Os Sambas, Os Bumbas_2aEd

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OS

SAMBAS, AS RODAS, OS BUMBAS, OS MEUS E OS BOISPrincpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

2003 - 2010

CRDITOSPRESIDENTE DA REPBLICA Luiz Incio Lula da Silva MINISTRO DA CULTURA Juca Ferreira PRESIDENTE DO IPHAN Luiz Fernando de Almeida CHEFE DE GABINETE Weber Sutti PROCURADOR-CHEFE FEDERAL Antonio Fernando Neri

INSTITUCIONAIS

DIRETORA DE PATRIMNIO IMATERIAL Mrcia SantAnna DIRETOR DE PATRIMNIO MATERIAL E FISCALIZAO Dalmo Vieira Filho DIRETORA DE ARTICULAO E FOMENTO Mrcia Helena Rollemberg DIRETORA DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAO Maria Emlia Nascimento Santos FICHA TCNICA CMARA DO PATRIMNIO IMATERIAL Arno Welling Luis Phelipe Andrs Maria Ceclia Londres Fonseca Roque de Barros Laraia Ulpiano Bezerra de Menezes REDAO Rogrio Menezes (Edio 2006) COMPLEMENTAO E ATUALIZAO DE TEXTO Maria Ceclia Londres Fonseca (Edio 2010) REVISO DE CONTEDO (EDIO 2010) Ana Gita de Oliveira Claudia Marcia Ferreira Mrcia SantAnna REVISO DE TEXTO Graa Mendes (Edies 2006 e 2010) COLABORAO (EDIO 2010) Letcia Costa Vianna Luciana Luz Luciane Ceretta Lucila Silva Telles Natlia Brayner Rvia Ryker Bandeira de Alencar Teresa Maria Cotrim de Paiva Chaves PROJETO GRFICO E DIAGRAMAO (EDIO 2010) Raruti Comunicao e Design/Cristiane Dias FOTOGRAFIAS Pesquisa e Edio de Fotografia: Paula Dias Leite Capa e contra-capa: Esquentando os tambores, Tambor de Crioula, Maranho. Fotos: Edgar Rocha.

DEPARTAMENTO DO PATRIMNIO IMATERIAL COORDENAO GERAL DE IDENTIFICAO E REGISTRO Ana Gita de Oliveira COORDENAO DE IDENTIFICAO Mnia Silvestrin COORDENAO DE REGISTRO Claudia Marina Vasques COORDENAO GERAL DE SALVAGUARDA Teresa Maria Cotrim de Paiva Chaves COORDENAO DE APOIO SUSTENTABILIDADE Rvia Ryker Bandeira de Alencar CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR DIRETORA Claudia Marcia Ferreira COORDENAO TCNICA Lucia Yunes COORDENAO ADMINSTRATIVA Luis Otvio Monteiro MUSEU DE FOLCLORE EDISON CARNEIRO Elizabeth Paiva BILIOTECA AMADEU AMARAL Marisa Colnago SETOR DE PESQUISA Maria Elisabeth Costa SETOR DE DIFUSO CULTURAL Lucila Silva Telles

Miolo Acervo Fotogrfico do Iphan e do CNFCP. INSTITUTO DO PATRIMNIO HISTRICO E ARTSTICO NACIONAL DEPARTAMENTO DO PATRIMNIO IMATERIAL SEP Sul lote D entrequadra 713/913 CEP 70390-135 - Braslia/DF Telefone: (61) 2024.6135 / 2024.6136 / 2024.6137 Fax: (61) 2024.6134 e-mail: [email protected] e [email protected] http://www.iphan.gov.br 1 EDIO - BRASLIA, MAIO DE 2006. REIMPRESSO DA 1 EDIO - BRASLIA, ABRIL DE 2008. 2 EDIO - BRASLIA, DEZEMBRO DE 2010.

SUMRIO

05

APRESENTAO

11

NA PANCADAAntecedentes

DO

GANZ

1717 20 25 26

A

IMPLEMENTAAO DA POLTICA DE SALVAGUARDA

DO

PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL

Conceitos e princpios Instrumentos de salvaguarda Estruturas institucionais Diretrizes e linhas de atuao

35 41 45

A

SALVAGUARDA NO PLANO INTERNACIONAL

DESAFIOS ANEXOS

A P R E S E N TA O

Os sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois... Aspectos e gestos essenciais da nossa vida cotidiana que, junto com muitos outros, so agora objeto das polticas de preservao cultural. Com esta nova edio, revista e atualizada, o Ministrio da Cultura e o Iphan cumprem o seu dever de informar sobre os fundamentos e instrumentos da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial brasileiro, de prestar contas dos seus resultados nos ltimos anos e de assinalar os desafios que ainda devem ser enfrentados. Esses jongos, violas, crios e ofcios so bens culturais vivos e mantidos pelas pessoas que os praticam. Preserv-los valorizar seu conhecimento e ao. A salvaguarda desses bens est, portanto, orientada para a valorizao do ser humano e para a melhoria das condies sociais, culturais e ambientais que permitem sua existncia e permanncia. Essa iniciativa tambm mais um passo no sentido de ampliar a rede de parceiros j constituda em torno de uma tarefa que monumental em face da nossa enorme diversidade cultural, e que s chegar a bom termo se for compartilhada.

Luiz Fernando de Almeida Presidente do Iphan

Grafismos Wajpi. Terra Indgena Wajpi, Amap. Foto: Heitor Reali. 5

Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Equipes Tcnicas e Colaboradores (2003-2010)

EQUIPES TCNICAS DPI Alessandro Carvalho Barros Almir Cunha Silva Ana Claudia Lima e Alves Ana Flvia Otero Ana Gita de Oliveira Ana Julieta Teodoro Cleaver Ana Lcia de Abreu Gomes Brbara de Souza Aquino Carolina Souza Pedreira Ciane Gualberto Feitosa Soares Christyne Carvalho da Silva Claudia Marina de Macedo Vasques Daniel Barbosa Cardoso Daniela Barros Desire Tozzi Diana Dianovsky Eduardo Gonalves de Moura Emlia Cunha Borges rica Lobato de Oliveira Fabola Nogueira da Gama Cardoso Fernanda Bittencourt Vieira Gabriela Landim Grace Elizabeth Cruz Ione Carvalho Ivana Cavalcante Jane de Alencar Jlia Marques Dalla Costa Juliano Coacci Silva Karla Amorim Letcia Costa Rodrigues Vianna Lucas de Mendona Marques Luciana Borges Luz Luciana Souza Sampaio Luciana T. de Melo Jatob Luis Augusto Barros de Matos Luis Felipe Ferreira Anastcio Marcelo Brito Marcia SantAnna Marcus Vinicius Carvalho Garcia Margarida M. da C. Carvalho Maria de Ftima Duarte Tavares Maria Jos Moura Mariana Cruz

Mariana Mello Brando Mariana Soares Chaves Lopes Marina Caldas Verne Michelle de Carvalho Cheibub Mnia Luciana Silvestrin Natlia Guerra Brayner Olavo de Souza Pinto Filho Paulo Bauduino Paulo Moura Peters Pedro Henrique Feliciano Priscila Branco Motta Raissa Oliveira Regina Cristina Vieira de Freitas Rvia Ryker Bandeira de Alencar Saulo Pequeno Silvia Maria Ferreira Guimares Teresa Maria Cotrim de Paiva Chaves Yeda Barbosa CNFCP Andr Gustavo Lacerda Skiendziel Alexandre Coelho Neves Archibaldo Ribeiro Souza Arlete Rocha Carvalho Bruno Seixas de Noronha Claudia Marcia Ferreira Daniel Roberto dos Reis Silva Denise Taveira do Couto Doralice Cordeiro Vidal Elizabeth Bittencourt Paiva Pougy Francisco Jos Sucena Moreira da Costa Guacira Bonacio Coelho Waldeck Gustavo Magalhes Lopes Jorge Guilherme de Lima Jorge Luiz de Oliveira da Silva Jos Roberto Gomes dos Santos Juliana Lima Ribeiro Leila Cristina Teles Livia Ribeiro Lima Leonardo Gomes de Almeida Lucia Maria Madureira Yunes Luciana de Noronha Versiani Luiz Carlos Ferreira Luiz Csar dos Santos Baia Luiz Otvio Fernandes Monteiro

Luiza Filipe Faria Luzia Mercedes de Souza Marcelo Macedo Prata Marcos Vinicius Ribeiro de Assis Marcus Vinicius De Lamonica Freire Maria do Socorro Cirne Faria Nunes Maria Elisabeth de Andrade Costa Maria Rita Alencar Parreiras Horta Maria Rosrio de Ftima Pinto Maria Lucila da Silva Telles Marilya Gomes Dias Marisa Colnago Coelho Nivia de Andrade Lima Paulo Csar Alves Raquel Dias Teixeira Raul Giovanni Motta Lody Rebecca Velloso de Luna Guidi Ricardo Gomes Lima Rita de Cssia de Almeida Sandra Maria Sivero Lopes Leandro Stelvio Henrique Figueir da Silva Vnia Dolores Estevam de Oliveira Valtair Romo da Silva Vanessa Moraes Ferreira Vera Lucia Ferreira da Rosa

COLABORADORES DPI Alessandra Rodrigues Lima Alex Ferreira do Nascimento Ana Paula Dantas Monteiro Antonio Carlos T. da Cunha Bruno Gomes Arantes Carlos Peterson da Fonseca Pereira Carolina Garcia Oliveira Ceclia de Lira Ferreira Damiana Bregalda Ednaldo Lima de Arajo Elza Helena Camargo do Canto e Castro Fernanda Rodrigues Amorim Ionara Madalena Ulmi da Silva Janria Dark Vogado Barreto Leidiane Ribeiro da Silva Rigamonti Lola Medeiros Neto Ribeiro

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Lourimar Diego Ferreira Bequiman Luiz Todoyuki Ono Maria das Dores Freire Maria Paz Josetti Fuenzalida Morena R. Salama Patrcia Martins Paula Bauduino Rodrigo Lus da Silva Sirlene Marques de Souza Swai Roger Teodoro Cleaver Thas Teixeira de Siqueira Virginia Ltwinczik CNFCP Ana Clara das Vestes de Miranda Valle Ana Luiza de Abreu Cludio Andrea Regina Antunes Frana de Mello Andrea Ribeiro Andra Rizzoto Falco Alexandra da Silva Santos Gomes de Oliveira Agostinho Resende Neves Alexandre de Oliveira Pimentel Arnaldo Augusto de Oliveira Filho Audrin Santiago Pio e Silva Beatriz Helena Lessa Pereira Bernardo Figueiredo Quadros Bianca Arruda Sampaio Caio de Oliveira Cesar Carla Jeane da Silva Carla Ramos Carla Rocha Pereira Carlos Magno Faccion Junior Carolina Pontim Catarina Lcia de Mello Faria Ceclia de Mendona Claudia Arajo Cludio Lus Mateus Cleonilde Souza Vieira Cristiane Lima Ferreira Cristiano Motta Mendes Daniel Chagas Cavalcanti Daniele dos Santos Silva Daniele Vilar Ferreira Dayane Vieira da Silva Dayse da Cunha Mota

