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Os Simpsons e a Ciencia_ O que - Paul Halpern.pdf

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    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • SumrioCapa

    Folha de Rosto

    Crditos

    Dedicatria

    Citao

    Introduo

    Parte 1 - Est vivo!1 - O gene dos Simpsons2 - Voc diz tomate, eu digo tomaco3 - Blinky, o peixe de trs olhos4 - O brilho radiante de Burns5 - Todos ns vivemos em um submarino do tamanho de uma clula6 - A receita de Lisa para a vida7 - O lar, doce lar, dos anjos

    Parte dois - Tramas mecnicas8 - Dohs ex machina9 - Comoo perptua10 - Cara, sou um andride11 - Regras para robs12 - Caos na Cartunlndia13 - Mosca na sopa

    Parte trs - Sem tempo para dohs14 - Parando o relgio15 - Um brinde ao passado16 - Frinkando sobre o futuro

    Parte quatro - Springfield, o universo e alm

  • 17 - As habilidades de percepo de Lisa18 - Raios defletidos19 - Mergulho terra abaixo20 - Se os astrolbios pudessem falar21 - Cometrio Cowabunga22 - A odissia espacial de Homer23 - Isso poderia realmente ser o fim?24 - Tolos terrqueos25 - O universo uma rosquinha?26 - A terceira dimenso de Homer

    Inconcluso A jornada continua

    Agradecimentos

    Os Simpsons, o filme: um prtico checklist cientfico

    Episdios cientificamente relevantes discutidos neste livro

  • Paul Halpern

    Os Simpsonse a cincia

    O que eles podem nos ensinar sobrefsica, robtica, vida e universo

    TraduoSamuel Dirceu

  • Copyright 2007 by Paul HalpernCopyright 2008 Editora Novo Conceito

    Todos os direitos reservados

    Publicado pela John Wiley & Sons, Inc., Hoboken, New Jersey.Este livro no foi aprovado, licenciado ou patrocinado por qualquer empresa ou pessoa envolvida na criao ou na produo da

    srie de tev ou do filme The Simpsons. The Simpsons uma marca registrada da Twientieth Century Fox FilmCorporation.

    editora: Bete Abreuassistentes editoriais: Mari lia Mendes e Sonnini Ruiz

    produtor grfico: Samuel Lealtraduo: Samuel Dirceu

    Revisor Tcnico: Otvio Cesar Castellanipreparao de texto: Veridiana Maenaka

    reviso de texto: Henrique Zanardi de S e Beatriz Simes Arajodesign da capa e ilustrao: Paul McCarthydiagramao e editorao: Megaart Design

    diagramao ePUB: Brendon Wiermannreviso ePUB: Ludson Aiello

    Verso Digital - 2012

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Halpern, Paul, 1961-Os Simpsons e cincia : o que eles podem nos ensinar sobre fsica, robtica, a vida e o universo / Paul Halpern ; traduoSamuel Dirceu. So Paulo : Novo Conceito Editora, 2008.

    Ttulo original: What s science ever done for us?.ISBN 978-85-99560-31-0eISBN 978-85-8163-182-0

    1. Cincia - Obras de divulgao 2. Simpsons (Programa de televiso) 3. Tecnologia - Obras de divulgao I. Ttulo.

    08-05371 CDD-500

    ndices para catlogo sistemtico:1. Cincias : Obras de divulgao 500

    Rua Dr. Hugo Fortes, 1.885 Parque Industrial Lagoinha14095-260 Ribeiro Preto SPwww.editoranovoconceito.com.br

  • Para meus filhos, Eli e Aden.

  • Cincia? O que a cincia j fez por ns?Moe Szyslak, garom, Lisa the Skeptic

  • IntroduoAprendendo cincia com a famlia nuclear de Springfield

    E no h nada mais excitante que a cincia. Voc sediverte muito s ficando sentado, quieto, anotando nmeros, prestando ateno. A cincia

    tem tudo.Diretor Seymour Skinner, em O Cometa Bart

    Um viva para a cincia! Uau!

    Bart Simpson, em O Cometa Bart

    As nuvens de cmulos se juntam e se separam, revelando um cu azul sem fim sobre a cidadede Springfield. Tudo est ensolarado e brilhando, da fileira de casas reluzentes at ascintilantes lojas e tavernas. Assomando acima de todas, esto as torres de resfriamento dausina nuclear de Springfield, competentemente administrada o prottipo do modelo deeficincia, pelo menos de acordo com seus relatrios e informativos. Os residentes sebeneficiam do calor da caldeira, uma fonte permanente de energia e de empregos.

    Se voc mora em Springfield ou em qualquer outra cidade, no que diz respeito a estetema , no deixar de ser afetado pela cincia. Se sua casa no for iluminada por energianuclear, ento o combustvel que ela utiliza carvo, querosene, fora do vento, energiahidreltrica, energia solar, ou qualquer outra. Mesmo que voc viva em uma tenda em umapraia, h o Sol, a Lua, e as estrelas e talvez uma fogueira crepitante ao ar livre fornecendoa voc luz e calor. Para aqueles que residem em cavernas bem profundas, h os vaga-lumes.Cada fonte de energia existe por causa de um mecanismo fsico nico. Voc simplesmente nopode fugir da cincia.

    O benfeitor por trs da genuna utopia de Springfield a figura paternal da qual apreciosa energia escorre ningum menos que o empresrio mais importante da cidade, C.Montgomery Burns. Ele no liga a mnima se as pessoas ficam no escuro quanto cincia,bem entendido. Enquanto as moedinhas para pagar cada quilowatt-hora continuarem a fazer

  • sua caixa registradora tilintar, ele estar muito satisfeito. Exxxcelente, ele sempre cacarejapara seu leal assistente, Wayland Smithers.

    Manter a usina e a cidade seguras tarefa de algum que deveria saber um bocado sobrecincia Homer Jay Simpson, um americano comum. Por ocupao, se no por experincia,ele est bem ligado cincia houve at quem especulasse que ele o elo perdido deDarwin. Seu trabalho como inspetor de segurana da usina requer o mais alto conhecimentotecnolgico: determinar qual boto deve pressionar em seu monitor, para liberar qualmensagem de alerta, o que d a ele tempo para comer uma rosquinha ou tirar uma soneca.Embora no seja um intelectual clssico, Homer exibe seu ar pensativo e reflexivo diante dequalquer assunto desafiador. Faa-lhe a mais difcil das perguntas e conte sempre com suaresposta. Voc quase ver as engrenagens girando, atrs dele, no maquinrio, enquanto ele fitao espao. Avesso a responder rapidamente, ele faz uma pausa, e hesita. E aps um longosilncio cheio de significado, como se voc estivesse assistindo a um filme de IngmarBergman, ele faz outra pausa. E hesita mais uma vez, temeroso de que as palavras erradassaiam de sua boca. Zzzzzz. Algumas vezes, mesmo os problemas mais prementes tm um jeitode se resolver por si mesmos.

    Quando a hora do almoo na usina, Homer compartilha momentos agradveis com osamigos Lenny Leonard e Carl Carlson. Embora Carl tenha ps-graduao em fsica nuclear,ele e Lenny so apenas bebedores contumazes de cerveja. Lenny tem um problema crnico noolho, por isso precisa segurar o copo de bebida da maneira mais correta. Lenny e Carlson,muitas vezes, se juntam a Homer depois do trabalho na taverna dirigida pelo cnico, e s vezesportador de idias suicidas, Moe Szyslak. Moe no tem exatamente gosto pela cincia; umavez ele fez pouco caso da cincia depois de ver uma televiso ativada pela voz (veja a citaoque o ttulo deste livro). Dirigir uma taverna no chega a ser um trabalho que exijainteligncia e habilidade, de modo que ele nunca tentou se qualificar.

    Springfield, em poucas palavras, apresenta ntidos contrastes em sua atitude quanto cincia. Ter uma usina nuclear no corao da cidade, a qual gera a maioria de seus empregos,fora seus habitantes a se confrontarem com temas tecnolgicos todos os dias. Alm disso, acidade estranhamente acometida por uma parcela de calamidades maior que o razovel desde coliso de cometas e invaso de aliengenas, passando pela materializao de buracosnegros em lojas e supermercados, at o apago do Sol esta ltima, uma artimanha diablicaarquitetada por Burns. Vocs poderiam pensar que o pessoal da cidade estaria clamando porum slido conhecimento cientfico. Contudo, qualquer especialista sempre menosprezado ou

  • ignorado. O gnio residente na cidade, John Frink, um verdadeiro professor aloprado (comono filme de Jerry Lewis, no na continuao), tratado como um pria. Talvez sua falta detraquejo social e seu modo incoerente de falar com um amplo uso de palavras sem sentido

    como glaven* o isolem de seus pares. Contudo, dada sua extraordinria inventividade, vocpensaria que os residentes o procurariam e talvez at o elegessem prefeito, em vez doalcoviteiro e mulherengo Joe Quimby, que atualmente exerce aquele cargo.

    Tambm na medicina, muitas vezes, a mediocridade vence a capacidade. Embora acidade tenha um mdico perfeitamente competente, o dr. Julius Hibbert, pacientes costumampreferir a charlatanice do dr. Nick Rivera. Talvez seja pelo fato de o dr. Hibbert cobrar umafortuna e dar risadinhas em momentos inoportunos, como na hora de fazer diagnsticossombrios. Ele entende que dar conforto ao lado da cama no algo coberto pela maioria dosplanos de sade. O dr. Nick, ao contrrio, tem a competncia mdica de um toco de rvore,mas amigvel, no ri quando voc lhe pede que faa procedimentos mdicosconstrangedores e relativamente barato.

    Muitos residentes de Springfield freqentam a igreja do reverendo Timohty Lovejoy, queparece ser completamente hostil cincia. Entre os maiores devotos do rebanho de Lovejoyest Ned Flanders, o afvel e pudico vizinho de Homer, que muitas vezes encolhe-se devergonha quando Flanders grita Ol, vizinho, ou outras variaes de sua saudao,preparando-se para uma severa reprimenda moral. O idiota, como Homer o chama, pareceno saber como relaxar e gozar a vida pelo menos da perspectiva de um viciado emteleviso, devorador de rosquinhas e bebedor de cerveja. Ainda assim, Flanders parece felizem sua f, encontrando prazeres simples ao ajudar os oprimidos. quando a f e a cinciadivergem que a ansiedade de Flanders aflora e ele se prepara para a batalha, geralmente como apoio de Lovejoy. Por exemplo, juntos lutaram para eliminar toda meno evoluo noslivros escolares de Springfield.

    E onde fica o diretor da escola elementar de Springfield, Seymour Skinner? Eleclaramente ama a cincia, como demonstrado em suas pesquisas astronmicas amadoras, comas quais ele espera descobrir um cometa e dar seu nome a ele. Ele descobriu um, uma vez, mas

    foi passado para trs por um certo diretor Kohoutek.** Contudo, com a coluna vertebral deuma gua-viva, Skinner muitas vezes perde o controle sobre os cursos da escola. Sua mulher,Agnes, seus alunos e at sua outrora namorada/noiva, a professora Edna Krabappel ningumparece respeit-lo. O superintendente distrital Chalmers constantemente o repreende aos

  • gritos, deixando-lhe pouco espao para manobra. Ele s tem o jardineiro Willie, um orgulhosoescocs que faz trabalhos pouco qualificados, com quem passa o tempo. A no ser, isto ,quando ele temporariamente rebaixado a assistente de Willie, como quando ele brevementesubstitudo como diretor por ter feito comentrios inapropriados sobre as alunas e amatemtica.

