarefas do mandato serão

dissecadas e analisadas por meio do processo de planejamento integrado e que o

ISF expressará as áreas temáticas com maior prioridade. Nos modernos mandatos

atuais tem sido comum a presença de áreas temáticas variadas, a saber: reforma do

setor de segurança; desarme, desmobilização e reinserção de ex-combatentes;

restauração da autoridade do Estado em todo o território; proteção de civis da

população; retorno de refugiados e deslocados; direitos humanos; provimento de

serviços sociais básicos; fortalecimento institucional, e etc.

Assim, deve-se entender que o ISF é ferramenta de planejamento integrado

produzida inicialmente no Quartel-General da ONU em Nova York e ajustado no

terreno por uma nova OMP em processo de desdobramento no terreno. É a OMP

que faz a validação e o ajustamento do ISF (concebido por uma ITF em Nova York)

no terreno. O ISF também pode ser formulado como ferramenta para apoio a ações

de redução ou retirada da missão, como estratégia de transição e saída.

O esquema do quadro abaixo apresenta de modo sumário a sequência de

atividades de planejamento. Os blocos em azul expressam a sequência do

planejamento geral, da avaliação estratégica até o ISF. Os campos em amarelo

expressam por sua vez as atividades dos três dutos a que nos referimos

anteriormente: paz e segurança (ao centro), assuntos humanitários (à esquerda) e

assuntos de desenvolvimento (à direita). O processo político é central a tudo mas

principalmente para o mandato da OMP. A política tem primazia e as ações de paz e

segurança são planejadas para apoiar os processos que empurrem o conflito para o

seu fim e criem as condições para que não retorne.

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Figura 2: Quadro de Planejamento para a Presença Integrada da ONU quando há uma OMP no

país.

Fonte: Mission Start-up Field Guide (modificado pelo autor).

É interessante observar que no setor “paz e segurança” ocorrerá a produção

do Conceito da Missão, os conceitos de operação dos componentes e o orçamento

baseado em resultados. Estes serão documentos que resultarão dos planejamentos

de nível operacional que a liderança da missão e dos componentes confeccionarão

quando já desdobrados no terreno. No lado humanitário, o Processo de Apelo

Consolidado e os programas humanitários e no lado de desenvolvimento, o UNDAF

e os programas de desenvolvimento também serão ajustados em confrontação com

a realidade da missão no terreno. As discussões relativas ao planejamento

operacional serão realizadas no próximo capítulo, o Capítulo 4.

Cabe aqui novamente a observação de que a OMP atua em função do

processo político e os três setores devem ter seus planejamentos estratégicos

coordenados e integrados por serem compostos por entidades do sistema ONU. A

OMP atua em coordenação com atores humanitários e de desenvolvimento para

mitigar sofrimento, encaminhar o desenvolvimento mas, notadamente, para resolver

Planning Framework for Integrated UN Presences

Strategic Assessment

Recommendation to SG/PC, SG/PC Decision and Recommendation tothe Security Council

Security CouncilMandate

Directive to S/ERSG, RC and HC

Integrated Strategic Framework or Equivalent(e.g. UNDAF+)

Mission Concept

Mission Component CONOPS(military, police, support etc.)

Results-Based Budget

CAP

HumanitarianProgrammes

UNDAF

Agency Funds and Programmes’

Country Project Documents

National andInternational

PlanningFramework

UN-Wide StrategicPlanning

Entity-Specif cStrategic andOperationalPlanning

= Integrated PlanningProducts/Process

Span of Activities

Peace Consolidation

Figure 1: Overview of Planning Framework for Integrated UN Presences

Quadro de Planejamento para a Presença Integrada da ONU quando há uma OMP

Avaliação Estratégica

Recomendação ao SG, Decisão do SG e Recomendação ao CS

Mandato do Conselho de Segurança

Diretriz ao RESG, ao CR e ao CH

ISF ou

planejamento equivalente (UNDAF)

Planejamento nacional e

internacional

Planejamento

Estratégico

Geral

Processo de Apelo Consolidado

Planejamento Estratégico e Operacional específico de cada entidade

Conceito da Missão UNDAF

Programas Humanitários

Orçamento Baseado em Resultados

Conceitos de Operações dos Componentes (Militar, Policial,

apoio etc)

Programas dos Fundos

e Agências

ligados ao UNCT

Consolidação da Paz / Processo Político

Espectro de atividades

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as questões profundas do conflito, de modo a impedir que ele retorne.

3.6 MONITORAMENTO INTEGRADO

A idéia central do monitoramento integrado é estabelecer no planejamento um

modus operandi eficaz para avaliar se há progresso na implementação das tarefas

do mandato. O desenvolvimento de indicadores e benchmarks para as diversas

tarefas e seus objetivos de cumprimento é vital para que o monitoramento possa

ocorrer e a tomada de decisões possa ser oportuna. Passa por criar mecanismos de

acompanhamento e relatoria que apoiem a implementação do mandato da missão.

O monitoramento integrado é realizado pelos atores que participaram do

desenvolvimento do ISF por meio das estruturas de integração e do próprio uso do

ISF como ferramenta de verificação da prosperidade da missão.

As metas, funções e responsabilidades da OMP (e seus componentes), do

UNCT (e suas agências e entidades afilidadas) e de outros atores (como o governo

nacional, por exemplo) foram previamente acordados e estabelecidos no ISF com

marcadores de controle e progresso das tarefas do mandato e de indicadores de

desempenho, de modo que é possível auferir o progresso e fazer as correções de

rumo necessárias.

O UNCT e outros parceiros da missão que tenham participado do

desenvolvimento do ISF, irão realizar o seu próprio monitoramento e reunir-se

periodicamente com a OMP para conjuntamente fazerem avaliações da situação.

A operação de manutenção da paz possui seus mecanismos de integração,

que somados ao monitoramento dos próprios componentes (militar, policial e civis),

permitirá o acompanhamento cerrado da dinâmica do conflito e dos resultados

propostos e de fato atingidos.

O monitoramento procura evitar os passos em falso na busca dos objetivos

politicos, de segurança, humanitários e de desenvolvimento (além de direitos

humanos, protectão de civis e muitos outros) e faculta a OMP a antecipação e o

ajustamento em tempo hábil de atividades que não estejam atingindo as

benchmarks propostas.

3.7 CONCLUSÕES PARCIAIS

A conclusão parcial que se deve fazer é afirmar que o processo de

planejamento estratégico é resultado da experiência e do aperfeiçoamento.

Configura-se em uma metodologia completa que atende aos pressupostos da ONU

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e leva em consideração as múltiplas visões das entidades do sistema ONU, bem

como outras percepções de atores externos.

A integração de diferentes visões é buscada durante todo o processo de

planejamento mas depende essencialmente da participação efetiva e do

comprometimento dos atores.

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4 OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

É chegado o momento de proceder às observações pertinentes quanto a

influência dos princípios fundamentais no processo de planejamento de nível

político-estratégico para as operações de manutenção da paz.

Todo o processo de avaliação e planejamento integrado é realizado para a

criação de uma nova OMP buscando a aplicação integral dos princípios

fundamentais conforme descritos na doutrina. O processo é muito bem explicado e

detalhado nos documentos normativos da ONU, como visto rapidamente no capítulo

prededente, e pode ser considerado um processo técnico cujo bom funcionamento

tem sido demonstrado na formação de novas missões de paz como a MINUSMA

(Missão de Estabilização das Nações Unidas no Mali) em 2013 e na MINUSCA

(Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Centro-Africana) em

2014. O planejamento descrito no IAP, quando adequadamente seguido pelo

planejamento de nível operacional (alvo do próximo capítulo deste trabalho),

possibilita a edificação da estrutura da OMP em boas condições. Este é um fato

provado pelas sucessivas OMP desdobradas nos últimos anos, que operam com

relativo sucesso na implementação de mandatos tremendamente ambiciosos, muitas

vezes sem um processo político de estabilização plenamente viável.

Uma das principais conclusões, se não a mais relevante, do Painel

Independente de Alto Nível de 2015, é a primazia do processo político sobre todos

os outros objetivos estratégicos que devem nortear os planejamentos estratégico e

operacional.

Ocorre, porém, que o processo no nível estratégico, quando da concepção de

uma nova operação (ou de revisão e ajustamento de uma missão em curso; ou

ainda, para planejamento de uma transição e estratégia de saída), está firmemente

inserido em um ambiente altamente politico.

Este ambiente político apresenta diferentes camadas. Uma camada se refere

às negociações político-estratégicas entre os Estados Membros, especialmente

aqueles membros do CS (Membros Permanentes em particular), os representantes

do país anfitrião e as partes significativas do conflito e as instituições internacionais

com peso específico para produzirem pareceres sobre determinados assuntos

(como direitos humanos, assuntos humanitários, desenvolvimento, proteção de civis,

viabilidade financeira etc).

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Em discussões anteriores foi observado que o IAP e outros processos

auxiliares de planejamento se destinam a priori às entidades do sistema ONU. Deste

modo, uma população de atores relevantes que podem influir na montagem da

OMP na fase de planejamento estratégico não estão sujeitos ao IAP. Estes atores

podem ser convidados a participar, como também foi mostrado anteriormente. Nem

sempre, porém, a participação ocorre e com o comprometimento desejável.

Certos alinhamentos já acontecem pela comunhão de objetivos e pela prática

de atuação em um mesmo espaço comum (o território do país anfitrião), como, por

exemplo o OHCHR e o CICV e certas ONGs de direitos humanos. Outras ONGs de

direitos humanos, contudo, não se comprometerão com o planejamento da OMP,

mesmo sendo convidadas a participar. Muitas vezes elas não estão de acordo com

os objetivos políticos da OMP em concepção ou não concordam com a maneira

como o planejamento visualiza a implementação de tarefas do mandato. O exemplo

do campo dos direitos humanos serve para outras tantas áreas importantes para a

OMP, como assuntos humanitários e de desenvolvimento, mas podem afetar as

áreas vitais de assuntos políticos e de paz e segurança. Este é apenas uma situação

com a qual os princípios fundamentais das OMP tem relação direta e impactam no

planejamento estratégico, no planejamento para a formação da OMP e seu

desdobramento. Contextos em que as pressões de grupos terroristas ou que violam

gravemente os direitos humanos aumentam exponencialmente as preocupações na

conduçãoo do planejamento estratégico de modo o mais integrado e coordenado

possível.

4.1 CONSENTIMENTO

Antes de entrar no debate sobre o consentimento do país anfitrião da missão

e das principais partes do conflito (que não o país hospedeiro), é importante

compreender como o consentimento é vital para o estabelecimento da manutenção

da paz definida pela ONU (não se deve esquecer que a ONU não é a única

organização internacional que denomina peacekeeping certos tipos de operação). A

Doutrina Capstone diferencia manutenção de imposição da paz de maneira

claríssima quando afirma que:

‘O Conselho de Segurança pode determiner ações de imposição sem o consentimento das principais partes do conflito se acredita que o conflito apresenta uma ameaça a paz e a segurança internacionais. Isto, contudo, seria uma operaçào de imposição da paz. O Conselho também pode determiner a ação de imposição por propósitos de proteçãoo ou

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humanitários, onde não há um processo politico e onde o consentimento das partes mais significativas do conflito pode não ser obtido, mas há civis da população sofrendo. (Capstone Doctrine – ONU, 2008. Tradução própria).

Como visto na Introdução deste trabalho, fica também demonstrado que o

Conselho de Segurança exerce poder discricionário quanto as medidas que julgue

necessárias para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais, segundo

sua visão e ótica política do conflito em questão.

Posto isto, é preciso dizer que o princípio do Consentimento, esteve sempre

presente na concepção de peacekeeping, mormente por estar diretamente ligado a

uma certa legitimidade em atuar. A sua moldagem conceitual avançou com os anos.

Uma das primeira definições oficiais de peacekeeping das Nações Unidas foi

publicada no livreto The Blue Helmets em 1990, quando se lê:

‘Operação envolvendo pessoal military, mas sem poderes de imposição, levada a cabo pelas Nações Unidas para ajudar a manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais em áreas de conflito. Estas operações são voluntárias e são baseadas no consentimento e na cooperação. (The Blue Helmets – ONU, 1990. Tradução própria).

Aqui fica caracterizada a preocupação existente à época, em evitar a

associação de idéias entre consentimento e imposição da força. Reflete uma visão

do fim da Guerra Fria em que se visualizava uma retomada vigorosa das operações

de manutenção da paz, mas sob certas condicionantes limitadoras.

Um pouco mais adiante o então Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali

lançaria Uma Agenda para a Paz (An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy,

Peacemaking and Peacekeeping), um documento que chamava a uma reflexão

profunda sobre os desafios daquele tempo e as necessidades de reforma no

instrumento político manutenção da paz. Peacekeeping foi assim definido nesse

documento:

“Peacekeeping é o desdobramento da presença das Nações Unidas no terreno, desde que haja o consentimento de todas as partes afetadas pelo conflito, normalmente com o envolvimento de pessoal militar e policial das Nações Unidas, e frequentemente civis também. (An Agenda for Peace – ONU, 1992. Tradução própria).

Neste trecho fica reforçado conceito de consentimento mandatório de todas as

partes, uma necessidade para que uma OMP pudesse ser aceita e atuar em um

ambiente operacional de conflito interno, sujeito a múltiplos atores que interferiam

diretamente na paz e segurança. A ONU e o modelo OMP estavam então sendo

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duramente testada na Somália (1991 e 1992) e o seria subsequentemente em

Ruanda em 1994.

Atualmente, a Doutrina Capstone estabelece consentimento como um princípio

fundamental, indispensável a peacekeeping:

¨As operações de manutenção da paz das Nações Unidas são desdobradas com o consentimento das principais partes do conflito. Isto requer o compromisso das partes com um processo politico e sua aceitação da operação de manutenção da paz com mandato para apoiar aquele processo. (Capstone Doctrine – ONU, 2013. Tradução própria).