Dirceu Barquette Filho Dirlene Regina Santos da Silva Doralice Rodrigues Silva Edilberto Jos de Macedo Edina Sarmento Elaine Henrique Elisa Nacif Diniz Elizabete de Castro Mendona Elizabete Vicari Elizabeth Gonalves Pena Elizete Igncio dos Santos Eluar Claro Aberastain Oro Emerson Ferreira Guerra Felipe Castro Lins de Albuquerque Felipe Esteves Flvia do Carmo Pereira Francisca Maria da Conceio Franco Grain Botelho Gisele Oliveira Muniz Gislaine C. G. Henriques Glaucia Soares Bastos Haroldo de Arruda Iara Ferraz Janana Vainer Cardoso Pereira Jorgete Maria Portal Lago Jos Ferreira Neto Josemria Gomes de Matos Josiane Ferreira dos Santos Josiane Ferreira Oliveira e Silva Joyce Barreto de S Abbade Juliana Souza Fonseca Jum Ida Barbosa Letcia Costa Rodrigues Vianna Lgia Barbosa Melges Lygia Segala Luciana Gonalves Carvalho Luciana Mattos Moreira Camelo Luciana Rodrigues Maciel Lucy Uliana Luis Cludio dos Santos Luis Eguinoa Luiz Otvio Ferreira da Luz Luiza Karla Santos e Santos Luzimar Paulo Pereira Lyete Silva de SantAnna

Magda Beatriz Vilela Marcelo de Lima Correia Marcelo Mac Cord Mrcia Maria Lima Viana Mrcia Valria de Resende Marco Antonio Martins Lima Marcos Aurlio da Cruz Mrcia Vieira Maria Beatriz Gomes Bellens Porto Maria das Graas Pereira Pinto Maria Dina Pinto Nogueira Maria Elisa Monteiro Maria Gabriela Scotto Maria Helena de Oliveira Torres Maria Laura Cavalcanti Marina Mafra Garcia Marize Chicanel Souza Maurcio Jos de Oliveira Mehane Albuquerque Patrcia Azevedo de Oliveira Patrcia M. dos Santos Raquel Maria de Oliveira Medeiros de Melo Regina Clia de Almeida Renata de Carvalho Salles Renato Varoni de Castro Rita Gama Silva Rodrigo Miranda Ramos Sandra Ermnio Pires Sergio Roberto Ferreira Monte Simone Dubeux Carneiro da Cunha Talita de Castro Miranda Tania Regina Gaudard Ribeiro Thiago Ferreira de Aquino Trcia Kelly S. Castro Valdenize Medeiros Valena Ribeiro Garcia Ramos Valeria Leite de Aquino Vnia Menezes de Almeida Wagner Neves Diniz Chaves Waldevino Magnum Lima Moreira Wilmara Figueiredo Wilson Valente Oliveira Alonso

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Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Proposta de implantao de poltica de preservao do patrimnio cultural brasileiro, elaborada por Mrio de Andrade a pedido de Gustavo Capanema, ento Ministro da Educao e Sade Pblica.

Criao do Instituto Brasileiro para Educao, Cincia e Cultura, seguindo recomendao da recmcriada Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura Unesco.

Instalao da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, vinculada ao Ministrio da Educao e Cultura.

Criao do Museu de Folclore Edison Carneiro de abrangncia nacional, na esfera da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.

Transformao da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro no Instituto Nacional do Folclore, vinculado Fundao Nacional de Artes - Funarte.

1936

1937Criao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - Sphan, primeira instituio do governo federal voltada para a proteo do patrimnio cultural do pas cuja atuao foi regulamentada pelo Decreto-lei n 25, de 30 de novembro de 1937.

1946

1947Criao da Comisso Nacional de Folclore, ponto de partida do fomento ao estudo e apoio s manifestaes culturais populares do pas.

1958

1961Criao da Biblioteca Amadeu Amaral, especializada no campo de estudos das culturas populares no mbito da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.

1968

1975Criao do Centro Nacional de Referncia Culturais - CNRC, convnio entre vrias instituies pblicas, por iniciativa de Alosio Magalhes.

1976

Instituio do Registro de bens culturais de natureza imaterial e criao do Programa Nacional do Patrimnio Cultural Imaterial - PNPI, mediante o Decreto n 3.551, de 04 de agosto. Elaborao do Inventrio Nacional de Referncias Culturais - INRC, metodologia voltada para a identificao e produo de conhecimento sobre bens culturais com vistas a subsidiar a formulao de polticas de preservao.

Realizao pelo Iphan dos primeiros registros de bens culturais imateriais: o Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras, Vitria/ES, e a Arte Grfica dos ndios Wajpi, Amap.

Criao, mediante o Decreto n 5040 de 04 de abril, do Departamento do Patrimnio Imaterial do Iphan - DPI, ao qual foi agregado o CNFCP. Lanamento, pelo CNFCP, do Tesauro de Folclore e Cultura Popular Brasileira, com patrocnio da Unesco.

1998Criao pelo Ministrio da Cultura de Comisso e Grupo de Trabalho Interinstitucional GTPI para elaborar proposta de instrumento legal de regulamentao do Registro de bens culturais de natureza imaterial.

2000

2001Incio da implementao do PNPI com o projeto Celebraes e Saberes da Cultura Popular, desenvolvido pelo CNFCP.

2002

2003Integrao do CNFCP estrutura do Iphan, mediante o Decreto n 4.811, de 19 de agosto. Aprovao, na 32 Sesso da Conferncia Geral das Naes Unidas, em 17 de outubro, da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial. Proclamao, pela Unesco, da Arte Grfica dos ndios Wajpi como Obra Prima do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade.

2004

8

Criao da Sala do Artista Popular,dedicada exposio e comercializao de objetos da produo tradicional, no campo de atuao do Instituto Nacional do Folclore.

Aprovao da Recomendao sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular pela 25 Conferncia Geral da Unesco.

Promulgao da Lei n 8.313 que institui o Programa Nacional de Apoio Cultura Pronac com o objetivo de promover a captao de recursos, entre outros objetivos, para fomentar projetos de preservao do patrimnio cultural.

Realizao pelo Iphan do Seminrio Internacional Patrimnio Imaterial: estratgias e formas de proteo, em Fortaleza, quando foram discutidos instrumentos legais e administrativos para a salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. Transformao da Coordenao de Cultura Popular em Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular - CNFCP vinculado Funarte.

1979Criao da Fundao Nacional Pr-Memria, instituio incumbida de implementar a poltica de preservao da ento Secretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - Sphan, incorporando o Programa de Cidades Histricas PCH, vinculado Secretaria de Planejamento da Presidncia da Repblica e o CNRC.

1983

1988Promulgao da Constituio Federal que, nos artigos 215 e 216, define o Patrimnio Cultural de modo mais amplo, abarcando seus aspectos materiais e imateriais.

1989

1990Extino da Fundao Nacional Pr-Memria e transformao da Secretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - Sphan em Instituto Brasileiro do Patrimnio Cultural - IBPC. Transformao da Funarte e de seu Instituto Nacional de Folclore em Instituto Brasileiro de Arte e Cultura IBAC e Coordenao de Cultura Popular, respectivamente.

1991

1992Transformao do IBPC em Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - Iphan, recuperando-se o nome original da instituio.

1997

Celebrao de acordo entre a Unesco e o governo da Repblica do Peru para a criao do Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial da Amrica Latina Crespial Ratificao, pelo Brasil, da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, mediante o Decreto n 5753. Eleio do Brasil para integrar o 1. Comit Intergovernamental do Patrimnio Cultural Imaterial, criado pela Conveno de 2003, da Unesco, com mandato de dois anos. Realizao, na Cmara dos Deputados, em Braslia, do Seminrio sobre o Registro das Lnguas e criao do Grupo de Trabalho da Diversidade Lingstica - GTDL.

Realizao, junto s Superintendncias do Iphan, do Balaio do Patrimnio Cultural, projeto voltado para a difuso e descentralizao da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. Lanamento do primeiro edital de seleo de projetos para experimentao da metodologia do Inventario Nacional da Diversidade Lingstica. Assinatura de Termo de Cooperao Tcnica entre o Iphan e o Institut de Recherche pour le Dveloppement IRD no mbito do ano da Frana no Brasil, com vistas ao inventrio e registro dos sistemas agrcolas tradicionais dos biomas brasileiros.

Lanamento da base de dados dos bens registrados BCR. Lanamento da base de dados do Inventrio Nacional de Referncias Culturais - S-INRC. Envio das primeiras candidaturas brasileiras s Listas da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial. Promulgao do Decreto de criao do Inventrio Nacional da Diversidade Lingstica.

2005

2006

2007

2008

2009Implementao do Programa de Promoo do Artesanato de Tradio Cultural Promoart, sob a coordenao tcnica do CNFCP. Celebrao de Cooperao Tcnica entre o Iphan e a Unesco Brasil para desenvolvimento do Projeto Difuso e Ampliao da Poltica de Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil.

2010

Lanamento, pelo DPI/Iphan, da 1 edio dos Editais de concurso de projetos de salvaguarda do PNPI. Proclamao, pela Unesco, do Samba de Roda do Recncavo Baiano como Obra Prima do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade. Criao, junto ao Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural, da Cmara do Patrimnio Imaterial. Implementao dos primeiros planos de salvaguarda de bens registrados.

Lanamento do Edital de Apoio Produo de Documentrios Etnogrficos sobre o Patrimnio Cultural Imaterial Brasileiro - Etnodoc, em parceria com a Petrobrs e apoio da TV Brasil. Estabelecimento de parceria com o Programa Cultura Viva, do Ministrio da Cultura para a instalao de Pontes e Pontos de Cultura articulados aos planos de salvaguarda dos bens registrados. Estabelecimento de acordo com a Agncia Espanhola de Cooperao Internacional para o Desenvolvimento AECID para realizao do inventrio das referncias culturais MBy Guarani em seis estados brasileiros e posterior articulao, no mbito do Crespial, com pases da Amrica Latina onde a presena dessa cultura significativa.

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N A PA N C A D A

DO

GANZ

AntecedentesSe, por acaso, a reflexo e a conseqente ao sobre o patrimnio cultural imaterial do Brasil tivessem um santo padroeiro, esse santo seria Mrio de Andrade. Escritor, musiclogo e polemista de tima cepa, ele foi um dos crebros da Semana de Arte Moderna de 1922 e um dos mais importantes nomes da cultura brasileira do sculo passado. J nos anos 20 e 30, enveredava pelos mais distintos rinces do pas em busca de manifestaes culturais que marcassem o jeito de ser, de agir, e de se comportar do povo brasileiro. Alm das crnicas de O Turista Aprendiz, a viagem ao Nordeste ter outros resultados tambm bastante significativos. Mario reunir fartssimo material de pesquisa sobre danas dramticas, melodias do boi, msica de feitiaria, religiosidade popular, crenas e supersties, e poesia popular. No decorrer de sua vida ir aproveitando vrios elementos dessas pesquisas em artigos, ensaios e conferncias. Entretanto, grande parte da documentao recolhida permanecer indita durante muito tempo, pois o autor pretendia divulg-la numa obra de flego sobre msica e cultura popular, que receberia o nome de Na Pancada do Ganz.1 Foi o intelectual e poeta paulistano quem deu incio reflexo sobre bens, que, dcadas mais tarde, viriam a ser considerados patrimnio cultural imaterial do Brasil. Em 1936, em proposta entregue ao ento ministro da Educao e Sade Gustavo Capanema, Mrio de Andrade afirmava que o patrimnio cultural da nao compreendia muitos outros bens alm de monumentos e obras de artes. Nos dirios de viagem que compem o livro O Turista Aprendiz2, que contm textos escritos entre 1927 e 1943, escreveu: Natal, 6 de janeiro, 22 horas Hoje dia dos Santos Reis que nem inda se diz por aqui, segundo dia grande pras danas dramticas nordestinas. Pelo Natal saram a Chegana e o Pastoril. Pelo Reis sai o Bumba-Meu-Boi. No Norte, o boi tem como data pra sair o Dia de So Joo. No Nordeste sai pelos reis e se no dia 30 de dezembro passado pude assistir ao Boi no municpio de So Gonalo, isso foi exceo, honraria pra quem vos escreve essas notas de turista aprendiz ... ... Hoje o Boi do Alecrim saiu pra rua e est danando pros natalenses. Os coitados esto inteiramente s nossas ordens s porque Lus da Cmara Cascudo, e eu de embrulho, conseguimos que pudessem danar na rua sem pagar a licena na polcia. Infelizmente assim, sim. Civilizao brasileira consiste

1 LOPEZ, Tel Porto Ancona, em Viagens Etnogrficas de Mrio de Andrade, prefcio de O Turista Aprendiz, de Mrio de Andrade. So Paulo: Ed. Duas Cidades, 2 ed., 1983, p.21. 2 ANDRADE, Mrio de. O Turista Aprendiz. So Paulo: Ed. Duas Cidades, 2 ed., 1983, p 267.