    Outros personagens da srie so muito envolvidos com seus hobbies para sepreocuparem com a cincia. A nica ligao do motorista do nibus escolar Otto Mann com aqumica so as substncias que ele ingere ou a msica heavy metal. O comediante Krusty, oPalhao, nascido Herschel Krustofski, est muito ocupado preparando seu hilrio programa deteleviso, administrando seu imprio de fast-food e tentando se reconciliar com o pai, umrabino. O antigo assistente de Krusty, Robert Sideshow Bob Terwilliger III, vive obcecadoem matar um garoto que ele detesta. Seu amigo, e criminoso, Snake Jailbird est determinado aganhar uma fortuna com roubos mo armada. Seu principal alvo, Apu Nahasapeemapetilon,gerente da loja de convenincia Kwik-E-Mart, s encontra tempo, entre os assaltos, paravender a saborosa bebida Squishee e proteger seu armrio de revistas, que ele muitoenfaticamente explica no ser uma biblioteca que empresta publicaes. uma pena, pois eletem um doutorado em cincia da computao que nunca foi de muita utilidade, a no ser paraimpressionar as mulheres em seus tempos de solteiro. Outro dono de loja, Jeff Albertson, maisconhecido como o Cara dos Quadrinhos, pelo menos tem uma paixo por fico cientfica. Emsua loja, a Masmorra do Andride, ele vende mais revistas informativas, como as aventurasdo famoso Homem Radioativo e seu companheiro, Caidao Boy, que as que podem serencontradas em minimercados.

    O verdadeiro florescimento da cincia em Springfield pareceria quase impossvel, nofossem seus diversos ilustres (mas raramente vistos) residentes. O falecido e aclamadopaleontlogo Stephen Jay Gould aparece em um dos melhores episdios da srie, como eleprprio, trabalhando no Museu de Histria Natural. Gould examina estranhos restos deesqueletos encontrados sob um edifcio.

    Um outro cientista famoso, o fsico de Cambridge, Stephen Hawking, d as caras em doisepisdios. Consta que Hawking um grande f da srie, e que ficou enormemente orgulhosocom sua apario. Parece que ele se divertiu muito com suas participaes especialmentea segunda, em que ele trabalha na pizzaria Little Caesars local. Diferentemente do queacontece com Frink, o pessoal da cidade parece ter mais respeito pelas opinies de Hawking; uma pena que ele no esteja l mais vezes para corrigir as concepes erradas dos

  • moradores.

    Um terceiro renomado cientista que tambm apareceu no seriado Dudley Herschbach, ocoganhador do Prmio Nobel de Qumica de 1986, cuja pequena participao em um episdioenvolve a entrega de um Prmio Nobel a Frink.

    Outro notvel que fez aparies o arredio autor Thomas Pynchon; seu personagem mostrado sempre com um saco de papel na cabea. Embora no seja um cientista, Pynchonestudou engenharia fsica durante dois anos em Cornell. Muitos de seus escritos contmamplas aluses cincia, desde Entropy [Entropia], um de seus contos, at o aclamadoromance O Arco-ris da Gravidade, e seu recente Against the Day, romance que inclui ofsico Nikola Tesla. Para grande surpresa e prazer de seus fs, embora Pynchon tenha evitadodar entrevistas, deixar-se fotografar ou gravar depoimentos, ele emprestou sua voz e agilidadeverbal srie.

    Qualquer cidade que tenha Gould, Hawking, Herschbach e Pynchon como residentes (oupelo menos como visitantes) pareceria muito propensa a uma atitude salutar em relao cincia, particularmente se a gerao mais jovem pudesse ser persuadida a seguir os passosdesses ilustres pensadores. Ser que a indiferena ou a hostilidade em relao cincia,expressa por certos adultos de Springfield, poderia ser derrotada pela inteligncia dosjovens? Nesse caso, a esperana reside em uma jovem e extraordinria estudante, Lisa, aprecoce filha de 8 anos de Homer.

    Intelectualmente, Lisa est acima dos colegas da escola, exceto talvez do inteligentssimoMartin Prince. Toda vez que o diretor Skinner quer impressionar os visitantes com umaestudante tpica que demonstra o elevado grau do ensino da escola, Lisa apresentada.Outros alunos vo desde o infantil e limtrofe Ralph Wiggum cujo pai, Clancy, chefe depolcia , passando por Millhouse Van Houten, o pretendente de Lisa, desajeitado e de culos,at os valentes da escola, que adoram agredir estudantes indefesos: Jimbo Jones, Dolph,Kearney e seu lder Nelson Muntz, um delinqente juvenil. O bordo de Nelson, Ha-ha!,repetido cada vez que ele presencia uma desgraa ou descobre um ponto fraco em algum, no preo para a eloqncia tranqila de Lisa. Da mesma forma, outros alunos, como as gmeasSherri e Terri ou o estudante de intercmbio alemo tter, no oferecem nenhuma competio.

    Na famlia de Lisa, embora ela seja a irm do meio, ela claramente o giganteintelectual. A despeito do trabalho tecnolgico e da ativa imaginao de Homer evidenciadapor seus sonhos bizarros falta-lhe um giz de cera para ter a caixa completa. De fato, o giz

  • que falta est localizado em seu crebro, como revelado no episdio Homr, livremente

    baseado na obra Flores para Algernon,*** do norte-americano Daniel Keyes. Quando o giz decera cirurgicamente retirado, o QI de Homer sobe 50 pontos. O crescimento do intelectotem, contudo, suas desvantagens. Homer, percebendo todas as violaes das disposies desegurana da usina, faz um relatrio para a Comisso Reguladora Nuclear, o que provoca ofechamento temporrio da usina. Lenny e Carl, ento sem emprego, ficam ressentidos, paradizer o mnimo. Descobrindo que a inteligncia no pode comprar a felicidade, Homer pede aMoe, que faz procedimentos cirrgicos secretamente, que recoloque o giz de cera em seucrebro. A partir da, Homer parece ainda ter menos capacidade mental, se isso possvel.Mas a despeito das bvias falhas de Homer, Lisa ama o pai com todo o corao.

    Marge, nascida Marjorie Bouvier, a mulher de Homer e a matrona da famlia, parece sera segunda mais inteligente da turma (ou pelo menos da turma que fala), ao menos por seunotvel senso comum e seus muitos talentos prticos, incluindo uma aptido para a mecnica.No colgio, ela gostava de clculo, at que Homer a convenceu a desistir. Considerando suasimportantes habilidades, ela poderia ser mais assertiva. tolerante e se recusa a tomarpartido por temor de ofender algum. Sua omisso, s vezes, exaspera Lisa, que gostaria que ame pesasse os fatos e assumisse uma posio. Contudo, muitas vezes Lisa tambm temopinies conflitantes que ela receia expressar, por isso aparenta no ser, de fato, umapensadora cientfica. Nesses momentos de dvida, ela capaz de entender melhor os pontosde vista da me.

    Maggie, o beb da famlia, um grande ponto de interrogao, pois nunca pudemos ouvi-la expressar-se apenas alguns rudos e balbucios, umas poucas primeiras palavras (comopapai) e principalmente os sons da sempre presente chupeta sendo sugada. Mesmo nosepisdios que especulam sobre o futuro da famlia, ela continua sem oportunidade de falar.Apenas em alguns dos especiais sobre Halloween (A Casa da rvore dos Horrores) quetratam de pesadelos ou realidades alternativas, e no da histria real da famlia Maggie falasentenas completas. Ento ela pode se transformar na mais inteligente dos Simpsons, o que

    sugerido em vrios episdios. Por exemplo, durante um jogo de Scrabble**** com a famlia,ela escreve EMCSQU (E=mc) com suas pedras.

    Finalmente chegamos ao enfant terrible da srie, o garoto de 10 anos que transformouexpresses como Vai te catar! e Dont have a cow! em bordes internacionais,imortalizados em camisetas e em livros de histrias em quadrinhos. Ele o garoto do skate

  • cuja cano de estrondoso sucesso Do the Bartman! resgatou o rdio comercial do completoesquecimento. (Claro que aqui estou exagerando, mas era uma cano nova e engraada.)Estou falando, naturalmente, de ningum menos do que Bartholomew Simpson, mais conhecidocomo Bart ou, como Homer o chama, enquanto torce seu pescoo, Ora, seu ... !.

    Embora Bart tenha uma aguda curiosidade, ele acha a escola um desafio completo, e muito mais feliz pregando peas nos outros. Quando se trata de descoberta cientfica, ele tendea ser um observador mais passivo tropeando acidentalmente em novas descobertas queum pensador original. Por exemplo, quando Skinner pune Bart obrigando-o a se interessar porastronomia, Bart acaba descobrindo um cometa. Ele fica feliz quando joga um videogame quetem um contedo cientfico, at que percebe seu carter educativo, o que faz Bart desistir. Elese interessa por misturar produtos qumicos, desde que seja para produzir lindas exploses, eno por causa de uma tarefa escolar. Com uma notvel antipatia pelo aprendizado formal, ele,contudo, pode ser facilmente fisgado pelo desejo de conhecimento.

    Algum como Bart poderia aprender cincia por uma fonte informal, como um livro, umarevista de histrias em quadrinhos ou um desenho? Sem dvida nenhuma. Se O HomemRadioativo, sua histria em quadrinhos favorita, ou Comicho e Coadinha, seu adoradodesenho exibido pela televiso, estimulam os aficionados a realizar projetos de qumica efsica para ajudar os personagens, e at a pesquisar a histria e os antecedentes dessasexperincias, voc pode apostar que Bart estaria altura dessas tarefas. Muitos garotosaprendem rapidamente a diferena entre cincia divertida e aquilo em que eles acredite! se graduam. Naturalmente eles tendem a gravitar em torno da primeira, exceto talvez paraamealhar informao antes de um exame.

    Neste aspecto, Os Simpsons oferecem um campo perfeito para a educao cientfica. um dos poucos programas de televiso sem trilha sonora de risadas e cheio de inteligncia. Nafalta de uma autoridade lhe dizendo quando rir ou aprender, voc obrigado a vasculhar porentre o cortante sarcasmo, as opinies conflitantes e, ocasionalmente, as representaesenganosas para reconhecer a verdade.

    Muitos redatores da srie tm ligaes cientficas e adoram deixar transparecer isso nospersonagens. Entre os redatores esto David X. Cohen, bacharel em fsica por Harvard emestre em cincia da computao pela Universidade da Califrnia em Berkeley; Ken Keeler,doutor em matemtica aplicada por Harvard; Bill Odenkirk, doutor em qumica inorgnicapela Universidade de Chicago; e Al Jean, o produtor-executivo e redator principal, formadoem matemtica por Harvard. Outro redator, Jeff Westbrook, doutor em cincia da

  • computao por Princeton e foi professor associado de cincia da computao em Yaledurante anos antes de se juntar srie. Ele participou do episdio Girls Just Want do HaveSums, de 2006, relacionado recente controvrsia surgida em Harvard por causa doscomentrios do reitor da escola sobre a presena das mulheres na matemtica.

    Dado o grau de especializao acadmica da equipe de redatores da srie, no surpresaque grandes doses de cincia, matemtica e tecnologia sejam polvilhadas em muitos dosepisdios. Os temas incluem tudo, desde astronomia at zoologia, gentica e robtica; vocter de cavar fundo, algumas vezes, para perceber. Como Kent Brockman, o ncora donoticirio de TV na srie, voc precisa ser um reprter investigativo isto parte dodivertimento que a descoberta cientfica. Em vez de revelar os mexericos por trs do vernizsuperficial dos personagens srios, voc estar descobrindo os verdadeiros fatos cientficosocultos pela contagiante estupidez da srie. Como Krusty poderia dizer em uma de suasreflexes, h sempre uma histria sria por trs da risada. Hehe!