O consentimento foi estabelecido em 2008 como pedra angular. Sem

consentimento das principais partes do conflito não poderá haver OMP. O

consentimento proporciona a OMP a liberdade de ação suficiente para fazer cumprir

o mandato da missão dos pontos de vista político e operacional.

Quando conferido pelo país anfitrião, o consentimento é estratégico, e é

plenamente manifestado de maneira prática pela assinatura de acordos ente a OMP

e o país anfitrião da missão, em que este aceita determinadas limitações pontuais

em sua soberania em favor daquela. O Acordo de Status da Força Militar (Status of

Force Agreement, quando o mandato requer a existência de um componente militar)

ou o Acordo de Status da Missão (Status of Mission Agreement, quando não há

componente militar na OMP), permitem a OMP operar no país com muito poucas

restrições ao uso de símbolos da ONU, as comunicações rádio, telefone e satelital, a

utilização de estradas, portos e aeroportos e a autorização de isenções

alfandegárias (para a importação de equipamentos da missão), a acordos de justiça

e imunidade para peacekeepers, entre outras facilidades.

A pergunta que se segue poderia ser: como o consentimento do país anfitrião

e das principais partes pode ser obtido e como esse consentimento afeta o

planejamento estratégico?

É importante notar que, de um modo geral, o consentimento é formalmente

manifestado por um representante diplomático do país anfitrião ao Conselho de

Segurança, para desdobramento de uma OMP em seu território. Em outros casos, a

solicitação de desdobramento não acontece, mas um acordo de paz é firmado entre

as partes do conflito, solicitando o desdobramento de uma OMP. Neste tipo de

situação, o Conselho de Segurança sanciona a situação e expede uma resolução

autorizando o desdobramento da OMP. Considerando-se que o consentimento é a

base sobre a qual a OMP poderá operar com liberdade de ação e segurança, estes

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são contextos altamente favoráveis para o planejamento estratégico.

Há que se prestar atenção também ao fato de que a Lei Internacional

privilegia as relações entre os Estados constituídos e que no caso de conflito inter-

Estado ou intra-Estado, o(s) Estado(os) deve(m) dar o seu consentimento para a

presença de uma OMP.

Ocorre que, em alguns outros contextos internacionais, é cristalina a

necessidade de intervenção internacional por meio de uma OMP (uma crise

humanitária provocada pela violência, por exemplo), mas o consentimento não é

obtido, pois o país anfitrião não concede o consentimento diretamente ou não o faz

por meio de uma potência do Conselho de Segurança com interesses alinhados aos

seus. Neste caso, a ONU permanence amarrada e uma avaliação estratégica

proverá outras opções que não a OMP.

Parte da credibilidade das operações de manutenção da paz, e por extensão

da ONU, é arranhada por vezes pela simples constatação de que em algumas crises

internacionais, onde fatos e violações de direitos humanos gravíssimas acontecem,

não há intervenção da Organização, ou seja do CS, seja por meio de manutenção

ou até mesmo imposição da paz. Em que pese esta ser uma situação em que o

julgamento politico do CS seja uma realidade inevitável e que suas decisões ao fim

tenham legitimidade e legalidade por pelo fato do CS representar os membros da

ONU e o dispositivo estar na Carta da ONU, em algumas situaçòes fica a percepção

de falha e de seletividade nas decisões de intervenção ou omissão tomadas. Esse

problema operacional do CS resiste ao longo do tempo e uma possível reforma do

Conselho não é visualizada como viável no horizonte curto.

É fácil depreender da história recente das OMP que essa dicotomia

permanece entre os membros permanentes do CS, e que, por isso, pode-se concluir

que o consentimento como princípio fundamental das OMP é ponto doutrinário que

nem sempre é unanimidade entre os países com poder de veto no Conselho, ou, ao

menos, o princípio sofre interpretações convenientes conforme os interesses

politicos e sistemas de alianças.

Um contundente exemplo recente é a crise na Síria, em que uma breve

tentativa de uso de peacekeeping, em 2012, por intermédio da MIssão de

Supervisão das Nações Unidas na Síria (UNSMIS – United Nations Supervision

Mission in Syria) não prosperou após quase cinco meses de esforços para

consolidar um cessar-fogo e estabelecer um acordo de paz entre o Governo e uma

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oposição fragmentada e difusa. De saída, pode ser argumentado que a opção por

uma missão de observação de cessar-fogo e de monitoramento de direitos humanos

(base do mandato da UNSMIS) talvez não fosse a modalidade de peacekeeping

mais adequada à situação, mas era a possível em face das divergências e do

sistema de alianças entre membros do CS e as partes do conflito. O desdobramento

de uma missão de paz desarmada, com mandato restrito e com um componente

politico com pouquíssimos recursos humanos e estrutura para interlocução, e

limitada visão do processo politico, afundou as possiblidades de sucesso. Parte do

que ocorreu, do ponto de vista do planejamento estratégico, é que a avaliação

estratégica propôs opções variadas para a crise em 2012, mas a decisão do CS não

contemplou aquela que pareceria a mais adequada, com uma OMP mais robusta ou

a imposição da paz.

O princípio do consentimento (pelo Governo da Síria) neste caso foi

interpretado, desde o começo dos julgamentos iniciais quanto a modalidade de

interferência da ONU, como um bloqueador da possibilidade da opção de imposição

da paz e um limitador das outras opções de manutenção da paz robusta, gerando ao

final uma missão de paz de supervisão, fraca em estrutura e lenta no processo

politico, uma presença da ONU débil e ineficaz (entre outras razões pela aliança

Rússia e Síria). Desde então, houve um agravamento da crise Síria, com

consequências regionais enormes, e com alguma ação de uso da força pelo

Conselho (autorizando ações de forças aéreas), mas ainda sem uma solução

acordada definitiva.

Outra abordagem que deve ser feita quanto ao consentimento é a

legitimidade do consentimento a ser dado pelo país anfitirão e algumas partes do

conflito. Deve o consentimento concedido por um governo nacional que comete ou

permite a seus representantes cometer graves violações da lei internacional dos

direitos humanos ser considerado com suficientemente legitimidade para que haja o

desdobramento de uma OMP? Percebendo que o consentimento do país anfitrião

tem uma dimensão prática de permitir que a OMP atue com o mínimo de restrições

operacionais, deve-se submeter a OMP aos ditames de um governo nacional

ilegítimo ou permissive no que tange a graves violações de direitos humanos?

O consentimento dado por outras partes do conflito, que não o governo

nacional, segue o mesmo raciocínio quanto a legitimidade de concessão de

consentimento. Grupos armados que cometem crimes e são contumazes violadores

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da Lei Humanitária Internacional e dos direitos humanos, mesmo assinando um

acordo de paz que consente e solicita o desdobramento de uma OMP, possuem

legitimidade para consentir?

Estas colocações, dúvidas e dilemas são considerações de cunho politico, e

que serão estudadas por meio de uma avaliação estratégica. A avaliação estratégica

será então levada ao Secretário-Geral, que priorizará as opções de intervenção da

ONU e recomendará as linhas de ação ao Conselho de Segurança. Ao fim e ao

cabo, pode-se dizer que o Conselho, de posse das recomendações, decidirá

interpretando o grau de consentimento que será politicamente palatável ao contexto

e, por conseguinte, o grau de consentimento que permitirá um determinado tipo

intervenção.

A decisão por uma OMP será condicionada por este grau de consentimento

interpretado pelo Conselho.

Da mesma forma, o planejamento estratégico será também fortemente

influenciado quanto ao consentimento, indicando que o IAP será usado como um

método que buscará a integração dos atores do sistema ONU com maior ou menor

latitude operacional.

Como pode-se ainda constatar, maior ou menor consentimento condicionará

a participação de atores dos sistema ONU, e também os externos, no planejamento

de uma presença integrada da Organização em um país hospedeiro de missão.

O planejamento integrado também sofrerá impacto do modo como o

consentimento dado pelo país anfitrião e pelas partes em conflito se manifesta no

terreno. O planejamento, a geração de forças e de staff civil para compô-la, e

configuração da OMP segundo as tarefas do mandato, e o consequente

desdobramento das estruturas da missão no terreno vão depender da concordância

e muitas vezes da permissão das partes para acontecer. A capilaridade territorial

necessária a OMP dependerá de consentimento. É possível que certos atores do

sistema ONU e também externos sintam constrangimento em relação a

implementação de seus mandatos particulares se atores com domino sobre parte do

território do país anfitrião não propiciam consentimento pleno para suas atividades.

A participação destes atores no planejamento pode, como sequela, também ser

limitada ou inexistente.

Algumas vezes as partes, incluindo o governo, podem forçar a situação de

modo que o planejamento estratégico tenha que aceitar limitações quanto ao

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desenvolvimento das tarefas do mandato, de modo que a OMP possa ser aceita e

desdobrada.

Pode-se inferir, pelo exposto da análise acima, que o princípio fundamental

do consentimento, a nível de planejamento estratégico para uma OMP, apesar de

bem descrito na doutrina da Organização, sofre interpretações e entendimentos

disitintos em função da ação dos atores principais do jogo politico realizado no CS e

de seus interesses. O planejamento estratégico é ainda fortemente impactado em

razão do grau de consentimento do governo nacional hospedeiro da missão e das

outras principais partes do conflito.

4.2 IMPARCIALIDADE

O princípio da imparcialidade foi, desde o nascimento de peacekeeping, um

sinônimo de neutralidade. Por décadas, foi possível pensar imparcialidade como

neutralidade, basicamente, porque o modelo de manutenção da paz tradicional

apresentava dois vieses de entendimento: a) imparcialidade como neutralidade, a

nível político-estratégico, no sentido de não favorecimento a nenhuma parte do

conflito no contexto internacional (aqui é necessário lembrar o longo período de

peacekeeping sob a lógica da Guerra Fria); e b) imparcialidade como neutralidade

nas ações de uso da força no terreno, nível operacional, como resultado de inação e

passividade diante de quaisquer ações executadas pelas partes, com o uso da força

pela OMP somente em autodefesa.

Os episódios ocorridos na década de 1990 na Somalia, em Ruanda e na

Iugoslávia, com tragédias bem documentadas e resultantes em parte dessa

concepção de manutenção da paz tradicional, forçaram a reação dos anos 2000,

cujo motor de transformação conceitual foi muito bem expresso pelo Relatório

Brahimi.

Em realidade, foi no Relatório Brahimi que ocorreu a separação conceitual

entre neutralidade e imparcialidade: ¨Imparcialidade para tais operações significam

aderência aos princípios da Carta e aos objetivos do mandato que está enraizado

naqueles princípios da Carta”. (Brahimi Report – ONU, 2000. Tradução própria).

O Relatório agrega, ainda, que: ¨Em alguns casos, as partes do conflito não

são iguais de um ponto de vista moral, mas óbvios agressores e vítimas, e os

peacekeepers podem não ser somente moralmente justificados em usar a força mas

obrigados a fazê-lo”. (Brahimi Report – ONU, 2000. Tradução própria).

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Brahimi modificou profunda e decisivamente o entendimento de

imparcialidade, é é assim que as atuais operações de manutenção da paz

multidimensionais atuam. A neutralidade permanece como um conceito longe do

terreno, vivo porém na esfera das relações internacionais e diplomáticas, e dentro da

idéia de que a ONU não favorece nenhuma parte do conflito, de que o Conselho de

Segurança não tomará partido.

A autorização para o uso da força além da autodefesa é o fator evidente

nesta compreensão de imparcialidade corrente, com a produção de consequências

marcantes no nível operacional e no grau de implementação do mandato da OMP.

Aspectos ligados ao terreno e o planejamento operacional serão explorados no

capítulo seguinte mas, por ora, é necessário o entendimento da imparcialidade da

Doutrina Capstone e visualizar as repercussões no planejamento estratégico para

uma OMP.

¨As operações de manutenção de paz das Nações Unidas devem implementar seus mandatos sem favor ou prejuízo a nenhuma parte. A imparcialidade é crucial para manter o consentimento e a cooperação das principais partes do conflito, mas não deve ser confundida com neutralidade ou inatividade. Peacekeeping das Nações Unidas deve ser imparcial ao lidar com as partes do conflito, mas não neutral na execução de seu mandato ”. (Capstone Doctrine – ONU, 2000. Tradução própria).

Para dar maior clareza, a Doutrina explica:

¨Assim como um bom juiz é imparcial, mas penalizará as infrações, da mesma forma a operação de peacekeeping não deve aceitar ações das partes que violem as conquistas do processo de paz ou as normas e princípios internacionais que a manutenção da paz das Nações Unidas se referencia.”(Capstone Doctrine – ONU, 2000. Tradução própria).

Agora que é lúcida a compreensão do que se entende por imparcialidade no

âmbito de peacekeeping da ONU, pode-se discutir como este princípio fundamental

das OMP avança sobre o planejamento estratégico. De início, deve-se admitir que a

partir do momento em que a OMP passe a ser percebida como parcial haverá

consequências quanto a credibilidade, legitimidade e na prática, para o processo

político, mobilidade, inteligência, segurança, logística e vários outros aspectos, que

serão debatidos no planejamento operacional. A manutenção da imparcialidade é

mesmo crucial para a implementação do mandato e fortemente conectada com o

consentimento. Perder a imparcialidade pode significar tornar-se parte do conflito.

A imparcialidade também está bastante associada ao princípio do não uso da

força exceto em autodefesa e em defesa do mandato, como visto em parágrafos

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pregressos. É patente que quanto mais a OMP utiliza a força em defesa e

cumprimento das tarefas do mandato, maior é a chance de que seja percebida como

frágil no princípio da imparcialidade. Esta é uma característica das OMP

multidimensionais atuais, com mandatos complexos e ambiciosos.