Baiana de Acaraj, Salvador, Bahia. Foto: Francisco Moreira da Costa/Arquivo CNFCP/Iphan. 11

Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Mrio de Andrade, 1937. Foto: Arquivo Noronha Santos, Iphan.

em impecilhar as tradies vivas que possumos de mais nossas. Que a polcia obrigue os blocos a tirarem licena muito que bem, pra controlar as bagunas e os chinfrins, mas que faa essa gente pobrssima, alm dos sacrifcios que j faz pra encenar a dana, pagar licena, no entendo. Seria justo mais que protegessem os blocos, Prefeitura, Estado: construssem palanques especiais nas praas pblicas centrais, institussem prmios em dinheiro dados em concurso. Duzentos mil-ris nada pra Prefeitura. Pra essa gente seria, alm do gozo da vitria, uma fortuna. O Boi de S. Gonalo outro dia murchou de p no areo vrias horas de Sol pra chegar na Redinha e ganhar 40 paus! horroroso.3 Pioneiro de uma concepo ampla e diversificada de patrimnio cultural e de sua documentao e promoo, Mrio de Andrade fez mais: foi um dos mentores da criao, em janeiro de 1937, do ento Servio, hoje, Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - Iphan, primeira instituio governamental voltada para a proteo do patrimnio cultural do pas. A preservao de bens culturais de natureza imaterial j estava prevista no anteprojeto que deu origem a essa instituio, elaborado pelo poeta modernista Mario de Andrade, um dos intelectuais responsveis por sua fundao. Numa viso retrospectiva, se pode afirmar que os primeiros registros de bens culturais de natureza imaterial foram realizados naquele perodo, durante as expedies do escritor pelo Nordeste brasileiro, ocasio em que valioso material audiovisual e textual sobre danas e ritmos populares da regio foi recolhido.43 Alecrim e Redinha so bairros da cidade de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte. 4 Informe sobre o Estado da Proteo do Patrimnio Cultural Imaterial no Brasil. Braslia: Iphan, 2004.

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Esse pioneirismo tambm registrado em texto do ministro da Cultura Gilberto Gil:5 A idia de ampliar o raio de proteo, de preservao, e de valorizao dos bens simblicos de nosso povo foi, na verdade, sugerida por Mario de Andrade, no contexto do nascimento do Iphan, quando a conscincia de preservao da memria nacional comeou a se enraizar na sociedade brasileira. Mrio de Andrade contou, nessa tarefa, com vrios parceiros e sucessores, entre eles Luis da Cmara Cascudo, Edison Carneiro, Renato de Almeida. Nos anos 50, vrios deles se mobilizaram em torno da Comisso Nacional de Folclore, criada em 1947, no governo do General Eurico Gaspar Dutra, com ramificaes em inmeros estados brasileiros. Esse movimento foi base para a criao, em 1958, da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, que, por sua vez, deu origem ao Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, hoje incorporado ao Iphan. Nas dcadas de 70 e 80, a proposta de Mrio de Andrade serviu de inspirao para as experincias desenvolvidas no Centro Nacional de Referncia Cultural - CNRC e na Fundao Nacional Pr-Memria FNPM, sob a liderana de Alosio Magalhes. Nesse perodo, foram realizados vrios projetos de documentao e de devoluo dos resultados das pesquisas aos grupos sociais interessados, como: 1) levantamentos scio-culturais em Alagoas e Pernambuco, tendo em vista identificar e avaliar os impactos de projetos de infra-estrutura nessas regies, e formular indicadores para um desenvolvimento harmonioso; 2) inventrios de tecnologias patrimoniais, que incluram o uso do computador na documentao visual de padres de tecelagem manual e de tranado indgena; 3) implantao do Museu Aberto de Orleans, em Santa Catarina; 4) tombamento da Fbrica de Vinho de Caju Tito Silva, na Paraba; 5) debate sobre a questo da propriedade intelectual de processos culturais coletivos; 6) desenvolvimento da idia de criao de um selo de qualidade a ser conferido a produtos de reconhecido valor cultural, como o queijo de Minas e a cachaa de alambique; 7) realizao, em parceria com o MEC e outras instituies, de vrios projetos visando interao entre educao bsica e contextos culturais especficos; 8) reconhecimento, como patrimnio, de bens das culturas populares, indgenas e afro-brasileiras; 9) documentao da memria oral das frentes de expanso territorial e dos povos indgenas grafos. Essas experincias tinham como pressuposto a idia de que a comunidade a melhor guardi de seu patrimnio, o que implicava trabalhar em contato com as populaes locais, prtica desenvolvida particularmente com a realizao, nos anos 80, de seminrios com as comunidades das cidades histricas de Ouro Preto, Diamantina (Minas Gerais), Cachoeira (Bahia) e So Luis (Maranho).Ed. Nilomex, entre as ruas Nilo Peanha e Mxico, primeira sede do Iphan em 1937, Rio de Janeiro. Foto: Eduardo Fernandes Mello, 1986, ACI/RJ. Srie Inventrio.

5 Relatrio Final da Atividades da Comisso e do Grupo de Trabalho do Patrimnio Imaterial. Em: O Registro do Patrimnio Imaterial: dossi final das atividades da Comisso e do Grupo de Trabalho do Patrimnio Imaterial. Braslia: MinC/Iphan/Funarte, 2 ed., 2003, p. 07.

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Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Corda do Crio de Nazar, Belm, Par. Foto: Luiz Braga.

Por outro lado, o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular vem realizando, desde sua criao, em 1958, com o nome de Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, relevante trabalho de conservao, promoo e difuso do conhecimento produzido pela cultura popular. Mais: desenvolveu aes de apoio s condies de existncia dessas manifestaes e vem produzindo e mantendo extraordinrio acervo sobre o tema. Um dos grandes feitos de Alosio Magalhes, j como Presidente da FNPM, e depois como Secretrio da Cultura do MEC, foi a ampliao da atuao do Estado em relao ao patrimnio no-consagrado, vinculado s culturas populares, s culturas indgenas, e aos cultos afro-brasileiros. Essa orientao levou ao tombamento, nos anos 80, da Serra da Barriga, em Alagoas, onde os quilombos de Zumbi se localizaram, e do Terreiro da Casa Branca, um dos mais importantes, antigos e atuantes centros de atividade do candombl baiano.

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Nesse perodo foram realizadas aes de registro bastante significativas que, apesar de seu carter experimental e no-sistemtico, propiciaram uma importante reflexo sobre a questo, tendo como principal fruto a sedimentao de uma noo mais ampla de patrimnio cultural.6 Essas aes e a reflexo sobre a importncia dos bens culturais imateriais como referncias fundamentais para vrios grupos formadores da sociedade brasileira contriburam para sensibilizar o Congresso Nacional a incluir o tema, de maneira contundente e afirmativa, na Constituio Federal promulgada em 1988, que estabeleceu: Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I as formas de expresso; II os modos de criar, fazer e viver; III as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais; V os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico. Pargrafo 1. O poder pblico, com a colaborao da comunidade, promover e proteger o patrimnio cultural brasileiro por meio de inventrios, registros, vigilncia, tombamento e desapropriao, e de outras formas de acautelamento e preservao. Mas, apenas em novembro de 1997, essas orientaes contidas na Constituio de 1988 resultaram em uma ao mais efetiva: a realizao do seminrio internacional, promovido pela Superintendncia do Iphan em Fortaleza (Cear), para discutir estratgias e formas de proteo ao patrimnio imaterial. Nesse evento, foram apresentadas experincias brasileiras e internacionais de identificao, de resgate e de valorizao de manifestaes culturais vivas. Tambm se discutiram os rumos da ao institucional nesse campo, os instrumentos legais e as medidas administrativas que poderiam ser propostas para a preservao dessa dimenso do patrimnio. O seminrio produziu o documento A Carta de Fortaleza. Nela recomendavam-se o aprofundamento do debate sobre o conceito de patrimnio cultural imaterial e o desenvolvimento de estudos para a criao de instrumento legal, instituindo o Registro como principal modo de preservao e de reconhecimento de bens culturais dessa natureza. A Carta de Fortaleza repercutiu de imediato no Ministrio da Cultura: em maro de 1998, constituiu-se Comisso com o objetivo de elaborar proposta visando regulamentao da salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. Integravam esse grupo Joaquim Falco, Marcos Villaa e Thomas Farkas, membros do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural, e Eduardo Portella, ento presidente da Biblioteca Nacional. Tambm foi criado o Grupo de Trabalho Patrimnio Imaterial - GTPI, que reunia tcnicos do Iphan, da Funarte e do MinC, para assessorar essa Comisso. O resultado do trabalho conjunto entre a Comisso e o Grupo de Trabalho Patrimnio Imaterial - GTPI no demorou a surgir. Em 4 de agosto de 2000 o Decreto n 3.551 instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimnio cultural brasileiro e criou o Programa Nacional do Patrimnio Imaterial. Quatro anos depois, em 7 de abril de 2004, j na gesto de Gilberto Gil frente ao Ministrio da Cultura, o Decreto n 5.040 criou o Departamento do Patrimnio Imaterial do Iphan (DPI), ao qual se integrou o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular - CNFCP.6 Idem, ibidem, p. 15.

