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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO DENIS DOMINGUES HERMIDA OS SISTEMAS “AUTOMATIC VEHICLE LOCATION” E O CONTROLE DE JORNADA DE TRABALHO DO MOTORISTA RODOVIÁRIO: MUTAÇÃO NORMATIVA DO ARTIGO 62, I, DA CLT Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Pedro Paulo Teixeira Manus SÃO PAULO 2012

OS SISTEMAS “AUTOMATIC VEHICLE LOCATION” E O … Domingues Hermida.pdfLas tecnologías fundamentadas en dispositivos móviles, redes telemáticas ... que ya no se justifica la

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

DENIS DOMINGUES HERMIDA

OS SISTEMAS “AUTOMATIC VEHICLE

LOCATION” E O CONTROLE DE JORNADA

DE TRABALHO DO MOTORISTA

RODOVIÁRIO: MUTAÇÃO NORMATIVA DO

ARTIGO 62, I, DA CLT

Tese apresentada à banca examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Direito

das Relações Sociais, sob a orientação do

Professor Doutor Pedro Paulo Teixeira

Manus

SÃO PAULO

2012

Nome: HERMIDA, Denis Domingues.

Título: Os Sistemas “Automatic Vehicle Location” e o Controle de Jornada de

Trabalho do Motorista Rodoviário: Mutação Normativa do Artigo 62, I, da CLT.

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial

para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações

Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Pedro Paulo

Teixeira Manus.

Aprovado em: 10 de agosto de 2012.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Pedro Paulo Teixeira Manus Instituição: PUC/SP

Julgamento: ______________________ Assinatura:______________________

Profa. Dra. Carla Teresa Martins Romar Instituição: PUC/SP

Julgamento: ______________________ Assinatura:______________________

Prof. Dr. Paulo Sérgio João Instituição: PUC/SP

Julgamento: ______________________ Assinatura:______________________

Prof. Dr. Domingos Sávio Zainaghi Instituição: UNIFIEO

Julgamento: ______________________ Assinatura:______________________

Prof. Dr. Raimundo Simão de Melo Instituição: FDSBC

Julgamento: ______________________ Assinatura:______________________

Dedico esta tese, que é produto da

essência do meu ser, a Alzira Henrique

Pinto, Manoel Alves Pinto e Manuel

Hermida Fernandes, espíritos de luz que

iluminam os caminhos da minha vida,

exemplos de amor, de fé, de abnegação e

de vida.

Agradeço aos meus pais, Manoel

Roberto e Maria Regina, e ao meu irmão,

Michel, por toda a atenção, material e

moral, a mim dispensada durante os

longos períodos de estudo e em todos os

momentos da minha vida.

Agradeço à Thatiane, fiel

companheira e amada, pela paciência e

compreensão.

Agradeço à Giovanna, minha filha,

que, ainda em tenra idade, soube

instintivamente compreender a ausência

do pai nos momentos de estudo e reflexão.

Agradeço a orientação do Professor

Doutor Pedro Paulo Teixeira Manus.

V

RESUMO

As tecnologias fundadas em dispositivos móveis, redes telemáticas sem fio e

sensores geraram mudança no regime de visibilidade, que é a forma como os

indivíduos vêem e são vistos na sociedade. Atualmente, o regime de visibilidade

baseia-se não exclusivamente no espaço físico ou nos limites de alcance do olho

humano, mas também no espaço informacional, que é denominado “espaço

ampliado” e conceituado como representações, sob a forma de imagens, sons e

até mesmo de sensações táteis, de uma realidade que natural e fisicamente seria

distante do cidadão comum, permitindo ao indivíduo não só ter efetivo acesso a

essa realidade, como também com ela interagir. O regime de visibilidade é um

valor cultuado pela sociedade em realidades factuais que se apresentam e,

portanto, faz parte da experiência jurídica, devendo, frente à “eticidade”, incidir

sobre os fatos normados quando da construção da norma jurídica. A mudança,

numa sociedade, do regime de visibilidade é capaz de gerar mutação normativa,

entendida como modificação do conteúdo de uma norma jurídica apesar da

manutenção do enunciado prescritivo (texto legislativo), especialmente naquelas

normas jurídicas cujos elementos constitutivos baseiam-se na visibilidade. Os

sistemas “Automatic Vehicle Location” são resultado de uma montagem de

tecnologias e equipamentos que permitem o conhecimento da posição de um

determinado veículo, bem como a realização de operações associadas, como a

transmissão de informações disponíveis a bordo, sendo que o atual estado da

técnica de tais sistemas permite aos seus usuários o acesso a informações

fidedignas com alto grau de precisão e em tempo real, proporcionando ao seu

gestor um “espaço ampliado” do ambiente de trabalho, que extrapola em muito o

limitado território físico da sede da empresa e é ilimitado, acompanhando o

deslocamento do veículo e de seu condutor, bem como revelando o

comportamento do condutor no transcurso da atividade laboral externa. Através

dos sistemas “Automatic Vehicle Location” disponíveis no mercado brasileiro é

absolutamente possível ao empregador controlar a freqüência, o cumprimento de

ordens e a qualidade do serviço do empregado-motorista rodoviário com

atividade eminentemente externa, não mais se justificando o afastamento do

direito a horas extras à essa categoria de empregados sob o fundamento de

enquadramento no inciso I do artigo 62 da CLT. Tem-se, pois, que a mudança no

regime de visibilidade gerou mutação na norma jurídica construída a partir do

inciso I do artigo 62 da CLT.

Palavras-chave: tecnologia; regime de visibilidade; mutação normativa;

Automatic Vehicle Location; trabalho externo; horas extras.

VI

ABSTRACT

Technologies based on mobile devices, telematics wireless networks and sensors

have given rise to changes in the regime of visibility which is the way people see

and are seen in society. At present the regime of visibility is based not only on

the physical space or on the limits of human vision, but also on cyber space, the

so-called “enlarged space”. The concept of “enlarged space” includes

representations in the form of images, sounds and even tactile sensations relating

to a reality that may be physically far from the individual. Despite the physical

distance, the enlarged space allows individuals not only to have access to this

reality but also to interact with it. The regime of visibility is a value appreciated

by society in factual realities and therefore is part of the juridical experience and it

should, in the light of 'ethicity', govern normatized facts when the legal norm is

construed. Changes in the regime of visibility in a society may give rise to a

change in the norm, which is to be understood as a change in the content of a

norm despite the fact that the statute (the legal text) may remain unchanged. This

is so especially for those legal rules which constitutive elements are based on

visibility. Automatic Vehicle Location systems are an assembly of technologies

and pieces of equipment which allow the position of a vehicle to be known.

These systems also allow related operations to take place such as transmission of

information available on board, and at their current stage, these systems also

allow their users to have access to reliable and highly accurate information in real

time. The systems’ managers therefore have access to an “enlarged space” of the

work environment which goes well beyond the limited physical space of the

company’s headquarters. This new space is limitless and managers are able to

monitor the vehicle and the driver as they travel, and to monitor the driver’s

behavior during work activities outside the headquarters. The Automatic Vehicle

Location systems available in the Brazilian market allow employers to control

the work hours, compliance with orders and the quality of service of driver

employees who work on the road. It is no longer justifiable to rule out the right to

overtime pay of this type of employees based on Item I of Article 62 of CLT,

Consolidation of Labor Laws. The change in the regime of visibility has given

rise to a change in the legal norm construed based on Item I of Article 62 of

CLT, Consolidation of Labor Laws.

Keywords: technology; regime of visibility; norm change; Automatic Vehicle

Location; external work; overtime.

VII

RESUMEN

Las tecnologías fundamentadas en dispositivos móviles, redes telemáticas

inalámbricas y sensores produjeron cambios en el régimen de visibilidad, que es

la manera como los individuos ven y son vistos en la sociedad. Actualmente, el

régimen de visibilidad no se basa exclusivamente en el espacio físico ni en los

límites de alcance del ojo humano, sino también en el espacio informativo, que se

denomina “espacio ampliado” y se conceptualiza como representaciones, bajo la

forma de imágenes, sonidos e incluso de sensaciones táctiles, de una realidad que

de forma natural y física estaría distante del ciudadano común, permitiendo al

individuo no solo tener un efectivo acceso a dicha realidad, como también

interactuar con ella. El régimen de visibilidad es un valor estimado por la

sociedad en realidades factuales que se presentan y, por lo tanto, forma parte de

la experiencia jurídica y debe, ante la “eticidad”, incidir sobre los hechos

normados al construirse la norma jurídica. El cambio, en una sociedad, del

régimen de visibilidad es capaz de generar mutación normativa, entendida como

modificación del contenido de una norma jurídica a pesar del mantenimiento del

enunciado prescriptivo (texto legislativo), especialmente en las normas jurídicas

cuyos elementos constitutivos se basan en la visibilidad. Los sistemas

“Automatic Vehicle Location” son el resultado de un montaje de tecnologías y

equipos que permiten conocer la posición de un determinado vehículo, así como

realizar operaciones asociadas, como la transmisión de informaciones disponibles

a bordo. El actual estado de la técnica de dichos sistemas permite a sus usuarios

acceder a informaciones fidedignas con alto nivel de precisión y en tiempo real,

proporcionando a su gestor un “espacio ampliado” del entorno laboral, que

excede con creces el limitado territorio físico de la sede de la empresa y es

ilimitado, siguiendo el desplazamiento del vehículo y de su conductor y también

revelando el comportamiento del conductor en el transcurso de la actividad

laboral externa. A través de los sistemas “Automatic Vehicle Location”

disponibles en el mercado brasileño, es totalmente posible que el empleador

controle la asistencia, el cumplimiento de órdenes y la calidad del servicio del

empleado-conductor de carreteras con actividad eminentemente externa, por lo

que ya no se justifica la supresión del derecho a horas extraordinarias para esta

categoría de empleados bajo el fundamento de que se enmarca en el inciso I del

artículo 62 de la CLT (Consolidación de las Leyes del Trabajo), ley laboral

brasileña. Tenemos entonces que el cambio en el régimen de visibilidad generó

una mutación en la norma jurídica construida con base en el inciso I del artículo

62 de la CLT.

Palabras clave: tecnología; régimen de visibilidad; mutación normativa;

Automatic Vehicle Location; trabajo externo; horas extraordinarias.

VIII

LISTA DE SIGLAS

AVL - Automatic Vehicle Location

CF/88 - Constituição Federal de 1988

CLT - Consolidação das Leis dos Trabalho

CONTRAN - Conselho Nacional de Trânsito

DGPS - Differential Global Positioning System

GIS - Geographic Information System

GNSS - Global Navigation Satellite Systems

GPRS - General packet radio service

GSM - Global System for Mobile Communications ou Groupe Special Mobile

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IGS - International Geodynamics GPS Service

ITS - Inteligent Transportation Systems

LEO - Low Earth Orbit

OIT - Organização Internacional do Trabalho

RBMC - Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo

SCA - Sistemas de Control Ativo

SIG - Sistema de Informações Geográficas

TI - Tecnologia da Informação

TIC - Tecnologia da Informação e da Comunicação

IX

SUMÁRIO

Introdução

Capítulo I – Interpretação e mutação normativa

1 Norma jurídica. Conceito e estrutura

2 Interpretação jurídica. Conceito e características

2.1 Os princípios como valores condutores da interpretação jurídica

2.2 A interpretação constitucional e seus princípios

2.3 As peculiaridades da interpretação de enunciados de natureza trabalhista

2.3.1 O princípio do protecionismo

2.3.1.1 A regra in dubio pro operario

2.3.1.2 A regra da norma mais favorável ao trabalhador

2.3.1.3 A regra da condição mais benéfica ao trabalhador

2.4 A interpretação dos direitos fundamentais

2.4.1 Conceito e espécies de Direitos Fundamentais

2.4.2 As normas jurídicas de Direito do Trabalho como Direitos

Fundamentais de 2ª Geração

2.4.3 A interpretação dos enunciados prescritivos introdutores de Direitos

Fundamentais

3. A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale e o fenômeno da mutação

normativa

3.1 O ambiente temporal de desenvolvimento da Teoria Tridimensional do

Direito

3.2 As espécies de Tridimensionalidade do Direito

3.2.1 A Tridimensionalidade genérica e abstrata do Direito

3.2.2 A Tridimensionalidade específica

3.3 As características da Tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale

X

3.4 A “Eticidade” como reflexo da Teoria Tridimensional do Direito de

Miguel Reale

3.4.1 Análise semântica do termo “Eticidade”

3.4.2 A polissemia da palavra “Ética”

3.4.3 A definição de ética para Miguel Reale

3.4.3.1 Conduta e valor

3.4.3.2 Fins e categorias do agir

3.4.3.3 Momentos da conduta

3.4.3.4 Especificidade da conduta ética

3.4.3.5 Modalidades de conduta

3.4.4 O conceito e a aplicação de “Eticidade” em Miguel Reale

3.4.5 A Eticidade como instrumento de mutação normativa

4 Conclusões parciais

Capítulo II- O poder fiscalizatório do Empregador e as novas tecnologias de

vigilância

1 O Poder Empregatício

1.1 Conceito e características do Poder Empregatício

1.2 Natureza jurídica do Poder Empregatício

2 Espaço Ampliado. Conceito e características

3 O regime de visibilidade como “valor” e “fonte” de “mutação normativa”

4 Conclusões parciais

Capítulo III – Os sistemas “Automatic Vehicle Location”(AVL)

1 Os sistemas precursores do AVL

2 Conceito de AVL

XI

3 As partes componentes de um sistema AVL

3.1 Módulo “Banco de Dados de Mapa Digital”

3.2 Módulo de Posicionamento

3.2.1 Técnicas de posicionamento

3.2.1.1 GPS. Conceito e funcionamento

3.2.1.1.1 As observáveis GPS:características, erros e soluções

a) Erros relacionados aos satélites

b) Erros relacionados à propagação do sinal

c) Erros relacionados com o receptor e a antena

d) Erros e correções relacionados com a estação

3.2.1.1.2 Tipos de posicionamento

a) Posicionamento absoluto

b) Posicionamento relativo

c) Posicionamento diferencial

3.2.1.2 Outros sistemas globais de navegação por satélite

3.3 Módulo de “Planejamento de rota”

3.3.1 Conceitos de software e de hardware

3.3.2 Sistemática de um módulo de planejamento de rota

3.4 Módulo “Map Matching”

3.5 Módulo “Orientação de rota”

3.6 Módulo de “Comunicação sem fio”

3.6.1 Telemática. Conceito e desenvolvimento

3.6.1.1 Comunicação celular. Conceito, evolução e atual estado da

técnica

3.6.1.2 Comunicação através de satélite

3.7 Módulo de interface homem-máquina

3.8 Os sensores

XII

4 Espécies de sistemas AVL

4.1 Sistema AVL passivo

4.2 Sistema AVL ativo

4.3 Sistema AVL híbrido

5 Os equipamentos embarcados necessários ao funcionamento do sistema AVL

6 Características práticas dos sistemas “Automatic Vehicle Location”

6.1 Introdução

6.2 Perguntas a serem respondidas através da observação direta intensiva

6.3 Dados colhidos durante a operação

6.4 Das conclusões obtidas através da operação

7 Os sistemas AVL e o controle de paradas do veículo

Capítulo IV- A mutação normativa do artigo 62, I, da CLT em função

da mudança de regime de visibilidade

1 O contrato de trabalho e a jornada laboral

1.1 A Lei 12.619/12 e a jornada de trabalho do motorista rodoviário

2 Análise histórica do enunciado prescritivo constante do artigo 62 da CLT

3 A elasticidade semântica do enunciado contido no artigo 62, I, da CLT e

as hipóteses interpretativas

4 Da relação entre a norma jurídica oriunda do artigo 62, I, da CLT e os

Direitos Fundamentais contidos no artigo 7º, IX e XVI, da Constituição

Federal

5 Das hipóteses interpretativas do artigo 62, I, da CLT frente ao princípio

in dubio pro operario

XIII

6 Da natureza jurídica do poder empregatício e a interpretação do artigo

62, I, da CLT

7 Aplicação do princípio da unidade do Direito Positivo

7.1 Os “Valores Sociais do Trabalho” e a “Dignidade da Pessoa

Humana” como fundamentos da República Federativa do Brasil e,

consequentemente, das normas jurídicas vigentes

7.1.1 A Dignidade da Pessoa Humana

7.1.2 Os “Valores Sociais do Trabalho” e a “Valorização do

Trabalho Humano”

7.2 A inexistência de exceção constitucional expressa aos termos do

artigo 7º, XVI, da Constituição Federal além da hipótese do parágrafo

único do mesmo artigo 7º

8 O atual regime de visibilidade e a sua influência na interpretação do

inciso I do artigo 62 da CLT

9 A Lei 12.551/2011 e a incorporação expressa do novo regime de

visibilidade ao contrato de trabalho

9.1 A Convenção 177 da OIT e as normas internacionais de regulação do

trabalho à distância

9.2 A modificação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho

pela Lei 12.551/2011

a) Do enquadramento do “trabalho realizado à distância” dentre as

formas de prestação laboral na relação de emprego que se

equiparam

b) A introdução formal da tecnologia de transmissão de dados à

distância como instrumento de exercício do poder empregatício

10 Dos contornos constitucionais do princípio da livre iniciativa e do ônus

do Empregador (contratante de Empregados-Motoristas rodoviários de

atividade externa) de instalar sistemas AVL (Automatic Vehicle

Location) nos veículos de sua frota

Conclusão

XIV

Bibliografia

Apêndice

Apêndice A – Técnicas de posicionamento de objetos e pessoas

Apêndice B- Técnicas de calibração de antenas GPS

Apêndice C – Outros “Sistemas Globais de Navegação por Satélite”

Apêndice D – A evolução da técnica de comunicação celular

Apêndice E – Erros relacionados à propagação dos sinais no sistema GPS

Anexo

Anexo A - Resolução no. 330/2009 do CONTRAN

Anexo B - Resolução no. 111/2011 do CONTRAN

Índice

1

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como foco os efeitos dos sistemas AVL (do inglês

Automatic Vehicle Location), mais conhecidos no Brasil como sistemas de

rastreamento e de monitoramento de frotas de veículos, na aplicabilidade do disposto

no artigo 62, I, da CLT aos motoristas rodoviários que desempenham atividade

eminentemente externa. A pesquisa é realizada dentro dos contornos da ciência do

direito, buscando-se, no entanto, em outras áreas da ciência, em especial na física, na

geografia e na tecnologia da informação e da comunicação (TIC), subsídios capazes de

contribuir para a demonstração de que a evolução tecnológica, principalmente nos

sistemas de rastreamento via satélite, na telemática e nos softwares desenvolvidos para

gerenciamento de frotas de veículos, gerou modificação na aplicação da regra do

artigo 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) na atividade laboral dos

motoristas rodoviários.

Concentra-se a pesquisa no direito positivo brasileiro no momento atual,

início da segunda década do século XXI, em que a tecnologia da informação e da

comunicação (TIC) instrumentalizada pelos sistemas de posicionamento global e pelos

softwares de rastreamento e gerenciamento de frotas, constituindo os sistemas AVL,

transforma as formas de fiscalização e de controle das atividades externas realizadas

pelos motoristas rodoviários.

Mais especificamente, serão abordados os efeitos da atual tecnologia de

rastreamento e monitoramento de veículos (“Automatic Vehicle Location”) na relação

jurídica de emprego (entendida como espécie do gênero relação do trabalho e

correspondente à prestação de serviço subordinado por uma determinada pessoa, tendo

como características a habitualidade e a pessoalidade da prestação laboral, bem como a

onerosidade – fixada pela percepção de remuneração pelo empregado paga pelo

empregador-) do motorista rodoviário com prestação de serviço eminentemente

externa em relação à sede do empregador.

2

Não há na doutrina jurídica brasileira a produção de trabalho científico

debruçando-se especificamente sobre os efeitos dos sistemas AVL na compatibilização

do labor externo de motoristas rodoviários com controle de jornada, daí a originalidade

da pesquisa realizada. Acrescente-se que não há consenso na jurisprudência de nossos

Tribunais acerca da possibilidade de controle da jornada de trabalho de motoristas

rodoviários com atividades eminentemente externas através de sistemas AVL para fins

de enquadramento no artigo 62, I, da CLT, como se verifica, por exemplo, das ementas

de jurisprudência abaixo transcritas:

“MOTORISTA DE CARRETA - TRABALHO EXTERNO -

MONITORAMENTO VIA SATÉLITE (GPS) - HORAS EXTRAS

NÃO DEVIDAS. Via de regra, o motorista de carreta que realiza

trabalho externo não faz jus a horas extras, salvo quando demonstrado

o efetivo controle de sua jornada de trabalho pelo empregador. A

simples utilização de equipamento eletrônico de localização via

satélite pelo empregador não demonstra, por si só, a ocorrência de

controle de jornada, uma vez que não comprova o efetivo labor nos

períodos computados no equipamento, sendo que, no mesmo sentido,

a indicação de sua paralisação não pode ser entendida como descanso.

O localizador GPS visa a garantir a segurança do motorista, da carga

transportada e do veículo contra furtos e roubos, no caso de desvio de

rota, nesta época de tantos assaltos a caminhões e caminhoneiros.”

TRT da 3ª Região, processo 00056-2009-071-03-00-1 RO, 3ª Turma,

Rel. Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria, Rev. Bolívar Viégas

Peixoto, publicado em 21/09/2009

“HORAS EXTRAS. MOTORISTA CARRETEIRO. ART.62, I, DA

CLT. ATIVIDADE EXTERNA. FIXAÇÃO DE HORÁRIO. O art.

62, I, da CLT exclui do regime de duração do trabalho previsto no

Capítulo II os empregados que exercem atividade externa

incompatível com a fixação de horário. Na hipótese, o conjunto

probatório, sistema de monitoramento via satélite, não serve como

elemento a confirmar a fiscalização de horários mencionados pelo

reclamante, não estando enquadrado na exceção do artigo citado.

Recurso não provido.”

TRT da 4ª Região, Processo 0035600-91.2009.5.04.0661, 7ª Turma,

Rel. Beatriz Zoratto Sanvicente, publicado em 06/10/2010

3

“MOTORISTA DE CARRETA. TRABALHO EXTERNO.

SUJEIÇÃO A CONTROLE DE HORÁRIO. HORAS EXTRAS.

Jornada de trabalho do reclamante, ainda que externa, que era passível

de fiscalização pelo empregador, em razão do rastreamento dos

deslocamentos através de satélite, tacógrafo e controle de chegadas e

saídas. Norma inserta no artigo 62, inciso I, consolidado que não se

aplica ao caso. Recurso provido para acrescer à condenação o

pagamento horas extras, com reflexos.”

TRT da 4ª Região, 1ª Turma, Processo 0106600-89.2008.5.04.0402

(RO), Rel. Ana Luiza Heineck Kruse, participaram do julgamento

Ione Salin Gonçalves e André Reverbel Fernandes, julgamento em

09/09/2010

MOTORISTA. JORNADA EXTERNA CONTROLADA. Tendo o

Regional consignado que a empresa dispunha de mecanismos de

controle da jornada do Reclamante (relatórios de viagem para

posterior prestação de contas, rastreamento do veículo por GPS, além

de tacógrafo), não há como, ante o quadro fático delineado pelo

Regional, afastar a conclusão de que o Reclamante sofria controle

sobre sua jornada de trabalho, ainda que de forma indireta. Esta Corte

já definiu o exato alcance da OJ 332 da SBDI-1 do TST, ao afirmar,

por reiterados precedentes, que não se presume o controle de jornada

pelo simples uso do tacógrafo, desacompanhado de outros elementos,

mas que, evidenciada a presença de mecanismos indiretos de controle

aliados ao tacógrafo, considera-se compatível o controle de jornada

com a função de motorista carreteiro. Recurso de revista conhecido e

provido.

TST, RR - 2100940-76.2002.5.09.0006, Relator Ministro: Márcio

Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 10/11/2010, 8ª Turma,

Data de Publicação: 12/11/2010

No que tange ao problema, objetiva-se responder à seguinte pergunta: As

tecnologias GPS e de comunicação celular, juntamente com softwares de

gerenciamento de frota, constituindo sistemas AVL (Automatic Vehicle Location),

tornam “compatíveis com o controle de jornada” as atividades externas exercidas por

motoristas rodoviários, afastando dessas atividades o alcance da norma contida no

artigo 62, I, da CLT?

Para solução, levantam-se duas hipóteses, quais sejam:

a) Sim, o sistema de posicionamento global em combinação com comunicação celular

e softwares de gerenciamento de frota, constituindo sistemas AVL, torna “compatíveis

4

com o controle de jornada” as atividades externas exercidas por motoristas

rodoviários, afastando dessas atividades o alcance da norma contida no artigo 62, I, da

CLT. A “compatibilidade com controle de jornada” não exige a presença física do

empregado aos olhos do Empregador ou preposto seu, mas tão somente a existência de

mecanismo que confira ao Empregador a certeza do efetivo exercício da atividade

laboral pelo Empregado durante um determinado período de tempo, sendo capaz de se

fixarem os momentos de inicio e de término diários das atividades realizadas, bem

como os eventuais intervalos realizados. A circunstância desse mecanismo se basear

em dados transmitidos via web (rede mundial de computadores) não afasta a sua

idoneidade, a certeza de veracidade das informações apresentadas.

b) Não, o sistema de posicionamento global em combinação com comunicação celular

e softwares de gerenciamento de frota, constituindo sistemas AVL, não torna

“compatíveis com o controle de jornada” as atividades externas exercidas por

motoristas rodoviários, não afastando dessas atividades o alcance da norma contida no

artigo 62, I, da CLT. Para que haja compatibilidade com controle de jornada e o não

enquadramento da atividade laboral externa exercida pelos motoristas rodoviários,

necessário é que haja a presença física (perceptível a olho nu) do Empregado no

transcorrer da jornada laboral diária, permitindo-se física, naturalmente a constatação

da presença do Empregado no transcurso da jornada laboral, o que não é oferecido

pelo sistema de posicionamento global em combinação com softwares de rastreamento

de frota, limitando-se referido sistema à apresentação ao Empregador de imagem ou

dados virtuais acerca dos momentos de inicio e de término diários das atividades

realizadas, bem como os eventuais intervalos realizados.

Buscamos demonstrar a veracidade da hipótese “a” acima apontada,

apresentando argumentos jurídicos capazes de convencer o leitor, desenvolvendo

raciocínio científico organizado nos seguintes pontos:

- No Capítulo I apresentaremos as bases necessárias ao procedimento de interpretação

do artigo 62, I, da CLT, partindo dos conceitos de norma jurídica e interpretação

5

jurídica e alcançando temas como os princípios informativos da hermenêutica jurídica,

a influência do “valor” na construção da norma jurídica frente aos termos da Teoria

Tridimensional do Direito e, finalmente, o conceito de mutação normativa.

- No capítulo II, abordaremos os efeitos das inovações tecnológicas no Direito, mais

especificamente dissertando como as inovações tecnológicas, modificando a realidade

que é normatizada pelo direito, influenciam a construção da norma jurídica, seja na

produção legislativa, seja na interpretação dos textos legislativos já postos, como

também no exercício do poder empregatício;

- No capítulo III, introduziremos conhecimentos a respeito do sistema “AVL”

(Automatic Vehicle Location), apresentando o seu conceito, as suas espécies,

abordando cada uma das tecnologias (sistema GPS, comunicação celular e softwares

de gerenciamento de frota) que, juntas, permitem a existência do AVL na forma como

se encontra atualmente, e apresentando os principais sistema AVL disponíveis no

mercado brasileiro. Também nesse capítulo, apresentaremos pesquisa destinada a

demonstrar, na prática, o funcionamento dos sistemas AVL, objetivando, por fim,

responder às seguintes perguntas: O sistema permite, de forma fidedigna e precisa, a

localização, a qualquer momento, do veículo monitorado com o efetivo controle do

cumprimento de rota pré-determinada? O sistema viabiliza a verificação da identidade

do condutor em quaisquer dos momentos da operação? O sistema permite ao gestor do

sistema manter comunicação com o condutor objetivando a transmissão de ordens? O

sistema possibilita, de forma objetiva, a verificação do cumprimento das ordens

impostas pelo gestor do sistema ao condutor do veículo?

- Finalmente, será, no capítulo IV, abordado o conteúdo do inciso I do artigo 62 da

CLT, buscando-se as suas diversas possibilidades interpretativas, constituindo um

leque de hipóteses interpretativas que serão confrontadas com as características do

labor do empregado motorista rodoviário e a possibilidade de controle da jornada de

6

trabalho através de sistemas AVL quando, então, encontraremos resposta ao problema

central levantado na presente tese.

Em razão dos limites fixados à presente pesquisa entendemos como

dispensável, para o alcance da solução do problema apresentado, a abordagem

alimentada pelo direito comparado, não se justificando a simples inclusão de tal

abordagem pelo simples caráter de curiosidade não vinculado à efetiva solução do

problema objeto da pesquisa.

Verdadeiro é que a literatura nacional é bastante diminuta em relação à

abordagem técnica das evoluções tecnológicas que servem de base de análise desta

tese, daí a necessidade de se ter buscado obras estrangeiras em especial descritivas de

sistemas GPS e de sistemas AVL. Tal situação se explica pelo fato de tais sistemas,

apesar de já existentes há décadas em países evoluídos, como nos Estados Unidos da

América, somente no início dos anos 2000 passaram a ser utilizados no Brasil, sempre

baseados em tecnologias desenvolvidas por países estrangeiros. É de se exemplificar

com o fato de que, já em 1981, Edward Skomal publicava, nos Estados Unidos da

América, obra intitulada “Automatic Vehicle Location Systems” tratando da

composição dos sistemas AVL, ainda que à época indisponível fosse, à comunidade

em geral, a tecnologia GPS (que revolucionou a funcionalidade de tais sistemas). Em

1997, Zhao Yilin publicava na Inglaterra a obra “Vehicle Location and Navigation

System”, tratando do tema AVL pormenorizadamente, inclusive sob o manto da

tecnologia “Global Positioning System”(GPS). No Brasil, da pesquisa bibliográfica

realizada, verificou-se que somente em 2009 fora publicada obra que tratasse do tema,

o que foi feito por Alfredo Pereira de Queiroz Filho, Carlos Eduardo Cugnasca e

Marcos Rodrigues com a obra Rastreamento de Veículos1.

1 RODRIGUES. Marcos et alli. Rastreamento de Veículos. São Paulo: Editora Oficina de Textos, 2009.

7

Capítulo I – INTERPRETAÇÃO E MUTAÇÃO NORMATIVA

A mutação normativa é fenômeno jurídico produto da interpretação

jurídica. A compreensão de como a interpretação jurídica é capaz de produzir a

mutação normativa e, mais especificamente, o processo que consolida a modificação

normativa do artigo 62, I, da CLT frente às novas técnicas de vigilância permitidas

pelo atual estado das tecnologias de rastreamento de objetos e pessoas, e de

transmissão de dados, que é o efetivo objeto desta tese, impõe prévias reflexões a

respeito não só da estrutura das normas jurídicas, como também em relação ao

conteúdo da interpretação jurídica e a relação entre a “eticidade”, procedimento

inerente à visão fenomenológica do Direito sob o enfoque da Teoria Tridimensional do

Direito de Miguel Reale, e a modificação do conteúdo da norma jurídica sem a

alteração do seu respectivo enunciado prescritivo (texto de lei).

1 Norma jurídica. Conceito e Estrutura

Num Estado dirigido pelo princípio da legalidade (inciso II do art. 5º da

Constituição Federal), realiza-se o Direito quando se aplica, a um caso concreto, uma

norma jurídica, que é produto de interpretação de enunciados prescritivos,

interpretação essa que leva em consideração os valores adotados pela sociedade e

busca a justiça para o caso concreto.

Isto é, no processo de realização do Direito (experiência jurídica) em sua

concretude, têm-se alguns fatores que devem ser harmonizados. Esses fatores devem

ser analisados frente ao fato do Brasil ser, declaradamente, conforme artigo 1º da

Constituição Federal de 1988, um “Estado Democrático de Direito”, classe essa de

Estado que possui nuances específicas que interferem diretamente na composição e na

harmonização dos fatores que instrumentalizam o Direito. Para tal demonstração,

apresentamos o conceito e as características do Estado Democrático de Direito no

Brasil através do magistério de José Afonso da Silva:

8

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa

apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e

Estado de direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito

novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes,

mas os supera na medida em que incorpora um componente

revolucionário de transformação do status quo2.

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser

um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e

solidária (art. 3º, II), em que o poder emana do povo, que deve ser

exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes

eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a

participação crescente do povo no processo decisório e na formação

dos atos de governo pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias,

culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e

pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas

de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um

processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que

não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos

individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de

condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício3.

Dessas palavras podemos extrair que o papel do “Estado Democrático de

Direito” é a preservação da convivência social (possibilitar a vida harmoniosa em

sociedade), numa sociedade livre (não oprimida, livre para cultuar os seus valores) e

justa (como realização da justiça vista na forma exposta por Alcides Telles Júnior

como “adaptação recíproca da pluralidade dos entes, sua conexão e harmonia”4).

O papel da lei no Estado Democrático de Direito também é enfocado por

José Afonso da Silva:

O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado

Democrático de Direito. É da essência de seu conceito subordinar-se à

Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como

todo Estado de direito, ao império da lei, mas da lei que realize o

princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela

busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Deve,

pois, ser destacada a relevância da lei no Estado Democrático de

Direito, não apenas quanto ao seu conceito, forma de ato jurídico

abstrato, geral, obrigatório e modificativo da ordem jurídica existente,

mas também à sua função de regulamentação fundamental, produzida

segundo um procedimento constitucional qualificado. A lei é

efetivamente o ato oficial de maior realce na vida política. Ato de

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p.108.

3 Ibidem, p.108.

4 TELLES JÚNIOR, Alcides. Discurso, Linguagem e Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 33.

9

decisão política por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da

atuação da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver

social modos predeterminados de conduta, de maneira que os

membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na

realização de seus interesses.5

O instrumento de formação da norma jurídica é exatamente a interpretação,

vista como procedimento de obtenção da significação de um determinado enunciado

prescritivo, a partir da interação entre o instrumento de observação (o texto legal) e a

coisa observada (a situação fática concreta, com todas as suas peculiaridades), tendo

como finalidade a prática do Direito.

A interpretação jurídica é verdadeiro ato de enunciação6, nos moldes

expostos por José Luiz Fiorin7, que realiza a função de harmonizar os instrumentos de

realização do direito em determinado caso concreto, tendo como seu produto

(enunciado) a norma jurídica.

A norma jurídica é o resultado de um processo de harmonização de

fatores(interpretação) e que essa harmonização, para a construção da norma jurídica, é

feita levando em consideração, inclusive, as características do caso concreto em

análise. Isto é, o caso concreto assume um duplo papel passivo, um primeiro de

incidência de valores sociais e da justiça para efeito do alcance da norma jurídica e um

segundo, posterior, de incidência da própria norma jurídica, regulando o

comportamento. Nesse sentido, transcreve-se o magistério de Celso Ribeiro Bastos:

Distinguem-se, claramente, no processo de efetivação da norma

jurídica, dois momentos distintos. Num primeiro momento, tem-se a

seleção da norma aplicável ao caso, dentre as várias potencialmente

incidentes. Num segundo momento, há então sua efetiva aplicação.

5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 110.

6 Enunciação é o ato de enunciar, que é a enunciação, é a “colocação do homem na história”, isto é,

temporalizar, especializar e actorizar a linguagem (tempo, espaço e ator como categorias enunciativas) ou, como ensina Benviste, citado por Fiorin, a enunciação é essa colocação em funcionamento da língua por um ato individual de utilização, é o ato de produzir enunciado, “é a instância de mediação, que assegura a discursivização da língua, que permite a passagem da competência à performance, das estruturas semióticas virtuais às estruturas realizadas sob a forma de discurso”. Conforme FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. As categorias de pessoa, espaço e tempo. 2ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1998, p. 31. 7 FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. As categorias de pessoa, espaço e tempo. 2ª edição. São Paulo:

Editora Ática, 1998, p. 31.

10

Contudo, antes desta... é necessário interpretar a regra. E, também, no

processo de seleção da norma aplicável, há um processo

interpretativo, ainda que não seja “exauriente”.8

Passamos, agora, a nos atentar ao processo de incidência da norma jurídica

ao caso concreto, especificamente no sentido de se investigar a estrutura interna da

norma jurídica. Afinal, de que forma a norma jurídica incide ao caso concreto?

Através da implicação existente entre o antecedente e o consequente dessa norma, que

é bem analisada por Lourival Vilanova:

O revestimento verbal das normas jurídicas positivas não obedece a

uma forma padrão. Vertem-se nas peculiaridades de cada idioma e em

estruturas gramaticais variadas. Geralmente, usam o indicativo-

presente ou indicativo-futuro, modo verbal esse que oculta o verbo

propriamente deôntico. O dever-ser transparece no verbo ser

acompanhado de adjetivo participial: “está obrigado”, “está facultado

ou permitido”, “está proibido”(sem falar em outros verbos, como

“poder” no presente ou futuro do indicativo), Transparece, mas não

aparece com evidência normal. É preciso reduzir às últimas

modalidades verbas à estrutura formalizada de linguagem lógica para

se obter a fórmula “se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S’”,

deve fazer ou deve omitir ou poder fazer ou omitir conduta C ante

outro sujeito S’’’, que representa o primeiro membro da proposição

jurídica completa.

Como se vê, no interior desta fórmula, destacamos a hipótese e a tese

(ou o pressuposto e a consequência). A estrutura interna desse

primeiro membro da proposição jurídica articula-se em forma lógica

de implicação: a hipótese implica a tese ou o antecedente (em sentido

formal) implica o consequente. A hipótese é o descritor de possível

situação fática do mundo (natural ou social, inclusive), cuja ocorrência

na realidade verifica o descrito na hipótese. Não cabe (...) interpretar a

hipótese como proposição prescritiva(“se alguém morre, deve ser a

sucessão de seus bens”: nada se prescreve na hipótese). É descritiva,

mas sem valor veritativo. Quer dizer, verificado o fato jurídico, no

suporte fático, ou não verificado, a hipótese não adquire valor-de-

verdade. Mas a hipótese da proposição normativa do Direito tem um

valer específico: vale, tem validade jurídica, foi posta consoante

processo previsto no interior do sistema jurídico. (...) Diremos: o

deôntico não reside na hipótese como tal, mas no vínculo entre a

hipótese e a tese. Deve ser o vínculo implicacional. Em outro giro:

deve ser a implicação entre hipótese e tese.9

8 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editor:

Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 46. 9 VILLANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p.

95-96 .

11

Assim, temos que, após a interpretação, encontramos uma estrutura lógica

(que é a própria norma jurídica) composta de dois fragmentos, o antecedente – que

descreve uma situação de fato permitida, proibida ou obrigatória – e o consequente –

que impõe determinado comportamento ou efeito jurídico – sendo que ambos os

fragmentos estão unidos por uma relação de implicação (se acontecer o antecedente,

então deve ser o consequente) gerada pelo modal deôntico genérico “deve ser”. No

interior do consequente (tese) temos a incidência de modal deôntico específico, que

pode ser “é proibido”(V), é “obrigatório”(O) e “é permitido”(P).

Há, assim, esquematicamente, a seguinte estrutura primária:

“D( h c)”10

Chama-se de “estrutura primária” em razão da existência de uma “estrutura

secundária” da norma jurídica, sobre a qual apresentamos as palavras de Villanova:

Seguimos a teoria da estrutura dual da norma jurídica: consta de duas

partes, que se denominam norma primária e norma secundária.

Naquela, estatuem-se as relações deônticas direitos/deveres, como

conseqüência da verificação de pressupostos, fixados na proposição

descritiva de situações fáticas ou situações já juridicamente

qualificadas; nesta, preceituam-se as conseqüências sancionatórias, no

pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante

da conduta juridicamente devida.

(...) O Direito-norma, em sua integralidade constitutiva,

compõe-se de duas partes. Denominemos, em sentido inverso do da

teoria kelseniana, norma primária a que estatui

direitos/deveres(sentido amplo) e norma secundária a que vem em

conseqüência da inobservância da conduta devida, justamente para

sancionar seu inadimplemento (impô-la coativamente ou dar-lhe

conduta substitutiva reparadora). As denominações adjetivas

“primária” e “secundária” não exprimem relações de ordem temporal

ou causal, mas de antecedente lógico para consequente lógico.”11

10

Tal que “D” simboliza o modal deôntico genérico “Deve ser”, “H” a hipótese, “C” o conseqüente e “ ” o conector lógico condicional (que, na linguagem não formalizada, significa “se...., então....”. 11

VILLANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 111-112.

12

Finalizando a análise da norma jurídica como “estrutura lógica”,

apresentamos a “fórmula” completa da norma jurídica (primária mais secundária):

“D|{- [D( h c)]12

} -> s13

|”.

O que pretendemos com essa exposição é formar a estrutura conceitual

necessária para o estudo de como a interpretação é capaz de, sem alteração necessária

da estrutura do enunciado prescritivo (texto de lei), realizar a modificação da norma

jurídica, dando origem ao fenômeno da mutação normativa.

2. Interpretação Jurídica. Conceito e Características

Primeiramente, partimos da premissa de que a interpretação não deve ser

realizada tendo como base a visão de Direito como algo abstrato e exclusivamente

sistêmico, como vem sendo feito por grande parte da comunidade jurídica brasileira,

debruçando-se numa normatividade abstrata que gera prejuízos não só ao próprio

Direito, que acaba não cumprindo o seu desiderato, como também, e principalmente, à

sociedade, que não vê o Estado cumprindo o seu papel de “construir uma sociedade

livre, justa e solidária”, com a promoção do “bem de todos” (incisos I e IV do art. 3º

da Constituição Federal). Nesse sentido, importante a transcrição de reflexão realizada

por Lenio Luiz Streck:

Como saber “operacional”, domina no âmbito do campo jurídico o

modelo assentado na idéia de que o processo interpretativo possibilita

que o sujeito (a partir da certeza-de-si-do-pensamento-pensante,

enfim, da subjetividade instauradora do mundo) alcance a

“interpretação correta”, o “exato sentido da norma”, “ o exclusivo

conteúdo/sentido da lei”, “o verdadeiro significado do vocábulo”, “o

real sentido da regra jurídica” etc. Pode-se dizer que o pensamento

dogmático do Direito acredita na possibilidade de que o intérprete

extrai o sentido da norma, como se estivesse contido na própria

norma, enfim, como se fosse possível extrair o sentido-em-si-mesmo.

12

Tal que “D” simboliza o modal deôntico genérico “Deve ser”, “H” a hipótese, “C” o conseqüente e “ ” o conector lógico condicional (que, na linguagem não formalizada, significa “se...., então....”. 13

Tal que “s” simboliza a norma secundária, de conteúdo sancionatório pelo não cumprimento da norma primária, o “-“ simboliza “não”, isto é, o não cumprimento da norma primária “D(h->c)”, o primeiro “D” simboliza o modal deôntico genérico (Deve-ser) que implica o não cumprimento da norma primária à norma secundária.

13

Trabalha, pois, com os textos no plano meramente epistemológico,

olvidando o processo ontológico da compreensão.

(...) é possível afirmar que, explícita ou implicitamente, parcela

expressiva da doutrina brasileira sofre influência da hermenêutica de

cunho objetivista de Emilio Betti, baseada na forma metódica e

disciplinada da compreensão, onde a própria interpretação é fruto de

um processo triplo que parte de uma abordagem objetivo-idealista.

Com isso, a interpretação é um processo reprodutivo, pelo fato de

interiorizar e traduzir para a sua própria linguagem objetificações da

mente, através de uma realidade que é análoga à que originou uma

forma significativa. Assim, a atribuição de sentido e a interpretação

são tratadas separadamente, pois Betti acredita que só isso vai garantir

a objetividade dos resultados da interpretação.14

Nesse ponto da investigação, procuramos responder à pergunta “O que é a

interpretação jurídica?”, no sentido de conhecermos o objeto de nosso estudo, sendo

que um trabalho que aborde a análise de um caso concreto de interpretação não

poderia ser satisfatoriamente desenvolvido sem que, preliminarmente, tivéssemos a

noção do que significa “interpretação jurídica”.

Interessantíssimo que o estudo da interpretação ainda seja tão exíguo na

ciência do Direito. Todos interpretam as leis ou até mesmo a Constituição, mas

pouquíssimos são capazes de afirmar, com bases sólidas, qual o procedimento por eles

utilizado, qual fora a finalidade do procedimento interpretativo e o que se perseguiu

com o trabalho interpretativo. E mais, no trabalho interpretativo, em raras

oportunidades há a reflexão do papel da interpretação na realização do Direito.

A questão que se coloca é: em que incide a interpretação, sobre que objeto

incide o trabalho interpretativo? Interpreta-se o “Direito” ou interpretam-se

“enunciados prescritivos” (entendendo-se “enunciados” como “produto da atividade

psicofísica de enunciação, que se apresenta como um conjunto de fonemas ou de

grafonemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma,

consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo

destinatário”15

). Importante, neste ponto, distinguirmos o Direito e as Leis (enunciados

14

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.48.

15

CARVALHO, Paulo de Barros. Apostila do curso “Filosofia do Direito I. Lógica Jurídica”, lecionado no Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, capítulo II, p. 13.

14

prescritivos) e, com tal objetivo, transcrevemos trechos das lições de Friederich

August Von Hayek:

O Direito, no sentido de normas de conduta aplicadas, é

indubitavelmente tão antigo quanto a sociedade; só a observância de

normas comuns torna possível a existência pacífica de indivíduos em

sociedade. Muito antes que o homem desenvolvesse a linguagem ao

ponto de esta lhe permitir enunciar determinações gerais, um

indivíduo só seria aceito como membro de um grupo na medida em

que se conformasse às suas normas.16

(...) para o homem moderno, por outro lado, a idéia de que toda lei

que governa a ação humana é produto de legislação parece tão óbvia,

que a afirmação de que o Direito é mais antigo que a legislação se lhe

afigura quase paradoxal. No entanto, não pode haver dúvida de que

existiam leis séculos antes de ocorrer ao homem que ele podia fazê-las

ou alterá-las. A idéia de que era capaz disso praticamente não surgiu

antes da era clássica grega; posteriormente desapareceu, ressurgindo

no final da Idade Média, quando gradualmente obteve aceitação mais

geral.17

Se o Direito e a Lei (vista essa num sentido lato, como “enunciado

prescritivo”) não mantêm entre si uma relação de identidade, não podemos deixar de

reconhecer que a “Lei” é adotada pelo sistema jurídico pátrio como o principal

instrumento de prática do Direito, conforme o princípio da legalidade, previsto no

inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, in verbis: “ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.

Assim, desde já fixamos a premissa de que se interpretam os enunciados

prescritivos (leis) e não o Direito!

Se fixamos o objeto sobre o qual incide a interpretação, é importante

traçarmos mais alguns pontos a respeito desses enunciados prescritivos, buscando

sabedoria no magistério de José Luiz Fiorin, para quem:

O primeiro sentido de enunciação é o de ato produtor do enunciado.

Benviste diz que “a enunciação é essa colocação em funcionamento da

língua por um ato individual de utilização”. Ascombre e Ducrot

afirmam que “A enunciação será para nós a atividade linguageira

16

HAYEK, Friederich August Von. Direito, Legislação e Liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. São Paulo: Visão, s.d., p. 93.

17

Idem.

15

exercida por aquele que fala no momento que fala. Se a enunciação é a

instância constitutiva do enunciado, ela é a “instância linguística

logicamente pressuposta pela própria existência do enunciado (que

comporta seus traços e suas marcas” (...) O enunciado, por oposição à

enunciação, deve ser concebido como o “estado que ela resulta,

independentemente de suas dimensões sintagmáticas”...

Considerando dessa forma enunciação e enunciado, este comporta

frequentemente elementos que remetem à instância de enunciação: de

um lado, prenomes pessoais, demonstrativos, possessivos, adjetivos e

advérbios apreciativos, dêiticos espaciais e temporais – em síntese,

elementos cuja eliminação produz os chamados textos enuncivos, isto

é, sem nenhuma marca de enunciação; de outro lado, termos que

descrevem a enunciação, enunciados e reportados no enunciado...18

Aplicando os ensinamentos de Fiorin para o nosso objeto de estudo,

necessário termos o conhecimento da existência de um fenômeno de produção

linguística denominado “enunciação”, em que determinado indivíduo através de

trabalho intelectual e físico produz, sob a forma escrita ou falada, enunciados, que são,

em realidade, além de, por óbvio, produtos da enunciação, um conjunto de

signos(fonemas ou grafonemas) que, dispostos sob uma determinada forma (sintaxe),

são capazes de gerar significados (semântica), criando uma mensagem.

Ainda aproveitando as lições do renomado linguísta, o enunciado, sob o

ponto de vista daquele que o recebe (o intérprete), é o suporte físico, do qual se extrai

o significado e a significação com o fim de se obter a mensagem. Sobre a relação entre

suporte físico, significado e significação, transcrevem-se as palavras de Paulo de

Barros Carvalho:

O falar em linguagem remete o pensamento, forçosamente, para o

sentido de outro vocábulo: signo. Como unidade de um sistema que

permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o

status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um

significado e a uma significação, para aplicarmos a terminologia

husserliana. O suporte físico, da linguagem idiomática, é a palavra

falada (ondas sonoras, que são matéria, provocadas pela

movimentação de nossas cordas vocais, no aparelho fonético) ou a

palavra escrita (depósito de tinta no papel ou de giz na lousa). Esse

18

FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1998, p. 36.

16

dado, que integra a relação sígnica, como o próprio nome indica, tem

natureza física, material. Refere-se a algo do mundo exterior ou

interior, de existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é

seu significado; e suscita em nossa mente uma noção, ideia ou

conceito, que chamamos de significação.19

Isto é, através do contato do receptor20

com o enunciado (código utilizado)

se é capaz de extrair um significado (a “coisa”, de existência concreta ou imaginária, a

que se vincula o signo utilizado no enunciado) e uma significação (que é o conceito, a

noção que é suscitada na mente do receptor da mensagem – intérprete).

Do que já foi apresentado, percebe-se que começamos a tocar na

interpretação através da análise dos signos, do significado e da significação. E nesse

ponto, indaga-se: a interpretação é um ato produtor ou meramente um ato reprodutor?

Ou, utilizando-nos dos termos de Roman Jakobson, a interpretação se identifica com a

“tradução” ou é um fenômeno próprio que, a partir de um enunciado, produz novos

enunciados dirigidos a um determinado fim, no caso, a prática do Direito?

Nicola Abbagnano apresenta dois momentos do significado do termo

“interpretação”, um ligado à “Escolástica Latina”, sob a influência dos ensinamentos

de Aristóteles, e outro vinculado à “Semiótica Americana”, da seguinte forma:

Aristóteles denominou I.21

o livro em que estudou a relação entre os

signos linguísticos e os pensamentos e entre os pensamentos e as

coisas. Ele de fato considerava as palavras como “sinais de afeição da

alma, que são as mesmas para todos e constituem as imagens dos

objetos que são idênticos para todos”, considerando ademais como

sujeito ativo dessa referência a alma ou o intelecto.

Boécio, graças a quem essa doutrina passou para a Escolástica

Latina, entendia por I. os substantivos, os verbos e as preposições, e

excluindo as conjunções, as proposições e em geral os termos

gramaticais, que não significam nada por si mesmos. Para ele,

referência do signo ao que ele designa era o essencial da

interpretação...

Conquanto não falte hoje quem considera a I. um processo mental

(...), a semiótica americana apresentou outra doutrina fundamental da

19

CARVALHO, Paulo de Barros. Apostila do curso “Filosofia do Direito I. Lógica Jurídica”, lecionado no Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, capítulo II, p. 12.

20

Estamos utilizando os termos apresentados por Roman Jakobson (em sua obra Linguística e Comunicação, p. 19) como fatores fundamentais da comunicação linguística com seus 4(quatro) elementos: o emissor, o receptor, o tema da mensagem e o código utilizado. 21

Abreviatura de “Interpretação”. Nota nossa.

17

I., que toma como base o comportamento. Os pressupostos dessa

doutrina são encontrados na obra de Pierce, que entendeu a I. como

um processo triádico que se dá entre um signo, seu objeto e seu

interpretante, constituindo este último a relação entre o primeiro e o

segundo termo...22

Nessa maturação de raciocínio, importante a transcrição do pensamento do

linguista russo Roman Jakobson, que diferencia “interpretação” de “tradução”:

É claro que os interpretarei e não serei uma máquina de tradução

que, como o mostrou de modo excelente nosso amigo Y.Bar-Hillel,

não compreende e por conseguinte traduz literalmente. Desde que haja

interpretação, emerge o princípio da complementariedade,

promovendo a interação do instrumento de observação e da coisa

observada.23

Da lição acima, conclui-se claramente que a interpretação, no sentido que se

deve adotar para o Direito (que tem como objeto os comportamentos humanos

intersubjetivos) não é uma mera tradução, não é uma mera enunciação que apresenta,

com signos diversos, o mesmo significado do texto interpretado, mas é um processo

que contém não só a apreensão do significação do enunciado analisado, mas que

possui o efetivo caráter de “complementariedade”, promovendo a adequação do

significado do enunciado ao objeto sob o prisma do qual é procedida à interpretação.

Ora, se desde que haja interpretação, emerge o princípio da

complementariedade, não é difícil afirmar, com convicção, que o resultado da

interpretação não se prende ao exato significado do enunciado analisado, mas,

promovendo a interação do instrumento de observação e da coisa observada, expande

os seus horizontes a uma finalidade, dirigida à coisa que será o “foco” da

interpretação.

Já sob o enfoque eminentemente jurídico, Luís Roberto Barroso afirma que

a interpretação é atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de

uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir num caso concreto. Tal conceito de

interpretação jurídica apresentado por Barroso é feito sob um contexto em que a

“hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especulativo, cujo objeto é a formulação,

o estudo e a sistematização dos princípios e das regras de interpretação do direito” e a

22

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 579. 23

JAKOBSON, Nicolla. Linguística e Comunicação. 24ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2001, p. 19.

18

“aplicação da norma jurídica” é o momento final do processo interpretativo, é a sua

concretização pela efetiva incidência do preceito sobre a realidade de fato24

.

Das simples, porém relevantes, palavras de Barroso, atentamo-nos para a

finalidade da interpretação no Direito, que é fazer incidir num caso concreto a norma

jurídica. Assim, se a interpretação atua promovendo a interação do instrumento de

observação e da coisa observada, temos que, para o direito, o “instrumento de

observação” é o enunciado prescritivo e a “coisa observada” é o caso concreto sob

análise jurídica.

Do todo exposto, concluímos, como nosso conceito de “interpretação

jurídica”, o procedimento de obtenção da significação de um determinado enunciado

prescritivo, a partir da interação entre o instrumento de observação (o texto legal) e a

coisa observada (a situação fática concreta, com todas as suas peculiaridades), tendo

como finalidade a prática do Direito. Dessa forma, uma interpretação de enunciado

prescritivo não deve ser afastar jamais da realidade concreta para a qual é realizada,

isto é, a interpretação, sob o enfoque que ora analisamos, é uma atividade

eminentemente construtiva e re-construtiva25

, o que pode ser constatado da transcrição

abaixo dos ensinamentos de Alexandre de Moraes que, apesar de se referir à

interpretação constitucional, pode ser estendida à interpretação de qualquer norma

jurídica:

A Constituição Federal há de ser sempre interpretada, pois somente

por meio da conjugação da letra do texto com as características

históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor

sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade

sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.26

24

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 107.

25

A característica de “reconstrução” é encontrada na interpretação nas oportunidades em que a modificação dos fatos normados ou até mesmo a modificação dos valores sociais incidentes sobre os fatos normados pode levar à modificação do conteúdo da norma jurídica (modificação frente à uma significação anterior que compunha a norma jurídica), o que se caracteriza como mutação normativa. 26

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 15.

19

2.1. Os princípios como valores condutores da interpretação jurídica

Os princípios são valores, ideias centrais de um sistema, que lhe dão sentido

lógico, harmônico, racional, permitindo a compreensão do modo de organizar-se do

sistema27

, são regras-mestras dentro do sistema positivo, que identificam as estruturas

básicas, os fundamentos e os alicerces desse sistema28

, iluminando a compreensão de

setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade e servindo, em virtude dessa

mesma unidade, de fator de agregação das normas integrantes dos respectivos setores

normativos29

. Ou, como descreve Miguel Reale, são verdades fundantes de um sistema

de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido

comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto

é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e da praxis30

.

Ensina Mauricio Godinho Delgado que os princípios podem ser comuns a

todo o fenômeno jurídico ou especiais a um ou alguns dos segmentos particularizados

do fenômeno jurídico, sendo construídos a partir de certa realidade, direcionando a

compreensão da realidade examinada, atuando no processo de exame sistemático

acerca de certa realidade – processo que é típico das ciências – conduzindo tal

processo31

.