O planejamento estratégico integrado enfrentará dificuldades de saída se na

construção política do mandato houver a percepção de falta de imparcialidade por

parte da ONU. É fácil imaginar como as partes aguardarão com desconfiança o

desdobramento de uma missão de paz que foi configurada para fazer cumprir um

mandato suspeito de parcialidade. Da mesma forma, se esta for a percepção, a

imparcialidade será vista como um limitador na cooperação e no alcance dos

objetivos dos atores que farão parte do planejamento estratégico integrado.

Um exemplo cabal é o mandato da antiga MONUC (Missão de Organização

das Nações Unidas na República Democrática do Congo), atual MONUSCO. Dentre

outras, a Resolução 1906 do CS, de 2009 afirmava em um de seus parágrafos:

¨Reitera, consistente com os parágrafos 3(g) e 14 da Resolução 1856 (2008) que o apoio da MONUC às operações militares das FARDC contra grupos armados congoleses e estrangeiros são estritamente condicionados ao cumprimento pelas FARDC da Lei Internacional Humanitária, da Lei Internacional dos Direitos Humanos e a Lei dos Refugiados e com o efetivo planejamento conjunto destas operações …”(UNSCR 1906 – ONU, 2000. Tradução própria).

De modo simples, em uma decisão incomum do ponto de vista histórico, a

MONUC apoiou as Forças Armadas Congolesas (FARDC) contra grupos armados,

provendo apoio em planejamento, inteligência, alimentação, transporte,

comunicações e apoio médico. Pode-se e deve-se argumentar que os grupos em

questão cometiam graves atrocidades e que a OMP estava mantendo a

imparcialidade sem ficar neutra em face aos acontecimentos – e isto está

plenamente de acordo com a definição e o entendimento de imparcialidade atual do

DPKO. Entretanto, foi muito difícil manter a percepção de imparcialidade no terreno.

O planejamento estratégico integrado do sistema ONU e com parceiros externos

convidados para atingir os objetivos de avançar o processo político

(temporariamente pela via da força), proteger civis e também reformar as forças

armadas congolesas praticamente fracassaram naquele momento.

Chamar ao comprometimento atores do sistema ONU que teriam

provavelmente problemas de segurança, mobilidade e cooperação junto a

comunidades que eram dominadas por grupos armados que acreditavam que a

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OMP tomou o partido do Governo, foi tarefa difícil e de duvidoso êxito. Agências da

ONU como a OCHA e a UNHCR, por exemplo, que não faziam parte da MONUC

(atual MONUSCO) puderam vivenciar dificuldades enormes para operar em um

ambiente como esse. Quando as próprias FARDC perpetraram crimes contra a

população civil congolesa, a associação da MONUC com elas minou ainda mais as

possibilidades de sucesso do empreendimento. A imparcialidade no terreno é muito

complicada de ser mantida e será objeto de discussão em capítulos posteriores.

No momento, é necessário observar que as condições objetivas no terreno

quanto a expectativa de imparcialidade, expressas detalhadamente por uma

avaliação estratégica, geradora de opções políticas e operacionais, influenciam

pesadamente o planejamento estratégico integrado para uma OMP, seja pela

participação e comprometimento dos atores, seja pelas limitações aos planos de

implementação das tarefas do mandato, seja pela geração de força militar (tropas da

ONU com países vizinhos contribuintes podem gerar percepções erradas) e ainda

outros fatores. O planejamento estratégico requer uma visão crítica do princípio da

imparcialidade durante todo o tempo.

Manter a imparcialidade impõe precauções extremas durante o planejamento

integrado. No desenvolvimento de um UNDAF para apoio ao desenvolvimento de

um país haverá a preocupação de alinhar o planejamento estratégico do UNCT aos

objetivos de desenvolver capacidades nacionais. No desenvolvimento de um IAP

para a criação de uma OMP para desdobramento em um país, o alinhamento dos

objetivos do ISF com os objetivos do país anfitrião irão requerer muita cautela.

Caberá sempre a pergunta sobre o que deve ou não ser compartilhado com o

país anfitrião sem afetar a imparcialidade, bem como com relação a partes do

conflito honestamente interessadas em um processo político que vise a paz. Há

ainda outros ângulos a serem observados como a execução de uma justiça de

transição que impeça a impunidade de líderes de grupos armados ou do governo

que tenham cometido crimes; todo cuidado será pouco para que a percepção seja

de justiça e imparcialidade.

Dessa forma, a imparcialidade impacta como princípio no planejamento

estratégico integrado. A sua manutenção ou não como princípio durante o

planejamento estratégico poderá agregar ou afastar atores do sistema ONU e

externos.

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O planejamento estratégico baseado no mandato e na avaliação estratégica

poderá frutificar em boas condições se for realizado com um olhar sempre posto no

principio, especialmente quando a OMP estiver sendo configurada, os meios

estiverem sendo distribuídos, os países participantes das tropas de paz estiverem

sendo convidados a participar, os planejamentos e conceitos de operações dos

componentes estiverem sendo preparados. Acompanhando a configuração da OMP

e o desenvolvimento do Conceito da Missão e o ISF, estarão o país anfitrião,

organizações internacionais (como o CICV), países membros do CS e países do

entorno regional do país anfitrião, futura área de interesse da OMP.

4.3 NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO

MANDATO

Como ocorreu com os dois princípios fundamentais anteriores, o princípio do

não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do mandato foi reinterpretado

ao longo do tempo. Foi inicialmente formulado como não uso da força exceto em

autodefesa, um princípio dito universal e não propriamente específico para

manutenção de paz, muito próximo da legítima defesa.

Com o advento das operações de peacekeeping com unidades de tropa, em

que a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF – United Nations Emergency

Force) foi convocada com rapidez, como solução inovadora, para apoiar a resolução

da Crise do Canal de Suez em 1956, o uso da força foi explicitamente expresso na

resolução de autorização da UNEF como apenas para autodefesa e com as cautelas

necessárias.

Já em 1992 o Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali afirmava:

¨A lógica da manutenção da paz flue de premissas políticas e militares que são bastante distintas daquelas da imposição da paz; e as dinâmicas da última são incompatíveis com o processo politico que a manutenção da paz pretende facilitar. Embaralhar a distinção entre as duas pode reduzir a vialbilidade de uma operação de colocar em risco seu pessoal.”(An Agenda for Peace – ONU, 1992. Tradução própria).

O alerta de Boutros Boutros-Ghali dizia respeito as preocupações evidentes

na intervenção realizada na Somália em 1991, quando ficou patente a discrepância

entre o conflito complexo entre senhores da guerra e as contenções impostas ao uso

da força pela OMP.

Desde então, o uso da força em manutenção da paz tem evoluído na

proporção direta do aumento da complexidade das operações e dos desafios e das

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tarefas previstas nos mandatos.

Especialmente desde o término da Guerra Fria, o Conselho de Segurança

tem elaborado mandatos robustos, com latitude de uso da força pelas OMP

grandemente ampliado. Expressões que autorizam o “uso de todos os meios

necessários” para implementar o mandato também passaram a caracterizar os

mandatos ditos robustos. Tarefas do mandato como manter o ambiente seguro e

estável, deter grupos que perturbem o processo político e proteger civis sob risco

iminente de violência física, foram incorporadas na medida em que componentes

militares de missões de paz tornaram-se mais operacionalmente capazes. As

tragédias em Ruanda (1994) e na Bósnia (1995), entre outras, aceleraram processo

de robustez das OMP e ajudaram a consolidar a proteção de civis como uma

obrigação moral e legal. A proteçãoo de civis como tarefa do mandato foi um forte

propulsor da robustez das OMP, com maior emprego do uso da força.

Certamente peacekeeping não é enforcement (imposição), e esta distinção é

feita com base no princípio do consentimento. Novamente a Doutrina Capstone é a

fonte para entendimento da diferença.

¨Embora no terreno eles posssam às vezes parecerem similares, a manutenção da paz robusta não deve ser confundida com a imposição da paz, como visualizada sob o Capítulo VII da Carta. O peacekeeping robusto envolve o uso da força no nível tático, com a autorização do Conselho de Segurança e o consentimento da nação anfitriã e ou das principais partes do conflito. Em contraste, a imposição da paz não requer o consentimento das principais partes e pode envolver o uso da força militar no nível estratégico ou internacional.”(Capstone Doctrine – ONU, 2008. Tradução própria).

Doutrinariamente fica clara, então, a distinção entre as duas modalidades de

intervenção autorizadas pelo CS. As OMP mais desafiadoras são estabelecidas com

várias tarefas do Capítulo VII da Carta, com o uso de todos os meios necessários,

inclusive a força para cumprir o mandato.

Voltando a doutrina, ela enfatiza que o uso da força deve ser o último

recurso, quando todos os outros falharam (especialmente a negociação e a

mediação políticas). A principal finalidade é: ¨…o uso da força para influenciar e

deter grupos negativos que trabalham contra o processo de paz ou buscam causar

mal a civis, e não procurar a derrota militar dos mesmos.”(Capstone Doctrine – ONU,

2008. Tradução própria).

Por vezes, tem ocorrido, em missões de paz multidimensionais robustas,

situações em que o uso da força para defender o mandato implica em atuar contra

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grupos negativos de modo robusto e firme. Não se deve esquecer, como visto no

planejamento integrado, que o processo político está acima de tudo e que mesmo as

mais importantes operações militares com largo emprego da força visam a redução

de resistências ao processo de paz ou a proteção da população de ataques de

grupos armados.

O planejamento deve ser feito com vista a trazer o grupo armado para o

processo político e não buscar a sua derrota. Esse conceito foi alterado para a

situação específica da MONUSCO, com a criação da Brigada de Intervenção da

Força (FIB – Force Intervention Brigade), assunto do Capítulo 6 deste trabalho.

É fato de que o uso da força no nível do terreno, nível operacional da OMP,

requer considerações e cautelas, planejamento acurado e conhecimento detalhado

do ambiente. Estará sempre em jogo a percepção de imparcialidade pela sociedade

local e pelos atores envolvidos.

Vários fatores serão levados em conta para o uso da força em defesa do

mandato, uma expressão em que cabe todo o tipo de ação, como, por exemplo: as

capacidades da missão, a oportunidade para fazê-lo, a natureza, as intenções e as

capacidades das ameaças (inclusive de retaliação contra a população), as

percepções públicas, o impacto humanitário e sobre os direitos humanos, a proteção

da força, e o efeito e as consequências da ação ou inação sobre a população e o

consentimento dado pelas partes (em particular o país hospedeiro da OMP).

O uso da força é disciplinado por meio de regras de engajamento (ROE –

Rules of Engajement) e diretrizes para o uso da força (DUF - Directives for the Use

of Force) para militares e policiais, respectivamente, da OMP. Estas regras traduzem

a Lei Humanitária Internacional para o contexto da manutenção da paz e devem ser

exaustivamente treinadas por tropas e pessoal dos países contribuintes com para

missões multidimensionais.

O planejamento estratégico integrado deve considerar cuidadosamente o

impacto do mandato e seu desenvolvimento em planos derivados, como o Conceito

da Missão e os conceitos de operações dos componentes militar e policial

(CONOPS). Entidades do sistema ONU, que farão parte do planejamento

estratégico, estarão atentas às capacidades desejadas e a formulação operacional

da OMP para decidir sobre seus engajamentos e comprometimento no processo.

Os participantes do planejamento estratégico sabem que, em geral, quanto

mais a OMP utilizar a força maior será a chance de haver percepção de parcialidade

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e redução do nível de consentimento.

O desenvolvimento do Conceito da Missão e as Diretrizes para o

Representante Especial do Secretário Geral, a serem elaborados por uma ITF, serão

escrutinados na busca de um claro entendimento de capacidades e determinação

em implementar o mandato. Os conceitos de operações dos componentes militar

(principalmente) e policial detalharão, de modo reservado, os objetivos, as tarefas e

as responsabilidades atinentes ao uso da força em defesa do mandato. Os

participantes do planejamento estratégico, integrantes da ITF, compreendidos nas

suas ações e prováveis consequências.

Na condução dos trabalhos pela ITF, a confiança a ser construída e o

consequente comprometimento com o planejamento poderá flutuar segundo:

a) uma maior ou menor percepção de que o consentimento do país anfitrião e

das principais partes do conflito é real e se traduzirá em liberdade de ação e

segurança;

b) a clareza quanto ao entendimento de imparcialidade para o caso específico

das partes em conflito existentes no contexto; e,

c) as capacidades visualizadas do componente militar em geração de força

(qualidade e quantidade de tropas e equipamentos) e as tarefas do mandato que

exigirão o uso da força em sua defesa.

As entidades do sistema ONU, especialmente aquelas pertencentes ao

UNCT, serao mais suscetíveis à coordenação e integração se os três princípios

fundamentais forem discutidos durante o planejamento, com clareza suficiente sobre

o alcance e as consequências práticas de cada um deles visualizada no terreno. De

outro, o planejamento estratégico pode ser enfraquecido, incompleto, pouco viável

ou com nós difíceis de serem desatados quando do planejamento operacional no

terreno, momento crítico em que a OMP em formação planeja e executa tarefas

altamente complexas.

As mesmas considerações podem ser aplicadas às instituições externas

convidadas a participarem de etapas do planejamento estratégico, com a ressalva

de que muito maior atenção deve ser dada ao fato de que, por não pertencerem ao

sistema ONU, terão por vezes limitada compreensão do processo e mesmo idéias

pré-concebidas sobre a ONU, a OMP e peacekeeping em geral.

Por outro lado, é visível que o processo de planejamento amparado pelos

princípios fundamentais confere uma legitimidade imediata à OMP: ele é

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transparente, regulado e aceito pelos Estados-Membros, tem caráter internacional e

participação abrangente e é autorizado pelo Conselho de Segurança.