    Os acadmicos j tinham descoberto inesperadamente essa tendncia oculta do desenho. raro um desenho da televiso desencadear uma discusso intelectual ou gerar artigospublicados. Contudo, Os Simpsons inspiraram publicaes sobre cuidados mdicos,psicologia, evoluo e outros temas. uma srie vista por muitos cientistas e, portanto,escrutinada quanto a sua veracidade e implicaes de uma maneira sem precedentes. Cadarisada, cada manifestao de espanto, cada gargalhada, foi testada em laboratrio quanto a suaintegridade; portanto, garotos, prestem muita ateno!

    Este livro pretende ser um guia para a cincia da srie. Mesmo quando voc estiverrolando de rir no cho, poder aprender com as abundantes referncias a biologia, fsica,astronomia, matemtica e outras reas. Impressione os amigos e deixe os inimigos perplexoscom seu detalhado conhecimento do pano de fundo de cada episdio. Satisfaa suacuriosidade intelectual enquanto aquece a casa com o brilho da tela da televiso. Responda aquestes candentes com a revigorante Buzz Cola do fato cientfico, disponvel na mquina devender pelas ondas eletromagnticas, que a TV. Recline-se na poltrona e deixe as liescomearem.

    Ao longo de mais de duas dcadas de exibio (incluindo diversas temporadas comoparte de The Tracy Ulman Show), vrios segmentos de Os Simpsons levantaram intrigantesquestes sobre o funcionamento da cincia contempornea. A amplitude dessas questes surpreendente. Por exemplo, de que maneira, paleontlogos como Gould determinam a idadede restos de esqueletos como os que Lisa descobre e leva para ele? Quais fatores provocam

  • mutaes, como Blinky, o peixe com trs olhos e que nada nas guas poludas de Springfield?Por que as estrelas e os planetas sobre Springfield no podem ser vistos com clareza noite?Os andrides, como o rob que substituiu Bart em um dos episdios de Halloween, podem terconscincia? As descargas das bacias sanitrias dos hemisfrios norte e sul giram em direesopostas, como Lisa constatou no episdio em que a famlia viaja para a Austrlia? De que oscometas so feitos, como o que Bart descobre, e como eles podem ameaar a Terra? Seexistem extraterrestres, por que eles no visitaram a terra, ou fizeram contato conosco, maneira de Kang e Kodos, os residentes aliengenas na srie? O tempo pode ser invertido ouparado, como Homer e Bart fizeram em vrias ocasies?

    Antes de atacar esses temas cientficos de grande amplitude, vamos considerar um dos

    maiores mistrios da srie, e que eu chamo de Enigma de Marilyn Monstro.***** Trata-se daincomum diversidade entre os membros da famlia, que pode ser discutida luz dos debatescontemporneos sobre natureza versus educao. Se Lisa uma Simpson, por que ela tointeligente?

    * Substantivo. Na verdade, qualquer substantivo usado sempre que parecer adequado (fonte: Urban Dictionary[Dicionrio Urbano, um dicionrio de grias do ingls norte-americano em que qualquer pessoa pode colaborar com umverbete ou definio]) (N. do T.).

    ** Referncia ao cometa Kohouteck (C/1973 E1), descoberto pelo astrnomo tcheco Lubos Kohoutek em maro de1973 (N. do E.).

    *** Um homem com baixo QI submete-se a uma experincia para aumentar sua inteligncia. O experimento bem-sucedido e o transforma em um gnio (N. do E.).

    **** Jogo de tabuleiro em que os participantes tentam formar palavras que se interligam (N. do E.).

    ***** Marilyn Munster: referncia personagem Marilyn do seriado norte-americano Os Monstros, da dcada de 1960:Marilyn era a nica pessoa normal de uma famlia de monstros (N. do E.).

  • Parte um

    Est vivo!Acho que voc est presa a seus genes.Dr. Julius Hibbert, Lisa, a Simpson

    No h nada de errado com os genes dos Simpsons.

    Homer Simpson, Lisa, a Simpson

  • 1O gene dos Simpsons

    Famlias comuns so todas iguais; mas cada famlia incomum incomum de seu prprio jeito.Os Simpsons so, sem sombra de dvida, uma espcie prpria. Comecemos com os fanticosdesejos de Homer, suas bizarras afirmaes ilgicas, seus sonhos nada convencionais, seuspensamentos infantis nicos e seu completo alheamento. Acrescente as histrias tortuosas eextravagantes de Vov, cheias de recordaes implausveis e inconsistentes sobre a SegundaGuerra Mundial, e sua inexplicvel antipatia pelo Estado do Missouri. Misture a propenso deBart para as mais completas travessuras e seu absoluto desrespeito pela autoridade. Observe-os insultar-se, gritar e at estrangular um ao outro. Nem mesmo Tolstoi, que escreveu bastantesobre famlias anormais, seria capaz de manter-se atualizado sobre todas as reviravoltas eloucas maquinaes da srie, para no mencionar o pobre pescoo de Bart.

    Pode-se colocar toda a culpa nos homens da famlia. No tempestuoso caldeiro que elescarinhosamente chamam de lar, as mulheres normalmente conseguem manter a calma.Envolvidas em situaes que confundiriam at quem tem nervos de ao, elas oferecem a calmavoz da razo. At o contnuo suga-suga da chupeta de Maggie soa como um mantra calmanteque parece colocar as coisas em perspectiva.

    O que poderia explicar as profundas diferenas entre os sexos na famlia Simpson? Seriapuramente uma diferena de expectativas e de condies ambientais no caso de Bart, porexemplo, um reduzido fornecimento de oxignio atravs de sua traquia que ocorre aintervalos regulares ou poderia haver um componente gentico? No episdio Lisa, aSimpson, esta questo vem tona quando Lisa se pergunta se est condenada idiotice porsimplesmente fazer parte da famlia, e sente um grande alvio quando fica sabendo que seugnero pode t-la poupado.

    O episdio comea com Lisa temerosa de estar perdendo seus dotes intelectuais, comoresolver problemas matemticos ou arrancar notas de jazz de seu saxofone. Ela tem muitoorgulho de seu intelecto o que demonstrado, por exemplo, no episdio em que ela se vestecomo Albert Einstein num concurso de fantasias de uma festa de Halloween. Ela claramente

  • no quer crescer e ficar como o resto da famlia. Homer e Bart, muitas vezes, a constrangemcom suas brincadeiras infantis, Marge no completamente realizada e Lisa sinceramenteespera que sua mente perspicaz lhe propicie uma vida melhor. Mas e se seu intelecto ficarconfuso antes disso e ela terminar como os outros membros da famlia?

    As aflies de Lisa atingiram o pice quando Vov lhe fala sobre o gene dos Simpsons,uma predisposio gentica para o declnio mental que se ativa na metade da infncia. Comocrianas, Vov explica, os Simpsons agem de forma perfeitamente normal. Aos poucos,contudo, o gene dos Simpsons dispara a deteriorao do crebro, levando a vidascompletamente medocres, ou at piores. Naturalmente, Lisa fica aterrorizada com apossibilidade de que isso acontea com ela.

    Tentando dissipar os temores provocados pela teoria de Vov e animar Lisa, Homerconvida vrios parentes para uma visita. Ele lhes pede que descrevam o que fazem na vida, naesperana de que os relatos impressionem a menina. Alguns dos homens falam primeiro e,para horror de Lisa, se revelam completos fracassados. Seu tio-av Chet saiu-se muito maladministrando uma empresa de venda de camares. Seu primo de segundo grau Stanleyperambula por aeroportos e atira em passarinhos. Outro se joga na frente dos carros parareceber dinheiro de seguros. Nenhum deles d a Lisa muita esperana.

    Felizmente, diversas mulheres Simpson apresentam vvidos relatos de carreiras desucesso. Uma delas, a muito fluente dra. Simpson, explica que o gene defeituoso est alojadono cromossomo Y e transmitido apenas de homem para homem. Lisa percebe que s oshomens Simpson que esto condenados; as mulheres no tm problemas.

    Essa revelao no apenas significa que Lisa vai crescer como uma pessoa normal, elatambm implica que seus filhos estaro a salvo. Mas para Bart e outros homens da famlia, terfilhos seria arriscado. Essa roleta gentica o exato oposto do beisebol se voc foreliminado, voc ganha um Homer.

    uma teoria interessante, mas ser que um nico gene poderia criar tamanha disparidadeintelectual entre as mulheres e os homens de uma famlia? A inteligncia um tema complexo;a vivacidade intelectual e o sucesso dependem de uma variedade de fatores, tanto ambientaisquanto genticos, muitos dos quais ainda no so completamente compreendidos. Na verdade,essa complexidade apresentada em outros episdios da srie, em que as diferenas entremulheres e homens da famlia Simpson no so to evidentes. Por exemplo, no episdioIrmo, Onde Estars?, Homer se encontra com Herb, seu meio-irmo h muito

  • desaparecido, que se revela rico e extremamente bem-sucedido. Em Os Monlogos daRainha, Homer viaja para a Inglaterra e encontra Abbie, sua meia-irm tambm h muitodesaparecida, que espantosamente semelhante a ele na voz, no aspecto e na inteligncia.Ento, diante disso, as caractersticas de Homer no devem ser exclusivas dos homens; devehaver outros fatores.

    Alm disso, como mencionado na introduo, pelo menos parte das dificuldades deHomer deriva de um giz de cera alojado em seu crebro desde que ele era criana. Traumasda infncia em alguns casos geram deficincias que se estendem at a idade adulta. Mesmosem um incidente especfico, um ambiente totalmente hostil ao aprendizado poderia terrepercusses profundamente negativas por toda a vida de uma pessoa.

    As crianas tm uma extraordinria capacidade de se adaptar a qualquer ambiente emque nasam. A criana que se desenvolve em um lar cuidadoso e estimulante poderia terdeficincias se nascesse em uma situao de tristeza e falta de amor. Ao imitar os membros desua famlia e seus amigos, as crianas, muitas vezes, assumem atitudes e normas culturaisdaqueles que as cercam. Se uma sociedade altera radicalmente seus valores por exemplo,renunciando violncia depois de um perodo de militarismo ou se tornando aberta edemocrtica depois de uma era de totalitarismo , surpreendente como a maior parte de suajuventude comea a ecoar as novas disposies. Dessa forma, o ambiente e a culturadesempenham papis muito importantes na formao do indivduo.

    Em virtude dessa profunda influncia dos fatores ambientais, tentador pensar que todacriana tem um potencial ilimitado de sucesso em qualquer rea. Contudo, devemosreconhecer que a herana gentica influencia o ritmo de desenvolvimento humano, afetando aslimitaes fsicas e mentais dos indivduos. Nenhum garoto tpico de 10 anos, por mais bemtreinado, pode levantar um peso de 200 quilos ou memorizar todos os nomes de uma listatelefnica. Seria ridculo esperar que uma criana que praticasse um instrumento 10 horas pordia pudesse repetir os feitos de Mozart ou ter suficiente habilidade para integrar umaorquestra profissional. Atletas olmpicos potenciais devem ser identificados bem cedo, noapenas pelas habilidades demonstradas na poca, mas tambm por seu possvel potencialherdado.

    O genoma, ou o conjunto completo dos genes, constitui o cdigo segundo o qual o corpose desenvolve e funciona. Cada gene codifica uma protena particular que serve para umdeterminado papel biolgico, desde o colgeno da pele at as fibras musculares do corao.Duas cpias dos aproximadamente 33 mil genes do corpo humano esto dispostas em 23 pares

  • de cromossomos. Uma cpia de cada gene vem da me, e a outra vem do pai, garantindo quetodo mundo tenha uma mistura dos atributos de ambos.