Explorando mais profundamente as funções dos princípios frente ao sistema

jurídico, tem-se a atuação dos mesmos não só na construção dos enunciados

prescritivos (textos legais), atuando, pois, na fase pré-jurídica, de natureza

eminentemente política, como também na fase jurídica propriamente dita,

desempenhando função interpretativa (também denominada descritiva ou

informativa), função normativa subsidiária (atuando como fontes normativas frente à

27

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 137. 28

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 59.

29

CONRADO, Paulo César. Introdução à Teoria Geral do Processo. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 25. 30

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 299. 31

DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 14-15.

20

ausência de outras regras jurídicas utilizáveis pelo intérprete e aplicador do Direito

Positivo frente a um determinado caso concreto) ou função normativa concorrente

(inerente aos princípios essenciais do sistema jurídico, com status até mesmo

prevalecente sobre o papel normativo característico das demais normas jurídicas)32

.

No que se refere à função interpretativa, que é de mais importante análise

no presente momento de construção desta tese, Maurício Godinho Delgado ensina que:

A mais comum e recorrente dessas funções é a descritiva ou

interpretativa (ou, ainda, informativa), atada ao processo de revelação

e compreensão do próprio direito.

De fato, os princípios atuam, na fase jurídica, contínua e

incessantemente, como proposições ideais propiciadoras de uma

direção coerente na interpretação da regra de direito. São veios

iluminadores à compreensão da regra jurídica construída.

Os princípios cumprem, aqui, sem dúvida, sua função mais clássica e

recorrente, como veículo de auxílio à intepretação. Nesse papel,

contribuem no processo de compreensão da regra, balizando-a à

essência do conjunto do sistema jurídico. São chamados princípios

descritivos ou informativos (ou interpretativos), à medida que

propiciam uma leitura reveladora das direções essenciais da ordem

jurídica analisada. Os princípios informativos ou descritivos não

atuam, pois, como fonte formal do Direito, mas como instrumental de

auxílio à interpretação jurídica.33

É de se concluir que, uma vez realizada a técnica gramatical de

interpretação, extraindo-se as várias possibilidades semânticas do texto legal

(enunciado prescritivo) sob procedimento interpretativo, os princípios atuarão como

meio de seleção das hipóteses interpretativas que se compatibilizem não só com os

valores incidentes sobre o Direito Positivo como um todo (dentre eles, principalmente,

os valores constitucionais), como também os valores incidentes sobre o setor

normativo específico (como, por exemplo, o Direito do Trabalho) em que esteja

inserido o texto legal em interpretação, oferecendo efetiva unidade ao sistema jurídico,

como destacado por Maria Helena Diniz:

32

DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 17-18.

33

Ibidem, p. 17.

21

O rigor científico requer que o jurista, ao estudar e ao interpretar

normas, estabeleça um entrelaçamento entre elas, de tal sorte que haja

unidade e coerência lógica do sistema normativo por ele criado

epistemologicamente.

O sistema apresentará unidade se as várias normas forem conformes

à norma-origem (Constituição); consequentemente haverá uma

coerência, ante a impossibilidade lógica de existirem preceitos infra-

constitucionais antagônicos à Lei Maior. Isto é assim pelo critério

hierárquico (lex superior derrogat legi inferior), baseado na

superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra. O

princípio lex superior quer dizer que, num conflito entre normas de

diferentes níveis, a de escalão mais alto, qualquer que seja a ordem

cronológica, terá a preferência em relação à de nível mais baixo.

Logo, a norma constitucional que deu início à ordem jurídica, por ser

norma-origem, prevalece sobre todas as disposições normativas

subconstitucionais. Daí falar-se em inconstitucionalidade da lei.

Portanto, a ordem hierárquica entre as fontes servirá de guia para

solucionar conflitos de normas de diferentes escalões. Kelsen ensina-

nos... que não pode haver, no sistema, em normas de diversos níveis,

contradição, porque a norma inferior retira seu fundamento de

validade da superior. Só será válida a norma inferior se estiver em

harmonia com a do escalão superior.

O sistema apresentará incoerência lógica se houver divórcio

entre suas normas no que atina ao processo de sua elaboração ou ao

seu conteúdo empírico.34

Daí a necessidade de se buscar interpretação do artigo 62, I, da

Consolidação das Leis do Trabalho que não só seja compatível com a realidade social

e tecnológica atual, como também com os ditames constitucionais e valores que

sistematizam as normas jurídicas de Direito do Trabalho no Direito Positivo brasileiro.

Passamos, agora, a apreciar não só os princípios inerentes à interpretação

constitucional, como também aqueles incidentes sobre a interpretação de textos legais

de Direito do Trabalho (classe das normas de Direito do Trabalho35

).

34

DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 120. 35

Entendemos como “classe das normas do Direito do Trabalho” o conjunto de normas jurídicas que têm em comum a propriedade de realizar o Direito do Trabalho, isto é, estabelecer regras para a relação jurídica empregatícia. Já a “classe das normas constitucionais” é o conjunto de todas as normas jurídicas que são resultado da interpretação de enunciados prescritivos constitucionais, sem a preocupação com a questão de serem ou não materialmente constitucionais.

22

2.2. A interpretação constitucional e seus princípios

Willis Santiago Guerra Filho afirma que uma tarefa de importância

inexcedível que se apresenta no momento para quem lida profissionalmente com o

Direito em nosso País é a de tomar consciência das pecularidades da hermenêutica

constitucional. Isso para que se venha a ter aplicada nossa Constituição, reconhecida,

inclusive internacionalmente, como dotada de grandes qualidades36

.

Ainda segundo o referido Professor, praticar a “intepretação constitucional”

é diferente de interpretar a Constituição de acordo om os cânones tradicionais da

hermenêutica jurídica, desenvolvidos, aliás, numa época em que as matrizes do

pensamento jurídico assentavam-se em bases privatísticas37

.

Celso Ribeiro Bastos ensina que a interpretação constitucional não despreza

a interpretação jurídica de um modo geral, mas apresenta uma série de particularidades

que justificam seu tratamento diferenciado, num estudo de certa forma autônomo dos

demais métodos interpretativos presentes no sistema jurídico38

, além de compreender o

campo de atuação da “interpretação constitucional” sob um espectro mais amplo,

envolvendo não só a atividade interpretativa dos enunciados prescritivos constantes da

Constituição, mas também a interpretação dos enunciados infraconstitucionais

segundo a Constituição:

... a interpretação constitucional não pode ser simplesmente

considerada como a interpretação da Constituição, exclusivamente. O

que se pode dizer, é certo, é que só haverá interpretação constitucional

quando a Constituição estiver envolvida.39

36

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Da interpretação especificamente constitucional. In Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 32, n

o128, out/dez.1995, p. 255.

37

Idem. 38

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editora, 1999, p. 49.

39

Ibidem, p. 87.

23

Dentre as razões que levam à essa diferenciação interpretativa dos

enunciados prescritivos40

constitucionais, estão: a inicialidade fundante das normas

constitucionais, sendo a Constituição o fundamento de todas as demais normas do

ordenamento jurídico e o caráter aberto das normas constitucionais e sua atualização,

vez que a norma constitucional, muito frequentemente, apresenta-se como uma petição

de direitos ou mesmo como uma norma pragmática sem conteúdo preciso ou

delimitado41

.

Objetivando a plena eficácia constitucional, a doutrina constitucionalista

construiu diversos princípios interpretativos das normas constitucionais, sendo que

nesta tese adotamos, por entendê-lo como o mais completo e suficiente para o nosso

objetivo, o rol apresentado por J.J.Gomes Canotilho, acrescentando-lhe somente o

princípio da supremacia da Constituição, destacado por Celso Ribeiro Bastos.

Segundo Canotilho, têm-se os seguintes princípios de interpretação

constitucional: princípio da unidade da Constituição, princípio da máxima efetividade,

princípio da justeza ou da conformidade funcional, princípio da concordância prática

ou da harmonização e princípio da força normativa da Constituição. Analisemos cada

um deles:

Por princípio da unidade da Constituição entende-se a obrigação do

intérprete de considerar a Constituição na sua globalidade e de procurar harmonizar os

espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Trata-se de

uma consequência de uma visão sistêmica das normas constitucionais, em que todas

são elementos de um mesmo sistema, harmonizando-se e se inter-relacionando. Daí

que o intérprete deve sempre considerar as normas constitucionais não como normas

isoladas, mas sim como preceitos integrados num mesmo sistema interno, unitário de

40

Referimo-nos às diferenças entre as interpretações de enunciados normativos infraconstitucionais e constitucionais. 41

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editora, 1999, p. 53-54.

24

normas e princípios42

. Sobre esse princípio, transcrevemos os ensinamentos de Celso

Ribeiro Bastos:

Como consequência deste princípio, as normas constitucionais

devem sempre ser consideradas como coesas e mutuamente

imbricadas. Não se poderá jamais tomar determinada norma

isoladamente, como suficiente em si mesma. É que a Constituição

pode perfeitamente prever determinada solução jurídica num

determinado passo seu, para noutro tomar posição contrária, dando

lugar a uma relação entre norma geral e outra específica. Esta

predomina no espaço que abrange. Não há, pois, qualquer fratura

constitucional. E isso porque se a Constituição é uma, e se é ela o

documento supremo da nação, todas as normas que contempla

encontram-se em igualdade de condições, nenhuma podendo se

sobrepor à outra para lhe afastar o cumprimento. As duas normas

vigem por inteiro, apenas que em situações diversas (nunca para a

mesma situação). Assim, cada uma vige em seu campo próprio, do

que resulta a aplicação de ambas.43

Como princípio do efeito integrador, temos que na resolução dos problemas

jurídico-constitucionais deve-se dar primazia aos critérios ou pontos de vista que

favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política. Trata-se de

princípio muitas vezes associado ao princípio da unidade44

.

O princípio da justeza, também denominado princípio da conformidade

funcional, visa impedir que, em sede de concretização da Constituição, a alteração da

repartição de funções constitucionalmente estabelecidas. Hoje, este princípio tende a

ser considerado mais como um princípio autônomo de competência45

.

Quanto ao princípio da máxima efetividade, à uma norma deve ser atribuído

o sentido que maior eficácia lhe dê, sendo que a eficácia de que trata esse princípio é a

42

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1096-1097.

43

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editora, 1999, p. 103.

44

CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 1097-1098. 45

Idem.

25

eficácia social46

, isto é, deve-se preferir interpretações que maximizem a sua atuação

efetiva no mundo social concreto47

, principalmente quando se trata de Direitos

Fundamentais.

O princípio da concordância prática, também denominado “princípio da

harmonização” é, na realidade, uma forma de superação de tensões entre normas

jurídicas que introduzem Direitos Fundamentais. Esse princípio impõe a coordenação

e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de

uns em relação aos outros. Subjacente a este princípio está a ideia de igual valor dos

bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o

sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e

condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou

concordância prática entre estes bens48

.

Segundo o princípio da força normativa da Constituição, na solução dos

problemas jurídico-constitucionais deve-se dar prevalência aos pontos de vista que,

tendo em conta os pressupostos da Constituição (normativa), contribuem para uma

eficácia ótima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia às

soluções hermenêuticas que, compreendendo a historiciedade das estruturas

constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua

eficácia e permanência49

.

Finalmente, temos o princípio da supremacia da Constituição, segundo o

qual, pelo fato da Constituição ser a norma superior do ordenamento jurídico, não se

dá conteúdo à Constituição a partir das leis. A forma a adotar-se para a explicação de

46

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Coimbra: Almedina, p. 1097-1098.

47

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3ª edição. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 72.

48

CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 1098. 49

Idem, p. 1099.

26

conceitos opera sempre “de cima para baixo”, o que serve para dar segurança em suas

definições. Esse princípio repele todo o tipo de interpretação que venha de baixo, é

dizer, repele toda a tentativa de interpretar a Constituição a partir da lei50

, bem como

dá origem ao princípio da interpretação conforme a Constituição, destinado

principalmente à interpretação de textos infraconstitucionais, que é detalhadamente

descrito por Glauco Barreira Magalhães Filho no trecho abaixo, extraído de sua obra

Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição:

Princípio da interpretação conforme à Constituição – De acordo com

esse princípio, a Constituição deve ser interpretada segundo os seus

valores básicos, e a norma infraconstitucional deve ser compreendida

a partir da Constituição. Assim, se uma norma infraconstitucional

admite várias interpretações, dar-se-á preferência àquela que

reconheça a constitucionalidade da norma e realize melhor os fins

constitucionais.

As normas definidoras de direitos fundamentais trazem a enunciação

de valores e não reportam aos fatos sobre os quais incidem, sendo

estes previstos nas normas infraconstitucionais ou identificados no

caso concreto. Embora tragam a previsão de um fato, as normas

infraconstitucionais (regras) não enunciam um valor, embora o

pressuponham. No caso, deve-se preferir a interpretação que vai ao

encontro de um valor constitucionalmente almejado.

Atingindo a norma infraconstitucional os fins constitucionais em

situações típicas (aquelas que, pela sua ocorrência habitual, podem ser

previstas pelo legislador), apenas em uma situação atípica (situação

limite ou situação não habitual), a norma será afastada para que se

possa fazer valer diretamente o preceito constitucional.

A interpretação conforme à Constituição está limitada pela

literalidade do texto normativo, ou seja, não pode, sob o pretexto de

economia normativa, dar a uma norma um sentido que contrarie suas

potencialidades linguísticas, a fim de que ela possa ser conciliada com

a Constituição e ter a sua validade preservada. Também não será

válida a regra infraconstitucional que, apesar de não agredir

diretamente um preceito da Constituição, tire a sua funcionalidade,

pois aí terá ocorrido violação ao princípio da proporcionalidade e ao

da razoabilidade.51

50

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editora, 1999, p. 101-102.

51

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3ª edição. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 72-73.

27

2.3. As peculiaridades da interpretação de enunciados de natureza trabalhista

A primeira questão que se põe à discussão agora é: norma de cunho

eminentemente trabalhista inserta na Constituição perde a sua natureza de norma do

Direito do Trabalho? Afirmamos que não, e fundamentamos através da constatação de

que é possível uma norma jurídica pertencer tanto à “classe das normas de Direito do

Trabalho”, quanto à “classe das normas Constitucionais”52

.

Daí podermos também concluir que a interpretação de uma norma jurídica

que ocupe tanto a classe das normas do Direito do Trabalho quanto a classe das

normas constitucionais deve ser feita não somente adotando-se os princípios típicos da

interpretação constitucional, como também os princípios típicos da interpretação de

normas trabalhistas, em especial o princípio protecionista, numa harmônica

convivência de princípios interpretativos interagindo numa mesma tarefa

interpretativa.

E essa convivência harmônica se mostra até natural, vez que não se poderia

imaginar, sob a égide da supremacia da Constituição, a existência de princípios do

Direito do Trabalho que fossem incompatíveis à Constituição.

2.3.1 O princípio do protecionismo

O princípio da proteção refere-se ao critério fundamental orientador do

Direito do Trabalho, vez que, ao invés de se inspirar num propósito de igualdade

formal, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial à uma das partes

da relação jurídica empregatícia empregatícia, que é o trabalhador, a fim de se se

estabelecer a efetiva igualdade material, tratando-se diferente os diferentes, para que se

estabeleça o equilíbrio na relação jurídica.

Conceituamos o princípio da proteção como aquele em virtude do qual o

Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação

jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e

52

Entendemos como “classe das normas do Direito do Trabalho” o conjunto de normas jurídicas que têm em comum a propriedade de realizar o Direito do Trabalho, isto é, estabelecer regras para a relação jurídica empregatícia. Já a “classe das normas constitucionais” é o conjunto de todas as normas jurídicas que são resultado da interpretação de enunciados prescritivos constitucionais, sem a preocupação com a questão de serem ou não materialmente constitucionais.

28

intelectual dos trabalhadores, ou melhor, tenta mitigar a hipossuficiência em suas

várias acepções na relação empregatícia (inferioridade-constrangimento, inferioridade-

vulnerabilidade e inferioridade ignorância53

).

Quanto às técnicas de que se vale o Direito do Trabalho para instrumentar,

no Direito Positivo, o princípio do protecionismo, estas são denominadas técnicas de

proteção, isto é, mecanismos através dos quais se procura corrigir a situação de

inferioridade do trabalhador, podendo-se, dentre elas, apontar:

- a intervenção do Estado nas relações de trabalho, que se concretiza na edição de

normas jurídicas e na adoção de outras providências tendentes ao amparo do

trabalhador;

- a negociação coletiva, que consiste em procedimentos destinados, entre outros, à

celebração de convenção coletiva de trabalho ou de acordo coletivo de trabalho;

- a autotutela, que é a defesa dos interesses do grupo ou do indivíduo mediante o apelo

à ação direta54

.

O princípio protecionista também está diretamente relacionado às

características de interpretação no Direito do Trabalho, no sentido de que esse Direito

vive na consciência popular, estando estreitamente vinculado à vida do povo, motivo

pelo qual a função do intérprete, em tal ramo do Direito, deve consistir em preservar

este caráter, resultando na regra básica de interpretação no Direito Trabalhista

consistente em julgá-lo de acordo com sua natureza, isto é, como estatuto que traduz a

53

Sobre as espécies de hipossuficiência (inferioridade), tem-se que inferioridade-constrangimento afeta o consentimento do contratante fraco em seu componente de liberdade. Não pode ele negociar da melhor maneira para os seus interesses porque não é realmente livre para aceitar ou recusar, vez que a aceitação tem somente um valor limitado quando emana de alguém que não tem meio de recusar, inferioridade-ignorância é o que faz o essencial da desigualdade entre os contratantes, quando um é profissional e o outro leigo, sendo que este último carece de conhecimentos técnicos, não dispondo das informações jurídicas que lhe permitam uma representação exata da operação de que resulta a conclusão do contrato, e, finalmente, a inferioridade-vulnerabilidade, no sentido de que o assalariado é um contratante vulnerável porque na execução do contrato, sua própria pessoa está implicada ou corre o risco de ser implicada, vez que o contrato incide em particular sobre a atividade física e, pois, de certo modo, sobre o corpo do empregado. Conforme SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Direito do Trabalho: principiologia. São Paulo: LTr, 1997, p. 22-24. 54

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Direito do Trabalho: principiologia. São Paulo: LTr, 1997, p. 30.

29

aspiração de uma classe social (o proletariado) para obter, imediatamente, uma

melhoria em suas condições de vida55

.

Destaque-se que tal característica de interpretação dos enunciados

prescritivos de natureza trabalhista se estende a todas as espécies normativas, inclusive

às normas constitucionais, vez que, apesar de contidas na Lei Fundamental, as normas

típicas de Direito do Trabalho não perdem a sua essência, a sua razão de ser protetiva.

Importante também a recepção do princípio do protecionismo pelo Direito

Positivo brasileiro, principalmente frente aos paradigmas da escola positivista que

ainda vigora na prática do Direito no Brasil (a despeito da ainda lenta evolução do

normativismo concreto). A recepção desse princípio pelo Direito Positivo pode ocorrer

de duas maneiras distintas, seja em forma substantiva, seja numa forma instrumental.

A forma substantiva consiste em incorporar à norma constitucional, ou a uma norma

programática de especial significado, algum princípio genérico de proteção ao

trabalho, ou que ponha o trabalho sob a proteção do Estado. A forma instrumental se

traduz na incorporação de regras de intepretação que incluam seja o princípio geral,

sejam algumas das formas de sua aplicação. Por exemplo, quando se estabelece num

código do trabalho ou lei orgânica da Justiça do Trabalho, normas referentes à forma

de interpretação das leis do trabalho56

.

No Brasil, a introdução, ou melhor, a manutenção do princípio protecionista

no Direito Positivo acontece pela porta da frente e sob a forma substantiva. Há

fundamentação constitucional para a aplicação do princípio protecionista no Direito

Positivo brasileiro, vez que a proteção dos valores sociais do trabalho é fundamento da

República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da CF/88), além de que o rol de incisos do

art. 7º da CF/88 busca a proteção contratual do trabalhador. Não se pode esquecer que

o protecionismo decorre também do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,

III, da CF/88), de forma a evitar que o ser humano trabalhador seja utilizado como

mero instrumento do processo de produção, impondo que a pessoa humana seja o foco

central do Direito e, mais especificamente, do Direito do Trabalho. Em suma, o

55

DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano Del Trabajo. Mexico D.F, 1943, p. 212-214. 56

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1996, p. 40.

30

Constituinte de 1988, por via indireta, positivou o princípio do protecionismo no

Direito do Trabalho, resultando também naquilo que Amauri Mascaro Nascimento

denomina princípio de elaboração das normas jurídicas (e que, na verdade, é uma

extensão do princípio protecionista), isto é, que as normas jurídicas trabalhistas devem,

em regra, dispor sempre de modo favorável ao trabalhador, o que é justificado pelo

fato de que as leis trabalhistas devem contribuir para a melhoria da condição social do

trabalhador57

.

Acompanhando, também nesse ponto, Américo Plá Rodriguez, entendemos

que o princípio da proteção se expressa sob 3(três) formas distintas: a regra in dubio

pro operario, a regra da norma mais favorável e a regra da condição mais benéfica58

.

Importante compreendermos o significado dessas “formas de expressão” do princípio

protecionista, isto é, buscar saber qual a sua efetiva vinculação em relação ao princípio

em estudo.

Sem embargo de eventuais opiniões contrárias, firmamos que essas três

formas de expressão do princípio protecionista são também técnicas de atuação do

mesmo nas relações jurídicas. Verdadeiro é que a existência dessas técnicas a que se

refere Plá Rodriguez não afasta a existência das técnicas apontadas por Pinho Pedreira

e citadas linhas atrás. Todas fazem parte de uma mesma classe, a que denominamos

“classe das técnicas de instrumentalização do princípio protecionista”59

, pertencendo,

no entanto, a subclasses diferentes.

As técnicas apontadas por Luiz de Pinho Pedreira da Silva (intervenção

estatal, negociação coletiva e autotutela) referem-se à forma de introdução de normas

jurídicas protecionistas no Direito Positivo. Já as técnicas indicadas por Plá Rodriguez

como formas de expressão do princípio protecionista relacionam-se ao comportamento

do intérprete ou operador do Direito na aplicação das normas protecionistas já

existentes nas relações jurídicas in concreto.

57

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 18ª edição. São Paulo: LTr, 1992, p. 68. 58

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1996, p. 42-43.

59

Classe que tem a seguinte “condição de pertinência”: ser forma através da qual o direito é capaz de realizar, nas relações jurídicas empregatícias, os objetivos do princípio protecionista.

31

Analisemos, agora, as características gerais das formas de expressão do

protecionismo.

2.3.1.1 A regra in dubio pro operario

É o critério segundo o qual, na hipótese de uma norma ser suscetível de se

entender de vários modos, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao

trabalhador60

. Assim, entre várias interpretações que um texto normativo comporte,

deve ser preferida a mais favorável ao trabalhador61

.

Trata-se de critério hermenêutico e que, em realidade, encontra a sua

justificativa no próprio objetivo do Direito do Trabalho, que é a proteção do

trabalhador.

Na preocupação de melhor corresponder às suas finalidades, o direito do

Trabalho deve ser formado por normas que tenham a máxima efetividade em seu

desiderato, daí a regra de se extrair a interpretação que melhor se compatibilize com o

seu fim, isto é, com a proteção do trabalhador, como acertadamente explica Cesarino

Júnior:

Sendo o Direito Social, em última análise, o sistema legal de proteção

dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de

dúvida, a interpretação deve ser sempre a favor do economicamente

mais fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador.62

Francisco Meton Marque de Lima, citando Perez Botija, obtempera a in

dubio pro operario, sinalizando que sua aplicação deve ser comedida, analisada,

desapaixonada, racional, ponderada e nunca cega63

, o que deve ser compreendido

juntamente com as lições de Plá Rodriguez ao afirmar que quando uma norma não

60

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1996, p.43.

61

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Direito do Trabalho: principiologia. São Paulo: LTr, 1997, p. 41. 62

CESARINO JÚNIOR, Antonio Ferreira. Princípios Fundamentais da Consolidação das Leis do Trabalho. In: Legislação do Trabalho, no. 47. São Paulo: LTr, 1983, p. 36.

63

LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios do Direito do Trabalho na lei e na jurisprudência. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1997, p.81.

32

existe, não é possível recorrer a este procedimento para substituir o legislador e muito

menos é possível usar esta regra para se afastar do significado claro da norma ou para

lhe atribuir um sentido que de modo nenhum pode ser deduzido de seu texto ou de seu

contexto64

.

2.3.1.2 A regra da norma mais favorável ao trabalhador

Sobre o conceito da regra da norma mais favorável ao trabalhador, Perez

Botija diz que “en caso de pluralidad de normas aplicables a una relación de trabajo,

se ha de optar por la que sea más favorable ao trabajador”65

. Trata-se de verdadeira

regra para solução de conflito entre normas incidentes num mesmo caso concreto.

Havendo duas ou mais normas jurídicas trabalhistas sobre a mesma matéria, será

hierarquicamente superior e, portanto, em regra, aplicável ao caso concreto, a norma

que oferecer maiores vantagens ao trabalhador, dando-lhe condições mais favoráveis66

.

No Direito Positivo brasileiro localizamos a principal fonte de

fundamentação para aplicação da regra da norma mais favorável ao empregado no

caput do artigo 7º da Constituição Federal, tendo-se em vista que, quando o

Constituinte fixou enunciado no sentido de que “São direitos dos trabalhadores

urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social...”

acabou por imprimir pela prosperidade de normas jurídicas que sejam mais favoráveis

ao empregado, isto é, que obtivam à “melhoria de sua condição social”.

64

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1996, p. 45.

65

BOTIJA, Perez. Derecho del Trabajo. Apud LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios do Direito do Trabalho na lei e na jurisprudência. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1997, p.81.

66

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do Direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 13ª edição. São Paulo: Editora LTr, 1997, p. 233.

33

2.3.1.3 A regra da condição mais benéfica ao trabalhador

A regra da condição mais benéfica pressupõe a existência de uma situação

concreta, anteriormente reconhecida, e determina que ela deve ser respeitada na

medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma jurídica

aplicável67

. Trata-se de regra intimamente correlacionada com a da norma mais

benéfica, distinguindo-se dela, no entanto, por supor a existência de uma norma

anterior, concreta e reconhecida que já foi aplicada e que deve ser respeitada por ser

mais proveitosa ao trabalhador68

.

Luiz de Pinho Pedreira da Silva acrescenta que as regras da norma mais

favorável e da condição mais benéfica apresentam em comum o fato de depender a sua

aplicação da existência de uma pluralidade de normas, diferenciando-se, no entanto,

porque a regra da norma mais benéfica trata de sucessão normativa e, daí o

entendimento de que a condição mais benéfica resolve um fenômeno de direito

transitório ou intertemporal69

.

Por intermédio da referida regra, o empregador contratado sob a vigência de

determinadas condições de trabalho a ele asseguradas não pode ser rebaixado à

condição inferior, sendo que a condição pode resultar de lei, de contrato individual de

trabalho, de instrumento coletivo ou de regulamento de empresa70

.

Da mesma forma que concluímos em relação à fundamentação da “regra da

norma mais favorável ao trabalhador”, o caput do artigo 7º da Constituição Federal

também é fonte de inserção, no Direito Positivo brasileiro, da “regra da condição mais

benéfica”, acrescentando-se, em relação à fundamentação desta última, também a

legislação infraconstitucional, especificamente a Consolidação das Leis do Trabalho

67

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1996, p. 60.

68

Ibidem, p. 26. 69

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Direito do Trabalho: principiologia. São Paulo: LTr, 1997, p. 65. 70

LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios do Direito do Trabalho na lei e na jurisprudência. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1997, p. 8.

34

através dos seus artigos 442 e 444 (que permitem a criação de cláusulas tácitas no

contrato de trabalho) e do seu artigo 468 (que proíbe a alteração das condições de

trabalho que resulte em prejuízos diretos ou indiretos ao trabalhador).

2.4 A interpretação de direitos fundamentais

Aos Direitos Fundamentais, termo que utilizamos nesta tese como sinônimo

de Direitos Humanos, agregam-se técnicas de interpretação que objetivam a maior

efetividade possível das normas jurídicas qualificadas como introdutoras dessas

espécies de Direito. Daí a importância de, como anteparo para a efetiva interpretação

do artigo 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho, não só fixarmos o que são

Direitos Fundamentais, a forma como enunciados prescritivos introdutores de Direitos

Fundamentais devem ser interpretados, como também se as normas trabalhistas que

inserem direitos e garantias aos empregados pertencem ou não à classe dos Direitos

Fundamentais.

2.4.1 Conceito e espécies de Direitos Fundamentais

O conceito jurídico atual de “vida” é produto da evolução da sociedade, não

se restringindo ao conceito então pensado pelo Poder Constituinte Originário, mas se

ampliando a cada dia. Pietro de Jesus Lora Alarcón aponta a existência de 4(quatro)

acepções de “vida” na Constituição Federal de 1988, quais sejam: a integridade física

do ser humano (manutenção da anatomia e da fisiologia que caracterizam o corpo

humano); a liberdade (o homem como sujeito livre e autodeterminado); vida digna, no

sentido do homem poder contar com os recursos, inclusive materiais, necessários ao

alcance de sua felicidade (homem como sujeito social); e a tutela da vida a partir da

ótica genética71

. Todas essas acepções de vida não surgiram ao acaso, mas foram

resultado de um longo processo histórico em que foi se dilatando o conceito de vida e,

consequentemente, viu-se a necessidade de uma proteção mais ampla pelo Direito.

Nesse sentido, as lições de Airton Ferreira Pinto que, inclusive, utiliza a expressão

71

ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora. Patrimônio Genético Humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 167-219.

35

“homem total” (modelo de ser humano, com todas as suas necessidades e fragilidades,

que necessitam de proteção) como a referência para a construção dos Direitos

Fundamentais:

Um direito humano é aquele que é construído e que tem como

verdade pragmática a construção da igualdade entre os humanos, a

liberdade dignificante e respeitosa nas relações promovidas e

garantidas pelo Estado. Ele é legítimo pelo processo democrático de

sua construção que se realiza onde o princípio da razoabilidade

acontece. O direito é o que traz na própria essência o sentido real e

último do justo, e tendo o homem total no centro de sua preocupação,

trata a dignidade como expressão singular a ser promovida e

protegida. É preciso empreender, finalmente, que o direito individual

somente existe no conjunto social. Sem este aquele deixa sua condição

para ser exclusivo.72

A proteção da vida humana é dialética, confundindo-se a sua evolução com

a do Direito e, particularmente, com a evolução do Direito Constitucional, o que se

comprova examinando-se a preocupação da positivação constitucional, a partir da

Magna Carta, passando pelas Declarações de Direitos, por Constituições consideradas

marcos na história jurídica do mundo, como a Constituição soviética e a Constituição

de Weimar, finalizando com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a

proteção do direito à vida. Pode-se até afirmar que o conjunto positivado de liberdades

e garantias forma o desdobramento do direito a viver, seja direito a existir, direito a

conviver, ou direito a viver protegido dos impactos e choques do convulsionado

mundo contemporâneo73

.

Francisco Pedro Jucá, dissertando sobre os direitos fundamentais do

trabalhador, conceitua Direitos Fundamentais como um conjunto de direitos que, por

sua natureza e papel desempenhado no contexto, servem de fundamento para a

construção do ser qualificado como humano, isto é, aqueles sem os quais não se pode

72

PINTO, Airton Pereira. Direito do trabalho, direitos humanos sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006, p. 243.

73

ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora. Patrimônio Genético Humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 85.

36

entender a condição humana desse ser74

e acrescenta, Jucá, a respeito da variação do

conteúdo do direito à vida no tempo, que:

... os valores, especial e destacadamente o Justo, sobrepairam,

integram o universo fundamentalmente da organização cultural da

sociedade, pertinindo ao seu imaginário, ao seu caldo de cultura como

categoria ideal e, em razão disso, serve de referência à matriz na

formulação das normas de conduta que são obrigatórias aos membros

daquela comunidade, na medida em que estas normas buscam...

materializar, como representação, este valor nas suas repercussões e

rebatimentos às necessidades da vida social.75

De acordo com o raciocínio até aqui seguido, entendemos direitos

fundamentais como sendo o conjunto de normas jurídicas que têm por objetivo a

proteção do direito à vida em todas as suas acepções absorvidas pelo Direito, contendo

no seu antecedente normativo a descrição abstrata de um comportamento, obrigatório,

proibido ou permitido, que realiza a proteção do direito à vida sob cada uma das suas

acepções absorvidas pelo Direito. Em consonância com o conceito por nós

apresentado, Airton Pereira Pinto conclui que:

Os direitos que tratam da vida humana, em todos os seus aspectos,

complexidades e dimensões, não são algo dado, mas construído. Os

direitos humanos são o resultado do esforço e do engenho humano, em

dar conta da proteção da vida coletiva do homem – animal político.

Por isso, os direitos humanos não são separáveis, fragmentados e

estanques, e sim formam um todo conexo, enfeixado.76

A despeito do caráter de sistema dos Direitos Fundamentais, o que afasta

a possibilidade da compreensão efetiva dos mesmos de forma individualizada ou

fragmentada, o doutrina, com objetivos eminentemente didáticos, agrupa os Direitos

Fundamentais em subclasses que são denominadas gerações ou famílias de Direitos

Fundamentais, com as seguintes características:

74

JUCÁ, Francisco Pedro. Os direitos individuais fundamentais do trabalhador. In: NASCIMENTO, Amauri Mascaro (Coord.). A transição do Direito do Trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 1999, p. 264.

75

Ibidem, p. 266. 76

PINTO, Airton Pereira. Direito do trabalho, direitos humanos sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006, p. 241.

37

- Direitos Fundamentais de Primeira Geração: conjunto de normas jurídicas que têm

por objetivo a proteção da vida do ser humano sob o enfoque de “liberdade

individual”, prendendo-se à idéia de que o poder central (estatal) deve se afastar de

tudo aquilo que não seja essencial para manter os Direitos individuais do ser humano,

passando a ter importância o indivíduo e o individualismo, a liberdade e a propriedade;

- Direitos Fundamentais de Segunda Geração: conjunto de normas jurídicas que têm

por objetivo a proteção da vida do ser humano sob o enfoque de “vida com qualidade”,

a vida com dignidade, a necessidade de intervenção do Estado nas relações jurídicas

no sentido de tentar igualar os diversos polos dessas relações, caracterizados por

efetiva diferença, oriunda da situação de fato em que são construídas e desenvolvidas

essas relações, no que tange a poder (político, econômico e/cultural) e privilégios.

Essas normas jurídicas (Direitos Fundamentais de Segunda Geração), que também são

denominadas “Direitos Sociais”, buscam equilíbrio nas relações jurídicas, garantindo

direitos mínimos à parte vulnerável. Sobre tal geração, Manoel Messias Peixinho

ensina que:

A dimensão social dos direitos fundamentais não suplantou a ideia

clássica dos direitos individuais, mas imprimiu profundas

transformações no conceito oriundo do liberalismo. Dentre outros

fatores responsáveis por essas mudanças, constata-se a influência da

ideologia marxista, segundo a qual as liberdades normais são, na

verdade, ficção jurídica, que tem o objetivo de mascarar a dominação

de uma classe por outra. A liberdade deve ser a de participação, na

qual os indivíduos são atores sociais da transformação. A

característica fundamental responsável pela mudança no conceito de

liberdade é a inclusão, na dimensão inseparável das liberdades, dos

direitos econômicos e sociais, que objetivam assegurar aos cidadãos as

condições materiais que lhes permitam exercer a cidadania plena. Não

se trata, aqui, ao contrário da concepção clássica, de proteger as

liberdades negativas e formais, mas garantir a intervenção do Estado

para que tutele as políticas públicas, concretize-as e torne acessíveis

aos cidadãos as garantias mínimas para que possam viver com

dignidade.77

77

PEIXINHO, Manoel Messias. As Teorias e os Métodos de Interpretação Aplicados aos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 27-28.

38

- Direitos Fundamentais de Terceira Geração: conjunto de normas jurídicas que têm

por finalidade a proteção da vida do ser humano sob o enfoque de “proteção da

humanidade como um todo”, visto que os avanços tecnológicos, com a maior

capacidade do homem de intervir na natureza, explorando-a, juntamente com uma

realidade retratada na irresponsabilidade do homem em seu ato de exploração dos

recursos naturais, fez com que surgisse a preocupação com a manutenção da existência

humana, mas não somente sob um referencial individual, mas sob toda a humanidade

- Outras gerações de Direitos Fundamentais: há Autores que já se referem a Direitos

Fundamentais de quarta, quinta e sexta gerações78

, sendo certo que tais gerações ainda

não se encontram consolidadas na doutrina, valendo, para os contornos da presente

tese, somente a indicação do início de construção das mesmas.

2.4.2 As normas jurídicas de Direito do Trabalho como Direitos Fundamentais de

2ª Geração

O Direito do Trabalho, analisado sob o prisma de Direito Positivo, é um

conjunto de normas jurídicas que objetiva regular as relações jurídicas de emprego,

tanto do ponto de vista individual quanto coletivo, a fim de alcançar, dentre outros, o

equilíbrio nas referidas relações jurídicas, mediante a fixação de direitos mínimos aos

Empregados.

Ora, frente ao objetivo de tais normas, em especial daquelas que objetivam

o equilíbrio das relações mediante garantias mínimas à parte hipossuficiente, fixamos

entendimento de que tal grupo de normas se enquadra na classe dos Direitos

Fundamentais de Segunda Geração, também denominada classe dos “Direitos

Sociais”, merecendo serem como tal interpretadas e aplicadas.

78

Como Pietro de Jesús Lora Alarcon, que cita a existência de Direitos Fundamentais de quarta geração -cujo foco é a proteção do ser humano no campo genético, frente à biotecnologia – (Cf. ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio Genético Humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 87-100) e Arion Sayão Romita, que indica a existência de Direitos Fundamentais de Quinta Geração - cujo objetivo é a proteção da vida humana frente à utilização dos conhecimentos fornecidos pela cibernética e pela informática – e de Sexta Geração – cuja finalidade é a proteção da vida humana frente aos efeitos decorrentes da globalização – (Cf. ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 107-108).

39

Airton Pereira Pinto, em sua obra Direito do trabalho, direitos humanos

sociais e a Constituição Federal de 1988 descreve o conteúdo dos Direitos Humanos

Sociais, afirmando que numa sociedade com elevado grau de consciência social e de

cidadania, os sujeitos sociais concebem que a justiça será efetivada a partir do

momento em que todas as partes do contexto social contribuírem sem o desespero e o

exagero delas, isto é, o cidadão coletivo é respeitado como trabalhador, produtor de

riqueza e consumidor, merecendo do Estado uma proteção digna e promotora. Passou,

assim, o Estado a exercer intervenção nas relações econômicas e sociais para

promover o Bem Social clamado pelos parceiros marginalizados, concluindo, por fim

o conceito de Direitos Fundamentais Sociais como:

... direitos e garantias coletivas que beneficiam a coletividade, os

grupos e indivíduos, com reflexos em suas relações coletivas e

particulares, exigíveis dos poderes públicos, mediante prestações

positivas e afirmativas e políticas públicas econômicas e sociais,

mediante intervenções na ordem privada, para assegurá-los

efetivando-os.79

E, sobre a extensão dos Direitos Fundamentais na relação de emprego,

importantes são as palavras de Arion Sayão Romita:

São chamados direitos sociais, porque não assistem ao

indivíduo como tal, considerado abstratamente, mas sim à pessoa

em sua vida de relação no grupo em que convive, ao indivíduo

considerado em concreto, ao indivíduo situado. São os direitos

pertinentes à teia de relações sociais formada pela pessoa no

meio em que atua, como trabalhador, como membro de

comunidades, como participante de coletividades sem as quais

não poderia desenvolver suas potencialidades nem usufruir os

bens econômicos, sociais e culturais a que aspira. São direitos

relacionados no art. 6º da Constituição brasileira de 1988: a

educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desempregados, a habitação.80

79

PINTO, Airton Pereira. Direito do trabalho, direitos humanos sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006, p.131.

80

ROMITA. Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 95.

40

Prosseguindo o raciocínio desenvolvido por Sayão Romita no sentido de

que os direitos sociais (Direitos Fundamentais de 2ª geração) encontram-se descritos

no artigo 6º da Constituição Federal, passamos a analisar a topologia do referido artigo

para, de forma lógica, confirmar que as normas jurídicas de Direito do Trabalho, em

especial as referentes ao direito individual do trabalho, são Direitos Fundamentais de

2ª geração.

A Constituição Federal de 1988 encontra-se logicamente dividida em

“títulos”, que contêm “capítulos”, que contêm “artigos”, que contêm “incisos”,

“parágrafos” e “alíneas”. Essa divisão leva em consideração conceitos lógicos

baseados na “teoria das classes”, no sentido de que uma classe é um conjunto de

indivíduos que preenchem alguns requisitos de admissão (requisitos de pertinência) e

que fazem com que entre eles haja identidade em determinado aspecto.

A própria “teoria das classes” traz-nos a noção de “subclasse”, como sendo

um conjunto inserido em outro conjunto de maior dimensão, conjunto maior esse que

abrange todos os elementos do conjunto. Em suma, a “classe” envolve todos os

elementos que compõem as subclasses nela insertas. E não temos dúvida de que,

seguindo a Constituição tal divisão lógica, temos, de uma forma global os “títulos”

como “classes” envolvendo os “capítulos” como subclasses. Tem-se, assim, que os

elementos contidos nas subclasses de uma mesma classe, ou melhor dizendo, os

artigos que compõem capítulos de um mesmo título devem ser harmônicos entre si,

impossibilitando, pois, a contradição entre termos, a incompatibilidade entre tais

elementos.

Procedendo-se à análise do Título II da Constituição Federal (“Dos Direitos

e Garantias Fundamentais”), verifica-se que o “Capítulo I” trata dos “Direitos e

Deveres Individuais e coletivos”, que são regras de conteúdo genérico aplicáveis a

todos os demais capítulos. E mais, o “Capítulo II” do mesmo Título II trata “Dos

Direitos Sociais”, apontando, em seu primeiro artigo, que é o artigo 6º, o rol dos

Direitos Fundamentais de Segunda Geração positivados constitucionalmente, que são:

a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a

41

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma prevista

na Constituição.

No que tange ao “trabalho” como “Direito Fundamental de Segunda

Geração”, a própria Constituição prevê uma “forma mínima” de realização do

trabalho, isto é, um mínimo de direitos que consubstanciam um padrão mínimo em

termos de remuneração como contraprestação pela atividade laboral prestada, assim

como proteção mínima no que se refere à segurança e à saúde no trabalho. É o que

consta do artigo 7º da Constituição Federal, acrescentando-se que o próprio caput do

referido artigo (“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que

visem à melhoria de sua condição social...”) incorpora a essa “forma mínima” outros

direitos que visem à melhoria de sua condição social.

Portanto, de acordo com o raciocínio ora desenvolvido, são Direitos

Fundamentais de 2ª Geração não só os direitos trabalhistas mínimos contidos nos

incisos do artigo 7º da Constituição Federal, como também as demais normas jurídicas

que regulam os direitos mínimos dos trabalhadores na relação de emprego constantes

da legislação infraconstitucional, incluindo-se nesse grupo as normas jurídicas

originadas dos enunciados prescritivos constantes da Consolidação das Leis do

Trabalho.

2.4.3 A interpretação de enunciados prescritivos introdutores de Direitos

Fundamentais

Os Direitos Fundamentais, como classe formada por normas jurídicas que

têm em comum o objetivo da proteção da vida sob cada uma das acepções absorvidas

pelo Direito, possuem características uniformes, dentre elas a universalidade (no

sentido de que os Direitos Fundamentais devem ser aplicados a todas as pessoas, sem

distinção de qualquer espécie), indivisibilidade e interdependência (um direito

fundamental somente alcança a plenitude de sua realização quando os demais direitos

fundamentais são respeitados81

; como afirma Flávia Piovesan, “todos os direitos

81

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p.68.

42

humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes

direitos estão necessariamente inter-relacionados e são interdependentes entre si”82

),

historiciedade (entre os Direitos Fundamentais não são um dado, mas um construído)

e unidade (os Direitos Fundamentais, apesar de compreenderem diversas famílias ou

gerações, estabelece-se uma interação pela qual uma geração de Direitos

Fundamentais se relaciona com outra e dela recebe influência83

).

Ora, na interpretação de enunciados prescritivos introdutores de Direitos

Fundamentais, em especial na exploração da elasticidade semântica dos enunciados, há

que se atentar para a manutenção de todas as características típicas dessa espécie de

norma jurídica, incluindo-se no procedimento interpretativo as seguintes limitações:

a) excluir hipóteses interpretativas que criem limitação subjetiva à aplicabilidade da

norma jurídica, destinando a aplicação da norma jurídica somente a determinados

sujeitos, excluindo a aplicação sobre outros sujeitos que se encontrem na mesma

situação objetiva. Dessa forma, garante-se a manutenção da “universalidade” do

Direito Fundamental;

b) levar em consideração o “Sistema de Direitos Fundamentais”, não se permitindo a

interpretação de um texto introdutor de Direito Fundamental sem levar em

consideração os demais Direitos Fundamentais aplicáveis no Direito Pátrio, evitando-

se, assim, ao máximo possível, a colisão entre Direitos Fundamentais. Utilizando-se tal

procedimento busca-se garantir a unidade, a indivisibilidade e a interdependência dos

Direitos Fundamentais;

c) dentre as hipóteses interpretativas que se apresentarem frente à elasticidade

semântica do enunciado prescritivo, deve-se adotar aquela que melhor se compatibilize

com o real conteúdo do Direito Fundamental frente ao seu processo de criação e

desenvolvimento até a data da realização da interpretação. Garante-se, assim, a

historiciedade.

82

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5ª edição. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 151.

83

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p.77.

43

É de se destacar, também, o princípio interpretativo da máxima

efetividade que, apesar de já apresentado por nós no item 2.2 deste Capítulo como

princípio aplicável à interpretação constitucional em geral, tem peculiar aplicabilidade

na interpretação de enunciados prescritivos introdutores de Direitos Fundamentais.

Impõe referido princípio que, à uma norma deve ser atribuído o sentido que maior

eficácia lhe dê, sendo que a eficácia de que trata esse princípio é a eficácia social84

,

isto é, deve-se preferir interpretações que maximizem a sua atuação efetiva no mundo

social concreto85

. Sobre este princípio, cabe transcrição dos ensinamentos de Luís

Roberto Barroso:

A ideia de efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamente

recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo nos

últimos tempos. Ligada ao fenômeno da juridicização da Constituição,

e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa, a

efetividade merece capítulo obrigatório na interpretação

constitucional. A doutrina contemporânea refere-se à necessidade de

dar preferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista

que levem às normas a obter a máxima eficácia ante as circunstâncias

de cada caso.

É oportuno, aqui, para a operatividade do princípio, um

aprofundamento conceitual da efetividade. Os fatos jurídicos

resultantes de uma manifestação de vontade denominam-se atos

jurídicos. Quando emanados do Poder Público, tais atos serão

legislativos, administrativos ou judiciais. Classicamente, os atos

jurídicos comportam análise científica em três planos distintos e

inconfundíveis: o da existência, o da validade e o da eficácia. Não é

possível, nesta instância, aprofundar esses conceitos. Faz-se apenas o

registro de que a existência do ato jurídico está ligada à presença de

seus elementos constitutivos (normalmente, agente, objeto e forma) e

a validade decorre do preenchimento de determinados requisitos, de

atributos ditados pela lei. A ausência de algum dos requisitos conduz à

invalidade do ato, à qual o ordenamento, considerando a maior ou

menor gravidade, comina as sanções de nulidade ou anulabilidade.

De maior interesse para os fins aqui visados é a eficácia dos atos

jurídicos, o terceiro plano de análise, que se traduz na sua aptidão para

a produção de efeitos, para a irradiação das consequências que lhe são

próprias. Eficaz é o ato idôneo pra atingir a finalidade para a qual foi

gerado. Tratando-se de uma norma, a eficácia jurídica designa a

84

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1097-1098.

85

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3ª edição. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 72.

44

qualidade de produzir, em maior ou menor grau, os seus efeitos

típicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e

comportamentos nela indicados; neste sentido, a eficácia diz respeito à

aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma. Atente-se

bem: a eficácia refere-se à aptidão, à idoneidade do ato para a

produção de seus efeitos.86

Por fim, frente à universalidade dos Direitos Fundamentais e à máxima eficácia

que deve ser buscada na interpretação e na aplicação dos Direitos Fundamentais, surge

questão importante no que tange à interpretação de textos legais infraconstitucionais

introdutores de normas jurídicas limitadoras da aplicação objetiva de Direitos Fundamentais

como, por exemplo, o artigo 62 da CLT, que introduz hipóteses de afastamento do direito a

horas extras (direito a horas extras que, de acordo com a argumentação apresentada no item

2.4.2 deste capítulo da tese, entendemos ter natureza jurídica de Direito Fundamental) em

algumas situações objetivas (de impossibilidade de controle da jornada de trabalho).

Tais enunciados prescritivos devem ser interpretados restritivamente, limitando a

idoneidade das hipóteses interpretativas (surgidas frente à elasticidade semântica do texto

normativo) àquelas que indiquem a não aplicação, num caso concreto específico, de

determinado Direito Fundamental em razão exclusiva de efetiva impossibilidade concreta de

verificação quantitativa (constatação da quantidade) e/ou de verificação qualitativa

(constatação da qualidade) de fatos do mundo fenomênico capazes de se enquadrar no

antecedente de uma norma jurídica introdutora de Direito Fundamental.

Ilustrando a aplicabilidade da conclusão teórica exposta no parágrafo anterior,

somente haverá de se considerar hipóteses interpretativas do artigo 62, I, da CLT que

evidenciem, no mundo fenomênico, a efetiva impossibilidade de controle da jornada de

trabalho (isto é, a impossibilidade efetiva, em concreto, de verificação quantitativa do fato do

mundo fenomênico - no caso, tempo de prestação de atividade laboral no exercício das

obrigações inerentes à relação de emprego - que preenche o antecedente da norma jurídica

introdutora do Direito Fundamental de percepção de horas extraordinárias).

86

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 253-254.

45

3. A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale e o fenômeno da mutação

normativa

Importante, inicialmente, fixarmos o nosso objetivo na utilização da Teoria

Tridimensional do Direito de Miguel Reale como referencial teórico da presente tese.

Conforme capítulos II e III desta tese, a atual tecnologia de rastreamento e

monitoramento de veículos, instrumentalizada através dos sistemas “Automatic

Vehicle Location”, modificou o regime de visibilidade praticado na fiscalização e no

controle das atividades do Motorista Rodoviário pelo seu Empregador, sem que

houvesse qualquer eventual modificação nos textos legais que objetivam reger, do

ponto de vista jurídico, as relações entre as referidas partes. Se de um lado tal

modificação do regime de visibilidade se dê, inicialmente, no campo da sociologia, os

reflexos no Direito, e mais especificamente nas normas jurídicas destinadas a

normatizar as situações fáticas sujeitas a tal modificação de regime de visibilidade, são

inexoráveis, cabendo-nos, entretanto, proceder ao desenvolvimento do raciocínio

científico explicativo de tais reflexos, e é exatamente com base na Teoria

Tridimensional do Direito de Miguel Reale que desenvolveremos tal raciocínio.

3.1 O ambiente temporal de desenvolvimento da Teoria Tridimensional do Direito

A mentalidade do século XIX foi fundamentalmente analítica ou

reducionista, sempre atentada a encontrar uma solução unilinear ou monocórdica para

os problemas sociais e históricos, ao passo que em nossa época prevalece um sentido

concreto de totalidade ou de integração, na acepção plena destas palavras, superadas as

pseudototalizações realizadas em função de um elemento ou fator destacado do

contexto da realidade87

. A suposta correspondência entre a infraestrutura social e o

sistema de normas vigentes levava, por conseguinte, o jurista a concentrar a sua

atenção nos elementos conceituais ou lógico-formais, não havendo razões para

distinguir entre Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito88

.

87

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 10. 88

Ibidem, p. 5.

46

Impõe-se reconhecer que houve plausíveis razões históricas para que, no

século XIX, por exemplo, predominasse a imagem do Direito com base na certeza

objetiva da lei. É que as estruturas jurídicas do Estado de Direito, modelado sob o

influxo do individualismo liberal dominante na cultura burguesa, cujos valores se

impunham como expressão natural de toda uma época histórica, correspondiam,

consoante crença generalizada, às necessidades e tendências da sociedade oitocentista.

Dominando entre os juristas a convicção de uma correspondência essencial entre a

realidade sócio-econômica e os modelos jurídicos consagrados nas leis, era natural que

o problema da validade fosse posto em termos de validade formal ou de vigência89

.

Sobretudo a partir do segundo pós-guerra, uma generalizada aspiração no

sentido da compreensão global e unitária dos problemas jurídicos, abandonadas as

predileções reducionistas que levam a pseudototalizações90

. Se é certo que as

estruturas lógicas da Dogmática Jurídica tradicional não correspondem mais às

transformações operadas na sociedade atual, nem às exigências morais e técnicas do

Estado do Bem-Estar Social ou da Justiça Social – expressões com as quais se

reclamada um Estado de Direito concebido em função de uma comunidade humana

plural e, ao mesmo tempo, solidária-, também é verdade que ao lado de salutar crise de

ordem metodológica, põe-se outro problema não menos essencial: o da nova

determinação do significado da Ciência do Direito para o destino do homem91

.

Reconhecido, com efeito, o desajuste entre os sistemas normativos e as

correntes subjacentes da vida social, os domínios da Ciência do Direito viram-se

agitados por uma nova “ventania romântica”, tal como qualificado o movimento do

“Direito Livre”(Freis Recht) ou da libre recherche du droit, chegando a ser postos em

xeque os elementos de certeza indispensáveis à ordem jurídica positiva. Foi através

dos debates sobre a teoria geral da interpretação que as inquietações filosófico-

jurídicas penetraram nos redutos da Ciência Jurídica. Ao mesmo tempo, a Filosofia do

Direito embebia-se de problemática positivista, achegando-se mais concretamente às

89

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 16. 90

Ibidem, p. 20. 91

Ibidem, p. 10.

47

exigências práticas do direito92

. Eis as palavras de Gény, destacadas por Miguel Reale:

“É, pois, na essência e na vida mesma do Direito Positivo que, antes de mais nada, nos

cabe penetrar, recolocando-o no meio do mundo social, do qual ele é um elemento

integrante, para estudá-lo em função das forças intelectuais e morais da humanidade,

que, somente elas, lhe podem dar real valor”93

.

A busca do essencial e do concreto surge, assim, como uma exigência

indeclinável dos novos tempos. Há um chamado vivo para a Filosofia do Direito,

porque está em jogo o destino mesmo das hierarquias axiológicas de cuja estabilidade

os códigos eram ou ainda se pretende sejam reflexos94

. Nem é demais observar que,

paralelamente ao crescente interesse pelos estudos filosófico-jurídicos, o que afirma

cada vez mais é a exigência de uma Ciência Jurídica concreta, permanentemente

ligada aos processos axiológicos e históricos, econômicos e sociais, o que se pode

observar em múltiplas direções, sob variadas formas e expressões, amiúde empregadas

pelos diversos autores, tais como “infraestrutura econômica”, “experiência jurídica”,

“realidade do direito”, “fato normativo”, “jus vivens”, “direito como conduta”, “direito

como ordenamento”, “direito como fato, valor e norma”, “socialidade do direito”,

“jurisprudência dos interesses”, “jurisprudência dos valores”etc95

.

Se os juristas, porém, interessam-se cada vez mais pela Filosofia, a

recíproca também o é, visto como os filósofos do direito abandonaram também os seus

esquemas formais e abstratos para tomarem contato cada vez mais vivo com a

positividade do direito, aprendendo a dar valor ao particular, ao contingente e ao

empírico, tal como se desenrola e se dramatiza a vida dos advogados e dos juízes, em

suma, da experiência jurídica96

.

92

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 6. 93

Idem. 94

Ibidem, p. 7. 95

Ibidem, p. 8. 96

Idem.

48

Quem assume, porém, uma posição tridimensionalista já está a meio

caminho andado da compreensão do Direito em termos de “experiência concreta”,

pois, até mesmo quando o estudioso se contenta com a articulação final dos pontos de

vista do filósofo, do sociólogo e do jurista, já está revelando salutar repúdio a

quaisquer imagens parciais ou setorizadas, com o reconhecimento da insuficiência das

perspectivas resultantes da consideração isolada do que há de fático, de axiológico ou

ideal, ou de normativo na vida do Direito. Se, como adverte Recasén Siches, o Direito

é essencialmente tridimensional, essa qualidade não pode existir só para o jurista, no

plano de sua atividade científico-positiva, mas deve constituir antes um pressuposto de

validade transcendental, condicionando, por conseguinte, todas as estruturas e modelos

que compõem a experiência do direito. Se assim não fora, começaria a existir, nos

domínios da Filosofia do Direito, um pernicioso divórcio entre filósofos e juristas97

.