Em um outro tópico, o uso da força em defesa do mandato da MONUSCO

chegou a um patamar inédito em 2013, mas específico para uma única OMP. O CS

autorizou a criação e o desdobramento de uma brigada de intervenção (FIB – Force

Intervention Brigade) para que o componente militar da missão e a liderança política

pudessem fazer frente aos duros desafios impostos por grupos armados do leste do

Congo. Nos capítulos seguintes esta questão será discutida.

O princípio fundamental do não uso da força exceto em autodefesa e em

defesa do mandato deve ser observado já durante a fase de planejamento

estratégico integrado da missão de paz. O desenvolvimento de conceitos

operacionais e planos de ação pelos componentes da missão e a configuração final

em recursos humanos, materiais e financeiros, realizados durante o planejamento,

devem atentar para como se pretende utilizar a força em defesa do mandato na

OMP no terreno. Alguns meios não estarão sob o controle do componente militar –

helicópteros são uma boa ilustração de meios militares de mobilidade sob o controle

civil – e deverão ser cedidos por outros componentes mediate um entendimento

conjunto das tarefas planejadas a nível estratégico para empregar a força.

O contido nos mandatos atuais de OMP multidimensionais certamente

apresentam tarefas que requerem robustez na ação de força dos peacekeepers,

especialmente os militares. Contudo, somente a correta tradução dessas tarefas

operacionais em planos derivados a serem aplicados no terreno indicará quão crível

a OMP será no emprego da força para implementar o seu mandato, com

consequências diretas na disposição e engajamento de outros atores nos

planejamentos estratégico integrado e operacional, e na execução no terreno.

4.4 CONCLUSÕES PARCIAIS

O exposto no capítulo procurou comprovar a efetiva influência dos princípios

fundamentais das OMP, formulados na Doutrina Capstone, durante a fase de

planejamento estratégico.

As entidades do sistema ONU que são convocadas a participar do

planejamento estratégico, como parte de uma ITF ou eventualmente convidadas, de

fato o fazem. Entretanto, o grau de envolvimento e comprometimento dessas

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entidades no planejamento será variável conforme haja transparência e diálogo

entre os elementos do sistema ONU, além de ouros fatores cruciais como tempo

disponível e lideranças adequadas.

Um instrumento de gestão da implementação do mandato como o ISF

somente será adequadamente produzido se as entidades do sistema enxergarem

claramente que os princípios fundamentais estão sendo observados e que há

transparência no entendimento de cada um deles. Como visto anteriormente, a

avaliação de vantagens comparativas de distintas entidades do sistema ONU

somente será real se um verdadeiro ambiente de confiança for estabelecido e

nenhum agente omita suas reais capacidades. Da mesma forma, a decisão sobre

prioridades e responsabilidades que também estará expressa no ISF terá bons

resultados se os participantes da ITF entenderem que consentimento, imparcialidade

e não uso da força exceto em autodefesa e defesa do mandato estão refletidos em

objetivos, capacidades e tempo de execução das tarefas do mandato.

O desenvolvimento dos planos e ferramentas que visarão o andamento

satisfatório do processo politico, permitirão a consciência situacional por meio de

monitoramento integrado, a implementação de tarefas de cada componente a

também a produção de respostas multidimensionais são dependentes do

planejamento estratégico integrado que elaborará o conceito e expedirá diretrizes

que orientarão os planejamentos da OMP no nível operacional. Não é incomum que

OMP multidimensionais sejam quase que destinadas a começarem suas operações

de modo deficiente porque a discussão franca e tansparente entre os membros da

ITF não teve lugar ou não foi profunda o suficiente.

Pode-se, ao término deste capítulo, concluir parcialmente que os princípios

estão formulados de modo claro e que parecem adequados e atuais para os fins do

planejamento estratégico que origina uma operação de manutenção da paz

multidimensional. Requerem, no entanto, atenção cuidadosa pelos representantes

das entidades que participarão da ITF que liderará o planejamento, quanto ao

entendimento comum das nuances de interpretação possíveis em face ao contexto

específico do teatro em que a OMP vai desdobrar e operar.

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5 O PLANEJAMENTO OPERACIONAL E OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

No Capítulo 3 foi discutido o planejamento integrado de nível político-

estratégico, e no Capítulo 4, as implicações dos princípios fundamentais sobre o

processo de geração de uma OMP em áreas de conflito moderno. As estruturas de

planejamento e integração no nível operacional foram também brevemente

abordadas. Neste capítulo, a elaboração da discussão passará pelo subsequente

planejamento operacional, com abordagens sobre a implementação do mandato da

missão e os relacionamentos existentes com os princípios fundamentais das

operações de paz.

Deve-se notar que no nível político-estratégico a maior parte do planejamento

é elaborado, comparativamente com a etapa do planejamento operacional. Isto se

deve ao fato de que os planejadores de nível operacional (ou seja, a liderança da

OMP e seus staff) ainda não foram selecionados e não estão em campo. Dessa

forma, o Quartel-General expede diretrizes e orientações e forma uma ITF para fazer

o planejamento estratégico e iniciar o operacional, de modo que a cabeça da missão

seja desdobrada com as orientações e o planejamento adiantados.

É no terreno que os ajustes, correções, complementações e

redirecionamentos do planejamento estratégico (IAP) são realizados e constituem-se

na parte mais significativa do que se denomina o planejamento operacional. É a fase

em que o comando da OMP, já no terreno, faz as propostas de alteração do

planejamento estratégico ao Quartel-General da ONU em Nova York. Nesse

momento, os princípios fundamentais passam a ser vistos de uma dimensão de

muito maior prática, tendo em vista que a configuração da missão toma forma para,

na prática do terreno, começar a implementar um mandato.

Os planos de nível político-estratégicos oriundos do Quartel-General em Nova

York são então confrontados com o terreno e ajustados para enfrentar a realidade

vivida pela missão.

A partir daí, o planejamento operacional é consolidado e os documentos

derivados (ISF, Conceito da Missão, conceitos operacionais de componentes, planos

de trabalho, ROE e DUF, SOMA ou SOFA e etc) são continuamente ajustados

segundo a dinâmica do processo político de paz e os ditames do contexto

operacional.

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Os princípios fundamentais tem vasta aplicabilidade no ajustamento dos

planos e principalmente na execução das tarefas previstas no mandato da OMP,

quando devem se mostrar suficientemente sólidos para justificar ações de caráter

político e operacional, muitas vezes com o emprego de violência controlada e

autorizada pela missão.

O planejamento operacional será realizado em condições nem sempre

favoráveis de infra-estrutura e tempo disponível, especialmente no contextos em que

o conflito prossegue e apenas um cessar fogo ou acordo de paz frágil são obtidos.

Na maioria dos casos, a OMP lutará para criar corpo e tornar-se operativa, em

pouquíssimo tempo, em meio a um turbilhão de atores, simpáticos ou hostis à

presença da missão. Nas áreas de conflito moderno, atuam atores de toda a

natureza, alguns deles sem nenhum respeito pelas leis internacionais e com pouco

ou nenhum interesse em um processo político a ser iniciado pela liderança da OMP.

A liderança e o Estado-Maior da OMP terão pouco tempo e muitas tarefas

para fazer a missão funcionar o mais rápido possível. Em alguns casos, devem agir

simultaneamente com vistas a várias frentes de atuação, tendo de enfrentar crises

locais com suas capacidades de operação no terreno ainda incompletas.

Quanto mais cedo a presença integrada da ONU for visível no terreno e

começar a operar, maior a chance de impactar positivamente sobre as partes do

conflito e obter um momentum favorável para o processo político. É importante notar

que a presença integrada dificilmente acontecerá imediatamente; ela provavelmente

ocorrerá de forma gradual, com a construção da confiança entre o UNCT e a OMP, e

o ajustamento e realinhamento dos planos estratégicos às realidades do terreno.

Entender sumariamente como funciona o planejamento de nível operacional é

relevante para, mais adiante, a compreensão da influência dos princípios

fundamentais, especialmente na maioria das atuais missões de paz, mergulhadas

em áreas de conflito moderno com imensas dificuldades para se firmarem e

iniciarem a implementação de mandatos ambiciosos.

5.1 PLANEJAMENTO OPERACIONAL

O planejamento operacional é aquele realizado pela liderança e o staff da

OMP já no terreno, com base nos documentos produzidos e orientações proferidas

pela ITF e pelas lideranças do DPKO e DFS no Quartel-General da ONU em Nova

York. Algumas vezes o DPA também participa do planejamento operacional em

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função de necessidades políticas da missão multidimensional. O DPA lidera o

processo de planejamento quando se trata de uma Missão Política Especial.

Um ponto de partida conveniente para o exame das implicações dos

princípios fundamentais no terreno, é considerar uma operação de manutenção da

paz com mandato definido e expedido pelo Conselho de Segurança (etapa finalizada

no último capítulo).

Neste momento, a OMP, nos seus primeiros meses de vida, iniciará o seus

desdobramentos (de pessoal, material e estruturas) e conduzirá um esforço brutal

para tornar-se operativa em um novo ambiente, seja de pós-conflito ou de conflito,

com a maior rapidez possível. A OMP dispõe do planejamento político-estratégico

detalhado oriundo do trabalho da ITF, mas necessita, no menor espaço de tempo,

fazer os ajustes segundo o contexto real do país hospedeiro da missão.

Áreas de conflito e pós-conflito atuais na República Democrática do Congo

(MONUSCO), no Mali (MINUSMA), no Líbano (UNIFIL – United Nations Interim

Force in Lebanon) ou na República Centro-Africana (MINUSCA – United Nations

Mission in the Central African Republic) propõem situações extremamente

complicadas e mandatos altamente ambiciosos. A despeito das diferentes naturezas

dos conflitos, dos atores em presença e dos aspectos geográficos, OMP antigas

como a MONUSCO ou muito recentes como a MINUSCA apresentam características

comuns ao conflito moderno, que necessitam de um planejamento operacional

focado em soluções contextualizadas, transparentes e discutidas com os atores da

situação de conflito.

Nestes contextos de conflito moderno, agentes não-estatais como grupos

armados com significativas capacidades militares, não respeitosos à lei internacional

e que desprezam soluções políticas, ameaçam os processos de paz em ambos os

países e, por consequência, a própria credibilidade e legitimidade das duas OMP.

Nesses exemplos, o planejamento operacional vai oferecer as ferramentas para que

as ameaças sejam entendidas e contidas segundo os princípios fundamentais das

OMP.

O quadro abaixo esquematiza de modo simplificado as principais atividades

de planejamento inseridas no planejamento operacional e mostra as

responsabilidades gerais, antes e depois da expedição do mandato.

A partir da Diretriz ao Representante Especial e o draft do ISF entregues pela

ITF à liderança da OMP, a responsabilidade por fazer a missão surgir e funcionar no

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terreno é da cabeça da Missão, com apoio do Quartel-General da ONU e do UNCT.

Figura 3: Atividades relacionadas ao planejamento operacional.

Fonte: Mission Start-up Field Guide (modificado pelo autor).

O Time de Liderança Sênior da Missão (SMLT – Senior MIssion Leadership

Team), antes de ser desdobrado no terreno, tem contato com a ITF e recebe em

mãos as orientações e os documentos chave para o desenvolvimento do Conceito

da Missão, plano que de fato busca atribuir tarefas e responsabilidades e é

intimamente ligado à implementação do mandato. Drafts dos conceitos de operação

dos componentes miltiar e policial são preparados pelo DPKO, bem como outros

CONOPS ou planos de trabalho de outros componentes da OMP também podem

ser produzidos. A liderança da missão, em particular o Chefe da Missão, recebe

então orientações pessoais dos Chefes do DPKO e do DFS, dentre outras

autoridades do Secretariado.

Desdobramento

da OMP

Mandato expedido

pelo CS

Desenvolvimento

do arcabouço

legal

Início do diálogo

com as partes /

Processo Polí co

Estabelecimento

do apoio logís co

Desenvolvimento

de planos

decorrentes

Recrutamento de

staff individual

Financiamento da

OMP

Diretriz ao SRSG e

dra ISF

Liderança da

OMP no

planejamento

com apoio do

DPKO/DFS

Liderança do

Secretariado no

planejamento

Ajustamento do Conceito da

Missão e CONOPS de

componentes

Capacidade

Opera va Inicial

Capacidade Opera va

Completa

Desenvolvimento do Conceito

da Missão e CONOPS de

componentes

Geração de

con ngentes

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Uma OMP é desdobrada por etapas, supervisionadas pelo SMLT e pelo

DPKO/DFS. A primeira etapa é levada a cabo por uma equipe pequena denominada

Time Avançado (AT – Advanced Team), que irá organizar a infraestrutura básica e

os sistemas iniciais para o funcionamento da OMP. O AT vai preparar o terreno para

o desdobramento de grandes quantidades de staff e dos contingentes militares e

policiais.

A etapa seguinte é implementada pelo desdobramento do Quartel-General da

MIssão (MHQ – Mission Headquarters). É neste momento que o SMLT chega à àrea

da Missão e que os sistemas de comando e controle e de gestão começam a ser

melhor estruturados.

O SMLT vai expedir diretrizes para a instação do JOC, do JMAC, do JLOC, da

IMTC e de outras estruturas integradas, bem como diretrizes para os componentes

da OMP. Um bom número de staff administrativo, logístico e dos componentes

substantivos (militar, policial, direitos humanos, politico, financeiro e etc) também

desembarca no país anfitrião e inicia a instalação de seus sistemas e da

infraestrutura correspondente. Os primeiros contingentes de tropas chegam no

terreno e a OMP desdobra seus primeiros elementos afastados do MHQ.