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Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

A

I M P L E M E N TA A O D A P O L T I C A D E

S A LVA G U A R D A D O

PAT R I M N I O

C U LT U R A L I M AT E R I A LConceitos e PrincpiosNo existe consenso no plano internacional ou no nacional sobre o termo que melhor define o conjunto dos bens culturais de natureza imaterial. Aqui e ali so utilizadas expresses como patrimnio cultural intangvel, patrimnio cultural imaterial, cultura tradicional e popular, patrimnio oral, patrimnio vivo, etc. No Brasil, o Iphan e o Ministrio da Cultura optaram por adotar a terminologia estabelecida no artigo 216 da Constituio Federal de 1988, mas com a ressalva de que: No h dvida de que as expresses patrimnio imaterial e bem cultural de natureza imaterial reforam uma falsa dicotomia entre esses bens culturais vivos e o chamado patrimnio material. Por outro lado, contudo, com essa definio, delimita-se um conjunto de bens culturais que, apesar de estar intrinsecamente vinculado a uma cultura material, no vinha sendo reconhecido oficialmente como patrimnio nacional.7 Se, do ponto de vista conceitual, a distino entre patrimnio material e imaterial discutvel, do ponto de vista da preservao essa distino se mostrou necessria. Isto porque o instituto do tombamento s pode ser aplicado a bens cuja manifestao material apresenta relativa autonomia em relao ao processo de sua produo pelo homem. Ou seja, a produtos da ao humana - como edificaes, objetos, etc. e a stios naturais, cuja permanncia no tempo e no espao transcende seu processo de produo, e depende basicamente da manuteno de sua integridade fsica. Nesse caso, a proteo legal via tombamento, assim como procedimentos de conservao e restaurao, so requisitos fundamentais embora no nicos para a preservao desses bens culturais. J no caso dos chamados bens culturais de natureza imaterial, cujo carter processual e dinmico tais como ritos e celebraes, formas de expresso musical, verbal e cnica, conhecimentos e tcnicas, folguedos, etc., - sua manifestao percepo de nossos sentidos inseparvel da ao humana, e sua continuidade depende da existncia, e da atuao reiterada, no tempo e no espao, de sujeitos desejosos e capazes7 Idem, ibidem, p. 15.

Roda de Capoeira, Salvador, Bahia. Foto: Carlos Caf. 17

Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Padro Borboleta, Arte Kusiwa Wajpi, Terra Indgena Wajpi, Amap. Foto: Dominique T. Gallois.

de produzir e/ou reproduzir esses bens. Nesse caso, a preservao tem como foco no a conservao de eventuais suportes fsicos do bem como objetos de culto, instrumentos, indumentrias e adereos, etc. mas a busca de instrumentos e medidas de salvaguarda que viabilizem as condies de sua produo e reproduo, tais como: a documentao do bem, com vistas a preservar sua memria; a transmisso de conhecimentos e competncias; o acesso s matrias primas e demais insumos necessrios sua produo; o apoio e fomento produo e ao consumo; a sua valorizao e difuso junto sociedade; e, principalmente, esforos no sentido de que os detentores desses bens assumam a posio de protagonistas na preservao de seu patrimnio cultural. Portanto, com base na percepo da necessidade de diferentes estratgias de preservao para essas duas dimenses do patrimnio cultural que foi possvel buscar formas de salvaguarda adequadas especificidade dos bens culturais imateriais. Essa adequao tem importantes implicaes sociais, polticas e culturais, e vem atender demanda por reconhecimento das formas de expresso e dos modos de criar, fazer e viver como patrimnio cultural brasileiro. A identificao dos bens culturais imateriais passveis de integrar o patrimnio cultural brasileiro reconhecido pelo poder pblico deve ter como requisito, conforme determina a Constituio de 1988, sua relevncia para a memria, a identidade e a formao da sociedade brasileira. Outro requisito fundamental a sua continuidade histrica, ou seja: que essas manifestaes sejam reiteradas, transformadas e atualizadas, a ponto de se tornarem referncias culturais para as comunidades que as mantm e transmitem no tempo. A noo de referncia cultural, foco da ao do CNRC e das instituies que a ele sucederam, foi base fundamental para a reflexo e a busca de instrumentos de salvaguarda adequados aos bens culturais de natureza imaterial.18

Falar em referncias culturais significa dirigir o olhar para representaes que configuram uma identidade da regio para seus habitantes, e que remetam paisagem, s edificaes e objetos, aos fazeres e saberes, s crenas e hbitos.8 A poltica de salvaguarda dos bens culturais imateriais, executada pelo Iphan, adotou esse conceito e o utiliza no trabalho realizado em vrias regies do pas. No Manual de Aplicao do Inventrio Nacional de Referncias Culturais, um dos principais instrumentos dessa poltica, l-se: Referncias so edificaes e so paisagens naturais. So tambm as artes, os ofcios, as formas de expresso e os modos de fazer. So as festas e os lugares a que a memria e a vida social atribuem sentido diferenciado: so as consideradas mais belas, so as mais lembradas, as mais queridas. So fatos, atividades e objetos que mobilizam a gente mais prxima e que reaproximam os que esto distantes, para que se reviva o sentimento de participar e de pertencer a um grupo, de possuir um lugar. Em suma, referncias so objetos, prticas e lugares apropriados pela cultura na construo de sentidos de identidades, so o que popularmente se chama de raiz de uma cultura.9 A incorporao da noo de referncia cultural implicou uma nova viso da preservao e da gesto dos bens culturais brasileiros. Significou, tambm, assumir que a atribuio de valor patrimonial a objetos e aes no prerrogativa exclusiva do Estado e de seus representantes. Antes disso, precisa envolver os sujeitos que mantm e produzem bens culturais. Indagaes sobre quem tem legitimidade para selecionar o que deve ser preservado, a partir de que valores, em nome de quais interesses e de quais grupos, passaram a pr em destaque a dimenso social e poltica de uma atividade que costumava ser vista como eminentemente tcnica. Entendia-se que o patrimnio cultural brasileiro no devia se restringir aos grandes monumentos, aos testemunhos da histria oficial, em que sobretudo as elites se reconhecem, mas devia incluir tambm manifestaes culturais representativas para os outros grupos que compem a sociedade brasileira os ndios, os negros, os imigrantes, as camadas populares em geral. 10 Essas reflexes conceituais relacionadas s estratgias de operacionalizao da preservao dessa dimenso do patrimnio cultural indicaram os seguintes princpios norteadores da poltica de salvaguarda desenvolvida pelo Iphan: a) entendimento amplo da noo de patrimnio cultural de modo a abarcar suas mltiplas dimenses e a diversidade cultural do Brasil; b) adequao dos instrumentos de salvaguarda especificidade dos bens culturais de natureza processual e dinmica; c) participao da sociedade e, particularmente, dos grupos interessados, na formulao e implementao das aes de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial; d) apoio ao reconhecimento e defesa dos direitos de imagem e de propriedade intelectual, individual ou coletiva, associados a esse patrimnio; e) articulao com outras polticas pblicas de modo a viabilizar a sustentabilidade das condies ambientais e sociais de produo, reproduo e transmisso dos bens culturais imateriais; f ) ampliao do acesso ao patrimnio cultural como direito de cidadania e base para o desenvolvimento sustentvel do pas.8 FONSECA, Maria Cecilia Londres. Referncias culturais: base para novas polticas de patrimnio. Em: Manual de Aplicao do INRC. Braslia, Iphan/DID, 2000, p. 11. 9 Manual de aplicao do INRC. Braslia, Iphan/DID, 2000, p. 29. 10 FONSECA, op. cit., p. 11.

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Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Instrumentos de salvaguardaTendo em vista as particularidades do universo dos bens culturais imateriais foram estabelecidos trs instrumentos bsicos de salvaguarda: > os mapeamentos e inventrios de referncias culturais; > o Registro, conforme formalizado no Decreto 3.551/2000; > os planos e aes de salvaguarda. Em princpio, todos os bens registrados tm como base um processo de inventrio, e, como conseqncia, a formulao e implementao de um plano de salvaguarda. Excepcionalmente, essa sequncia pode ser alterada, em funo da necessidade de aes urgentes de apoio. Todas as informaes produzidas pela aplicao desses trs instrumentos de salvaguarda devem ser armazenadas em bases de dados geridas pelo Iphan, de modo a no apenas preservar a memria dos bens culturais imateriais como a viabilizar o amplo acesso a essas informaes por parte da sociedade.

Mapeamentos e InventriosCom a finalidade de contar com um instrumento que possibilitasse uma coleta ampla e sistematizada de dados, compatvel com os princpios da poltica de salvaguarda, o Iphan investiu na elaborao e difuso da metodologia do Inventrio Nacional de Referncias Culturais - INRC.11 O INRC um procedimento de investigao que se desenvolve em nveis de complexidade crescente e prev trs etapas: Levantamento preliminar: reunio e sistematizao das informaes disponveis sobre o universo a ser inventariado, a partir de pesquisa em fontes primrias e secundrias, produzindo-se, ao final desta etapa, um mapeamento cultural que pode ter carter territorial, geopoltico ou temtico. Identificao: descrio sistemtica e tipificao das referncias culturais relevantes; mapeamento das relaes entre essas referncias e outros bens e prticas; e indicao dos aspectos bsicos dos seus processos de formao, produo, reproduo e transmisso. Documentao: sistematizao e anlise dos dados coletados, elaborao de relatrio final e produo de documentao audiovisual ou de outra adequada natureza dos bens identificados. Essa etapa inclui ainda a insero das informaes obtidas nas etapas anteriores no sistema informatizado do INRC (S-INRC). O INRC busca descrever e documentar cada bem imaterial identificado como referncia cultural significativa para os grupos sociais relacionados a um territrio ou tema cultural, de modo a permitir uma adequada compreenso dos processos de formao histrica, produo, reproduo e transmisso que caracterizam esse bem, assim como das condies, dos problemas e dos desafios para sua continuidade. Trata-se, portanto, de trabalho primordial para o conhecimento desse universo de bens culturais e para a fundamentao das demais aes de salvaguarda.

11 Ver Manual de Aplicao do INRC, op.cit. A metodologia do INRC foi testada no ano 2000 por meio do inventrio de referncias culturais do Museu Aberto do Descobrimento - MADE.

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O recurso a essa metodologia possibilita a obteno de subsdios para: a) a instruo de processos de Registro;12 b) a formulao de planos e aes de salvaguarda; c) a implementao de aes de apoio e fomento em atendimento a demandas sociais identificadas no processo de inventrio. Uma caracterstica de fundamental importncia na metodologia do INRC o envolvimento e, mais que isso, a participao dos detentores, transmissores e usurios dos bens culturais, no apenas como informantes, mas tambm como intrpretes dos sentidos e valores atribudos a esses bens e como agentes das aes de salvaguarda. Desse modo, contribui-se para que essa poltica de salvaguarda adquira a dimenso e o alcance de uma poltica pblica, no sentido da incorporao ativa da sociedade em sua formulao e implementao.

ndios Mbya-Guarani, So Miguel das Misses, Rio Grande do Sul. Foto: Daniele Pires.