Nesse contexto, vê-se que a Filosofia do Direito não pode se alienar dos

problemas da Ciência do Direito, mas, ao contrário, deve achegar-se a eles,

convertendo-os em seus problemas, sob outro prisma que não o da Ciência, empregada

a palavra problema no seu sentido original, como algo posto como objeto de análise,

implicando a possibilidade de alternativas98

. É claro que, nessa procura de novos

caminhos, visando atingir o direito concreto, o problema da efetividade ou da eficácia

assumiu posição de primeiro plano, passando os juristas a se preocupar com soluções

forjadas ao calor da experiência social, ainda que com os sacrifícios dos valores da

certeza e da segurança99

. É nesse amplo contexto histórico que se situam as diversas

formas de tridimensionalismo jurídico, infensos a interpretações setorizadas ou

unilaterais da experiência jurídica, a soluções, em suma, que impliquem a

desarticulação de uma estrutura, fora da qual os conceitos de vigência, eficácia e

fundamento resultariam mutilados100

.

97

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 11. 98

Ibidem, p.12. 99

Ibidem, p.17-18. 100

Ibidem, p.20.

49

Na visão de Reale, vigência, eficácia e fundamento são qualidades inerentes

a todas as formas de experiência jurídica, muito embora prevaleça mais esta ou aquela,

segundo as circunstâncias, sem que se possa partir o nexo que as vincula ao todo,

como é próprio da estrutura do Direito101

, devendo-se correlacioná-los segundo uma

compreensão dialética de complementariedade102

. Tudo isto está a demonstrar como a

pesquisa filosófica, penetrando no âmago da validez formal, anima e fecunda, dando-

lhe um novo sentido de integralidade e concreção, a Ciência Dogmática do Direito,

colaborando com os juristas positivistas em sua difícil e árdua tarefa de determinar e

sistematizar as categorias jurídicas reclamadas por um mundo em mudanças103

.

3.2 As espécies de Tridimensionalidade do Direito

São múltiplas as teorias que põem em relevo a natureza tridimensional da

experiência jurídica, nela discriminando três “elementos”, “fatores” ou “momentos” (a

diversidade dos termos já denota as diferenças de concepção), usualmente indicados

com as palavras fato, valor e norma104

. Analisemos algumas dessas teorias para, ao

fim, apontar aquela que se identifica com o pensamento de Reale.

3.2.1 A Tridimensionalidade genérica e abstrata do direito

Destacam-se a posições de Emil Lask e Gustav Radbrucj, mestres da Escola

Sud-Ocidental Alemã, que recorreram a um elemento intermédio ou de ligação posto

entre os valores ideais e os dados da experiência jurídica: esse ponto de conexão entre

a realidade empírica e o ideal do Direito seria o mundo da cultura ou da história, isto

é, o complexo de bens espirituais e materiais constituído pela espécie humana através

101

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p.21. 102

Ibidem, p.22. 103

Idem. 104

Ibidem, p.23.

50

dos tempos105

. Plano do valor ou do dever ser, plano da realidade causalmente

determinada e plano da cultura ou do ser referido ao dever ser, eis aí assentes as bases

de um tipo de tridimensionalidade, segundo três ordens lógicas distintas,

correspondentes, respectivamente, a juízos de valor, juízos de realidade e juízos

referidos a valores106

. Destarte, procuravam Lask e Radbruch superar a antinomia

posta entre a historiciedade de um valor transcendental (do qual o jusnaturalismo

pretendera deduzir artificialmente todo o sistema das normas positivas) e o mero

significado contingente das relações de fato, insuscetíveis de compreensão de validade

universal, como sustentavam os positivistas107

.

Lask e Radbruch apontavam cômoda distribuição de pesquisas entre o

filósofo, o sociólogo e o jurista, o primeiro incumbido de estudar a transcendentalidade

dos valores jurídicos, ou os valores jurídicos em si mesmos, com a consequente

redução da Filosofia do Direito numa Axiologia Jurídica Fundamental, o segundo,

com a tarefa de indagar das leis que regem as estruturas e os processos fáticos do

direito, isto é, o direito como fato social, nos quadros da Sociologia e o terceiro,

finalmente, empenhado na análise do Direito enquanto realidade impregnada de

significações normativas, segundo os cânones da Jurisprudência ou Ciência do Direito,

distinta pela especificidade do método jurídico-dogmático108

. Desdobra-se, nos

raciocínios de Lask e Radbruch, de maneira mais nítida neste último, o que Miguel

Reale denomina Tridimensionalidade Genérica ou Abstrata do Direito, visto como a

análise ôntica do fenômeno jurídico que os conduz a conceber, abstrata e

separadamente, cada um dos três elementos encontrados, fazendo corresponder a cada

um deles, singularmente considerado, respectivamente, um objeto, um método e uma

ordem particular de conhecimentos: a Ciência Integral do Direito seria obtida graças à

integração dos três estudos(na forma apontada por Lask), ou em virtude de simples

justaposição de três perspectivas entre si irreconciliáveis e antinômicas (como na visão

105

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 24. 106

Ibidem, p.23. 107

Ibidem, p.25. 108

Idem.

51

de Radbruch)109

. Ainda no campo do tridimensionalismo genérico, interessantes são as

palavras de Josef L. Kunz, que, segundo Miguel Reale, evidenciam sobremaneira as

características de tal espécie de tridimensionalidade:

Eu sempre defendi a opinião – escreve Kunz – que há três ramos da

Filosofia do Direito e que esses ramos existem atualmente: o Analítico

(que inclui a Teoria Jurídica Pura), o Sociológico e o

Axiológico(Direito Natural). A Escola Analítica é de maior

importância para o Juiz, o Advogado e o Jurista teórico: concebe o

direito como norma, como sistema de normas, de um ponto de vista

analítico, teórico, formal, construtivo. Porém, para compreender o

direito, em toda a sua complexidade, não é menos necessário estudá-lo

do ponto de vista sociológico e axiológico. O enfoque sociológico do

direito é uma ciência causal: mais do que o direito mesmo, examina a

sua criação, e esta é, naturalmente, um fato histórico, social e político:

pertence ao reino do ser, enquanto as normas criadas em tal processo

se acham inseridas no reino do dever ser. A filosofia sociológica

considera também a efetividade do direito, e aqui se trata igualmente

de investigações causais. A filosofia jurídica axiológica, de seu lado,

critica o direito e toma como parte dessa crítica uma série de normas

extrajurídicas: o Direito Natural não é direito, mas sim Ética. Esta

tripartição, desejo acrescentar logo, corresponde às ideias de Verdross,

que reconheceu a necessidade de combinar as três direções, não

obstante as suas grandes diferenças metodológicas, para compreender

o direito em toda a sua complexidade110

.

3.2.2 A Tridimensionalidade Específica

Afirma Miguel Reale que era natural que, num dado momento dos estudos,

parecesse insustentável a posição correspondente à uma concepção tridimensional

genérica ou abstrata, vacilante entre uma justa posição extrínseca de perspectivas e

uma confessada antinomia ou aporia entre os três pontos de vista possíveis suscitados

pela experiência do Direito. Foi por volta de 1940 que surgiram as primeiras tentativas

no sentido de se mostrar a ilogicidade das teorias que, apresentando a realidade

jurídica como sendo constituída de três elementos, isto não obstante, continuavam a

109

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 25-26. 110

KUNZ, Josef L. La Filosofia Del Derecho de Alfred Verdross, 1962, p. 213. Apud REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 38-39.

52

conferir plena juridicidade a cada um deles, abstraído dos demais111

. Tal concepção

(tridimensionalidade específica) cessa de apreciar fato, valor e norma como elementos

separáveis da experiência jurídica e passa a concebê-los, ou como perspectivas ou

como fatores e momentos “inilimináveis” do Direito: é o que Reale denomina

“tridimensionalidade específica”112

.

Mesmo o tridimensionalismo específico oferece múltiplas e até mesmo

contrastantes formulações, de tal sorte que uma doutrina não pode se distinguir das

demais pelo simples afirmar-se de uma tricotomia essencial113

. Jerome Hall, após

considerar profunda a compreensão dos “realistas” norte-americanos quando

reclamavam uma base fática para as ciências sociais, afirmava que, segundo uma

perspectiva sociológico-humanística, o Direito não é puro fato, mas um tipo distinto de

realidade social: uma certa conduta que representa a fusão de ideias legais (normas)

com fatos e valores. O problema que fica em aberto consiste em saber como é que os

três elementos(fato, valor e norma) correlacionam-se na unidade essencial à

experiência jurídica, pois sem unidade de integração não há “dimensões”, mas simples

“perspectivas” ou “pontos de vista”, sendo que, conforme ensinamentos de Reale, é só

graças à compreensão dialética dos três fatores que se torna possível atingir uma

compreensão concreta da estrutura tridimensional do Direito, na sua natural

temporalidade114

.

111

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 38-39. 112

Ibidem, p. 48-49. 113

Ibidem, p.49. 114

Ibidem, p. 50.

53

3.3 As características da Tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale

Pensa Reale que o saber jurídico não se apresenta, em seu todo, como uma

espécie de scientia omnibus, na qual todas as investigações se justaponham, mas que

ele se desdobra em planos lógicos que não podem e não devem ser confundidos, o

plano transcendental e o plano empírico-positivo, e, mais ainda, que, no segundo,

discriminam-se âmbitos ou campos distintos de pesquisa, que dão título de autonomia

à Sociologia do Direito, à Política do Direito, à Ciência Dogmática do Direito, ou à

História do Direito. O Direito é, por certo, um só para todos os que o estudam,

havendo necessidade de que os diversos especialistas se mantenham em permanente

contato, suprimindo e complementando as respectivas indagações, mas isto não quer

dizer que, em sentido próprio, possa-se falar numa única Ciência do Direito, a não ser

dando ao termo “ciência” a conotação genérica de “conhecimento” ou “saber”

suscetível de desdobrar-se em múltiplas “formas de saber”, em função dos vários

“objetos” de cognição que a experiência do Direito logicamente possibilita115

.

A unidade do Direito é uma unidade de processos, essencialmente dialética

e histórica, e não apenas uma distinta aglutinação de fatores na conduta humana, como

se esta pudesse ser conduta jurídica abstraída daqueles três elementos (fato, valor e

norma), que são o que a tornam pensável como conduta e, mais ainda, como conduta

jurídica. Não se deve pensar, portanto, na conduta jurídica como uma espécie de

mansão onde se hospedam três personagens, pois a conduta é a implicação daqueles

três fatores e com eles se confunde, ou não passa de falaciosa abstração, de uma

inconcebível atividade desprovida de sentido e de conteúdo116

.

Quando se fala em conduta jurídica não devemos pensar em algo de

substancial ou de “substante”, capaz de receber os timbres exteriores de um sentido

axiológico ou de uma diretriz normativa: ela, ao contrário, só é conduta jurídica

enquanto e na medida em que é experiência social dotada daquele sentido e daquela

diretriz, ou seja, enquanto se revela fático-axiológico-normativamente, distinguindo-se

115

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p.56. 116

Idem.

54

das demais espécies de conduta ética por ser o momento bilateral-atributivo da

experiência social117

.

A Teoria Tridimensional do Direito desenvolvida por Miguel Reale

distingue-se das demais, de caráter genérico ou específico, por ser concreta e

dinâmica, isto é, por afirmar que:

c.1) Fato, Valor e Norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer

expressão da vida jurídica, seja ela estudada pelo filósofo ou sociólogo do direito ou

pelo jurista como tal, ao passo que, na tridimensionalidade genérica ou abstrata,

caberia ao filósofo somente o estudo do valor, ao sociólogo o do fato e ao jurista o da

norma. Tem-se, assim, na forma desenvolvida por Reale, a Tridimensionalidade como

requisito essencial ao Direito118

.

c.2) A correlação entre os três elementos (fato, valor e norma) é de natureza funcional

e dialética, dada a “implicação-polaridade” existente entre fato e valor, de cuja tensão

resulta o momento normativo, como solução superadora e integrante nos limites

circunstanciais de lugar e de tempo. Trata-se da concreção histórica do processo

jurídico numa dialética de complementariedade119

.

Seria absolutamente falho, portanto, reduzir o pensamento de Miguel Reale

sobre o Direito, como ele próprio destacou, aos dois enunciados discriminados acima,

omitindo-se outros pontos não menos relevantes, sem os quais a concepção do

Tridimensionalismo de Miguel Reale ficaria irremediavelmente mutilada, podendo-se

exemplificar com o acréscimo das seguintes proposições:

c.3) As diferentes ciências, destinadas à pesquisa do direito, não se distinguem umas

das outras por se distribuírem entre si fato, valor e norma, como se fossem fatias de

algo divisível, mas sim pelo sentido dialético das respectivas investigações, pois ora se

pode ter em vista prevalentemente o momento normativo, ora o momento fático, ora o

117

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 57. 118

Idem. 119

Ibidem, p. 57.

55

axiológico, mas sempre em função dos outros dois. É o que Reale reduz como

tridimensionalidade funcional do saber jurídico120

.

c.4) A Jurisprudência é uma ciência normativa (mais precisamente, compreensivo-

normativa), devendo, porém, entender-se por norma jurídica bem mais que uma

simples proposição lógica de natureza ideal: é antes uma realidade cultural e não mero

instrumento técnico de medida no plano ético da conduta, pois nela e através dela se

compõem os conflitos de interesses, e se integram renovadas tensões fático-

axiológicas, segundo razões de oportunidade e prudência. Trata-se do normativismo

jurídico concreto ou integrante121

.

c.5) A elaboração de uma determinada e particular norma de direito não é mera

expressão do arbítrio do poder, nem resulta objetiva e automaticamente da tensão

fático-axiológica operante em dada conjuntura histórico-social: é antes um dos

momentos culminantes da experiência jurídica, em cujo processo se insere

positivamente o poder (quer o poder individualizado de um órgão do Estado, quer o

poder anônimo difuso do corpo social, como ocorre na hipótese das normas

consuetudinárias), mas sendo sempre o poder condicionado por um complexo de fatos

e valores, em função das quais é feita a opção por uma das soluções regulativas

possíveis, armando-se de garantia específica. Trata-se da institucionalização ou

jurisficação do poder na monogênese jurídica122

.

c.6) A experiência jurídica deve ser compreendida como um processo de objetivação e

discriminação de modelos de organização e de conduta, sem perda de seu sentido de

unidade, que vai desde as “representações jurídicas”, que são formas espontâneas e

elementares de juridicidade (experiência jurídica pré-categorial), até o grau máximo de

expansão e incidência normativas representado pelo direito objetivo estatal, com o

qual coexistem múltiplos círculos intermédios de juridicidade, segundo formas

diversificadas e autônomas de integração social, com a concomitante e complementar

120

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 57. 121

Ibidem, p.61. 122

Idem.

56

determinação de situações e direitos subjetivos. Trata-se da teoria dos meios jurídicos

e da pluralidade gradativa dos ordenamentos jurídicos123

.

c.7) A norma jurídica, assim como todos os modelos jurídicos, não pode ser

interpretada com abstração dos fatos e valores supervenientes, assim como da

totalidade do ordenamento em que ela se insere, o que torna superados os esquemas

lógicos tradicionais de compreensão do direito. É o que Reale denomina como

elasticidade normativa e semântica jurídica124

.

c.8) A sentença judicial deve ser compreendida como uma experiência axiológica

concreta e não apenas como um ato lógico redutível a um silogismo, verificando-se

nela, se bem que no sentido da aplicação da norma, um processo análogo ao da

integração normativa125

.

c.9) Há uma correlação funcional entre fundamento, eficácia e vigência, cujo

significado só é possível numa teoria integral da validade do Direito126

.

c.10) A compreensão da problemática jurídica pressupõe a consideração do valor

como objeto autônomo, irredutível aos objetos ideais, cujo prisma é dado pela

categoria do ser. Sendo os valores fundantes do dever ser, a sua objetividade é

impensável sem ser referida ao plano da história, entendida como “experiência

espiritual”, na qual são discerníveis certas invariantes axiológicas, expressões de um

valor-fonte (a pessoa humana), que condiciona todas as formas de convivência

juridicamente ordenada. Trata-se do historicismo axiológico127

.

c.11) Reale aponta consequente reformulação do conceito de experiência jurídica

como modalidade de experiência histórico-cultural, na qual o valor atua como um dos

fatores constitutivos dessa realidade (função ôntica) e, concomitantemente, como

123

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61-62. 124

Ibidem, p. 62. 125

Idem. 126

Idem. 127

Idem

57

prisma de compreensão da realidade por ela constituída (função gnoseológica) e como

razão determinante da conduta (função deontológica)128

.

c.12) Em virtude da natureza trivalente do valor e da tripla função por ele exercida na

experiência histórica, o Direito é uma realidade in fieri, refletindo, no seu dinamismo,

a historiciedade mesma do ser do homem, que é o único ente que, de maneira

originária, é enquanto deve ser, sendo o valor da pessoa a condição transcendental de

toda experiência ético-jurídica. Trata-se do personalismo jurídico129

.

c.13) Há a necessidade de uma Jurisprudência que, no plano epistemológico,

desenvolva-se como experiência cognoscitiva, na qual sujeito e objeto se co-implicam

e, no plano deontológico, não se perca em setorizações axiológicas, mas atenda sempre

à solidariedade que une entre si todos os valores, assim como à sua condicionalidade

histórica. Trata-se da Jurisprudência histórico-cultural ou axiológica130

.

3.4 A “Eticidade” como reflexo da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel

Reale

Apresentados, através de breve descrição, o fundamento e as características

da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, importante destacar, frente ao

objetivo por nós quisto – explicar cientificamente, tendo como pano de fundo a Teoria

Tridimensional do Direito de Miguel Reale, como a modificação do regime de

visibilidade cultuado por uma sociedade implica na modificação das normas jurídicas

postas, mesmo sem a eventual alteração de texto de lei – a “Eticidade” como uma das

consequências da aplicação da Teoria Tridimensional do Direito no Direito posto.

128

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 62-63. 129

Ibidem, p.63. 130

Idem.

58

3.4.1 Análise semântica do termo “Eticidade”

Objetivando a busca do conceito do “Eticidade”, entendemos importante

iniciar pelo estudo semântico da palavra que representa tal instituto, do suporte físico

introdutor do instituto no mundo da linguagem. O termo “Eticidade” é a soma da

palavra “ética”, que pode ser utilizada, na língua portuguesa tanto como substantivo

como sob a modalidade de adjetivo, com o sufixo “idade”. Referido sufixo tem

relevante e específico papel na língua portuguesa ao atuar como formador de

substantivos abstratos derivados de adjetivos, com o significado de “qualidade ou

característica do que x”(em que x corresponde ao adjetivo que serve de base)131

. Sobre

o tema, vale transcrever as lições de Adriana Cristina Chan-Vianna e Maria Aparecida

Curupaná da Rocha Mello:

Em português, a formação de substantivos a partir de adjetivos faz-se

por sufixação, estando entre as estruturas mais produtivas aquelas

formadas por –idade (juntamente com –eza e –ice). O sufixo –idade é

o sufixo mais utilizado para a formação de substantivos a partir de

adjetivos, dado que, embora possa ocorrer em qualquer tipo de

construção, adiciona-se sobretudo a formas já derivadas a partir de

adjetivos com as estruturas X–al, X-vel, X-ico, X-ário. O sufixo

normalizador –idade, do português, é classificado como sufixo

categorial não significativo, pois determina transposição da classe dos

adjetivos para a classe dos substantivos abstratos, sem especificar

qualquer acréscimo semântico além daquele da base.132

No caso específico do termo “Eticidade”, aplicando-se o quanto acima

exposto, podemos afirmar que tal termo é substantivo abstrato que significa qualidade

ou característica de ser ético. Essa conclusão não é muito diferente daquela apontada

pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa ao trazer o sentido denotativo da

palavra “Eticidade”, qual seja: qualidade ou caráter do que é condizente com a

moral133

. No entanto, parece-nos que a definição apresentada no referido dicionário

131

“Ciberdúvidas da Língua Portuguesa”. 2008. Disponível em: <http://ciberduvidas.sapo.pt/pergunta.php?id=21193>. Acesso em 12.set.2008.

132

CHAN-VIANNA, Adriana Cristina e MELLO, Maria Aparecida Curupaná da Rocha. A construção da gramática guineense. 2008. Disponível em: <http://www.abecs.net/papia/docs/17/Chan-Vianna%20&%20Melo%202007.pdf>. Acesso em: 12.set. 2008.

133

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em: <www.uol.com.br>. Acesso em 12.set. 2008.

59

não pode ser simplesmente transposta para o raciocínio que travamos nesta pesquisa,

vez que parte da sinonímia entre “ética” e “moral” que, parece-nos, não é o sentido

utilizado para o radical “ética” no termo derivado “Eticidade” quando utilizado por

Miguel Reale.

Para que possamos ter uma definição mais profunda do que vem a ser

Eticidade é necessário que investiguemos o significado do adjetivo que serve de

radical para a formação de tal termo, isto é, o significado em que o adjetivo “ética” é

utilizado.

3.4.2 A polissemia da palavra “Ética”

O termo “ética” é, sem dúvida alguma, polissêmico, podendo, a partir do

seu mesmo suporte físico, gerar grande quantidade de significados. Passamos, nos

próximos parágrafos, a apontar alguns significados que são utilizados para o referido

termo para que, num passo seguinte, possamos investigar, de forma certeira o sentido

do adjetivo “ética” que se encontra qualificado pelo sufixo “idade” formando o

substantivo abstrato “Eticidade” sob o enfoque do raciocínio desenvolvido por Miguel

Reale.

O Homem diferencia-se dos demais animais pela sua racionalidade, pela

sua capacidade de, tendo conhecimento da realidade que o envolve e da potencialidade

de seus atos, exercer a sua própria razão. Esse processo de atuação racional do Homem

envolve o livre-arbítrio, entendido como a liberdade de praticar os atos desejados, mas

que tem como baliza os efeitos potenciais dos atos realizados sob a permissão do livre

agir. Esses efeitos potenciais do agir humano se dirigem não só à individualidade do

ser atuante, mas também à comunidade que o cerca, motivo pelo qual o binômio

liberdade-responsabilidade interessa não só à cada cidadão, mas à sociedade.

A manutenção da sociedade e o seu funcionamento harmônico dependem

diretamente da responsabilidade, do cuidado de cada indivíduo no exercício de seu

livre arbítrio. O Homem, frente à uma determinada situação concreta que é enfrentada,

60

realiza o seu juízo de valor, que é a parte da psique humana onde reside o

discernimento primordial entre o erro e a verdade. É o hábito mental de apreciar as

coisas, as pessoas e as situações. Através do juízo de valor, há a efetiva análise das

possibilidades que tem o Homem, naquele momento, de agir, isto é, dos

comportamentos possíveis frente à situação, bem como dos efeitos potenciais que

cada um desses comportamentos possíveis é capaz de gerar na sua individualidade e

no mundo que o rodeia. Exemplifiquemos: atrasado para o serviço, o Homem trafega

pela via pública, quando avista um idoso caído ao chão em razão de um acidente

automobilístico sem que qualquer pessoa estivesse por perto para ajudá-lo. Nesse

momento, o Homem tem a liberdade de agir, praticando o ato que bem entender. Aqui

começa a agir o seu livre-arbítrio. Munido pelo juízo de valor, o Homem passa a

enumerar os comportamentos que lhe são possíveis naquela situação, como continuar o

seu percurso sem auxiliar o ferido, continuar o percurso e telefonar para que alguém

socorra o ferido, entre outros. Para cada um desses comportamentos possíveis, o

Homem analisa os efeitos potenciais de cada um deles: se continuar o seu percurso, o

idoso poderá vir a falecer por omissão de socorro; se suspender o seu percurso, poderá

sofrer punições de seu empregador em razão do atraso; entre outras possibilidades.

Aberta na mente humana essa virtualidade de possibilidades e seus potenciais efeitos,

cabe ao homem optar por um dos comportamentos possíveis, realizando-os e se

responsabilizando por seus efeitos.

A relação entre o livre arbítrio e os efeitos por ele gerados resulta na

necessidade de existência de parâmetros, de balizas, de limites para o livre agir

humano. Tais parâmetros são gerados pelo próprio Homem, vez que, sentindo no seu

interior que foi criado para aperfeiçoar a sua essência, passa a direcionar o seu juízo de

valor para a realização do bem, buscando a sua auto-perfeição, perfeição essa que

também é buscada pela sociedade, que impulsiona o indivíduo para a realização de

comportamentos que não desarmonizem a vida social. Através da experiência, do

conviver e da observação do mundo que o rodeia, o homem acumula um grupo de

regras que acredita serem eficazes e úteis para o seu aperfeiçoamento. A formulação

61

dessas regras, bem como o conjunto sistemático de normas oriundas dessa formulação,

recebem a denominação de moral134

.

Assim, por moral entende-se não só a formulação das normas morais, como

também a “moral positiva”, que é o conjunto de normas e valores morais de fato

aceitos por uma comunidade para regular as relações entre os seus membros135

. E

mais, se a moral está diretamente relacionada à comunidade a que é inerente, a

variedade de contextos históricos, sociais e culturais leva à uma pluralidade de morais,

significando dizer que morais concretas podem coexistir ou suceder uma às outras,

sendo nessa pluralidade que o Homem, como sujeito moral, expressa seu papel ativo e

criador136

. Essa teoria é percebida na prática ao, por exemplo, verificarmos que numa

mesma cidade existem bairros com diferentes características, gerando morais positivas

diferentes em cada um desses.

Apresentado o conceito de moral, partimos para o conhecimento da ética.

Muitos estudiosos não conseguem constatar a diferença entre a ética (que advém do

grego ethos, que significa modo de ser) e moral (que tem origem no latim mores, cujo

significado é costumes), tratando-as, em razão da semelhança semântica dos termos,

como sinônimos137

. Essa, entretanto, não será a forma que compreenderemos ética e

moral. Tratando-se o presente texto de um estudo científico, devemos nos atentar à

precisão dos termos, que é uma característica da ciência, evitando-se a ambiguidade

dos vocábulos, já que a delimitação do objeto é pressuposto do controle da incidência

das proposições descritivas produzidas pelo conhecimento científico138

.

134

DROPA, Romualdo Flávio. Ética, Política e Justiça. 2006. Disponível em: < http://dropa.sites.uol.com.br/etica3.htm>. Acesso em 15.mar.2006.

135

GARRAFA, Volnei; KOTTOW, Miguel e SAAD, Alya (organizadores). Bases conceituais da bioética: enfoque latino-americano. Tradução de Luciana Moreira Pudenzi e Nicolas Nyimi Campanário. São Paulo: Gaia, 2006, p. 122-123.

136

SOARES, André Marcelo M. e PIÑERO, Walter Esteves. Bioética e Biodireito: uma introdução. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.25.

137

Ibidem, p.21. 138

CARVALHO, Paulo de Barros. Língua e Linguagem – Signos Linguísticos – Funções, Formas e Tipos de Linguagem – Hierarquia de Linguagem. In Apostila de Filosofia do Direito I (Lógica Jurídica), utilizada como

62

A ética é a ciência que tem como objeto a moral, é um conhecimento

racional que, a partir da análise de comportamentos concretos, caracteriza-se pela

preocupação em definir o que é bom, enquanto a moral preocupa-se com a escolha da

ação que, em determinada situação, deve ser empreendida139

. A ética foi

profundamente tratada pelos filósofos gregos, sendo que para eles a ética se

subordinava à ideia de felicidade da vida presente e do soberano bem, entendendo que

o objetivo supremo era encontrar uma definição desse bem, de tal maneira que o sábio

se bastasse a si mesmo, isto é, que dependesse dele mesmo para ser feliz, estando a

felicidade ao alcance de todo homem racional140

. Para muitos, ética e moral não se

excluem e não estão separadas, embora os problemas teóricos e práticos se

diferenciem, de maneira que decidir e agir concretamente é um problema prático e,

portanto, moral. Investigar essa decisão e essa ação, a responsabilidade que a elas é

inerente, e o grau de liberdade e de determinismo aí envolvidos é um problema teórico

e, portanto, ético141

.

Hoje, muito se fala sobre a “crise da ética”, fenômeno gerado em nome da

modernidade, do avanço tecnológico ou das novas tendências em que se verifica a

existência de um modo de pensar, de agir, de viver fora dos princípios morais que até

pouco tempo eram respeitados e aceitos, essa é a chamada crise ética. E a aceitação

natural e constante dessa nova situação caracteriza a denominada crise da ética, ao

arrepio das regras que regem os atos humanos, tanto particulares, como públicos,

existindo uma superestimação das coisas em detrimento do sentido da vida142

. A ética

material de apoio na cadeira de “Lógica Jurídica” no curso de pós-graduação stricto sensu na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no 2º semestre do ano de 2002, p. 33.

139

GARRAFA, Volnei; KOTTOW, Miguel e SAAD, Alya (organizadores). Bases conceituais da bioética: enfoque latino-americano. Tradução de Luciana Moreira Pudenzi e Nicolas Nyimi Campanário. São Paulo: Gaia, 2006, p.24.

140

BARONI, Robison. Cartilha de ética profissional do Advogado: perguntas e respostas sobre ética profissional baseadas em consultas formuladas ao Tribunal de Ética da OAB/SP. 3ª edição. São Paulo: LTr, 1999, p. 23.

141

SOARES, André Marcelo M. e PIÑERO, Walter Esteves. Bioética e Biodireito: uma introdução. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 24-25.

142

BARONI, Robison. Cartilha de ética professional do Advogado: perguntas e respostas sobre ética profissional baseadas em consultas formuladas ao Tribunal de Ética da OAB/SP. 3ª edição. São Paulo: LTr, 1999, p. 27.

63

se divide em dois grandes campos de estudo, quais sejam: a Deontologia (que é a

“ciência dos deveres”) e a Diceologia (que é a “ciência dos direitos”). Como a ética

cobra o comportamento moral, abre, por consequência, caminho para o exercício de

direitos e cumprimento de obrigações. No campo da ética, o que pode ser feito ou

realizado é chamado direito, no sentido do que é autorizado, aceito ou admitido, e o

que não pode é denominado dever, no sentido de obrigação143

.

Diversos são os tipos de moral ou de sistema ético, vez que, como já

tratamos, a moral está diretamente relacionada à comunidade a que é inerente, sendo

que a variedade de contextos históricos, sociais e culturais leva à uma pluralidade de

morais. Assim, cada tipo de moral, que leva, respectivamente, a diversos sistemas

éticos, possui características próprias, onde cada uma delas foca-se em questões

particulares. Assim, têm-se as “éticas grupais”, as “éticas profissionais”, entre

outras144

.

Importante também a distinção que é feita entre “ética formal” e “ética de

valores”. Em relação à primeira, segue-se a visão kantiana, em sua filosofia prática, no

sentido de que a significação moral do comportamento não reside em seus resultados

externos, mas na pureza da vontade e na retidão dos propósitos do agente considerado.

Afere-se a moralidade de um ato a partir do foro íntimo da pessoa. A boa vontade não

é boa pelo que efetue ou realize, não é boa por sua adequação para alcançar algum fim

que nos tenhamos proposto, é boa só pelo querer, isto é, é boa em si mesma.

Considerada por si mesma, é, sem comparação, muitíssimo mais valiosa do que tudo

aquilo que por meio dela pudéssemos realizar em proveito ou graça de alguma

inclinação145

. A compatibilidade externa entre a conduta e a norma é mera legalidade,

sem repercussão no valor ético da ação. Moralmente valioso é o atuar que, além da

143

BARONI, Robison. Cartilha de ética professional do Advogado: perguntas e respostas sobre ética profissional baseadas em consultas formuladas ao Tribunal de Ética da OAB/SP. 3ª edição. São Paulo: LTr, 1999, p. 43.

144

Ibidem, p. 24. 145

KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Versão castelhana de Manuel García Morrente, Madrid: Caple, 1921, p. 22. Tradução nossa.

64

concordância com aquilo que a norma impõe, exprime o cumprimento do dever pelo

dever, ou seja, por respeito à exigência ética146

.

O fundamento da lei moral, para a ética formal, não está na experiência,

mas se apóia em princípios racionais apriorísticos. A lei cuja representação deve

representar o móvel da conduta eticamente boa é o imperativo categórico, o critério

supremo da moralidade: “age sempre de tal modo que a máxima de tua ação possa ser

elevada, por sua vontade, à categoria de lei de universal observância”147

.

Já a “ética de valores” é uma inversão da tese kantiana. Para Kant, o valor

de uma ação depende da relação da conduta com o princípio do dever, o imperativo

categórico. Para a filosofia valorativa, o valor moral não se baseia na ideia de dever,

mas dá-se o inverso: todo dever encontra fundamento num valor148

. Só deve ser aquilo

que é valioso e tudo o que é valioso deve ser. A noção de valor passa a ser o conceito

ético essencial, o valor não arbitrariamente convencionado, pois, o que é valioso vale

por si, ainda quando seu valor não seja reconhecido nem apreciado.

Frente à essa multiplicidade de significados de “ética”, é necessário que

investiguemos, de forma específica, aquele que é utilizado no termo “eticidade” nos

moldes delineados por Miguel Reale, vez que é exatamente essa a definição que nos

levará à correta conclusão quanto ao conteúdo e a aplicabilidade da “eticidade” no

sentido em que o termo é ora estudado.

3.4.3 A definição de “ética” para Miguel Reale

“Ética” é vista por Reale como uma espécie de conduta, havendo

necessidade, portanto, de uma leitura sobre a relação feita pelo referido Mestre entre

conduta e valor e, posteriormente, os tipos de conduta por ele apresentados.

146

NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 53-54. 147

KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Versão castelhana de Manuel García Morrente, Madrid: Caple, 1921, p. 67. Tradução nossa.

148

NALINI, José Renato. op.cit., p.57.

65

3.4.3.1 Conduta e valor

Afirma Reale que o Homem, enquanto meramente causado, não se

distingue dos outros animais, a não ser pela consciência de sua determinação,

porquanto realiza os mesmos atos de que participam todos os seres do mesmo gênero.

O específico do Homem é conduzir-se, é escolher fins e pôr em correspondência meios

e fins149

. A ação dirigida finalisticamente (o ato propriamente dito ou a ação em seu

sentido próprio e específico) é algo que só pertence ao Homem. Não se pode falar, a

não ser por metáfora, de ação ou de ato de um cão ou de um cavalo. O “ato” é algo

pertinente, exclusivamente, ao ser humano. Ação, em seu sentido rigoroso, ou o ato, é

energia dirigida para algo, que sempre é um valor. O valor, portanto, é aquilo a que a

ação humana tende, porque se reconhece, num determinado momento, ser motivo,

positivo ou negativo da ação mesma (a que se denomina relatividade temporal do

valor). Atuar sem motivo é próprio do alienado. Alienado é aquele que está alheio ao

seu conduzir-se, é o que perdeu o sentido de sua direção e de sua dignidade150

.

Valor e dever ser implicam-se e se exigem reciprocamente. Sem a idéia de

valor, não temos a compreensão do dever ser. Quando o dever ser se origina do valor,

e é recebido e reconhecido racionalmente como motivo da atuação ou do ato, temos

aquilo a que se chama fim, que é o dever ser do valor reconhecido racionalmente como

motivo de agir151

. O que se declara fim não é senão um momento de valor abrangido

por nossa racionalidade limitada, implicando um problema de meio adequado à sua

realização. O nexo ou relação de meio e fim é, não pode deixar de ser, de natureza

racional, mas a referibilidade ou imantação a um valor pode ser ditada por motivos que

a razão não explica. A História humana é um processo dramático de conversão de

valores e fins e de crises culturais resultantes da perda de força axiológica, verificada

em fins que uma nova geração se recusa a “reconhecer”152

.

149

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 378. 150

Ibidem, p.379. 151

Idem. 152

Ibidem, p. 379.

66

3.4.3.2 Fins e categorias do agir

Sendo diversos os valores e, por consequência, os fins que o Homem se

propõe, ensina Reale que a ação teleologicamente determinada, ou o ato, pode ser

discriminada segundo tenha por fim:

- conhecer ou realizar algo, sem visar direta e necessariamente a outras ações possíveis

(ações de natureza teorética, ou de natureza estética);

- conhecer ou realizar algo, visando direta e necessariamente a outras ações possíveis

(ações de natureza prática: ou econômicas, ou éticas)153

.

Na primeira categoria (atividades teoréticas e estéticas), a lei e a forma

constituem, de certo modo, a plenitude do agir, delas não brota uma atitude necessária

para a ação, pois são ambas modalidades de conhecimento, de explicação ou de

compreensão, mas não postulam fins em razão do fim já atingido pelo conhecimento.

Na segunda categoria (ações de natureza prática – econômicas ou éticas), o que

distingue é o fato de não visarem a um resultado como tal, mas como simples

momento que conduz a outros comportamentos possíveis: não é senão ponto de partida

para novas ações complementares. Assim, por exemplo, o alcance de um bem

econômico é condição ou estímulo para novas atividades tendentes à conquista de

novas utilidades, pois, na realidade, só é econômica uma ação enquanto é momento ou

elo no processo da produção das riquezas. Como se trata de ações que são base ou

condição de ações sucessivas da mesma natureza, dizemos que são ações práticas154

.

Neste tipo de ações (ações práticas) cabe distinguir, porém, as que sucedem segundo

um nexo opcional de conveniência ou de oportunidade, o que lhes dá um cunho

técnico (ações econômicas), e aquelas que se ligam por uma necessidade deontológica

reconhecida pelo agente como razão essencial de seu agir (ações éticas)155

.

153

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.380. 154

Ibidem, p.381. 155

Ibidem, p.383.

67

Desse modo, podemos distinguir certas ações ou atividades, as de ordem

ética, que, ao atingirem um termo visado, subordinam-se a normas ou a regras, abrem-

se para o campo das ações possíveis, como uma flor que se vai converter em fruto: a

ação possível é, no fundo, o conteúdo mesmo da norma ética, o seu destino, o seu

significado. Sem referibilidade à praxis, a norma não tem significado, vez que

erradicada do processo de que provém e do processo a que se destina, não é

compreendida em sua verdadeira natureza, daí se originando o equívoco dos que a

concebem como puro juízo lógico ou mera forma sem conteúdo156

.

Momento da dinâmica social e da existência coletiva, em seu projetar-se

como linha entre passado e o futuro, a norma exprime sempre a congruência e a

integração de dois elementos: o valor e a ação. Há, por conseguinte, uma modalidade

de ação que é de tipo normativo. É a essa categoria de ação que se dá o nome de

conduta ética, que pode ser religiosa, moral, política, jurídica157

.

Eis uma ilustração do exposto até o presente momento:

Integração e congruência AÇÃO de tipo Religiosa

entre VALOR e AÇÃO NORMATIVO CONDUTA ÉTICA Moral

Política

Jurídica

NORMA NÃO É MERO JUÍZO LÓGICO OU FORMA SEM CONTEÚDO

NORMA É FRUTO DA CONGRUÊNCIA ENTRE VALOR E AÇÃO

156

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.383. 157

Idem.

68

Se a ação humana subordina-se a um fim ou a um alvo, há direção, ou pauta

assinalando a via ou a linha de desenvolvimento do ato. A expressão dessa pauta de

comportamento é o que se chama de norma ou de regra. Não existe possibilidade de

“comportamento social” sem forma ou pauta que não lhe corresponda. A cada forma

de conduta corresponde a norma que lhe é própria. A conduta religiosa implica normas

ou regras religiosas, assim como a conduta moral implica regras ou normas de origem

moral. Em geral, somos levados a confundir conduta com a sua norma, tão difícil é

separar o problema do comportamento ético da sua medida158

.

Comportar-se, de certa forma, é proporcionar-se uma regra, é integrar, no

processo da ação, aquela pauta que marca a sua razão de ser. É por tais motivos que

não podemos compreender o estudo das regras jurídicas ou morais como simples

entidades lógicas, como meras noções, sem a referência necessária ao problema da

ação, ao problema da realidade social159

. Tem-se, assim, uma necessária relação entre

a norma e a realidade social, isto é, a impossibilidade de análise normativa meramente

abstrata.

Contesta Reale que uma regra possa ser erradicada da conduta a que se

refere, porque, se fizermos abstração do problema da conduta, não estaremos fazendo

Ciência Jurídica, mas, sim, Lógica Jurídica, por esforço de abstração (não

desqualificando o estudo de ordem lógica, que é legítimo e necessário, mas deve ser

completado com a implicação da realidade social ordenada, sem a qual a norma não

tem valor de norma jurídica). Norma e conduta são, portanto, termos que se exigem e

se implicam, mas sem se reduzirem um ao outro, subsistindo cada um deles em

implicação recíproca, segundo o que Miguel Reale identifica como “dialética de

complementariedade”, que caracteriza e governa todo o processo histórico-cultural160

.

Elucidada a correspondência entre norma e conduta, podemos esclarecer

que a Ética não é a doutrina da ação em geral, mas propriamente a doutrina da

158

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 384. 159

Idem. 160

Ibidem, p.385.

69

conduta enquanto inseparável de sua razão ou critério de medida, de sua norma,

mediante a qual se expressa teleologicamente um valor. A Ética é, em suma, a

ordenação da conduta, o que equivale a dizer: a teoria normativa da ação161

. Eis a

definição de Ética para Miguel Reale.

Fica, assim, delineada uma distinção essencial entre Economia (atividade

prática de cunho opcional e técnico) e Ética (atividade não subordinada a fins

particulares, e de caráter obrigatório), compondo ambas a esfera de estudos

denominada Teoria da Conduta162

. Quando o homem age, desloca-se em relação a

outros homens, toma uma posição nova perante os demais, assume uma “dimensão”

nos planos social e histórico, e o faz sempre na dependência de suas circunstâncias. A

conduta, portanto, é sempre um fato social e humano, um acontecer no “habitat”

natural do homem, que é a sociedade, embora, como já se verificou, nem toda ação

seja “conduta”. A sociedade não é simples dado da natureza, mas também um

“construído”, algo que a espécie humana veio modelando através do tempo, tendo

como fator inicial o instinto de socialidade, a força que levou o Homem à convivência,

dada a sua estrutura ou conformação biopsíquica163

. A socialidade é tendência natural

do homem, mas a sociedade é permanentemente “construída”, algo que uma geração

recebe e transmite a outra, quando mais não seja pelo fato fundamental da linguagem,

sendo uma das gerações mais felizes por poderem transferir proporcionalmente mais

do que receberam. Portanto, toda conduta é um fato social e histórico, porque envolve

sempre um enlace concreto do Homem com outros Homens, ou uma posição do

Homem com referência a outros homens e a seus bens, numa trama de interesses e de

fins que se desenrola no tempo164

.

161

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.385. 162

Idem. 163

Ibidem, p.386. 164

Ibidem, p.387.

70

3.4.3.3 Momentos da conduta

O Homem reconhece nas verdades encontradas um motivo preferencial de

ação, caso em que o verdadeiro é estimado como bem165

. A meta da atividade ética é

dada pelo valor do bem que pode ser de cunho moral, religioso, jurídico, econômico,

estético etc, desde que posto como razão essencial do agir. Certos valores assumem

uma espécie de dupla valoração, como se passa, por exemplo, quando o valor

puramente lógico da verdade, tornando-se também objeto de uma valoração ética,

reveste o caráter de um bem moral, dando lugar a um dever, cujo cumprimento é uma

virtude que se chama veracidade166

.

Na realidade, atribuir a um valor a força determinante da conduta é, no

domínio da “prática”, convertê-lo em fim ético, o que explica possam o esteticismo, o

utilitarismo ou o cientificismo assumir a dignidade de concepções morais da vida. Em

tais casos temos valores objetivados nas ciências, nas artes, nas instituições jurídicas,

valendo como bens morais, sem alteração de seu conteúdo axiológico específico167

. O

certo é que o bem ético implica sempre “medida”, ou seja, regras ou normas,

postulando nesse sentido de comportamento, com possibilidade de livre escolha por

parte dos obrigados, exatamente pelo caráter de dever ser e não de necessidade física

(ter que ser) de seus imperativos168

. Tem-se, assim, a norma como “medida” do

comportamento, compreendendo-se “medida” como atribuição de valor.

Em geral, o bem, que na conduta ética se atinge, representa um momento

maravilhoso de plenitude do ser, não deixa de ser um momento cuja atualização gera

novos ideais, o que demonstra o caráter transcendental dos valores169

, podendo-se

concluir pela relatividade temporal do bem, com a consequente modificabilidade

natural frente a novos ideais.

165

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.388. 166

Ibidem, p.389. 167

Idem. 168

Ibidem, p.389. 169

Idem.

71

3.4.3.4 Especificidade da conduta ética

É no plano específico da conduta ética, mais do que no plano da ação

prático-econômica, exatamente em razão de seu projetar-se obrigatório e geral para

ações futuras, que a tridimensionalidade se mantém como característica ou traço

essencial, sem jamais se resolver em unidade capaz de pôr termo à tensão entre fato e

valor. Não se trata, em tal caso, de se expressar um juízo, de se formular uma lei, nem

tampouco de se subordinar um conteúdo à plasticidade de uma forma. Trata-se de se

modelar o Homem mesmo, de legalizar-se ou de formalizar-se, daí o caráter

provisório, insuficiente de toda norma ética particular, cuja universalidade ética reside

na tensão inevitável que a liberdade espiritual estabelece entre a realidade e o ideal170

.

O Homem jamais se desprende do meio social e histórico, das

circunstâncias que o envolvem no momento de agir. Delas participa e sobre elas reage,

são forças do passado que atuam como processos e hábitos lentamente constituídos,

como laços tradicionais e linguísticos, que a educação preserva e transmite, são forças

do presente com seu peso histórico imediato, são forças do futuro que se projetam

como idéias-força, antecipações e programas de existência envolvendo

dominadoramente a psique individual e coletiva171

. Esse elemento que cerca o Homem

e lhe impõe limites, que é de certa maneira negativo perante uma liberdade criadora

sem peias, é o que se denomina fato. Não há conduta humana (e o “humano” aqui é

redundante) que não se desenvolva condicionalmente a um complexo de fatos (físicos,

econômicos, históricos, estéticos, jurídicos, morais, religiosos) de maneira que sempre

o valor é atingido ou negado, não só na proporção da capacidade realizadora subjetiva

do agente, mas também em função da totalidade das circunstâncias em que o seu agir

se situa, a norma representa tensão entre fato e valor, e o sentido concreto e unitário

dessa relação172

.

170

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 391-392. 171

Ibidem, p.392. 172

Idem.

72

Quando Reale afirma que o processo cultural só é compreensível segundo

uma dialética de implicação e polaridade, ou de complementariedade, quer o mesmo

se referir à tensão fato-valor, pois estes elementos não são suscetíveis de se resolverem

um no outro, mas tão somente de se comporem em implicação ou integração, quer

através de formas estéticas, quer através de normas éticas. Daí a impossibilidade de se

compreender a norma como algo per se stante, fora do processo em que se instaura e

que lhe dá conteúdo, de seus pressupostos fáticos e axiológicos. Isto posto, se toda

espécie de conduta ética é tridimensional, não bastará apontar a existência de três

elementos ou fatores para caracterizar e distinguir qualquer de suas modalidades, a

diferença deverá resultar do modo de enlace que se constitui entre os elementos fático

e o axiológico para dar nascimento a distintas espécies de normas morais, religiosas ou

jurídicas173

.

3.4.3.5 Modalidades de conduta

Afirma Reale que as principais modalidades de conduta que compõem o

amplo domínio da ética são as condutas religiosa, moral, costumeira e jurídica,

passando a analisar cada uma delas:

a) conduta religiosa: o Homem, em primeiro lugar, pode agir sem encontrar em si

mesmo a razão de agir, nem tampouco nos demais, mas adaptando a sua conduta ou

comportamento a algo que é posto acima dos homens individualmente considerados ou

de sua totalidade. Tais valores não se referem também à “sociedade” tomada como um

todo distinto de seus elementos componentes ou à síntese das aspirações humanas. Em

tais casos, tem-se que o valor determinante da ação transcende aos indivíduos e à

sociedade. Quando o Homem age no pressuposto dessa direção transcendente, tem-se

a conduta religiosa. Manifesta-se, pois, um valor transcendente, que não se refere ao

indivíduo, ao social ou ao histórico. Trata-se da conduta religiosa, que se desenvolve

no espaço e no tempo, como toda conduta, mas subordinada intencionalmente a

valores não temporais174

.

173

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.393. 174

Ibidem, p.394.

73

b) conduta moral: os homens não se vinculam em seu agir apenas por valores de

transcendência, mas também se ligam por algo que está neles mesmos ou, então, nos

outros homens. Praticamos determinado ato e sentimos que é reflexo ou expressão de

nossa personalidade e que, portanto, o motivo de nosso agir é um motivo que se põe

radicalmente em nós. A última instância do agir é o Homem na sua subjetividade

consciente. Quando a ação se dirige para um valor, cuja instância é dada por nossa

própria subjetividade, estamos perante um ato de natureza moral. O que distingue a

conduta moral é esta pertinência da estimativa ao sujeito mesmo da ação. De certa

forma, poder-se-ia dizer que, no plano da conduta moral, o Homem tende a ser o

legislador de si mesmo. Não é preciso, porém, que ele mesmo tenha posto a regra

obedecida, porque basta que a tenha tornado sua. Quando o nosso comportamento se

conforma a uma regra e nós a recebemos espontaneamente, como regra autêntica e

legítima de nosso agir, o nosso ato é moral175

.

O que importa, pois, é que haja sempre recepção e assentimento. Ninguém

pode praticar um ato moral pela força ou pela coação. A moral é compatível com

qualquer ideia ou plano de natureza coercitiva, quer de ordem física, quer de ordem

psíquica. No ato moral é essencial a espontaneidade, de tal maneira que a educação

para o bem tem de ser sempre uma transmissibilidade espontânea de valores, uma

adesão ao valioso, que não implica nenhuma subordinação que violente a vontade ou a

personalidade. A ideia de pessoa vem exatamente desse reconhecimento do Homem

como um ser que deve ser autenticamente ele mesmo. O Homem é pessoa enquanto

age segundo sua natureza e seus motivos, na totalidade de seu ser, sem se alienar a

outrem. O indivíduo é o Homem enquanto casualmente determinado, mas a pessoa é o

Homem enquanto se propõe fins de ação, sendo raiz inicial do processo estimativo.

Por outras palavras, o Homem enquanto mero indivíduo, como ser puramente

biológico, não foge às regras determinadas causalmente, só superando o plano

naturalístico quando se põe como instaurador de valores e fins. O homem, visto na

175

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002 p.396.

74

essência de sua finalidade, é pessoa, isto é, um ser com possibilidade de escolha

constitutiva de valores176

.

Portanto, existe uma modalidade de conduta cuja direção se encontra no

Homem mesmo como instância que valora o agir e dá a pauta do comportamento: é a

conduta moral177

. O ato moral é um ato que encontra no plano da existência do sujeito-

agente a sua razão de ser e, mais propriamente, tem sua instância axiológica no plano

da existência do sujeito que pratica a ação. A instância valorativa, a medida axiológica

da ação, é dada, em última análise, pelo foro do sujeito, que, no fundo, é o juiz último

que mede, com seu critério, a ação moral, que não é possível ser concebida sem adesão

e assentimento178

.

c) conduta costumeira: é possível conceber-se e se admitir uma outra espécie de

conduta ética, que é aquela em que a instância valorativa ou medida fundamental do

agir não se encontra propriamente no sujeito que age, mas, ao contrário, no outro

sujeito, nos demais sujeitos. Esse campo vastíssimo das ações que se referem aos

costumes sociais, às regras consuetudinárias de trato social, ou de civilidade, tais como

as de etiqueta, cortesia ou cavalheirismo. Efetivamente, existem condutas que o

homem segue em razão do que lhe dita a convivência social, sendo mais guiado pelos

outros do que por si mesmo, mais se espelhando na opinião alheia do que na própria

opinião, recebendo do todo social a medida de seu comportamento, donde falar-se em

moral social, na qual a força dos usos e hábitos é relevante179

.

O costume coloca o Homem na atitude de quem está se conformando ao

viver comum e, em certos casos, fá-lo partícipe do comportamento dos demais,

subordinando-se ao estalão apreciativo dominante no seio do grupo social. Pelas regras

de costume se situa o Homem na sociedade, por sua maneira de ser e de se conduzir,

176

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.397. 177

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p.397. 178

Ibidem, p. 298-399. 179

Ibidem, p.399.

75

de participar dos bens da vida, assim como em suas reações perante o mal sofrido, em

sucessivos atos de participação. O que nessas regras sobreleva é a “conformidade

exterior”. Não é dito que não seja possível nesse domínio haver espontaneidade e

sinceridade, ciência e consciência de sua legitimidade, mas estes não são requisitos

essenciais. Há, nesse domínio das regras de trato ou civilidade social, certa nota

dominante de exterioridade, porquanto a pauta do julgamento, a instância axiológica

do agir, é mais dada pela pessoa dos outros do que por nossa própria pessoa. Pode

haver coincidência entre nossa sinceridade e o nosso agir, mas o elemento intencional,

em tal caso, é acessório. O ato de cortesia ou de gentileza, por exemplo, subsiste desde

que a exterioridade do gesto ou do comportamento seja observada180

.

Comparando a conduta costumeira com a conduta moral, podemos observar

que ambas são bilaterais, no sentido de que pressupõem sempre a presença de dois ou

mais homens. Trata-se, porém, de bilateralidade diversa do ponto de vista estimativo,

porquanto o ato moral não prescinde jamais da íntima e sincera participação do sujeito

da ação181

.

d) conduta jurídica: a palavra bilateralidade pode ser usada ou em sentido ôntico ou em

sentido axiológico, ora levando-se em conta a relação ou nexo entre dois ou mais

indivíduos, ora atendendo-se mais propriamente o sentido dessa relação mesma. Tanto

o Direito quanto a Moral são bilaterais, porquanto são sempre fatos sociais que

implicam a presença de dois ou mais indivíduos. Não existe ato moral fora do meio

social. Quando se fala, portanto, em bilateralidade do Direito, o que se visa é mais o

sentido dessa relação, a instância valorativa ou deontológica que nela se verifica, e não

o seu aspecto de puro enlace social que também existe na moral182

.

Segundo o prisma valorativo ou deôntico é que podemos falar em

unilateralidade ou bilateralidade. No plano moral, como é o sujeito mesmo a medida

de seu agir, a regra diz-se axiologicamente unilateral. Já no campo dos costumes

180

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.400. 181

Ibidem, p. 400-401. 182

Ibidem, p.401.

76

sociais, como o indivíduo encontra na sociedade, no outro sujeito, a pauta de seu agir,

deve-se dizer que, axiologicamente, as respectivas regras são bilaterais, mas de uma

bilateralidade não exigível. Não podemos ser obrigados a cumprimentar alguém, nem

haverá obediência às regras de cortesia se nos coagirem a sermos gentis. Acontece,

porém, coisa diversa quando devemos cumprimento a um magistrado em audiência ou

quando o soldado deve continência ao capitão. Já aí o tratamento de Excelência devido

ao magistrado não é mero tratamento de cortesia, embora o homem bem-educado não

precise de regras obrigatórias para ser cavalheiro. Trata-se de obrigação que Reale

reconhece como sendo jurídica183

. O fato é que o capitão pode exigir que o soldado lhe

preste continência e, ante a recusa, pode e deve aplicar-lhe uma pena. Aquilo que para

os demais homens é uma simples convenção ou costume, para determinado campo da

atividade humana passa a ser obrigação jurídica. A medida deste comportamento,

porém, não é dada nem pelo sujeito que age, nem pelo outro sujeito a que se destina,

mas é dada por algo que os entrelaça numa objetividade discriminadora de pretensões,

muitas vezes, mas nem sempre e necessariamente, recíprocas. A razão de medir do

Direito não se polariza num sujeito ou no outro sujeito, mas é transobjetiva. A relação

jurídica apresenta sempre a característica de unir duas pessoas entre si, em razão de

algo que atribui às duas certo comportamento e certas exigibilidades. O enlace

objetivo de conduta que constitui e delimita exigibilidades entre dois ou mais sujeitos,

ambos integrados por algo que os supera, é o que Reale chama de bilateralidade

atributiva. A essência do fenômeno jurídico é dada por esse elemento que não se

encontra nas outras formas de conduta184

.

É de se notar que não se trata de transcendência para além do real, mas de

superação da subjetividade no plano social, razão pela qual se fala em

transubjetividade. Na relação jurídica há sempre um valor que integra os

comportamentos de dois ou mais indivíduos, permitindo-lhes e lhes assegurando um

183

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.402-403. 184

Ibidem, p. 403.

77

âmbito de pretensões exibíveis. É da essência da vida jurídica a exigibilidade

objetiva185

.