Esta etapa visa o estabelecimento de uma capacidade operativa inicial (IOC –

Initial Operating Capability), que deve ser atingida antes de começar a realização

das tarefas essenciais do mandato e gerir a estruturação da missão. A IOC significa

na prática que funções-chave foram ocupadas, que os componentes da OMP estão

sendo formados e seus planos estão prontos, que a infraestrura para receber o

grosso dos demais elementos está estabelecida e que o dispositivo de segurança da

Missão está colocado e funcionando. Planos, como, por exemplo, o Conceito da

Missão e o ISF, devem ser aprovados pela OMP e pelo UNCT.

Finalmente, a OMP encorpa com a chegada dos demais elementos

constitutivos de seus componentes e pelo funcionamento pleno de seus sistemas e

processos, podendo, então, atacar as tarefas impostas por seu mandato. A

capacidade operativa completa (FOC – Full Operating Capability) é alcançada

quando:

a) recursos suficientes para implementar o mandato estão prontos;

b) os planejamentos operacionais já foram adaptados do nível estratégico; e,

c) o orçamento e o processo de gestão da Missão estão funcionando.

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O processo de planejamento operacional traz em seu bojo uma série de

riscos que podem gerar o insucesso. A escassez de recursos, o não desdobramento

rápido de pessoal e meios, a estabilização parcial do ambiente, a má qualidade de

recursos humanos em componentes-chave da estrutura da missão, a baixa

cooperação do UNCT, a liderança deficiente, a resistência do país anfitrião devido

ao baixo consentimento e muitos outros fatores podem inibir ou mesmo incapacitar a

OMP. O tempo é normalmente a commoditiy mais valiosa para a liderança da

missão.

A OMP deve crescer sustentável e rapidamente, enquanto deve resolver

problemas complexos. É uma situação difícil, considerando-se que foi concebida e

dimensionada para resolver um problema político complicado mas que somente

atingirá sua plena capacidade operacional muito depois de oficialmente ser lançada

no terreno.

Corroborar, ajustar ou corrigir (se a dinâmica do conflito ou o ambiente

mudaram) o planejamento estratégico no mais curto espaço de tempo exige a

presença coordenada não somente do SMLT, mas também do UNCT.

Quando do ajustamento de planos esboçados ou completos oriundos do

Quartel-General da ONU, como o Conceito da Missão e os CONOPS dos

componentes, alguns dos atores desdobrados no terreno (da ONU/UNCT ou

externos a ONU) poderão ser chamados a participar do planejamento operacional da

OMP.

O país hospedeiro da OMP, em particular, terá um peso grande como ator e,

por isso, será ouvido em diversas oportunidades, sempre que for possível conjugar

ações de interesse direto do governo, como, por exemplo, a proteção de civis da

população ou ações que estimulem o desenvolvimento econômico, com os

interesses da OMP.

Nesse mister, a interação da OMP com o governo local, obviamente, será

parcial, pois algumas informações poderão não ser dadas ao conhecimento do país

anfitrião. Elas talvez sejam classificadas e reservadas, pois nem sempre o país

anfitrião é um parceiro totalmente confiável em alguns temas sensíveis (proteção de

civis, justiça de transição, projetos econômicos com doações internacionais e etc), e,

eventualmente, pode postar-se um antagonista durante o processo politico.

Como anteriormente discutido, os planejamentos operacionais resultam em

documentos centrais (conceito da Missão, ISF, CONOPS dos componentes, entre

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outros), alguns previamente preparados a nível estratégico pela ITF, que

proporcionam a gestão da OMP e a condução de atividades que objetivam a

execução de tarefas do mandato.

Dos documentos centrais do planejamento operacional nascerão outros

planejamentos que mostrarão como tarefas críticas de menor nível ligadas às tarefas

do mandato serão executadas. Tomando o exemplo do componente militar:

a) o Conceito da Missão, na seção correspondente, descreverá quais são as

tarefas e responsabilidades do componente militar;

b) o CONOPS Militar definirá com maior detalhes as tarefas do mandato,

essenciais e de apoio, responsabilidades, áreas de responsabilidade e outras

medidas de coordenação;

c) os planos de campanha e de operações, de contingência, as ordens de

operações e as ordens fragmentárias atenderão a situações específicas ligadas às

tarefas contidas no CONOPS;

d) as diretrizes do Comandante da Força, os planos de coleta de informações,

de gerenciamento de risco, as ROE e vários outros documentos completarão as

orientações necessárias para que o componente militar possa cumprir as suas

missões adequadamente. �

Para todos os demais componentes haverá planos decorrentes das diretivas

do SMLT, do Conceito da Missão, do ISF e de outros documentos ou orientações.

Haverá um CONOPS policial e outro de apoio administrativo e logístico, assim como

planos de tabalho para todos os demais componentes da OMP, segundo a

organização da própria OMP para cumprir as tarefas do mandato.

A preparação do plano político que visa a paz sustentável e seus reflexos nos

campos de paz e segurança, assistência humanitária e desenvolvimento,

obviamente buscará a inserção do consentimento, da imparcialidade e do não uso

da força exceto em defesa própria ou em defesa do mandato.

O SMLT é diretamente responsável para que os três princípios fundamentais

sejam observados, já na configuração da Missão no terreno. O SMLT dá o tom e a

interpretação dos princípios fundamentais e orienta a dosagem dos mesmos por

meio da expedição de documentos, da condução de reuniões, da realização de

inspeções, da orientação dos trabalhos, da produção de diretrizes e de se fazer

presente, com a maior transparência de propósitos, junto aos múltiplos atores no

terreno. A presença capilarizada da OMP no terreno é planejada também para

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monitorar o nível de consentimento e de imparcialidade e o grau de emprego da

força pela OMP.

5.2 OS PRINCÍPIOS E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL

Similarmente ao que ocorre durante o planejamento estratégico, os princípios

devem estar presentes durante o planejamento operacional. Na fase de

planejamento estratégico integrado os princípios fundamentais tem grande

importância, por funcionarem como elementos de filtragem de interesses e de

convergencia de objetivos. No planejamento operacional cresce de importância a

participação efetiva dos atores no terreno.

É inegável que uma OMP em formação, ainda tentando atingir a sua

capacidade operativa inicial (IOC – Initial Operating Capability), pode depender

muito do UNCT para apoio em informações, orientação política e aclimatização com

o ambiente operacional.

É o UNCT que está em contato com o governo nacional já há um tempo

ponderável e, muitas vezes, também com grupos em oposição ao governo. O UNCT

também está certamente em relações de trabalho ou de contato com inúmeras

ONGs que operam no país. Projetos de desenvolvimento nacionais ligados a

doadores internacionais, por vezes expressos por meio de uma UNDAF, são da

mesma forma, escopo do UNCT. Desse ângulo, é possível perceber o quanto é

importante para a OMP fazer o reajuste dos planos estratégicos à luz do terreno,

contando com o apoio do UNCT.

O SMLT e o pessoal que trabalha nas lideranças dos componentes (militar,

policial e civis ou temáticos) da OMP no Quartel-General da Missão devem dar

suficiente atenção ao que diz o UNCT. Devem, ainda, consultar o UNCT

cuidadosamente durante o processo de planejamento operacional, de modo que os

proncípios fundamentais estejam sendo respeitados e reforçados no reajuste dos

planejamentos.

O planejamento para o cumprimento da tarefa de proteção de civis é um

excelente exemplo de reajuste do ISF, do Conceito da Missão e do CONOPS Militar.

Sabe-se que o governo nacional tem a responsabilidade primária na proteção de

seus próprios cidadãos e que a OMP deverá atuar em situações em que o governo é

incapaz, inábil ou não deseje executar a proteção.

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Como parte do planejamento estratégico, a tarefa de proteção de civis possui

benchmarks listadas no ISF e tarefas assignadas no Conceito da Missão que serão

revisadas durante o planejamento operacional. Examinando o princípio do

consentimento pode-se entender quão delicado é a revisão do ISF e do Conceito da

Missão.

É preciso exercitar um verdadeiro espírito de equipe para juntos, OMP e

UNCT, discutirem pontos relevantes do ISF e verificar como o governo do país

anfitrião vai lidar com a abordagem da ONU em seu território. Uma pergunta justa e

realista nesse caso pode ser: como atuar em socorro da população contra grupos

armados hostis sem ferir suscetibilidades, sem demonstrar arrogância e sem deixar

qualquer incapacidade nacional patente, e ainda mais, sem perder a credibilidade da

OMP?. Algum grau de troca de informações quanto às capacidades nacionais e a

vontade política para proteger civis deve ser estabelecido pela OMP com o governo

nacional, projetando como pano de fundo o princípio do consentimento.

Fixando-se ainda o tema da proteção de civis, quando do ajuste dos

CONOPS, especialmente o CONOPS Militar, quais serão as atividades operacionais

militares da OMP, em que o uso de sua liberdade de ação não comprometa a

participação ou cooperação das forças de segurança nacionais?. E se essas

mesmas forças de segurança nacionais atacarem os seus cidadãos? Como manter

o nível de consentimento do governo do país anfitrião necessário para continuar

atuando? Estas são deliberações necessárias cujas consequências podem ser

desastrosas em perda de consentimento pela missão. O planejamento operacional

deve responder a essas perguntas e contemplar outras hipóteses.

Em que pesem estas situações estarem diretamente ligadas à implementação

do mandato, é na fase do planejamento operacional que as possibilidades e

limitações operacionais serão delineadas e colimadas nos documentos de

planejamento. Ou seja, se o princípio do consentimento não estiver muito bem

discutido e inserido dentro destas possibilidades e limitações operacionais, sempre

considerando o processo político em curso, chances existem de que a OMP cometa

erros que prejudiquem o consenso em torno de sua presença consentida no país.

Raciocínio análogo pode ser feito com relação aos princípios da

imparcialidade e do não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do

mandato. Na análise dos documentos recebidos do Quartel-General (QG) da ONU, o

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QG da OMP vai preocupar-se em verificar se estes dois princípios também estão

plenamente inseridos, guardados os limites que o ambiente político pode demarcar.

A imparcialidade é muito percebida do ponto de vista do próprio uso da força

pela OMP, no sentido de a OMP não ser neutra em face de agressões ao mandato

por partes do conflito.

A questão pode também ser vista por outros prismas. Um deles é o

planejamento operacional de atividades ligadas a peacebuilding e, eventualmente, a

desenvolvimento. Durante o planejamento operacional, por exemplo, é importante

discutir como as atividades que de alguma maneira benficiarão as comunidades

nacionais, em áreas controladas pelas diferentes partes do conflito, serão

executadas, de modo a passar a clara impressão, durante as atividades, de que não

há favorecimento a nenhuma área populacional ou região. Provavelmente haverá

muito pouco espaço para improvisações futuras na execução das tarefas se o

planejamento operacional for realizado sem uma grande atenção ao princípio da

imparcialidade aplicado a todas as atividades planejadas da OMP.

Quanto ao não uso da força exceto em autodefesa em em defesa do

mandato, pode-se explorar facilmente, como exemplo, o planejamento operacional

do componente militar. É patente que as tarefas do Componente Militar previstas no

Conceito da Missão, melhor elaboradas e definidas no CONOPS Militar e daí para

planos de campanha e ordens de operação, tratarão do uso da força pela OMP.

Naturalmente, a caracterização de ameaças, as ações operacionais militares,

a redução de riscos quanto a danos colaterais, a proteção da Força e muitos outros

aspectos serão objeto de análise, desenvolvimento de novos planos operacionais e

reajuste de planos estratégicos. Este é um princípio extremamente ligado ao

componente militar da missão, cuja tradução para ações operacionais deve ser alvo

de cuidados planejamento. O princípio, porém, também se aplica ao componente

policial quando dispõe de unidades de tropa vocacionados para o controle de

distúrbios civis.

O quadro abaixo pretende mostrar as principais tarefas a serem realizadas

pela OMP quando do recebimento da Diretriz de Planejamento ao SRSG e do

esboço do ISF. Nele foram posicionadas graficamente algumas das influências dos

princípios fundamentais sobre o planejamento operacional (e sobre produtos do

planejamento estratégico).

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Figura 4: Desdobramento de uma OMP multidimensional e tarefas sob influência dos

princípios fundamentais.

Fonte: Mission Start-up Field Guide (modificado pelo autor).

Pode-se observar que os princípios influem diretamente em muitos dos

processos ou produtos do planejamento operacional. Alguns pontos explicativos

sobre o quadro podem ser lidos em seguida.

No desenvolvimento do arcabouço legal, um Status of Forces Agreement

(SOFA) ou Status of Mission Agreement (SOMA) somente poderão ser assinados

entre o país anfitrião e a OMP se houver consentimento pleno por parte do governo

nacional. Regras de Engajamento (ROE, para os militares) e Diretrizes para o Uso

da Força (DUF, para a polícia) serão produzidas observando-se o maior critério

possível de imparcialidade.