    Os genes assumem diferentes variaes de sequncias, chamadas de alelos. Cada alelocria uma diferena na constituio da protena que dado gene codifica. Por exemplo,diferentes alelos para os genes ligados cor dos olhos correspondem a protenas depigmentao distintas que, em dupla, podem levar a variaes nesse trao. O padroespecfico dos genes chamado de gentipo diferente de fentipo, o conjunto decaractersticas que exprimem as reaes do gentipo diante das circunstncias particulares dodesenvolvimento do indivduo, isto , de seu meio. Muitos padres genticos diferentespoderiam acabar produzindo o mesmo trao, ou seja, uma gama de gentipos poderia levar aomesmo fentipo. Enquanto os fentipos so qualidades muitas vezes observveis, como atextura do cabelo ou a capacidade de enrolar a lngua, determinar um gentipo geralmenteexige um sequenciamento gentico (o mapeamento do padro de genes).

    Se os cromossomos so os captulos do cdigo do corpo, e os genes so as importantespginas com as receitas para cada protena, a sequncia especfica de bases na cadeia duplaem espiral de molculas, chamada de cido desoxirribonuclico (DNA, na sigla em ingls),constitui a linguagem detalhada para essas instrues. Existem quatro letras diferentes noalfabeto do DNA: as bases adenina, timina, citosina e guanina, conhecidas por A, T, C e G.Cada base liga-se a um par na fita oposta do DNA: A com T, e C com G. O arranjo particulardessas bases produz as instrues para a fabricao de um grande nmero de protenasdiferentes.

    Os genes, contudo, no podem sintetizar diretamente as protenas. Por um processodenominado transcrio, a dupla fita em espiral de DNA cria molculas de cadeia simples,chamadas de cido ribonuclico (RNA, na sigla em ingls), que carregam informaessemelhantes, mas servem a um propsito diferente. O RNA difere do DNA de vrias maneiras,incluindo seu nmero de cadeias e a presena da base uracil no lugar da timina. Um tipo deRNA, denominado de RNA mensageiro (mRNA), forma um tipo de fbrica de montagem deprotena. Cada conjunto de trs bases, denominado de cdon, produz um tipo especfico deaminocido. A cadeia de aminocidos criada nesse processo produz um certo tipo de protena.

    As clulas do corpo humano carregam (exceto no caso de erros) verses idnticas deDNA, mas quando os embries se desenvolvem no tero, as clulas se dividem e sediferenciam, expressando seu contedo gentico de formas diferentes. Consequentemente, logodepois da concepo, depois que um nmero suficiente de divises tenha ocorrido, as clulas

  • comeam a se especializar em clulas de pele, clulas nervosas, clulas musculares e assimpor diante. A posio relativa da clula no embrio em desenvolvimento parece desempenharum papel importante. O processo de diferenciao tem sido um dos maiores mistrios dabiologia, e atualmente um tema essencial de estudos.

    O fator fundamental da hereditariedade o fato de que os cromossomos vm em pares um conjunto de contribuio gentica de cada um dos pais. Dado gene poderia aparecer sob aforma de alelos, diferentes ou semelhantes isto , poderia haver uma ou duas cpias de cadaalelo. Os alelos podem ser dominantes ou recessivos, dependendo de suas propriedadesbioqumicas. Se um alelo dominante, ento mesmo que haja s uma cpia, a caractersticaassociada quele alelo se manifesta e se torna parte do fentipo. No caso do alelo recessivo,porm, so necessrias duas cpias para aquela caracterstica aparecer. Essas regras foramdescobertas no sculo XIX pelo botnico tcheco Gregor Mendel, que desenvolveu extensosestudos das caractersticas da ervilha. Ele descobriu, por exemplo, que alelos altos sempreeram dominantes em relao aos pequenos, significando que as plantas altas cruzadas complantas altas ou pequenas sempre produziam plantas altas.

    Algumas caractersticas herdadas so especficas do sexo e se manifestam diferentementenos descendentes masculinos ou femininos. O 23o par de cromossomos, conhecidos como oscromossomos do sexo, composto de duas variedades, X e Y. As mulheres quase sempre tmum par XX, e os homens quase sempre tm um XY. (H condies raras com outrascombinaes.) O cromossomo X muito maior e tem muito mais genes que o Y. Comaproximadamente 1.100 genes, consistindo mais de 150 milhes de pares bsicos, ocromossomo X forma mais de 5% do total dos genes humanos. Compare isto com ocromossomo Y, que tem s 78 genes. Em anos recentes, esses genes foram completamentemapeados pelos pesquisadores Richard Wilson e David Page, da Universidade de Washington,em Saint Louis, Missouri. Wilson e Page notaram que os genes do cromossomo Y estoprincipalmente ligados ao funcionamento da reproduo humana formao dos testculos,esperma para a reproduo e assim por diante. Como esses poucos genes so to importantespara a propagao da espcie, o cromossomo Y evoluiu com vrias cpias sobressalentes doconjunto. Essa duplicao garante que mesmo que um grupo de genes reprodutivos masculinosseja defeituoso, outro conjunto pode tomar seu lugar.

    Da, pelo menos em termos do cromossomo Y, a redundncia parece ser um traomasculino essencial. Isto , em gentica, a repetio um importante aspecto damasculinidade. Em outras palavras, os homens, pelo menos no que diz respeito aos genes do

  • cromossomo Y, muitas vezes se repetem. Vejamos, de que outra forma eu poderia repetir isto?

    Agora que o perfil gentico do cromossomo Y est bem conhecido, no parece que elecontenha nenhum gene que afete diretamente a inteligncia e o senso comum (a no ser quevoc esteja falando da distrao tpica dos adolescentes em virtude dos hormnios dapuberdade). Ento os genes dos Simpsons no poderiam ser encontrados no cromossomo Y eno poderiam ser ligados apenas aos homens. Infelizmente, se um tal gene existisse, ele nopoderia ser transmitido exclusivamente de homem para homem, e, portanto, Lisa no terianenhum garantia de escapar de seus efeitos.

    possvel, contudo, que esse gene estivesse no cromossomo X, uma situao chamada deligada ao sexo. Ironicamente, um trao ligado ao sexo, embora associado a um gene decromossomo X, poderia aparecer mais comumente em homens, se o alelo causal fosserecessivo. por isso que para as mulheres h uma escolha entre dois diferentes cromossomosX, mas para os homens s h uma possibilidade. Da, alelos recessivos em um cromossomo Xmasculino geralmente se manifestam.

    Um filho recebe seu cromossomo X exclusivamente da me. Portanto, se ele herda umtrao ligado ao sexo, ele deve ter vindo do lado materno. Qualquer trao ligado ao sexo queBart tenha adquirido, por exemplo, dever ter sido uma contribuio gentica de Marge, e node Homer. Da mesma forma, a calvcie de Homer, uma caracterstica ligada ao sexo, pode sercreditada a um gene recessivo passado mais provavelmente por sua me, Mona, que por seupai, Abe.

    H uma conhecida caracterstica ligada ao sexo relacionada a aspectos da inteligncia uma condio hereditria denominada sndrome do cromossomo X frgil, chamada assim porcausa de uma perceptvel falha ou regio frgil no cromossomo X. Essa sndrome se deve aalteraes em um gene denominado FMR1, as quais o impedem de produzir uma protenachamada FMRP,* ou protena frgil de retardo mental. Uma determinada sequncia tripla debases no gene FMR1 citosina-guanina-guanina (CGG) normalmente repetida 30 vezes.Para alguns indivduos, ocorre uma alterao denominada pr-mutao que aumentasignificativamente o nmero de repeties triplas at 200 vezes. Alguns pesquisadoresacreditam que uma pr-mutao do FMR1 poderia levar a sutis dficits nas reas do intelectoou do comportamento. Se algum com uma verso pr-mutada do FMR1 tem um filho, suadescendncia tem uma chance aumentada de herdar aquele gene na forma completamentealterada. Naquela verso, a sequncia CGG repetida mais de 200 vezes, normalmentedeflagrando o processo que impede a produo do FMRP e conduz sndrome do

  • cromossomo X frgil. A sndrome tem sido associada a uma srie de efeitos, incluindodificuldades cognitivas e de aprendizado, bem como alteraes na aparncia fsica queemergem durante a idade adulta. parte a sndrome de Down, uma perturbao norelacionada a uma desordem cromossmica, os cientistas acreditam que a sndrome docromossomo X frgil a causa mais importante da deficincia mental. E como ligada aosexo, a sndrome do cromossomo X frgil afeta muito mais os homens que as mulheres.

    Nem todas as caractersticas herdadas que afetam homens e mulheres de forma diferenteso ligadas ao sexo. Algumas vezes, os genes localizados em autossomos (cromossomos nosexuais) respondem diferentemente bioqumica masculina ou feminina e produzem traosdistintos. Nessa situao, os traos so chamados de influenciados pelo sexo. Da possvelque um gene dos Simpsons pudesse ser influenciado pelo sexo, mais que ligado ao sexo.Nesse caso, tanto Bart quanto Lisa podem t-lo herdado de Homer, e talvez suas bioqumicasdessemelhantes provocassem diferentes respostas de cada um.

    A inteligncia representa um conjunto muito complexo de habilidades que se diferenciamde indivduo para indivduo. Os pesquisadores no concordam sobre todos os componentes dainteligncia, para no mencionar qual gene exatamente a controla. Tambm no claro oquanto ela depende da natureza ou da criao. Certas condies que se relacionam ahabilidades cognitivas, como o cromossomo X frgil, j foram mapeadas, contudo a pesquisagentica ainda tem um longo caminho pela frente antes de ser capaz de explicar por quemembros de uma famlia, como os Simpsons, agem de maneira to divergente.

    A vida tem muitos mistrios, e o conjunto preciso de fatores que influenciam ocomportamento errtico de Homer parece ser um deles. Ele um enigma envolto em calasazuis com stretch. Mesmo o Projeto Genoma Humano no consegue revelar por que o Homersapiens (como talvez ele pudesse ser classificado) muitas vezes age por motivaes tobizarras. Como poderamos explicar, por exemplo, a ocasio em que Homer tentoucomercializar um hbrido de tomate e tabaco produzido por radiao?

    * Sigla em ingls para Fragile X Mental Retardation Protein (N. do T.).

  • 2Voc diz tomate,eu digo tomaco

    Alguns conceitos necessitam de tempo para amadurecer, at que floresam com resultadosdeliciosos. Outras noes simplesmente apodrecem nos galhos. difcil dizer onde se encaixaa idia de combinar tomates com tabaco um provocante desafio ao campo da botnica ouapenas uma bobagem gritante?

    Tomates frescos so alimentos extremamente nutritivos, plenos de vitamina C eantioxidantes. Alguns estudos mostram que eles podem diminuir o risco de certos tipos decncer. O tabaco, ao contrrio, cheio de substncias carcinognicas conhecidas. Ler asadvertncias nas embalagens de cigarro suficiente para provocar traumas. Com relao sade, as duas plantas no poderiam ser mais distintas.