Mediante a assinatura de Termo de Cooperao Tcnica, o Iphan disponibiliza gratuitamente essa metodologia para instituies pblicas e privadas; realiza treinamento das equipes tcnicas mobilizadas por essas instituies; acompanha e orienta o desenvolvimento do processo de inventrio. So exemplos das possibilidades temticas e territoriais de aplicao do INRC: 1) os mapeamentos documentais de referncias culturais dos estados de Alagoas, Cear, Gois, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraba, Piau, Sergipe e Distrito Federal; 2) o inventrio das referncias culturais da Ilha de Maraj, Par; 3) o inventrio das referncias culturais do bairro do Bom Retiro, na cidade de So Paulo, So Paulo; 4) o projeto Mestres e Artfices de inventrio dos sistemas e tcnicas tradicionais da construo civil;13 5) o inventrio das referncias culturais MBy-Guarani nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro e Esprito Santo;14 Tratamento diferenciado de identificao foi dado demanda social pela incluso, no universo do patrimnio cultural imaterial, das lnguas que so utilizadas por comunidades brasileiras como veculo de transmisso cultural h mais de trs geraes - possibilidade j prevista no decreto 3551/2000, ao admitir a criao de novos Livros de Registro. Contudo, dvidas relacionadas a aspectos conceituais e tcnicos da aplicao do instrumento do Registro a lnguas, poca, levaram ao adiamento da deciso sobre como abordar a questo, particularmente quanto pertinncia de inserir lnguas na lgica seletiva da constituio dos patrimnios culturais.12 Cabe ressaltar que, para efeito de Registro, outros procedimentos de identificao podem ser utilizados, desde que atendam s necessidades de entendimento e compreenso do bem que se quer registrar. Exemplos dessa situao foram: o inventrio que acompanhou o pedido de Registro da Arte Kusiwa, do grupo indgena Wajpi, Amap e, posteriormente, a elaborao do dossi de candidatura do mesmo bem encaminhado ao programa da Unesco intitulado Proclamao das Obras Primas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade, ambos produzidos pelo Instituto de Pesquisa e Formao em Educao Indgena - Iep/USP. 13 Este projeto tem abrangncia nacional, estando em execuo sua primeira etapa, correspondente aos estados de Pernambuco, Minas Gerais e Santa Catarina. 14 Este inventrio faz parte do Projeto Regional de Salvaguarda da Cultura Guarani em articulao no mbito do Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial da Amrica Latina - Crespial.

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Com a realizao, em 2006, de seminrio sobre este tema na Comisso de Educao e Cultura da Cmara dos Deputados, foi constitudo o Grupo de Trabalho da Diversidade Lingustica - GTDL, reunindo vrias instituies ligadas aos Ministrios da Cultura, Cincia e Tecnologia, Planejamento, Oramento e Gesto, Justia e Educao, alm da Unesco, da Universidade de Braslia, e do Instituto de Investigao e Desenvolvimento em Poltica Lingustica - Ipol. 15 Como resultado, o GTDL props a criao do Inventrio Nacional da Diversidade Lingustica - INDL, cuja metodologia j comeou a ser testada nas seguintes situaes histrico-sociolgicas: > lnguas indgenas; > lnguas de comunidades afro-brasileiras; > lnguas de imigrao; > lnguas de sinais; > lnguas crioulas; > variedades da lngua portuguesa. Mais do que um instrumento de identificao, o INDL dever ser tambm um instrumento de reconhecimento patrimonial. Segundo a proposta do decreto presidencial assinado em dezembro de 2010,16 a lngua inserida neste inventrio receber o ttulo de Referncia Cultural do Brasil e far jus a aes de valorizao e promoo por parte do poder pblico e da sociedade. Um desdobramento importante do trabalho do GTDL a incluso no censo demogrfico de 2010 de quesito sobre lnguas indgenas, com vistas ao mapeamento geral das cerca de 180 que ainda so faladas no Brasil.

RegistroO processo de atribuio, por parte do Estado, do ttulo de Patrimnio Cultural do Brasil a bens culturais imateriais presentes no territrio nacional, regido pelo decreto no. 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional do Patrimnio Imaterial. Esse instrumento legal viabiliza a constituio, juntamente e em complementao ao tombamento, do repertrio de bens culturais que integram o universo do patrimnio cultural brasileiro a ser reconhecido, preservado e valorizado pelo poder pblico. Ou seja, resguardadas suas especificidades, o Registro equivale ao tombamento: tombam-se edificaes, stios e objetos; registram-se saberes e fazeres, celebraes, formas de expresso e lugares. O Registro tem trs caractersticas que o distinguem do tombamento: > o carter coletivo do pedido > o carter descentralizado da instruo do processo > o carter transitrio da inscrio

15 O GTDL foi reconhecido pelas Portarias n 586/Iphan, de 11/12, 2006, e n 274/Iphan, de 03/09/2007. Ver Diversidade Lingustica do Brasil: relatrio de atividades do Grupo de Trabalho da Diversidade Lingustica. Braslia: MinC/Iphan/CEC, 2007. 16 A proposta de decreto presidencial para a criao do INDL tramitou atravs do Processo n 01450.003416/2008-18.

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Da esquerda para a direita Povo Tariano com ornamentos sagrados, Distrito de Iauaret; Trecho da Cachoeira de Iauaret, Amazonas. Fotos: Vincent Carelli.

Ou seja, no caso do Registro, o objetivo no assegurar a integridade fsica do bem por meio de fiscalizao e procedimentos de conservao e restaurao, mas propiciar, pelos meios adequados natureza do bem, sua continuidade, com base na produo de conhecimento, documentao, reconhecimento, valorizao, apoio e fomento. As propostas de Registro devem ser necessariamente coletivas, envolvendo, sempre que possvel, a representao dos detentores dos bens em questo, e sendo, obrigatoriamente, acompanhadas pela manifestao de sua anuncia. Uma vez recebidas pelo Iphan, essas propostas so avaliadas em carter preliminar e, se julgadas procedentes, so encaminhadas para instruo do respectivo processo administrativo. A instruo dos processos de Registro sempre supervisionada pelo Iphan. Consta de descrio pormenorizada do bem a ser registrado, acompanhada da documentao correspondente, e deve mencionar todos os elementos que lhe sejam culturalmente relevantes, abrangendo o seu passado e o presente, e suas diferentes verses. Poder ser feita por outros rgos do Ministrio da Cultura, pelas unidades estaduais do Iphan ou por entidade pblica ou privada habilitada a produzi-la. Realizada a instruo do processo, o Iphan emite parecer que publicado no Dirio Oficial da Unio e na sua pgina na internet, para eventuais manifestaes da sociedade sobre o Registro. Decorridos trinta dias da publicao, o processo encaminhado ao Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural para deliberao. O Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural tem funes definidas no Decreto n 5.040, de 7 de abril de 2004, que estabelece no artigo 9 sua competncia para examinar, apreciar e decidir sobre questes relacionadas ao tombamento, ao registro de bens culturais de natureza imaterial e sada de bens culturais do pas e opinar acerca de outras questes propostas pelo Presidente. O Decreto n 3.551/2000 estabelece em seus artigos 3, 4, 5 e 7 que cabe tambm ao Conselho: a) manifestar-se quanto s propostas de registro apresentadas ao Iphan; b) estabelecer regulamentao interna quanto instruo de processos de registro; c) deliberar sobre os bens a serem registrados; d) determinar quanto abertura de novos livros de Registro; e) deliberar sobre a revalidao do ttulo de Patrimnio Cultural do Brasil, conferido aos bens culturais registrados.23

A inscrio do bem cultural em um ou mais Livros de Registro ser reavaliada a cada dez anos, no mximo, tendo em vista a revalidao acima mencionada. O decreto criou quatro Livros de Registro: dos Saberes, das Celebraes, das Formas de Expresso e dos Lugares. O Registro sempre o retrato de um momento, que deve ser refeito periodicamente, a fim de que se possa acompanhar as adaptaes e as transformaes que o processo cultural opera nessas manifestaes. Este reexame tambm importante para o monitoramento e a avaliao dos impactos gerados pela declarao desses bens como patrimnio cultural do pas. 17 O decreto 3551/2000, adotado pelo Governo Federal, tem inspirado governos estaduais e municipais a elaborar legislao de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no mbito de sua regio. Em alguns estados tambm foram elaborados mecanismos legais inspirados no Sistema Tesouros Humanos Vivos da Unesco, de reconhecimento e apoio aos mestres detentores de saberes tradicionais, de modo a que possam transmitir seus conhecimentos. 18

Planos e aes de salvaguardaA elaborao de planos de salvaguarda tem como objetivo definir e organizar um conjunto de aes visando a contribuir para a melhoria das condies socioambientais de produo, reproduo e transmisso dos bens culturais imateriais registrados. Trata-se de medida de salvaguarda que utiliza como base para sua formulao o conhecimento produzido sobre o bem cultural durante os processos de inventrio e de Registro. 19 Requisito fundamental para a formulao e implementao dos planos de salvaguarda a ampla mobilizao e participao dos detentores dos bens culturais registrados, atuando em parceria com os poderes pblicos (o Estado atravs do Iphan e do MinC, e instituies federais, estaduais e municipais) e organizaes da sociedade. Parte-se do pressuposto de que cada bem cultural imaterial registrado ter um Plano de Salvaguarda especfico, adequado s suas particularidades e necessidades. Um Plano de Salvaguarda geralmente envolve aes tais como: a) apoio transmisso dos saberes e habilidades relacionados ao bem cultural; b) promoo e divulgao do bem cultural; c) valorizao de mestres e executantes; d) melhoria das condies de produo, reproduo e circulao; e) organizao dos detentores e de atividades comunitrias. importante lembrar que esses planos devem respeitar e valorizar os modos de expresso, de transmisso e de organizao prprios das comunidades envolvidas, condio fundamental para a continuidade desses bens culturais. Os planos visam, a mdio e longo prazos, a gesto autnoma da salvaguarda desses bens culturais por parte de seus detentores e produtores.17 Informe sobre o Estado de Proteo do Patrimnio Cultural Imaterial. Braslia: Iphan,2004. 18 Ver CASTRO, Maria Laura Viveiros de & FONSECA, Maria Cecilia Londres. Patrimnio Imaterial no Brasil. Braslia: Unesco/Educarte, 2008. 19 Este instrumento foi inspirado pelo programa da Unesco intitulado Proclamao das Obras Primas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade, que preconizava a elaborao de planos de ao para viabilizar a continuidade desses bens culturais.

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O DPI elaborou um Termo de Referncia que indica as bases para organizao, planejamento e execuo dos planos de salvaguarda, permitindo estabelecer parmetros gerais de avaliao da eficcia das aes implementadas. Bens culturais imateriais no registrados ou inventariados tambm podem ser objeto de aes especficas de salvaguarda, especialmente quando em situao de risco de desaparecimento. Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso do contato com o processo de produo do bico e renda Singeleza, em Marechal Deodoro, no estado de Alagoas, quando se verificou que apenas uma pessoa, j bastante idosa, detinha o conhecimento sobre esse saber fazer, o que levou implementao de aes de salvaguarda imediatas, visando transmisso desse saber. Essas aes tiveram impacto significativo no aumento do nmero de detentores, o que propiciou o pedido de Registro desse modo de fazer.

As estruturas institucionaisO Departamento do Patrimnio Imaterial do Iphan foi criado em abril de 2004 e incorporou experincias anteriores, dando continuidade ao trabalho que j vinha sendo realizado pelo antigo Departamento de Identificao e Documentao do Iphan - DID. Com a incorporao do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular - CNFCP, vinculado at 2003 Funarte, o DPI passa a coordenar, no mbito da instituio, a poltica de salvaguarda dos bens culturais imateriais. O DPI est estruturado conforme os macro-processos que compem a salvaguarda: identificao, registro e apoio e fomento. O CNFCP apia o departamento nessas aes e realiza atividades especficas relacionadas pesquisa, difuso, apoio e fomento s culturas populares. Em 2005 foi criada a Cmara do Patrimnio Imaterial junto ao Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural,20 rgo que rene representantes de instituies federais relacionadas s polticas de preservao, de organizaes da sociedade e especialistas no assunto. No caso do Registro, cabe ao Conselho decidir sobre a inscrio do bem em um ou mais Livros e sua titulao como Patrimnio Cultural do Brasil. A Cmara do Patrimnio Imaterial composta por cinco conselheiros, cujas reas de conhecimento e atuao se relacionam ao tema, assistidos em suas reunies por dois representantes do DPI. Entre as suas atribuies esto:Da esquerda para a direita Quadrado de Trancoso, Museu Aberto do Descobrimento, Porto Seguro, Bahia. Foto: Arquivo Iphan; Beiju de mandioca e utenslios do sistema agrcola tradicional do Alto Rio Negro, Amazonas. Foto: Laure Emperaire; Frevo, Recife, Pernambuco. Foto: Carla Dias.