No estabelecimento planejado do diálogo político com as partes, um elevado

grau de consentimento e imparcialidade devem ser conquistados e mantidos como

única forma segura para avançar um processo políico que vise a uma paz

sustentável. O diálogo com interlocutores da comunidade internacional também

SOMA/SOFA

ROE

Maintain Political Dialogue

Logistical support

Mission planning Staff recruitmentContingent/force

recruitmentMission financing

Develop legal framework

With Parties

With international community

SDS deployment

Contracting

Mission Asset

Transfer

Movement planning

Police Use of Force Directive

Recruitment

Mission transfers

Material resource planning

Experts on mission (UNMO/Police)

Movement planning

Pre-deployment

visits

TCC/PCC Recce Visits

Conduct MOU

negotiations

Budget authorized by

General Assembly

Budget defence

Budget estimate

MISSION DEPLOYMENT

Mission Concept

Military CONOPS

Police CONOPS

Support CONOPS

CONOPS for other

mandated tasks

Desenvolvimento

do arcabouço

legal

Diálogo

polí co

Desenvolvimento

de planos

Apoio

logís co

Recrutamento

de staff

individual

Geração de

força /

con ngentes

Financiamento

da OMP

SOMA / SOFA

ROE

DUF

Com as partes

Com a comunidade internacional

Planejamento do material

Uso de estoques

estratégicos

Contratações

Meios de outras OMP

Plano de movimento / desdobramento

Conceito da MIssão

Conceito de Operações

Militar

Conceito de Operações

Policial

Conceito de Operações de Apoio

Outros conceitos para outras tarefas do mandato

Recrutamento de staff civil,

inclusive local

Transferência de staff de

outras OMP

Recrutamento de Obs Mil e Policiais dos

Estados Membros

Visitas de reconhecimento pelos Estados

Membros

Visitas de inspeçào do DPKO aos Estados Membros

Negociações e assinatura do

Memorando de Entendimento

Plano de movimento de contingentes

Estimativa de orçamento

Defesa do orçamento junto

a Assembléia Geral

Orçamento autorizado pela

Assembléia Geral

Desdobramento

da OMP

Consentimento

Imparcialidade

Não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do mandato

Mandato expedido

pelo CS

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necessita de ambos os princípios, decisivos para que a legitimidade imediatamente

recebida com a autorização da OMP pelo CS seja conquistada e mantida no terreno.

Com relação ao planejamento operacional para o apoio logístico, ressaltam

dois aspectos. O planejamento para a contratação de empresas privadas locais e

internacionais para o fornecimento de apoio logístico à OMP deve obedecer ao

princípio da imparcialidade de modo o mais transparente possível, evitando qualquer

percepção de favorecimento. Um outro aspecto diz respeito aos meios que podem

advir da cooperaçãoo entre OMPs, como por exemplo a cessão de helicópteros de

uma missão para a outra, que influencia tremendamente as capacidades relativas ao

uso da força.

Na concepção e reajuste dos planos operacionais propriamente ditos, cabe

dizer que todos sofrem a influência do consentimento, da imparcialidade e do não

uso da força exceto em autodefesa e em defesa do mandato, especialmente o

conceito da missão, o mais abrangente e do qual os outros conceitos de operação e

planos de trabalho derivam. Nos CONOPS militar e policial o princípio do não uso da

força exceto em autodefesa e em defesa do mandato deve ser registrado de

diversas formas, desde o conceito das ações táticas até o emprego de meios,

passando pelo controle das ações e dos danos colateriais possíveis.

No que tange a contratação de staff individual, o planejamento para a

contratação de recursos humanos locais deve ser realizado com total imparcialidade,

de modo a contemplar as diversas comunidades que formam a população do país

anfitrião. Da mesma forma, observadores militares e policiais individuais a serem

cedidos pelos Estados Membros devem ser convidados a participar com base em

critérios de contribuição dos países membros, geográficos e etc, de modo a que o

princípio da imparcialidade seja claramente demonstrado, sem preferência por

nenhum país contribuinte em particular.

A geração de força de contingentes militares e policiais também apresenta

aspectos com forte presença dos princípios fundamentais. As visitas, inspeções e

avaliações nos países contribuintes, que fiquem a cargo de equipes do DPKO ou da

OMP em formação, devem ser planejadas de modo a atuar no cumprimento de suas

tarefas com a maior isenção e imparcialidade. A imparcialidade também se

manifesta no momento em que a OMP planeja a chegada de contingentes na área

de operações sem favorecimento de país contribuinte quanto as melhores e mais

cômodas áreas operacionais e setores, balizando o seu planejamento estritamente

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pelo interesse da implementação do mandato. Os três princípios, por sua vez, estão

presentes quando da negociação entre os países contribuintes com tropa (militar ou

policial) e a ONU, já que este tipo de acordo, apesar de administrativo, deve refletir

consentimento, imparcialidade e influenciar de certa forma o uso da força, devido as

questões de localização e apoios que os contingentes terão para fluir suas

capacidades.

Finalmente, neste breve comentário sobre o quadro, ao mirar o orçamento

autorizado pela Assembléia geral para a OMP, é possível notar que o consentimento

é reflexo da contribuição de todos os Estados Membros da ONU para a conta de

peacekeeping, origem dos recursos financeiros para as operações de paz.

5.3 CONCLUSÕES PARCIAIS

O capítulo procurou demonstrar o impacto dos princípios fundamentais no

processo de planejamento operacional. O planejamento à luz do terreno,

subsequentemente ao planejamento estratégico e a criação da OMP é o momento

em que uma nova missão de paz reajusta planos estratégicos e concebe outros

novos de caráter operacional.

É um momento crucial porque a liderança da missão já tem um mandato mas

ainda não tem os meios; está altamente pressionada pelo tempo para estabelecer

um vínculo de confiança com as partes e com o UNCT e entregar os primeiros

resultados.

Os princípios devem necessariamente ser a todo o tempo pensados,

lembrados e analisados pelas equipes de planejamento, em face das demandas,

desafios, da necessidade de construção de alianças, do gerenciamento de

percepções, e etc.

Alguns riscos quanto a uma má impressão que a missão pode causar podem

ser evitados se os princípios são tidos como peças conceituais basilares que devem

ser observados em cada planejamento, pois, na prática, irão em breve ser

traduzidos para ações reais em tarefas de implementação do mandato.

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6 IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS

Um excelente planejamento operacional deverá proporcionar as melhores

condições para a implementaçãoo do mandato, mas de nenhuma maneira constituir-

se-á em garantia de sucesso.

Em 2013, após muitos anos, o Conselho de Segurança expediu uma

resolução tratando exclusivamente de peacekeeping multidimensional. Entre seus

parágrafos cabe destacar:

¨ [O Conselho de Segurança) enfatiza que a ação integrada entre atores de segurança e de desenvolvimento no terreno requer coordenação com as autoridades nacionais de modo a estabilizar e melhorar a situação de segurança e auxiliar na recuperação econômica, e sublinha a importância de esforços integrados entre as entidades das Nações Unidas no terreno para promover coerência no trabalho da ONU em situações de conflito e pós-conflito.”(UNSCR 2086 – ONU, 2013. Tradução própria).

Essa passagem chama a atenção para as dificuldades presentes na

implementação de mandatos modernos em operações multidimensionais, os quais

propõem tarefas de estabilização e segurança simultâneas a outras voltadas para a

área de desenvolvimento, todas a serem levadas a cabo em um ambiente volátil e

de fácil ruptura, com múltiplos atores da ONU e externos.

A arte de implementação de mandatos depende fundamentalmente de:

a) planejamento estratégico e operacional detalhados e viáveis;

b) de liderança competente e capaz no terreno;

c) da existência de recursos previstos no planejamento;

d) de apoio político consistente do Conselho de Segurança;

e) do relacionamento a ser construído com as partes e outros atores; e, não

menos,

f) da interpretação circunstanciada e da aplicação criteriosa dos princípios

fundamentais das operações de manutenção da paz.

Entre muitos fatores de êxito, sobressai a necessidade de lideranças

talentosas e experientes para levar a cabo tarefas complexas consolidadas em

mandatos ambiciosos.

6.1 OS PRINCÍPIOS E A IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATOS

Na fase de planejamento operacional, os princípios fundamentais terão um

caráter fortemente prático, em que a tradução dos mesmos pelos planejadores da

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OMP e atores externos à OMP que participam do planejamento causará influência

direta no comportamento da OMP em face de inúmeros desafios existentes na area

de operações.

Das variadas tarefas de um mandato específico de uma OMP

multidimensional, tem havido nos últimos anos a recorrência de tarefas que de certo

modo tem caracterizado esse tipo de operação de paz, notadamente no que se

chama atualmente de conflito moderno. Algumas destas tarefas tem uma resiliência

histórica e têm-se mantido constantes ao longo da existência da história da

manutenção da paz (monitoramento de acordos de paz e desmobilização e

desarmamento de ex-combatentes, por exemplo). Outras tarefas, por outro lado, são

mais atuais ou são históricas, mas potencializadas em função de desafios impostos

pelo conflito moderno.

Dentre as últimas, as mais recentes, foram escolhidas para efeito desta

discussão quatro tarefas certamente vitais para a implementação de um mandato de

operação de paz multidimensional: o processo politico de paz, o apoio à ajuda

humanitária, a proteção de civis e o apoio ao desenvolvimento.

Uma rápida visão a respeito destas tarefas aponta para:

a) o processo politico como o principal objetivo estratégico da OMP, devendo

ser inclusivo, transparente e pró-ativo, utilizando-se das capacidades da missão de

paz para levar as partes a um acordo duradouro; o processo politico estará ancorado

na busca da solução das causas profundas do conflito, para evitar-se que o conflito

retorne;

b) o apoio à ajuda humanitária como tarefa subsidiária da OMP, em auxílio a

OCHA que organizará o cluster de entidades humanitárias; crises humanitárias

naturalmente potencializam o conflito e oferecem oportunidades para agentes

negativos de toda a ordem;

c) a proteção de civis pelo país anfitrião como uma tarefa central do mandato,

cuja ação ou inação por parte da OMP no contexto de proteção afetará

tremendamente a reputação da missão; e,

d) o apoio às atividades de desenvolvimento, também um apoio de modo

secundário por parte da OMP, muitas vezes em apoio a atividades de peacebuilding,

cujo cluster sera coordenado pelo UNDP.

O Painel Independente de Alto Nível sobre Operações de Paz faz uma

ressalva importante sobre a interpretação dos princípios fundamentais, quando da

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preparação de planos e da execução das ações e atividades no terreno: que os

princípios jamais sejam usados como desculpa para omissão, especialmente com

relação a defesa do mandato, singularmente quanto a tarefas relacionadas com paz

e segurança e a proteção de civis.

A Capstone Doctrine traz uma discussão relativamente pormenorizada sobre

os princípios fundamentais e a implementação de mandatos que se pretende

explorar com aspectos um pouco mais distintos nos tópicos seguintes.

Para o exame dos princípios fundamentais a ser realizado em sequência,

será considerada uma OMP com capacidade operativa completa (FOC – Full

Operating Capability) alcançada.

Enquanto o consentimento é um princípio com igual peso estratégico e

operacional/tático, a imparcialidade e o não uso da força exceto em autodefesa e em

defesa do mandato são mais visíveis no terreno, no nível operacional.

6.2 CONSENTIMENTO

Antes de tecer considerações sobre as quarto tarefas eleitas para discussão,

é relevante entender alguns aspectos do consentimento quando da implementação

do mandato, de um ângulo de visada voltado para o governo nacional e de outro

voltado para elementos negativos com capacidades militares significativas. Em

ambos os casos, a população também é agente do consentimento e é, ao mesmo

tempo, afetada pela conduta dos atores supramencionados.

O governo nacional como ator. Como discutido anteriormente, o

consentimento estratégico foi dado pelo governo nacional na etapa que precede a

resolução do CS e o consequente planejamento estratégico. O consentimento tático,

o da implementação do mandato, também é considerado pleno por início das

atividades da OMP; entretanto, pode se deteriorar com o passar do tempo e de

situações em que os interesses do governo se choquem com os da operação de

paz.

É o caso de situações exemplificadas a seguir: em que a OMP desagrada o

governo nacional por diferir em projetos de desenvolvimento, ou a OMP é incisiva

quanto a situações de corrupção, ou, ainda, a OMP não é condescendente com

violações de direitos humanos por parte de forças de segurança nacionais.

Grupos armados e outros agentes negativos com capacidades militares como

atores. Aqui cabem duas posições gerais: o grupo armado assinou um acordo de

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paz, participa do processo politico de paz e mantém o consentimento nas regiões

sob seu domínio; ou o grupo armado não assinou nenhum acordo, não está

interessado em participar do processo político e faz oposição declarada a OMP. No

ultimo caso, o grupo ameaça a OMP e simplesmente não consente na presença da

missão, criando toda a sorte de dificuldades operacionais e de segurança, quando

não tornando-se um antagonista armado que ataca a missão.

Da população local a OMP também espera consentimento pleno. No início

das atividades a OMP goza deste consentimento pleno, pois a população nutre

grandes expectativas com relação a capacidade da operação de paz em alterar

positivamente e de modo rápido o contexto existente. Se a OMP não opera

eficientemente com relação aos outros atores, o governo e os grupos armados, o

consentimento da população decai rapidamente e interfere negativamente na

credibilidade da missão. Este processo gera repercussões muito negativas para a

OMP, pois esta terá dificuldades crescentes quanto a própria segurança de seus

militares, civis e policiais e de obtenção de inteligência necessária a manter a

consciência situacional e operar eficazmente.

Feitas essas reflexões, é possível examinar algumas consequências do

consentimento na implementação de tarefas do mandato.

a) Processo politico de paz. É, sem dúvida, o grande fio condutor da

presença da OMP no país. É o processo principal, em que são

depositadas as esperanças de uma paz duradoura e para o qual

convergem e contribuem uma série de atividades e de tarefas acessórias.

Evidentemente, o consentimento das partes é essencial para que o

processo politico mantenha sua legitimidade inicial e possa ser levado a

bom termo. Atores negativos que não estão interessados em uma solução

política e não dão seu consentimento, acabam por serem alvos de ações

de pressão da OMP (entre estas, possivelmente, ações militares) e da

comunidade internacional para participarem das negociações políticas.

b) Apoio à ajuda humanitária, à proteção de civis e ao desenvolvimento.

Determinados grupos armados que detém domínio territorial do país

regulam o consentimento para estas atividades da OMP e do UNCT.

Enquanto o UNCT e algumas ONGs negociam o acesso a parcelas da

população sob o jugo de grupos armados, a OMP, detentora do poder

militar e com mandato para usá-lo, exerce pressão para que o grupo

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armado não interfira na liberdade de ação da OMP e que a proteção dos

funcionários da ONU (da OMP ou externos) e da população possa ser

realizada.