Do quanto exposto, pode-se concluir que o termo Ética, para Reale, não tem

relação de sinonímia com moral (apesar de versarem sobre idéias intimamente

relacionadas, de difícil distinção, chegando a ser empregadas como sinônimos, mesmo

porque, do ponto de vista etimológico, tanto em grego quanto no latim, ambas provêm

da palavra costume, que indica as diretrizes de conduta a serem seguidas186

),

refletindo, portanto, gênero de conduta onde se inserem as espécies condutas religiosa,

moral, costumeira e jurídica, sendo certo que toda conduta tem relação com

determinado valor (conduta como ação finalisticamente dirigida, tendo valor

significado daquilo que a ação humana tende, porque se reconhece, num determinado

momento, ser motivo, positivo ou negativo, da ação mesma).

Dessa forma, podemos afirmar que o termo Ética, sob o sentido de adjetivo

e de acordo com a visão de Miguel Reale, é a qualidade da ação finalisticamente

dirigida, que se compatibiliza com os valores que levaram à sua prática e caracterizada

pela obrigatoriedade (dever ser). Portanto, qualquer conduta ética não pode ser

apreciada sem o devido relevo ao valor que a dirigiu, restando afastada a construção

ou a análise de qualquer conduta ética de forma abstrata, desvinculada dos valores a

ela inerentes ante a sua finalidade, havendo clara vinculação de Reale à visão de ética

de valores.

3.4.3.6 O conceito e a aplicabilidade de “Eticidade” em Miguel Reale

Frente às informações colhidas nos itens anteriores, possível é afirmarmos o

conceito de “Eticidade” como método de incidência, na construção da norma jurídica

(que envolve não só a atividade legislativa de produção de enunciados prescritivos,

como também a atividade de interpretação com vistas à aplicação da norma jurídica ao

185

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 403-404. 186

REALE, Miguel. Variações sobre Ética e Moral. 2005. Disponível em: < www.miguelreale.com.br>. Acesso em: 12. Setembro.2008.

78

caso concreto) de valores incidentes na realidade fatual (no momento da aplicação da

norma jurídica) sob o prisma do fato a ser normado e do sistema jurídico como um

todo, afastando-se, dessa forma, qualquer visão abstrata ou pseudototalizante da norma

jurídica, bem como qualquer método mecanicista de mera subsunção do texto legal ao

caso concreto.

No que se refere à sua aplicabilidade, é de se afirmar que:

- No campo da produção legislativa: a elaboração de uma determinada e particular

norma de direito não é mera expressão do arbítrio do poder, nem resulta objetiva e

automaticamente da tensão fático-axiológica operante em dada conjuntura histórico-

social: é antes um dos momentos culminantes da experiência jurídica, em cujo

processo se insere positivamente o poder (quer o poder individualizado num órgão do

Estado, quer o poder anônimo difuso no corpo social, como ocorre na hipótese das

normas consuetudinárias), mas sendo sempre o poder condicionado por um complexo

de fatos e valores, em função dos quais é feita a opção por uma das soluções

regulativas possíveis, armando-se de garantia específica187

.

- No campo da interpretação jurídica: sintetiza-se a “Eticidade” como incidência do

“valor” ao fato gerando a escolha de uma das possibilidades semânticas do texto

normativo interpretado (tal escolha terá como vertente a incidência do “valor” ao fato

concreto em análise) levando-se em consideração a sua “elasticidade semântica” (a sua

polissemia, capacidade de um mesmo suporte físico referir-se a mais de um

significado), realizando-se, assim, a experiência jurídica nos moldes compatíveis com

o pensamento tridimensional de Miguel Reale, que bem pode ser caracterizada através

dos seguintes trechos de sua obra:

... sendo a experiência jurídica uma das modalidades da experiência

histórico-cultural, compreende-se que a implicação polar fato-valor se

resolve, a meu ver, num processo normativo de natureza integrante,

cada norma ou conjunto de normas representado, em dado momento

histórico e em função de dadas circunstâncias, a compreensão

operacional compatível com a incidência de certos valores sobre os

187

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61.

79

fatos múltiplos que condicionam a formação dos modelos jurídicos e

a sua aplicação.188

A norma jurídica, assim como todos os modelos jurídicos, não pode

ser interpretada com abstração dos fatos e valores supervenientes,

assim como da totalidade do ordenamento em que ela se insere, o que

torna superados os esquemas lógicos tradicionais de compreensão do

direito (elasticidade normativa e semântica jurídica).189

... não destaco a experiência jurídica da experiência social, da qual é

uma das formas ou expressões fundamentais, distinguindo-se pela

nota específica de “bilateralidade-atributiva” que lhe é própria, isto é,

por implicar, em cada uma das relações que a constituem, sempre um

nexo de validade objetiva que correlaciona entre si duas ou mais

pessoas, conferindo-lhes e assegurando-lhes pretensões ou

competências que podem ser de reciprocidade contratual, ou de tipo

institucional, sob forma de coordenação, subordinação ou

integração.190

...como a experiência jurídica não se destaca da experiência social, da

qual é uma das formas ou expressões fundamentais, distinguindo-se

pela nora específica de “bilateralidade-atributiva”191

... ela só pode ser

compreendida em termos de normativismo concreto,

consubstanciando-se às regras de direito toda a gama de valores,

interesses e motivos de que se compõe a vida humana, e que o

intérprete deve procurar captar, não apenas segundo as significações

particulares emergentes da “praxis social”, mas também na unidade

sistemática e objetiva do ordenamento vigente.192

3.4.4 A “Eticidade” como instrumento de “mutação normativa”

Sendo o Direito Positivo um conjunto de normas jurídicas aplicáveis num

determinado Estado, num determinado momento, objetivando a organização social, é

indiscutível a necessidade de tais normas jurídicas acompanharem a evolução da

sociedade e, mais especificamente, as mudanças dos valores sociais, principalmente

188

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 74. 189

Ibidem, p. 62. 190

Ibidem, p. 75. 191

Idem. 192

Ibidem, p. 77.

80

num Estado Democrático de Direito, sob pena de falta de eficácia social193

. Tal

necessária compatibilização entre valores sociais e comandos normativos impõe tantas

modificações normativas quantas forem as alterações dos valores sociais, sendo que

tais modificações normativas podem se realizar de 2(duas) formas:

- alteração do enunciado prescritivo(texto legal), o que se faz através de emendas

constitucionais (obviamente nas hipóteses de alteração textual da Constituição) ou de

produção de novas leis infraconstitucionais que tácica ou expressamente alterem textos

legais anteriores (nas hipóteses de alteração dos textos legais infraconstitucionais);

- opção por nova hipótese interpretativa, explorando a elasticidade semântica194

do

texto normativo vigente.

É exatamente nesta segunda forma de atualização das normas jurídicas que

se enquadra a “mutação normativa”, isto é, a modificação da norma jurídica sem a

alteração do texto legal da qual origina (necessariamente, em razão do princípio da

legalidade, imposto pelo art. 5º, II, da Constituição Federal), através de técnicas de

interpretação que, explorando a elasticidade semântica dos textos legais, passa a

selecionar, para fins de aplicabilidade, hipótese interpretativa compatível com novos

valores sociais.

A figura da “mutação normativa” é objeto de estudo do Direito

Constitucional há muito tempo, normalmente sob a denominação de “mutação

constitucional” que é, conforme conceito de Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires

Coelho e Paulo Gustavo Gonet:

... as alterações semânticas dos preceitos da Constituição, em

decorrência de modificações no prisma histórico-social ou fático-

axiológico em que se concretiza a sua aplicação...decorrentes da

193

A eficácia social é a capacidade de uma norma jurídica de ser efetivamente cumprida pela sociedade, tendo em vista a compatibilidade da mesma com os valores cultuados pela sociedade que lhe é sujeita. Como afirma Luís Roberto Barroso, a eficácia social, a que denomina efetividade (utilizando os termos como sinônimos), simboliza a “aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social”. Conforme BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 375. 194

A elasticidade semântica é a capacidade de um determinado enunciado (no caso, um texto de lei) de gerar vários significados possíveis em razão da ambiguidade das palavras que o compõem.

81

conjugação da peculiaridade da linguagem constitucional, polissêmica

e indeterminada, com os fatores externos, de ordem econômica, social

e cultural, que a Constituição – pluralista por antonomásia -, intenta

regular e que, dialeticamente, interagem com ela, produzindo leituras

sempre renovadas das mensagens enviadas pelo constituinte.195

O que busca esta tese, no atual momento de desenvolvimento do raciocínio

de seu objeto, é generalizar o conceito de “mutação constitucional”, estendendo-o às

normas jurídicas infraconstitucionais, afastando a sua limitação às normas

constitucionais, sob o enfoque de que a modificação do conteúdo de uma norma

jurídica, sem a alteração do enunciado prescritivo que lhe serve de fonte, é fenômeno

típico da experiência jurídica e não característica inerente exclusivamente as normas

constitucionais. Daí a utilização, neste trabalho, da expressão “mutação normativa”.

Importante destacar que vários Autores já se referiram ao objeto a que ora

denominamos “mutação normativa”, utilizando-se de outras denominações, como, por

exemplo, Celso Ribeiro Bastos, que faz uso do termo interpretação evolutiva, como se

verifica da transcrição a seguir:

O desenvolvimento técnico da ciência em geral, com as repercussões

que acarreta na vida do indivíduo em sociedade, e que a legislação

muitas vezes não é capaz de acompanhar, acaba por propiciar um

substrato favorável ao desenvolvimento da interpretação evolutiva.

Esta forma de interpretação baseia-se na realidade para, a partir dela,

mas sem se descurar dos limites normativos do texto legal, chegar a

resultados mais satisfatórios do ponto de vista do nível evolutivo em

que se encontra a sociedade.196

Vê-se, na realização da mutação normativa, a aplicação da “Eticidade” (que

já conceituamos como procedimento de incidência do “valor” ao fato gerando a

escolha de uma das possibilidades semânticas do texto normativo interpretado

levando-se em consideração a sua “elasticidade semântica”, realizando-se, assim, a

experiência jurídica nos moldes compatíveis com o pensamento tridimensional de

Miguel Reale), daí que a mutação normativa somente pode ser efetivamente

195

MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 129-130.

196

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editora, 1999, p. 157.

82

compreendida quando inserido o Jurista numa visão “normativista concreta”197

do

Direito, valendo, mais uma vez, a transcrição do magistério de Celso Ribeiro Bastos:

Não é apenas no sentido de incorporação dos avanços técnicos que

o dado empírico deve ser incorporado à norma para fins de lhe revelar

a plenitude de sua significação.

É que o intérprete simplesmente não pode cindir a norma do caso a

ser solucionado (ainda que seja hipotético). Ao analisar a norma, o

intérprete está estudando-a em relação a um caso. Consequentemente,

o dado decorrente deste caso entra no processo interpretativo.

Para se chegar a uma interpretação de uma norma, ter-se-á de estar

levando em consideração uma hipótese, sob pena de não ser possível

enunciar, decidir nada, caso não se esteja decidindo sobre alguma

hipótese... A interpretação é fruto dessa atividade de cotejo da norma

com o fato ou caso hipotético, e com o próprio valor, aqui substituído

pelo princípio. Isso porque não se consegue interpretar em abstrato. É

necessário olhar a norma e imaginar situações sobre as quais se passe

a emitir opiniões. É isto que permite a variedade muito grande de

interpretação. É porque muitas vezes o que está variando não é o

aspecto normativo, mas o aspecto fático. Pode haver divergência

numa interpretação num caso concreto, sobre o aspecto da

qualificação fática.

Cumpre anotar ainda que os valores não são passíveis de

concretização, no sentido de se elaborar um rol taxativo das hipóteses

de sua aplicação. E isso é assim por contemplarem eles, em si

mesmos, as mais variadas e amplas situações, dada sua abstratividade

exacerbada.198

197

O normativismo concreto se caracteriza pela compreensão do ato normativo e do ato interpretativo como elementos que se co-implicam e se integram, não se podendo, senão como abstração e linha de orientação de pesquisa, separar a regra e a situação regulada, a norma e a situação normada (Cf. COELHO, Inocêncio Mártires. Legado de Miguel Reale – IV : O tridimensionalismo jurídico concreto e o problema da interpretação/apliação do direito. 2007. Disponível em: <www.lubjus.com.br/bjur.php?artigos&ver=2.10356>. Acesso em 01.outubro.2011). Em contraposição ao normativismo concreto, tem-se o normativismo abstrato, caracterizado pela visão de que o Direito se confunde com a lei, e que somente a lei positiva é Direito, fazendo surgir a exegese, o silogismo, a dogmática analítia, o servilismo do Poder Judiciário ao Poder Legislativo, já que, para os positivistas (normativistas abstratos), o julgador deve buscar exclusivamente na lei (sempre justa e absoluta) a vontade do legislador e que é exatamente essa vontade do produtor do enunciado prescritivo a referência para a interpretação do respectivo texto, sem qualquer interferência do valores incidentes sobre o fato concreto sujeito à normatização (Cf. WELTER, Belmiro Pedro. Teoria Tridimensional do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 82). 198

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editora, 1999, p. 157-158.

83

4) Conclusões parciais

Frente aos pontos enfrentados no presente capítulo, podemos concluir que:

a) o direito à percepção de horas extras (art. 7º, XVI, da Constituição Federal) é um

Direito Fundamental de Segunda Geração, assumindo características típicas desta

natureza de direito, isto é, universalidade, indivisibilidade e interdependência e

unidade frente aos demais Direitos Fundamentais;

b) o enunciado prescritivo constante do art. 7º, XVI, da Constituição Federal

(“remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento

à do normal;”), por ser de natureza constitucional deve ser interpretado levando em

consideração os princípios aplicáveis à interpretação constitucional, em especial o

princípio da supremacia da Constituição, princípio da unidade da Constituição e

princípio da máxima efetividade;

c) o enunciado prescritivo contido no artigo 62, I, da CLT enquadra-se à classe dos

enunciados prescritivos de Direito do Trabalho, motivo pelo qual à interpretação do

mesmo devem incidir os princípios interpretativos típicos do Direito do Trabalho,

especialmente o princípio in dubio, pro operario, princípio da prevalência da norma

mais favorável ao empregado e princípio da condição mais favorável ao empregado;

d) o enunciado prescritivo contido no artigo 62, I, da CLT enquadra-se à classe dos

enunciados infraconstitucionais introdutores de normas jurídicas limitadoras da

aplicação objetiva de Direitos Fundamentais. Assim sendo, deve ser interpretado de

forma restritiva, limitando a idoneidade das hipóteses interpretativas (surgidas frente à

elasticidade semântica do texto normativo) somente àquelas que indiquem a não

aplicação, num caso concreto específico, do Direito Fundamental à percepção de horas

extraordinárias em razão exclusiva de efetiva impossibilidade concreta de verificação

quantitativa (constatação da quantidade) e/ou de verificação qualitativa (constatação

da qualidade) de fatos do mundo fenomênico capazes de se enquadrar no antecedente

de uma norma jurídica introdutora de Direito Fundamental. Mais especificamente, no

84

caso do enunciado prescritivo sob análise, somente haverá de se considerar hipóteses

interpretativas do artigo 62, I, da CLT que evidenciem, no mundo fenomênico, a

efetiva impossibilidade de controle da jornada de trabalho (isto é, a impossibilidade

efetiva, em concreto, de verificação quantitativa do fato do mundo fenomênico - no

caso, tempo de prestação de atividade laboral no exercício das obrigações inerentes à

relação de emprego - que preenche o antecedente da norma jurídica introdutora do

Direito Fundamental de percepção de horas extraordinárias).

e) Frente à “Eticidade”, a interpretação do enunciado prescritivo contido no artigo 62,

I, da CLT deve ser realizada com incidência do “valor” social incidente ao fato

normado, gerando a escolha de uma das possibilidades semânticas do texto normativo

interpretado (tal escolha terá como vertente a incidência do “valor” ao fato concreto

em análise) levando-se em consideração a sua “elasticidade semântica” (a sua

polissemia, capacidade de um mesmo suporte físico referir-se a mais de um

significado), realizando-se, assim, a experiência jurídica nos moldes compatíveis com

o pensamento tridimensional de Miguel Reale.

85

Capítulo II – O PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR E AS NOVAS

TECNOLOGIAS DE VIGILÂNCIA

É necessária a abordagem da intersecção entre as recentes tecnologias de

vigilância e o exercício do “poder fiscalizatório” de que se encontra munido o

Empregador na constância da relação jurídica empregatícia.

1 O Poder Empregatício.

As características da relação jurídica de emprego, especialmente no que

tange à forma de relação entre empregado e empregador, são questão estrutural para o

efetivo enfrentamento do problema a ser resolvido na presente tese, vez que a natureza

jurídica do poder empregatício gerará valor a ser considerado na interpretação dos

enunciados prescritivos trabalhistas e, mais especificamente, do enunciado constante

do artigo 62, I, da CLT. Daí nos dedicarmos, neste momento de desenvolvimento da

pesquisa, ao estudo do conceito, das características e da natureza jurídica do poder

empregatício.

1.1 Conceito e características do poder empregatício

Parte-se do conceito denotativo de “poder” no sentido de “ter a faculdade

ou a possibilidade de”, “possuir força física ou moral”, “ter autorização para”, “ser

capaz de”199 a fim de se encontrar, via interação com a teoria geral do direito, o

conceito jurídico de poder, que afirmarmos ser a faculdade, permitida por norma

jurídica vigente, do detentor do poder de impor a sua vontade à outrem (sujeito passivo

do poder), dentro dos contornos impostos pelo Direito Positivo.

199

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Versão eletrônica disponível em:<http://houaiss.uol.com.br>. Acesso em: 23.set. 2011.

86

No campo do Direito, não só a existência do poder emerge de uma norma

jurídica, como também o exercício de tal poder deve seguir os contornos normativos

(em especial o conteúdo das normas jurídicas que fixam “liberdades” ao cidadão e

aquelas que protegem a “privacidade, a honra e a intimidade” do mesmo).

Especificamente no campo do direito material do trabalho, a doutrina é

majoritária no sentido de fixar o poder empregatício como o conjunto de prerrogativas

com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia

interna à empresa e correspondente prestação de serviços200

, originando-se não só das

normas jurídicas trabalhistas (em especial e conceitualmente, dos artigos 2º e 3º da

Consolidação das Leis do Trabalho), mas também do exercício da “livre iniciativa”

(entendido como faculdade do empresário – no sentido de aquele que exerce atividade

econômica – organizar a sua atividade da forma que melhor lhe aprouver, obedecendo

aos contornos das normas jurídicas de liberdade e proteção da privacidade, intimidade,

da imagem, e da honra dos seres humanos, bem como zelando pela dignidade da

pessoa humana) contemplada não só como fundamento da República Federativa do

Brasil (art. 1º, IV, da Constituição Federal de 1988), como também fundamento da

ordem econômica constitucional (art. 170, caput, da Constituição Federal de 1988).

Não encontra diversidade na doutrina o entendimento de que o poder

empregatício se desenvolve sob a forma de “poder diretivo”, “poder regulamentar”,

“poder fiscalizatório” e “poder disciplinar”201

(a despeito de alguns doutrinadores,

200

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 629. 201

Sobre o tema, Maurício Godinho Delgado afirma que “O poder empregatício divide-se em poder diretivo(também chamado poder organizativo), poder regulamentar, poder fiscalizatório(este também chamado de poder de controle) e poder disciplinar” (Cf. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Ltr, 2004, p. 631) e Amauri Mascaro Nascimento ensina que “Poder de direção é a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida. O poder de direção manifesta-se mediante três principais formas: o poder de organização, o poder de controle sobre o trabalho e o poder disciplinar sobre o empregado” (Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 433). Délio Maranhão, apreciando o poder empregatício como a contraface da subordinação do empregado narra que “A situação de subordinação é fonte de direitos e deveres para ambos os contratantes. Seja qual for a forma do trabalho subordinado, encontram-se, mais ou menos rigorosamente, exercidos de fato, mas sempre, potencialmente, existentes, os seguintes direitos do empregador: a) de direção e de comando, cabendo-lhe determinar as condições para a utilização e aplicação concreta da força de trabalho do empregado, nos limites do contrato; b) de controle, que é o de verificar o exato cumprimento da prestação de trabalho; c) de aplicar penas disciplinares, em caso de

87

como Amauri Mascaro Nascimento202

e Sergio Pinto Martins203

apontarem “poder

diretivo” como sinônimo de “poder empregatício” e não uma das facetas deste. Outros,

como Maurício Godinho Delgado204

, apontam o “poder diretivo” como um dos

prismas do “poder empregatício”, não havendo sinonímia entre este e aquele), no

sentido de que, como ensina Délio Maranhão, a situação de subordinação é fonte de

direitos e deveres para ambos os contratantes, sendo que, seja qual for a forma do

trabalho subordinado, encontram-se, mais ou menos rigorosamente, exercidos de fato,

mas sempre, potencialmente, existentes, os seguintes direitos do empregador: a) de

direção e de comando, cabendo-lhe determinar as condições para a utilização e

aplicação concreta da força de trabalho do empregado, nos limites do contrato (o que

caracteriza o poder diretivo); b) de controle, que é o de verificar o exato cumprimento

da prestação de trabalho (o que caracteriza poder fiscalizatório) e c) de aplicar penas

disciplinares, em caso de inadimplemento de obrigação contratual (o que caracteriza o

poder disciplinar). No que tange especificamente ao poder regulamentar, ensina

Mauricio Godinho Delgado que é “o conjunto de prerrogativas tendencialmente

concentradas no empregador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas

no âmbito do estabelecimento e da empresa”205

.

Dentre as facetas do “Poder Empregatício”, a que nos interessa

efetivamente na presente tese é a de natureza fiscalizatória, descrita pela maioria dos

inadimplemento de obrigação contratual. Ao direito do empregador de dirigir e comandar a atuação concreta do empregado corresponde o dever de obediência, diligência e fidelidade (Cf. MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANA Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de direito do trabalho. 19ª edição. São Paulo: LTr, 2000, pp. 248-249). Sergio Pinto Martins ministra que “Como o empregado é um trabalhador subordinado, está sujeito ao poder de direção do empregador. O poder de direção é a forma como o empregador define como serão desenvolvidas as atividades do empregado decorrentes do contrato de trabalho... Compreende o poder de direção não só o de organizar suas atividades, como também de controlar e disciplinar o trabalho, de acordo com os fins do empreendimento (Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p. 193). 202

Vide NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 433. 203

Vide MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p. 193. 204

Vide DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Ltr, 2004, p. 632. 205

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Ltr, 2004, p. 632.

88

doutrinadores como “Poder Fiscalizatório”206

e conceituada como “conjunto de

prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de

trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço territorial interno”207

,

prerrogativa de “verificar o exato cumprimento da prestação de trabalho”208

ou direito

de fiscalizar o trabalho do empregado que “estende-se não só como o trabalho é

prestado, mas também ao comportamento do trabalhador”.209

Tradicionalmente, a fiscalização, como bem acentua Mauricio Godinho

Delgado, ocorre no “espaço empresarial interno”210

, entendendo-se este como espaço

físico de titularidade do Empregador, onde se encontram estruturados os meios de

produção (chão de fábrica, departamentos administrativos etc) e cujo conteúdo é

objeto possível do campo visual do Empregador ou de preposto seu. É exatamente esse

“espaço empresarial interno” que, frente às novas tecnologias de vigilância (nessas

incluindo-se os sistemas “Automatic Vehicle Location”), obteve uma natural

amplitude. Não que haja uma modificação no conceito de espaço empresarial interno,

mas a dimensão de tal espaço em muito multiplicou-se, atingindo campos

inesgotáveis. Surgem, com as novas tecnologias de vigilância, os “espaços ampliados”

cujas características são analisadas ainda neste capítulo.

206

Amauri Mascaro Nascimento utiliza a expressão “Poder de Controle” para identificar o quê aqui apresentamos como “Poder Fiscalizatório”. Vide NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 433-434, onde consta: “O poder de controle dá ao empregador o direito de fiscalizar o trabalho do empregado. A atividade deste, sendo subordinada e mediante direção do empregador, não é exercitada do modo que o empregado pretende, mas daquele que é imposto pelo empregador. A fiscalização inerente ao poder diretivo estende-se não só ao modo como o trabalho é prestado, mas também ao comportamento do trabalhador, tanto assim que é comum a revista dos pertences do empregado quando deixa o estabelecimento”. 207

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Ltr, 2004, p. 634. 208

MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANA Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de direito do trabalho. 19ª edição. São Paulo: LTr, 2000, p. 248.

209

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 436.

210

DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit., p. 634.

89

1.2 Natureza jurídica do poder empregatício

No que se refere à natureza jurídica do poder empregatício, várias são as

teorias existentes, dentre as quais destacam-se: teoria do poder empregatício como

direito potestativo, teoria do poder empregatício como direito subjetivo, teoria do

poder empregatício como status jurídico, teoria do poder empregatício como direito-

função e teoria do poder empregatício como relação jurídica complexa. Passamos a

analisar o conteúdo de cada uma dessas teorias.

A teoria do direito potestativo define o poder empregatício como

prerrogativa assegurada pela ordem jurídica a seu titular (o empregador) de alcançar os

efeitos jurídicos que são de seu interesse mediante o exclusivo uso de sua própria

vontade, existindo, em contraposição, um dever, uma obrigação pela parte contrária (o

empregado). A noção de direito potestativo consuma a realização, ao máximo, da

soberania da vontade particular no contexto de um universo social, vinculando-se a

uma ideologia individualista possessiva, característica do período do liberalismo

clássico211

.

De acordo teoria do direito subjetivo compreende-se o poder

empregatício como prerrogativa conferida pela ordem jurídica ao titular (o

empregador) no sentido de agir para satisfação de interesse próprio em estrita

conformidade com a norma ou com a cláusula contratual por esta protegida. Se esta

teoria, de um lado, contrapõe-se à concepção de direito potestativo, civilizando as

prerrogativas inerentes ao poder intra-empresarial, submetendo o exercício do poder a

induções normativas gerais da ordem jurídica e reduzindo a amplitude da vontade

empresarial, de outro lado essa concepção não ultrapassa a percepção unilateral, rígida

e assimétrica do fenômeno do poder empregatício, mantendo no empregador a

titularidade de uma vantagem propiciada pela conduta em conformidade com a ordem

jurídica212

.

211

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Ltr, 2004, p. 648-649. 212

Idem.

90

A teoria do status jurídico tem como fundamento a natureza hierárquica

inerente à estrutura diferenciada da empresa ou a noção de que o poder empregatício é

decorrência necessária da relação de emprego, concluindo pela concepção de poder

como senhorio, no sentido de que o empregador comandaria o empregado não como

credor, mas como senhor, proprietário, com absoluta assincronia e unilateralidade de

posições213

.

Como direito função é conferido ao poder empregatício a característica de

ser exercido pelo seu titular (o empregador) não em seu estrito interesse próprio, mas

na tutela de interesse de terceiro. Tal forma de se apreciar o poder empregatício se

caracterizaria, ilustrativamente, como as relações do pai perante a família, do

administrador perante a fundação, do sindicato perante a categoria, do empresário

perante a empresa. Esta teoria traduz claro avanço teórico em relação às concepções

anteriores, mostrando-se sensível ao dado empírico da participação obreira no contexto

empresarial, além de submeter o titular do poder (o empregador) a um dever,

cumprindo-lhe praticar condutas de tutela de interesses alheios214

.

A teoria do poder empregatício como relação jurídica complexa parte da

premissa de que qualquer investigação sobre a natureza jurídica de um instituto de

direito somente se completa quando encontrar concepção apta a reter a essência do

fenômeno examinado e tiver a habilidade necessária para acolher as alterações

circunstanciais, vez que necessariamente o fenômeno terá passado ao longo de sua

existência histórica.

Por esta concepção, o poder intra-empresarial seria uma relação jurídica

contratual complexa, qualificada pela plasticidade de sua configuração e pela

intensidade variável do peso de seus sujeitos componentes. Isto é, caracterizar-se-ia

pela assimetria variável entre seus polos componentes (empregado e empregador),

estes considerados em suas projeções individual e coletiva, mediante a qual se

preveem (previsão no sentido de poder diretivo/regulamentar), alcançam (alcance no

213

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Ltr, 2004, p. 649-650. 214

Ibidem, p. 651.

91

sentido de poderes fiscalizatório e diretivo) ou sancionam condutas no plano do

estabelecimento e da empresa.

De acordo com a teoria da relação jurídica complexa, o poder intra-

empresarial não seria um poder exclusivo do empregador, nem do empregado, mas,

sim, uma relação de poder própria de uma realidade socioeconômica e jurídica

específica, a relação de emprego.

Frente à uma Constituição que impõe a dignidade da pessoa humana e os

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado (art. 1º,

III e IV, da Constituição Federal), que fixa como objetivos fundamentais do Estado a

construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, a erradicação da pobreza e da

marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III, da

Constituição Federal) e exige que a ordem econômica seja fundada na valorização do

trabalho humano juntamente com a livre iniciativa, observando, entre outros

princípios, a função social da propriedade e a redução das desigualdades regionais e

sociais (art. 170, caput e incisos III e VII, da Constituição Federal), não há como se

conceber a existência de poder empregatício que garanta a exclusividade de imposição

de vontade de somente uma das partes da relação jurídica de emprego para que a

referida parte privilegiada, no exercício de seu exclusivo interesse, escolha os efeitos

jurídicos a serem alcançados na manutenção da relação de emprego (daí a

impossibilidade de se admitirem as teorias do direito potestativo e do direito

subjetivo). Também absolutamente contraditório com o texto constitucional a

concepção de poder empregatício que viabilizasse a relação empregador-empregado

sob enfoque de propriedade ou senhorio (não se admitindo, pois, a teoria do status

juridico).

Assim, frente às exigências do arcabouço constitucional vigente no Estado

brasileiro, somente as teorias do direito-função e da relação jurídica complexa são

capazes de prosperar como viáveis, motivo pelo qual, na interpretação do enunciado

prescritivo contido no artigo 62, I, da CLT, serão tais teorias consideradas na

valoração da distribuição de deveres e obrigações das partes da relação jurídica

empregatícia.

92

2 Espaço Ampliado. Conceito e características

Como ensinam Fernanda Bruno, Marta Kanashiro e Rodrigo Firmino em

recente estudo intitulado “Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e

identificação”215

, os parâmetros e os limites a partir dos quais estava a sociedade

habituada a ordenar os comportamentos de “ver” e de “ser visto” estão em plena

mutação, vez que as margens do visível ampliam-se e se modificam, o mesmo

ocorrendo em relação à forma de ser visto, graças a técnicas e instrumentos como as

tecnologias de geolocalização (como o GPS – Global Position System - e o GIS –

Sistema de Informações Geográficas), visualização miniaturizada e individualizada

das pequenas telas de celulares, palmtops e laptops, passando pelas câmeras de vídeo-

vigilância cada vez mais presentes tanto nos espaços públicos quanto privados, ou

ainda pelos discretos sensores e tecnologias que monitoram o espaço físico e o

informacional, tornando sensíveis processos usualmente desapercebidos e criando o

que se convenciona chamar de “realidade ou espaço ampliados”, assim como formas

sutis de vigilância de dados216

.

A existência de “espaços ampliados” tem direta relação com os dispositivos

de vigilância, que participam ativamente desses múltiplos e concorrentes modos de

fazer ver e de ser visto na nossa sociedade, articulando tais modos de visibilidade com

procedimentos mais ou menos explícitos de monitoramento, identificação, controle,

coleta e produção de informações sobre os indivíduos e suas ações217

.

As tecnologias fundadas em dispositivos móveis (como telefones celulares,

smartphones, módulos GPS), redes telemáticas sem fio (Wi-Fi, Wi-Max, Bluetooth218

)

215

BRUNO, Fernanda; KANASHIRO, Marta; FIRMINO, Rodrigo. Vigilância e visibilidade: espaço, tecnologia e identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010.

216

Ibidem, p.7. 217

Idem, p.8. 218

Wi-Fi significa é uma marca registrada da Wi-Fi Alliance, que é utilizada por produtos certificados que pertencem à classe de dispositivos de rede local sem fios (WLAN) baseados no padrão IEEE 802.11. Wi-Max(Worldwide Interoperability for Microwave Access/Interoperabilidade Mundial para Acesso de Micro-ondas) trata-se de tecnologia de comunicação sem fio para redes metropolitanas. Bluetooth é uma especificação industrial para áreas de redes pessoais sem fio (Wireless personal area networks – PANs) que provê uma maneira de conectar e trocar informações entre dispositivos como telefones celulares, notebooks,

93

e sensores geraram uma mudança no regime de visibilidade antes existente, criando

um regime que se baseia não exclusivamente no espaço físico ou nos limites do

alcance do olho humano, mas também fundado no espaço informacional (constituído

por serviços e tecnologias baseados em localização que estão em franca expansão e

que possibilitam aliar localização, vigilância e mobilidades física e informacional -

capacidade de consumir, produzir e distribuir informação -219

.

Se, antes de tais tecnologias, o regime de visibilidade (entendido como

forma pela qual “se vê e se é visto” na sociedade) baseava-se exclusivamente no

alcance do campo ocular, isto é, no alcance visual do olho humano, hoje tal regime se

baseia em “espaços ampliados”, que não se fundam no espaço físico ou nos limites do

alcance do olho humano, mas sim em espaço informacional (que é o resultado de

serviços e tecnologias baseados em localização e transmissão de dados). Sobre regimes

de visibilidade, vale transcrever ensinamento de Michel Foucault:

Cada sociedade tem seu próprio regime de verdades, sua própria

“política geral”: os tipos de discursos que suportam e quais são

considerados como verdadeiros; os mecanismos e os grupos que

permitem distinguir as posições verdadeiras das falsas, o modo como

as pessoas são sancionadas; as tecnologias e os procedimentos válidos

para a obtenção da verdade; o status dos encarregados de dizer o que é

considerado verdade.220

Se antes o cidadão somente percebia aquilo que naturalmente se encontrava

à mostra em seu campo visual, agora esse mesmo cidadão, sem qualquer necessária

evolução de seu sentido visual, vê de forma ampliada, vez que representações (sob a

forma de imagem, sons ou até mesmo sensações táteis) de uma realidade que lhe é

fisicamente distante (e seria inatingível naturalmente pela visão) lhe são apresentadas,

inclusive em tempo real e com altos graus de acurácia e fidedignidade, passando não

computadores, impressoras, câmeras digitais e consoles de videogames digitais através de uma frequência de rádio de curto alcance globalmente não licenciada e segura. 219

LEMOS, André. Mídias locativas e vigilância. Sujeito inseguro, bolhas digitais, paredes virtuais e territórios informacionais. In BRUNO, Fernanda; KANASHIRO, Marta; FIRMINO, Rodrigo (org.). Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010, p.61.

220

FOUCAULT, Michel. La fonction politique de l’intellectuel (entrevista com P. Rabinow). Radical Philosophy, vol. 17, 1977, p. 12-14. Tradução nossa.

94

só o cidadão a ter acesso à tal realidade, mas também podendo com ela interagir.

Inaugura-se, portanto, um novo regime de visibilidade. Cabe, neste ponto do

desenvolvimento do raciocínio, transcrever o magistério de Fábio Duarte e Rodrigo

Firmino:

Se as câmeras de vigilância representam a cidade fragmentariamente

sem se constituir um campo de ação direta, os mapas

georreferenciados alimentados pelas imagens de satélite buscam a

compreensão do espaço em sua totalidade e em suas minúcias, e sua

compressão em uma representação extremamente codificada, onde

qualquer existência ou manifestação no espaço de origem será

“significada” apenas se suas características estiverem previamente

inscritas no código desse espaço informacional (...) uma vez que o que

interessa à análise informacional, assim, não é saber o que diz uma

mensagem, mas quantas dúvidas ela elimina – e nesses mapas a

existência de um signo implica que qualquer dúvida sobre a natureza

foi eliminada ao não ser filtrado pelos tamises do código constituinte

desse espaço.

A alimentação constante e reconstituinte das imagens de satélite sobre

uma base informacional georreferenciada cria a “aura” de uma

espacialidade mais que abrangente, plena; a ilusão de que a

representação é “fidedigna” e supremamente descritiva, com aspectos

que não são vistos a olhos nus (temperatura da superfície, intensidade

de luminescência etc) cria um espaço mais completo que o próprio

espaço “vivido”: a hiperespacialidade. Tal ilusão descritiva é tamanha

que essa hiperespacialidade torna-se o campo exclusivo de análise e

de ações: movimentos populacionais, padrões de ocupações urbanas

ou análises socioeconômicas prescindem da “ida a campo”, e ações de

rearranjo urbanos têm decisões tomadas com referência à hiper

espacialidade codificada.221

Nesse sentido, deve ser fixado para regular apreciação científica, o conceito

de “espaço ampliado”, qual seja: representações, sob a forma de imagem, sons e até

mesmo de sensações táteis, de uma realidade que é fisicamente distante do cidadão

comum (isto é, realidade que lhe seria inatingível naturalmente pela visão), permitindo

ao cidadão não só ter efetivo acesso à essa realidade, como também com ela interagir.

221

DUARTE, Fábio; FIRMINO, Rodrigo. Espaço, visibilidade e tecnologias: (Re)caracterizando a experiência urbana. In BRUNO, Fernanda; KANASHIRO, Marta; FIRMINO, Rodrigo (org.). Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010, p. 105.

95

No que se refere às características do novo regime de visibilidade, baseado

no conceito de “espaço ampliado”, ensina André Lemos que as mídias locativas, onde

localização e mobilidade significam possibilidades de produção de sentido no espaço e

nos lugares, são também instrumentos de controle, monitoramento e vigilância de

lugares, espaços e indivíduos enredados em bancos de dados moduláveis, sensores

ubíquos e onipresentes, redes sem fios fluidas e inteligentes, dispositivos de

localização, associando mobilidade e localização, podendo ser utilizada para monitorar

movimentos, vigiar pessoas e controlar ações no dia-a-dia.”222

. Não se trata mais de

fechar e imobilizar para vigiar, mas de deixar fluir o movimento, monitorando,

controlando e vigiando pessoas, objetos e informações para prever consequências e

exercer domínio223

.

Tem-se, pois, como uma das principais características do novo regime de

visibilidade, a realização do monitoramento do comportamento de pessoas sem a

necessidade de fixar a elas um espaço físico próprio de vigilância, sendo que o “espaço

informacional” acompanha o ser vigiado independentemente do local físico onde se

encontre. E mais, o novo regime permite o efetivo controle do controlado à distância e

independentemente das características do espaço físico que ocupa quando da

realização de cada um de seus comportamentos.

O novo regime de visibilidade também cria um novo conceito de território,

o “território informacional”, constituído por áreas de controle de fluxo informacional

digital em uma zona de intersecção entre o ciberespaço (i.e. espaço cibernético,

caracterizado por representações geradas por instrumentos tecnológicos de última

geração) e o espaço urbano. No “território informacional” o acesso e o controle se

realizam a partir de dispositivos móveis e de redes sem fio, caracterizando-se como um

espaço movente, híbrido, formado pela relação entre o espaço eletrônico e o espaço

222

LEMOS, André. Mídias locativas e vigilância. Sujeito inseguro, bolhas digitais, paredes virtuais e territórios informacionais. In BRUNO, Fernanda; KANASHIRO, Marta; FIRMINO, Rodrigo (org.). Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010, p.71.

223

Ibidem, p.72.

96

físico224

. Para demonstração, utilizamos exemplo trabalhado por André Lemos: o lugar

de acesso sem fio num parque por redes Wi-Fi é um território informacional, distinto

do espaço físico parque e do espaço eletrônico internet. Ao acessar a internet por essa

rede Wi-Fi, o usuário está num território informacional imbricado no território físico

(e político, cultural, imaginário etc) do parque, e no espaço das redes telemáticas.

Assim, o território informacional cria um lugar, dependente dos espaços físico e

eletrônico a que ele se vincula225

. É criada uma nova tensão de controle, logo um novo

território, informacional, criado por redes sem fio e dispositivos digitais nos lugares.

Posso, assim, ser monitorado, controlado ou vigiado num “café” se estiver usando o

celular, o laptop, ou se houver um reader que acione a etiqueta RFID226

da minha

caneta227

.

Se de um lado o “território informacional” depende do “território físico,

tradicional”228

, de outro lado, conceitualmente, aquele é uma evolução deste. Entende-

se “território físico, tradicional” como “extensão da superfície terrestre”229

, “área certa

e delimitada da superfície da terra”230

, delimitado e fixo por si só. No contexto do

território físico, ou o cidadão encontra-se no interior do território ou no exterior do

224

LEMOS, André. A cidade e mobilidade. Telefones celulares, funções pós-massivas e territórios informacionais. In Matizes, Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Computação, Universidade de São Paulo, ano 1, no. 1, São Paulo, 2007, p. 128.

225

Ibidem, p. 128.

226 Identificação por radiofrequência ou RFID é um método de identificação automática através de sinais de

rádio, recuperando e armazenando dados remotamente através de dispositivos denominados etiquetas RFID. Uma etiqueta ou tag RFID é um transpondedor, pequeno objeto que pode ser colocado em uma pessoa, animal, equipamento, embalagem ou produto, dentre outros. Contém chips de silício e antenas que lhe permite responder aos sinais de rádio enviados por uma base transmissora. Além das etiquetas passivas, que respondem ao sinal enviado pela base transmissora, existem ainda as etiquetas semipassivas e as ativas, dotadas de bateria, que lhes permite enviar o próprio sinal. São bem mais caras que do que as etiquetas passivas.

227 LEMOS, André. Op. Cit., p. 128.

228

Tal “dependência” se faz em razão de que o “território informacional” é representação do “território físico”. 229

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Volume IV. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 1547. 230

NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. Volume II, 8ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974, p. 1179.

97

território, diferentemente do que ocorre no contexto do território informacional, em

que o território acompanha o vigiado onde quer que o mesmo se encontre.

Laurent Beslay231

e Hannu Hakala232

introduzem, no texto intitulado

“Digital Territory:Bubbles”233

, o conceito de “bolha digital”, afirmando que o

território digital deve ser pensado em vários níveis, com permeabilidades

diferenciadas, sendo que bolhas informacionais podem evitar que informações

“pinguem” para fora desses níveis. Um primeiro território seria o pessoal (o corpo e a

subjetividade), a casa é o segundo nível de isolamento e controle de fronteiras e o

espaço público o terceiro nível territorial, onde as pessoas negociam proximidade e

distanciamento. O design do território digital isolaria os três tipos de espaço,

protegendo o indivíduo, disponibilizando uma ferramenta que permite aos usuários

gerenciarem proximidades e distâncias entre si nesse espaço de inteligência ambiente,

no sentido social e legal, assim como no mundo físico234

. A imagem da bolha tem por

objetivo constituir uma camada de isolamento, de controle informacional, dando aos

usuários o poder sobre o que sai ou entra235

.

Como afirma André Lemos, conceito similar ao de “bolha digital” é do de

“paredes digitais”, pensadas como sistemas que permitem que os usuários controle as

suas pegadas digitais. Essas paredes virtuais atestam, como as bolhas digitais, a nova

territorialidade dos lugares como zona de controle informacional, de forma que o

controle entre as “bordas eletrônicas” que compõem os espaços de lugar devem

231

Consultor de tecnologia da Autoridade Europeia para a Proteção de Dados, em Bruxelas, com pós-doutorado em Gestão Global de Riscos Tecnológicos e Crise pela Universidade de Paris, Sorbone. 232

Diretor de computação da Elektrobit Ltd, tendo já desenvolvido atividades junto ao “Centro de Pesquisa Técnica da Finlândia” na área de ferramentas de sistema móvel, soluções integradas e telemática para automóveis. 233

BESLAY, Laurent; HAKALA, Hannu. Digital Territory: Bubbles. 2009. Disponível em: <Http://cybersecurity.jrc.ec.europa.eu/docs/DigitalTerritoryBubbles.pdf>. Acesso em: 10. Jul.2011.

234

BESLAY, Laurent; HAKALA, Hannu. Digital Territory: Bubbles. 2009. Disponível em: <Http://cybersecurity.jrc.ec.europa.eu/docs/DigitalTerritoryBubbles.pdf>. Acesso em: 10. Jul.2011.

235

LEMOS, André. Mídias locativas e vigilância. Sujeito inseguro, bolhas digitais, paredes virtuais e territórios informacionais. In BRUNO, Fernanda; KANASHIRO, Marta; FIRMINO, Rodrigo (org.). Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010, p.84.

98

garantir a privacidade, o anonimato e a liberdade236

. Tanto as “bolhas” quanto as

“paredes” digitais surgem como instrumento de contenção do “território digital”,

evitando que o mesmo se torne espaço sem controle, local de liberdade ilimitada.

3 O regime de visibilidade como “valor” e fonte de “mutação normativa”

Tem-se como “regime de visibilidade” a forma pela qual “se vê ou se é

visto” na sociedade, que se caracteriza como a forma como certa sociedade considera

verdadeiro discurso baseado numa determinada imagem, numa determinada exposição

produzida a partir dos recursos tecnológicos disponíveis na respectiva época.

Como já apontado anteriormente, se antes das tecnologias de

monitoramento, de transmissão de dados através de redes sem fio, o regime de

visibilidade baseava-se exclusiva ou preponderantemente no alcance do campo ocular

(isto é, no alcance visual do olho humano), hoje tal regime se baseia também em

“espaços ampliados”, que não se fundam no espaço físico ou nos limites do alcance do

olho humano, mas sim em espaço informacional (que é o resultado de serviços e

tecnologias baseados em localização e transmissão de dados).

Inequívoco, pois, que o “regime de visibilidade” é próprio de determinada

sociedade e de certo “momento histórico”, é um valor cultuado pela sociedade em

realidades fatuais que se apresentem e que, portanto, faz parte da experiência jurídica,

devendo, frente à “Eticidade”, incidir sobre os fatos normados, gerando a escolha de

uma das possibilidades semânticas do texto normativo interpretado (tal escolha terá

como vertente a incidência do “valor” ao fato concreto em análise) levando-se em

consideração a sua “elasticidade semântica” (a sua polissemia, capacidade de um

mesmo suporte físico referir-se a mais de um significado).

A mudança, numa sociedade, do regime de visibilidade é capaz de gerar

mutação normativa - entendida como modificação do conteúdo da norma jurídica, a 236

LEMOS, André. Mídias locativas e vigilância. Sujeito inseguro, bolhas digitais, paredes virtuais e territórios informacionais. In BRUNO, Fernanda; KANASHIRO, Marta; FIRMINO, Rodrigo (org.). Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010, p.87.

99

despeito da manutenção do enunciado prescritivo (texto legislativo) -, especialmente

naquelas normas cujos elementos baseiam-se na visibilidade237

(capacidade de ser ver

ou ser visto). A mutação normativa tem como principal instrumento a interpretação

jurídica.

Nesse sentido, importa grave equívoco a interpretação de texto legislativo

considerando “valor desatualizado” da sociedade e, mais especificamente, regime de

visibilidade já ultrapassado. Citado equívoco desnatura o direito, afasta as “soluções

jurídicas” impostas da experiência jurídica vivenciada.

4 Conclusões parciais

Frente aos pontos enfrentados no presente capítulo, podemos concluir que:

a) Em razão das exigências do arcabouço constitucional vigente no Estado brasileiro,

somente as teorias do direito-função (poder empregatício sob característica de ser

exercido pelo seu titular -o empregador- não em seu estrito interesse próprio, mas na

tutela de interesse de terceiro) e da relação jurídica complexa (poder empregatício

caracterizado pela assimetria variável entre seus polos componentes -empregado e

empregador-, estes considerados em suas projeções individual e coletiva, mediante a

qual se preveem -previsão no sentido de poder diretivo/regulamentar-, alcançam -

alcance no sentido de poderes fiscalizatório e diretivo- ou sancionam condutas no

plano do estabelecimento e da empresa) são capazes de prosperar como viáveis,

motivo pelo qual, na interpretação do enunciado prescritivo contido no artigo 62, I, da

CLT, serão tais teorias consideradas na valoração da distribuição de deveres e

obrigações das partes da relação jurídica empregatícia;

237

A expressão “normas cujos elementos baseiam-se na visibilidade” é aqui utilizada para se referir a normas jurídicas cujo antecedente é formado pela descrição de um comportamento abstrato (proibido, obrigatório ou proibido) que deve ser objeto de fiscalização ou observação por terceira pessoa. Isto é, para a ocorrência do antecedente de tais normas jurídicas é necessária a ocorrência do evento “realização ou possibilidade de realização de fiscalização ou observação por terceiro”.

100

b) ante o disposto nos artigos 1º, III e IV, 3º, I e III e 170, caput e incisos III e VII,

todos da Constituição Federal, não há como se admitir, na relação de emprego,

prerrogativa de exclusividade na imposição de vontade de somente uma das partes da

relação para que a referida parte privilegiada, no exercício de seu exclusivo interesse

(direito potestativo), escolha os efeitos jurídicos a serem alcançados na realização do

vínculo empregatício;

c) o surgimento, em razão do atual estado da tecnologia de rastreamento de objetos e

pessoas e de transmissão sem fio de dados, do conceito de “espaço ampliado”

(representações, sob forma de imagens, sons e até mesmo de sensações táteis, de uma

realidade que é fisicamente distante do cidadão comum – isto é, realidade que lhe seria

inatingível naturalmente pela visão -, permitindo ao cidadão não só ter efetivo acesso à

essa realidade, como também com ela interagir), bem como a acessibilidade de grande

parte da sociedade a essas tecnologias, gerou uma modificação no regime de

visibilidade (forma como a sociedade considera verdadeiro discurso baseado numa

determinada imagem, numa determinada exposição produzida a partir dos recursos

tecnológicos disponíveis na respectiva época);

d) o novo regime de visibilidade (baseado no conceito de “espaço ampliado”)

considera como verdadeiro discurso baseado no efetivo controle do controlado à

distância, através do atual estado da tecnologia de rastreamento de bens e objetos e de

transmissão sem fio de dados, e independentemente das características do espaço físico

que ocupa quando da realização de cada um de seus comportamentos;

e) o regime de visibilidade é próprio de determinada sociedade e de certo momento

histórico, sendo um valor cultuado pela sociedade em realidades fatuais que se

apresentem e que, portanto, faz parte da experiência jurídica, devendo, frente à

“Eticidade”, incidir sobre os fatos normados, gerando a escolha de uma das

possibilidades semânticas do texto normativo interpretado (tal escolha terá como

vertente a incidência do “valor” ao fato concreto em análise), levando em consideração

a elasticidade semântica do respectivo texto normativo;

101

f) a mudança, numa sociedade, do regime de visibilidade é capaz de gerar mutação

normativa – entendida como modificação do conteúdo da norma jurídica, apesar da

manutenção do enunciado prescritivo (texto legislativo ou texto normativo238

) –

especialmente naquelas normas jurídicas cujos elementos baseiam-se na visibilidade

(normas jurídicas cujo antecedente é formado pela descrição de um comportamento

abstrato -proibido, obrigatório ou proibido- que deve ou pode ser objeto de

fiscalização ou observação por terceira pessoa. Isto é, para a ocorrência do antecedente

de tais normas jurídicas é necessária a ocorrência do evento “realização ou

possibilidade de realização de fiscalização ou observação por terceiro”).

238

As expressões “enunciado prescritivo”, “texto legislativo”, “texto normativo” e “enunciado normativo” são utilizadas, na redação da presente tese, como sinônimas.

102

Capítulo III - OS SISTEMAS “AUTOMATIC VEHICLE LOCATION” (AVL)

São elementos fulcrais para a compreensão desta tese conhecimentos a

respeito de sistemas de localização automática de veículos, que atendem pela sigla

AVL (do inglês Automatic Vehicle Location), motivo pelo qual neste capítulo nos

preocupamos com a apresentação não só do conceito de “sistemas de localização

automática de veículos”, como também trataremos de suas espécies, abordando cada

tecnologia vinculada a esse sistema (sistema GPS, comunicação celular e softwares de

gerenciamento de frota) que, juntas, permitem a existência do AVL no atual estado da

técnica. Por fim, apresentaremos os principais sistemas AVL disponíveis no mercado

brasileiro.

1 Os sistemas precursores do AVL

A humanidade desde há muito se preocupa com a pesquisa e o

desenvolvimento de técnicas de localização de veículos e de navegação. O primeiro

sistema de navegação de veículo remonta a milhares de anos, sendo denominado

“South-Pointing Carriage” (figura 1), inventado na China cerca de 2.600 anos antes de

Cristo. Tal sistema caracterizava-se por uma carroça de duas rodas na qual era

montada uma figura humana moldada em material metálico que, graças à ação de um

sistema de engrenagens, mantinha-se sempre direcionada para o sul, pouco importando

o caminho seguido pelo veículo239

.

Figura 1 – Exemplar do equipamento South-Pointing Carriage

Fonte: ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system.Londres: Artech House, 1997, p.3.

239

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 1-2.

103

Quase que paralelamente à invenção do “South-Pointing Carriage”, outra

importante técnica foi inventada, a “Li-Recording” (figura 2), que se constituía por um

conjunto de engrenagens e duas figuras humanas em madeira, sendo que, conforme o

veículo se deslocasse, uma das figuras humanas tocava num tambor, significando o

deslocamento por uma determinada medida de distância (no caso, um ”li”, que

representava cerca de 500 metros) e quando a outra figura humana tocasse num gongo

constatado era o deslocamento por dez vezes uma determinada medida de distância (

no caso, dez “li”, que representava cerca de 5.000 metros).

Figura 2 – Exemplar do equipamento Li-Recording

Fonte: ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p.3.

Outras técnicas básicas de localização e de navegação, como o odômetro240

e a bússola magnética241

, foram inventadas cerca de 2.000 anos atrás. No século XIX,

essas e outras tecnologias de localização foram incorporadas aos automóveis. Nos

Estados Unidos da América, o primeiro mapa automotivo foi publicado em 1895 e os

sinais de trânsito foram instalados, juntamente com a identificação das rodovias, no

início do século XX. Entre 1900 e 1920 passaram a ser produzidos mapas com rotas

incorporadas e com várias instruções sequenciais impressas. Como as estradas

240

Instrumento que indica distâncias percorridas por pedestres ou por veículos. 241

Bússola ou Agulha Magnética nada mais é que uma haste ou várias hastes de ferro imantadas e dispostas por baixo de um círculo graduado de 0° a 360°, denominado Rosa-dos-Ventos, suspensas por um estilete de forma a poder girar livremente e, portanto, dar indicações de direção em relação a uma direção de referência na superfície da Terra, direção essa que se denomina Norte Magnético da Terra, conforme ensinamentos de Geraldo Luiz Miranda de Barros (Barros, Geraldo Luiz Miranda de. Navegar é fácil. 12ª edição. Rio de Janeiro: Catedral das Letras, 2006, p. 319).

104

tornaram-se melhor sinalizadas e os roteiros se tornaram mais precisos, o interesse por

aparelhos de orientação diminuiu entre 1920 e 1940. Durante a Segunda Grande

Guerra, um sistema de navegação eletrônica foi desenvolvido nos Estados Unidos da

América para veículos militares, que era constituído de uma bússola magnética cuja

posição era lida por uma fotocélula, sendo que um servomecanismo era impulsionado

pela saída da bússola para girar um eixo mecânico correspondente à posição do

veículo. Tal haste foi acoplada a um computador mecânico que, obtendo a distância do

curso derivado do odômetro, convertia tais informações em componentes X e Y,

permitindo a localização automática na trajetória do veículo num mapa de escala

adequada242

.

No final da década de 1960, um sistema de orientação eletrônico cuja

denominação era “ERG” foi inventado, constituindo-se num sistema sem fio de

navegação utilizado para controle e distribuição de fluxo de tráfego. Para

funcionamento deste sistema, uma rede de curto alcance era utilizada para

comunicação bidirecional e havia um console no veículo com opções, acessíveis

através de botão giratório, que permitiam ao condutor introduzir um código de destino.

Ao aproximar-se de intersecções de vias, o código de destino era transmitido a partir

de um transmissor localizado a bordo do veículo para a baliza de mais de uma antena

de comunicação incorporada na superfície da via e conectado a um controlador que,

por sua vez, era conectado a um sistema central para acessar dados de tráfego. Depois

de receber o código de destino, o controlador o decodificava e planejava uma melhor

rota, sendo que as instruções de orientação eram exibidas num display no veículo. É

verdade que devido a recursos limitados, esse sistema nunca foi efetivamente

implementado, tendo servido, no entanto, para introduzir o conceito de navegação

dinâmica243

.

No início dos anos 1970, um sistema autônomo de navegação foi

introduzido nos Estados Unidos da América. Esse sistema utilizava um módulo “dead

242

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 2-3. 243

Ibidem, p. 3-4.

105

reckoning”244

assistido por um algoritmo245

vinculado a um mapa para localizar o

veículo. Uma segunda versão desse sistema permitia a exibição de instruções de

orientação de rota num painel de plasma246

.