20 A Cmara do Patrimnio Imaterial foi oficialmente criada pela Resoluo no 001, de 3 de agosto de 2005, do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural. Contudo, comeou a funcionar efetivamente em 2006, mediante nomeao de seus membros pelo presidente do Iphan.

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Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

a) colaborar no exame preliminar da pertinncia dos pedidos de Registro; b) indicar instituies habilitadas a realizar a instruo tcnica dos processos; c) formular critrios para a avaliao decenal dos bens registrados; d) manifestar-se sobre a abertura de novos Livros de Registro; e) elaborar critrios para a indicao de candidaturas s Listas criadas pela Conveno da Unesco de 2003; f ) assessorar o DPI em assuntos de seu interesse.

Diretrizes e linhas de atuao (2003-2010)So diretrizes bsicas da poltica de salvaguarda implementada pelo Iphan a descentralizao de aes e a sensibilizao da sociedade para a valorizao do patrimnio cultural imaterial.

DescentralizaoA poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial, tal como a entende o Iphan, implementada com base no artigo 215 da Constituio Federal de 1988, ou seja, pelo Estado em parceria com a sociedade. Esse o esprito do decreto 3551/2000, e tambm o princpio que orienta as aes de salvaguarda, em cuja realizao o Iphan, alm de participar de sua execuo, atua tambm como indutor, regulador e suporte, pondo disposio dos parceiros as informaes, o conhecimento e a experincia acumulados nos dez anos de vigncia do decreto 3551/2000. Passo fundamental nesse sentido foi a celebrao, em 2009, do documento de cooperao tcnica com a Unesco para ampliao e divulgao da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial, o que permitir ao Iphan elaborar e difundir, ao longo dos trs prximos anos, os documentos referenciais; os procedimentos tcnicos e normativos; os manuais e demais meios de difuso dos princpios, diretrizes, instrumentos e metodologias que compem essa poltica de modo a que estejam accessveis para parceiros estaduais, municipais e da sociedade civil.

Sensibilizao da sociedadeA atribuio de valor como patrimnio cultural a manifestaes de carter processual e dinmico tendncia bastante recente nas sociedades ocidentais, as quais, historicamente, tm privilegiado monumentos e obras de arte e enfatizado o papel do poder pblico em suas polticas de preservao. Por esse motivo, o Iphan tem procurado oferecer todos os meios possveis para que outros atores, e particularmente os detentores bens culturais imateriais, tenham condies de assumir como protagonistas a salvaguarda desse seu patrimnio. O Iphan entende tambm que esse objetivo s poder alcanado se houver apoio da sociedade, da a importncia das aes de divulgao e de educao. No perodo de 2003 a 2010, foram estabelecidas algumas prioridades a serem atendidas por essa nova poltica pblica: ateno s referncias das culturas indgenas, afro-brasileiras, das comunidades tradicionais, dos ncleos urbanos tombados, assim como das situaes de multiculturalismo em contextos urbanos complexos. Outras prioridades so atuar nas regies Norte e Centro-Oeste, e na salvaguarda de bens culturais em risco de desaparecimento.26

Nesse perodo, o DPI vem estruturando e desenvolvendo vrias linhas de atuao, de modo a cumprir suas obrigaes institucionais e a atender crescente demanda da sociedade.

Produo de conhecimento e documentaoTodo o conhecimento produzido nos mapeamentos e inventrios, concludos e em curso, nos processos de Registro, e a documentao coletada e produzida pelas aes de apoio e fomento - deve ser armazenado em bases de dados elaboradas especificamente com essa finalidade, e com vistas tambm a facilitar o acesso informao sobre os bens culturais imateriais e seus processos de salvaguarda. Em 2008 foi concluda a elaborao da base de dados dos Bens Culturais Registrados o sistema BCR - cujo lanamento ocorreu em 2010. Esse sistema possibilita disponibilizar ao grande pblico, atravs do portal do Iphan na Internet, as principais informaes, documentos, imagens e vdeos sobre os bens registrados. Essa realizao atende a disposio estabelecida no decreto 3.551/2000 no sentido de proporcionar sociedade amplo acesso ao conhecimento produzido sobre o nosso patrimnio cultural. O sistema informatizado do Inventrio Nacional de Referncias Culturais - S-INRC, por sua vez, tambm j foi concludo, encontrando-se em fase de alimentao de dados. Seu lanamento no portal do Iphan na Internet ocorreu em dezembro de 2010. O DPI est desenvolvendo, por fim, um sistema para o acompanhamento, monitoramento e avaliao dos projetos, aes e planos de salvaguarda realizados pelo Iphan ou por parceiros institucionais e da sociedade. O Tesauro do Folclore e da Cultura Popular Brasileira, sistema informatizado implantado pelo CNFCP, que organiza o universo de termos da cultura popular, conceituando-os e estabelecendo conexes entre eles, teve sua primeira verso realizada em 2004, com o patrocnio da Unesco, revista e ampliada em 2006, com apoio da Caixa Econmica Federal. O Tesauro tem o objetivo de auxiliar o trabalho de pesquisadores e documentalistas na recuperao e tratamento de informaes sobre o tema. Alm de todas essas iniciativas, as edies de premiaes j em curso no mbito do Iphan, voltadas para estimular e divulgar estudos e pesquisas sobre o patrimnio cultural brasileiro como os Prmios Rodrigo Melo Franco de Andrade, do Iphan, criado em 1987,21 e o Prmio Slvio Romero, do CNFCP, criado em 1959 - tm contribudo significativamente para enriquecer a produo de conhecimento sobre o patrimnio cultural imaterial brasileiro com o trabalho de pesquisadores, estudantes, membros de instituies pblicas e privadas, organizaes no-governamentais, alm de instituies de vrios tipos. Os resultados dessas premiaes so amplamente divulgados e, frequentemente, objeto de publicao.21 A rubrica patrimnio cultural imaterial foi introduzida no Prmio Rodrigo Melo Franco de Andrade em 2005.

Mercado So Jos, Recife, Pernambuco. Foto: Arquivo Iphan; O toque dos sinos nas cidades mineiras, Ouro Preto, Minas Gerais. Foto: Joo Ramalho.

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Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no

Da esquerda para a direita Caruru, Maragogipe, Bahia. Foto: Luiz Santos; Jongo da Serrinha, Rio de Janeiro. Foto: Francisco Moreira da Costa/Arquivo CNFCP/Iphan; Fazendo Viola de Cocho, regio Centro Oeste. Foto: Francisco Moreira da Costa/Arquivo CNFCP/Iphan.

Promoo e difusoEm 2006 foram lanados os primeiros volumes da coleo Dossi Iphan, voltada para a difuso do conhecimento produzido sobre os bens culturais registrados. At 2010 foram editados dez volumes, que so gratuitamente distribudos a instituies pblicas e privadas voltadas para a preservao do patrimnio cultural, bibliotecas e escolas. Ainda no campo da difuso, os resultados dos inventrios e pesquisas concludos so sistematicamente divulgados por meio de exposies ou da edio de relatrios finais, da produo de CD-roms, CDs ou vdeos. O CNFCP mantm, inclusive, uma ao exemplar e permanente de divulgao de pesquisas e, aes de documentao realizadas junto a comunidades artesanais, e apoio direto aos artesos para a venda de sua produo, atravs das exposies da Sala do Artista Popular SAP. O programa criado em 1983 j atuou em 22 estados brasileiros envolvendo cerca de 150 municpios e duzentas comunidades. At 2009 foram realizadas 155 SAPs, acompanhadas por catlogos com textos e imagens que contextualizam o meio e a produo cultural. Entre 2003 e 2010, o DPI e o CNFCP editaram 157 produtos de divulgao relacionados poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial,22 e ao apoio e fomento s culturas populares. Em 2007, 12 inseres sobre temas relacionados salvaguarda do patrimnio cultural imaterial foram ao ar em programas da Radiobrs, no mbito do acordo firmado entre o Iphan e aquela emissora estatal. O Edital de Apoio Produo de Documentrios Etnogrficos sobre o Patrimnio Cultural Imaterial Brasileiro - Etnodoc, criado pelo CNFCP em parceria com o DPI, gerido pela Associao de Amigos do Museu do Folclore Edison Carneiro - Acamufec, e patrocinado pela Petrobras. Destina-se a apoiar projetos inditos de documentrios etnogrficos, de mdia durao, voltados para exibio em redes pblicas de TV. Em suas duas verses - a primeira lanada em 2007 e a segunda em 2009 - fomentou 31 documentrios. Por meio de um Termo de Cooperao Tcnica entre o Iphan, a TV Brasil e a Secretaria do Audiovisual do Ministrio da Cultura, os documentrios so lanados e reprisados na TV Brasil, alcanando um pblico significativo e contribuindo para qualificar a produo educativa da televiso pblica. A freqente participao de membros da equipe do DPI ou de especialistas de algum modo vinculados ao Iphan em reunies de carter cultural e cientfico, nacionais e internacionais, como as da Associao Brasileira de Antropologia - ABA, da Organizao Mundial de Propriedade Intelectual - OMPI e da22 Esses produtos esto relacionados aos INRCs concludos, aos projetos fomentados pelos Editais do PNPI e s aes de pesquisa, apoio e fomento das culturas populares.

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Unesco, assim como a participao em conselhos como o Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico do Ministrio do Meio Ambiente, contribuem tambm para a divulgao, junto a outras instncias, da poltica de salvaguarda do Iphan. Igualmente importantes, embora talvez menos visveis, so as aes de cunho educativo desenvolvidas pelo Iphan e particularmente pelo CNFCP,23 que entendem o patrimnio cultural no como tema de mais uma disciplina do currculo escolar, mas como recurso a ser utilizado na atividade pedaggica, para o que produzem material informativo. O Museu de Folclore Edison Carneiro e a Biblioteca Amadeu Amaral, na esfera do CNFCP, atuam como instrumentos estratgicos de promoo e difuso das culturas populares e do patrimnio imaterial.