    Contudo, no episdio Homer, o Fazendeiro,* Homer consegue encontrar um terrenocomum entre as duas espcies. um caso curioso de solo frtil transformado em cinzas,poeira transformada em rap, quando os Simpsons se mudam para a velha fazenda de Vov etentam estabelecer-se como agricultores. De incio, Homer no demonstra ter uma boa mo nada que ele semeia brota , at que decide utilizar a substncia que fez o Amazing ColossalMan** atingir alturas recordes. Seu ingrediente secreto no faz apenas seu dedo ficar verde,mas tambm brilhar o plutnio despachado para ele por Lenny. Logo a fazenda agraciadacom uma produo vigorosa do que parecem ser tomates. Bem, talvez vigorosa*** no seja apalavra adequada, j que ao ser fatiado o tomate revela um interior marrom, amargo e provocadependncia por causa de perigosas doses de nicotina.

    Percebendo que a dependncia gerada pela planta tem um certo potencial comercial,Homer nomeia a planta de tomaco e instala um quiosque na beira da estrada. Servidosrapidamente, alqueires do produto nuclear so vendidos como panquecas ou talvezdevssemos dizer yellowcake.**** Todo mundo que passa pelo quiosque quer provar umaamostra, at mesmo Ralph Wiggum, o estudante limtrofe, que afirma que o sabor de comidada vov. Assim que os clientes provam uma amostra, a nicotina entra em cena, e eles pedem

  • mais e mais.

    Logo a companhia de tabaco Laramie (uma empresa fictcia mencionada em vriosepisdios) interessa-se em promover a venda do produto de Homer, principalmente porque permitido por lei vender tomacos s crianas, mas no tabaco. A companhia tenta negociar umcontrato de US$ 150 milhes, mas Homer exige absurdos US$ 150 bilhes. A Laramie recua edepois tenta sem sucesso roubar uma das plantas. No final, toda a lavoura de tomaco devorada pelos animais da fazenda, viciados em nicotina, deixando Homer sem nada paracomprovar seus esforos na rea agrcola.

    Embora o tomaco tenha, desde ento, desaparecido da srie, ele surpreendentementeinvadiu o mundo real, um caso de vida imitando a arte. Inspirado pelo episdio, Rob Baur, umanalista de operaes de uma estao de tratamento de gua do Estado do Oregon, plantou ecolheu tomates com algumas das caractersticas do tabaco, incluindo um trao de nicotina. Aenxertia, o mtodo que ele usou, uma maneira bastante testada para produzir hbridos e queno tem nada a ver com a abordagem de Homer.

    Como qualquer bilogo reconheceria, fertilizar plantas com plutnio no as faria assumiras caractersticas de outras. O plutnio uma substncia radioativa perigosa, txica mesmoem quantidades mnimas. Ele no existe de forma natural, e produzido e armazenado emcondies extremamente rigorosas.

    A exposio radiao nuclear pode destruir clulas e provocar cncer, alm de gerarmutaes alteraes no material gentico de uma clula ou grupo de clulas. Se essasalteraes ocorrem nas clulas reprodutivas, podem passar para os descendentes e semanifestar como alteraes nas funes ou na aparncia.

    A maior parte das mutaes causada pela cpia gentica de erros durante o processo dadiviso celular. Algumas mutaes derivam da radiao (normalmente de fontes radioativasnaturais), de agentes qumicos (chamados de mutagnicos), de vrus e de outras fontes. Anatureza construiu vrias barragens para bloquear os resultados de mutaes no favorveis; ocorpo tem mecanismos de conserto muito efetivos para reparar danos genticos. Alm disso,como os cromossomos so em pares, o organismo tem duas cpias de cada gene. Como jvimos, o prprio cromossomo Y tem diversas cpias sobressalentes de seus genes principais.Presumindo-se que uma mutao seja recessiva, um organismo vai favorecer a verso maissaudvel do gene durante a reproduo. Se, ao contrrio, a mutao dominante e perigosa,em geral ela eliminada rapidamente do conjunto de genes. Algumas mutaes no fazem

  • absolutamente nenhuma diferena. Em ocasies extremamente raras, uma mutao acaba sendobenfica, dando aos descendentes caractersticas que favorecem a sobrevivncia e,consequentemente, a reproduo. Por exemplo, uma mutao poderia oferecer granderesistncia a uma doena fatal. Pelo processo de seleo natural de Darwin, as alteraesteis predominam com o passar do tempo e levam evoluo de novas espcies.

    Expor sementes de tomate ao plutnio seria uma maneira extremamente improvvel decriar uma safra de hbridos. A chance de o material gentico de muitas sementes diferentes sealterar sempre da forma certa para gerar caractersticas do tabaco, como a nicotina, serianfima. E a radiao no pode tirar genes de uma planta para inseri-los em outra. Essamodificao gentica precisaria ser desenvolvida em uma situao muito mais controlada.

    A modificao gentica de safras tornou-se, nos ltimos anos, um tema controverso, aomigrar das fazendas para o laboratrio. Os fazendeiros utilizaram tcnicas de polinizaocruzada durante mais de um sculo para desenvolver plantas com mais resistncia a pragas oucom propriedades mais favorveis por exemplo, transferindo genes do centeio paracromossomos do trigo. Com a introduo de mtodos da gentica molecular, a modificaoficou muito mais precisa e, portanto, diminuiu o temor da criao de novas variaes danosas.Alimentos com ingredientes geneticamente modificados passaram a ser conhecidosinformalmente como Frankenfoods.

    A enxertia, tcnica que Baur usou para produzir o tomaco, outro mtodo tradicional dahorticultura para misturar propriedades de plantas, que antecede muito a gentica molecular.Envolve cortar e unir a parte inferior de uma planta, incluindo suas razes, com o caule, flores,folhas ou frutos de uma outra. Depois que os cortes so feitos, as duas plantas socuidadosamente unidas de maneira que permita a livre passagem de gua e nutrientes. Elasso, ento, mantidas no lugar at que o crescimento ocorra e se transformem em uma nicaplanta. O resultado a combinao conhecida como enxerto quimera ou enxerto hbrido.

    Para que a enxertia tenha sucesso, as duas espcies originais precisam fazer um bomcasamento. Baur percebeu que tomate e tabaco, pertencentes mesma famlia de plantas,tinham compatibilidade suficiente. Ele se lembrou de um estudo feito em 1959, no qual ospesquisadores relataram o cruzamento com sucesso de duas espcies, e imaginou se osroteiristas de Os Simpsons no tinham lido o mesmo trabalho. Ento, enxertou um tomateironas razes de uma planta de fumo.

    A experincia de Baur gerou fruto um s, de incio. Quando o fruto foi testado, ele no

  • tinha nenhuma nicotina que pudesse ser detectada. As folhas tambm foram testadas erevelaram conter alguma nicotina. Ento, a planta de tomaco preencheu os requisitos de umverdadeiro hbrido por enxertia; tinha algumas caractersticas das duas espcies. Baur no pso produto venda, portanto no espere encontrar adesivos de ketchup com sabor de nicotinana farmcia mais prxima.

    Como anos de experincias demonstraram, a engenharia gentica, a enxertia e outrastcnicas hortcolas parecem ser imensamente mais efetivas que a radiao para a produo deplantas hbridas. E quanto ao reino animal? A radiao poderia produzir anomalias zoolgicascomo o peixe de trs olhos? Vamos dar um mergulho nas guas puras de Springfield e ver oque descobrimos.

    * No original, E-I-E-I-(Annoyed Grunt). A expresso annoyed grunt usada para designar o som familiar deexasperao de Homer, doh, nos ttulos de episdios de Os Simpsons (N. do T.).

    ** Referncia ao protagonista do filme norte-americano de mesmo nome, de 1957 (dirigido por Bert I.Gordon). OAmazing Colossal Man um mutante, resultado de um acidente nuclear que o tornou gigante (N. do E.).

    *** O autor faz um trocadilho com o adjetivo healthy, saudvel (N. do T.).

    **** Trocadilho entre hotcakes, panquecas, e yellowcake, nome do xido de urnio processado (N. do T.).

  • 3Blinky, o peixede trs olhos

    Desde o incio da civilizao a gua tem mltiplos usos, desde aplacar nossa sede at lavarnossa sujeira. A Revoluo Industrial acrescentou aplicaes como fornecer vapor a mquinase impedir seu superaquecimento. Tambm gerou novas formas de poluio que devastarammuitos regatos e rios durante sculos, inspirando a lrica descrio do compositor Tom Lehrer,

    de 1960, sobre escovar os dentes e enxagu-los com resduos industriais.*

    Em 1969, o rio Cuyahoga, que atravessa Cleveland, no Estado de Ohio, pegou fogo,possivelmente por causa da ignio de uma trilha de leo em sua superfcie. O fogo ardeu por30 minutos, at ser apagado. O incidente despertou a indignao da populao contra apoluio da gua. Um artigo publicado na revista Time descreveu as horripilantes condiesdo Cuyahoga: Nenhuma vida visvel. Que rio! Da cor de chocolate escuro, oleoso,

    borbulhando com gases abaixo da superfcie, ele mais escorre do que corre.**

    A indignao pblica provocada pelo fogo no Cuyahoga e por outros exemplos dapoluio industrial se transformou em manifestaes a favor de reformas ambientais,inspirando a criao da Agncia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos, em 1970, e aaprovao do Clean Water Act [Lei da gua Limpa], em 1972, bem como outras medidasrelacionadas ao longo dos anos. Em muitos lugares, isso resultou em uma representativamelhoria da qualidade da gua. Embora em nenhuma rea urbana seja aconselhvel beber guadiretamente do rio, pelo menos muitos peixes (ou, como Homer os chama, espetos de peixeno processados) voltaram a nadar e a se divertir.

    Por causa do sucesso do Clean Water Act, chocante constatar que h ainda industriaismopes que tentam burlar as regulamentaes. Trancados em luxuosas manses, bem servidosde gua pura de fontes remotas nas montanhas, com ces ferozes para proteg-los de invasoressedentos, eles cacarejam maldosamente ao ler nos jornais notcias sobre ambientalistasinsatisfeitos. Para eles, o tilintar das moedas mais melodioso que as risadas das crianas

  • brincando em borbulhantes guas puras.

    C. Montgomery Burns, o chefe de Homer, seria um tipo desses? Pergunte a seu intimidadoassistente, Wayland Smithers, e voc no vai ouvir nada que sugira isso. Escrutine-o comolhos bisbilhoteiros. Em vo. Contudo, episdios como O Peixe de Trs Olhos pintam umahistria mais sinistra.

    No comeo daquele episdio, Lisa e Bart esto pescando no rio abaixo da usina nuclearde Springfield e conseguem fisgar um peixe de aspecto bizarro, com trs olhos. Observando oanimal, Dave Sutton, um reprter investigativo em busca de uma boa histria, descobre, comoos britnicos, que peixe e jornal fazem uma combinao vencedora, e no s quando o peixeest embrulhado no jornal. Sutton denuncia a poluio provocada pela usina, o que leva osinspetores nucleares at Springfield pela primeira vez em dcadas. Eles descobrem prticasabominveis, como o uso de cola para fechar uma rachadura em uma torre de resfriamento euma vareta de plutnio utilizada como peso de papel. Burns tenta subornar os inspetores, maseles so honestos. Ento, ele decide que a melhor coisa a fazer concorrer ao cargo degovernador.

    Candidatos a cargos pblicos precisam evitar chamar a ateno para suas fraquezas,muitas vezes fazendo incidir sobre elas a melhor luz. Para Burns, sua principal desvantagemtem cheiro de peixe e trs olhos brilhantes. Ele precisa desesperadamente retir-lo daspginas dos tablides e mostr-lo como um trofu. Ento, lana uma astuta campanha,protagonizada por um ator que personifica Charles Darwin, um peixe de trs olhos chamadoBlinky em um aqurio e ele prprio. Na TV, Burns pergunta a Darwin sobre sua teoria daseleo natural. Baseado na explicao, Burns garante que Blinky tem uma vantagem evolutivasobre os outros peixes; na verdade, ele um superpeixe. A campanha d resultado e colocaBurns na dianteira da disputa.

