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QUATRO ELEMENTOS REUNIÃO POÉTICA FERNANDO JANUÁRIO LECY PEREIRA SOUSA VINÍCIUS FERNANDES CARDOSO YENDIS ASOR SAID

Os Quatro Elementos

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Brochura que reúne poemas de Fernando Januário, Lecy Pereira Sousa, Vinícius Fernandes Cardoso e Yendis Asor Said

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QUATRO ELEMENTOS REUNIÃO POÉTICA

FERNANDO JANUÁRIO

LECY PEREIRA SOUSA

VINÍCIUS FERNANDES CARDOSO

YENDIS ASOR SAID

VOLTA?

Tudo na vida se acrescenta

Disse-me um sábio que pregava:

— Basta! erga-se desta tormenta!

E nele toda glória emanava.

— Santo! disse um que chorava,

— Abençoado, disse outro que penava.

Enche-se, diz curar peste, AIDS e malária.

Mais esse bispo que é um ladrão,

Esse pastor que é próprio cão,

Só enche sua conta bancária.

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Fernando Januário

A ARTE MORTA-VIVA

Vou dizer para todos Tudo o que se produzQue todos são artistas Pode ser uma arteNão só aquele que escreve Mas o que é mais triste: Nem aquele que pinta. A arte-morta sem maldade.

Por exemplo o operário Ela não tem espaçoQue fabrica uma peça É excluída do meioIsso é uma arte Na margem desprezadaA dimensão não interessa. Para fazê-la dá receio...

Toda vida de um ser É preciso respeitá-laÉ uma arte viva’’ Essa arte que está vivaMas tem a arte morta Ao mesmo momento mortaQue resiste em sua vida. Uma arte morta-viva.

Muitos sem condiçãoDe comer algo que é arteÉ o pão que o padeiro fezSem falar da arte-desigualdade.

Com essa diferençaTem arte que está mortaMuitos deixam de comprar artePara comprar uma torta.

Mas essa torta é uma arteQue alguém produziuSe você vê uma pinturaOutra arte você viu.

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PLECTRO

Estava eu no tormento eterno,

E encontrei um tal de Beto Marinho,

— Que fazes aqui? perguntou com jeito terno.

— Venho atrás do meu bem que voltou pro ninho.

Disse-me: — Sabia que quero criar uma arte?

Sabia? Uma rádio, uma televisão, um teatro à parte,

Alguma coisa para dar emoção!

Eu disse: — Pai, tira ele do inferno,

Dê logo a paz, mande ao inverno,

Eu tô cansado de reclamação!

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LET

Morreu e aonde vai? — Para o inferno.

Por que vai tu pra lá? — Porque pequei.

Pecaste contra quem? — Contra o amor terno.

O que fizeste a ele? — Eu o neguei.

Negaste por outro amor? — Não! foi por desfeita.

Desfez de uma paixão? — A mal que ajeita.

Por que o diz assim? — Eu me matei.

Agora terás paz? — Eu não a tenho.

Por que tu não a tem? — Porque eu venho...

Buscar o amor terno que aqui deixei.

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IMAGEM-NAÇÃO

Sobre o que eu vou dizer Preste muita atençãoTem imagem que é fantasiaMais do que uma ilusão

Ela te mostra coisasQue para ter é impossívelSua vida é baixaNão é do mesmo nível

O desespero de quem mostraNão é o da fomeSão os milhões que guardamE que escondido consomem

Aqui fora a realidadeAnda com a dorA revolta te abraçaTodo mundo com pavor.

03

PALAVRA BOMBA

Venho através deste poemaPara lhe dizer algoÉ sobre a palavra bombaCuidado, você é o alvo

A palavra bomba discriminaVocê se acha incapazQuando se tem uma forçaEla te explode por trás

Essa bomba é friaDepois você vê o estragoCuidado, pode vir de frenteOu de qualquer lado

Parece que ela te ajudaMas é aí que se enganaNão se pode distrairCom essa palavra bomba

Pouco importa o caráterPara o ser sem coraçãoMas alguém está lutandoPara desativar essa explosão

Vamos tomar cuidadoVocê e eu é o alvoMas qual dos dois tem a bombaNesse mundo ingrato.

04

Yendis Asor Said

Fim de domingo.Ao fundo do barEla e eu. Era noite.Tocava Massiv Attack.

Dançamos. Profundamentenos beijamos. Fomos para um hotel, nosamamos. Chovia.

Madrugada. Fomospara a rodoviária.Ficamos ali abraçados.Soltos, purificados.

A aura do amor nosagasalhava. Éramosprincípio e silêncio.Esquecimento.

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Lecy Pereira Sousa

DILEMA DO ELETROPOEMA DE UM FÔLEGO SÓ

...até que minha memória rude mentar desemboque em partículas particulares elétricas recheadas de significados latentes prossigo noticiando o amor de ontem de noite onde todos nós nus misturamos sem vergonha na cara transando de trenzinho tântrico cada um por sua vez no seu quarto na sua sala cozinha copa wc até ao ar livre devo noticiar/ Bem e mal desconheço quando como uma maçã com você dentro às vezes chamo atenção faço algum sentido quase sempre tudo nem te ligo me expresso nessa luz impulsiva impossível explosiva raivosa romântica quando o luar chegar e partir e o sol levantar sair alguém estará me lendo na praça olhando para certa altura de um prédio enquanto noticio seis dezenas da loteria temperatura mínima dezenove máxima vinte e nove/Caiu o índice da bolsa de valores mulher mata homem por amor homem se joga no arranha-céu fotos recentes do telescópio Hubble mostram o nascimento e a morte de uma estrela/Sex Shop Five Star pomada anestésica celulares vibradores tudo para seu prazer/Vidente diz sorridente estar próximo o fim do mundo em cadeia internacional/Morre outra vítima da falta de amor/Robôs se preparam para votar em novo presidente enquanto a vaca caminha decidida para o brejo/Tudo se passa em mim sem lirismo algum até que um raio parta as notícias pelo céu de baunilha até que minhas luzinhas parem de enganar os olhos alheios e passem a esclarecer galáxias continuarei passando numa tela eletrônica de um prédio de concreto armado sem sutilezas...