Apoio e fomentoSo inmeras as aes de apoio e fomento, estruturadas ou no em Planos de Salvaguarda, que contribuem para a implementao e difuso da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. As principais aes esto estruturadas em programas. Dentre eles pode-se ressaltar o Programa Nacional do Patrimnio Imaterial. Segundo o ex-Ministro da Cultura, Gilberto Gil: Identificar, iluminar, contemplar e, posteriormente, compartilhar com os brasileiros e demais povos do mundo a rica pluralidade cultural e social que caracteriza a nao brasileira, faz parte da nossa consolidao democrtica e da misso planetria que nos chama. Tendo em vista contribuir para que a poltica cultural do governo federal alcance amplamente esse objetivo no que tange o reconhecimento, a valorizao e a salvaguarda do patrimnio cultural imaterial, foi criado pelo decreto 3551/2000 o Programa Nacional do Patrimnio Imaterial, que tem as seguintes metas: > implementar poltica de inventrio, registro e salvaguarda de bens culturais imateriais; > contribuir para a preservao da diversidade cultural do pas e para a disseminao de informaes sobre o patrimnio cultural brasileiro a todos os segmentos da sociedade; > captar recursos e promover a constituio de uma rede de parceiros com vistas preservao, valorizao e ampliao do conjunto de bens que constituem patrimnio cultural brasileiro; > incentivar e apoiar iniciativas e prticas de preservao desenvolvidas pela sociedade. O primeiro projeto desenvolvido no mbito do PNPI, de 2001 a 2006, foi proposto pelo CNFCP. Denominado Celebraes e Saberes da Cultura Popular, buscava testar os instrumentos implementados pela poltica de salvaguarda o INRC e o Registro combinando-os com as linhas de ao e instrumentos j utilizados em seus projetos: repasse de saberes, valorizao, pesquisa e documentao, apoio e difuso de expresses da cultura popular por diferentes mdias. Inventrios realizados no mbito desse projeto fundamentaram o Registro dos seguintes bens culturais: o Ofcio das Baianas de Acaraj, em Salvador BA; o Modo de Fazer Viola de Cocho em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e o Jongo do Sudeste.23 Projetos Mala e Cuia e Fazendo Fita.

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Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Mascarados, Festa do Divino Esprito Santo, Pirenpolis, Gois. Foto: Maurcio Pinheiro.

A partir de 2005, o PNPI vem sendo implementado por meio de Editais lanados anualmente pelo DPI com foco em linhas de ao especficas, identificadas como de especial interesse para desenvolvimento dessa poltica cultural.24 Em 2009, tendo em vista a diretriz de descentralizao da poltica de salvaguarda, o processo seletivo dos Editais do PNPI foi reformulado, com a participao das Superintendncias do Iphan no processo de seleo dos projetos encaminhados. Entre 2005 e 2009, os Editais do PNPI fomentaram 44 projetos encaminhados por instituies e setores da sociedade provenientes de todos os estados do pas. Alm do PNPI, outros programas do Ministrio da Cultura tambm apiam aes de salvaguarda de bens culturais imateriais. Por meio do Mecenato e do Fundo Nacional da Cultura, o Programa Nacional de Apoio Cultura Pronac fomenta importantes projetos de documentao e de apoio continuidade de bens culturais imateriais. importante lembrar que agncias estatais e privadas como a Petrobras, a Caixa Econmica Federal e a Fundao Vitae vm, por meio desse programa, abrindo espao para o patrocnio de projetos na rubrica patrimnio cultural imaterial. Os critrios elaborados pelo DPI para o enquadramento de projetos nessa rubrica tm tambm contribudo para essa ampliao de espao e para a qualificao da demanda de apoio e fomento. O Programa Cultura Viva, da Secretaria de Cidadania Cultural do Ministrio da Cultura, por meio do fomento aos Pontos de Cultura vinculados aos planos de salvaguarda de bens culturais registrados, tem sido um importante instrumento de apoio sustentabilidade de processos de salvaguarda. At 2010, 10 Pontes e 18 Pontos de Cultura foram implantados no mbito desses planos. Ao consolidada, e exemplar, de apoio e fomento s comunidades produtoras de artesanato de cunho tradicional o Programa de Apoio s Comunidades Artesanais - PACA, criado pelo CNFCP em 1998, e que tem como objetivos a melhoria das condies de produo e comercializao dos produtos, a preservao das tec24 Entre 2005 e 2010, os Editais do PNPI focalizaram os seguintes temas: 1) pesquisa documental sobre patrimnio cultural imaterial; 2) apoio s condies de continuidade de bens culturais imateriais; 3) documentao de expresses culturais; 4) tratamento, disponibilizao e/ou exposio de acervos bibliogrficos, audiovisuais, sonoros e outros; 5) pilotos do Inventrio Nacional da Diversidade Lingustica.

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Literatura de Cordel, Feira de Caruaru, Pernambuco. Foto: Aurlio Fabian.

nologias tradicionais e a valorizao dos artesos na sociedade brasileira. Suas atividades baseiam-se no trabalho de pesquisa e documentao que identifica nos saberes tradicionais as marcas culturais distintivas de cada plo artesanal, capazes de promover a auto-sustentao. Desenvolvidas em conjunto com as comunidades, as aes visam a buscar a autonomia de que necessitam para garantir a sobrevivncia desses saberes e fazeres. De 1998 a 2007, o programa atuou em 26 plos localizados em vrios municpios do pas. Em 2008, foi celebrado convnio entre o MinC e a Acamufec para a implementao do Programa Nacional de Promoo do Artesanato de Tradio - Promoart. Este programa, que amplia o alcance e aperfeioa as experincias empreendidas no mbito do Programa de Apoio s Comunidades Artesanais, beneficia comunidades com aes voltadas para o apoio s suas condies de produo e de escoamento e para a promoo de seus conhecimentos e prticas no campo do artesanato. O Promoart atua junto a 65 plos artesanais localizados em todos os estados do pas. Fortalecimento institucional e capacitao Essa linha de atuao tem como objetivo treinar e capacitar as Superintendncias do Iphan, rgos estaduais e municipais de preservao, especialmente os municpios beneficiados pelo PAC - Cidades Histricas, e outros eventuais parceiros na implementao da poltica de salvaguarda. Em 2008, foi elaborada ao voltada especificamente para essa finalidade, denominada Balaio do Patrimnio Cultural. Trata-se de um conjunto de publicaes para divulgao da poltica de salvaguarda, distribudo em oficinas de capacitao, que tm tambm o objetivo de fazer avanar o processo de descentralizao. Em 2009, foram realizadas oito oficinas do Balaio do Patrimnio Cultural por Superintendncias Estaduais do Iphan, e, em funo dos resultados altamente positivos, foi proposto que o Balaio se torne uma ao permanente do Departamento de Articulao e Fomento - DAF, envolvendo todos os setores do Iphan. Atualmente, todas as Superintendncias do Iphan j desenvolvem atividades voltadas para a salvaguarda dos bens culturais imateriais, seja por meio de aes diretas, seja por meio de parcerias.31

Ritual Yaokwa, Povo Enawene Nawe, Mato Grosso. Foto: Markus Mauthe/Greenpeace.

Na mesma linha, o DPI vem tambm desenvolvendo aes voltadas para a capacitao de detentores de bens culturais imateriais no uso de metodologias de inventrio e documentao e procedimentos de gesto e organizao coletiva, de modo a ajud-los a avanar na salvaguarda de seu patrimnio com autonomia e sustentabilidade. Outra iniciativa importante de capacitao foi o apoio realizao de duas edies de curso distncia, promovido pelo escritrio da Unesco no Brasil, sobre temas de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. As duas edies contaram com 282 participantes, entre estudantes, profissionais liberais, professores universitrios e outros interessados. Abertos para tcnicos de instituies pblicas e privadas de patrimnio, pesquisadores e estudantes, membros de organizaes no-governamentais etc, os cursos contaram ainda com a participao de estudantes de outros pases. O CNFCP realiza em carter permanente, a partir de 2000, edies anuais do Curso Livre de Folclore e Cultura Popular, voltado para estudantes de cincias humanas, profissionais das reas de educao e cultura e estudiosos em geral. O curso atende demanda crescente do pblico interessado nesse campo de estudos, aproximando-o dos diferentes e complexos sistemas culturais que constituem o amplo universo do folclore e da cultura popular no Brasil. O Programa de Especializao em Patrimnio - PEP, da Coordenao Geral de Pesquisa e Documentao do Departamento de Articulao e Fomento do Iphan, tem tambm contribudo para a formao de quadros habilitados a atuar no campo da salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. Os alunos do PEP desenvolvem trabalhos prticos junto s unidades do Iphan e produzem, ao final do curso, uma monografia que publicada na srie Patrimnio: Prticas e Reflexes.32

Avaliao e monitoramento Com o objetivo de avaliar a poltica de salvaguarda, o DPI tem realizado diversos encontros temticos e, mais recentemente, contratou consultoria para formular indicadores de avaliao do desempenho, dos resultados e dos impactos dessa poltica, com vistas implantao de um sistema de monitoramento e avaliao continuada eficaz e capaz de se tornar referncia. Em 2005 foi realizado em Braslia o I Encontro de Avaliao do INRC, quando se reuniram todas as unidades do Iphan e as instituies parceiras envolvidas nessas aes, o que propiciou significativo intercmbio de experincias. O II Encontro de Avaliao do INRC foi realizado em 2007, tambm em Braslia, e, entre outras, abordou a questo dos direitos de imaRenda irlandesa, Divina Pastora, Sergipe. Foto: gem e de propriedade intelectual de indivduos e grupos invenFrancisco Moreira da Costa/Arquivo CNFCP/Iphan. tariados, acordando-se sobre a necessidade de normalizao dos procedimentos de proteo desses direitos, e tambm de resguardo dos direitos de reproduo e divulgao das instituies coordenadoras desses trabalhos. Em dilogo com o CNFCP, a Procuradoria Jurdica do Iphan e a Coordenao de Direitos Autorais do MinC, o DPI produziu os documentos necessrios a essa normalizao, que j foram divulgados junto a todas as unidades do Iphan e demais instituies envolvidas nos trabalhos de inventrio. Em 2007 e 2009 foram realizados o I e II Encontros do Programa Nacional do Patrimnio Imaterial quando foram avaliados e divulgados os resultados dos Editais PNPI de 2005 e de 2007, respectivamente. Na ocasio, alm do intercmbio de experincias entre os proponentes, foi demonstrado o alcance social desses projetos, bem como o seu potencial de sensibilizao da sociedade para a salvaguarda de bens culturais imateriais. Em 2008, dando incio montagem do sistema de monitoramento e avaliao j mencionado, foi elaborada metodologia para anlise e avaliao dos planos de salvaguarda de bens registrados que abrigam Pontes de Cultura. Em 2009, foi elaborado documento referencial para implantao do sistema de monitoramento e avaliao dos planos de salvaguarda, com incio do teste do instrumento para levantamento dos dados que alimentaro esse sistema. O documento explicita a fundamentao terica para a montagem do sistema e detalha as diversas iniciativas que podem constar dos planos. Assim, estabelece uma tipologia de aes de salvaguarda e identifica os respectivos resultados e produtos que fornecem a base emprica para a construo de indicadores de desempenho, de resultados e dos impactos dessa poltica. Essa conquista essencial para a implantao, ao longo de 2010, do sistema de monitoramento e avaliao cuja experincia, metodologia e base de dados sero oportunamente descentralizadas para as Superintendncias do Iphan e parceiros externos. A I Reunio de Avaliao dos Planos e Aes de Salvaguarda de Bens Registrados como Patrimnio Cultural do Brasil foi realizada em So Luis, Maranho, em 2010, contando com a presena de detentores desses bens culturais e seus representantes, de instituies gestoras de planos e aes de salvaguarda, dos coordenadores dos Pontes de Cultura de bens registrados, alm de representantes do Crespial, e dos poderes pblicos federal, estadual e municipal. Na ocasio, alm dos resultados das diversas aes em andamento, foi apresentado o Termo de Referncia para a formulao e implantao de planos de salvaguarda, definido, ao final da reunio, como instrumento balizador e orientador das aes voltadas para a salvaguarda dos bens culturais registrados.