6.3 IMPARCIALIDADE

Afora uma confusão conceitual entre neutralidade e imparcialidade carregada

por muitos anos antes do advento das missões multidimensionais e da Doutrina

Capstone, o aspecto mais crítico da imparcialidade na execução do mandato passa

por, principalmente, saber gerenciar a percepção dessa imparcialidade junto ao

governo nacional, aos grupos armados e a população local.

Assim tem sido em muitas missões de paz, em que o relacionamento entre a

OMP, o governo nacional e os grupos interessados no processo politico, pode variar

intensamente em função da percepção de imparcialidade que a missão de paz

passa a esses atores.

Não é uma situação de fácil explicação quando a OMP ataca militarmente um

grupo armado e não um outro; quando tolera a presença de um grupo em uma

região e não em outra. Comunicar as razões pelas quais a OMP atua contra um

grupo em dado momento e não contra outro é fundamental. A OMP deve atuar

sempre em defesa do mandato e comunicar claramente que as agressões ao

mandato por grupos armados serão respondidas, muitas vezes no campo militar.

Para a população deve ser esclarecido porque a OMP age dessa forma, de modo

que a percepção de que a missão é imparcial seja cutivada e mantida.

Como expressão prática de imparcialidade, o Painel Independente de Alto

Nível sobre Operações de Paz é categórico ao afirmar que:

a) a imparcialidade das Nações Unidas no terreno deve ser julgada pela sua

determinação em responder de modo justo às ações das diferentes partes do

conflito, basedo não em quem comete a ação mas na natureza da ação;

b) as missões devem proteger civis independentemente da origem da

ameaça;

c) as missões devem promover o respeito pelos direitos humanos da

população local e dos combatentes por parte de todos os atores, não levando-se em

conta de que parte são apoiadores; e

d) as missões devem buscar soluções políticas respeitosas dos interesses

legítimos e reclamações das partes e da sociedade como um todo.

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Em uma última consideração sobre imparcialidade, é imperioso afirmar que

uma OMP cujo mandato determina o apoio a forças de segurança nacionais

certamente terá muito maior dificuldade em provar aos interlocutores que é imparcial

e que não está do lado do governo. OMP com mandatos assim, a MONUSCO como

exemplo, necessitam de um excelente planejamento e um forte e ágil componente

de informação pública e comunicação social para gerenciarem a percepção de

imparcialidade de modo adequado.

Na continuação, pode-se verificar algumas considerações sobre tarefas do

mandato.

a) Processo politico. Quando a operação de paz atua com eficiência, a

imparcialidade converte-se naturalmente em credibilidade para que a OMP possa

portar-se como mediadora de um processo político acordado ou planejado, para um

acordo duradouro entre as partes do conflito.

b) Apoio à ajuda humanitária e ao desenvolvimento. É cabível neste tópico a

observação de que qualquer auxílio planejado a uma parcela da população deve ser

transparente e explicado para não suscitar dúvidas quanto a preferências e

favorecimentos que detonem a percepção de imparcialidade.

c) Proteção de civis. As ações de proteção de civis, que normalmente

implicam em salvar vidas, necessitam de muito maior precaução e detalhamento no

planejamento, a fim de prevenir que uma desastrosa percepção de favorecimento a

comunidades e grupos populacionais específicos não aflore.

6.4 NÃO USO DA FORÇA EXCETO EM AUTODEFESA E EM DEFESA DO

MANDATO

O princípio do não uso da força exceto em autodefesa e em defesa do

mandato pode ser olhado de pontos diferentes e interessantes, para além do

constante na Doutrina Capstone.

Na Doutrina Capstone é realizada a discussão que diferencia manutenção da

paz robusta de imposição da paz. Além disso, peacekeeping robusto é elucidado,

com explicações satisfatórias quanto ao uso de todos os meios necessários da OMP

para fazer cumprir o mandato, incluindo a proteção de civis da população de ataques

de grupos armados. A Doutrina chama a atenção do leitor pelo entrelaçamento que

o uso da força tem com o consentimento:

¨ O uso da força pela operação de manutenção da paz das Nações Unidas

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sempre tem implicações políticas e pode frequentemente dar vazão a circunstâncias não previstas. Julgamentos e análise para seu uso necessitarão ser feitos no níveis da missão apropriados, baseados em uma combinação de fatores, incluindo a capacidade da missão, as percepções públicas, o impacto humanitário, a proteção da força, a segurança do pessoal e, de modo mais importante, o efeito que tal ação terá no consentimento da missão junto a população local e nacional”. (Doutrina Capstone – ONU, 2008. Tradução própria).

Essa passagem traz a mente a sensibilidade que existe em usar a força como

último recurso, mesmo quando a OMP é robusta, perfeitamente autorizada e dotada

dos instrumentos legais e operacionais.

Realizada esta digressão, pode ser importante discutir pontos relativos a

expressão quase sempre presente nos mandatos multidimensionais: “emprego de

todos os meios necessários” e também debater alguns aspectos relacionados com a

presença de grupos terroristas em missões de paz e uso da força ofensivamente,

facetas reais de alguns conflitos modernos.

O emprego de todos os meios da missão para fazer cumprir, ou defender, o

mandato tem uma acepção que parece clara mas necessita obrigatoriamente do

foco concentrado nas tarefas da resolução do CS que dizem respeito a esta

expressão. Dos diversos parágrafos de uma resolução do CS poucos estão

conectados a esta expressão. Ela tem usualmente vindo conectada a proteção de

civis e tem caráter coercito do Capítulo VII da Carta da ONU. É certo, nesse ponto,

que diferentes ameaças devem ser enfrentadas com diferentes medidas de uso da

força, podendo variar da dissuasão até ações ofensivas diretas sobre um oponente

que ofende o mandato.

Para não produzir ambiguidades quanto ao “uso de todos os meios”, a OMP

deve expedir orientações claras quanto ao uso da força, específicas para os

componentes militar e policial. O componente militar, em particular, existe na

estrutura da OMP exatamente para que o uso da força tenha uma dosagem

adequada a uma operação de manutenção paz, mesmo as mais robustas. As

capacidades militares para empregar a força são atingidas por meio de treinamento

e preparação operacional e logística antes da missão e são mantidas durante a

mesma por meio de treinamento complementar. OMP com componentes militares de

vulto e mandato robusto, como a MONUSCO, a UNMISS, a UNAMID, a MINUSMA e

outras, exigem pessoal militar e equipamento de primeira ordem, com capacidades

operacionais de ampla envergadura.

O terrorismo internacional tem estado presente nas últimas décadas em

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muitos dos conflitos. Em algumas das missões multidimensionais da ONU há um

pequeno número de grupos que utilizam do terror para tentar obter seus objetivos

políticos. Um destes exemplos se encontra na MINUSMA (Missão Multidimensional

Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali), em que foi detectada a

presença de grupos terroristas na área de operações e na área de interesse da

missão, que eventualmente engloba alguns espaços vizinhos. Esta é uma discussão

atual e que se impõe pela realidade do contexto operacional no terreno.

De modo sumário, é possível dizer que a MINUSMA foi criada em 2013 para

substituir a missão de peacekeeping africana então vigente, a AFISMA (African-led

International Support Mission in Mali – Missão de Apoio Internacional liderada pela

África no Mali), desdobrada pela Comunidade Econômica de Estados do Oeste

Africano (ECOWAS - Economic Community of West African States) . Em um país

enorme como o Mali, as duas principais forças confrontantes são o Governo e o

grupo armado tuaregue do norte do país, denominado Movimento para a Liberação

do Azawad (MNLA - Mouvement national pour la libération de l’Azawad). Um ator

perturbador desse cenário é o grupo Al Qaeda do Magreb Islâmico (AQIM - Al-Qaida

in the Islamic Maghreb), que emprega o terrorismo. A MINUSMA, e tampouco a sua antecessora africana, foram concebidadas

para atuar em um cenário como esse, com a atuação efetiva de um grupo terrorista

e de grupos armados com táticas que se aproximam do terror. Dessa forma, foi

solicitado pelo CS a um Estado-Membro militarmente capaz e culturalmente e

politicamente vinculado, a França, para que interviesse militarmente e reduzisse os

grupos terroristas e outros oponentes ao processo de estabilização, situados ao

norte do país. A campanha francesa, em combinação com as Forças de Defesa do

Mali, foi bem sucedida e limpou a área, preparando o terreno para a assunção de

responsabilidades pela MINUSMA.

Desde então, a presença francesa foi então reduzida e a MINUSMA ocupou

as suas posições no país, passando a enfrentar crescente resistência de grupos

armados no norte. A OMP não estava e não está preparada para enfrentar ameaças

terroristas, nem foi dotada de mandato para isso. Da mesma forma, a coordenação

de ações entre a OMP e uma outra força com tarefa de contra-terrorismo no mesmo

ambiente operacional (no caso em tela a tropa francesa) é complexa e difícil. Para

os grupos antagonistas, muitas vezes não há distinção entre as diferentes presenças

estrangeiras no Mali.

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Os países contribuintes com tropas e com indivíduos isolados, em sua imensa

maioria, não concordam com uma missão de paz da ONU com este tipo de tarefa

(de contra-terrorismo). As investigações realizadas pelo Painel Independente de Alto

Nível sobre Operações de Paz com países contribuintes, instituições acadêmicas,

entidades da ONU, centros de treinamento e missões de paz conclui na mesma

linha de pensamento:

¨ O Painel acredita que as operações de manutenção de paz das Nações Unidas, devido a suas composições e naturezas, não são adequadas para serem engajadas em operações militares contra-terrorismo. Elas não dispõem de equipamento específico, inteligência, logística, capacidades e de preparação militar especializada requeridas, entre outros aspectos. Tais operações deveriam ser levadas a cabo pelo governo do país anfitrião, ou por uma força regional com capacidades necessárias, ou por uma coalizão formada segundo o contexto”. (Relatório do HIPPO – ONU, 2015. Tradução própria).

A experiência de campo e o lamentável elevado número de baixas e

fatalidades de peacekeepers na MINUSMA tem comprovado essa concepção. Pode-

se inferir, desse modo, preferencialmente, que, ou uma OMP não deveria ser

desdobrada em um contexto operacional com presença terrorista, ou a OMP deveria

ser desdobrada se uma separação de tarefas e geográfica (distintos ambientes de

atuação) fosse possível enter ela e outra força militar com missão contra-terrorismo..

Um terceiro e tópico merecedor de discussão no que tange ao uso da força é

o que alguns tem chamado de militarização de peacekeeping, expressão cunhada

em função do passo dado na MONUSCO com a criação da Brigada de Intervenção

da Força (FIB – Force Intervention Brigade). É preciso antes recordar que a Doutrina

Capstone prescreve que: ¨…o uso da força para influenciar e deter grupos negativos

que trabalham contra o processo de paz ou buscam causar mal a civis, e não

procurar a derrota militar dos mesmos.” Em favor da MONUSCO e contra grupos

armados altamente agressivos e violadores do mandato o CS abriu uma exceção.

Em março de 2013 o Conselho de Segurança deu um passo ousado na

direção do uso da força além da autodefesa, ao autorizar um mandato específico e

de caráter ofensivo para uma parcela do componente militar da MONUSCO. O CS

estabeleceu uma Brigada de Intervenção da Força militar (uma nova força com

aproximadamente 3000 homens para fazer parte do componente militar da OMP).

Houve uma reação intensa contra essa iniciativa por parte de alguns entes da

academia, de instituições de treinamento e de países contribuintes com tropas, que

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clamavam que a militarização de peacekeeping iria transformar a manutenção da

paz em imposição da paz.

Do ponto de vista conceitual a preocupação não se justificaria, já que

peacekeeping robusto depende do consentimento estratégico enquanto a imposição

da paz não, e o Governo da República Democrática do Congo concordou com a FIB.

Na prática, havia uma preocupação justificada, de que as ações ofensivas da FIB

iriam produzir efeitos nefastos na proteção da força como um todo, além da uma

perda imediata da percepção de imparcialidade que a MONUSCO procurava manter.

A FIB tinha um mandato com alguns elementos novos, dos quais pode-se

destacar a autorização para “conduzir operações ofensivas contra alvos específicos

de grupos armados que ameaçem a autoridade do Estado e a segurança da

população civil, com ou sem a participação das Forças Armadas e de Segurança da

República Democrática do Congo”. Como pode-se deduzir, a FIB poderia então

realizar ações preventivas com o uso da força; não havia mais a necessidade de

esperar a agressão por parte do grupo armado; era possível antecipar ações e ir ao

encalço dos grupos armados para proteger civis.

A FIB atuou circunscrita a certas áreas, coordenada com o restante do

componente militar, e dentro de um conceito de operações que criava ilhas de

segurança e depois as expandia com o apoio das Forças Armadas nacionais. A FIB

obteve grande sucesso ao reduzir e desbaratar o poderoso grupo armado M-23, que

havia conquistado a cidade de GOMA (com mais de um milhão de habitantes no

leste do país) e continua atualmente atuando com ações altamente positivas que

vem recuperando a credibilidade da MONUSCO junto a população, ao governo e a

comunidade internacional.

A despeito dos resultados e efeitos positivos e dos benefícios visíveis que a

FIB proporciona ao país e a MONUSCO, o CS e a ONU tem sido extremamente

prudentes em não enxergar na Brigada de Intervenção uma nova solução para as

OMP com mandatos robustos. Ao contrário, o consenso internacional tem indicado

que a FIB é uma experiência bem sucedida para o contexto da MONUSCO, não

necessariamente uma panaceia curativa para o emprego robusto da força em

peacekeeping.

O último comentário a respeito do princípio é relativo ao uso da força pela

OMP contra forças de segurança nacionais. Um verdadeiro dilema persegue as

missões nesse sentido. As OMP devem ser profundamente cautelosas em usar a

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força contra forças de segurança de países anfitriões, mesmo quando possuem

mandato e autorização para fazê-lo, e se verificam violações contra cidadãos do

país. Em situações como essas, o uso da força afeta diretamente o consentimento

do país anfitrião para que a missão possa operar sem restrições.