Durante os últimos vinte anos, muitos componentes e tecnologias para

localização de veículos e navegação foram desenvolvidos, ganhando, os respectivos

sistemas, alto grau de acurácia e alta capacidade de localização, inclusive com

informações aos usuários em tempo real através de redes sem fio, o que foi permitido

com o surgimento do “Global Positioning System” (GPS) e com a evolução da

telemática247

, em especial através da comunicação celular.

2 Conceito de AVL

Os sistemas AVL(Automatic Vehicle Location) são parte de uma classe

mais extensa de sistemas, denominada “Sistemas Inteligentes de Transportes”, que

atende pela sigla ITS (do inglês Inteligent Transportation Systems). O objetivo dos

ITS é a aplicação de tecnologias avançadas para fazer o transporte funcionar de forma

mais segura e eficiente, com menos congestionamento, poluição e impacto ambiental.

A teoria e a prática dos sistemas de transporte inteligentes estão entre as áreas mais

promissoras estudadas nas áreas do transporte, da informática, da informação, da

comunicação e da engenharia e que desempenham e continuarão desempenhando no

244

Conhecida como técnica de posição estimada. Trata-se de um sistema de localização de veículos que emprega em cada unidade móvel instrumentos que medem a distância percorrida e a mudança na direção do movimento. Para aferir a determinação da localização do veículo, o sistema se baseia numa posição inicial e, com base nas distâncias e direcionamentos realizados, estima a posição da unidade móvel que, no caso, pode ser um veículo. Ilustração dessa técnica consta do Apêndice “A” desta tese. 245

Algorítimo é uma sequência determinada de instruções bem definidas, sendo que cada uma delas é executada mecanicamente num determinado tempo. Constitui-se um algoritimo, de forma ilustrada, como uma receita, os passos necessários para a realização de uma tarefa. 246

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 4. 247

Telemática é a comunicação à distância realizada através da junção de recursos das telecomunicações (como telefonia, satélite, cabos, fibras óticas etc) e da informática (como computadores, periféricos, softwares e sistemas de rede), que possibilita o processamento, a compreensão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados, em formatos de texto, imagem e som, em curto prazo de tempo, entre usuários localizados nos mais diversos pontos do Planeta Terra.

106

futuro um papel primordial na vida dos seres humanos, afetando, de alguma forma,

toda a sociedade248

.

A existência dessa nova ciência, denominada ITS, dá-se graças à aplicação

da tecnologia da informação249

, aliada à telecomunicação e à eletrônica no

planejamento e nas gestão, operação e fiscalização do transporte urbano. A arquitetura

de ITS está baseada na interação de três “camadas” de infraestrutura, quais sejam: a)

camada de transportes, que é composta pela infraestrutura física de ITS, contendo os

usuários, veículos, centros de controle e equipamentos viários; b) camada de

comunicação, composta pela infraestrutura de informações que conecta todos os

elementos da camada de transportes, sendo a camada que dá a característica de

sistema, propiciando coordenação e compartilhamento de informações entre sistemas e

pessoas; e c) camada institucional, composta pelas organizações e regras sociais que

definem as fronteiras institucionais e os papéis dos organismos governamentais,

empresas privadas, associações de usuários e outros participantes no contexto dos

serviços de ITS. As atividades referentes à camada institucional incluem o

desenvolvimento de uma política local, o financiamento e a criação de parcerias que

direcionem o desenvolvimento de ITS250

.

As possibilidades de aplicação dos sistemas inteligentes de transportes são

muito amplas, envolvendo, entre outros, sistemas de informações para usuários,

gerenciamento de rodovias e de transporte coletivo, controle de tráfego, gerenciamento

248

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 1. 249

Como ensina Adriana V. Bottos, as “Tecnologias da Informação e da Comunicação”, que atendem pela sigla TIC, congregam os seguintes conceitos: a) tecnologia, com a aplicação dos conhecimentos científicos para facilitar a realização das atividades humanas, com a criação de produtos, instrumentos, linguagens e métodos ao serviço das pessoas; b) informação, que são dados que têm significado para determinados grupos e de fundamental importância, vez que é a partir do processo cognitivo da informação que tomamos as decisões que dão lugar a todas as nossas ações; e c) comunicação, que é a transmissão de mensagens entre as pessoas. Quando são unidos esses três conceitos, faz-se referência a um conjunto de avanços tecnológico que nos proporcionam a informática, as telecomunicações e as tecnologias audiovisuais, que compreendem os desenvolvimentos relacionados com os computadores, internet, telefonia, as aplicações de multimídia e a realidade virtual.” (In BOTTOS, Adriana V. Teletrabajo: su protección em el derecho laboral – 1ª Ed. – Buenos Aires: Cathedra Juridica, 2008, p. 27. Tradução nossa). 250

MEIRELLES, Alexandre Augusto de Castro. Sistemas de Transportes Inteligentes: aplicação da telemática na gestão do trânsito urbano. 2010. Disponível em: <www.ip.pbh.gov.br/ANO1_N1_PDF/ip0101meirelles.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2011.

107

de serviços de emergência, arrecadação automática de tarifas no transporte coletivo,

nos estacionamentos e nos pedágios, rastreamento de frotas de veículos de carga, de

transporte público e de emergência, coleta automática de dados, fiscalização eletrônica

de veículos e vias inteligentes251

. A realidade é que a cada dia abrem-se novas

possibilidades de aplicação de ITS, a cada novo problema e a cada nova tecnologia

criada, novas aplicações de ITS surgem.

Como afirma Alexandre Augusto de Castro Meirelles, pode-se, a título

exemplificativo, indicar mais de uma dezena de tipos de serviços de ITS, como:

gerenciamento de viagens e tráfego (como informações anteriores à viagem,

informações para motoristas durante a viagem, serviços de informações para

passageiros, orientação sobre rotas, gerenciamento de sinistros, gerenciamento de

demandas de viagens, controle de tráfego, controle de emissões de partículas

poluidoras e controle de cruzamentos rodoferroviários), operação de veículos

comerciais (envolvendo, entre outros, desembaraço eletrônico de veículos, inspeção

automatizada das condições de segurança, dos veículos, processos administrativos

automatizados de veículos comerciais, monitoração de segurança a bordo, gestão de

frotas comerciais e notificação de incidentes com cargas perigosas), gerenciamento de

transporte público (como na informação aos usuários durante a viagem, no

gerenciamento integrado do transporte público, no transporte coletivo personalizado e

na segurança pública nos transportes), pagamento eletrônico (serviços de pagamento

eletrônico em transporte público, em estacionamento e nos pedágios), gerenciamento

de serviços de emergência (gestão de frotas de emergência e notificação de

emergências) e sistemas avançados de segurança veicular (prevenção de acidentes,

sensoriamento de segurança, desenvolvimento de dispositivos de segurança pré-

colisão e operação automatizada de veículos)252

.

251

MEIRELLES, Alexandre Augusto de Castro. Sistemas de Transportes Inteligentes: aplicação da telemática na gestão do trânsito urbano. 2010. Disponível em: <www.ip.pbh.gov.br/ANO1_N1_PDF/ip0101meirelles.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2011.

252

Idem.

108

Os sistemas denominados “Automatic Vehicle Location” são, de acordo

com minucioso conceito apresentado pelo Institute of Transportation Research and

Education of North Carolina State University, sistemas de posicionamento e

comunicação que permitem o conhecimento da posição de um veículo e a realização

de operações associadas, como a transmissão de informações disponíveis a bordo

obtidas através de dispositivos de aquisição de dados ou fornecidas pelo motorista253

.

Tais sistemas são resultado de uma montagem de tecnologias e equipamentos que

permite a determinação automática e centralizada, visualização e controle da posição e

do movimento de vários veículos254

.

Os sistemas AVL têm sido utilizados há mais de vinte anos para variadas

propostas, desde a localização emergencial de veículos a monitoramento de frota e

monitoramento de dados255

. No Brasil, é comum denominarem-se tais sistemas como

“rastreamento de veículos”256

, o que entendemos como incorreto, vez que atualmente

tais sistemas desempenham atividades muito mais amplas que o simples rastreamento,

contendo257

:

a) Instrumentos de emergência, como:

- botão de pânico para alertas à central nas situações de emergência;

- mecanismo de bloqueio remoto do veículo;

- comando de trava de baú de caminhão;

- notificação de abertura de airbag;

- Automatic Crash Notification, que é um mecanismo a bordo do veículo desenvolvido

para notificar a um centro de chamada determinada ocorrência de colisão, informando

253

ITRE – Institute of Transportation Research and Education of North Carolina State University-. Automatic Vehicle Transportation(AVL) for pupil transportation. 2009. Disponível em: <http://www.itre.ncsu.edu/pupil/STG/documents/AVL.pdf>. Acesso em 14.fev.2011.

254

Ibidem. 255

Ibidem. 256

Marcos Rodrigues, Carlos Eduardo Cugnasca e Alfredo Pereira de Queiroz Filho, na obra “Rastreamento de Veículos” (Editora Oficina de Textos, 2009), utilizam a expressão rastreamento de veículos para se referir aos sistemas AVL.

257

A relação de funções, abaixo apresentadas, oferecidas pelos sistemas AVL, foi adaptada do quanto contido no artigo “Mercado Brasileiro de Wireless M2M: Conceitos”, de autoria de Ian Bonde. 2010. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/tutoriais/tutorialm2mI/default.asp>. Acesso em: 12.abr. 2011.

109

à localização do veículo, à velocidade e ao grau de gravidade do acidente,

acionamento de airbag e outras informações fornecidas por sensores a bordo258

.

b) Mecanismos para comunicação, em tempo real, entre o motorista e a central de

monitoramento:

- display para recebimento e envio de mensagens com teclado para comunicação;

- instrumento “phone on board” com viva-voz, permitindo a comunicação entre o

motorista e a central de gerenciamento de frota.

c) Mecanismos de roteirização259

, oferecendo informações em mapas digitais,

conduzindo o motorista ao emprego do trajeto mais rápido ou mais curto ao destino

pretendido.

d) Mecanismos de controle como:

- termômetro para motor e baú;

- sensor de porta, apontando o momento em que as portas do veículo são abertas e

fechadas;

- sensor de engate, informando se carretas e baús encontram-se engatados ao veículo,

bem como os momentos de desengate;

- sensor de tanque, permitindo o monitoramento do consumo de combustível;

- sensor e controle de velocidade;

- câmeras (web cams) permitindo a visualização, na central de monitoramento, de

todos os atos praticados pelo motorista no interior do veículo em tempo real. Tais

imagens são obtidas, em tempo real, através da internet (via web);

- diagnóstico do motor.

e) Armazenagem de informação, permitindo:

- gravação interna de dados;

- relatórios de jornada de trabalho do motorista;

- relatório de pedágios alcançados no decorrer da viagem .

258

Fleetboss Global Positioning Solutions. An introduction to GPS fleet management. 2010. Disponível em: <http://www.fleetboss.com/index.php?option=com_content&view=article&id=35:white-papers&catid=56&Itemid=65>. Acesso em: 14.fev.2011.

259

Roteirização é processo de definição de roteiros ou itinerários buscando-se o caminho mais curto ou mais rápido entre dois pontos. Segundo Luiz Martins, num sentido mais amplo, a roteirização “pode ser entendida como um processamento de otimização, ao nível operacional, que consiste na programação de um ou mais veículos, quer seja em ambiente urbano ou rodoviário, cujo resultado consiste na alocação racional de serviços de transporte (coleta e/ou entrega) à frota e à definição dos itinerários (roteiros) e consequente sequência ou ordem em que os atendimentos são realizados (MARTINS, Luiz. Geoprocessamento para roteirização de veículos. 2009. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/geoprocessamento-para-roteirizacao-de-veiculos/29589/>. Acesso em: 06 abr. 2011).

110

É possível, assim, afirmar que aquilo de que tratamos na presente pesquisa

como sistemas “Automatic Vehicle Location (AVL)” é um conjunto de equipamentos

e técnicas interrelacionadas que permite não só o rastreamento do veículo (isto é, o

fornecimento e gerenciamento sistemático da posição e do estado do veículo, com

variados níveis de exatidão e intervalo de tempo260

), mas também o oferecimento de

informações em tempo real sobre todas as atividades realizadas pelo condutor no

interior do veículo e sobre as condições gerais do veículo. Nesse sentido, vale citar

Marcos Rodrigues, Carlos Eduardo Cugnasca e Alfredo Pereira de Queiroz Filho que,

em obra coletiva, afirmam:

Nota-se uma clara expansão das funcionalidades originais do

sistema. Embora a posição do veículo possa ser considerada como a

informação mais importante do sistema RV261

, outros atributos do

veículo são igualmente relevantes, como: o estado de portas/baú, a

presença de pessoas na cabine, os dados de telemetria (velocidade,

temperatura, falhas mecânicas) e os dados operacionais, como a

identificação do motorista e da carga.

Atualmente, há uma tendência de crescimento desse mercado em

decorrência da ampliação de funções, principalmente pelo uso

conjunto do RV com outras tecnologias, como Location Based

Services (LBS)262

, comunicação sem fio (wireless), ferramentas de

Sistemas de Informações Geográficas (SIG) e de Internet.263

3 As partes componentes de um Sistema AVL

Os sistemas AVL são, antes de qualquer outra característica, um “sistema”,

isto é, um conjunto de elementos interdependentes, ou um todo organizado, ou partes

260

RODRIGUES, Marcos et alli. Rastreamento de Veículos. São Paulo: Oficina de Textos, 2009, p. 15. 261

Os Autores citados utilizam a sigla “RV” para expressar “Rastreamento de Veículos”. 262

Location Based Services são, conforme ensinamentos de Stefan Steiniger, Moritz Neun e Alistair Edwardes, serviços de informação acessíveis com aparelhos móveis através de rede móvel e utilizando o recurso de fazer uso da localização do dispositivo móvel. Também podem ser compreendidos como um serviço sem fio que utiliza informação geográfica para servir um usuário de aparelho móvel ou qualquer serviço que explore a posição de um terminal móvel (Cf. STEINIGER, Stefan et alli. Foundations of Location Based Services. 2010. Disponível em: <http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.94.1844&rep=rep1&type=pdf>. Acesso em : 13. Mai. 2011). 263

RODRIGUES, Marcos et alli. Op. Cit., p. 15.

111

que interagem formando um todo unitário e complexo264

. Os elementos que compõem

um AVL são equipamentos e técnicas que, interrrelacionados, são capazes de não só

rastrear um veículo, como também oferecer informações em tempo real sobre todas as

atividades realizadas pelo condutor no interior do veículo e sobre as condições gerais

do veículo.

Yilin Zhao, em sua obra Vehicle Location and Navigation System, agrupa

os elementos componentes de um sistema AVL em “módulos”, integrando várias

funções e tecnologias. Tais módulos são, em realidade, subsistemas (entendendo-se

aqui subsistema como conjunto de partes interdependentes que formam uma unidade

funcional, que se agrega a outros subsistemas para a composição de um sistema265

,

cujas funcionalidades agregarão as funcionalidades de cada subsistema) que, uma vez

reunidos, formam o macrosistema AVL. Ante o caráter didático do raciocínio traçado

por Zhao, utilizaremos de seu magistério no sentido de descrever que um moderno

sistema de localização é formado normalmente pelos seguintes módulos:

- módulo “banco de dados de mapas digitais” que contém informações do mapa com

um formato predefinido, que pode ser processado por um computador para as funções

relacionadas à mapa, tais como identificar e fornecer a localização, a classificação da

estrada, as regras de trânsito, além de informações sobre a viagem266

;

- módulo de “posicionamento” que, utilizando técnica viável (como sinais de rádio,

Global Positioning System-GPS, etc), é capaz de determinar automaticamente a

posição de um veículo para identificar o caminho percorrido e cada intersecção entre

vias que se aproximam267

;

264

BIO, Sérgio Rodrigues. Sistemas de informação: um enfoque gerencial. São Paulo: Atlas, 1996, p. 18. 265

Ibidem, p. 18. 266

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 6-7. 267

Ibidem, p. 7.

112

- módulo “planejamento de rota”, cujo objetivo é a orientação de rota, isto é,

processo para orientar o condutor do veículo ao longo da rota que é gerada pelo

próprio módulo. O planejamento de um trajeto, seja aquele realizado antes do início do

percurso, seja o empreendido durante o percurso, é possível graças ao módulo “banco

de dados de mapas digitais” juntamente com informações em tempo real recebidas

através de uma rede de comunicação sem fio268

;

- módulo “map matching”, que possibilita o processo pelo qual a trajetória do veículo

é correlacionada com um mapa rodoviário digital, permitindo a localização do veículo

em relação ao mapa;

- módulo “orientação de rota”, cujo objetivo é orientar o condutor do veículo ao

longo da rota gerada pelo módulo “planejamento de rota”;

- módulo “comunicação sem fio” , permitindo que um veículo, seus ocupantes e/ou

gestores de sistemas de gerenciamento de transportes recebam informação, em tempo

real269

, atualizada do trânsito, além de relatórios sobre o percurso270

;

268

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 8. 269

A expressão “em tempo real” é utilizada no sentido de “sistema de tempo real”, que é sistema computacional que deve reagir a estímulos oriundos do seu ambiente em prazos específicos, como ensinam Jean Marie Farine, Joni da Silva e Romulo Silva Oliveira (Cf. FARINES, Jean Marie; FRAGA, Joni da Silva; OLIVEIRA, Romulo Silva. Sistemas em tempo real. São Paulo: USP, IME, Escola de Computação, 2000, pp. 3-4). Tais prazos específicos são muito curtos chegando a décimos de segundo, tendo-se, pois, que o tempo entre a ocorrência de uma situação constatada pelo sistema e a resposta do mesmo (informando o usuário, por exemplo, como ocorrem nos sistemas de informação em tempo real) é ínfimo, podendo-se afirmar que a resposta do sistema ocorre no mesmo momento da ocorrência do evento objeto da resposta. 270

ZHAO, Yilin. Op. Cit., p. 8.

113

- módulo “interface homem-máquina”, cujo papel é fornecer aos usuários do sistema

meios de interagir com o computador de localização e navegação, bem como com os

demais dispositivos utilizados no sistema.

Tais módulos interagem-se conforme ilustração abaixo (figura 3), adaptada

a partir de fluxograma apresentado por Yilin Zhao271

:

Figura 3. Interação entre módulos básicos de um sistema de um AVL

Planejamento de rota Orientação de rota

Comunicação Interface Homem-Máquina

Sem fio

Banco de Dados de Mapa Digital

Sensor de Posicionamento Map Matching

Passamos, a seguir, a abordar de forma detalhada cada um desses módulos.

3.1 Módulo “Banco de Dados de Mapa Digital”

Um banco de dados de mapas digitais é um módulo indispensável para

qualquer localização de veículos. Sem um mapa é muito difícil para um viajante

explorar uma área pouco conhecida e tomar decisões corretas sobre o trajeto a ser

realizado. Também igualmente difícil seria a atuação de um gestor de frota em

organizar a prestação de serviço com base em sistema AVL sem que pudesse se basear

em informações apontadas em mapa. Utilizando-se mapa, informações complexas

podem ser comunicadas de forma extremamente fácil272

.

271

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p.7. 272

Ibidem, p. 18.

114

Impossíveis seriam a construção e a manutenção de banco de dados de

mapa digital sem a tecnologia denominada GIS (Geographic Information System), que

em obras nacionais sobre o tema recebe a denominação SIG (Sistema de Informação

Geográfica), caracterizando-se como um poderoso conjunto de ferramentas para

coleta, armazenamento e exibição dos dados geográficos, a partir do mundo real, para

um conjunto particular de objetivos, com alto grau de fidelidade273

. Na prática, pode-se

afirmar ser o GIS identificado como programas de computador que combinam banco

de dados com imagens espaciais (ou geográficas), mapas eletrônicos com capacidade

de se relacionar com outros mapas, além de permitir a facilidade de análise das

informações274

. Abaixo segue exemplo de mapa eletrônico que compõe um sistema

AVL:

Figura 4. Mapa eletrônico produzido a partir do sistema GIS

Fonte: “Autocargo Rastreamento” (http://www.autocargo.com.br/produtos.php#)

273

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 225-226.

274

PERROTTA, Bruno Araujo. Contribuição Metodológica para o Planejamento de Transporte Rodoviário de Resíduos Sólidos comerciais e Industriais com Uso de Tecnologia SIG – Estudo de caso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Transportes apresentada na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – no ano de 2007, p. 49.

115

A tecnologia GIS oferece ferramentas operacionais que auxiliam e agilizam

procedimentos de planejamento, gerência e de tomada de decisão e que, por tais

características, vem sendo utilizada de forma cada vez mais promissora nas mais

diferentes áreas. A propriedade do GIS que oferece todo esse potencial é a capacidade

de identificar relações entre objetos, ou seja, análises espaciais graças a algoritmos275

que definem os conceitos básicos de objetos no espaço: pontos, linhas e retas276

. É em

muito diferente a situação em que o sistema informa simplesmente as coordenadas da

localização, isto é, a longitude e a latitude de determinado objeto no espaço quando

comparada à situação em que o sistema não só informa as coordenadas, mas também

as aponta num mapa especificando-as geograficamente, com a exata localização do

bem. Eis a facilidade criada pela tecnologia GIS para a Engenharia de Transportes,

razão pela qual, inclusive, criou-se nomenclatura especial, o GIS-T, para designar a

adaptação e adoção dessa tecnologia para propósitos específicos em transportes,

armazenando, exibindo e analisando dados típicos do setor de transportes277

.

A obtenção de dados de um GIS é realizada geralmente através de duas

técnicas, denominadas aerografia (do inglês aerography) e acorografia (do inglês

chorography). Na aerografia, todos os pontos na Terra devem ser obtidos através de

fotografias através de satélites e serem essas fotografias projetadas sobre folhas

quadriculadas para calcular coordenadas, procedimento esse denominado mapping. Na

acorografia não é necessário obter fotografias no extenso espaço terrestre, podendo

uma aeronave ser utilizada para fazer imagens e, então, continua-se com passos

similares à aerografia278

, em especial com o procedimento de mapping.

275

Algoritmo é uma sequência determinada de instruções bem definidas, sendo que cada uma delas é executada mecanicamente num determinado tempo. Constitui-se um algoritmo, de forma ilustrada, como uma receita, os passos necessários para a realização de uma tarefa. 276

PERROTTA, Bruno Araujo. Contribuição Metodológica para o Planejamento de Transporte Rodoviário de Resíduos Sólidos comerciais e Industriais com Uso de Tecnologia SIG – Estudo de caso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Transportes apresentada na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – no ano de 2007, pp. 49-50.

277

Ibidem, p. 49-54. 278

MAHDAVIFAR,S.A, SOTUDEH, G.R., e KEYDARI K. Automatic Vehicle Location Systems. Jornal da Academia Mundial de Ciência, Engenharia e Tecnologia (Jornal World Academy of Science, Engineering and

116

Os dados inerentes ao GIS podem ser de caráter cartográfico e de conteúdo

não-cartográfico. Os dados cartográficos são as feições geográficas representadas no

mapa, que são armazenadas na forma digital e representadas por pontos, linhas ou

polígonos com as seguintes características279

:

- ponto: é uma feição que necessita somente de uma posição geográfica para sua

representação (figura 5). A localização de um determinado objeto móvel num certo

momento é caracterizada por um ponto no mapa;

Figura 5. Ilustração de ponto de localização fixado num mapa eletrônico

Ponto de Localização no mapa

Fonte: Positron Rastreamento (http://www.positron.com.br)

- linha: é constituída a partir de uma série de pontos conectados, servindo à

identificação do percurso realizado por um objeto móvel num certo intervalo de

tempo. A soma de diversas localizações (representadas por pontos) distribuídas num

período de tempo leva à constatação do percurso (representado por uma ou várias

linhas), conforme figura 6;

Technology), edição 54, ano 2009. Disponível em: < http://www.waset.org/journals/waset/>. Acesso em 08 fev.2011, p. 309.

279

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 228-229.

117

Figura 6. Linhas identificando percurso num mapa eletrônico

Fonte: GeoSiga Soluções em Geoposicionamento (http://www.geosiga.com.br/)

- polígono: é uma área limitada por linhas, delimitando um determinado espaço

territorial, conforme figura 7;

Figura 7. Ilustração de polígono delimitando área num mapa eletrônico

Fonte: “Tracsat Rastreamento” (http://www.tracsat.com.br/)

Como ensina Bruno Araujo Perrota, um GIS utiliza uma estrutura de

camadas, isto é, cada uma contém um tipo de informação que pode ser manipulada em

conjunto ou separadamente, sendo certo que cada camada é georeferenciada, ou seja,

118

está numa escala definida em pontos que têm coordenadas reconhecidas de latitude e

longitude280

, conforme tabela abaixo:

Tabela 1. Exposição das funções e aplicações de cada camada em um GIS

Itens Camada de Áreas Camada de Linhas Camada de Pontos

Função

Esta camada serve

para definir as

regiões geográficas

Esta camada forma

a rede viária

Esta camada serve

para georeferenciar

locais com

propósitos

específicos

Aplicação no mapa

Bairros, setores,

cidades, estados,

países etc

Ruas, estradas,

viadutos, pontes,

vias férreas, metrô,

etc

Pontos de coleta,

pontos de entrega,

depósitos etc

Fonte: PERROTA, Bruno Araujo. Contribuição Metodológica para o Planejamento de Transporte Rodoviário de Resíduos Sólidos Comerciais e Industriais com o Uso de Tecnologia SIG – Estudo de Caso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Transportes. UFRJ, 2007, p. 52

No que se refere aos elementos de natureza não-cartográfica, trata-se de

dados descritivos sobre as feições representadas nos mapas ou cartas (denominados

“atributos”) como, por exemplo, a posição geográfica, a dimensão, o uso e o nome do

proprietário de um imóvel, nome de uma rodovia, tipo de pavimento, entre outros281

.

Num GIS podem-se prover novas informações ou dados através da

integração de diferentes níveis de informação existentes, permitindo que os dados

originais sejam visualizados e analisados com uma perspectiva mais ampla e completa,

sendo certo que uma das características básicas de um GIS é viabilizar a integração

dos mais variados tipos de dados, coletados das mais diversas formas e instantes282

,

como pode ser verificado na tabela abaixo (tabela 2). Por exemplo, uma vez inseridos

dados no sistema GIS, este integrará tais dados apontando a localização no mapa

identificada com as informações inseridas, daí, pois, a perfeita compatibilização do

280

PERROTTA, Bruno Araujo. Contribuição Metodológica para o Planejamento de Transporte Rodoviário de Resíduos Sólidos comerciais e Industriais com Uso de Tecnologia SIG – Estudo de caso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Transportes apresentada na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – no ano de 2007, p. 51.

281

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 229.

282

Ibidem, p. 227-228.

119

módulo “banco de dados de mapa digital” com o módulo “sensor de posicionamento”,

cabendo a este o fornecimento de informações ao banco de dados de mapa digital.

Tabela 2. Descrição de cada função de um sistema GIS

Função Descrição Exemplos

AQUISIÇÃO

- Coleta de informações

de uma série de fontes

distintas;

- conversão de informação

analógica em digital

Fontes: fotografias aéreas,

ortofotos, levantamentos

topográficos, imagens de

satélites, cartas,

levantamentos estatísticos

que são digitalizados

GERENCIAMENTO

- Inserção, remoção ou

modificação dos dados

Tarefas: armazenamento

de banco de dados,

manutenção e

recuperação de bancos de

dados, controle do

processo de manipulação

de arquivos

Função Descrição Exemplos

ANÁLISE

- Examina os dados que

contenham as informações

relacionadas

Tarefas: seleção e

agregação de

informações, controle e

geométrica e topologia,

conjugação de

informações temáticas,

extração de informações

estatísticas.

EXIBIÇÃO DE

RESULTADOS

- Refere-se à

representação dos

resultados dos dados

manipulados

Mapas temáticos.

Mapas cadastrais

Fonte: PERROTA, Bruno Araujo. Contribuição Metodológica para o Planejamento de Transporte Rodoviário

de Resíduos Sólidos Comerciais e Industriais com o Uso de Tecnologia SIG – Estudo de Caso na Região

Metropolitana do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Transportes. UFRJ, 2007, p. 51.

3.2 Módulo de Posicionamento

O módulo de posicionamento é um componente vital para qualquer sistema

AVL, vez que um dos principais recursos oferecidos pelo sistema (senão o principal) é

auxiliar os usuários do sistema na obtenção da localização precisa do veículo.

120

O posicionamento envolve a determinação das coordenadas de um veículo

na superfície da Terra, situando o veículo em relação a pontos de referência e a outras

características do terreno, tais como estradas, sendo que essa tarefa é realizada pelo

módulo de posicionamento em conjunto com outros módulos, como o de banco de

dados de mapa digital283

.

3.2.1 Técnicas de posicionamento

Embora hoje a tarefa de posicionamento possa ser realizada com relativa

simplicidade através da utilização, por exemplo, de satélites artificiais apropriados

para tal finalidade, o posicionamento foi um dos problemas que o ser humano há muito

tempo procura solucionar, valendo transcrever, a respeito da evolução histórica dos

sistemas de localização, o magistério de João Francisco Galera Monico:

O homem sempre esteve interessado em saber onde estava;

inicialmente restrita à vizinhança imediata de seu lar, mais tarde a

curiosidade ampliou-se para os locais de comércio e, por fim, com o

desenvolvimento da navegação marítima, praticamente alcançou o

mundo todo. Conquistar novas fronteiras, de modo que o

deslocamento da embarcação fosse seguro, exigia o domínio sobre a

arte de navegar, ou seja, saber ir e voltar de um local a outro e

determinar posições geográficas, seja em terra, seja no mar. Por muito

tempo, o sol, os planetas e as estrelas foram excelentes fontes de

orientação. Mas, além da necessária habilidade do navegador, as

condições climáticas podiam significar a diferença entre o sucesso e o

fracasso de uma expedição(...). Surgiu, em seguida, a bússola,

inventada pelos chineses, que proporcionou uma verdadeira revolução

na navegação. Mas ainda perdurava um problema: como determinar a

posição de uma embarcação em alto-mar? O astrolábio, a despeito de

seu peso e tamanho, possibilitava apenas a obtenção da latitude sujeita

à grande margem de erro, e a medição só podia ser realizada à noite,

desde que com boa visibilidade. Melhorias ocorreram, no transcorrer

dos anos, com a introdução de novos instrumentos, tais como o

quadrante de Davis e o sextante. A determinação da longitude foi

considerada o maior problema científico do século XVIII (...). De

qualquer forma, mesmo com os melhores instrumentos, a navegação

celeste só proporcionava valores aproximados da posição, os quais

283

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p.83.

121

nem sempre eram apropriados para encontrar um ponto durante a

noite.284

3.2.1.1 Conceito e funcionamento do GPS

O Global Positioning System é um sistema de radionavegação mundial

formado por uma constelação de 24 satélites, sendo que, desses, 21 são operativos e 3

são reservas prontos para entrar em funcionamento na hipótese de pane em algum dos

satélites funcionais285

. Esses satélites ocupam órbitas circulares a cerca de 20.187

quilômetros da superfície terrestre, em grupos de seis planos orbitais, sendo que cada

satélite tem um período útil de 12 horas sobre o horizonte286

, o que garante que, a

qualquer momento, pelo menos 4 ou 5 satélites estão sobre o céu do receptor de um

usuário em qualquer ponto do Planeta Terra. Trata-se de um sistema de abrangência

global que tem facilitado todas as atividades que necessitam de posicionamento287

, vez

que a concepção do sistema GPS permite que um usuário, em qualquer local da

superfície terrestre ou próximo dela, tenha à sua disposição um número de, no mínimo,

4 satélites para serem rastreados, permitindo que se realize um posicionamento em

tempo real, e, inclusive, a utilização desse sistema independentemente das condições

climáticas288

.

O princípio básico da navegação baseada em GPS consiste na medida de

distância entre o usuário e quatro satélites, vez que, conhecendo-se as coordenadas

(longitude e latitude) dos satélites é possível calcular as coordenadas da antena do

284

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 19-20.

285

BARROS, Geraldo Luiz Miranda de. Navegar é fácil. 12ª edição. Petrópolis – Rio de Janeiro: Catedral das Letras, 2006, p. 399.

286

Idem. 287

MONICO, João Francisco Galera. Op. Cit., p. 21. 288

Ibidem, p. 21.

122

usuário no mesmo sistema de referência dos satélites289

. Sob o ponto de vista

geométrico, apenas três distâncias seriam suficientes para a localização do receptor

GPS de um determinado usuário, no entanto, a quarta distância é necessária em razão

do não-sincronismo entre os relógios dos satélites e o do usuário, adicionando-se uma

incógnita ao problema290

.

O pesquisador e professor do Departamento de Computação da Faculdade

de Ciências da UNESP – Universidade Estadual Paulista -, João Eduardo Perea

Martins, com o objetivo de facilitar a compreensão quanto ao funcionamento do

sistema GPS, elaborou software explicativo extremamente didático, do qual se extrai a

sequência abaixo:

a) um sistema de coordenadas geográficas permite que o globo terrestre seja dividido

em linhas imaginárias, assim pode-se definir precisamente a localização de um

determinado ponto. As linhas imaginárias básicas são os paralelos e os meridianos. Os

paralelos formam linhas paralelas à Linha do Equador, sendo traçadas no sentido

horizontal. Já os meridianos formam linhas semicirculares traçadas verticalmente

partindo do Polo Norte até o Polo Sul. Nesse contexto, tem-se que a latitude é uma

distância medida em relação ao Equador e a longitude é a distância em relação ao

meridiano de Greenwich, que passa pela cidade de igual denominação (Greenwich) na

Inglaterra, onde convencionou-se estar o meridiano “0”291

.

A latitude varia de 0° a 90° para o Norte ou para o Sul. Já a longitude varia

de 0° a 180° para o Leste ou para o Oeste. Um grau (identificado pelo símbolo ” ° “

acompanhado de um determinado número) é dividido em 60 minutos (os minutos são

identificados pelo símbolo “ ’ “ acompanhado de determinado número cardinal) e

289

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 22.

290

Ibidem, p. 21. 291 MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global (SAE-

GPS). Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da UNESP – Universidade Estadual Paulista,

2009. Disponível em <http://wwwp.fc.unesp.br/~perea/gps.php>. Acesso em: 20. jan.2011.

123

cada minuto é dividido em 60 segundos (os segundos são identificados pelo símbolo

“ ’’ “). As ilustrações abaixo(figuras 8 e 9) nos ajudam a visualizar os conceitos de

latitude e longitude.

Figura 8. Meridianos, paralelos e sistema de coordenadas

Fonte: MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global (SAE-GPS).

Figura 9. Sistemas de coordenadas aplicáveis sobre o Mapa Mundi

Longitude

Latitude

Fonte: Adaptado de MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de

Posicionamento Global (SAE-GPS).

b) O sistema de posicionamento global (GPS) é um sistema eletrônico que permite ao

usuário saber a sua exata localização na Terra (latitude e longitude), sendo que, para

isso, o sistema depende do sinal de alguns dos satélites de um sistema denominado

Navstar (Navegational Satellite Timing and Ranging), que é composto por 24 satélites,

124

acrescentando-se que cada um desses satélites está a uma altura de aproximadamente

20.000 quilômetros da superfície terrestre292

.

Para que o usuário do sistema GPS saiba a sua localização na Terra, o

receptor GPS deve captar o sinal de, pelo menos, 3 satélites, que transmitem as suas

respectivas coordenadas (latitude e longitude) e os respectivos horários dos seus

relógios internos, os quais são extremamente precisos, sendo que cada satélite

transmite essas informações a cada 1 milisegundo. O receptor GPS também tem um

relógio interno, razão pela qual, quando o mesmo recebe a informação do satélite, ele

pode calcular quanto tempo a informação levou para se propagar do satélite até o GPS

e, por consequência, calcular a distância entre ambos, conforme equação abaixo293

:

D= dt x C

Tal que:

“D” significa a distância entre um receptor GPS e o satélite do qual recebeu

informações;

“dt” é o tempo gasto para que um sinal emitido pelo satélite alcance o receptor GPS;

“C” é a velocidade da luz no vácuo (que se aproxima de 300.000 Km/s).

c) A triangulação é uma técnica que permite a determinação da localização exata de

um ponto na superfície terrestre a partir do uso referencial de outros três pontos de

referência, cujas posições são conhecidas. Assim, para realizar a triangulação é

necessário saber a distância entre o ponto desejado e os outros três pontos. O sistema

GPS utiliza-se da triangulação para determinar a posição do usuário do GPS no globo

terrestre (apontando as suas longitude e latitude) e, nesse caso, a distância é calculada

em relação ao usuário (em verdade, é em relação ao receptor GPS que se encontra

junto ao usuário) e três satélites, não se podendo deixar de informar que o receptor

292 MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global (SAE-

GPS). Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da UNESP – Universidade Estadual Paulista, 2009. Disponível em <http://wwwp.fc.unesp.br/~perea/gps.php>. Acesso em: 20. jan.2011.

293

Idem.

125

GPS também utiliza o sinal de um quarto satélite, a fim de obter uma melhor precisão

no sistema294

.

Na prática do sistema GPS, utilizam-se satélites como pontos de referência,

vez que os mesmos são capazes de transmitir informações com suas posições exatas.

Devido à exigência de pelo menos três pontos de referência para se realizar a

triangulação, é necessária uma rede de satélites, possibilitando que o receptor GPS

consiga sempre captar o sinal de três ou mais satélites295

.

d) um satélite pode transmitir a sua posição através de ondas eletromagnéticas, assim

como as emissoras de TV ou de rádio transmitem as suas informações. Uma pessoa

que estiver no raio de alcance do sinal do satélite e possuir um aparelho receptor GPS

poderá receber o sinal transmitido pelo mesmo(figura 10) e realizar os cálculos de

triangulação. Em realidade, os aparelhos receptores GPS são capazes de proceder a

todos esses cálculos automaticamente296

, apontando a distância entre o próprio

receptor e o satélite.

Figura 10. Recepção das ondas eletromagnéticas de um satélite pelo usuário do sistema GPS

Fonte: MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global

d) o sinal transmitido pelo satélite informa a posição em que está localizado e também

a hora em que o sinal foi transmitido e chega ao usuário (receptor GPS) depois de

294

MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global (SAE-GPS). Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da UNESP – Universidade Estadual Paulista, 2009. Disponível em <http://wwwp.fc.unesp.br/~perea/gps.php>. Acesso em: 20. jan.2011.

295

Idem.

296

Idem.

126

alguns instantes. Então, o GPS compara a hora recebida com o horário do seu relógio

interno e, como a velocidade da onda eletromagnética é de 300.000 Km/s, o receptor

GPS pode calcular a sua distância em relação ao satélite297

, conforme figura 11.

Figura 11. Cálculo da distância entre o satélite e o receptor GPS

Fonte: MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global

(SAE-GPS)

Com base no cálculo acima demonstrado, pode-se determinar a distância

entre o satélite e o receptor GPS que se encontra com o usuário. No entanto, isso

define apenas uma circunferência ao redor do satélite, sendo que o usuário poderia

estar em qualquer ponto dessa circunferência, como ilustra a figura 12.

Figura 12. Possibilidades de posição do usuário em relação à medição de distância a um satélite

Fonte: MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global

297

MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global (SAE-GPS). Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da UNESP – Universidade Estadual Paulista, 2009. Disponível em <http://wwwp.fc.unesp.br/~perea/gps.php>. Acesso em: 20. jan.2011.

127

f) Para seguir-se o apontamento preciso da localização do usuário, é necessário inserir

o sinal de um segundo satélite, que também transmite a sua posição e a hora no

momento da emissão da onda, possibilitando ao receptor GPS, recebendo tais

informações, proceder ao cálculo da distância em relação ao segundo satélite. Com o

cálculo da distância em relação ao segundo satélite são obtidos também diversos

pontos possíveis que satisfazem a distância entre receptor GPS e o novo satélite.

Procedendo-se à intersecção entre as circunferências de possíveis posicionamentos do

receptor GPS em relação ao primeiro e ao segundo satélite, encontram-se dois pontos

onde possivelmente esteja o usuário298

, conforme ilustração 13.

Figura 13. Resultado da intersecção entre as distâncias do receptor GPS em relação a dois satélites

Fonte: MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global

g) Tendo-se em vista que a intersecção entre as distâncias do receptor GPS em relação

a dois satélites não é suficiente para a informação precisa quanto à localização do

usuário (vez que dois pontos de localização são possíveis), é necessário um terceiro

ponto de referência para se conhecer a posição real do usuário, daí a necessidade de

informações obtidas a partir de um terceiro satélite, que também transmite sua posição

e a hora (momento de emissão da onda magnética contendo as informações), da

mesma maneira com que fazem os outros dois satélites e, com tais informações, é

possível calcular a posição exata do receptor GPS (usuário) na superfície da Terra, isto

298 MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global (SAE-

GPS). Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da UNESP – Universidade Estadual Paulista, 2009. Disponível em <http://wwwp.fc.unesp.br/~perea/gps.php>. Acesso em: 20. jan.2011.

128

é, a intersecção entre as distâncias do receptor GPS em relação a cada um dos três

satélites faz com que seja possível apontar as coordenadas (longitude e latitude) da

localização do usuário299

, como demonstra a figura 14.

Figura 14. Resultado da intersecção entre as distâncias do receptor GPS em relação a três satélites

Fonte: MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global

Para alcançar o resultado pretendido (localização em tempo real do usuário,

apontando-se as suas coordenadas – longitude e latitude -), o GPS mantém três

segmentos básicos, quais sejam: segmento espacial, segmento de controle e segmento

de usuários, com as seguintes características:

- Segmento espacial: consistente em 24 satélites distribuídos em seis planos orbitais

igualmente espaçados, com quatro satélites em cada plano, numa altitude aproximada

de 20.000 Km. Os planos orbitais são inclinados 55° em relação ao Equador e o

período orbital é de aproximadamente 12 horas siderais, motivo pelo qual a posição

dos satélites se repete, a cada dia, 4 minutos antes que a do dia anterior. Tal

configuração é garantia de que, no mínimo, quatro satélites GPS (pertencentes à rede

299 MARTINS, João Eduardo Perea. Software de Apoio ao Ensino de Sistema de Posicionamento Global (SAE-

GPS). Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da UNESP – Universidade Estadual Paulista, 2009. Disponível em <http://wwwp.fc.unesp.br/~perea/gps.php>. Acesso em: 20. jan.2011.

129

Navstar) sejam visíveis em qualquer local da superfície terrestre a qualquer

momento300

.

- Segmento de controle: cujo objetivo é monitorar e controlar continuamente o sistema

GPS, determinar o sistema de tempo, predizer as efemérides301

dos satélites, calcular

as correções dos relógios dos satélites e atualizar periodicamente as mensagens de

navegação da cada satélite302

. O sistema de controle do GPS é composto por cinco

estações monitoras (em Hawaii, Kawajelein, Ascension Island, Diego Garcia e

Colorado Springs), sendo três delas com antenas para transmitir os dados para os

satélites e uma estação de controle central (denominada Master Control Station –

MCS) localizada em Colocado Springs, no estado do Colorado, nos Estados Unidos da

América. Todas essas estações pertencem à Força Aérea Norte-Americana (AAF –

American Air Force)303

.

- Segmento de usuários: é constituído pelos receptores GPS, que devem ser

apropriados para os propósitos a que se destinam, tal como navegação, geodésia ou

outra atividade qualquer. A categoria de usuários é dividida em civil e militar. Os

militares utilizam os receptores GPS para estimar suas posições e deslocamentos

quando realizam manobras de combate e treinamento. Os civis, por sua vez, utilizam

os receptores para as mais diversas aplicações, limitadas apenas pela imaginação dos

usuários304

.

Os principais componentes de um receptor GPS são: antena com pré-

amplificador; seção de RF (radiofrequência) para identificação e processamento dos

dados; microprocessador para controle do receptor, amostragem e processamento dos

dados; oscilador; interface para o usuário, painel de exibição e comandos; provisão de 300

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.23.

301

Efeméride é “tábua astronômica que registra, em intervalos de tempo regulares, a posição relativa de um astro” (Cf. Dicionário “Hoaiss” da língua português, versão eletrônica disponível no site http://biblioteca.uol.com.br/. Acesso em 15.fevereiro.2011). 302

MONICO, João Francisco Galera. Op. Cit, p. 34-35. 303

Ibidem, p. 35. 304

Idem.

130

energia e memória para armazenamento de dados305

. Passamos a descrever, a seguir, as

características de cada um desses elementos:

- antena: tem como função detectar as ondas eletromagnéticas emitidas pelos satélites,

convertendo a energia da onda em corrente elétrica, amplificando o sinal e o enviando

para a parte eletrônica do receptor. Tendo em vista que os sinais GPS(figura 15) são

bastante fracos, comparando-os aos sinais de emissoras de TV, os receptores GPS não

necessitam de antenas de grande dimensão, como as parabólicas. De qualquer forma,

uma antena GPS contém geralmente um pré-amplificador de baixo ruído cuja função é

amplificar o sinal antes do mesmo ser processado pelo receptor306

.

Figura 15. Antena GPS

Fonte. Satcom Rastreadores

- Seção de Rádio-Freqüência (RF): os sinais que entram no receptor sofrem conversão

na divisão de rádio-freqüência para uma freqüência mais baixa, denominada

freqüência intermediária, que é mais facilmente tratada pelos demais componentes do

receptor GPS. Tal procedimento é realizado pela combinação do sinal recebido pelo

305

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 35.

306

Ibidem, p. 35-37.

131

receptor com um sinal senoidal gerado pelo oscilador do receptor, que normalmente é

de quartzo307

.

- Canais: o canal de um receptor é a sua unidade eletrônica mais importante, sendo

possível um receptor GPS possuir vários canais, fazendo com que os receptores

possam ser classificados em multicanais (canais dedicados), sequenciais ou

multiplexados308

.

Nos receptores multicanais, cada canal rastreia continuamente um dos

satélites visíveis, sendo necessárias informações de quatro canais para a obtenção da

posição e correção do relógio em tempo real. Havendo mais do que quatro canais

disponíveis, um número maior de satélites pode ser rastreado309

. Nos receptores

denominais sequenciais, o canal alterna entre satélites dentro de intervalos regulares,

fazendo com que a mensagem do satélite somente seja recebida completamente depois

de várias seqüências, sendo certo que na maioria dos casos são utilizados canais

seqüenciais rápidos, com taxa de alternância de cerca de um segundo310

. Nos

receptores multiplexados têm-se sequências efetuadas entre satélites numa velocidade

bastante rápida, fazendo com que a razão de troca seja bem sincronizada com as

mensagens de navegação, permitindo que tais mensagens sejam obtidas quase

simultaneamente311

.

- microprocessador: é de suma importância no controle das operações do receptor

(obtenção e processamento do sinal e decodificação da mensagem de navegação),

como também no procedimento de cálculo de posições e velocidades, no controle de

307

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 37-38.

308

Ibidem, p. 35. 309

Ibidem, p. 38. 310

Idem. 311

Ibidem, p. 39.

132

dados de entrada e saída e na exibição de informações, utilizando-se de dados digitais

para realização das suas funções312

.

- interface com o usuário: trata-se da unidade de comando e visor que proporciona a

interação com o usuário. As teclas (bem como o sistema touch screen, que existe nos

receptores mais modernos) podem ser usadas para inserir comandos para as mais

variadas opções de coleta de dados e monitoramento das atividades do receptor, além

de exibição das coordenadas calculadas313

.

- memória: os receptores modernos possuem memória interna utilizada para

armazenamento de dados, sendo que alguns desses equipamentos têm, em

complemento à armazenagem interna, capacidade de armazenar informações

diretamente em cartões de memória que podem ser inseridos em slots314

contidos no

receptor GPS315

.

- suprimento de energia: é necessária uma fonte de energia para o funcionamento do

receptor.

Finalmente, para efetiva visualização de um receptor GPS, segue a figura

16 trazendo foto do receptor “GPSMap 6008”, produzido pela empresa Garmin, uma

das mais conceituadas produtoras de equipamentos baseados na tecnologia GPS.

312

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 39.

313

Idem. 314

Slots significam “fendas de conexão” constantes em equipamentos como receptores GPS e que permitem o encaixe de periféricos e, mais comumente, de cartões de memória, permitindo, assim, não só o aumento final da capacidade de armazenamento do equipamento, como também o intercâmbio dos dados armazenados num cartão, com outro equipamento, mediante a inserção do cartão de memória no slot do outro equipamento. 315

MONICO, João Francisco Galera, op. cit., 2000, p. 39-40.

133

Figura 16. Receptor GPS

Fonte: Garmin (https://buy.garmin.com/shop/shop.do?cID=148&pID=28115)

A tecnologia GPS, combinada com softwares de análise e mapeamento,

oferece um olhar vigilante à atividade de frota de veículos, permitindo localizações

instantâneas e anotações gráficas dos principais eventos característicos de uma

viagem, como: momentos de paradas de serviço e localização de cada parada,

velocidade do veículo e rastreamento de rota316

.

3.2.1.1.1 As observáveis GPS: características, erros e soluções

Esta apresentação detalhada a respeito das características da técnica GPS,

como o principal instrumento utilizado no “módulo de posicionamento” de Sistemas

AVL, tem como objetivo demonstrar o grau de precisão alcançado por essa tecnologia,

o que será de sua importância para o momento em que enfrentarmos, nesta tese, as

repercussões de tais modificações tecnológicas na aplicabilidade e na construção da

norma jurídica contida no artigo 62, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Daí a necessidade de, para efetivo convencimento da comunidade científica em relação

à veracidade da hipótese defendida, apresentarem-se os erros característicos da técnica

GPS e as soluções desses erros, que são automaticamente realizadas pelos receptores

GPS modernos.

316

Fleetboss Global Positioning Solutions. An introduction to GPS fleet management. 2009. Disponível em: < http://www.fleetboss.com/index.php?option=com_content&view=article&id=35:white-papers&catid=56&Itemid=65>. Acesso em: 14. Fev. 2011.

134

São consideradas “observáveis do GPS” as principais informações em que

se baseia o sistema para apontar com precisão a localização de um usuário do sistema

na superfície terrestre. Como ensina João Francisco Galera Monico, as observáveis do

GPS que permitem determinar posição, velocidade e tempo podem ser identificadas

como: pseudodistância a partir do código e fase da onda portadora ou diferença de

fase da onda portadora317

. Passamos a seguir, ainda sob o magistério de Galera

Monico, que é uma referência no assunto GPS na bibliografia nacional, a descrever

cada uma dessas observáveis:

- Pseudodistância: a distância entre o receptor GPS e determinado satélite é obtida pela

multiplicação do tempo de propagação do sinal emitido pelo satélite, resultante do

processo de correlação, pela velocidade da luz. Na literatura a respeito de GPS, essa

observável é denominada pseudodistância ao invés de distância, em razão da falta de

sincronismo entre os relógios (osciladores) responsáveis pela geração do código no

satélite e sua réplica no receptor318

.

De maneira mais detalhada, pode-se afirmar que cada satélite transmite dois

sinais para os propósitos de posicionamento, quais sejam: o sinal L1, baseado na

portadora de freqüência de 1.575,42MHz, e o sinal L2, com freqüência de

1.227,60MHz. Modulados na portadora L1 estão dois códigos pseudo-aleatórios, que

são o C/A e o Y , e, sobrepostas à portadora L1 constam também mensagens de

navegação. A portadora L2 é modulada pelo código Y e pelas mensagens de

navegação. Os códigos pseudo-aleatórios utilizados em cada satélite são únicos e

qualquer par deles apresenta baixa correlação, permitindo que todos os satélites

partilhem da mesma frequência. As medidas de distância entre o satélite e a antena do

receptor se baseiam nos códigos gerados nos satélites e no receptor, que gera uma

réplica do código produzido no satélite. Assim, o retardo entre a chegada de uma

317

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.40.

318

Ibidem, p. 116-117.

135

transição particular do código gerado pelo satélite e a sua réplica no receptor GPS nada

mais é que o tempo de propagação do sinal no trajeto ligando o satélite ao receptor319

.

A pseudodistância é proporcional à diferença entre o tempo registrado no

receptor no instante de recepção do sinal e o tempo registrado no satélite no instante de

transmissão do sinal, multiplicado pela velocidade da luz no vácuo (que é de 300.000

Km/s)320

.

- Fase da onda portadora: uma onda é, sob o ponto de vista da física, uma perturbação

oscilante de alguma grandeza física no espaço e periódica no tempo, podendo também

ser entendida como um pulso energético que se propaga no espaço ou num meio, seja

esse líquido, sólido ou gasoso. De uma onda, podem-se extrair as características

abaixo descritas e identificadas na figura 17:

ciclos: são as repetições do padrão de uma onda;

amplitude: é a medida, negativa ou positiva, da magnitude de oscilação de uma

onda;

período: refere-se ao tempo de um ciclo completo de uma oscilação de uma

onda;

frequência: trata-se de uma grandeza física ondulatória que indica o número de

ocorrências de um evento (como ciclos, oscilações, entre outros) num

determinado intervalo de tempo;

comprimento: refere-se à distância entre valores repetidos num padrão de onda,

sendo usualmente representado através da letra grega lambda (λ).

319

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.115-116.

320

Ibidem, p.117.

136

Figura 17. Características de uma onda eletromagnética

1 = Elementos de uma onda

2 = Distância

3 = Deslocamento

λ = Comprimento de onda

γ = Amplitude

Fonte: Site Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Onda)

Quando se fala em fase de uma onda, refere-se a quanto uma onda difere

(em relação a cada um de seus pontos) de outra de igual freqüência e comprimento.

Tem-se, pois, que ondas podem estar mais ou menos defasadas conforme pontos

caracterizados por mesmo tempo e posição tenham fases mais ou menos próximas.

Realizados os apontamentos introdutórios a respeito do comportamento das

ondas, pode-se afirmar que a “fase da onda portadora” é outro método de determinar a

distância entre o satélite e o receptor GPS e se baseia no número de ciclos decorridos

desde o instante em que a portadora foi emitida até o instante em que foi recebida,

medindo-se a diferença de fase. Na prática, tem-se que o comprimento de onda da

portadora é muito mais curto que o comprimento do código C/A , motivo pelo qual a

medição da fase de batimento da onda portadora permite atingir um nível de precisão

muito superior à precisão obtida para a distância através da pseudo-distancia.

Como ensina João Francisco Galera Monico, a fase da onda portadora é

igual à diferença entre a fase do sinal do satélite recebido no receptor e a fase do sinal

gerado no receptor, ambas no instante da recepção. Assim, os receptores GPS medem

137

a parte fracional da onda e efetuam a contagem do número de ciclos que entram no

receptor a partir de então, resultando numa medida contínua321

.

As observáveis envolvidas na técnica GPS estão sujeitas a erros, sendo

certo que, para tornar o sistema confiável, necessário é não só constatar os erros

possíveis como também apresentar as formas de correção realizáveis. Passamos,

assim, a apresentar as modalidades de erros possíveis e as formas de correção

realizáveis e que são realizadas automaticamente pelos centros de controle do sistema

e pelos receptores GPS.

a) Erros relacionados aos satélites

Os erros relacionados aos satélites podem se dividir em erros relativos às

órbitas, erros relacionados aos relógios dos satélites, erros promovidos pela

relatividade e erros por atraso entre as duas portadoras no hardware do satélite.

a.1) Erros orbitais: referem-se ao fato de que as informações orbitais podem ser

obtidas a partir das efemérides322

transmitidas pelos satélites, efemérides pós-

processadas (estas últimas denominadas efemérides precisas) fornecidas pelo IGS323

e

efemérides estimadas (ora denominadas efemérides preditas) pelos órgão de controle

(IGS). As coordenadas dos satélites calculadas a partir das efemérides são

normalmente tidas como fixas durante o processo de ajustamento dos dados GPS,

motivo pelo qual qualquer erro nas coordenadas do satélite se propagará para a posição

321

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.118.

322

Efeméride é “tábua astronômica que registra, em intervalos de tempo regulares, a posição relativa de um astro” (Cf. Dicionário “Houaiss” da língua portuguesa, versão eletrônica disponível em: < http://biblioteca.uol.com.br/>. Acesso em 15.fev.2011). 323

IGS (International Geodynamics GPS Service) é um serviço internacional do qual participam instituições dos mais diversos países dedicadas à qualidade de estação de observação, centro de dados e centro de processamento, sendo que os dados das estações são repassados para um centro global da rede, situado no Crustal Dynamics Data Center(CDDIS), da NASA. O Brasil está integrado à rede IGS através da RBMC - Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo – (Cf. RIBAS, Wanderley Kampa. Efemérides Precisas. 2009. Disponível em: <http://www.esteio.com.br/downloads/pdf/efemerides_precisas.pdf>. Acesso em 05.mai.2011).