    Darwin e Burns falham em ressaltar para sua vida audincia que a seleo natural exigeque as variedades de sucesso mantenham uma vantagem sobre as outras em termos desobrevivncia e reproduo. Essa vantagem normalmente leva vrias geraes para seestabelecer. Se Burns fosse escrupuloso, teria examinado os peixes de trs olhos durante umtempo, para ver se sua caracterstica ocular lhe permitiria evitar os predadores, identificarmais rapidamente fontes de alimento, proteger seus ovos (o que somente alguns tipos de peixefazem) e assim por diante. Se eles no fazem isso, ento os exemplares com essa variaotero sua populao reduzida com o tempo e sero ultrapassados por peixes maisconvencionais.

  • Burns afirma no comercial que os peixes de trs olhos so mais saborosos. Se esse fosseo caso, os humanos poderiam aumentar a populao dessa variedade criando-a em cativeiro,dando-lhe uma vantagem artificial sobre tipos menos apetitosos. Contudo, a afirmao deBurns colocada em xeque quando ele convidado para jantar na residncia dos Simpsons;Marge lhe serve um peixe de trs olhos e ele o cospe. A mdia publica fotos do bvio nojo deBurns e faz sua campanha ir por gua abaixo.

    No mundo alm de Springfield, peixes de trs olhos raramente aparecem nos jornais.Talvez alguns se lembrem do hadoque de trs olhos, de 1927, mostrado no suplemento emrotogravura do New York Times no dia 16 de outubro daquele ano. A foto tinha a seguintelegenda: O mais estranho peixe do mar (...) um hadoque pescado na costa de Boston, que se

    verificou ter trs olhos, o terceiro no meio da cabea.***

    O dr. E. W. Gudger, do Museu Americano de Histria Natural, viu a foto, leu um anncioanterior no New York Herald Tribune e achou que aquilo era histria de pescador.Aprofundando sua investigao, ele pediu outras fotos ao Times que as forneceu. As imagensadicionais mostraram um hadoque com um terceiro olho semelhante aos outros dois, emboraum pouco mais atrs na cabea. Quando Gudger tentou ver o peixe, contudo, no teve sucesso.Aparentemente ele tinha sido comprado por um colecionador.

    Gudger se lembrava de pouqussimos casos de peixes de trs olhos. Os que tinham sidoexaminados por cientistas se revelaram embries malformados ou embustes muito bem-feitos.No primeiro caso, eles eram monstros de duas cabeas, essencialmente gmeos ligados emque o terceiro olho era compartilhado pelas duas cabeas. Ele no conseguiu encontrarnenhum caso de embries de trs olhos que sobreviveram at a idade adulta.

    Quanto s fraudes, em 1910, o professor Alexander Meek desmascarou uma emNorthumberland, Inglaterra. Tratava-se de um peixe de trs olhos encontrado no mercado deNorth Shields. Meek descobriu a fraude quando um exemplar foi encaminhado a ele paraexame e, aps a dissecao, ele verificou que o terceiro olho estava completamente separadodos outros dois, como se tivesse sido inserido na cabea. Ele afirmou em seu relatrio:

    Percebi um pequeno corte transversal, no completamente visvel, atrs do terceiro olho,e mesmo assim fiquei surpreso ao descobrir que o terceiro olho em questo estava muito solto

    na cavidade atrs do olho direito normal. Ele no estava ligado a nada dentro da cabea.****

  • Estranhamente, vrios dias depois da dissecao de Meek, um homem o procurou parasaber se algum j tinha pescado um peixe de trs olhos. Quando Meek lhe contou sobre afraude, o homem perdeu o controle e confessou que havia planejado tudo. Ele tinha aprendidocomo abrir um peixe, inserir um olho extra e fechar tudo to cuidadosamente que nem umexperiente pescador perceberia algo errado. Havia espalhado algumas dessas fraudes nomercado de North Shields, aparentemente com a inteno de ver se algum perceberia.

    De maneira curiosa, tudo isso aconteceu apenas dois anos antes de uma fraude muito maisfamosa, a escavao de um falso Homem de Piltdown. Da mesma forma que o peixe de trsolhos de Northumberland, o Homem de Piltdown foi planejado com o objetivo de fazer oscientistas pensarem que tinham encontrado um novo tipo de criatura. A fraude aconteceu emuma poca em que os paleontlogos estavam envolvidos em uma intensa procura pelo eloperdido: o imediato precursor do Homo sapiens, mas com algumas caractersticas dossmios. Imaginavam que variaes desse ser, por mutao ou outro meio, foram prevalentesatravs dos anos e evoluram para os seres humanos modernos, de crebro grande ecompletamente eretos. (Veja o comportamento de Homer no tribunal no episdio The MonkeySuit para uma vaga idia sobre como este elo perdido poderia ter sido.)

    Em 1912, Charles Dawson descobriu o primeiro de dois crnios de Piltdown em umapedreira em Sussex, Inglaterra. Com uma testa semelhante humana, mas uma mandbularudimentar como a de um macaco, o achado parecia feito sob medida para completar oregistro da evoluo humana. Todavia, especialistas descobriram, no final dos anos 1940 edepois, que o crnio tinha, na verdade, menos de 150 anos de idade na poca do achado, eclaramente havia sido colocado l por algum. Historiadores apontaram vrios possveisresponsveis, sendo Dawson (que morreu em 1916) o mais forte suspeito. Felizmente, omutilador de peixes de Northumberland confessou, do contrrio os especialistas poderiamestar especulando sobre o caso at hoje.

    O sujeito que suturou o hadoque de trs olhos examinado por Gudger, porm, nunca seidentificou. Contudo, em 1928, Gudger encontrou um relato feito por um pescador experiente(de algum modo lembrando o personagem nutico de Os Simpsons, o Sea Captain) quepareceu confirmar suas suspeitas. O pescador contou sobre

    um velho companheiro (que) era extremamente hbil em fazer incises realmente muito

  • capaz com uma faca. Bem, ele estava trabalhando na cabea de um hadoque, com muitocuidado, tirou um olho de peixe do bolso e o enfiou no buraco, com maestria e percia. Semdizer uma palavra, colocou o peixe de trs olhos de volta junto dos outros peixes e, no diaseguinte, as pessoas vinham de grandes distncias para ver a ltima maravilha do mundo: o

    hadoque de trs olhos.*****

    Desde a poca de Meek e Gudger no existem muitos escritos sobre peixes de trs olhos,exceto por referncias culturais a Blinky e especulaes sobre deformidades provocadas porradiao nuclear. Como a dra. Anne Marie Todd, da San Jose State University, apontou, Blinkyserve como uma lembrana visual do choque entre a polmica oficial e os fatos ambientais,mesmo que peixes de trs olhos realmente no nadem nos rios perto de usinas. Todd observou:

    Esse episdio condena a manipulao do poder poltico e econmico para esquivar-se daresponsabilidade ecolgica e transferir a culpa por problemas ambientais. A srie comenta afalta de comprometimento com os padres de segurana e critica a aceitao indiferente deinspees ambientais no obrigatrias. Enfim, esse episdio critica explicitamente osmanipuladores da informao que distorcem os impactos da degradao ecolgica provocada

    por empresas ricas como a usina nuclear.******

    Na verdade, quando o pblico se depara com temas referentes energia nuclear, o debategeralmente se volta para a possibilidade de mutaes que provocam deformidades. Imagensde animais com trs olhos e cabeas mltiplas so impressionantes. H evidncias, contudo,que parecem indicar que esse foco erra o alvo. Embora haja muitas questes srias sobre aenergia nuclear incluindo os custos envolvidos na construo e na desativao das usinas, oproblema do descarte dos dejetos nucleares e o perigo de materiais passveis de fisso caremem mos de grupos terroristas , no tem havido nenhum aumento estatstico de anomaliasherdadas nas proximidades de usinas nucleares em funcionamento. O desastre de Chernobyl,na Ucrnia, em 1986, o pior da histria da indstria nuclear em todo o mundo, um casodiferente, por ter provocado prejuzos incalculveis sade das pessoas e ao meio ambienteda regio. Ele teve maior impacto que o incndio de Winscale, na Inglaterra, e o acidente emThree Mile Island, nos Estados Unidos os dois acidentes nucleares anteriores mais

  • conhecidos.

    O projeto de Chernobyl era particularmente ruim, com o ncleo de cada um de seusquatro reatores composto de grafita, um material inflamvel, e com um sistema de backupinadequado no caso de incndio. Cada estrutura de grafita era cheia de fendas que abrigavamos elementos nucleares de combustvel que acionavam os reatores. Como acontece em todosos reatores comerciais, esses elementos produziam energia pelo processo de fisso, que deveser cuidadosamente controlado em uma usina nuclear. Contudo, em Chernobyl, a falta desalvaguardas adequadas levou a um incndio e liberao de materiais radioativos danosos.

    Fisso a diviso de um ncleo atmico pesado: os conjuntos de prtons (partculascarregadas positivamente) e de nutrons (partculas neutras) que constituem os ncleos dostomos. Quando um material fssil como o urnio 235 bombardeado com nutronsrelativamente lentos, cada ncleo se divide em vrios fragmentos, produzindo energia e maisnutrons no processo. Esses nutrons, por sua vez, produzem mais materiais fsseis que sedividem, provocando uma reao em cadeia. Os subprodutos so vrios istopos (variaesde elementos com diferentes nmeros de nutrons), alguns dos quais so radioativos. Enquantoo reator est funcionando, uma parte do calor produzido gera vapor, que aciona uma turbinapara a gerao de eletricidade. Essa eletricidade pode suprir comunidades com uma fonteestvel de energia.

    Normalmente, hastes de controle colocadas entre as hastes de combustvel modulam oprocesso absorvendo os nutrons. Abaixar e levantar essas hastes conforme a necessidade,garante que o reator funcione eficientemente e no saia dos limites. Um resfriador (gua fria)banha as hastes, evitando que elas fiquem muito quentes. No caso do desastre de Chernobyl,contudo, demasiadas hastes de controle foram removidas do ncleo de um dos reatores emuma hora em que havia muito pouco resfriador. A gua que havia virou vapor, e a temperaturado ncleo comeou a subir, fora de controle. Enorme presso estabeleceu-se do lado dedentro, e a parte superior do reator se deslocou, permitindo que o ar entrasse na cmara.Diferentemente de reatores em outras partes do mundo, ele no era equipado com um vaso depresso de conteno. A grafita quente, misturada ao oxignio, gerou monxido de carbono epegou fogo. Rolos de fumaa radioativa, contendo produtos fsseis e dejetos, espalharam-sepela comunidade, contaminando fazendas e cidades por centenas de quilmetros. Embora oreator tivesse sido desligado, enchido de nitrognio lquido para ser resfriado, coberto comareia para apagar o fogo e mais tarde envolvido por grossas paredes de concreto, um danohorrendo j havia ocorrido.

  • Quando material radiativo espalhado por uma ampla regio, ele pode aumentar onmero de casos de cncer e provocar morte de clulas e mutaes muito alm do esperadoem virtude dos nveis de radiao natural e outras causas. Especialistas estimam queChernobyl provocou milhares de mortes por cncer, envenenamento por radiao e outrosefeitos. O Guardian noticiou em 2001 que a taxa de mutao para os filhos dos trabalhadoresque ajudaram a limpar o local era 600% o maior que a normal. Esse nmero foi determinadopor testes genticos, no pelo levantamento dos sintomas, porque as alteraes no DNA noforam suficientes para produzir deformidades, pelo menos por uma gerao. Ento, mesmouma tragdia da magnitude de Chernobyl, que causou tantas mortes, no criou anomalias comomalformaes nas pessoas ou peixes de trs olhos.