Se o mandato da OMP impõe à missão de paz o apoio às forças armadas

nacionais (como no caso da MONUSCO e da UNMISS) este tipo de problema se

agrava e o uso da força acaba por passar por deliberações políticas delicadas, para

pesar os prós e contras de uma ação de força. Naturalmente, se a OMP não age

contra uma flagrante violação de direitos humanos, a sua credibilidade é fortemente

minada e a população pode passar para uma atitude de indiferença e até mesmo de

hostilidade. Há ainda consequências óbvias de perda de credibilidade junto a

comunidade inernacional, com pressão da imprensa internacional.

No prosseguimento, o princípio do não uso da força exceto em autodefesa ou

em defesa do mandato será explorado quanto as tarefas do mandato.

a) Processo politico. O correto emprego do princípio pela OMP é vital. Se a

missão se omite, falha; se se excede, falha. As falhas são exploradas politicamente

e embargam o processo político. A operação deve ser precisa no uso da força para

que tenha credibilidade e legitimidade para conduzir o processo político.

b) Apoio à ajuda humanitária e ao desenvolvimento. É relativamente comum o

apoio militar a atividades de caráter humanitário e de desenvolvimento. Por outro

lado, nem sempre a realização do atividade humanitária diretamente pelo

componente militar em subsittuição aos atores com mandato para cumprir estas

tarefas é bem vinda.

O uso da força para a proteção de comboios e de instalações de estocagem

de suprimentos e para apoio a outros empreendimentos similares deve ser levada a

cabo com extremo cuidado devido a sensibilidade que este apoio tem para os

agentes civis (Há regulações internacionais e as OMP normalmente estabelecem

protocolos detalhados). Estes agentes humanitários e de desenvolvimento temem

que o seus espaços operacionais sejam invadidos e que a população civil confunda

a OMP e sua força militar com eles, com possíveis consequencias quanto a

segurança e apoio da população local às suas atividades.

c) Proteção de civis. Na estrutura da OMP o componente militar quase

sempre possui o monopólio do uso da força e está autorizado a exercê-lo, muitas

vezes de modo robusto. De outro ângulo, uma das tarefas centrais do mandato é a

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proteção de civis, com altas expectativas de proteção pela população do país

anfitrião. A OMP enfrenta inúmeros desafios para uma aplicação adequada,

proporcional e dosada do uso da força em suas operações militares, dentre elas, a

de distinguir entre combatentes e não combatentes no seio da população local, para

evitar danos colaterais e riscos às pessoas a serem protegidas. A aplicação da força

pelos militares deve também buscar a coordenação com os outros componentes, de

forma que a resposta de proteção seja multidimensional.

O entrelaçamento entre o uso da força, a imparcialidade e o consentimento é

cristalino durante as operações militares na implementação do mandato. Se a força

é necessária e é bem aplicada, contra um grupo negativo para proteger uma

comunidade de pessoas, a percepção de imparcialidade e o consentimento devem

ser bem gerenciados pela OMP. Desse modo, os vários atores no terreno podem

entender o que aconteceu, porque aconteceu e que atitudes a força militar tomou.

Os atores militares que estão próximos a comunidades a serem protegidas devem

explicar as sus capacidades e limitações como parte da gestão de expectativas. Um

deslize operacional no uso da força, por ação ou omissão, cria dificuldades enormes

para a manutenção dos outros princípios.

6.5 CONCLUSÕES PARCIAIS

E interessante observar que a aplicação judiciosa dos princípios fundamentais

das OMP e sua tradução para entendimentos de caráter prático no terreno

influenciam de modo marcante o cumprimento das atividades preconizadas no

mandato.

Não é nada fácil fazer esta tradução, dos princípios para normas de ação dos

componentes da OMP, de forma que os diferentes atores e em especial aqueles

externos à missão, particularmente o governo e a sociedade local e os agentes

negativos, percebam que eles são aplicados com clareza. Para a OMP é vital que a

legitimidade que os princípios fornecem quando bem aplicados seja conquistada e

mantida.

A OMP é configurada operacionalmente durante o planejamento operacional

e a implementaçãoo mandato, quando os ajustes são realizados, de modo a cumprir

as atividades previstas. A legitimidade da atuação da OMP, porém, necessita ser

conquistada durane a implementação do mandato, junto aos diversos atores em

presença e mesmo junto aqueles que não estão no terreno, como os países

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limítrofes, os integrantes do CS, os países doadores de recursos financeiros para

projetos econômicos importantes e muitos outros. Por isso, a legitimidade nesse

caso é conquistada e não imediata, como ocorre quando da autorização do CS e do

país anfitrião para o desdobramento da missão.

Quando planejadores esquecem da importância dos princípios e procuraram

acelerar o planejamento com base em experiências de outras OMP, falhas de

concepção se reletirão na implementaçãoo do mandato.

Pode-se concluir parcialmente que os princípios estão formulados de modo

coerente e são de incorporação viável durante o planejamento operacional e a

implementação do mandato, desde que haja a atenção devida e, por vezes, a

coragem necessária para que não sejam omitidos.

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7 CONCLUSÃO

As Operações de Manutenção da Paz estabelecidas pela ONU evoluíram

tremendamente desde a sua inserção como instrumento político da comunidade

internacional. Esta evolução foi dramática e episódica, por ter sido algumas vezes o

resultado de catástrofes operacionais. Deve-se ainda considerar os princípios

fundamentais foram finalmente concebidos e conformados somente em 2008,

mediante consenso atingido pela comunidade internacional.

A figura abaixo procura demonstrar, de forma conclusiva, as interações entre

os princípios fundamentais, os processos de planejamento, a implementação do

mandato e os diferentes atores, em termos das principais ações de relacionamento.

Figura 5: Planejamento e Implementação do Mandato e os Princípios Fundamentais

Fonte: concepção do autor.

O quadro apresenta as duas zonas em que flutuam os princípios, as quais

não pertencem exclusivamente e não ocupam lugar fixo em nenhuma delas:

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a) a zona de configuração político-estratégica, nascedouro da OMP, que

surge ccom sua legitimidade imediata, entre outras razões, adquirida da autorização

do CS e do consentimento do país anfitrião; zona do planejamento político-

estratégico; e,

b) a zona de configuração operacional, em que a OMP toma corpo com a

chegada dos recursos humanos e materiais e estabelecimento de estruturas e

processos, e que deverá litar obstinadamente por conquistar e manter a sua

legitimidade no terreno em face de desafios impostos pelos diferentes atores; zona

do planejamento operacional.

O quadro permite ainda verificar que existe uma clara interdependência:

a) entre os princípios, sempre norteadores dos processos, mas por eles

também influenciados; e entre os princípios e os atores no terreno, influenciando-se

mutuamente;

b) entre os processos de planejamento e de implementação do mandato e os

atores, seja pela participação nos planejamentos e na execução das tarefas do

mandatos, seja pelas influências significativas que determinados atores exercem

sobre os processos.

O consentimento tornou-se o principal princípio de caráter estratégico, sem o

qual não pode haver peacekeeping das Nações Unidas e pelo qual se faz a

diferenciação para peace enforcement. O consentimento internacional para a OMP é

legítmo desde a partida, ou seja, desde que o país anfitrião concordou com a

presença da ONU e o Conselho de Segurança autorizou a missão de paz. O

consentimento tático, no terreno, não é absoluto e necessita de atenção permanente

para que a legitimidade internacional e em operações no país anfitrião seja

conquistada durante a implementação do mandato. A figura abaixo mostra algumas

atividades relacionadas ao consentimento, nos campos político-estratégico e

operacional-tático.

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Figura 6: Ações e atividades relacionadas com o Consentimento

Fonte: concepção do autor.

A imparcialidade no nível estratégico é inicialmente o produto da presença

consentida da OMP, e de sua configuração por elementos internacionais, de

diferentes regiões e países sob o objetivo justo de implementar um mandato que

vise a paz duradoura. Quando da execução do mandato, no nível operacional-tático,

a OMP aturá de modo imparcial, mas não neutro, e lutará para gerenciar uma

percepção de imparcialidade junto aos outros atores no terreno e a população local.

Uma zona de configuração político-estratégica e de legitimação imediata é

constituída quando o consentimento a nível político-estratégico é obtido para o

planejamento e estabelecimento de uma OMP, e a imparcialidade inicial é admitida

quando uma missão de paz com grande presença internacional é montada.

Autorização do país

anfitrião C

Posicionamento das organizações

regionais (OTAN, UE, UA)

Apoio dos Membros

Permanentes do CS

Apoio de doadores

econômicos

Condução eficiente

do processo polí co

Papel imparcial da

mídia internacional

Estabelecimento de

Mandato robusto

Condução eficiente

do processo polí co

C

Autorização do país

anfitrião

Convivência posi va com as

forças de segurança nacionais

A tude favorável

dos países da região

A tude favorável

dos países da região

A tude dos grupos

antagônicos

Papel favorável dos

parceiros da OMP

A tude colabora va

do UNCT

A tude colaboratva ou

refratária de ONGs

Apoio da sociedade

civil

Condução eficiente da

comunicaçãp pública

Ação de grupos

terroristas

Polí co

Estratégico

Operacional

Tá co

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Figura 7: Ações e atividades relacionadas com a Imparcialidade

Fonte: concepção do autor.

O princípio do uso da força em defesa própria e em defesa do mandato

também influi de modo relevante no planejamento político-estratégico .mas tem a

sua maior aplicabilidade no planejamento operacional e na implementação do

mandato. É um princípio que mandatoriamente necessita de atores capazes e

maduros para aplicar a força com postura, firmeza e iniciativa, uma combinação que

exige alto nível de treinamento militar e policial, doutrina e equipamentos em dia e

excelente liderança em todos os níveis de comando. Este princípio é aquele que

mais influi no terreno na percepção dos demais porque o seu emprego gera

consequências benéficas ou desastrosas para a credibilidade e legitimidade da

OMP, por ação ou omissão.

Promoção de

eleições justas

C Gerenciamento eficiente da

percepção de imparcialidade

Apoio dos Membros

Permanentes do CS

Legi midade do

mandato

Condução imparcial

do processo polí co

Papel imparcial da

mídia internacional

Caráter internacional da

OMP

Comunicação imparcial

do processo polí co

I

Pró-a vidade da

liderança da OMP

Ação firme contra violações do

mandato / não neutralidade

Apoio imparcial para a vidades

humanitárias e de desenvolvimento

A tude imparcial para com os

países da região

Ação imparcial da

mídia nacional

Apoio único a todas as

comunidades nacionais

Distribuição igualitária da

ajuda econômica

Gerenciamento eficiente da percepção

de imparcialidade

Condução eficiente da

comunicaçãp pública

Polí co

Estratégico

Operacional

Tá co

Distribuição justa da ajuda

econômica Condução eficiente da

jus ça de transição

Contratação criteriosa de

recursos humanos locais

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Figura 8: Ações e atividades relacionadas com o Não Uso da Força Exceto em

Autodefesa e em Defesa do Mandato

Fonte: concepção do autor.

É significativo entender as razões pelas quais os princípios fundamentais das

operações de manutenção da paz são tão relevantes para o planejamento e

execução e porque a sua não observância em todas as fases da vida de uma OMP

será fator causal para o fracasso.

Os princípios tardaram a surgir na sua atual forma doutrinária e somente em

2008 puderam ser totalmente compreendidos e liberados como o produto de

consenso inernacional. Este trabalho buscou marcar a relevância dos princípios no

curso dos processos atuais de planejamento e implementação do mandato,

insistindo na inevitabilidade da inserção analisada dos mesmos, para o bem do

cumprimento das tarefas do mandato.

Os princípios parecem estar adequados ao seu tempo: eles são flexíveis o

suficiente para as interpretações positivas com fins de aplicação nos níveis político-

estratégico e operacional, assim como para funcionarem como bases orientadoras

para a implementação do mandato. É certo, porém, que não preocupar-se

constantemente em tê-los como pilares dos planejamentos estratégico e operacional

e, também, da implementação do mandato pode gerar distorções importantes nas

concepções e ações de uma OMP.

Relacionamento posi vo com as

forças nacionais de segurança

C

Apoio dos Membros

Permanentes do CS

Visitas ao terreno por elementos-

chave (CS, DPKO/DFS)

Não interferência

dos países da região

Planejamento

operacional detalhado

Posicionamento favorável de ins tuições

acadêmicas e de paz e segurança

Engajamento favorável de TCC/PCCs na

implementação do mandato

Formulação operacional

clara e adequada

UF

Autorização do país

anfitrião

Convivência posi va com as

forças de segurança nacionais

Autorização do país

anfitrião

Extensão da autoridade do

Estado

Apoio às forças nacionais de segurança

(treinamento e profissionalização)

Cooperação entre

OMP

Manutenção dos níveis de

eficiência (treinamento)

Proteção de civis

Redução das ameaças

Polí co

Estratégico

Operacional

Tá co

Emprego de

moderna tecnologia

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Em peacekeeping, a liderança é o principal fator que conduz a interpretação

correta dos princípios e sua aplicação: liderança no planejamento e na execução.

Enquanto é compreensível que a OMP tenha mais presente em mente os

princípios durante a implementação do mandato e procure analisá-los com

frequência na execução das tarefas, o mesmo não pode ser afirmado durante os

planejamentos estratégico e operacional. Nas fases de planejamento, o tempo por

vezes conspira contra o pensamento analítico baseado nos princípios, cuja

discussão sempre será necessária, como este trabalho procurou demonstrar.

______________________________________ JOSÉ RICARDO VENDRAMIN NUNES-Cel Cav

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