138

do usuário324

. Para evitar tais consequências geradas pelo erro de órbita, as efemérides

preditas, com precisão da ordem de 50 cm, são disponibilizadas pelos órgãos de

controle (IGS) horas antes do dia a que se referem325

.

a.2) Erros no relógio do satélite: embora seja alta a precisão dos relógios atômicos

contidos nos satélites, estes não acompanham o sistema de tempo GPS, gerando-se

diferença que chega a ser, no máximo, de 1 milissegundo. Para correção de tal erro, os

relógios são monitorados pelo segmento de controle do sistema GPS326

, sendo que o

valor pelo qual tais relógios diferem do tempo GPS faz parte da mensagem de

navegação, na forma de coeficientes de um polinômio de segunda ordem, com as

características abaixo327

:

dts(t) = a0 + a1(t-t0c) + a2(t – t0c)

2, tal que

dts(t) é o erro do relógio no instante t da escala de tempo GPS;

t0c é o instante de referência do relógio;

a0 é o estado do relógio no instante de referência;

a1 é a marcha linear do relógio; e

a2 é a variação da marcha do relógio.

a.3) Quanto a erros promovidos pela relatividade, tem-se que os efeitos da relatividade

no GPS não são restritos somente aos satélites (órbitas e relógios), incluindo-se

também os efeitos sobre a propagação do sinal (ondas eletromagnéticas emitidas pelos

satélites) e sobre os relógios dos receptores GPS328

. O relógio do satélite varia em

razão da relatividade geral e espacial, e os relógios dos receptores nas estações

terrestres e a bordo dos satélites situam-se em campos gravitacionais diferentes,

324

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 54.

325

Ibidem, p.123. 326

Vide item 3.2.1.1 deste capítulo que trata, entre outros, dos segmentos de estrutura do sistema GPS, dentre eles o segmento de controle cujo objetivo é monitorar e controlar continuamente o sistema GPS, determinar o sistema de tempo, predizer as efemérides

326 dos satélites, calcular as correções dos relógios dos satélites e

atualizar periodicamente as mensagens de navegação da cada satélite. 327

MONICO, João Francisco Galera. op. cit., p. 124-125. 328

Ibidem, p. 125.

139

provocando uma aparente alteração na frequência dos relógios de bordo com relação

aos terrestres. Com o objetivo de pôr fim a tais erros, os efeitos são compensados,

antes do lançamento do satélite, pela redução da frequência nominal dos satélites,

reduzindo-se os efeitos a níveis desprezíveis329

.

a.4) Erros por atraso entre as duas portadoras no hardware do satélite: também

denominados pela expressão Interferency Biases, decorre da diferença entre os

caminhos percorridos pelas portadoras L1 e L2330

através do hardware do satélite. É

certo, no entanto, que no momento da calibração realizada durante a fase de testes dos

satélites, o quantum do atraso é determinado, multiplicado por um determinado fator e

introduzido como parte das mensagens de navegação (emitidas pelo satélite aos

receptores)331

, impedindo-se, assim, a consolidação do erro e comprometimento dos

dados fornecidos ao usuário do sistema GPS.

b) Erros relacionados à propagação do sinal

Como os sinais (ondas eletromagnéticas) emitidos pelos satélites

propagam-se através da atmosfera, atravessando camadas de diferentes naturezas e

com estados variáveis, há o sofrimento de influências que provocam variações na

direção da propagação, na velocidade de propagação, na polarização e até mesmo na

potência do sinal. O movimento de rotação da Terra também gera efeitos nas

coordenadas do satélite durante a propagação do sinal332

. Tais efeitos têm como fatos

329

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 125.

330 Como já exposto no item 3.2.1.4.2 deste capítulom cada satélite transmite dois sinais para os propósitos de

posicionamento, o sinal L1, baseado na portadora de freqüência de 1.575,42MHz, e o sinal L2, com freqüência de 1.227,60MHz. Modulados na portadora L1 estão dois códigos pseudo-aleatórios, que são o C/A e o Y , e, sobrepostas à portador L1 constam também mensagens de navegação. A portadora L2 é modulada pelo código Y e pelas mensagens de navegação. As medidas de distância entre o satélite e a antena do receptor se baseiam nos códigos gerados nos satélites e no receptor, que gera uma réplica do código produzido no satélite. Assim, o retardo entre a chegada de uma transição particular do código gerado pelo satélite e a sua réplica no receptor GPS, nada mais é que o tempo de propagação do sinal no trajeto ligando o satélite ao receptor. 331

MONICO, João Francisco Galera. op. cit., 2000, p. 125-126. 332

Ibidem, p. 126.

140

geradores a refração troposférica, a refração ionosférica, a perda de ciclos e a rotação

da Terra, sendo que o atual estado da técnica do sistema GPS permite a correção de

todos esses erros através de técnicas apropriadas, que são detalhadamente analisadas

no Apêndice E desta tese.

c) Erros relacionados com o receptor e a antena

Os erros que podem ser gerados no sistema GPS em razão do receptor e

de sua antena têm como relação mais específica os equipamentos (hardware) e podem

ser analisados como: erros do relógio, erros entre canais (Interchannel Biases) e erros

relacionados ao centro da fase da antena.

c.1) Erros do relógio: é normal que os receptores GPS possuam osciladores (relógios)

de quartzo, que possuem boa estabilidade e custo relativamente baixo, havendo, no

entanto, receptores com osciladores altamente estáveis (mais estáveis que os baseados

em quartzo), mas com custo elevadíssimo, sendo utilizados habitualmente para

atividades de alta precisão333

. É incontroverso que cada receptor GPS, por ter seu

próprio relógio interno, possui uma escala de tempo que lhe é própria ( à exceção dos

receptores com osciladores de alta precisão que aceitam padrões externos de tempo) e

difere da escala de tempo de GPS334

.

Tais diferenças de escala de tempo poderiam gerar erros em relação à

fixação da localização do usuário. No entanto, no posicionamento relativo ( método de

localização através de sistema GPS que se baseia em informações obtidas por dois ou

mais receptores fixos, isto é, ajustam-se as diferenças de observáveis coletadas em

duas ou mais estações do segmento de controle GPS), que é a técnica normalmente

utilizada, os erros dos relógios são praticamente eliminados, não se exigindo, para a

maioria das aplicações (incluindo-se nessas o rastreamento de veículos), padrões de

333

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 152.

334

Idem.

141

tempo altamente estáveis, desde que o erro do relógio de cada receptor envolvido no

posicionamento não seja superior a 1 microssegundo em relação ao tempo GPS335

.

c.2) Erros entre canais: tendo em vista que atualmente a maioria dos receptores GPS

possui mais do que um canal, é possível a ocorrência de erros sistemáticos entre os

canais, vez que o sinal de cada satélite percorrerá caminho eletrônico diferente. A fim

de corrigir tais erros, os receptores GPS possuem dispositivos que realizam a

calibração no início de cada levantamento, possibilitando que cada canal rastreie um

satélite em particular e determine os erros em relação a um canal tomado como

padrão336

, o que é denominado “autocalibração”337

, afastando praticamente a

possibilidade de que erros entre canais gerem efeitos na precisão da localização do

objeto rastreado. Resíduos pós-calibração podem causar erros, mas que são

considerados desprezíveis, não alcançando mais de 2,5 mm338

.

c.3) Erros relacionados ao centro da fase da antena: o centro da fase eletrônica da

antena é o ponto no qual as medidas dos sinais são referenciadas. É certo, entretanto,

que o centro da fase da antena não coincide com o centro geométrico da superfície

(como demonstrado na figura 18), havendo, pois, discrepância que varia com a

intensidade e com a direção dos sinais. Para levantamentos de alta precisão, todas as

antenas envolvidas devem estar calibradas com o objetivo de corrigir a discrepância

entre o centro da fase eletrônica da antena e o centro geométrico da antena339

.

335

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.152.

336

Idem. 337

SOUSA, Carlos Renato Macedo de. GPS: uma análise do sistema e de potenciais fontes de interferência, no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Militar de Engenharia. Dissertação de mestrado, 2005, p. 62.

338

Ibidem, p. 62. 339

MONICO, João Francisco Galera. Op. Cit., p. 153.

142

Figura 18. Variações do Centro de Fase de uma Antena GPS

Ponto de referência da antena

Fonte: FREIBERGER JUNIOR, Jaime. Antenas de receptores GPS: características gerais.

No que se refere às formas de calibração das antenas GPS, têm-se as

seguintes técnicas: calibração em câmaras anecóicas, calibração relativa e calibração

absoluta340

. Maiores detalhes sobre cada uma das citadas técnicas de calibração

constam do Apêndice B desta tese.

d) Erros e correções relacionados com a estação

Os erros relacionados com a estação ocorrem não só em razão de

possíveis equívocos nas coordenadas da estação-base quando são fixadas no

processamento, como também em razão de outras variações (como as marés terrestres,

o movimento do polo, a carga dos oceanos e a carga da atmosfera), resultantes de

fenômenos geofísicos ocorridos durante o processo de coleta das observáveis,

comprometendo a precisão das coordenadas das estações envolvidas no

levantamento341

. Passamos a seguir a analisar com mais detalhes tais erros:

d.1) Erros relacionados às coordenadas da estação: sempre que é feito o transporte

de coordenadas, deve ser verificada a exatidão das coordenadas da estação-base, tendo

340

FREIBERGER JUNIOR, Jaime. Antenas de receptores GPS: características gerais. Material teórico de apoio ao Curso de Extensão Error sources in Highly Precise GPS Positioning da Universidade Federal do Paraná, 2004, p. 11. Disponível em: < http://www.geomatica.ufpr.br/docentes/ckrueger/pessoal/D_antenas.pdf>. Acesso em: 02.mai.2011.

341

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.154.

143

em vista que qualquer erro no ponto inicial será propagado para todos os demais

pontos levantados a partir dele utilizando-se o modo relativo (posicionamento

relativo). Assim, é imprescindível que o usuário busque sempre um ponto da Rede

Brasileira de Monitoramento Contínuo – RBMC ( o que é disponível à consulta

através do site do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica -

http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geodesia/rbmc/rbmc_est.shtm_),permiti

ndo-se a certeza quanto à precisão das coordenadas.

d.2) Erros relacionados às marés terrestres: a maré é o movimento vertical do nível

oceânico como resultado das mudanças de atração gravitacional entre a Terra, a Lua e

o Sol342

. Tal movimentação vertical do oceano provoca deformação do Planeta Terra,

sendo certo que próximo ao Equador, a superfície desloca-se cerca de 40 cm durante

um período de 6 horas. Tal variação é função do tempo, mas também depende da

posição da estação, sendo similar o efeito para estações adjacentes343

, ocorrendo certa

compensação que torna os efeitos irrisórios.

d.3) Erros relacionados ao movimento do polo: a rotação da Terra não é uniforme,

seu eixo de rotação não é fixo no espaço e mesmo a forma do planeta e as posições

relativas de pontos sobre sua superfície não são fixas e, como resultado, as

coordenadas de um objeto no espaço não são rigorosamente constantes: se muda a

direção do eixo de rotação, por exemplo, mudam os valores da ascensão reta e da

declinação de todos os objetos na esfera celeste344

. Dependendo da precisão com que

desejamos medir a posição das estrelas, faz-se necessária a correção para estes efeitos.

Quando da realização de procedimentos que imponham alta precisão, é necessário

levar-se em consideração a variação das coordenadas das estações causadas pelo

342

BARROS, Geraldo Luiz Miranda de. Navegar é fácil. 12ª edição. Petrópolis-RJ: Catedral das Letras, 2006, p. 142.

343

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 155-156.

344

SANTIAGO, Basilio. Apostila de astronomia geodésica – texto eletrônico de auxílio nas disciplinas Astronomia Posicional, Fundamental e Esférica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/oei/santiago/fis2005/textos/index.htm. Acesso em 10 de maio de 2011.

144

movimento do polo, sendo que tal variação pode atingir até 25mm no componente

radial e não se cancela quando se aumenta a duração da sessão de observação. No

entanto, quando da utilização da técnica de posicionamento relativo tal variação é

praticamente eliminada345

, afastando a ocorrência de erro relevante.

d.4) Erros relacionados à carga dos oceanos: o peso que o oceano exerce sobre a

superfície da Terra produz cargas periódicas resultando em deslocamentos da

superfície terrestre, sendo que a magnitude desses deslocamentos depende das

características da crosta terrestre e das posições do Sol, da Lua e da estação, podendo

alcançar cerca de 10 cm na componente vertical em alguma parte do globo,

decrescendo tal valor em regiões afastadas da costa, podendo, ainda assim, alcançar

cerca de 1 cm para uma distância oceano-estação de 1.000 Km346

. Considerando-se a

precisão objetivada pelo GPS, tais efeitos devem ser levados em consideração quando

se objetiva levantamento de altíssima precisão. No entanto, para a maioria de

aplicações (como as de rastreamento veicular, objeto deste estudo), tal efeito pode ser

desprezado, tal como o é na prática, não gerando maiores problemas347

.

d.5) Erros relacionados à carga atmosférica: a carga da atmosfera exerce força sobre

a superfície terrestre, induzindo deformações sobre a crosta terrestre, principalmente

na direção vertical, valendo afirmar que a maioria das deformações estão associadas a

tempestades na atmosfera, podendo alcançar cerca de 10mm de deformação348

.

Verdadeiro é que a maioria dos softwares para processamento de dados GPS ainda não

apresenta modelos para correções dessa natureza, vez que não se trata, regra geral, de

345

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 156.

346

Idem. 347

Idem. 348

Idem.

145

um efeito com o qual o usuário do sistema GPS deva se preocupar ante a irrelevância

das variações no resultado final349

.

3.2.1.1.2 Tipos de Posicionamento

Por posicionamento tem-se a determinação da localização de um objeto,

ou seja, o conhecimento das coordenadas desse objeto, num sistema de coordenadas

específico350

. O princípio fundamental do posicionamento utilizando-se GNSS (Global

Navigation Satellite Systems – classe na qual se inclui o sistema GPS) tem por base

estimar, com precisão, a distância entre um emissor, de coordenadas conhecidas, e o

receptor, cujas coordenadas se pretendem estimar351

. Mais especificamente, o

posicionamento usando sistemas de navegação baseados em satélites artificiais é

obtido a partir de sinais transmitidos pelos satélites em órbita e recebidos por

receptores na superfície da Terra, sendo que, de acordo com o tratamento efetuado a

esses sinais, que permite distintos níveis de precisão, foi realizada a classificação nos

seguintes tipos de posicionamento: o posicionamento absoluto, o posicionamento

relativo e o posicionamento diferencial.

Analisemos cada um desses métodos:

a) Posicionamento Absoluto: caracteriza-se pelo fato das coordenadas da posição de

um objeto estarem associadas diretamente ao geocentro352

, sendo também denominado

“Posicionamento Pontual Simples”(vinculado à sigla SPP, do inglês Single Point

349

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.157. 350

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p.1.

351

Ibidem, p.1. 352

MONICO, João Francisco Galera. Op. Cit., p.181.

146

Positioning)353

ou “Posicionamento por Ponto”354

. Com base nesse método, estima-se

a localização de um receptor com base no método da trilateração – se medirem-se as

três distâncias entre o receptor e três satélites com posicões conhecidas, as

coordenadas tridimensionais do receptor podem ser calculadas-355

, como se verifica da

figura 19. No posicionamento absoluto necessita-se apenas de um receptor, sendo um

método utilizado em navegação de baixa precisão356

, alcançando, em média, uma

precisão horizontal de 13 a 25 metros357

.

Figura 19. Posicionamento Absoluto

Fonte:HASEGAWA, Julio Kiyoshi; GALO, Mauricio; MONICO, João Francisco Galera; IMAI,

Nilton Nabuhiro. Sistema de localização e navegação apoiado por GPS.

b) Posicionamento Relativo: caracteriza-se pelo fato da posição de um receptor ser

determinada relativamente à posição de outro receptor, denominado receptor de

353

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p. 60.

354

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 182.

355

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. op. cit., p.60. 356

MONICO, João Francisco Galera. op.cit, p. 184. 357

KRUEGER, Cláudia Pereira; HUINCA, Suelen Cristina Movio; MAIA, Oriana Carneiro. Método de Posicionamento Absoluto, qual precisão pode ser obtida atualmente? Trabalho apresentado no III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias de Geoinformação realizado no Recife/PE entre os dias 27 e 30 de julho de 2010. Disponível em: < http://www.ufpe.br/cgtg/SIMGEOIII/IIISIMGEO_CD/artigos/Cad_Geod_Agrim/Geodesia%20e%20Agrimensura/A_11.pdf>. Acesso em 10. Mai.2011.

147

referência, cujas coordenadas são conhecidas358

, conforme figura 20. O receptor cujas

coordenadas se pretende determinar pode estar fixo ou móvel, já o receptor de

referência, normalmente encontra-se fixo359

. Para realizar posicionamento relativo, o

usuário deveria dispor de dois ou mais receptores. No entanto, com o advento dos

chamados Sistemas de Controle Ativos (SCA)360

, tal afirmativa não é mais verdadeira,

vez que um usuário que disponha de apenas um receptor poderá efetuar

posicionamento relativo, desde que, para tal, acesse os dados de uma ou mais estações

pertencentes ao SCA, sendo que no Brasil tais estações pertencem à RBMC (Rede

Brasileira de Monitoramento Contínuo) e, nesse caso, o sistema de referência do SCA

será introduzido na solução do usuário através das coordenadas das estações utilizadas

como estação de referência361

.

Figura 20. Posicionamento Relativo

Fonte:HASEGAWA, Julio Kiyoshi; GALO, Mauricio; MONICO, João Francisco Galera; IMAI,

Nilton Nabuhiro. Sistema de localização e navegação apoiado por GPS.

358

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p.64.

359

Idem. 360

Em Sistema de Controle Ativos, receptores rastreiam continuamente os satélites visíveis e os dados podem ser acessados via sistema de comunicação (como afirma MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.205). 361

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.205.

148

Existem várias espécies de posicionamento relativo, sendo que, para bem

entendermos cada uma dessas variações da técnica do posicionamento relativo,

necessitamos dominar as formas de combinações lineares das observáveis GPS entre

diferentes estações que permitem eliminar ou reduzir o efeito de alguns erros presentes

nas observações GPS, quais sejam: diferenças simples, diferenças duplas e diferenças

triplas , com as seguintes características:

- Diferenças simples: se duas estações efetuarem, simultaneamente, observações do

mesmo tipo para o mesmo satélite, pode-se obter “diferença simples” entre as estações

(também denominada de diferença simples entre receptores) a partir das observações

básicas, fazendo-se a diferença entre as duas observações do mesmo tipo efetuadas,

simultaneamente, pelos dois receptores, para um mesmo satélite, conforme figura 21.

Figura 21. Formação da Diferença Simples

Fonte: MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos

e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 172

- Diferenças duplas: é a diferença entre duas diferenças simples (figura 22),

envolvendo, portanto, dois receptores e dois satélites362

.

362

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.173.

149

Figura 22. Formação da Diferença Dupla

Fonte: MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos

e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 174

- Diferenças Triplas: é dada pela diferença entre duas duplas diferenças, envolvendo

os mesmos receptores e satélites, mas em tempos (épocas) distantes363

.

A literatura especializada aponta para a existência de várias espécies de

posicionamento relativo, quais sejam: o posicionamento relativo estático, o

posicionamento relativo estático rápido, o posicionamento relativo semicinemático e o

posicionamento relativo cinemático. Passamos a analisar cada uma dessas espécies:

b.1) Posicionamento relativo estático: baseia-se na observável “dupla diferença da

fase de batimento da onda portadora”, embora também possa basear-se na dupla

diferença da pseudodistância ou em ambas364

. Nessa técnica de posicionamento, as

antenas dos receptores estão estacionadas em posições fixas durante o período de

observação (período esse denominado sessão de observação), cuja duração depende da

distância entre os dois receptores, do número de satélites visíveis, da qualidade dos

receptores e da precisão pretendida365

.

363

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 175.

364

Ibidem, p.207. 365

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p.64.

150

b.2) Posicionamento relativo estático rápido: parte do mesmo princípio do

posicionamento relativo estático, tendo como diferença fundamental o período de

ocupação da estação de interesse. Nesse caso, as ocupações não excedem a 20

minutos, enquanto que no posicionamento estático podem durar várias horas. O

posicionamento relativo estático rápido propicia alta produtividade, mas há muitas

obstruções entre as estações a serem levantadas366

.

b.3) Posicionamento relativo semicinemático: baseia-se no fato de que a solução do

vetor de ambiguidades, presente numa linha base a determinar, requer que a geometria

envolvida entre as duas estações dos satélites não se altere, possibilitando que sejam

coletados dados de pelo menos dois curtos períodos na mesma estação, sendo que tais

coletas devem estar separadas por um intervalo de tempo suficientemente longo (entre

20 e 30 minutos) para proporcionar alteração na geometria dos satélites. Tal método

requer que o receptor continue rastreando os mesmos satélites durante as visitas às

estações367

.

b.4) Posicionamento relativo cinemático: caracteriza-se por ter como observável

fundamental a fase da onda portadora, muito embora o uso da pseudodistância seja

muito importante na solução do vetor de ambigüidades, sendo certo que os dados desse

tipo de posicionamento podem ser processados após a coleta (denominando-os como

pós-processados) ou durante a própria coleta (processados em tempo real)368

.

No posicionamento relativo cinemático pós-processado, um receptor ocupa

uma estação de coordenadas conhecidas enquanto o outro se desloca sobre as feições

de interesse. As observações simultâneas dos dois receptores geram as duplas

diferenças onde vários erros envolvidos nas observáveis são reduzidos. Nessa

366

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.212.

367

Ibidem, p.213. 368

Ibidem, p.216.

151

modalidade o processamento dos dados obtidos é realizado num laboratório ou

escritório, após a coleta de dados369

.

O posicionamento relativo cinemático em tempo real tem sua razão de

existência em muitas aplicações que obteriam grande benefício se as coordenadas da

antena do receptor fossem determinadas em tempo real, como no caso do rastreamento

de veículos. Para que tal constatação em tempo real seja possível, é preciso que os

dados coletados na estação de referência sejam transmitidos para a estação móvel,

necessitando-se de um link de rádio370

.

c) Posicionamento Diferencial: também denominada “DGPS”, trata-se de técnica de

posicionamento desenvolvida com o objetivo de contornar a degradação da precisão

do posicionamento absoluto devido ao “Acesso Seletivo”371

e de diminuir o efeito dos

outros erros presentes nas observações GPS372

. Com a desativação do “Acesso

Seletivo” em maio de 2000, a principal fonte de erro do posicionamento absoluto

desapareceu, no entanto, o Posicionamento Diferencial continua a ter lugar entre os

tipos de posicionamento baseados em GPS nas aplicações com maiores exigências de

precisão373

. Essa técnica envolve o uso de um receptor estacionário numa estação com

coordenadas conhecidas, rastreando todos os satélites visíveis, sendo que o

processamento dos dados nessa estação permite que se calculem as correções

posicionais, bem como das pseudodistâncias e da fase portadora, o que é possível 369

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 216-217.

370

Ibidem, p.217. 371

A “Selective Avaliability” (que atende pela sigla S/A e significa, em português “Acesso Seletivo”) é considerada a maior fonte de erros do sistema GPS. Trata-se de uma degradação intencional impostas aos sinais GPS, que é realizada através da manipulação dos dados das efemérides transmitidas e dos relógios satélites. Tal técnica foi implementada pela primeira vez em março de 1990, mas foi desativada em agosto do mesmo ano, durante a Guerra do Golfo. Em novembro de 1991 foi reativada, sendo novamente desativada em 01 de maio de 2000 (conforme SILVEIRA, Augusto Cesar da. Avaliação de Desempenho de Aparelhos Receptores GPS. Dissertação de mestrado em Engenharia Agrícola na UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas, em janeiro de 2004, tendo como orientador o Prof. Dr. Nelson Luis Cappelli, p.28). 372

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p.73.

373

Ibidem, p.73-74.

152

graças ao conhecimento das coordenadas da estação-base374

, como se verifica da figura

23.

Figura 23. Formação da Diferença Dupla

Fonte: MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e

aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p. 221

Finalmente, após a leitura das principais obras disponíveis a respeito do

funcionamento do sistema GPS e das pesquisas que vêm sendo realizadas, tanto no

Brasil quanto no exterior, com o objetivo de aprofundar a análise de erros possíveis no

sistema, garantindo métodos de correção eficazes, pode-se afirmar que o sistema GPS

é, no atual estado da técnica375

, um método altamente eficaz de apontamento da

localização exata ou muito aproximada de um determinado objeto na superfície

terrestre, garantindo informações fidedignas em tempo real e de perfeita aplicação ao

módulo de posicionamento dos equipamentos AVL (Automatic Vehicle Location).

3.2.1.2 Outros Sistemas Globais de Navegação por Satélite

O sistema GPS é uma das espécies de “Sistemas Globais de Navegação por

Satélite” (atendendo pela sigla GNSS, do inglês Global Navigation Satellite Systems),

havendo, entretanto, outros sistemas caracterizados como GNSS, destacando-se, dentre

eles, o GLONASS, o GALILEO e o COMPASS, cujas principais características

encontram-se descritas no Apêndice C desta tese.

374

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.220.

375

Utiliza-se, nesta tese, a expressão “atual estado da técnica” como tudo aquilo que, em relação à determinada tecnologia, é colocado à disposição do público, do mercado.

153

3.3 Módulo de “Planejamento de rota”

O planejamento de rota, também denominado roteirização, é um processo que

ajuda os condutores de veículos a traçarem um plano para o seu percurso, antes ou

durante a viagem376

, buscando-se o caminho mais curto ou mais rápido entre dois

pontos. Num sentido mais amplo, pode ser entendido como um processamento de

otimização, em nível operacional, que consiste na programação de um ou mais

veículos quer seja em ambiente urbano ou rodoviário, cujo resultado consiste na

alocação racional de serviços de transporte a uma determinada frota de veículos e a

definição dos itinerários (roteiros)377

.

Como ensina Bruno Araujo Perrota, a roteirização de veículos é vista como

um dos maiores sucessos na área de pesquisa operacional nas últimas décadas, o que

pode ser associado à atuação conjunta da teoria e da prática, visto que, por um lado, a

pesquisa operacional tem desenvolvido algoritmos que têm um importante papel na

implementação de sistemas de roteirização e, de outro lado, o desenvolvimento de

hardware e software têm contribuído para um alto grau de interesse das empresas

usuárias dos benefícios potenciais da roteirização378

.

Nesse ponto de nosso trabalho, importante é a distinção entre software e

hardware.

3.3.1 Conceitos de Software e Hardware

Partimos do conceito de software apontado pelo artigo 1º da Lei Federal

Ordinária 9.609/98, no sentido de que software é a expressão de um conjunto de

376

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 105. 377

MARTINS, Luiz. Geoprocessamento para roteirização de veículos. 2009. Disponível em: < http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/geoprocessamento-para-roteirizacao-de-veiculos/29589/>. Acesso em: 06.abr.2011.

378

PERROTTA, Bruno Araujo. Contribuição Metodológica para o Planejamento de Transporte Rodoviário de Resíduos Sólidos comerciais e Industriais com Uso de Tecnologia SIG – Estudo de caso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Transportes apresentada na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – no ano de 2007, p. 43.

154

instruções em linguagem natural ou codificada, contida num suporte físico de qualquer

natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da

informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em

técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de certo modo e para fins

determinados.

A ciência denominada “engenharia de software” aponta software como

uma sequência de instruções a serem seguidas ou praticadas na manipulação, no

redirecionamento ou na modificação de um dado ou informação. É um elemento

lógico, não físico379

. Nesse sentido, o software é uma espécie de “algoritmo”,

conforme figura 24, que, como já conceituamos, trata-se de uma sequência finita de

instruções bem definidas e não ambíguas, sendo que cada uma dessas instruções pode

ser executada mecanicamente num período finito e como uma quantidade de esforço

finita. O que especializaria o algoritmo para se caracterizar como software é a

finalidade, que, repetimos, é a manipulação, redirecionamento ou modificação de um

dado ou informação.

Figura 24. Exemplo de algoritmo de planejamento de rota

Fonte: SILVA, José Dionísio Simões; MEDEIROS, Felipe Leonardo Lobo. Aplicação de Algoritmo

Dijkstra ao Planejamento de Movimentos de VANTS.

O software pode ser visto também como “programa de computador”,

vez que aquilo que entendemos como programa de computador é uma sequência de

379

DUTRA, Leoncio Regal. Software: conceito, características e aplicações. 2009. Disponível em http://www.redes.unb.br/material/Metodologia%20de%20Desenvolvimento%20de%20Software/aula1.pdf. Acesso em: 01. Jun. 2011.

155

instruções380

, que é decodificada e executada por uma determinada máquina (a que

chamamos de computador), gerando a prática de uma determina tarefa. Esses

“programas” são normalmente produzidos em determinada linguagem de

programação381

que, decodificada pela máquina a que se destina, gera o cumprimento

da sequência necessária à prática de certo comportamento.

No que se refere aos tipos de softwares, temos os softwares de sistema, que

são indispensáveis para o funcionamento do computador e sua interação com seus

periféricos (aparelhos ou placas que, ligados a CPU - unidade de central de

processamento do computador -, trocam informações com o computador). Têm-se

também os softwares aplicativos, que são aqueles que permitem ao seu usuário realizar

uma determinada tarefa (para o qual foi produzido o software).

Já hardware é um conjunto de componentes eletrônicos, circuitos

integrados e placas que, organizados como um sistema, formam a parte física de um

computador, capaz de, decodificando as instruções de softwares, realizar determinadas

tarefas.

3.3.2 Sistemática de um módulo de planejamento de rota

Afirma Yilin Zhao que muitas vezes as pessoas referem-se a encontrar uma

rota a partir do ponto A ao ponto B como um problema de caminho mais curto, sendo

que muitos algoritmos têm sido desenvolvidos para resolver todos os problemas

relacionados à busca do caminho mais curto. Existe, porém, uma variedade de critérios

de otimização de rotas, visto que a qualidade de um percurso depende de muitos

fatores como distância, tempo, velocidade de deslocamento, número de curvas e de

semáforos e informações dinâmicas sobre o tráfego382

.

380

DUTRA, Leoncio Regal. Software: conceito, características e aplicações. 2009. Disponível em http://www.redes.unb.br/material/Metodologia%20de%20Desenvolvimento%20de%20Software/aula1.pdf. Acesso em: 01. Jun. 2011.

381

Citamos como exemplos de “linguagem de programação” a linguagem Java, o Visual Basic e as linguagens C e C++. 382

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 105.

156

Alguns condutores podem preferir a distância mais curta, outros preferem o

menor tempo de viagem, entre outros critérios de preferência, motivo pelo qual a

avaliação da função escolhida para minimizar o custo da viagem depende das

variações oferecidas pelo software de planejamento de rota que, obtendo informações

do módulo de posicionamento, concatenando-as com as preferências selecionadas pelo

usuário, oferecerá a melhor rota a ser percorrida, que normalmente é apresentada num

mapa digital exibido no equipamento embarcado (hardware).

Num sistema AVL, que é o nosso foco específico, o módulo de

planejamento de rota oferece ao usuário recursos como adoção, antes mesmo do início

da viagem, do caminho a ser percorrido para alcance do destino final, inclusive com a

indicação de eventual desvio, como ocorre em sistemas de “cerca eletrônica” que

permitem a fixação do espaço físico que poderá ser ocupado pelo veículo rastreado

durante o percurso, sendo que eventual afastamento do veículo em relação ao

perímetro demarcado gera imediata comunicação ao controlador do sistema AVL.

3.4 Módulo Map Matching

Primeiramente, fazemos a observação no sentido de que a utilização de

termo em língua inglesa – Map Matching – deve-se ao fato de não termos encontrado,

em língua portuguesa, expressão que representasse de forma fidedigna o conteúdo do

referido termo.

O módulo map matching possibilita o processo pelo qual a trajetória do

veículo é correlacionada com um mapa rodoviário digital, permitindo a localização do

veículo em relação ao mapa. Trata-se de tecnologia baseada num software e faz uso

extensivo do mapa digital armazenado no sistema (módulo “banco de dados de mapas

digitais”)383

. O mapa digital utilizado deve ser preciso vez que, caso contrário, o

sistema gerará posição equivocada, degradando severamente o seu desempenho.

383

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 85.

157

Esse módulo desempenha um papel importante nos sistemas AVL, em

razão de que o emprego de mapa digital torna o sistema mais confiável, prático e

preciso. Entretanto, não basta a precisão do mapa, vez que a precisão do

posicionamento do veículo será crucial para o sucesso do resultado desse módulo, daí

a importância de um eficaz “módulo de posicionamento”. Tem-se, portanto, no map

matching um software capaz de, agregando as informações oferecidas pelo “módulo de

posicionamento” com os mapas digitais contidos no “módulo banco de dados de

mapas digitais”, oferecer ao usuário a visualização do local geográfico em que se

encontra, do caminho percorrido e do caminho a ser realizado.

Ao gestor de uma frota de veículos e, por consequência, controlador do

sistema AVL, o módulo map matching exibe de forma ilustrada e de fácil percepção

visual, conforme figura 25, a posição de cada veículo da frota no mapa digital do

sistema.

Figura 25. Aplicação do módulo Map Matching

Fonte: Positron Rastreadores (www.positron.com.br)

3.5 Módulo “Orientação de rota”

Orientação de rota é o processo de orientar o condutor ao longo da rota

gerada pelo módulo de planejamento de rotas, sendo que tal orientação pode ser dada

158

antes do início da viagem ou durante o curso da viagem (isto é, em tempo real) através

de instruções que incluem, entre outros, curvas, nomes de ruas, distâncias e pontos de

referência 384

.

A orientação anterior ao início da viagem é apresentada ao usuário do

sistema como se fosse um mapa impresso com a rota a ser percorrida, semelhante a

dicas de viagens prestadas por uma agência de viagem, mas com informações passo-a-

passo385

. Na orientação de rota em tempo real, conforme o veículo se movimenta,

instruções são prestadas em função da localização do veículo visando conduzir o

veículo ao destino escolhido. Apesar de muito mais útil, a orientação em tempo real

requer um módulo de banco de dados de mapa digital navegável e módulo de

posicionamento precisos e software apropriado386

.

O módulo de orientação de rota se utiliza de informações oriundas tanto do

módulo de planejamento de rotas quanto do módulo de posicionamento para guiar o

veículo na estrada, vez que depois que um determinado percurso foi gerado pelo

módulo de planejamento de rotas e a posição do veículo tenha sido determinada pelo

módulo de posicionamento, o módulo de orientação de rota precisa se coordenar

constantemente com os citados módulos para apresentar a devida orientação para o

motorista. Conforme o veículo se move, a orientação de rota em tempo real necessita

de uma comparação continuada da localização do veículo em função do tempo e da

rota escolhida pelo usuário como aquela a ser adotada387

.

O sistema de orientação em tempo real atualiza constantemente seu

conhecimento da posição em vigor do veículo e a direção de viagem, bem como a

estrada por onde o veículo está viajando. Assim, quando uma curva se aproxima ou

uma determinada manobra tem que ser realizada, o sistema de orientação alerta o

384

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 129. 385

Idem. 386

Idem. 387

Ibidem, p.129-130.

159

usuário com sinais visuais, sinais acústicos ou instruções de condução388

, conforme

figura 26.

Figura 26. Orientação de rota

Instruções sobre a próxima manobra

Próxima Via

Via atual

Fonte: Adaptado de Apontador.com (http://www.apontadorgps.com.br/produtos/slimway-20)

3.6 Módulo de comunicação sem fio

A comunicação confiável é um componente vital para a melhoria do

desempenho e maior funcionalidade aos sistemas AVL, possibilitando o

compartilhamento dos mais variados dados entre o equipamento (hardware)

embarcado no veículo, o seu condutor e o gestor da frota de veículos, que gerenciará o

sistema AVL. Muitos serviços de qualidade podem ser oferecidos aos condutores dos

veículos e gestores de sistemas AVL em razão do atual estado da técnica dos meios de

comunicação sem fio, como, por exemplo, as unidades de navegação (equipamento

embarcado no veículo) podem receber informações atualizadas sobre o trânsito, os

gestores de sistemas AVL podem obter relatórios da localização e percurso de

determinado veículo para gestão do tráfego, previsões do tempo de viagem,

comunicação através de áudio e imagem entre o interior do veículo e o gestor do

sistema (conforme figuras 27 e 28), entre outros.

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p.130.

160

Figura 27. Escuta de Cabine389

Figura 28. Comunicador390

Fonte: Satcom Rastreadores Fonte: Satcom Rastreadores

Aplicações de dados sem fio desempenham um papel crítico para tornar a

computação móvel uma realidade, havendo hoje um clima competitivo e de acelerada

demanda por ferramentas que permitam que as pessoas se comuniquem segundo a sua

própria conveniência e discrição391

. Buscam-se, cada vez mais, melhores aplicações de

comunicação de dados sem fio em altas velocidades, permitindo o intercâmbio de

dados (seja sob a forma sonora, de textos ou de imagens) em tempo real, daí

destacando-se principalmente a comunicação celular, cuja evolução tecnológica

passamos a analisar.

3.6.1 Telemática. Conceito e desenvolvimento

Nesse ambiente é que surge a telemática, que é a comunicação à distância

de um conjunto de serviços informáticos fornecidos através de uma rede de

telecomunicações. Trata-se de um conjunto de tecnologias da informação e da

comunicação resultante da junção entre os recursos das telecomunicações (telefonia,

satélite, cabos, fibras ópticas etc) e da informática (computadores, periféricos,

softwares e sistemas de redes), que possibilitou o processamento, a compressão, o

armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados (nos formatos de

389

Permite ouvir o que ocorre no interior do veículo. 390

Permite a interlocução entre motorista e central de rastreamento. 391

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, p. 169-170.

161

texto, imagem e som), em curto prazo de tempo, entre usuários localizados em

qualquer ponto do Planeta Terra392

.

O termo “telemática” origina-se de “tele”, que significa comunicação e do

sufixo “mática” que é uma seção da palavra informática, motivo pelo qual telemática

se trata da manipulação e da utilização da informação através do uso combinado de

computador e meios de telecomunicação393

, capaz de romper com a problemática da

distância, ante a possibilidade de, graças à telemática, realizar-se a interoperação entre

os mais diversos grupos e pessoas distribuídos e interconectados independentemente

do continente onde os interagentes estejam fisicamente, caracterizando um “mundo

virtual “ com forte perspectiva de troca394

que, sem dúvida, traduz-se como um

elemento muito importante nas mais diversas áreas da atividade humana, inclusive na

relação de emprego.

Sobre a evolução da telemática e a possibilidade de comunicação em tempo

real como modificador do ambiente em que vivemos, vale transcrição das palavras de

Ada Ávila Assunção e Renato José de Souza:

Os progressos recentes, historicamente determinados, permitiram que

os grandes computadores se transformassem. As pequenas máquinas,

mais baratas e acessíveis estão em todos os ambientes, poderosas e

conectadas umas nas outras, com vários atores e aparatos entre elas.

Os satélites universais transmitem imagens e sons. Imbricam-se

computadores e telecomunicações – é a telemática. As conexões entre

computadores e transmissões de dados oferecem capacidades de

retorno de receptor para emissor em tempo real. Multiplicam-se os

serviços: base de dados, imagem de televisão, som radiofônico,

trechos de uma conversa telefônica... tudo a serviço da cadeia

global.395

392

ASSUNÇÃO, Ada Ávila e SOUZA, Renato José de. Telemática. Cadernos de Saúde do Trabalhador. São Paulo: INST (Instituto Nacional de Saúde no Trabalho), outubro de 2000, p. 12-13.

393

Instituto UFC Virtual. Universidade Federal do Ceará. Introdução à telemática. 2010. Disponível em: < http://www.vdl.ufc.br/catedra/telematica/padrao_telematica_frm.htm>. Acesso em: 12.abr.2011.

394

Ibidem. 395

ASSUNÇÃO, Ada Ávila e SOUZA, Renato José de. Telemática. Cadernos de Saúde do Trabalhador. São Paulo: INST (Instituto Nacional de Saúde no Trabalho), outubro de 2000, p. 6-7.

162

O alcance do atual grau de desenvolvimento da telemática se deve a

pesquisas realizadas por uma área da ciência denominada “Tecnologia da Informação

e da Comunicação (TIC)”, tratada por alguns simplesmente pela expressão

“Tecnologia da Informação(TI)”, referindo-se a uma ciência que, como ensina Adriana

Bottos, começou a se desenrolar durante o século XX e que conecta os seguintes

conceitos396

:

- Tecnologia: aplicação dos conhecimentos científicos para facilitar a realização das

atividades humanas, supondo a criação de produtos, instrumentos, linguagens e

métodos ao serviço das pessoas;

- Informação: dados que têm significado para determinados grupos. A informação é

fundamental para as pessoas, já que a partir do processo cognitivo da informação

obtido através dos órgãos do sentido humanos tomam-se as decisões que dão lugar a

todas as ações humanas;

- Comunicação: transmissão de mensagens entre pessoas. Como seres sociais, as

pessoas, além de receber informação das demais, necessitam comunicar-se para saber

mais, expressar seus pensamentos, sentimentos e desejos, coordenar os

comportamentos dos grupos em convivência etc397

.

Assim, quando se unem essas três palavras, faz-se referência aos avanços

tecnológicos que nos proporcionam a informática, as telecomunicações e as

tecnologias audiovisuais, que compreendem os desenvolvimentos relacionados aos

computadores, à internet, à telefonia, às aplicações multimídias e à realidade virtual,

396

BOTTOS, Adriana V. Teletrabajo: su protección em el derecho laboral – 1ª Ed. – Buenos Aires: Cathedra Jurídica, 2008, p. 26-27. Tradução nossa.

397

Ibidem, p. 26-27.

163

vez que essas tecnologias nos proporcionam ferramentas para que as informações

sejam processadas e canais de comunicação398

.

Relacionando-se a “telemática” à “tecnologia da comunicação”, podemos

afirmar que esta destina-se à produção de equipamentos (hardwares), métodos e

softwares que permitem a “telemática”(i.e. a comunicação à distância).

Para a efetivação de sistemas AVL com os recursos hoje existentes,

indispensável é que a comunicação tenha característica não só de agregar entes

distantes, mas de fazê-lo “sem fio”, vez que veículos em trânsito não estão conectados

a cabos ou fibras ópticas que permitam a comunicação com fio. É exatamente nesse

ponto que a tecnologia denominada “comunicação celular” ganha crucial importância,

merecendo um efetivo estudo nesse momento de desenvolvimento da tese.

3.6.1.1 Comunicação celular. Conceito, evolução e atual estado da técnica

O que se denomina, no campo das telecomunicações, de “celular” é nada

mais que um rádio que, como tal, permite a transmissão de dados através de ondas

eletromagnéticas. Mais especificamente, um sistema de comunicação móvel (rede

celular) tem por objetivo permitir o acesso ao sistema telefônico a partir de um

terminal portátil sobre um território extenso, utilizando uma ligação radioelétrica entre

o terminal móvel e a rede399

.

Para tal serviço estar disponível, é necessário que a ligação de rádio entre o

terminal e a rede seja de qualidade suficiente, o que gera a necessidade de uma grande

potência de transmissão, sendo que a fim de limitar a potência, os operadores da rede

celular colocam no território as chamadas “Estação Base”, para que o terminal esteja

sempre a menos de alguns quilômetros dessas bases. A área sobre a qual um terminal

398

BOTTOS, Adriana V. Teletrabajo: su protección em el derecho laboral – 1ª Ed. – Buenos Aires: Cathedra Jurídica, 2008, p. 26-27. Tradução nossa.

399

CARDOSO, Pedro Klecius Farias. Apostila de Redes Celulares. Ceará: Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – Departamento de Ensino/Curso de Telemática. Disponível em: < http://www.cdvhs.org.br/sispub/image-data/1273/GSM-CMoveis_Cap1_7_0405.pdf>. Acesso em: 05.mai. 2011.

164

pode estabelecer uma ligação de rádio com uma “Estação Base” é chamada de

“célula”400

, daí a denominação dada ao sistema ora em estudo.

É denominada “estação móvel” todo equipamento terminal capaz de se

comunicar na rede celular. Uma estação móvel é composta de um emissor-receptor e

de uma lógica de controle, podendo ser um equipamento instalado num veículo ou um

equipamento portátil, de pequeno peso e de baixa potência, facilmente transportado401

.

Cada zona de abrangência de uma “Estação Base” tem um espaço de

alcance limitado, sendo que nas oportunidades em que um usuário sai da área de

abrangência de uma “Estação Base”, entra automaticamente na área coberta por outra

estação, e automaticamente é transferida a ligação para este, sem que o usuário

perceba, sendo desta forma que o sistema é interligado em todo o território nacional e

no exterior. As “Estações-Base” comunicam-se com a “Central de Comutação e

Controle”, que ajusta e controla o serviço, tendo conexão a outras “Estações-Base” e à

rede de telefonia fixa, permitindo a prestação do serviço para os usuários.

Como afirma Pedro Klecius Farias Cardoso, professor titular do Centro

Federal de Educação Tecnológica do Ceará, nos últimos anos os sistemas móveis

celulares se popularizaram mundialmente, evoluindo de analógicos para digitais,

objetivando maior eficiência, melhor qualidade de voz e integração de serviços, como

o acesso a filmes, informativos, câmeras de vídeo e de foto402

.

Sobre a evolução das técnicas de comunicação celular, constam detalhadas

informações no apêndice B desta tese.

3.6.1.2 A comunicação através de satélite

A transmissão de dados entre o equipamento embarcado no veículo e a

central de gestão da frota de veículos (base de operação) pode ser realizada através de 400

CARDOSO, Pedro Klecius Farias. Apostila de Redes Celulares. Ceará: Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – Departamento de Ensino/Curso de Telemática. Disponível em: < http://www.cdvhs.org.br/sispub/image-data/1273/GSM-CMoveis_Cap1_7_0405.pdf>. Acesso em: 05.mai. 2011.

401

Idem. 402

Idem.

165

sistema baseado em satélite. Por esse método o equipamento embarcado transmite os

dados de localização, segurança e comunicação para o satélite, que os retransmite à

Central de Gerenciamento, sendo também possível o caminho inverso da

comunicação, vez que o sistema é bidirecional403

. Tem-se como grande vantagem

desse sistema a abrangência ilimitada, já que não necessita de instalação de

infraestrutura terrestre. Já a desvantagem se localiza no alto custo dessa

comunicação404

. Existem duas classes de satélites de comunicação utilizados em

sistemas AVL, quais sejam:

- os satélites geoestacionários, que se posicionam sobre o Equador, a uma altura

aproximada de 36 mil quilômetros, oferecendo cobertura continental, tendo-se como

exemplo, no Brasil, o Omnisat e o Inmarsat, que dão cobertura por todo o território

brasileiro405

;

- os satélites de órbita baixa (identificados pela sigla LEO, do inglês Low Earth Orbit)

têm características parecidas ao sistema GPS, embora a sua altitude seja de

aproximadamente 1.400 quilômetros (enquanto os satélites GPS encontram-se a mais

de 20.000 quilômetros de altura), tendo cobertura por todo o globo terrestre, tendo-se

como exemplo o GlobalStar e o Orbcomm406

.

Se de um lado os sistemas de comunicação através de satélite oferecem

extensa área de cobertura e monitoramento contínuo, de outro lado os altos custos do

equipamento embarcado, do serviço de comunicação e a possibilidade de obstrução

dos satélites, fazem com que esses sistemas sejam, na prática, menos utilizados que a

comunicação celular.

403

RODRIGUES, Marcos et alli. Rastreamento de Veículos. São Paulo: Oficina de Textos, 2009, p.31. 404

Ibidem, p.32. 405

Idem. 406

Idem.

166

3.7 O módulo de interface homem-máquina

A “interface homem-máquina” é um módulo que fornece ao usuário meios de

interagir com o sistema AVL, podendo não só receber informações como também

inserir no sistema dados necessários a sua utilização. Essa interligação entre o usuário

e o sistema pode ser realizada através de:

- tela, de cristal líquido, algumas, inclusive com função “touch screen”, permitindo o

acesso a funções mediante toque do usuário na tela;

- teclado, acoplado ou não ao equipamento central embarcado (conforme figura 29);

Figura 29. Teclado de equipamento AVL

Fonte: Positron Rastreamento (www.positron.com.br)

- interface baseado na voz, pelo método de processamento da voz que se compõe de:

codificação da voz(obtenção de compactas representações digitais de sinais de voz

para uma eficiente transmissão ou armazenamento), verificação do orador (que

verifica a identidade para acesso a áreas ou a funções restritas), reconhecimento de voz

(reconhecimento da fala e sinal sonoro para identificar a mensagem linguística

pretendida) e síntese de fala (geração de sinal acústico para transmitir uma mensagem

de uma máquina para um ser humano)407

.

407

ZHAO, Yilin. Vehicle location and navigation system. Londres: Artech House, 1997, pp. 159-160.

167

3.8 Os sensores

A inclusão de sensores como parte de um sistema AVL oferece valor

distinto para qualquer gestão de frota, vez que esses sensores têm a capacidade de

constatar se o trabalho contratado está realmente sendo realizado408

.

Sensores são dispositivos que recebem e respondem a sinais ou estímulos,

podendo ser utilizados para medir quantidades físicas, como temperatura e pressão, e

converter os dados obtidos em sinais eletrônicos409

. Pode-se, afirmar, assim, que um

sensor é um “tradutor” de um valor, geralmente não elétrico, para um valor elétrico

que pode ser canalizado, amplificado e modificado através de dispositivos eletrônicos

adequados410

.

Através de sinais emitidos por sensores instalados em veículos, um sistema

AVL é capaz de informar ao gestor do sistema diversas informações de grande

importância como:

- se o veículo encontra-se ligado ou desligado;

- quantidade de combustível no tanque;

- abertura e fechamento de portas;

- engate e desengate de carretas acopladas ao veículo;

- diagnóstico do motor do veículo;

- quilometragem;

- velocidade empreendida;

- identidade do motorista, através de sensor biométrico;

- freadas bruscas, entre outros dados.

408

BSM Wireless. Sensor Sensibility – Building the business care for incorporating external sensor as part of your automatic vehicle location solution. Acesso através do site www.bsmwireless.com/wp-content/uploads/Sensor-Sensibility1.pdf, p. 3. Acesso em 14/fevereiro/2011.

409

JOHNSON, Thienne M. Redes de Sensores Sem Fio (RSSF). Disponível em http://www.wirelessbrasil.org/wirelessbr/colaboradores/thienne_johnson/rssf-intro.htm. Acesso em 02 de maio de 2011.

410

SOUZA, Adriano Sampaio; CARVALHO, Paulo Simeão. Utilização de sensores no ensino das ciências. 2010. Disponível em http://eec.dgidc.min-edu.pt/documentos/acompanhamento_porto_utilizacao_sensores.pdf. Acesso em: 02.mai.2011.

168

Sensores, como os apresentados nas figuras 30 a 35, em comunicação com

um sistema AVL, podem monitorar um veículo, a rota do motorista, verificar se as

aberturas e fechamentos da porta dos motoristas compatibilizam-se com o momento de

partida, de paradas previstas e de chegada ao destino, monitorando a produtividade do

motorista e as suas horas de serviço411

.

Figura 30. Sensor de Aceleração Figura 31. Sensor biométrico

Fonte: Shangai Volboff Company Fonte: Techmag

Figura 32. Sensor de porta Figura 33. Válvula Selenóide

412

Fonte: SatCom Rastreadores Fonte: SatCom Rastreadores

Figura 34. Trava Baú413

Figura 35. Botão de Segurança

Fonte: SatCom Rastreadores Fonte: SatCom Rastreadores

411

BSM Wireless. Sensor Sensibility – Building the business care for incorporating external sensor as part of your automatic vehicle location solution. Acesso através do site www.bsmwireless.com/wp-content/uploads/Sensor-Sensibility1.pdf, p. 3. Acesso em 14/fevereiro/2011.

412

Permite a interrupção do fluxo de combustível no motor do veículo impedindo o seu funcionamento. 413

Executa o travamento de portas através de comandos enviados pela central de rastreamento.

169

4 Espécies de sistemas AVL

Existem quatro principais espécies de sistema AVL colocadas à disposição

no mercado atualmente. Passamos a analisar cada uma dessas espécies, destacando as

suas características essenciais:

4.1 Sistema AVL passivo

Também denominado de sistema de dados armazenados, o “sistema AVL

passivo” (figura 36) consiste num aparelho a bordo que grava os dados do sinal GPS

durante as operações do veículo, sendo que tal informação é armazenada para

recuperação e envio de informações para o computador principal de monitoramento de

frota quando do retorno do veículo à base414

. Trata-se de satisfatória solução para

armazenagem de informações em veículos que estão fora da base por semanas ou

meses.

Existem vantagens e desvantagens com esse tipo de sistema. Dentre as

vantagens destaca-se ser uma modalidade mais econômica, vez que não exige gastos

com serviços de comunicação sem fio. Como grande desvantagem tem-se a

impossibilidade de localização do veículo em tempo real.

Figura 36. Sistema AVL passivo

Fonte: Fleetboss Global Positioning Solutions. An introduction to GPS fleet management.

414

Fleetboss Global Positioning Solutions. An introduction to GPS fleet management. Acesso através do site http://www.fleetboss.com/index.php?option=com_content&view=article&id=35:white-papers&catid=56&Itemid=65. Acesso em 14/02/2011.

170

4.2 Sistema AVL ativo

O sistema AVL ativo tem como principal característica a informação em

tempo real. Há um receptor GPS embarcado no veículo com condução de

comunicação sem fio, como uma linha celular no interior do veículo. Em determinados

grupos de intervalo de tempo, o sistema transmite informação da localização

(longitude e latitude) do veículo, da velocidade e da direção da viagem através da rede

sem fio para um ponto dedicado à coleta de dados, como demonstra a figura 37. Esses

dados podem ser transmitidos diretamente para um escritório de controle de frota ou

compilado para transferência para um site na internet onde a empresa pode ver a

atividade de sua frota415

.

Como vantagens desse sistema, tem-se o fornecimento de informações de

localização num determinado intervalo, permitindo o rastreamento da atividade do

veículo independentemente de qualquer necessidade de comunicação com o motorista.

Como desvantagem destaca-se o maior custo desse sistema, em especial frente à

necessidade de contratação de serviço de comunicação sem fio.

Figura 37. Sistema AVL ativo

Fonte: Fleetboss Global Positioning Solutions. An introduction to GPS fleet management.

4.3 Sistema AVL híbrido

O sistema AVL na modalidade híbrida combina as funcionalidades dos

sistemas passivo e ativo num pacote que oferece ao gestor da frota a imediatidade de

informações sobre o veículo em tempo real como também o armazenamento de

informações contidas num sistema de dados, como ilustra a figura 38. 415

Fleetboss Global Positioning Solutions. An introduction to GPS fleet management. Acesso através do site http://www.fleetboss.com/index.php?option=com_content&view=article&id=35:white-papers&catid=56&Itemid=65. Acesso em 14/02/2011.

171

Através da combinação dos melhores recursos de cada sistema, o sistema

híbrido de monitoramento de frota é uma ferramenta ideal para oferecer aos gestores

de frota a localização de veículo a tempo real e atualizável, como também serviços de

armazenamento de informações para uso futuro, tendo nessa combinação a grande

vantagem dessa modalidade. A desvantagem encontra-se na necessidade de

contratação de serviço de comunicação sem fio e de conexão ativa de internet.

Figura 38. Sistema AVL híbrido

Fonte: Fleetboss Global Positioning Solutions. An introduction to GPS fleet management.

Apesar da necessária análise de todas as espécies de sistemas AVL

disponíveis no mercado, é importante destacar que, para esta tese, a referência serão os

sistemas que ofereçam informações em tempo real (sistema AVL ativo), mesmo que

também incluam serviço de armazenamento de dados (sistema AVL híbrido).

5 Os equipamentos embarcados necessários ao funcionamento de sistema

AVL

A quantidade de “módulos” que compõem um sistema AVL, com as suas

múltiplas funções que, há pouco tempo, assemelhavam-se a obras de ficção científica,

poderia levar à conclusão de que os equipamentos embarcados responsáveis pela

execução do sistema seriam de grande quantidade, tamanhos pouco práticos e alto grau

de complexidade no seu manuseio.

172

É certo, no entanto, que o atual estado da técnica dos equipamentos

(hardware) necessários à execução de um sistema AVL, mostra-nos peças de tamanho

bastante reduzido e que já condensam em si todos os módulos característicos do

sistema. Vejamos abaixo alguns exemplos de equipamentos embarcados:

a) Equipamento “Vehicle Tracker” modelo Global 600: comercializado no Brasil pela

empresa Rastreamento Global Limitada, trata-se de equipamento bastante

simplificado, como se verifica da figura 39, com medidas aproximadas de 10

centímetros de largura por 12 centímetros de comprimento.