    O temor da repetio de uma tal calamidade uma razo pela qual a segurana nuclearcontinuou a ser uma grande preocupao pblica. O meio ambiente mundial no pode agentarum outro Chernobyl. Portanto, ainda que casos semelhantes a Blinky no sejam vistos nanatureza, mesmo nas guas perto dos reatores, sua imagem grotesca capta muito bem nossomais profundo temor dos perigos nucleares.

    As preocupaes atuais quanto aos perigos da radiao mostram como mudou nossaatitude: um sculo atrs, ela era vista como uma panacia. Quando Burns apregoa osbenefcios da radiao, sua mensagem uma volta queles dias em que o rdio, um elementonaturalmente radiativo, era mal manuseado em virtude da ignorncia sobre seus perigos. Elechegava a ser considerado um tnico para a sade, que supostamente dava a seus usuriosmais vitalidade e um brilho saudvel. Realmente Burns tem esse brilho, mas se ele saudvel ou no outra histria.

    * Lehrer, Tom. Pollution, 700 Many Songs por Tom Lehrer. Nova York: Pantheon, 1981.

    ** The cities: the price of optimism, Time, 1o de ago. 1969, p. 1.

    *** New York Times, 16 de outubro de 1927, em Gudger, E. W. A three-eyed haddock, with notes on other three-eyedfishes, American Naturalist 62, n. 683, nov.-dec., 1928, p. 559-570.

    **** Meek, Alexander. A three-eyed dab [hippoglossoides limandoides]. Report of the Scientific InvestigationsNorthumberland Sea Fisheries Commission for 19091910,1910, p. 44.

    ***** Ruminations of a codfish forker, em The Fishermens Own Book, v. 8, Gloucester, MA: Procter Brothers,1928, p. 28. Em: Gudger, E. W. The three-eyed haddock, melanogrammus aeglefinus, a fake, Annals and Magazineof Natural History, v. 6, 1930, p. 48.

    ****** Todd, Anne Marie. Prime-time rhetoric: the environmental subversion of the Simpsons, Enviropop: Studies inEnvironmental Rhetoric and Popular Culture, Westport, CT: Praeger, 2002, p. 72.

  • 4O brilho radiante

    de Burns

    Toda grande cidade tem estabelecimentos famosos com iguarias e bebidas, para onde osintelectuais mais proeminentes convergem. Nova York tem o legendrio Algonquin, com sualendria Round Table. Viena tem seus Caf Central, Caf Sacher e inmeros outros cafs, ondefilsofos argumentam, discutem, replicam e comem tortas. Paris tem uma gama que vai do gr-fino Maxims a pequenos bistrs. Embora no se inclua na mesma turma de Nova York, Vienae Paris (e, de acordo com seus residentes mais esnobes, nem na da vizinha Shelbyville),Springfield pode ostentar sua Taverna do Moe, espartana, mas confortvel, que serve a geladae refrescante cerveja Duff.

    Da mesma forma que nos dias de George Bernard Shaw e Oscar Wilde, a brincadeiraespirituosa na Taverna (bons mots, talvez) sempre precedida por alguns drinques. E quantomais inspirado o indivduo, mais incomum o drinque. No episdio Arquivo S, Homerdecide ser bem criativo e tentar uma nova formulao chamada Red Thick Beer [CervejaEspessa e Vermelha]. Logo seu nvel de embriaguez, se no de criatividade, atinge aspropores de um Ernest Hemingway. Um teste com um bafmetro confirma isso, e Moeinsiste que Homer v para casa.

    Pelo menos um dos caminhos da Taverna do Moe at a residncia dos Simpsonsserpenteia por uma floresta fechada e escura. Homer, em seu estado de embriaguez, decidetomar esse caminho. No meio da mata, ele v a distncia o que parece ser um aliengenaverde, de formato estranho e olhos brilhantes arregalados. Naturalmente, Homer ficaaterrorizado. Quando o ser tenta tranquiliz-lo com uma voz suave, Homer grita e saicorrendo. Em casa, fica aborrecido porque ningum acredita que ele encontrou um aliengena.Sua embriaguez na hora da viso torna a histria ainda menos crvel. Quem em Springfieldconfiaria nele o suficiente para ajud-lo a fazer uma investigao? Ou a ajuda de que elenecessita poderia vir de algum lugar alm?

    Esse episdio o que no jargo televisivo chamado de crossover. O termo tem vrios

  • significados. Em biologia, o crossover ocorre durante o processo de diviso celular, quandocada um de dois pares de cromossomos, um de cada pai, se divide em um ponto determinado etroca pedaos de material gentico. Isso estimula o conjunto de alelos (formas diferentes domesmo gene), criando a possibilidade de uma nova combinao de traos. Ao lado damutao, essa uma das principais formas de variao biolgica alteraes que podem serneutras, negativas ou positivas. No melhor cenrio, a mistura produz novas caractersticas queaumentam a adequao ambiental do indivduo. Variaes favorveis, em longo prazo,promovem o processo de evoluo. Na televiso, porm, o crossover ocorre quandopersonagens de uma srie aparecem em outra, normalmente dentro da mesma rede. Muitasvezes, essa estratgia produz novas tramas que aumentam a audincia da srie.

    O crossover, neste caso, envolve Mulder e Scully, os brilhantes investigadoresparanormais e agentes do FBI de Arquivo X, a popular srie dos anos 1990, interpretados porDavid Duchovny e Gillian Anderson. Sabendo do ocorrido com Homer, eles visitam sua casae tentam desvendar o mistrio. Homer os conduz at a mata onde viu o ser resplandecente. Derepente, algum emerge das moitas. Vov, que estava perdido por l havia dias. Irritada,Scully vai embora; Mulder tambm vai, depois de fazer um longo discurso sobre os mistriosdo universo.

    S depois de uma nova visita floresta, dessa vez sem a ajuda dos agentes do FBI,Homer e os habitantes de Springfield descobrem a verdade. Eles tm a companhia de LeonardNimoy, ator que interpretava o vulcano Spock na srie Jornada nas Estrelas ( ele mesmoquem dubla). Nimoy tambm est ansioso para explicar o inexplicvel. Quando a criaturareaparece, transmitindo uma mensagem de amor, Lisa a ilumina com uma lanterna. Elesdescobrem que o aliengena , na verdade, sr. Burns, o qual vinha recebendo um tratamentomdico que afetou sua aparncia e seu comportamento. Gotas de colrio dilataram suaspupilas, tratamentos quiroprticos alteraram sua postura, um procedimento nas cordas vocaismodificou sua voz, e analgsicos aumentaram artificialmente sua disposio. A razo pelaqual o tratamento parece to bizarro que seu mdico o consumado charlato dr. NickRivera.

    E a sinistra luminescncia? Burns explica que trabalhar toda a vida em uma usina nuclearlhe deu um um brilho verde saudvel. Por uma razo no explicada na srie, o brilhoaparece apenas nas excurses noturnas na mata depois do tratamento mdico.

    Na histria do charlatanismo, tem havido muitas relaes como essa entre Burns e o dr.Nick. A riqueza atrai os charlates como a carne fresca atrai os lobos. Um dos mais notrios

  • exemplos de um charlato que explorou um empresrio diz respeito a um tnico para asade com uma infuso de rdio. O nico benefcio do incidente foi uma divulgao pblicamaior sobre os perigosos efeitos da radiao.

    O rdio, elemento de nmero 88 na tabela peridica, foi quimicamente identificado nofinal dos anos 1890 por Marie e Pierre Curie, em um laboratrio de Paris. Sua identificao parte de uma srie de importantes descobertas da poca, relacionadas s propriedades daradioatividade. Em 1895, o fsico alemo Wilhelm Roentgen descobriu emisses invisveis,chamadas raios X, achado que desempenhou um papel essencial na obteno de imagens daestrutura ssea do corpo humano. No ano seguinte, o fsico francs Antoine Henri Becquereldescobriu que sais de urnio emitiam raios invisveis que podiam imprimir painisfotogrficos recobertos. Assim, o urnio se tornou a primeira substncia radiativa conhecida.Hoje sabemos que materiais radiativos emitem principalmente trs diferentes tipos deradiao: partculas alfa, tambm conhecidas como os tomos do ncleo do hlio; partculasbeta, ou eltrons; e raios gama, luz invisvel com alta energia. Para entender a causa dasemisses pelos sais de urnio, Marie e Pierre Curie fizeram uma intensa pesquisa, queculminou com o isolamento de dois elementos em 1898: o polnio (em homenagem Polnia,pas de Marie) e o rdio. Eles descobriram que ambos os elementos so extremamenteradiativos.

    Estimulada pelas propriedades da radiao invisvel, uma espcie de radiomaniavarreu o mundo. Marie Curie tomou como misso pessoal encontrar uma utilidade para o rdiono diagnstico e tratamento de doenas. Pacientes com tumores ficaram muito satisfeitos aover que uma aplicao de rdio poderia ajudar a encolher os tumores. Hoje, a terapia comradiao, sob condies muito mais controladas, ainda usada para reduzir tumorescancergenos, especialmente quando a remoo cirrgica e outras formas de tratamento soimpossveis.

    No comeo do sculo XX, contudo, ningum tinha idia dos enormes perigos doenvenenamento pelo rdio. Na esperana de rejuvenescimento, pessoas ingnuas se banhavamem rdio nos spas especializados e bebiam tnicos com esse elemento qumico. Minriosradioativos eram extrados com pouqussima precauo. Tudo isso chegou a um fim, porm,com a publicidade que cercou a horrvel morte de uma proeminente figura, vtima de umremdio fraudulento.

    Eben Byers era uma usina de fora fsica e um gigante industrial. Atleta excepcional comuma forte constituio, aos 26 anos venceu o campeonato de golfe amador dos Estados Unidos

  • de 1906. Durante os anos 1910 e 1920, foi um socialite muito conhecido e um magnata daindstria do ferro, presidente da AM Byers Iron Foundry e dono de manses em Nova York,Pittsburgh, Carolina do Sul e Rhode Island. Quando os jornais noticiaram, em maro de 1932,seu falecimento prematuro provocado por envenenamento com rdio e revelaram a horrvelcondio de sua morte, no apenas os amigos e membros da famlia ficaram chocados, mastambm o pblico em geral. Roger Macklis, um especialista em cncer causado por radiao epor remdios fraudulentos, descreveu:

    Quando Byers morreu, seu corpo encolhido era quase irreconhecvel para os amigosque o conheceram quando era um robusto atleta que atraa as mulheres. Ele pesavaapenas 50 quilos. Seu rosto, outrora jovem e escancaradamente bonito, emolduradopor cabelos negros sempre com brilhantina e de olhos profundos, tinha sidodesfigurado por uma srie de cirurgias feitas como ltimo recurso e que tinhamretirado a maior parte do maxilar e do crnio, em uma v tentativa de impedir adestruio dos ossos. A medula e os rins tinham parado de funcionar, dando a suapele um aspecto horripilante. Embora um abscesso cerebral o tivesse feito ficarquase mudo, ele permaneceu lcido at o fim.