06ELEGIA

Foram dias vazios sem vida,Foram vidas vazias sem alma,Foram horas perdidas em nada,Fomos filhos de uma era falida.

Foram amores apressados,Foram amizades apressadas,Foram compras e mais nada,Fomos fantoches do mercado.

Foram papéis jogados fora,Foram horas todas a toa,Foram quase todos embora,Fomos feito de anonimato.

Foi o sistema que fez isso,Foi a ganância e o poder,Foi o homem ser do fogo,Fui eu, fomos nós, foi você.

11ALGUMA COISA MINHA

Há uma tristeza que me perpassaQue das tristezas é a mais esparsa,

É a do sentir dos dias, do Outro, a de sempre,É uma tristeza em mim ferreamente incrustada Por mim louvada e permanente.

Essa marca a que tristeza dou nome,Esse modo meu de existir e não, É senão o meu caráter que havendo se traça,É senão a isso a que tristeza dou nomeTambém aqueles passos meus em madrugada.

A compostura a que me posto nos tempos e espaços,É senão o seu abraço sereno, presente, de mim convicta,É você, muitas vezes por pensamento de morte,É você, quase sempre por sensibilidade de vida.

10LETRA DE FORMA

Letra é sinalQue palavra formaLíngua é letraQue palavra torna

Língua-palavraPalavra-línguaPalavra-palavraLíngua-palavraPalavra-forma

Língua é verboQue produz a falaFala é formaDe soltar a língua

Verbo-palavraPalavra-línguaPalavra-palavraLetra-palavraPalavra-forma

VerboFormaLínguaFormaPalavraForma LetraForma...

07A DOR DO AMOR

SOBRE A SENSIBILIDADE QUE OS OLHOS COSTUMAM NÃO PERCEBER ...

Em primeiro plano, uma manhã de abril com os seus pequenos ventos. Algumas aves difíceis de identificar como aquelas que aparecem, ao longe, numa história surreal em quadrinhos preto e branco.

Em seguida, uma dor insólita e vociferante como se fora provocada por um exército das mais sanguinárias bactérias.A moça loira, instalada em sua casa de campo, cravou os dentes de marfim na maçã perfeita e tirou a calça de couro branco colada em suas pernas e nádegas. Uma delícia! E com um controle remotíssimo acionou um CD de house music .

Então, o torvelinho. Durante a batida da música, dez corações pararam de bater na cidade - a Lu deu um tapa na cara do Rafa, terminou o noivado e decidiu ir embora para Blumenau - um raio fulminou a dona Esperança em sua fazenda - um pastor expulsou dez satanases, de uma vez, em seu ministério - o pároco partiu o corpo e tomou o sangue de Cristo na frente de todos e ninguém fez nada - dona Sueli terminou o quinto capítulo de um livro que, segundo ela, estava sendo sussurrado em seu ouvido, todas as manhãs, pelo espírito de Camões - no terreiro "Flecha Azul", mãe Zilá recebeu um nagô e chamou por Oxalá - Cristina, 14 anos, sofreu um aborto espontâneo no banheiro da sua casa - a freiraJoana virou santa e foi acometida por uma misteriosa cegueira - Paulinho jurou por Deus que viu dois ET's e uma nave espacial nos fundos do quintal da sua casa.

Tudo isso e mais uma infinidade de coisas aconteceram sem que alguém jamais soubesse daquela dor, afinal dores são invisíveis.Naquela manhã de um sofisticado mês de abril, uma réplica da estátua da Vênus de Milo, sentia a sua dor no jardim de grama japonesa e fontes arranjadas segundo o Feng Shui.

Em seu marmóreo silêncio, Vênus curtiu sua dor sob um sol ameno. Talvez tenha sentido a dor do mundo ou a indecifrável dor do amor.

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Vinícius Fernandes Cardoso

CONTATOS

Fernando Januário(31) 3392.9739

Lecy Pereira Sousa8867.3826

[email protected]

Vinícius Fernandes Cardoso(31) 3356.4151

[email protected]

Yendis Asor Said9248.6943 / (31) 3356.4330

[email protected]

Academia Contagense de [email protected]

A MATRIZ DO LIVRO, COMPOSTO DOS TIPOS TAHOMA, IMPACT, GEORGIA, BOOKMAN OLD STYLE, CORPOS VARIADOS, FOI DIAGRAMADA NO MÊS DE MARÇO DE 2007, QUANDO SAIU A PRIMEIRA TIRAGEM.

© Todos os direitos reservados aos autores.

Imagem da Capa: Chaminés da antiga fábrica de cimento Itaú Portland, hoje

patrimônio tombado, localizadas no Itaú Power Center. Imagem de Juno Morais, distorcida em preto e branco.