Figura 39. Rastreador Global 600

Fonte: Rastreamento Global Ltda (www.rastreamentoglobal.com.br)

Dentre as principais características têm-se: rastreamento via GPRS,

relatório da posição atual, rastreamento por intervalo de tempo, recurso de corte de

combustível, de obtenção de fotos da cabine, botão de pânico, controle de velocidade,

relatórios à distância e comunicação bidirecional (possibilitando a comunicação entre

o condutor do veículo e o gestor do sistema e vice-versa)416

.

b) Equipamento S900-MS: Comercializado no Brasil, JCA Sistemas de Segurança

Ltda, caracteriza-se pelo tamanho bastante reduzido (6,50 cm de cumprimento, 4,5 cm

de largura e 1,5 cm de altura), conforme figura 40. Tem como características

416

RASTREAMENTO GLOBAL Ltda, conteúdo disponível no site www.rastreamentoglobal.com.br. Acesso em 01 de junho de 2011.

173

principais: rastreamento GPS com visualização em mapa pela internet e bloqueio

remoto a partir de qualquer telefone417

.

Figura 40. Rastreador S900-MS

Fonte: JCA Sistemas de rastreamento ( http://www.bloqueador.com.br)

c) Equipamento rastreador GPS 505 Sat: comercializado pela empresa “LocatorOne”,

o equipamento GPS 505 Sat (figura 41) permite o monitoramento de qualquer espécie

de veículo pelo computador, de maneira segura e em tempo real, através de tecnologia

de localização GPS, contando com importantes recursos como: bloqueio e desbloqueio

de veículo à distância, corte de combustível, acionamento de setas e sirene de voz,

fornecimento de informações detalhadas quanto à localização, à velocidade e à rota,

rastreamento pela internet, comunicação através de comunicação celular pela

modalidade GSM.

Figura 41. Rastreador GPS 505 Sat

Fonte: LocatorOne Rastreamento (www.locatorone.com.br)

d) Rastreador AlphaTrack Híbrido: destinado para frotas com rotas por toda a América

do Sul, o rastreador Alpha Track Híbrido (figura 42) é comercializado pela empresa

417

JCA SISTEMAS DE RASTREAMENTO. Disponível em <http://www.bloqueador.com.br>. Acesso em 01 de junho de 2011.

174

SatCom Rastreadores, utilizando de tecnologia de localização híbrida, isto é, tanto

através de GPS como através de satélites dedicados. No que se refere ao sistema de

comunicação, esse equipamento pode utilizar tanto a tecnologia GSM quanto a GPRS

e oferece recursos como:

- abertura de carroceria e baú, executada remotamente pelo operador na central de

monitoramento, trazendo para o sistema de rastreamento de caminhões segurança da

carga e uma capacidade inovadora no transporte e entrega de mercadorias em locais

pré-determinados pela empresa;

- desengate de carreta monitorado, com a finalidade de evitar separação não autorizada

do conjunto cavalo – carreta ou desengate de qualquer outro dispositivo, permitindo

alertar a central de monitoramento todas as vezes que houver o desengate da carreta,

sendo capaz de evitar extravio da carga ou trabalhos não autorizados;

- sensor de velocidade, a fim de inibir abusos na velocidade durante a condução do

veículo;

- sensor de porta de carona, permitindo acionar um alerta na central de monitoramento

todas as vezes que a porta for aberta sem prévia autorização do condutor do veículo.

Com esta função ativada o equipamento pode avisar o embarque no veículo de pessoas

não autorizadas, e com isso aumentar a segurança do veículo e da carga transportada;

- relatório de local trafegado, proporcionando ao usuário verificar as ruas, bairros,

municípios e estados por onde o veículo transitou num determinado intervalo de

tempo, verificando-se se o motorista está executando o roteiro definido;

- cerca eletrônica: considerada uma das mais avançadas funções do sistema de

rastreamento, permite limitar o trânsito a uma rota pré-definida. Com o veículo

limitado a uma cerca eletrônica o gestor do sistema poderá assegurar a permanência no

trajeto pré-determinado inibindo roubos e saídas de itinerários não autorizados;

- função “âncora”: semelhante à cerca eletrônica, limita o veículo a um perímetro

definido por um raio. Ao ativar esta função o proprietário pode assegurar que o veículo

175

não sairá, sem alertar a central de operações, além da distância previamente

programada, e assim inibir exageros por parte do condutor;

- computador de bordo: permite monitorar o acionamento de embreagem, pressão do

óleo, acionamento do limpador de para-brisa, atividades do freio convencional e do

motor, temperatura do motor alta ou baixa, nível de combustível e acionamento da

ignição;

- Sensores de abertura em geral: sensores instalados de forma oculta no veículo com a

finalidade de monitorar porta malas, baú, cofres, ignição, portas do motorista e do

carona etc, sendo excelente função para trazer uma maior tranquilidade nas ações que

são desencadeadas nas partes internas ou externas ao veículo.

Figura 42. Rastreador Alpha Track Híbrido

Fonte:SatCom Rastreadores (http://satcomrastreadores.com.br/rastreador/alfa_track_hibrido.html)

176

6 – Características práticas dos sistemas “Automatic Vehicle Location”

Objetivando verificar não só a acurácia e a precisão dos sistemas AVL,

como também a qualidade e a quantidade de dados fornecidos por tais sistemas,

utilizamos a técnica da observação direta intensiva (modalidade de técnica

metodológica que utiliza os sentidos na observação de determinados aspectos da

realidade, não consistindo apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou

fenômenos que se deseja estudar418

).

6.1 Introdução

Com o objetivo acima traçado, realizamos a instalação do

equipamento denominado “TrackSat 3”, fornecido pela empresa “Tecgps Sistemas de

Rastreamento Ltda”419

. Referido equipamento é produzido na República Popular da

China pela empresa “Chainway Intelligent Transportation System Co., Ltd”(fabricante

profissional especializada em gestão de monitoramento de veículos e frotas, atuante

não só no desenvolvimento, como também na fabricação e na venda de dispositivos de

monitoramento420

), sendo originalmente identificado como “GPS Tracker CW-701

Support LCD Camera” (apesar de comercializado no Brasil como “TrackSat 3”) e

tendo estrutura bastante simplificada, conforme figura 43.

O equipamento instalado é um perfeito paradigma de equipamentos

disponíveis no mercado e habitualmente utilizados por empresas prestadoras de

serviço de transporte rodoviário, o que permite a universalização das conclusões

obtidas a partir dos dados oriundos de seu funcionamento.

418

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. 6ª edição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 107.

419

Sociedade empresária cadastrada no CNPJ sob o no. 13.074.840/0001-40 e tendo sua sede na Avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira, no.350, sala 224, na cidade de Taubaté, Estado de São Paulo. 420

Informações obtidas através do site < http://www.newtradein.com/company-home/Chainway-ITS-Co-Ltd--14860.html>. Acesso em 22.setembro.2011.

177

Figura 43. Equipamento “TrackSat 3”

Fonte: Site Oficial da empresa Chainway ITS (www.chainwayits.com)

O equipamento, juntamente com um “cartão de identificação de

condutor”421

(figura 44) foi adquirido através do site www.tecnologiagps.com.br pelo

valor de R$ 1.297,98 (um mil, duzentos e noventa e sete reais e noventa e oito

centavos), equivalente a 2,38 salários mínimos nacionais422

no dia 14 de junho de

2011, e instalado em veículo de titularidade do autor desta pesquisa (veículo modelo

Chevrolet, marca S-10, modelo “Rodeio”, cor prata, placa GIG0611, da cidade de

Santos).

Figura 44. Cartão de Identificação de Motorista

Uma vez adquirido o equipamento, o rastreamento é realizado

gratuitamente através do site www.tecnologiagps.com.br (figura 45) que oferece

software online com plataforma de rastreamento do veículo. O acesso do veículo à

internet é realizado através de chip instalado em slot próprio no módulo do

equipamento. No caso, para fins de acesso do equipamento à internet, estamos

utilizando o serviço pré-pago da empresa “Tim”, cujo custo é de R$0,50(cinqüenta

421

O “Cartão de Identificação de Condutor” é um acessório ao equipamento “TrackSat 3” que consiste num cartão com chip de memória instalado que, uma vez introduzido em slot próprio do equipamento, identifica o seu condutor. 422

O valor do salário mínimo nacional no dia 14/06/2011 era de R$ 545,00.

178

centavos) por dia de acesso. O usuário é detentor de login e senha que permite acesso

à plataforma de rastreamento, como se verifica das figuras 45, 46 e 47:

Figura 45. Site “Tecnologia GPS”

Figura 46. Tela de acesso à plataforma de rastreamento através do site www.tecnologiagps.com.br

179

Figura 47. Plataforma de rastreamento acessada através do site www.tecnologiagps.com.br

Para a obtenção dos dados abaixo apresentados, o autor da pesquisa,

tomando a posição de “gestor do sistema”, utilizou-se de viagem realizada no dia 11

de setembro de 2011 tendo como ponto de partida a Avenida Santino Faraone, no. 281,

na cidade de Americana/SP e como ponto de destino a Avenida Muniz de Souza, no.

1.130, na cidade de São Paulo/SP. A viagem iniciou-se às 17:12h e terminou às 19:34h

do mesmo dia, com duração, portanto, de 2(duas) horas e 22(vinte e dois) minutos sob

um trajeto de 142 quilômetros. O gestor do sistema, com o objetivo de verificar a

exatidão das informações do sistema, manteve-se, durante toda a viagem no banco

imediatamente atrás do motorista, munido de notebook com acesso à internet sem fio,

tendo acesso, através do sistema, aos mesmos dados e telas que teria em qualquer

localidade do Planeta Terra com acesso à internet, conforme ilustrações 48 e 49.

180

Figura 48. Posição do Gestor do Sistema durante a coleta de dados

Gestor do Sistema Motorista

Figura 49. Notebook com acesso à internet utilizado pelo Gestor do Sistema

Durante todo o processo não houve perda de sinal GPS pelo equipamento

embarcado, nem sequer perda de sinal de internet sem fio no notebook utilizado para

obtenção de dados. Todas as fotografias obtidas através do sistema refletem a

realidade do conteúdo do veículo e todos os demais dados fornecidos pelo sistema

compatibilizam-se com a realidade visual experimentada pelo Gestor do Sistema

durante o deslocamento.

6.2 Perguntas a serem respondidas através da observação direta intensiva

Focados no objetivo de saber a capacidade dos sistemas AVL de produzir

espaço ampliado e servir de efetivo instrumento de controle, pelo empregador, da

atividade laboral do motorista rodoviário que executa atividades externas, elaboramos

181

perguntas a serem respondidas com base nos dados colhidos no presente

procedimento. Eis as perguntas:

Questão 1. O sistema permite, de forma fidedigna e precisa, a localização, a qualquer

momento, do veículo monitorado com o efetivo controle do cumprimento de rota pré-

determinada?

Questão 2. O sistema viabiliza a verificação da identidade do condutor em quaisquer

dos momentos da operação?

Questão 3. O sistema permite ao gestor do sistema manter comunicação com o

condutor objetivando a transmissão de ordens?

Questão 4. O sistema possibilita, de forma objetiva, a verificação do cumprimento das

ordens impostas pelo gestor do sistema ao condutor do veículo?

6.3 Dos dados colhidos durante a operação

Os dados colhidos durante a viagem estão relatados nas 28(vinte e oito)

ocorrências abaixo, que objetivam explorar cada um dos principais recursos do sistema

AVL utilizado e cujos dados obtidos serão utilizados nas conclusões inerentes ao

presente trabalho. Para cada ocorrência há não só a descrição do objeto da mesma

como também ilustrações do conteúdo na plataforma de rastreamento no dado

momento da coleta de dados. As ilustrações foram obtidas a partir de impressões das

telas do notebook durante todo o trajeto, sendo tais impressões obtidas através do

software “Gadwin PrintScreen 4.6”, instalado no notebook de coleta de dados.

182

OCORRÊNCIA “1”

Descrição: Veículo rastreado aguardando o início da viagem no ponto de origem

(Avenida Santino Faraone, no. 281 – Cidade de Americana – Estado de São Paulo). O

gestor do sistema, com o objetivo de verificar a exatidão das informações do sistema,

manteve-se, durante toda a viagem, no banco imediatamente atrás do motorista,

munido de notebook com acesso à internet sem fio, tendo acesso, através do sistema,

aos mesmos dados e telas que teria em qualquer localidade do Planeta Terra com

acesso à internet.

Ilustrações representativas:

Veículo rastreado a espera do início da viagem

Equipamentos Embarcados:

Módulo de rastreamento

Visão frontal Visão traseira

183

Câmera :

Visão panorâmica do local de instalação Visão frontal

Monitor de Cristal Líquido (LCD) :

Visão do local de instalação Visão frontal detalhada

Microfone:

Visão do local de instalação (sobre o retrovisor) Visão frontal

184

Posição do Gestor durante a viagem para fins de coleta de dados e verificação de exatidão das

informações fornecidas pelo sistema:

Gestor do Sistema Motorista Notebook com acesso à internet utilizado pelo

Gestor do Sistema

185

OCORRÊNCIA “2”

Descrição: Tela de início do rastreamento. Início da viagem no dia 11/09/2011 às 17

horas, 12 minutos e 50 segundos, tendo como local de partida a Rua Santino Faraone,

no. 281 – na cidade de Americana, Estado de São Paulo sob as seguintes coordenadas:

-47.261 (longitude) e -22.725 (latitude).

Ilustrações descritivas:

Identificação do motorista Identificação do veículo

Velocidade Dia e Horário Localização do veículo

Visualização do ponto de partida através do GoogleEarth

186

OCORRÊNCIA “3”

Descrição: Obtenção de foto a fim de verificar quem está conduzindo o veículo. O

sistema oferece sequência de fotografias em tempo real. Nas ilustrações abaixo

constata-se informações como: localização do veículo, horário da localização,

identificação do veículo, velocidade do veículo e identificação visual do condutor do

veículo.

Ilustrações descritivas:

Solicitação de fotografia

187

Identificação do veículo Velocidade do veículo Posição do veículo

Fotografia obtida através do sistema, remotamente (via internet),

identificando visualmente o condutor

188

OCORRÊNCIA “4”

Descrição: Uso da ferramenta “escuta”, oferecida pelo sistema, que permite, através

da internet, ao gestor do sistema contato sonoro com o quanto ocorre no interior do

veículo.

Ilustração representativa:

Ferramenta de “escuta” do sistema

189

OCORRÊNCIA “5”

Descrição: Verificação das condições gerais do sistema (estado de funcionamento do

GPS e da comunicação celular GPRS) e do veículo (condição do motor e da bateria).

Ilustração descritiva:

Identificação do veículo Condições gerais do veículo e do sisema

190

OCORRÊNCIA “6”

Descrição: Verificação de todos os comandos realizados junto ao sistema, permitindo

a constante revisão de todos os atos de rastreamento realizados.

Ilustração descritiva:

Lista contendo todos os comandos realizados e cumpridos pelo sistema, com a especificação do exato momento de ocorrência

191

OCORRÊNCIA “7”

Descrição: Acompanhamento do deslocamento do veículo com identificação do

trajeto já realizado, que fica destacado em linha azul com pontos vermelhos

Ilustração descritiva:

Verificação do trajeto realizado pelo veículo e a sua localização atual

192

OCORRÊNCIA “8”

Descrição: Monitoramento de excesso de velocidade. O sistema é capaz de monitorar

a velocidade do veículo, podendo o gestor fixar velocidade máxima permitida, sendo

que, quando ultrapassado o limite fixado, o sistema automaticamente emite um alarme

indicando não só o excesso, como também o tempo do excesso e o espaço percorrido

na velocidade irregular.

Ilustrações descritivas:

Fixação de limite de velocidade e tempo de tolerância acima da velocidade limitada

193

Alarme de excesso de velocidade, incluindo o tempo em excesso e a distância

percorrida em excesso de velocidade

Lista de violações ao limite de velocidade

194

OCORRÊNCIA “9”

Descrição: Uso de sistema de envio de mensagens escritas pelo gestor do sistema ao

condutor do veículo. O condutor tem acesso à mensagem através de monitor de cristal

líquido (LCD) instalado no veículo.

Ilustrações representativas:

Comando de envio de mensagem

Monitor LCD instalado no veículo

195

OCORRÊNCIA “10”

Descrição: O recurso “configuração do terminal de rastreamento” permite verificar

todos os instrumentos colocados à disposição pelo equipamento embarcado no veículo,

fazendo com que o Gestor do Sistema possa, a qualquer momento, verificar a

habilitação de todos os instrumentos necessários ao monitoramento do veículo.

Ilustrações descritivas:

Tela de solicitação da configuração do terminal

196

Informações sobre a configuração do terminal

Informações de configuração destacadas para melhor visualização

197

OCORRÊNCIA “11”

Descrição: Recurso de verificação do “Status do Terminal”, isto é, das condições de

comunicação do terminal.

Ilustrações descritivas:

Solicitação do Status do Terminal

Tela do “Status do Terminal”

198

Tela de “Status do Terminal” destacada para melhor visualização

199

OCORRÊNCIA “12”

Descrição: Visualização da localização do veículo às 17:56h, objetivando demonstrar

a capacidade do sistema de localizar o veículo a qualquer momento.

Ilustração descritiva:

200

OCORRÊNCIA “13”

Descrição: Fixação de “Cerca Eletrônica”, recurso do sistema que permite a

determinação de espaço de percurso autorizado pelo Gestor do sistema. Na hipótese do

veículo ultrapassar os limites territoriais fixados, um alerta é transmitido ao Gestor do

sistema.

Ilustrações descritivas:

Tela de definição da cerca eletrônica Contornos da cerca eletrônica

201

Alarme de violação da cerca eletrônica Momento da violação

Visão detalhada da tela de alarme de violação de cerca eletrônica

202

Lista descritiva das violações à cerca eletrônica

203

OCORRÊNCIA “14”

Descrição: Visualização da localização através do “Google Earth”. O sistema utilizado

permite a visualização no “Google Earth” (que vincula o ponto de localização do

veículo à imagem do Planeta Terra obtida via satélite) da localização do veículo

monitorado.

Ilustrações descritivas:

Tela de solicitação da visualização através do “Google Earth”

204

Visualização da localização do veículo monitorado através do “Google Earth”

205

OCORRÊNCIA “15”

Descrição: Monitoramento da quantidade de quilômetros percorridos durante o trajeto

do veículo monitorado.

Ilustrações descritivas:

Identificação do veículo monitorado período da verificação espaço percorrido (em Km)

206

OCORRÊNCIA “16”

Descrição: Histórico de posições. Através desse recurso do sistema são informadas as

posições do veículo monitorado (em intervalos próximos de 10 segundos), juntamente

com a velocidade empreendida pelo veículo no momento de cada uma das posições e o

total de espaço percorrido até cada dado momento de monitoramento.

Ilustrações descritivas:

Identificação do veículo Velocidade Momento da posição espaço percorrido posição

207

OCORRÊNCIA “17”

Descrição: Visualização da localização do veículo às 18:40h, objetivando demonstrar

a capacidade do sistema de localizar o veículo a qualquer momento.

Ilustrações descritivas:

Identificação do veículo momento da verificação localização velocidade

208

OCORRÊNCIA “18”

Descrição: Verificação, às 18:45h, da pessoa do condutor através de fotografia

fornecida pelo sistema em tempo real juntamente com a localização do veículo

monitorado.

Ilustração demonstrativa:

fotografia em tempo real momento da verificação localização do veículo

209

OCORRÊNCIA “19”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 18:52h.

Ilustração descritiva:

Horário da verificação Localização do veículo

210

OCORRÊNCIA “20”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:04h.

Ilustração descritiva:

211

OCORRÊNCIA “21”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:11h, juntamente com

visualização do espaço através do GoogleEarth.

Ilustração descritiva:

212

OCORRÊNCIA “22”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:14h.

Ilustração descritiva:

213

OCORRÊNCIA “23”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:16h, com obtenção de foto

a fim de verificar a identificação visual do condutor do veículo.

Ilustração descritiva:

214

OCORRÊNCIA “24”

Descrição: Verificação do histórico do trajeto no intervalo entre o início da viagem e a

localização às 19:17h, permitindo verificar a qualquer momento o trajeto realizado

pelo veículo e, consequentemente, pelo condutor, inclusive com o apontamento da

localização em qualquer momento pretérito.

Ilustração descritiva:

215

OCORRÊNCIA “25”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:22h.

Ilustração descritiva:

216

OCORRÊNCIA “26”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:25h, juntamente com

visualização do espaço através do GoogleEarth.

Ilustração descritiva:

217

OCORRÊNCIA “27”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:26h.

Ilustração descritiva:

218

OCORRÊNCIA “28”

Descrição: Monitoramento da localização do veículo às 19:34h, constatando-se a

chegada ao ponto de destino (Rua Muniz de Souza, no. 1.130 – Liberdade – São

Paulo/SP.

Ilustrações descritivas:

Visualização do local de destino através do GoogleEarth:

219

6.4 Das conclusões obtidas através da operação

Frente à totalidade dos dados colhidos durante a operação descrita,

apresentamos as respostas às perguntas inicialmente impostas, como abaixo apontado:

Questão 1. O sistema permite, de forma fidedigna e precisa, a localização, a

qualquer momento, do veículo monitorado com o efetivo controle do

cumprimento de rota pré-determinada?

Resposta: Sim, da observação das ocorrências 2, 12, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25,

26, 27 e 28 conclui-se que o gestor do sistema tem a possibilidade de, a qualquer

momento, verificar a localização do veículo, inclusive com a visualização da

localização através de imagem do GoogleEarth, conforme ocorrências 2, 14, 21, 26 e

28.

Além da informação instantânea quanto à localização presente do veículo, o

sistema também permite ao seu gestor a verificação das posições pretéritas,

relacionando-as com os respectivos momentos, como se verifica das ocorrências 16

(histórico de posições) e 17 (histórico do trajeto).

Questão 2. O sistema viabiliza a verificação da identidade do condutor em

quaisquer dos momentos da operação?

Sim, tal verificação pode ser realizada através de imagem fotográfica obtida

instantaneamente pelo sistema (ocorrências 3, 18 e 23), de sons colhidos do ambiente

interno do veículo através do instrumento “escuta” (ocorrência 4), de informação

colhida a partir da inserção do “cartão de identificação do condutor” no equipamento

embarcado.

220

Questão 3. O sistema permite ao gestor do sistema manter comunicação com o

condutor objetivando a transmissão de ordens?

Sim, como se verifica da ocorrência “9”, o sistema permite que o gestor

envie mensagens escritas ao condutor do veículo através do monitor de cristal líquido

embarcado, transmitindo, assim, ordens de como realizar a prestação do serviço, o que

pode ser realizado também através do instrumento “escuta”, descrito na ocorrência

“4”.

Questão 4. O sistema possibilita, de forma objetiva, a verificação do cumprimento

das ordens impostas pelo gestor do sistema ao condutor do veículo?

Sim, primeiramente pelo fato de ser possível avaliar se o condutor

transporta o veículo através da rota pré-determinada, como se verifica das ocorrências

2, 12, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27 e 28.

Segundo, porque o gestor pode fixar “cerca eletrônica”, determinando que

o sistema gere alerta na hipótese do condutor transportar o veículo por espaço não

permitido pelo gestor, como se verifica da ocorrência 13.

Terceiro, o sistema permite a verificação da velocidade do veículo a

qualquer momento e, inclusive, gera alerta ao gestor na hipótese da velocidade

máxima ser extrapolada, como se verifica da ocorrência 8.

Quarto, o sistema permite o “bloqueio” do veículo mediante comando do

gestor, o que pode ser realizado, por exemplo, na hipótese de reiterados

descumprimentos de ordens pelo condutor.

7 Os sistemas AVL e o controle de paradas do veículo

Questão sempre ventilada quando de discussão a respeito da capacidade dos

sistemas AVL de controlar a atividade laboral do motorista rodoviário é a existência

ou não de recursos nesses sistemas capazes de controlar as paradas realizadas ao longo

221

das viagens realizadas, motivo pelo qual não podemos deixar de, frente aos objetivos

desta tese, enfrentar tal questão.

No Brasil, há trabalho acadêmico tratando profundamente do assunto, de

autoria de Luciano Aparecido Barbosa, sob o tema “Previsão de Localização Futura de

Veículos Baseada em Dados de AVL”, apresentado como requisito parcial para a

obtenção de título de Mestre em Engenharia junto à Escola Politécnica da

Universidade de São Paulo no ano de 2010.

Afirma Luciano Aparecido Barbosa que o cresente desenvolvimento de

aplicações utilizadas por dispositivos móveis que fazem uso das tecnologias de

posicionamento via satélite e comunicação móvel, juntamente com a popularização

destes dispositivos, sejam eles celulares ou GPS automotivos reforçam ainda mais a

necessidade de representação e entendimento acerca das entidades móveis retratadas

nesses dispositivos e incentivam estudos que forneçam um significado do que a

simples representação posicional desses objetos, em especial no que tange à previsão

de localização futura423

.

Em sua dissertação, Luciano Aparecido Barbosa ensina que, considerando

as entidades móveis como veículos rastreados via satélite que fornecem sua posição

espacial, determinada por um par de coordenadas geográficas (latitude e longitude),

coletadas em intervalos de tempo regulares para sistemas AVL (Automatic Vehicle

Location) que são responsáveis pelo monitoramento do estado desses veículos, podem

ser desenvolvidas funções para a previsão da localização e geração de padrões dos

veículos monitorados por sistemas AVL. Para tanto, as paradas efetuadas pelos

veículos definirão regiões comuns de parada ocorridas durante um intervalo de tempo

passado e serão consideradas como um padrão de localização, enquanto que as

trajetórias serão utilizadas para definir o padrão de movimentação. Tal metodologia e

as funções desenvolvidas a partir dela fornecem uma camada inicial de inteligência aos

sistemas AVL, que proporciona aos controladores desses sistemas utilizarem consultas

423

BARBOSA, Luciano Aparecido. Previsão de localização futura de veículos baseada em dados de AVL. 2010. Dissertação (mestrado) – Departamento de Engenharia de Transportes, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

222

preditivas, identificarem mais facilmente anomalias de comportamento, que possam

evidenciar alguma ocorrência incomum na movimentação do veículo424

.

Os atuais sistemas AVL comercializados no mercado brasileiro já contam

com recurso de controle de paradas programadas e constatação de paradas anômalas,

permitindo o controle de todos os momentos de “pausa” previstos na Lei 12.619/12

(como analisado no item “1.1” do Capítulo IV desta tese). Exemplifiquemos:

a) Sistema Serconfsat

Trata-se de sistema AVL fornecido pela empresa “Serconfsat Sistemas de

Rastreamento”, que conta com gerenciamento de frotas incluindo recurso de “Controle

Automático de Paradas”, controlando horários de início e fim de cada parada, paradas

programadas, acompanhamento on line do andamento da viagem com indicativo de

tempos (adiantado ou atrasado) e previsão de chegada425

. Segue abaixo imagem de

relatório fornecido pelo sistema Serconfsat contendo relatório completo e minucioso

das paradas:

Figura 48. Relatório de paradas.

Fonte: Site oficial da empresa “Serconfsat Sistemas de Rastreamento”.

424

BARBOSA, Luciano Aparecido. Previsão de localização futura de veículos baseada em dados de AVL. 2010. Dissertação (mestrado) – Departamento de Engenharia de Transportes, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

425

Informações obtidas através do site oficial da empresa “Serconfsat Sistemas de Rastreamento”. Disponível em: < http://www.serconfsat.com.br/>. Acesso em 10.março.2012.

223

b) Sistema Global Unepxmil

Sistema AVL oferecido pela empresa Dessotti Rastreadores e Monitoramento

baseado num software desenvolvido para o Rastreamento e o Gerenciamento de Rotas

a partir de posições obtidas de um aparelho receptor GPS e transmitidas para o

servidor Global Unepxmil. Todo Gerenciamento de Rotas e o Rastreamento dos

veículos podem ser realizados on-line, em tempo real, o que garante controle contínuo

da operação, sendo que o software realiza o gerenciamento de todo o sistema, podendo

realizar ações corretivas nas rotas/condutores, de acordo com parâmetros pré-

configurados pelo usuário, sistema de controle total da jornada de trabalho, Sistema de

Manutenção Preventiva, que permite ao usuário controlar todos os itens de

manutenção do Veículo de acordo com sua necessidade426

.

Conta o sistema com módulo “Jornada de Trabalho”, que controla através da

Telemetria e da Biometria toda jornada de trabalho dos veículos e dos motoristas. Ao

inicio da jornada, todos os motoristas deverão digitar sua Senha no teclado de

operações. Tendo digitado a senha, será liberado um comando para a leitura de

impressão digital e após feita a leitura e o reconhecimento do cadastro do motorista o

caminhão será liberado automaticamente para o início da sua jornada. (Tudo isso em

fração de segundos). O mesmo procedimento será adotado na parada e volta das

refeições e no final da jornada de cada Veículo/Motorista427

.

Portanto, demonstrada a capacidade dos sistemas AVL, no atual estado da

técnica, de monitorar as paradas programadas e anômalas realizadas durante as

viagens.

426

Informações obtidas através do site oficial da empresa “Dessotti Rastreadores e Monitoramento”. Disponível em: < http://www.unepxmil.com.br/loja/dessotti/index.php?sistema=sobre.php> . Acesso em 10.março.2012. 427

Idem.

224

Capítulo IV- A MUTAÇÃO NORMATIVA DO ARTIGO 62, I, DA CLT EM

FUNÇÃO DA MUDANÇA DE REGIME DE VISIBILIDADE

Nos primeiros capítulos dedicamo-nos à apresentação das novas tecnologias

que permitem o atual estado da técnica dos sistemas AVL (Automatic Vehicle

Location), à verificação da atuação prática desses inovadores sistemas e ao

desenvolvimento do raciocínio quanto à existência de um novo regime de visibilidade

cultuado na sociedade atual e seus reflexos na construção (ou re-construção) das

normas jurídicas.

Neste capítulo dedicar-nos-emos à análise da mutação normativa sofrida

pelo inciso I do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em razão da

mudança de regime de visibilidade cultuado na sociedade atual e que é por demais

diverso do regime de visibilidade cultuado em 01 de maio de 1943 quando da

introdução da CLT (Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943) no Direito Positivo

brasileiro.

Para uma efetiva apreciação da mutação normativa do artigo 62, I, da CLT,

apresentaremos, como anteparo preparatório, a descrição do tratamento jurídico dado

pela Constituição Federal de 1988 e pela CLT à duração da jornada de trabalho, o que

nos permitirá uma efetiva análise sistemática da mutação normativa noticiada.

1 O contrato de trabalho e a jornada laboral

Importante destacar que o conteúdo a seguir é de caráter eminentemente

descritivo, objetivando apontar as principais características da normatização da

duração do trabalho no direito positivo brasileiro, daí a inexistência de preocupação

crítica, nesse momento, em relação ao conteúdo apontado.

No que se refere à duração da atividade dedicada pelo empregado ao

empregador, a doutrina destaca a existência de três institutos que, a despeito de serem

225

características de um mesmo objeto sob prismas diversos, merecem, todos, ser

apontados, quais sejam:

- jornada de trabalho: que é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à

disposição do empregador em virtude do respectivo contrato de trabalho, sendo a

medida principal do tempo diário de disponibilidade do obreiro em face de seu

empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho que os vincula428.

Aliás, como destacado por Sergio Pinto Martins, a expressão “jornada” tem a sua raiz

etimológica no vocábulo italiano giornatta, que significa dia, acrescentando-se que em

francês utiliza-se a expressão jour para significar “dia” e journeé para se referir à

“jornada”429. Em suma, originalmente a expressão “jornada de trabalho” refere-se ao

lapso de prestação de atividade laboral durante um determinado dia, o número de horas

diários de trabalho que o empregado presta ao empregador.

- duração do trabalho: que é o lapso temporal de trabalho ou disponibilidade do

empregado perante seu empregador em virtude do contrato de trabalho, considerados

distintos parâmetros de mensuração: dia (duração diária ou jornada), mês (duração

mensal) ou ano (duração anual)430.

- horário de trabalho: que se refere ao lapso temporal entre o início e o fim de certa

jornada laborativa, à delimitação do início e fim da duração diária de trabalho com os

respectivos dias semanais de trabalho e correspondentes intervalos intrajornadas.

Utilizaremos na presente tese os termos “jornada de trabalho” e “duração de

trabalho” como sinônimos, indicando período de tempo em que o empregado encontra-

se exercendo as suas atividades laborais junto ao empregador e/ou tempo à disposição

do empregador aguardando ordens. Já o termo “horário de trabalho” será por nós

utilizado como fixação de horários de início e término da prestação laboral.

428

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 831. 429

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p. 488. 430

DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit., p.835.

226

No que se refere aos critérios para fixação da jornada de trabalho, aponta-se

a existência de 3(três) critérios básicos, quais sejam: “tempo efetivamente trabalhado”

(que considera como componente da jornada de trabalho apenas o tempo efetivamente

trabalhado pelo empregado, excluindo-se do cômputo da duração da jornada eventual

tempo à disposição do empregador aguardando ordens mas sem labor efetivo, qualquer

tipo de intervalo intrajornada, e paralisações da atividade empresarial que inviabilizem

a prestação laboral431), “tempo à disposição (critério que determina que na jornada de

trabalho inclui-se o tempo em que o empregado encontra-se à disposição do

empregador a partir do momento em que o empregado chega à sede do empregador até

o momento em que dela se retira432. Como afirma Amauri Mascaro Nascimento, o

critério sob análise fundamenta-se na natureza do trabalho do empregado, isto é, na

subordinação contratual, de modo que o empregado é remunerado por estar sob a

dependência jurídica do empregador e não somente por que e quando está

trabalhando433). Finalmente, o critério do “tempo in itinere” (que computa a jornada de

trabalho desde o momento em que o empregado sai de sua residência para realização

da atividade laboral até quando a ela regressa ao fim da prestação laboral434).

Frente à exposição introdutória pode-se afirmar que o Direito Positivo

brasileiro adota, como constata Sergio Pinto Martins, um sistema híbrido das teorias

do tempo à disposição do empregador e do tempo in itinere (neste último somente para

a hipótese em que o local de trabalho seja de difícil acesso ou não servido por

transporte público e o empregador forneça a condução) para identificar a jornada de

trabalho do empregado435, como se verifica, por exemplo, da leitura do caput do artigo

4º e do parágrafo 2º do artigo 58, todos da CLT, abaixo transcritos:

431

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p.838. 432

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p. 489. 433

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 627.

434

MARTINS, Sergio Pinto. op.cit.. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p.489. 435

Ibidem, p. 489.

227

CLT. Art. 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que

o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou

executando ordens, salvo disposição especial expressamente

consignada.

CLT. Art. 58... §2º. O tempo despendido pelo empregado até o local

de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não

será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de

local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o

empregador fornecer a condução.

No que se refere à composição da jornada de trabalho, seguimos, nessa

descrição, o raciocínio de Maurício Godinho Delgado, para quem tal composição se

faz por um “tronco básico” (cujo conteúdo é o lapso temporal situado nos limites da

duração do trabalho pactuada entre as partes, isto é, aquilo que a prática designa como

jornada normal de trabalho436) e por “componentes suplementares” (nesses incluindo-

se todos os demais períodos trabalhados – designados pela prática como jornada

suplementar ou extraordinária - ou apenas à disposição plena ou parcial do

empregador reconhecidos pelos critérios de composição da jornada impostos pelo

direito positivo pátrio, assim como os intervalos remunerados437).

Em relação à jornada normal de trabalho, a Constituição Federal vigente

impõe como regra geral a duração de trabalho diária de 8(oito) horas e semanal de 44

(quarenta e quatro) horas, conforme inciso XIII do artigo 7º constitucional, o que é

acompanhado, no que se refere à fixação diária, pelo artigo 58, caput, da CLT.

Seguem transcrições dos dispositivos comentados:

CF/88. Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além

de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...) XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas

diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de

horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção

coletiva de trabalho;

436

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 846. 437

Idem.

228

CLT. Art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em

qualquer atividade privada, não excederá de 8(oito) horas diárias,

desde que não seja fixado expressamente outro limite.

É verdadeiro também que a própria Constituição Federal aponta exceção à

regra geral, como o faz em relação à duração normal da jornada de trabalho realizado

em turno ininterrupto de revezamento, conforme inciso XIV do artigo 7º

constitucional. Outras exceções também são feitas pela legislação infraconstitucional

como se verifica, por exemplo, em relação aos jornalistas profissionais e radialistas

(em que a jornada normal é de 5 horas diárias, conforme artigo 303 da CLT), aos

telefonistas sujeitos a horários variáveis (a quem é fixada jornada normal de 7 horas,

conforme artigo 229, caput, da CLT) e aos professores (para quem é fixada duração

normal de trabalho de 6 horas, como determina o artigo 318 da CLT). Vale transcrever

os enunciados prescritivos acima indicados:

CF/88. Art. 7º (...) XIV- jornada de seis horas para o trabalho

realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação

coletiva;

CLT. Art. 303. A duração normal do trabalho dos empregados

compreendidos nesta Seção438

não deverá exceder de 5(cinco) horas,

tanto de dia como à noite.

CLT. Art. 229. Para os empregados439

sujeitos a horário variáveis, fica

estabelecida a duração máxima de 7(sete) horas diárias de trabalho e

17(dezessete) horas de folga, deduzindo-se desse tempo 20(vinte)

minutos para descanso, de cada um dos empregados, sempre que se

verificar um esforço contínuo de mais de 3(três) horas.

CLT. Art. 318. Num mesmo estabelecimento de ensino, não poderá o

professor dar, por dia, mais de 4(quatro) aulas consecutivas, nem mais

de 6(seis) intercaladas.

No que se refere aos “componentes suplementares” da jornada de

trabalho, destaca-se o labor em lapso de tempo superior à jornada-padrão tida como

“normal” pelo direito positivo vigente, lapso esse intitulado pela legislação, pela

438

Trata-se da Seção XI do Capítulo I do Título III da CLT, que trata dos “jornalistas profissionais”. 439

O referido dispositivo refere-se àqueles que trabalham em atividade de Telefonia, de Telegrafia Submarina e Subfluvial, de Radiotelegrafia e Radiotelefonia.

229

doutrina e pela jurisprudência como “serviço extraordinário” ou “jornada

extraordinária” e a que a Constituição Federal fixa remuneração diferenciada de, no

mínimo, 50% superior ao valor da hora normal, conforme texto do inciso XVI do

artigo 7º constitucional abaixo transcrito:

CF/88. Art. 7º (...) XVI- remuneração do serviço extraordinário

superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;

E mais, a legislação infraconstitucional afasta a incidência de normas

referentes à duração do trabalho e à imposição de pagamento por serviço

extraordinário a atividades cuja realização não seja controlável pelo empregador. Daí

surgindo classificação das jornadas de trabalho em Controláveis e Não-

Controláveis440, pedindo-se vênia para transcrição, nesse ponto, do magistério de

Mauricio Godinho Delgado:

A presença ou não de controle e fiscalização pelo empregador é...

um marco distintivo fundamental entre as jornadas laborativas

obreiras. Em consequência, o Direito do Trabalho diferencia entre

jornadas controladas e não controladas. As primeiras (jornadas

controladas), em que a prestação do trabalho é submetida a efetivo

controle e fiscalização do empregador, podem ensejar a prestação de

horas extraordinárias, caso evidenciada a extrapolação da fronteira

temporal regular da jornada padrão incidente sobre o caso concreto.

As segundas (jornadas não controladas), em que a prestação do

trabalho não é submetida a real controle e fiscalização pelo

empregador, não ensejam o cálculo de horas extraordinárias, dado que

não se pode aferir sequer a efetiva duração do trabalho no caso

concreto.441

A regra geral, no Direito brasileiro, é que são controladas as

jornadas laborativas do empregado. E isso é lógico, à medida que

incide em benefício do empregador um amplo conjunto de

prerrogativas autorizadoras de sua direção, fiscalização e controle

sobre a prestação de serviços contratada (art. 2º, caput, CLT). Nesse

quadro, presume-se que tal poder de direção, fiscalização e controle

manifestar-se-á cotidianamente, ao longo da prestação laboral, quer no

440

Vale esclarecer que, apesar de muitos Autores utilizarem as expressões jornadas “controladas” e “não controladas”, como o faz, por exemplo, Mauricio Godinho Delgado na sua obra “Curso de Direito do Trabalho”, optamos pela utilização dos termos “controláveis” e “não controláveis”, vez entendermos que o regime jurídico especial conferido pelo artigo 62, inciso I, da CLT leva em consideração à impossibilidade de controle da jornada de trabalho (isto é, a características da jornada não ser controlável) e não simples faculdade do empregador em controlar ou não controlar a jornada desenvolvida pelo obreiro. 441

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 872.

230

tocante à sua qualidade, quer no tocante à sua intensidade, quer no

tocante à sua frequência.442

A ordem jurídica reconhece que a aferição de uma efetiva jornada de

trabalho cumprida pelo empregado supõe um mínimo de fiscalização e

controle por parte do empregador sobre a prestação concreta dos

serviços ou sobre o período de disponibilidade perante a empresa. O

critério é estritamente prático: trabalho não fiscalizado nem

minimamente controlado é insuscetível de proporcionar a aferição da

prestação (ou não) de horas extraordinárias pelo trabalhador. Nesse

quadro, as jornadas não controladas não ensejam cálculo de horas

extraordinárias, dado que não se pode aferir sequer a efetiva prestação

da jornada padrão incidente sobre o caso concreto.443

Quanto à previsão normativa, em caráter de exceção, de jornada não

controlável, a CLT prevê duas hipóteses específicas no seu artigo 62 da CLT, quais

sejam: a hipótese de “empregados que exercem atividade externa incompatíveis com a

fixação de horário de trabalho” e a situação dos daqueles exercentes de cargo de

confiança e, mais especificamente, “os gerentes, assim considerados os exercentes de

cargos de gestão, aos quais se equiparam ... os diretores e chefes de departamento ou

filial”, afastando tais empregados do regime de “Duração do Trabalho” fixado no

Capítulo II do Título II da CLT (compreendendo os artigos 57 a 75). Vale transcrição

do artigo 62 da CLT:

CLT. Art. 62. Não são abrangidos pelo regime previsto neste

Capítulo:

I- os empregados que exercem atividade externa incompatível com a

fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na

Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de

empregados;

II- os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão,

aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os

diretores e chefes de departamento ou filial.

Parágrafo único. O regime previsto neste Capítulo será aplicável aos

empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário

do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se

houve, for inferir ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de

40%(quarenta por cento).

442

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p. 873. 443

Ibidem, p. 874.

231

Como já reiterado no decorrer desta tese, o foco da pesquisa em

desenvolvimento tem como objeto o inciso I do artigo 62 da CLT, sendo certo que a

breve descrição das características da normatização pátria a respeito da duração do

trabalho serve para realização de análise global do objeto da pesquisa, apresentando-se

o contexto onde se situa o objeto específico da pesquisa.

1.1 A Lei 12.619/12 e a jornada de trabalho do motorista rodoviário

Em 30 de abril de 2012 fora publicada a Lei 12.619, que dispõe sobre o

exercício da profissão de motorista, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho em

vários de seus dispositivos, inclusive e principalmente para regular e disciplinar a

jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional, bem como

acrescentando disposições ao Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). A Lei

12.619/12 não possui especificação no que tange a período de vacância, havendo,

assim, de se aplicar os termos do artigo 1º do Decreto-Lei 4.657/42444

(também

conhecido como Lei de Introdução ao Código Civil), motivo pelo qual o início de

vigência da lei inicia-se em 45(quarenta e cinco dias) a contar da data de sua

publicação (30 de abril de 2012).

Encontram-se submetidos à Lei 12.619/12, conforme seu artigo 1º, os

motoristas profissionais de veículos automotores cuja condução exija formação

profissional (cujo exercício da profissão é livre, desde que atendidas as condições e

qualificações profissionais445

estabelecidas na própria Lei 12.619/12, reiterando os

termos do artigo 5, XIII446

, da Constituição Federal) e que exerçam a atividade

mediante vínculo empregatício, seja no transporte rodoviário de passageiros, seja no

444

Decreto-Lei 4.657/42. Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País, 45(quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”). 445

Algumas dessas condições para o exercício de atividade laboral de motorista para transporte de passageiros e de cargas encontram-se no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), como se verifica, por exemplo, do artigo 145 do referido Código (que exige condições para a habilitação necessária ao transporte coletivo e passageiros e de produtos perigosos). 446

Constituição Federal. “Art. 5º... XIII- é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”

232

transporte de cargas, enquadrando-se o “empregado motorista rodoviário com

atividade laboral eminentemente externa”, que é objeto desta tese, à aplicabilidade da

lei sob análise.

O artigo 2º da Lei 12.619/12 assegura direitos aos motoristas profissionais,

como acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional,

atendimento profilático, terapêutico e reabilitador, especialmente em relação às

enfermidades que mais os acometam, não responder perante o empregador por

prejuízo patrimonial decorrente da ação de terceiro, ressalvado o dolo ou a desídia do

motorista no cumprimento de suas funções, e receber proteção estatal contra ações

criminosas que lhes sejam dirigidas no efetivo exercício da profissão.

Acrescenta a referida Lei os artigos 235-A a 235-H, dando origem ao

Capítulo III-A (“Da condução de veículos por motoristas profissionais”) do Título III

(“ Das normas especiais de Tutela do Trabalho”) da Consolidação das Leis do

Trabalho, além lhe acrescentar o parágrafo 5º ao seu artigo 71447

.

Também alterado fora o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97),

acrescentando-lhe os artigos 67-A a 67-C (que tratam de regras sobre o tempo de direção

dos motoristas profissionais rodoviários), o parágrafo único ao seu artigo 145 (impondo,

como requisito para habilitação necessária à condução coletiva de passageiros, de escolares,

de emergência ou de produto perigoso, a participação em curso especializado nos termos da

normatização do CONTRAN), o inciso XXIII ao seu artigo 230 (considerando infração

gravíssima o desrespeito à regra da proibição do motorista profissional, no exercício de seu

labor, dirigir por mais de 4(quatro) horas ininterruptas, à exceção de situações extraordinárias

em que tal limite pode ser prorrogado por até 1(uma) hora).

Especificamente no que tange à jornada de trabalho do motorista

rodoviário, determina a lei que:

447

O artigo 71, parágrafo 5º, da CLT prevê a possibilidade do intervalos intrajornada de que trata o seu caput e e parágrafo 1º sejam fracionados quando compreendido entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais do trabalho a que são submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores e fracionados ao final de cada viagem, não descontados da jornada.

233

a) a jornada diária de trabalho será estabelecida na Constituição Federal ou mediante

instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho, conforme artigo 235-A,

acrescido pela Lei em comento. Obviamente que, sob pena de inconstitucionalidade

(frente ao disposto no artigo 7º, XIII e XIV, da Constituição Federal), o instrumento

produto da negociação coletiva de trabalho não poderá aumentar a jornada laboral

normal além daquela fixada constitucionalmente, estando autorizado somente a reduzi-

la. No mais, como regra, mantém-se como jornada normal dos motoristas aquela

prevista no artigo 7º, XIII, da Constituição Federal (não superior a oito horas diárias e

quarenta e quatro horas semanais), salvo hipótese de regime de compensação de

horários e turno ininterrupto de revezamento (artigo 7º, XIV, da Constituição Federal);

b) a prorrogação da jornada de trabalho é limitada a 2(duas) horas extras diárias,

conforme recém-inserido artigo 235-C, parágrafo 1º, da CLT, que deverão ser

indenizadas com o adicional constitucional ou aquele pactuado em negociação coletiva

(art. 235-C, §4º, da CLT), salvo compensação de horas de trabalho que somente

poderá ser estabelecida através de instrumento coletivo (afastando-se a possibilidade

de fixação da compensação através acordo individual expresso ou tático) na forma do

artigo 235-C, §6º, da CLT, e caso de força maior, quando a duração da jornada poderá

ser elevada pelo tempo necessário para sair da situação extraordinária e chegar a um

local seguro ou ao seu destino, conforme artigo 235-E, §9º, da CLT;

c) a limitação do conceito de “período em que o empregado esteja à disposição do

empregador, aguardando ou executando ordens” previsto no artigo 4º, caput,da

CLT448

, excluindo do mesmo o intervalo para refeição (o que já ocorria na forma do

artigo 71,§2º, da CLT449

), repouso, espera e descanso;

d) criação de momentos específicos de exercício da atividade do motorista, quais

sejam:

448

CLT. Art. 4º. “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada...” 449

CLT. Art. 71...§2º. “Os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho.”

234

“tempo de direção”: que, na forma do artigo 67-A do Código de Trânsito Brasileiro,

introduzido pela Lei 12.619/12, é o período em que o motorista está efetivamente ao

volante de um veículo em curso entre a origem e seu destino. Esse tempo não poderá

ser superior a 4(quatro) horas, salvo situações excepcionais que não comprometam a

segurança rodoviária, quando então tal limite pode se prorrogar por mais 1(uma) hora;

“Intervalo entre tempos de direção”: conforme §1º do artigo 67-A do Código de

Trânsito Brasileiro e artigo 235-D, I, da CLT, deverá o motorista gozar de intervalo

mínimo de 30(trinta) minutos de descanso a cada 4(quatro) horas de tempo de direção,

sendo facultado o fracionamento do tempo de direção e do intevalo de descanso, desde

que não completadas 4(quatro) horas contínuas no exercício da condução. Tais

intervalos não serão considerados como tempo à disposição do empregador;

“Intervalo para refeição e descanso”: conforme artigo 235-D, II, da CLT, deverá o

motorista gozar de intervalo intrajornada para refeição de 1(uma) hora, que, conforme

§5º do artigo 71 da CLT, poderão ser fracionados em intervalos menores ao final de

cada viagem, não descontados da jornada. Não ocorrendo o fracionamento, o intervalo

para refeição não será considerado como tempo à disposição do empregador, conforme

artigo 235-C, §2º, da CLT;

“Tempo de Espera”: são, conforme artigo 235-C, §8º, da CLT, as horas que

excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de

cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou

destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou

alfandegárias. Tal tempo de espera não é computado como horas extras, sendo

indenizado, na forma do artigo 235-C, §9º, com base no salário-normal acrescido de

30%(trinta por cento);

“Tempo de reserva”: trata-se, conforme artigo 235-E, §6º, da CLT, do tempo que

exceder a jornada normal de trabalho em que o motorista estiver em repouso no

veículo em movimento, quando o empregador adotar revezamento de motoristas

trabalhando em dupla no mesmo veículo. O “tempo de reserva” será remunerado à

razão de 30%(trinta por cento) da hora normal;

235

“Tempo no interior de veículo transportado”: é o período de tempo em que o

motorista tem que acompanhar o veículo transportado por qualquer meio onde ele siga

embarcado. Caso a embarcação disponha de alojamento para o gozo do intervalo de

repouso diário previsto no artigo 235-C, §3º, da CLT (intervalo no importe de

11(onze) horas a cada 24(vinte e quatro) horas), o “tempo no interior do veículo

transportado” não será considerado como jornada de trabalho, a não ser que exceda às

11(onze) horas de que trata o artigo 235-C, §3º, da CLT.

d) Possibilidade de manutenção de sistema de 12(doze) horas de trabalho por 36(trinta

e seis) horas de descanso, desde que haja previsão em instrumento coletivo, em razão

da especificidade do transporte, da sazonalidade ou de característica que o justifique,

conforme artigo 235-F da CLT;

e) Na forma do artigo 2º, V, da Lei 12.619/12, é direito dos motoristas profissionais ter

a jornada de trabalho e o tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo

empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de

trabalho externo, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do

empregador. A inclusão de “meios eletrônicos” como meio idôneo de controle da

jornada de trabalho é resultado não só da mudança de regime de visibilidade, como

também dos termos do parágrafo único do artigo 6º da CLT (introduzido pela Lei

12.551/11) que formalizou o uso de “meios telemáticos e informatizados” no exercício

da fiscalização e do controle das atividades laborais, equiparando-os “aos meios

pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Trataremos,

no item “10” deste Capítulo IV, da relação entre os sistemas AVL e o artigo 2º, V, da

Lei 12.619/2012.

2 Análise histórica do enunciado prescritivo constante do inciso I do artigo 62 da

CLT

Quando do início de vigência da Consolidação das Leis do Trabalho

(Decreto-Lei no. 5.452, de 1º de maio de 1943) tinha originalmente o artigo 62 a

seguinte redação:

236

CLT. Art. 62. Não se compreendem no regime deste Capítulo:

a) os vendedores pracistas, os viajantes e os que exercerem, em geral,

funções de serviço externo não subordinado a horário, devendo tal

condição ser, explicitamente, referida na carteira profissional e no

livro de registo de empregados, ficando-lhes de qualquer modo

assegurado o repouso semanal;

b) os vigias, cujo horário, entretanto, não deverá exceder de dez horas,

e que não estarão obrigados à prestação de outros serviços, ficando-

lhes, ainda, assegurado o descanso semanal;

c) os gerentes, assim considerados os que investidos de mandato, em

forma legal, exerçam encargos de gestão, e, pelo padrão mais elevado

de vencimentos, só diferenciem aos demais empregados, ficando-lhes,

entretanto, assegurado o descanso semanal;

d) os que trabalham nos serviços de estiva e nos de capatazia nos

portos sujeitos a regime especial.

Em 17 de maio de 1985 foi publicada a Lei Federal Ordinária 7.313/85, que

suprimiu a original alínea “b” da redação original, determinando a renumeração das

demais alíneas do dispositivo que, então, passou a ter a seguinte redação:

CLT. Art. 62. Não se compreendem no regime deste Capítulo:

a) os vendedores pracistas, os viajantes e os que exercerem, em geral,

funções de serviço externo não subordinado a horário, devendo tal

condição ser, explicitamente, referida na carteira profissional e no

livro de registo de empregados, ficando-lhes de qualquer modo

assegurado o repouso semanal;

b) os gerentes, assim considerados os que investidos de mandato, em

forma legal, exerçam encargos de gestão, e, pelo padrão mais elevado

de vencimentos, só diferenciem aos demais empregados, ficando-lhes,

entretanto, assegurado o descanso semanal;

c) os que trabalham nos serviços de estiva e nos de capatazia nos

portos sujeitos a regime especial.

237

Em 27 de dezembro de 1994 foi publicada a Lei Federal Ordinária 8.966/94

que, revogando a redação anterior do artigo 62 da CLT, inaugurou nova redação, com

o seguinte conteúdo:

CLT. Art. 62. Não são abrangidos pelo regime previsto neste

Capítulo:

I- os empregados que exercem atividade externa incompatível com a

fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na

Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de

empregados;

II- os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão,

aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os

diretores e chefes de departamento ou filial.

Parágrafo único. O regime previsto neste Capítulo será aplicável aos

empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário

do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se

houver, for inferir ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de

40%(quarenta por cento).

Do quanto acima exposto, importante é a constatação de que o não

enquadramento dos “trabalhadores externos” no regime jurídico de controle de jornada

de trabalho e pagamento de horas extraordinárias sempre fez parte do conteúdo do

artigo 62 da CLT, desde o seu nascedouro, a despeito das modificações legislativas

realizadas em 1985 e 1994, havendo, no entanto, com a redação lavrada pela Lei

8.966/94, a qualificação da atividade externa como “incompatível com a fixação de

horário” em substituição à anterior expressão “não subordinado a horário”.

A modificação do qualificativo do trabalho externo para efeito de não

enquadramento no regime jurídico de horas extras (de “não subordinado a horário”

para “incompatível com a fixação de horário”) gerou uma maior vinculação ao

“regime de visibilidade”. Mais especificamente, por “não subordinado a horário”

podemos compreender situação em que, independentemente do motivo, a jornada de

trabalho do empregado não é controlada pelo empregador, ainda que fosse esta

238

controlável, fiscalizável, considerando-se como “direito potestativo”450

do empregador

a decisão de controlar ou não a jornada de trabalho. Nessa qualificação histórica do

“trabalhador externo”, a possibilidade ou impossibilidade de fiscalização e controle da

jornada de trabalho não é uma referência para o enquadramento do caso concreto ao

dispositivo legal de exceção. Já sob o manto do adjetivo “incompatível com o controle

de jornada”, o foco do enquadramento normativo afasta-se do exercício de mero

direito potestativo do empregador e passa a ser a possibilidade ou impossibilidade

fática do empregador fiscalizar e controlar a jornada realizada externamente pelo

empregado, daí a absoluta necessidade de compatibilidade do conteúdo normativo com

o regime de visibilidade (valor incidente) cultuado pela sociedade no momento da

subsunção normativa.

3 A elasticidade semântica do enunciado contido no artigo 62, I, da CLT e as

hipóteses interpretativas

Como afirma Gregorio Robles, o texto jurídico é um texto prescritivo, o que

significa, sobretudo, que o texto jurídico está dotado, como uma totalidade, de uma

função pragmática determinada que o converte num conjunto de mensagens, cujo

sentido intrínseco é dirigir, é orientar, é regular as ações humanas451

. Assim, não se

poderia iniciar o procedimento de interpretação do artigo 62, I, da CLT, senão através

de sua análise gramatical que tem a característica de ser ponto de início da atividade

interpretativa, valendo transcrição do pensamento de Tercio Sampaio Ferraz Junior

sobre tal técnica interpretativa:

Quando se enfrenta uma questão léxica, a doutrina costuma falar em

interpretação gramatical. Parte-se do pressuposto de que a ordem das

palavras e o modo como elas estão conectadas são importantes para

obter-se o correto significado da norma. Assim, dúvidas podem existir

quando a norma conecta substantivos e adjetivos ou usa pronomes

450

A expressão “direito potestativo” é aqui tratada sob o conceito de direito subjetivo sobre o qual não cabe contestação, caracterizando-se como prerrogativa jurídica de impor a outrem, unilateralmente, a sujeição ao seu exercício. 451

ROBLES, Gegorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Tradução de Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 29.