    Quem foi o inescrupuloso Nick Rivera que enganou esse homem infeliz com uma falsacura mortal? A culpa foi toda do mdico charlato William Bailey e sua poo venenosachamada Radithor. Bailey tinha um histrico de medicaes fraudulentas, incluindo umtratamento para a impotncia que inclua a estricnina como agente ativo. Em 1918, foi multadopor anunciar sua droga perigosa como uma panaceia, mas isso no o deteve. Ento, em 1921,depois que Marie Curie completou uma viagem pelos Estados Unidos divulgando aspossibilidades do rdio, Bailey ficou extremamente interessado em seu trabalho. Ele comeoua investigar e a desenvolver diferentes tipos de tratamentos com rdio, incluindo pingentesradiativos que podiam ser usados em vrias partes do corpo para promover um metabolismosaudvel. Finalmente, fabricou seu produto lder de vendas: uma soluo de extrato de rdioem gua destilada. Anunciado como um tnico revigorante para os mdicos de todo o pas(aliado a um desconto promocional), Radithor foi um tremendo sucesso, extremamentelucrativo para seu inventor. Embora crescentes evidncias indicassem que mesmo a ingestode doses mnimas de rdio podia ser letal, Bailey insistia que seu produto era inofensivo.

    Byers comeou a usar Radithor em 1927, quando um mdico o recomendou como

  • tratamento para ferimentos que ele havia sofrido durante uma queda. De incio, o elixir derdio o fez sentir-se animado e vigoroso. Entusiasmado com o remdio, Byers comeou abeb-lo cada vez mais. O rdio foi absorvido por seus ossos e comeou a destru-los. Quandoele parou de usar a droga, j era tarde; o dano era irreversvel.

    Pouco antes de Byers morrer, um radiologista experiente o examinou e diagnosticouenvenenamento por rdio. A Federal Trade Commission [Comisso Federal de Comrcio],que j investigava Bailey por prticas fraudulentas, fechou seu negcio. Surpreendentemente,Bailey conseguiu achar caminho para novas falcatruas e sofreu apenas repercusses muitopequenas diante do grande mal que havia provocado. Contudo, o escndalo levou a exignciasmaiores para a regulamentao das drogas, particularmente restries venda de remdiosradiativos.

    Atualmente, os mdicos tomam grande cuidado para minimizar a exposio dos pacientesa formas de radiao potencialmente danosas, a menos que sejam um componente de umtratamento essencial para a sade deles. Mesmo a radiao em nveis pequenos passou a sercada vez mais controlada. Embora na mdia a exposio radiao tenha sido associada ou ahorrveis deformaes (peixes de trs olhos) ou a impressionantes superpoderes (como nahistria em quadrinhos favorita de Bart, O Homem Radioativo, cujo protagonista adquiriuenorme fora aps uma exploso nuclear), a realidade envolve alteraes internas invisveisque em casos infelizes se tornam letais com o tempo.

    Da mesma forma, entre todos os riscos da exposio radiao, no podemos mencionaruma pele resplandecente. A despeito do relato de Burns, sua longa exposio a emissesnucleares no poderiam t-lo feito brilhar como ponteiros fosforescentes de relgio no escuro,a menos que ele se pintasse da cabea aos ps com a tinta radioativa usada pelos pintoresdesses relgios no incio do sculo XX. Mas quem sabe quais outras molstias a radiaoinfligiu ao empresrio mais importante de Springfield, dados os terrveis padres desegurana de sua usina?

    Inquestionavelmente, Burns no est bem. Mesmo com toda sua riqueza, ele no podeadiar a decadncia de seu corpo indefinidamente. Clulas humanas diferenciadas(especializadas) no podem se dividir para sempre; bilogos descobriram que replicaesfiis ocorrem em um nmero finito de vezes antes que cpias imperfeitas sejam feitas. Demaneira intrigante, clulas-tronco (clulas no especializadas antes da diferenciao) eclulas tumorais podem se dividir indefinidamente, pelos menos em laboratrio.Pesquisadores de clulas-tronco esto tentando entender a diferena de comportamento dessas

  • clulas, e talvez aprendam a reverter o envelhecimento. At que essa descobertaimportantssima seja feita, o nmero limitado de vezes que uma clula pode produzir cpiassaudveis de si mesma mostra que a vida no infinitamente renovvel.

    Algum dia, talvez, como Eric Drexler sugeriu em seu original livro Engines of Creation[Motores da Criao], os cientistas vo usar a nanotecnologia para projetar agentes robticosde tamanho molecular (da ordem de um nanmetro, ou um milionsimo de milmetro) capazesde vagar pelo corpo e consertar defeitos celulares. Isso poderia levar a uma dramticaextenso da durao da vida.

    Estes nanoagentes precisariam ser hbeis, capazes de navegar por estreitos canais e fazerjulgamentos instantneos. At certo ponto, eles precisariam ser como verses em miniatura defiis operrios no sindicalizados desenvolvendo tarefas rduas sob circunstncias difceis.Se eles pudessem ser injetados no corpo de Burns, talvez eles pudessem rejuvenesc-lo.Algum voluntrio? Exxxcelente.

  • 5Todos ns vivemos em um

    submarino do tamanho de uma clula

    O nvel perturbador de disfuncionalidade dos Simpsons sugere que seus problemas poderiamser reduzidos se a famlia passasse por um encolhimento.* Quando eles foram encolhidos,contudo, seus problemas s aumentaram.

    Em A Casa da rvore dos Horrores XV, no episdio In the Belly of the Boss, o maisimportante cientista da cidade, o professor Frink, constri uma mquina de raios deencolher a fim de reduzir uma gigantesca cpsula de vitamina (cheia de nutrientes para todauma vida) ao tamanho convencional, de modo que o sr. Burns possa engoli-la. Mas, momentosantes de a cpsula ser miniaturizada, Maggie entra nela e reduzida e engolida com a cpsula.Sem dvida uma plula amarga para Marge e Homer ver a filha pequena dentro do estmagodo patro de Homer.

    Protegida pela cpsula, Maggie tem um pouco de tempo antes de os sucos digestivos adestrurem. Portanto, Homer, Marge, Bart e Lisa decidem tentar um resgate. Ao estilo do filmeViagem Fantstica, de 1966, eles entram em um submarino e so reduzidos milsima partede um milmetro, ento so injetados no corpo de Burns por Frink, e partem em busca deMaggie.

    Frink passa instrues detalhadas tripulao pelo rdio, as quais Homer, em seu estilotpico, ignora completamente. Depois que Homer pressiona insensatamente todos os botes nopainel de controle do submarino, este fica preso, e os Simpsons precisam ir para fora pararemov-lo. Enquanto eles esto na corrente sangunea, clulas brancas atacam as roupas deMaggie, mas espantosamente elas sabem exatamente quando parar antes de revelar demais. Aoperao para desencalhar o submarino d resultado, e os Simpsons so capazes deencontrar e resgatar Maggie. Infelizmente, com a presena de Maggie, o submarino fica comexcesso de peso e um dos membros da tripulao precisa ser deixado para trs. Homer oescolhido, e os outros conseguem escapar. Quando o efeito do raio de encolher cessa, os

  • Simpsons retornam ao tamanho normal. Homer readquire sua circunferncia abdominal quandoainda dentro de Burns, transformando o par em uma espcie de hidra de duas cabeas. Oepisdio termina com os dois ainda unidos, cantando e danando ao som do grande sucesso deFrank Sinatra, Ive got you under my skin. A duplicidade suficiente para fazer arrepiar apele.

    Dos clssicos picos de fantasia como As Viagens de Gulliver e Alice no Pas dasMaravilhas, at comdias do cinema como Querida, Encolhi as Crianas, a miniaturizaosempre foi um dos tpicos favoritos para especulao. A natural variao da raa humanaquanto estatura inspirou relatos ficcionais sobre gigantes colossais ou pequenos elfos. Serque as pessoas poderiam crescer tanto quanto um campanrio ou se tornarem minsculas comoum dedal? Poderia haver terras desconhecidas onde Golias apanhassem reses com as mos emconcha e mastigassem 12 de cada vez? Ou, ao contrrio, lugares onde seres liliputianoscorressem como formigas diante da viso de uma aranha comum?

    Embora seja um conceito maravilhoso, a miniaturizao de pessoas seria uma tarefaextremamente difcil para a cincia. Encolher algum ao tamanho de um minsculo gro depoeira exigiria reduzir sua quantidade de clulas, tornando-as consideravelmente menores, oucomprimir o espao dentro das molculas e tomos que formam as clulas. Cada um dessespassos quase certamente destruiria o indivduo.

    Por exemplo, a eliminao das clulas necessrias do corpo de algum para torn-lomenor tornaria quase todos seus rgos inoperantes. O corao precisa de uma certaquantidade de tecido muscular para funcionar adequadamente, e o crebro requer um nmeromnimo de neurnios. Em doenas nas quais o crebro diminui de tamanho, como os estgiosmais avanados do Alzheimer, a pessoa perde uma grande parte de suas funes cognitivas.Mesmo essa diminuio muito inferior que seria necessria para miniaturizar uma pessoa.Ento podemos excluir a possibilidade da eliminao de clulas.

    Uma segunda opo seria preservar o nmero de clulas de um indivduo, mas encolh-las. Contudo, isso tambm no poderia funcionar. Encolher algum de 1,5 metro para algunsmilsimos de centmetro exigiria que cada clula humana, que normalmente tem centenas debilhes de tomos, ficasse to pequena que no poderia conter um nico tomo. Isso porque areduo no dimetro por um certo fator implicaria uma diminuio em volume por esse mesmofator elevado ao cubo. Se a Terra fosse encolhida tanto assim, ela ficaria menor que uma casa,e claramente no poderia conter a mesma quantidade de material. O mesmo se aplica a clulasreduzidas a uma escala subatmica: elas certamente no poderiam abrigar as macromolculas

  • (cadeias moleculares maiores) protenas, material gentico, carboidratos (acares e amidopara combustvel), e assim por diante de que necessitariam para funcionar.

    Em 1998, a National Academy of Sciences [Academia Nacional de Cincias] organizouuma conferncia para examinar a crtica questo: Qual o menor tamanho de um organismolivre vivo?.1 Os participantes do encontro discutiram os ingredientes mnimos para clulasprimitivas viveis. Quais seriam os requisitos indispensveis para que elas se reproduzissem,mantivessem sua forma e contedo e realizassem os processos bioqumicos bsicos queassociamos vida? O consenso foi que a menor clula vivel exigiria aproximadamente de250 a 450 genes e 100 a 300 tipos de protena. Se a clula tivesse mil cpias de cada tipo deprotena, ento seu dimetro mnimo ficaria entre 200 e 300 nanmetros, ou milionsimos demilmetro. Note que esses parmetros se referem mais simples das clulas; as clulas deorganismos avanados como os humanos so muito mais complexas.

    Os bilogos classificam as clulas em trs tipos bsicos, baseados em seu grau decomplexidade. A mais simples das clulas, chamada de procaritica, inclui organismosunicelulares como as bactrias e as cianobactrias (tambm chamadas de algas azuis). Delonge o tipo mais comum, as clulas procariticas so organizadas de maneira bsica:primeiro, elas tm uma nica molcula de DNA sob a forma de uma cadeia longa e espiraladade genes, envolvida pela densa regio central da clula, chamada de nuclolo. Nada separa onuclolo do resto da clula, permitindo um contato prximo entre a fita de DNA e os centrosespalhados, chamados de ribossomos, nos quais o RNA, ou cido ribonuclico, sintetizaaminocidos e protenas. Outros contedos essenciais incluem as prprias protenas, oscarboidratos e as gorduras. Envolvendo o interior da clula, existe uma fina camada, chamadade membrana da clula, que a protege, permitindo que seja penetrada apenas por materialselecionado. Em geral, mas ne