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S A LVA G U A R D A N O P L A N O

INTERNACIONALDesde a criao da Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura Unesco, em 1946, houve um apelo aos Estados-membros para que criassem Comisses Nacionais voltadas para a identificao, o estudo, a documentao e a valorizao do folclore como instrumento para a paz entre povos e naes. O Brasil respondeu prontamente a esse apelo criando, ainda em 1946, o Instituto Brasileiro para a Educao, Cincia e Cultura IBECC, no mbito do antigo Ministrio do Exterior. No ano seguinte, foi criada, no Brasil, a primeira Comisso Nacional de Folclore entre os pases-membros da Unesco, que logo teve ramificaes em vrios estados do pas. Segundo Maria Laura Cavalcanti: o pas de ento orgulhou-se de ser o primeiro a atender recomendao da Unesco, criando uma comisso para tratar do assunto a Comisso Nacional de Folclore, no Ministrio do Exterior. No contexto do ps-guerra, marcado pela preocupao internacional com a paz, o folclore era visto como fator de compreenso e incentivo apreciao das diferenas entre os povos. 25 Algumas dcadas depois, a preocupao com o desaparecimento de vestgios milenares da histria da humanidade levou a Unesco a mobilizar os Estados-membros para um esforo conjunto no sentido de contribuir para a preservao de bens culturais e naturais de valor excepcional, cuja perda seria irreparvel para as geraes futuras, tendo em vista, sobretudo, os efeitos dos projetos de desenvolvimento e a carncia de recursos de vrios pases-membros para preservar esses bens. Esse chamamento foi expresso pelo ento Ministro da Cultura da Frana, o renomado escritor Andr Malraux, a propsito da iminente inundao dos monumentos de Abu Simbel, na foz do Nilo, no Egito, em decorrncia da construo da barragem de Assu. Esse foi o ponto de partida da elaborao da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural, aprovada na 17 Sesso da Conferncia-Geral da Unesco, em 1972, que criou, entre outros instrumentos, a Lista do Patrimnio Mundial, introduzindo assim na agenda internacional a preocupao com a preservao do patrimnio cultural da humanidade. Entretanto, como a incluso nas Listas criadas por esta Conveno se restringe aos bens culturais materiais, avaliados a partir de critrios baseados na tradio europia de constituio dos patrimnios culturais nacionais, vrios pases signatrios no se viram nelas representados, uma vez que alguns dos mais significativos testemunhos de suas culturas no se enquadravam nesses critrios.

25 CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Cultura e saber do povo: uma perspectiva antropolgica. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, no. 147, PP. 69-78, out./dez. 2001.

Oratrio domstico, Coxilha Rica, Santa Catarina. Edital PNPI 2007. Foto: Ricardo Almeida/Arquivo Iphan. 35

Princpios, aes e resultados da poltica de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil

Sob a liderana da Bolvia, alguns Estados membros solicitaram formalmente Unesco a realizao de estudos visando a buscar formas de salvaguarda adequadas natureza dos bens que viriam a ser denominados de patrimnio cultural imaterial. Desses estudos resultou a Recomendao sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, aprovada na 25. Reunio da Conferncia Geral da Unesco, em 1989. Esse documento, assim como outras experincias desenvolvidas no mbito da Unesco e dos pases membros, foi o ponto de partida para a elaborao de conveno internacional voltada para a salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. Entre as experincias mencionadas acima, destacam-se os Programas Tesouros Humanos Vivos e Proclamao das Obras Primas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade. Essas iniciativas tiveram como respaldo a discusso sobre a noo de autenticidade, que ocorreu em reunio promovida pela Unesco na cidade de Nara, no Japo, em 1994, quando se chegou concluso de que essa atribuio de valor s poderia ser feita a partir do quadro de referncias de cada cultura.26 O Programa Tesouros Humanos Vivos foi criado em 1994, sob inspirao de experincia japonesa desenvolvida a partir do ps-guerra, com o objetivo no apenas de valorizar e apoiar a transmisso de saberes, prticas e expresses artsticas reconhecidos como parte importante da herana cultural do Japo, como de facilitar a reconstruo das edificaes em madeira, vulnerveis aos freqentes terremotos na regio, com tcnicas construtivas tradicionais. Esse programa foi adotado em vrios pases membros da Unesco, como a Frana com a figura do Matre dArts e pases do Leste Europeu e do Extremo Oriente, que o adaptaram a suas respectivas realidades. Essa abordagem de origem japonesa, de foco mais personalista, no foi inteiramente adotada no sistema de preservao do patrimnio cultural imaterial montado pelo governo federal no Brasil. A viso dos especialistas que colaboraram nessa montagem a seguinte: Focalizando a expresso cultural e o territrio em que se desenvolve ou ocorre, possvel atuar em todos os aspectos que a colocam em risco ou a enfraquecem e naqueles que a fortalecem. Tambm so fundamentais todos os atores sociais envolvidos ou relacionados com a prtica (inclusive o pblico que a envolve e a consome), e no apenas os chamados mestres. O aspecto da transmisso do saber , sem dvida, extremamente importante, mas algumas vezes no esse o problema que a manifestao cultural enfrenta de maneira mais grave. Muitas vezes os problemas so econmicos, ambientais ou, por exemplo, de dificuldade de acesso s matrias primas. Podem tambm ocorrer questes relacionadas falta de organizao grupal ou comunitria. Levamos em conta ainda a tradio dos registros etnogrficos brasileiros que tambm focalizam a expresso cultural ou o fenmeno cultural em sua globalidade, e os riscos de clientelismo ou assistencialismo que um programa limitado ao reconhecimento de pessoas poderia ensejar. Por fim, nos pases asiticos os chamados Tesouros Humanos Vivos so figuras centrais porque a questo da autenticidade da expresso cultural (isto , a forma canonizada de fazer) mais importante do que para ns. Temos cultura mais hbrida, mais mutante e mais antropofgica. O mestre importante para ns, no como parmetro que deve ser seguido risca, mas como algum que ensina algo que ser transformado ou adaptado logo em seguida. Na nossa cultura (ou culturas) o mestre, em geral, um bom executante ou um bom criador. 27 Em 1998, com a ajuda financeira do Japo, foi criado o Programa Proclamao das Obras Primas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade, que se propunha a divulgar e a valorizar como patrimnio cultural manifestaes e prticas culturais de carter processual. O programa teve trs edies (2001, 2003 e 2005) e noventa bens titulados. Toda candidatura devia conter, alm da apresentao detalhada do bem, a anuncia de seus detentores e a proposta de um plano de ao para sua salvaguarda. Com essa experin26 Ver Cartas Patrimoniais: 3a ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Iphan, 2004. 27 Informao prestada pela direo do Departamento do Patrimnio Imaterial do Iphan. Ver tambm sobre a adaptao do Sistema Tesouros Humanos Vivos no Brasil, CASTRO, Maria Laura Viveiros de & FONSECA, Maria Cecilia Londres, op. cit.

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Samba de Roda Barquinha de Bom Jesus, Saubara, Bahia. Foto: Luiz Santos.

cia, a Unesco pretendia sensibilizar os governos, as ONGs e, mais particularmente as comunidades locais para o valor do patrimnio oral e imaterial dessas ltimas e incit-las a identificar, preservar e promover esse patrimnio. 28 Na vigncia desse programa, o Brasil apresentou duas candidaturas, ambas aprovadas: as expresses orais e grficas dos Wajpi (2003), grupo indgena do Amap, e o samba de roda do Recncavo Baiano (2005).29 No mbito do reconhecimento e da promoo da diversidade lingstica da humanidade, a Unesco desenvolve o Programa Salvaguarda das Lnguas em Perigo, iniciado em 1993, cuja principal ao a publicao e atualizao peridica do Atlas das Lnguas do Mundo em Risco de Desaparecimento. Alm desse trabalho, a Unesco d apoio realizao, em nvel local e nacional, de projetos voltados para a capacitao institucional, e procura identificar e disseminar projetos e atividades comprovadamente bem sucedidos por meio do Registro das Boas Prticas na Preservao das Lnguas.

28 BLAKE, Janet. Elaboration dum nouvel instrument normatif pour la sauvegarde du patrimoine culturel immatriel: elements de reflexion. Paris: Unesco, 2001, p. 50. 29 Esses bens culturais foram posteriormente includos na Lista Representativa da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, conforme determinado em seu artigo 31.

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A atuao do Brasil no plano internacionalO Brasil participou ativamente da elaborao da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, aprovada em 2003. Em 2006, em funo de sua experincia na salvaguarda dos bens culturais imateriais, o Brasil foi eleito para ocupar uma das vagas do Comit Intergovernamental criado pela Conveno, com mandato de dois anos. Findo o mandato, o Brasil participou, como observador, das demais reunies desse Comit. Em 2008, o DPI apresentou ao Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural proposta de Resoluo que estabelece os procedimentos e critrios para proposio, instaurao e encaminhamento de candidaturas s Listas e programas criados pela Conveno de 2003.30 Com base nesses critrios, em 2010 o Brasil encaminhou Unesco trs candidaturas para a Lista Representativa, duas para a Lista dos Bens em Necessidade de Salvaguarda Urgente e cinco para a Lista dos Projetos, Programas e Atividades que Melhor Refletem os Princpios da Conveno. O Brasil tambm participou ativamente da criao, em 2006, do Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial da Amrica Latina - Crespial, primeiro centro regional voltado para o tema. O Crespial auspiciado pela Unesco e tem sede em Cuzco, no Peru. Por meio desse centro, so articulados e viabilizados projetos cujo objeto extrapola as fronteiras nacionais. Representantes do Iphan e da sociedade brasileira participam do Conselho Administrativo e do Comit Executivo do centro. O principal projeto regional que conta com a participao do Brasil o da Valorizao do Mundo Cultural Guarani-MBy, que envolve tambm a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e a Bolvia. O projeto foi sugerido pelo Brasil com base nos resultados do inventrio de referncias culturais realizado com comunidades MBy-Guarani da regio das Misses Jesuticas do Rio Grande do Sul, e que foi estendido a outros estados brasileiros onde a presena MBy-Guarani expressiva.31 Tais inventrios contam com o apoio financeiro da Agncia Espanhola de Cooperao Internacional e Desenvolvimento - AECID e tcnico do Centro de Trabalho Indigenista - CTI. Alm dessas atividades, o DPI vem desenvolvendo aes de cooperao internacional, em que se destacam: > Cesso da metodologia do INRC aos governos da Colmbia, da Argentina e do Chile, como subsdio elaborao de metodologias de inventrio e registro nesses pases. > O termo de cooperao tcnica firmado, em 2009, entre o Iphan e o Institut de Recherche pour le Dveloppement - IRD, do governo francs, com vistas realizao de aes conjuntas de preservao do patrimnio cultural relacionado aos sistemas agrcolas tradicionais. No mbito desse acordo, foi realizado, em Braslia, no final de 2009, o Seminrio Franco-Brasileiro sobre Patrimnio Cultural e Sistemas Agrcolas Locais, que reuniu especialistas brasileiros e franceses. > Gestes junto ao Governo da Colmbia para implantao do projeto binacional Cartografia dos lugares sagrados dos povos indgenas do noroeste da Amaznia, com realizao de reunies nas cidades de Tabatinga e Letcia, em julho de 2009. Este projeto baseou-se no trabalho realizado para o Registro da Cachoeira de Iauaret Lugar Sagrado dos Povos Indgenas dos Rios Papur e Uaups, no estado do Amazonas. Dos entendimentos mantidos entre a Colmbia e o Brasil resultaram vrias aes de apoio e fomento, entr