239

relativos. Ao valer-se da língua natural, o legislador está sujeito a

equivocidades que, por não existirem nessas línguas regras de rigor

(como na ciência), produzem perplexidades... É óbvio que as

exigências gramaticais da língua, por si, não resolvem essas dúvidas.

A análise das conexões léxicas, por uma interpretação dita gramatical,

não se reduz, pois, a meras regras da concordância, mas exige regras

de decidibilidade... No fundo, pois, a chamada interpretação

gramatical tem na análise léxica apenas um instrumento para mostrar e

demonstrar o problema, não para resolvê-lo452

.

Procedendo-se à técnica gramatical de interpretação do enunciado

prescritivo constante do inciso I do artigo 62 da CLT (CLT. Art. 62. Não são abrangidos

pelo regime previsto neste Capítulo: os empregados que exercem atividade externa

incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na

Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;), explorando-se, em

especial, a pluralidade semântica dos termos “incompatível” e “fixação de horário de

trabalho” extraem-se as seguintes hipóteses interpretativas:

a) Estão afastados do direito à percepção de eventuais horas extraordinárias e adicional

noturno todos os empregados que exercem atividade externamente (fora do território

físico do estabelecimento do empregador) e não se encontram submetidos a controle

de horário, independentemente da possibilidade ou não de efetivo controle de jornada,

vez que, em relação à atividade externa, a realização de fiscalização da jornada de

trabalho é faculdade do Empregador;

b) Estão afastados do direito de percepção de eventuais horas extraordinárias e

adicional noturno todos os empregados que exercem atividade externamente (fora do

território físico do estabelecimento do empregador), sem que haja a possibilidade

concreta do empregador realizar, in loco (isto é, fisicamente, através da interação

direta entre a imagem real do ambiente de trabalho e o órgão da visão do Empregador

452

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p. 289-290.

240

ou de preposto seu) e a qualquer momento, a fiscalização da atividade laboral

desempenhada pelo Empregado;

c) Estão afastados do direito de percepção de eventuais horas extraordinárias e

adicional noturno todos os empregados que exercem atividade externamente (fora do

território físico do estabelecimento do empregador), sem que haja a possibilidade

concreta do Empregador realizar, a qualquer momento, in loco (isto é, fisicamente,

através da interação direta entre a imagem real do ambiente de trabalho e o órgão da

visão do Empregador ou de preposto seu) ou através de sistemas que ofereçam “espaço

ampliado” que permitam não só a identificação do empregado no exercício de sua

atividade laboral, como também a verificação da qualidade e da quantidade do serviço,

a transmissão de ordens e a verificação do cumprimento de ordens.

Apresentadas as hipóteses interpretativas do dispositivo em análise, é de se

apreciar cada uma dessas hipóteses frente às demais técnicas e princípios

interpretativos.

4 Da relação entre a norma jurídica oriunda do artigo 62, I, da CLT e os Direitos

Fundamentais contidos no artigo 7º, IX e XVI, da Constituição Federal

Como concluído no item 2.4.2 do Capítulo I desta tese, são Direitos

Fundamentais de Segunda Geração não só os direitos trabalhistas mínimos contidos

nos incisos do artigo 7º da Constituição Federal, como também as demais normas

jurídicas que regulam os direitos mínimos dos trabalhadores na relação de emprego

constantes da legislação infraconstitucional. Tem-se, pois, que a norma jurídica

contida no artigo 7º, XVI, da Constituição Federal453

, que assegura como direito de

todos os trabalhadores a percepção de horas extras (com um adicional de, no mínimo,

cinquenta por cento) na hipótese de prestação labora em excesso ao módulo 453

Constituição Federal. Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XVI- remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;”

241

diário/semanal normal, é um Direito Fundamental, possuindo, por corolário, as

características de universalidade, indivisibilidade e interdependência, historiciedade e

unidade, bem como se submete às técnicas de interpretação típicas de tal gênero de

normas jurídicas.

Dentre as limitações no procedimento de interpretação de enunciados

prescritivos introdutores de Direitos Fundamentais, já concluímos, na alínea “a” do

item 2.4.3 do Capítulo I desta tese, que se deve “excluir hipóteses interpretativas que

criem limitação subjetiva à aplicabilidade da norma jurídica, destinando a aplicação da

norma jurídica somente a determinados sujeitos, excluindo a aplicação sobre outros

sujeitos que se encontrem na mesma situação objetiva”, garantindo-se, dessa forma, a

“universalidade” do direito fundamental.

Ora, o fato objetivo gerador do direito de percepção de horas extras ( que,

na verdade, é o antecedente454

da norma jurídica contida no artigo 7º, XVI, da

Constituição Federal) é a prestação de atividade laboral em excesso (em quantidade

superior aos limites legais tidos como “normais”), sendo, a priori, equivocado o

afastamento de tal Direito Fundamental a determinados sujeitos que, objetivamente,

praticaram o antecedente da norma jurídica sob análise. Merece igual raciocínio a

norma jurídica contida no artigo 7º, IX, da Constituição Federal455

, que assegura o

direito a adicional noturno.

O artigo 62, I, da CLT, ao prever o afastamento dos Empregados que

“exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalhos” do regime

jurídico do Capítulo II (“Da duração do trabalho”) do Título I (“Das normas gerais de tutela

do trabalho”) da Consolidação das Leis do Trabalho, que contém os artigos 57 a 75, cria

exceção à universalidade dos Direitos Fundamentais à percepção de horas extraordinárias(art.

7º, XVI, da Constituição Federal) e de adicional noturno (art. 7º, IX, da Constituição Federal),

vez que os artigos 58 a 61 e 73, de aplicabilidade afastada na hipótese do artigo 62, I, da CLT,

454

Sobre o conceito de “antecedente da norma jurídica”, remete-se o Leitor ao item “1” do Capítulo I desta tese. 455

Constituição Federal. Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ...IX- remuneração do trabalho noturno superior à do noturno;”

242

referem-se, respectivamente, ao regime de jornadas normal e extraordinária e ao trabalho

noturno, respectivamente.

O enunciado prescritivo contido no artigo 62, I, da CLT enquadra-se na classe dos

“textos legais infraconstitucionais introdutores de normas jurídicas limitadoras da aplicação

objetiva de Direitos Fundamentais”, razão pela qual, como já demonstrado no item 2.4.3 do

Capítulo I desta tese, frente à universalidade e à busca da máxima efetividade dos Direitos

Fundamentais, deve ser interpretado restritivamente, limitando a idoneidade das hipóteses

interpretativas (surgidas frente à elasticidade semântica do texto normativo) àquelas que

indiquem a não aplicação, num caso concreto específico, de determinado Direito Fundamental

em razão exclusiva de efetiva impossibilidade concreta de verificação quantitativa

(constatação da quantidade) e/ou verificação quantitativa (constatação da qualidade) de fatos

do mundo fenomênico capazes de se enquadrarem no antecedente de uma norma jurídica

introdutora de Direito Fundamental.

Especificamente em relação ao artigo 62, I, da CLT, somente há de se considerar,

para efeito da construção da norma jurídica, hipóteses interpretativas que evidenciem, no

mundo fenomênico, a efetiva impossibilidade de controle da jornada de trabalho (isto é, a

impossibilidade efetiva, em concreto, de verificação quantitativa do fato do fato do mundo

fenomênico no caso, tempo de prestação de atividade laboral no exercício das obrigações

inerentes à relação de emprego – que preenche o antecedente da norma jurídica introdutora do

Direito Fundamental de percepção de horas extras). Fixamos, assim, entendimento de que

qualquer norma jurídica construída a partir do enunciado prescritivo do artigo 62, I, da CLT

que se baseie em hipótese interpretativa que não se enquadre como idônea (na forma acima

apontada) será materialmente inconstitucional.

5 Das hipóteses interpretativas do artigo 62, I, da CLT frente ao princípio in

dubio pro operario

Como já concluído na alínea “c” do item 4 do Capítulo I desta tese, o

enunciado prescritivo contido no artigo 62, I, da CLT enquadra-se à classe dos

enunciados prescritivos de Direito do Trabalho, motivo pelo qual à interpretação do

mesmo devem incidir os princípios interpretativos típicos do Direito do Trabalho,

especialmente o princípio in dubio pro operario.

243

Portanto, frente às várias hipóteses interpretativas que podem ser extraídas

do artigo 62, I, da CLT, cujo rol se encontra no item “3” deste Capítulo IV da tese,

deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador que, in casu, é a

hipótese interpretativa “c” do item 3 deste Capítulo (isto é, estão afastados do direito de

percepção de eventuais horas extraordinárias e adicional noturno todos os empregados que exercem

atividade externamente (fora do território físico do estabelecimento do empregador), sem que haja a

possibilidade concreta do Empregador realizar, a qualquer momento, in loco (isto é, fisicamente,

através da interação direta entre a imagem real do ambiente de trabalho e o órgão da visão do

Empregador ou de preposto seu) ou através de sistemas que ofereçam “espaço ampliado” que

permitam não só a identificação do Empregado no exercício de sua atividade laboral, como também a

verificação da qualidade e da quantidade do serviço, a transmissão de ordens e a verificação do

cumprimento de ordens), vez que se trata da hipótese mais restritiva à limitação de

aplicabilidade das normas jurídicas geradoras de direitos à percepção de horas extras e

de adicional noturno.

6 Da natureza jurídica do poder empregatício e a interpretação do artigo 62, I, da

CLT

Na forma do raciocínio desenvolvido no item “1.2” do Capítulo II desta

tese, frente à uma Constituição que impõe a dignidade da pessoa humana e os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado (art. 1º, III e IV,

da Constituição Federal), que fixa como objetivos fundamentais do Estado a

construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, a erradicação da pobreza e da

marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III, da

Constituição Federal) e exige que a ordem econômica seja fundada na valorização do

trabalho humano juntamente com a livre iniciativa, observando, entre outros

princípios, a função social da propriedade e a redução das desigualdades regionais e

sociais (art. 170, caput e incisos III e VII, da Constituição Federal), não há como se

conceber a existência de poder empregatício que garanta a exclusividade de imposição

de vontade de somente uma das partes da relação jurídica de emprego para que a

referida parte privilegiada, no exercício de seu exclusivo interesse, escolha os efeitos

jurídicos a serem alcançados na manutenção da relação de emprego (daí a

244

impossibilidade de se admitir as teorias do direito potestativo e do direito subjetivo).

Também absolutamente contraditória com o texto constitucional a concepção de poder

empregatício que viabilizasse a relação empregador-empregado sob enfoque de

propriedade ou senhorio (não se admitindo, pois, a teoria do status jurídico).

Assim, frente às exigências do arcabouço constitucional vigente no Estado

brasileiro, somente as teorias do direito-função e da relação jurídica complexa são

capazes de prosperar como viáveis, motivo pelo qual, na interpretação do enunciado

prescritivo contido no artigo 62, I, da CLT, serão tais teorias consideradas na

valoração da distribuição de deveres e obrigações das partes da relação jurídica

empregatícia.

Aplicando-se o raciocínio acima exposto frente às hipóteses interpretativas

do artigo 62, I, da CLT elencadas no item “3” deste Capítulo IV, não há como se

admitir a prevalência da hipótese interpretativa descrita na letra “a” do citado item

(Estão afastados do direito à percepção de eventuais horas extraordinárias e adicional noturno

todos os empregados que exercem atividade externamente -fora do território físico do

estabelecimento do empregador- e não se encontram submetidos a controle de horário,

independentemente da possibilidade ou não de efetivo controle de jornada, vez que, em

relação à atividade externa, a realização de fiscalização da jornada de trabalho é faculdade do

Empregador), vez que baseada na teoria do poder empregatício como direito potestativo

que, como já apreciamos, incompatibiliza-se com o arcabouço Constitucional

brasileiro.

7 Aplicação do princípio da unidade do Direito Positivo. Necessidade de

interpretação do inciso I do artigo 62 da CLT frente ao conteúdo das demais

normas jurídicas vigentes

Já tivemos a oportunidade de, em estudo anterior já publicado456, afirmar

que o direito positivo é um sistema, um conjunto de elementos que se inter-relacionam

456

HERMIDA, Denis Domingues. As normas de proteção mínima da integridade física do trabalhador – e a sua proteção nos direitos individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.

245

e se harmonizam em razão de uma determinada referência, de um determinado valor.

Analisado como um sistema, o Direito Positivo abrange, como elementos

constitutivos, as normas jurídicas que se inter-relacionam não só pelo aspecto formal,

ante a obediência às regras de construção normativa, como também pelo aspecto

material, ante o respeito à regra da hierarquia das fontes do direito, onde aparece,

como suprema, a Constituição Federal457, conforme princípio da supremacia da

Constituição458.

E são exatamente essas necessárias interrelação e harmonização que nos

impedem de realizar uma interpretação levando em consideração tão somente o

aspecto gramatical do texto normativo, tão somente a letra crua e isolada do texto

normativo459. Frente a tais fundamentos, e na forma do princípio interpretativo da

unidade da Constituição460, passamos a fazer uma análise sistemática dos termos do

inciso I do artigo 62 da Constituição Federal, levando em consideração não só as

normas constitucionais como também as normas infraconstitucionais de potencial

influência na atividade interpretativa do citado dispositivo ante o tema do mesmo.

7.1 Os “Valores Sociais do Trabalho” e a “Dignidade da Pessoa Humana” como

fundamentos da República Federativa do Brasil e, consequentemente, das normas

jurídicas vigentes

Determina o artigo 1º da Constituição Federal que “A República Federativa

do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

457

HERMIDA, Denis Domingues. As normas de proteção mínima da integridade física do trabalhador – e a sua proteção nos direitos individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 176.

458

Determina o princípio da supremacia da Constituição que, pelo fato da Constituição ser a norma superior do ordenamento jurídico, não se dá conteúdo à Constituição a partir das leis, mas destas a partir da Constituição. A forma a ser adotada para a descrição de conceitos deve operar sempre “de cima para baixo”, o que serve para dar efetiva segurança às conceituações jurídicas. 459

HERMIDA, Denis Domingues. Op. Cit., p. 176. 460

Por princípio da Unidade da Constituição entende-se a obrigação do intérprete de considerar a Constituição na sua globalidade e de procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Trata-se de uma consequência de uma visão sistêmica das normas constitucionais, em que todas elas são elementos de um mesmo sistema, harmonizando-se e se inter-relacionando.

246

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III – a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa;...”.

Não se pode deixar de destacar a importância da “dignidade da pessoa

humana” e dos “valores sociais do trabalho” na estrutura constitucional do Estado

brasileiro, definido como Estado Democrático de Direito pelo artigo 1º acima

transcrito parcialmente, que aponta tais institutos como uns dos fundamentos da

República Federativa do Brasil. A qualidade de “fundamento” do Estado brasileiro

somente pode, verdadeiramente, ser valorizada quando buscamos o real significado do

termo “fundamento” que, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é “base,

alicerce, razões em que se funda, razão, motivo”461. Assim, não há como se admitir,

seja política, seja juridicamente, qualquer ato jurídico462 praticado no Brasil que não

cumpra o requisito de reconhecer e proteger a dignidade da pessoa humana e os

valores sociais do trabalho e, partindo-se do princípio de que o funcionamento estatal

não depende exclusivamente dos atos da administração pública, todos os atos dos

cidadãos, em especial os caracterizados pela intersubjetividade (onde age o Direito),

devem, da mesma forma, zelar pela dignidade da pessoa humana e pelos valores

sociais do trabalho463. É de se acrescentar que a Constituição Federal, no caput de seu

461

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª edição, 1993, p. 413.

462

Sobre o conceito de ato jurídico, Marcos Bernardes de Mello afirma existirem os conceitos lato sensu e stricto sensu de ato jurídico, aquele como sendo “o fato jurídico cujo suporte fático tenha como cerne uma exteriorização consciente da vontade, dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não-proibido e possível” e este (stricto sensu) como “fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fático manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitos jurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das relações jurídicas respectivas (Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 115 e 135). Custódio da Piedade Ubaldino Miranda esclarece que quando se falar em ato jurídico sem qualquer outra designação complementar, tanto se pode querer significar uma simples atuação da vontade, um comportamento de que resultam certos efeitos jurídicos por exclusiva obra da lei, ainda que o seu autor os não tenha querido ou previsto, como se pode querer significar o negócio jurídico, que consiste numa declaração que exterioriza um certo conteúdo de vontade e mediante a qual o seu autor se propõe obter determinados efeitos que a lei dota de juridicidade (Cf. MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. São Paulo: Atlas, 1991, p. 21-22). Esclarece-se também que nesse trabalho utilizados o termo ato jurídico tanto como ato jurídico lato sensu quanto como ato jurídico stricto sensu ou negócio jurídico, envolvendo não só os atos de particulares, como também os estatais, inclusive aqueles referentes à produção normativa. 463

HERMIDA, Denis Domingues. As normas de proteção mínima da integridade física do trabalhador – e a sua proteção nos direitos individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 41 e 42.

247

artigo 170, abaixo transcrito, insere a “valorização do trabalho humano”, juntamente

com a “livre iniciativa” como fundamentos da ordem econômica nacional.

CF/88. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do

trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social...

E, assim, claro que tais fundamentos são valores que devem ser

considerados na interpretação dos enunciados prescritivos vigentes no direito positivo

brasileiro. Passamos a seguir, de forma específica, a apreciar a dignidade da pessoa

humana e os valores sociais do trabalho, encontrando, de forma objetiva, o

significado de cada um deles para posterior aplicação na interpretação do atual

enunciado do artigo 62, I, da CLT.

7.1.1 A Dignidade da Pessoa Humana

Em nossa pesquisa intitulada “O direito à vida como limitação material à

negociação coletiva de trabalho” desenvolvida em sede de mestrado e publicada sob o

título “As normas de proteção mínima da integridade física do trabalhador – e a sua

proteção nos direitos individual e coletivo do trabalho”464, já desenvolvemos estudo

buscando o significado de tal princípio e a sua aplicabilidade interpretativa, apontando

a seguir os dados por nós coletados e as conclusões resultantes.

A inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana nas Constituições é

tendência que tomou força no período pós-Segunda Guerra Mundial como forma de

responder às atrocidades nazistas que até hoje marcam a consciência humana,

reconhecendo o ser humano como o centro e o fim do direito. Essa informação

histórica é bastante relevante para constatarmos que a proteção da dignidade da pessoa

humana surge como uma resposta ao estigma da destruição humana patrocinada pelo

nazismo, que influenciará a conceituação do princípio em discussão. Ganha vulto no

mundo a importância da pessoa humana – expressão que melhor evoca os valores

464

HERMIDA, Denis Domingues. As normas de proteção mínima da integridade física do trabalhador – e a sua proteção nos direitos individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.

248

éticos de que os temos indivíduo, cidadão, homem – como categoria filosófica porque

muitas vezes é o próprio valor do ser humano que está sendo posto em causa. Assim, a

pessoa humana é hoje considerada como o mais notável, senão raiz, de todos os

valores, devendo por isso mesmo e dentro de uma visão antropocêntrica, ser o objetivo

final da norma jurídica, ser a base do Direito, revelando, assim, critério essencial para

conferir legitimidade a toda ordem jurídica465.

Se de um lado é incontestável a importância da dignidade da pessoa

humana, de outro há que se destacar a abstração que circunda o conceito desse

instituto, principalmente porque o artigo 1º da CF/88, a despeito de introduzi-lo como

fundamento do Estado brasileiro, não apresenta o seu conceito, deixando ao intérprete

essa função. Aliás, esse modelo de omissão é adotado pelos Constituintes de vários

Estados. Para tal constatação, basta leitura do artigo 3º da Constituição da República

Italiana (“Tutti cittadini hanno pari dignitá sociale e sono eguali davante allá

lege...”466), do artigo 1º da Constituição da República Portuguesa (“Portugal é uma

República soberana, baseada, entre outros valores, na dignidade da pessoa humana e

na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e

solidária”), do artigo 1º, item 1, da Constituição Alemã (“Die würde des Menschen ist

unantastbar. Si zu achten und zu scützen is verpflichtung aller staalichen Gewalt”467) e

do artigo 1ª, item 1, da Constituição Espanhola (“La dignidad de la persona, los

derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrolo de la personalidad, el

respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de

la paz sociale”468).

465

FAGUNDES JÚNIOR, José Cabral Pereira. Limites da ciência e o respeito à dignidade humana. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 271 .

466

Tradução nossa: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são protegidos perante a lei...”. 467

Tradução nossa: “A dignidade do ser humano é intangível. Todos os poderes públicos têm a obrigação de a respeitar e a proteger.” 468

Tradução nossa: “a dignidade da pessoa humana, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito pela lei e pelos direitos dos outros são fundamentos da ordem política e da paz social.”

249

Nesse sentido, cabe ao intérprete da Constituição a busca do real conteúdo

do princípio da dignidade da pessoa humana, não sendo fácil tal missão ante a

polissemia da expressão. Fernando Ferreira dos Santos apresenta a existência de

3(três) concepções da dignidade da pessoa humana: o individualismo, o

transpersonalismo e o personalismo, com as seguintes características469:

- o individualismo, que se caracteriza pelo entendimento de que cada homem,

cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos.

Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo. Trata-se de uma concepção liberalista

(individualismo burguês), onde os direitos fundamentais seriam inatos e anteriores ao

próprio Estado e impostos como limites à atividade estatal. Por essa concepção,

interpretar-se-á a lei com o fim de salvaguardar a autonomia do indivíduo,

preservando-o da autonomia do Poder Público. Num conflito entre o Indivíduo e o

Estado, privilegia-se o indivíduo.

- o transpersonalismo, que é uma concepção oposta ao individualismo, defendendo que

é realizando o bem de todos que se salvaguardam os interesses individuais. Inexistindo

harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo, devem prosperar,

sempre, os valores coletivos. Nega-se, por essa concepção, a pessoa humana como

valor supremo e tem como conseqüência a tendência de, na interpretação do direito,

limitar-se a liberdade em favor da igualdade470.

- o personalismo, que rejeita as concepções individualista e coletivista, negando a

espontaneidade da harmonia entre indivíduo e sociedade. Busca a compatibilização

entre valores individuais e valores coletivos, partindo da distinção entre indivíduo e

pessoa. Se no individualismo exalta-se o homem abstrato, típico do liberalismo-

burguês, no personalismo, o indivíduo “não é apenas uma parte. Como uma pedra-de-

469

SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 2001. Disponível em: <http://jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 22.jun. 2002.

470

Idem.

250

edifício no todo, ele é, não obstante, uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em

sentido amplo – o que uma unidade coletiva jamais pode ser”471.

Importante, nesse momento, apontarmos uma modificação na nossa forma

de conceber o princípio da dignidade da pessoa humana. Mais especificamente,

quando da apresentação de nossa dissertação472 de mestrado junto ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu da PUC/SP, em fevereiro de 2006, entendíamos por uma

concepção de dignidade da pessoa humana concentrada no “individualismo”, como se

verifica do trecho abaixo transcrito, extraído da citada dissertação:

A despeito de opiniões diversas, entendemos que a concepção

individualista é a que melhor se compatibiliza com a dignidade da

pessoa humana prevista na CF/88. Manoel Gonçalves Ferreira Filho

relaciona a dignidade da pessoa humana como o reconhecimento de

que, para o direito constitucional brasileiro, a pessoa humana tem uma

dignidade própria e constitui um valor em si mesmo, que não pode ser

sacrificado a qualquer interesse coletivo473

.

Nesse sentido, o conceito de dignidade da pessoa humana aproxima-

se do direito que cada indivíduo tem de alcançar a própria

“felicidade”, não de simplesmente existir, mas de lhe ser garantida a

busca por uma existência feliz, como explica Luiz Alberto David

Araujo:

A vida em sociedade objetiva deve permitir que os indivíduos

encontrem sua felicidade, seu bem-estar. E, no caso do transexual, a

felicidade só poderá ser conquistada com a cirurgia para a mudança de

sexo, caso seja de seu interesse. Ao analisar os pedidos, portanto, o

Poder Judiciário deve interpretar a Constituição, conforme os

princípios constitucionais, especialmente o fundamento do Estado

Democrático de direito, que tem como objetivo assegurar a dignidade

da pessoa humana.474

471

SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 2001. Disponível em: <http://jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 22.jun. 2002.

472

HERMIDA, Denis Domingues. O direito à vida como limitação material à negociação coletiva de trabalho. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Dissertação de mestrado apresentada à banca examinadora em 16 de fevereiro de 2006, sob orientação da Dra. Carla Tereza Martins Romar.

473

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição do Brasil. Volume I. São Paulo: Saraiva, 1990, p.19.

474

ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.105.

251

Neste momento, em especial frente ao aprofundamento no estudo da Teoria

Tridimensional do Direito, entendemos a concepção “personalista” como a mais

adequada à caracterização da dignidade da pessoa humana. Expliquemos: a dignidade

da pessoa humana enquadra-se, na forma da Teoria Tridimensional, como um “valor”,

sendo que este não tem a sua raiz única e exclusivamente na individualidade exclusiva

de cada ser humano, mas na coletividade. É a interação entre os interesses individuais

e os coletivos que, em última instância, fixa os “valores” que, juntamente com o fato e

a norma, constituirão a experiência jurídica em sua completude. Nesse sentido,

vincular-se um “valor” única e exclusivamente a um interesse individual exclusivo

seria efetivo equívoco, devendo-se construir o conceito de “dignidade da pessoa

humana” a partir da composição entre o individual e o coletivo. Nesse

desenvolvimento do raciocínio, vale transcrição de trecho de estudo realizado por

Viviane Machado de Paiva que, apreciando o princípio da dignidade da pessoa

humana frente ao personalismo destacado por Miguel Reale, conclui que:

É a dignidade que faz do homem um ser acima das coisas, dotado

de consciência racional e moral. Sendo assim, o Estado não pode se

colocar no mesmo plano que o indivíduo, nem limitá-lo aos mesmos

direitos e obrigações. Pois, “o dever resulta da necessidade de dar-se

significação prática ao exercício de um outro direito”475

. Nesse

sentido, o Estado existe em função das pessoas e não as pessoas em

função do Estado. (...)Pelas inúmeras dúvidas que surgem ao tentar-se

individualizar ou coletivizar a essência da dignidade humana é que

Miguel Reale constata a existência de três concepções, quais sejam, o

individualismo, transpersonalismo e personalismo.(...) Na última

concepção, o personalismo, a que melhor se encaixa em nosso

ordenamento jurídico, não existe uma preponderância entre o

indivíduo e o coletivo, e sim o reconhecimento do valor da pessoa

humana. “O indivíduo deve ceder ao todo, até e enquanto não seja

ferido o valor da pessoal, ou seja, a plenitude do homem enquanto

homem”476

. O que vale ressaltar, nesta concepção, é que não existe o

melhor para uma coletividade e nem para um indivíduo sozinho, mas

sim, o valor do indivíduo como pessoa fazendo tudo para uma vida

harmoniosa consigo mesma e com o próximo.

Com tudo isso, chega-se à conclusão que o importante é a

satisfação humana e que “todo ser dotado de vida é indivíduo, isto é:

475

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p.276. 476

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 279.

252

algo que não se pode dividir, sob pena de deixar de ser”477

. Sendo

assim, o que prevalece é o livre arbítrio que cada indivíduo tem para

saber até onde os direitos do outro não excedem os seus próprios

limites. Pois, a própria dignidade humana é a limitação da vontade.478

7.1.2 Os “Valores Sociais do Trabalho” e a “Valorização do Trabalho Humano”

Como já apontado anteriormente, a valorização do trabalho é identificada

pela Constituição Federal precipuamente em 2(dois) panoramas:

- como fundamento do Estado brasileiro (art. 1º, IV, da CF/88) sob um enfoque social

caracterizado pela expressão “valores sociais do trabalho” e vinculado à necessidade

de composição com os valores da “livre iniciativa”;

- como fundamento da ordem econômica brasileira (art. 170, caput, da CF/88) sob

enfoque individual fundado na expressão “valorização do trabalho humano”.

Nosso foco é tornar, no máximo possível, objetivo o conteúdo desses

valores constitucionais, facilitando a sua aplicação no processo interpretativo-

normativo principalmente em relação ao dispositivo legal que discutimos na presente

pesquisa: o artigo 62, I, da CLT.

Partimos, a fim de alcançar o objetivo traçado, da relação entre “trabalho” e

“ser humano”, abeberando-nos nos ensinamentos de Orlando Teixeira da Costa no

sentido de que o Homem, defrontando-se com a natureza, conseguiu dominá-la para,

aproveitando-se da mesma, alcançar a sua subsistência e a satisfação de suas

necessidades, sendo que essa atividade de domínio do homem sobre a natureza é que

se constitui o “trabalho”. O trabalho, portanto, não passa de uma forma de dominação:

a dominação do homem sobre a natureza. Essa atividade humana importa no dispêndio

de energias e, consequentemente, em cansaço. Para amenizá-lo, o homem associou o

seu esforço ao de outros animais e constatou que de todos os seres vivos aquele que

mais lhe oferecia vantagens no trabalho era o seu semelhante, porque dispunha de 477

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p.194.

478

PAIVA, Viviane Machado de. A dignidade da pessoa humana. 2007. Disponível em:<www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=405>. Acesso em: 08.out. 2011.

253

raciocínio, daí ter concebido uma estrutura social de dominação para poder satisfazer

às suas necessidades sem o dispêndio de energias próprias, que seriam supridas pela

subjugação de outros homens, e foi nessa manifestação mais primitiva do trabalho

subordinado que se encontra entranhada a etimologia da palavra “trabalho”, oriunda da

raiz latina trabs, trabis, que designava a trave ou carga que se impunha aos escravos

para obrigá-los ao serviço. Os povos mais ligados ao regime da escravidão buscaram

na raiz trabs, trabis, a denominação para o trabalho. Outros povos que associaram

mais freqüentemente a atividade humana à força de animais irracionais, como o

cavalo, o jumento ou o boi, optaram por outra raiz latina – labor, laboris – associada

às atividades nobres, daí labour, em inglês, e lavoro, em italiano479.

Com o advento do cristianismo, portador de mensagem doutrinária de

respeito à dignidade da pessoa humana e de fraternidade universal, começou um lento

processo de aniquilamento da escravidão, apesar dela ter persistido e até se

incrementado com os descobrimentos marítimos. Evoluída a civilização, a

Organização Internacional do Trabalho, através das Convenções 29/1930 e 105/1957 e

das Recomendações 36/1930 e 136/1970, reprimiu o trabalho forçado, principalmente

pela citada Convenção 136/1970, que obrigou os Estados ratificadores a não fazerem

uso de nenhuma forma de trabalho forçado. Assim, hoje a escravidão é

internacionalmente condenada480.

Nos países em que a escravidão foi sendo aniquilada em razão dos escravos

adquirirem aos poucos a qualidade de “pessoa” e, consequentemente, a capacidade de

serem sujeitos de relações jurídicas, surgiu um novo regime de trabalho: a servidão,

caracterizada pela vinculação do servo à terra, não podendo dela ser desapossado, nem

abandoná-la. A condição de servo é hereditária, isto é, determinada pelo nascimento e

se transmite de geração em geração, sujeitando-se os servos aos poderes econômico e

479

COSTA, Orlando Teixeira da. O direito do trabalho na sociedade moderna. São Paulo:Ltr, 1998, p.15. 480

Idem, p. 16 e 17.

254

político do senhor feudal, sendo aqueles uma fonte de rendimento e uma reserva

militar deste481.

Nos meados da Idade Média Européia ocorre a transição para o trabalho

livre no âmbito das corporações de ofício, quando, então, o Homem trabalhador, que

até então trabalhava com exclusividade para o senhor da terra, passa a exercer sua

atividade profissional de forma organizada através de grêmios ou corporações

medievais, que associavam trabalhadores por conta própria e empresários de

trabalhadores por conta alheia, livres. Nesse sistema, a relação de trabalho não se

estabelece entre o trabalhador e o grêmio, mas entre o empresário e o trabalhador,

ambos componentes do grêmio. Com o tempo, as relações de trabalho individual nas

corporações transcenderam para os tipos coletivos de regulamentação, o que ocorreu

por meio do estabelecimento de uma hierarquia profissional e da instituição da

aprendizagem. O contrato de aprendizagem gremial conferia fortes poderes

disciplinares ao mestre sobre o aprendiz. A duração da aprendizagem era longa e, uma

vez concluída, o aprendiz alcançava o grau imediatamente superior, que era o de

oficial, e assim ocorrendo sucessivamente até alcançar o último escalão, que era o de

mestre, somente adquirido depois de rigoroso exame de aptidão482.

A corporação caracterizava-se como um grupo social auto-regulamentado,

vez que estabelecia a própria regulamentação das condições de trabalho. A

regulamentação, entretanto, era baixada pelo mestre e dela não participavam os

oficiais e muito menos os aprendizes. Com o passar do tempo, o caráter autônomo da

regulamentação vai perdendo consistência, à medida que se passa a exigir a sua

aprovação por órgãos públicos. A luta entre as corporações pela garantia de privilégios

levou esses organismos à crise que acabou por extingui-los483. Descreve, ainda,

Orlando Teixeira da Costa, que a gênese mais próxima da atual forma de trabalho

regulada pelo Direito do Trabalho decorreu da invenção da máquina, a ferramenta que

481

COSTA, Orlando Teixeira da. O direito do trabalho na sociedade moderna. São Paulo:Ltr, 1998, p.17. 482

Idem. 483

Idem.

255

era utilizada pelo trabalhador foi substituída pela máquina, daí decorrendo a

concentração dos meios de produção. Ao mesmo tempo em que se operava essa

mudança, a produção aumentava e barateava, desestimulando as atividades meramente

artesanais, o que resultou na privação dos instrumentos de trabalho dos antigos

artesões, pois o custo da maquinaria só se tornou acessível a quem podia dispor de

capital vultoso. Concomitantemente, os proprietários das máquinas só puderam operá-

las recrutando mão-de-obra indispensável. Como, entretanto, essa mão de obra era

abundante, a contratação passou a ser feita preço vil, vez que sujeita às leis da oferta e

da procura, em que o trabalho humano é visto como uma mercadoria. As condições e

os locais de trabalho eram os piores possíveis, o que implicava verdadeira afronta à

dignidade da pessoa humana do trabalhador e, com isso, o nível de vida do obreiro

reduziu-se a níveis nunca antes atingidos. A tudo isso o Estado assistia impassível,

como mero espectador encarregado de manter a ordem quando necessário, pois o seu

papel resumia-se a garantir o livre exercício da economia segundo os padrões liberais

vigentes à época484.

Havia a necessidade de proporcionar uma acomodação, em face da ausência

do Estado para resolver a chamada questão social emergente. Tal processo de

acomodação foi operado pelos próprios interessados, mediante a adoção de

procedimentos negociais capazes de solucionar o conflito existente em termos

razoáveis, e foi dessas negociações que resultaram as primitivas formas de pactuação

laboral coletiva, que acabaram por criar as primeiras normas jurídicas genuinamente

trabalhista, vez que aplicáveis a quem prestasse trabalho subordinado ou a quem o

recrutasse, daí surgindo o Direito do Trabalho. Com isso, estabeleceu-se um modus

vivendi amparado por um preceito ético, que era a melhoria das condições de vida dos

trabalhadores; uma preocupação, caracterizada pela proteção jurídica daqueles que se

apresentavam numa posição extremamente desvantajosa no contexto de uma relação; e

por uma técnica, consubstanciada na superação relativa da inferioridade econômica do

trabalhador, ante a superioridade econômica do patrão, por meio de uma forma de

484

COSTA, Orlando Teixeira da. O direito do trabalho na sociedade moderna. São Paulo:Ltr, 1998, p.18.

256

compensação jurídica, que acabou por esboçar a função essencial do Estado junto às

relações de trabalho485.

É de se afirmar, frente à observação da realidade fática que nos aparece no

mundo atual, que a obtenção dos recursos econômicos necessários para o indivíduo

garantir a sua subsistência, bem como alcançar os seus mais diversos objetivos

materiais, ordinariamente tem como origem: o exercício pelo indivíduo de atividade

econômica em caráter individual ou em sociedade (isto é, sendo detentor dos meios de

produção), a prática de atividade laboral em caráter autônomo, sem vínculo

empregatício (em que, apesar de não ser o indivíduo detentor dos meios de produção,

não há o preenchimento dos requisitos para a caracterização de relação jurídica

empregatícia) ou a manutenção de vínculo empregatício486. O que levará determinado

indivíduo a percorrer uma dessas alternativas de obtenção de recursos materiais serão,

entre outros, as oportunidades que lhe forem oferecidas, a vocação que lhe é inata ou

até mesmo a condição financeira a que se expõe. Tem-se, portanto, que,

independentemente de qualquer caráter enobrecedor do trabalho, o que leva o

indivíduo à sua prática é a necessidade de subsistência, de angariar recursos materiais

que, na sociedade atual, são absolutamente necessários não só à manutenção de sua

existência, mas também ao alcance de uma vida digna.

É esse mesmo trabalho, em especial aquele realizado como objeto de uma

relação jurídica empregatícia (que é a espécie de relação em que se foca esta pesquisa),

que pode ser, em razão da própria subordinação que o caracteriza, instrumento de

afronta à dignidade da pessoa humana do trabalhador. Isso porque, frente ao princípio

da livre iniciativa487 (que também é um dos fundamentos do Estado e da ordem

485

COSTA, Orlando Teixeira da. O direito do trabalho na sociedade moderna. São Paulo:Ltr, 1998, p. 18 e 19. 486

Vínculo de emprego ou relação jurídica empregatícia são aqui considerados, na forma dos artigos 2o e 3o da CLT, como espécie do gênero relação de trabalho e corresponde à prestação de serviço subordinado por uma determinada pessoa, sendo tal elemento (subordinação) indissociável da relação de emprego, não se podendo esquecer dos demais requisitos para a sua formação, isto é, a habitualidade na prestação da atividade laboral, a necessária pessoalidade no exercício das atividades inerentes à relação, além da remuneração. 487

Livre iniciativa é aqui conceituada como a faculdade, daquele que pretende desenvolver ou já desenvolve uma atividade econômica, de não só escolher a atividade a ser realizada, como também de organizar essa atividade da forma que melhor lhe aprouver, obedecendo, é claro, os limites normativos impostos pelo direito pátrio, com o fito de alcançar os melhores resultados possíveis. A livre iniciativa não é absoluta, mas relativa,

257

econômica brasileiros, conforme artigos 1º, IV, e 170, caput, ambos da Constituição

Federal), cabe ao empregador a determinação do processo de trabalho, isto é, o

conjunto de atos praticados com o objetivo de se realizar determinada tarefa, processo

esse que se desenvolve num posto de trabalho(local onde o trabalhador executa a sua

tarefa, bem como os componentes que formam a estrutura física do local e com os

quais os obreiros interagem diretamente) mediante uma determinada organização do

trabalho (forma pela qual o trabalho é distribuído no tempo e a maneira pela qual a

prestação laboral deve ser executada, definindo-se quem faz o quê, como, quando,

onde e em que condições físicas, organizacionais e gerenciais), oferece ao trabalhador

certa condição de trabalho (são as condições físicas, químicas, biológicas e sociais a

que estão expostos os trabalhadores durante o processo do trabalho, em razão de uma

determinada organização do trabalho) e uma condição econômica (que é a resultante

da contraprestação econômica do empregador frente à atividade laboral prestada pelo

empregado num determinado lapso de tempo).

Ora, apresentados os conhecimentos preliminares referentes à natureza do

“trabalho”, formas de sua realização e a livre iniciativa como instrumento de fixação

do processo de trabalho dirigido ao empregado, sentimo-nos preparados para buscar o

sentido das expressões constitucionais “valores sociais do trabalho” e “valorização do

trabalho humano”, iniciando-se pela análise semântica que, por óbvio, não pode deixar

de apreciar o conteúdo das palavras “valor” e “valorização”.

Constam, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa488, como

significados possíveis do suporte físico “valor”, dentre outros: “recebimento ou paga

em bens, serviços ou dinheiro por algo trocado”, “quantidade monetária equivalente a

no sentido de que demais normas jurídicas limitam a extensão dessa liberdade, como, por exemplo, as normas de natureza trabalhista que garantem condições mínimas ao empregado no contrato de trabalho (dentre elas as constantes do artigo 7º da Constituição Federal), a necessária “valorização do trabalho humano” (conforme caput do artigo 170 da Constituição Federal que, inclusive, eleva à mesma condição de fundamentos da ordem econômica a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, demonstrando efetivo objetivo do Constituinte em impor, na seara empresarial e trabalhista, uma efetiva harmonização entre esses dois valores que, a priori, poderiam se mostrar diametralmente opostos) e a imposição de que sejam respeitados os “valores sociais do trabalho” (que, conforme artigo 1º, IV, da Constituição Federal é um dos fundamentos do Estado brasileiro, também num mesmo grau de importância da “livre iniciativa”). 488

DICIONÁRIO HOAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Versão eletrônica. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm>. Acesso em: 09.out. 2011.

258

uma mercadoria, em função de sua capacidade de ser negociada no mercado”, “

qualidade que confere a um objeto material a natureza de bem econômico, em

decorrência de satisfazer necessidades humanas e ser trocável por outros bens”, “

medida variável de importância que se atribui a um objeto ou serviço necessário aos

desígnios humanos e que, embora condicione o seu preço monetário, frequentemente

não lhe é idêntico”, “ determinação quantitativa obtida através de cálculo ou

mensuração”, “qualidade humana de natureza física, intelectual ou moral, que desperta

admiração ou respeito”, “reconhecimento, de um ponto de vista afetivo, da

importância ou da necessidade (de algo ou alguém)”. E, o termo “valorização”,

segundo a mesma edição, tem como significado “ato de valorizar”.

Frente ao próprio princípio da unidade da Constituição, não devemos, no

ato de interpretação de dispositivo constitucional, deixar de levar em consideração os

demais suportes físicos que formam a Constituição Federal e, inclusive, seu

preâmbulo, onde consta:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia

Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado

a assegurar o exercícios dos direitos sociais e individuais, a liberdade,

a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem

interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,

promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da

República Federativa do Brasil.

Mostra-se absolutamente pertinente também, em razão da temática, a

apreciação da valorização do trabalho sob a égide dos objetivos fundamentais do

Estado brasileiro fixados no artigo 3º, além dos direitos sociais mínimos descritos no

artigo 6º e as necessidades básicas de que trata o artigo 7º, IV, todos da Constituição

Federal:

CF/88. Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil:

I- construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II- garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

259

IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

CF/88. Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma

desta Constituição.”

CF/88. Art. 7º. (...) IV- salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente

unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de

sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,

vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes

periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua

vinculação para qualquer efeito;

Conjugando-se os objetivos do Estado brasileiro com os direitos sociais

mínimos que são, na forma da Constituição, garantidos a todo cidadão, e o próprio

princípio da dignidade da pessoa humana (cujo conteúdo já foi objeto de análise),

podemos extrair algumas conclusões preliminares, quais sejam:

- valorizar o “trabalho humano” é proibição de tratamento de tal atividade como

“coisa”, “como objeto”, afastando-se a condição de “escravização”, bem como

qualquer tipo de tratamento desumano ou degradante à figura do trabalhador,

assegurando-se a integridade física e mental;

- valorizar o “trabalho humano” é reconhecer, de um ponto de vista afetivo, a

importância e a necessidade da atividade laboral exercida pelo indivíduo;

- valorizar o “trabalho humano” é determinar a sua extensão, de forma quantitativa e

qualitativa, através de cálculo ou mensuração, com o fito de contraprestação justa.

Não se duvida que os “valores sociais do trabalho”, a que se refere o

artigo 1º, IV, da Constituição Federal tratam do trabalho humano (agregando-se ao seu

conteúdo o quanto já exposto em relação à “valorização do trabalho humano”) que,

além de dever ser valorizado frente ao indivíduo que o exerce, também deve destinar-

se ao alcance daquilo que a sociedade é capaz de extrair da atividade laboral, dentre

outros:

260

- realização dos direitos sociais mínimos previstos nos artigos 6º e 7º, IV, da

Constituição Federal, a saber: educação, saúde, moradia, lazer, segurança, previdência

social, higiene, alimentação, vestuário e transporte;

- a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, compreendendo-se, nesse

ponto, justiça e solidariedade como proibição de exploração do ser humano, de sua

exposição e utilização como objeto, assim como a imposição de atividade ativa, não só

pelo Poder Publico, mas também por toda a coletividade, no sentido de colaboração

mútua entre todos os membros da sociedade, a fim de se construir a sociedade livre

que a Constituição Federal pretende;

- o desenvolvimento nacional, sendo o trabalho juntamente com o capital as válvulas

propulsoras do desenvolvimento, seja econômico, seja social, da nação brasileira, deles

dependendo a realização do objetivo contido no artigo 3º, II, da Constituição Federal;

- a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das

desigualdades sociais e regionais, o que só pode ser efetivamente realizado através de

uma situação de pleno emprego em todas as regiões do país, com contraprestações

remuneratórias justas e plenas condições de trabalho; e

- promover o bem de todos, que é o principal objetivo do Estado, permitindo que todos

tenham os recursos materiais e sociais necessários ao alcance da própria felicidade.

No que se refere à valorização do trabalho no atual grau de

desenvolvimento de nosso raciocínio, importante é a transcrição do magistério de

Amauri Mascaro Nascimento em sua obra “Direito Contemporâneo do Trabalho”,

onde, analisando os diversos conceitos de justiça, busca apontar aquela que é

objetivada pelo direito do trabalho:

O direito do trabalho tem como fim a realização da justiça. As leis

trabalhistas são justas? Os estudos sobre o conceito de justiça são

antigos (Platão, 427-346 a. C) e sua polêmica com os sofistas a

célebre A República, na qual vincula à maneira como deve ser

organizado o Estado e compreendendo-a em caráter essencialmente

moral como virtude.

Compara o Estado a um organismo animal no qual haverá uma

relação harmônica entre os seus diferentes órgãos, cada qual

261

exercendo a função que lhe compete, sem se intrometer em funções de

outros órgãos. Assim como no indivíduo existem três faculdades – a

inteligência, que esclarece; a vontade, que obra; e os sentimentos, que

obedecem -, no Estado há três classes: os filósofos, que com sua

inteligência são destinados a mandar; os guerreiros, que com a força o

defendem; e os artesões, que devem nutrir o organismo social.

A justiça é compreendida também de outros modos:

a) como virtude específica do social, no qual se destaca a nota da

alteridade, que tem como princípio reitor a igualdade (Aristóteles,

384 – 322 a.C., Ética a Nicômaco) em suas duas espécies: a justiça

distributiva, segundo a qual cada um deve receber na proporção de seu

mérito, com o que igualdade exige proporcionalidade, e a justiça

corretiva ou equiparadora, tanto nas relações entre particulares (justiça

comutativa), com a equivalência de trocas, como na justiça social,

quando o juiz procede a esse tipo de equiparação;

b) como alteridade e igualdade (Santo Tomás de Aquino, 1225-1275),

sendo distributiva a justiça devida pela comunidade aos seus membros

e comutativa aquela em que os particulares se devem entre si;

c) como ideia reguladora permanente de harmonia na conduta social

(Stammler), valor absoluto e universal e ideia transcendente do nível

empírico da experiência, sendo comutativa a justiça de uma

comunidade de homens livres.

(...) Não há uniformidade na ideia de justiça. O direito do trabalho

tenta promover a realização da justiça social. A expressão vem do

jusnaturalismo, para a qual a sua realização leva em conta três

aspectos: as necessidades do trabalhador, as possibilidades do

empregador e o bem comum. O qualificativo social está associado à

imagem da dívida que tem a sociedade para aqueles que são chamados

excluídos e que vivem em nível de pobreza. No direito do trabalho, o

social refere-se aos trabalhadores e aos direitos que devem ter. Se por

justiça individual o que se deve entender é dar a cada um é que é seu,

justiça social é dar aos trabalhadores aquilo que é seu.489

Entendemos que a característica de ter o Direito do Trabalho o objetivo de

realização de “justiça social” no sentido de dar ao trabalhador aquilo que é dele, como

apontado por Amauri Mascaro Nascimento, é extraída da própria necessidade do

Direito do Trabalho (visto como divisão didática da ciência do direito e/ou como parte

específica do Direito Positivo pátrio) ter que cumprir os objetivos fixados ao Estado

brasileiro no artigo 3º da Constituição Federal.

489

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Contemporâneo do Trabalho. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 35 e 36.

262

Temos na “valorização do trabalho” sob o enfoque de determinação da sua

extensão, de forma quantitativa e qualitativa, através de cálculo ou mensuração, com o

fito de contraprestação justa, um elemento absolutamente importante na interpretação

dos enunciados prescritivos típicos do direito do trabalho e, mais especificamente, do

conteúdo do inciso I do artigo 62 da CLT. A proporcionalidade entre a extensão da

atividade laboral desenvolvida (pelo empregado) e a contraprestação remuneratória

(prestada pelo empregador ao empregado) é um dos instrumentos essenciais para

realização, na relação de emprego, da justiça social pretendida constitucionalmente,

daí entendermos que o caráter sinalagmático da relação de emprego é absolutamente

necessário, sob pena de inconstitucionalidade. O caráter sinalagmático da relação de

emprego, no contexto ora apresentado, quer representar não somente a bilateralidade

do negócio jurídico490 que dá origem à relação, mas também à sua comutatividade, no

sentido de que para cada dever de uma parte há uma contraprestação recíproca da

outra. Somente uma efetiva comutatividade entre atividades laborais e

contraprestações dos empregados e dos empregadores é capaz de gerar o cumprimento

da “valorização do trabalho humano” e a consagração dos “valores sociais do

contrato”.

Portanto, frente a várias interpretações possíveis a um determinado

enunciado prescritivo de natureza trabalhista/empregatícia, há de se escolher, para

efetiva aplicação ao caso concreto, somente aquelas que sejam capazes de garantir

efetiva reciprocidade entre os interesses, inclusive e principalmente – frente ao

contexto da presente exposição – econômicos, do empregado e do empregador,

realizando-se efetiva interpretação conforme a Constituição e respeitando os princípios

interpretativos da unidade e da supremacia da Constituição. A respeito do instituto da

“interpretação conforme a Constituição”, vale transcrição dos ensinamentos de Lênio

Luiz Streck e Rui Medeiros:

490 De origem da palavra grega "synnalagmatikos", significa uma relação de obrigação contraída entre duas

partes de comum acordo de vontades, onde cada parte condiciona a sua prestação à contraprestação da outra. Além da bilateralidade, há destaque também para a comutatividade dessa relação, no sentido de efetiva proporcionalidade entre direitos e deveres das partes que caracterizam a relação sinalagmática.

263

A interpretação conforme a Constituição constitui-se em mecanismo

de fundamental importância para a constitucionalização dos textos

normativos infraconstitucionais. A verfassungskonforme Auslegung,

como é denominada na Alemanha, é um princípio constitucional,

justamente em face da força normativa da Constituição, no dizer de

Hesse, para quem, "segundo esse princípio, uma lei não deve ser

declarada nula quando pode ser interpretada em consonância com a

Constituição. Essa consonância existe não só então, quando a lei, sem

a consideração de pontos de vista jurídico-constitucionais, admite uma

interpretação que é compatível com a Constituição. No quadro da

interpretação conforme a Constituição, normas constitucionais são,

portanto, não só normas de exame, mas também normas materiais para

a determinação do conteúdo das leis ordinárias".

Entendo que, alçada à categoria de princípio, a interpretação

conforme a Constituição é mais do que princípio imanente da

Constituição, até porque não há nada mais imanente a um

Constituição do que a obrigação de que todos os textos normativos do

sistema sejam interpretados de acordo com ela. Desse modo, em sendo

um princípio (imanente), os juízes e tribunais não podem (continuar a)

(só)negar a sua aplicação, sob pena de violação da própria

Constituição.491

Veja-se o caso de uma decisão que estenda os direitos de uma

categoria profissional a outra ou que deixe de considerar como

incidente determinada alíquota de imposto; no primeiro caso houve

uma adição de sentido, que tanto pode receber chancela de

interpretação conforme como de uma sentença aditiva; no segundo

caso, houve nulidade, sem a redução do texto, de uma hipótese de

incidência, o que pode configurar uma sentença redutiva. Uma

questão, entretanto, parece indiscutível, qual seja, a de que processo

hermenêutico é sempre produtivo. Quando se adiciona sentido ou se

reduz o sentido (ou a própria incidência de uma norma), estar-se-á

fazendo algo que vai além ou aquém do texto da lei, o que não

significa afirmar que o Tribunal estará legislando. Pelo contrário. Ao

adaptar o texto legal à Constituição, a partir de diversos mecanismos

interpretativos existentes, o juiz ou tribunal estará tão-somente

cumprindo sua tarefa de guardião da constitucionalidade das leis. 492

A supremacia da Constituição, sua força normativa e seu papel de

topos conformador da atividade hermenêutica pode ser entendida,

segundo Medeiros, sob quatro diferentes funções: 1o) uma função de

apoio ou de confirmação de um sentido da norma já sugerido pelos

restantes elementos de interpretação; 2o) uma função de escolha entre

várias soluções que não se mostram incompatíveis com a letra da lei,

servindo para excluir um sentido possível e para optar por um outro

491 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma nova crítica do direito. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2002, p.443. 492

Ibidem, p. 444-445.

264

igualmente compatível com a letra da lei; 3a) uma função de correção

dos sentidos literais possíveis; 4o) uma função de revisão da lei

através da atribuição à Constituição de um peso decisivo e superior

aos demais elementos tradicionais de interpretação”493 494

7.2 A inexistência de exceção constitucional expressa aos termos do artigo 7º,

XVI, da Constituição Federal além da hipótese do parágrafo único do mesmo

artigo 7o

Outro ponto que entendemos absolutamente necessário como condição

prévia para a interpretação do artigo 62, I, da CLT é a constatação de que o texto

constitucional especifica “padrões” para a duração normal de trabalho (conforme art.

7º, XIII e XIV, da CF/88, já transcritos e analisados no item”1” deste capítulo), bem

como “padrão mínimo” para a remuneração do “serviço extraordinário”(lapso de

tempo superior à jornada-padrão tida como “normal” para determinada categoria

profissional) no importe de 50%(cinqüenta por cento) superior ao valor da hora

trabalhada durante a “jornada normal”, como se verifica do inciso XVI do artigo 7º da

Constituição (também já transcrito e analisado no item “1” deste capítulo).

A exceção constitucional à aplicação da regra de que o labor realizado em

sobrejornada (serviço extraordinário) seja remunerado, inclusive, em valor superior ao

do “serviço normal” é taxativamente prevista no parágrafo único do artigo 7º da

Constituição Federal e dirigida exclusivamente à categoria dos trabalhadores

domésticos, como abaixo transcrito:

CF/88. Art. 7º. (...) Parágrafo único. São assegurados à categoria dos

trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI,

VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua

integração à previdência social.495

493

MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica, 2000, p.301. Apud STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 445

. 494

STRECK, Lenio Luiz. Op. Cit., p. 445. 495

É de se observar que o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal limita, do ponto de vista constitucional, os direitos trabalhistas dos empregados domésticos àqueles constantes dos incisos IV, VI, VIII,

265

Muitos argumentariam que não caberia à Constituição Federal traçar

minúcias a respeito de exceções às regras gerais construídas pelo Constituinte,

cabendo tal tarefa ao legislador infraconstitucional na tarefa de regulamentar as

normas constitucionais. No entanto, frente ao quanto já exposto nos itens 7.1.1 e 7.1.2

deste capítulo (incidência necessária do princípio da dignidade da pessoa humana e a

necessária “valorização do trabalho humano” e busca dos “valores sociais do

trabalho”, gerando necessária comutatividade entre as atividades do empregado e a

contraprestação oferecida pelo empregador), entendemos que qualquer exceção

infraconstitucional à regra de direito à percepção de contraprestação pelo empregado

em razão de sobrejornada somente pode se justificar pela extraordinariedade do fato

excetuado. Nesse sentido, vale transcrição dos ensinamentos de Mauricio Godinho

Delgado sobre “jornada não controlada”:

A ordem jurídica reconhece que a aferição de uma efetiva jornada de

trabalho cumprida pelo empregado supõe um mínimo de fiscalização e

controle por parte do empregador sobre a prestação concreta dos

serviços ou sobre o período de disponibilidade perante a empresa. O

critério é estritamente prático: trabalho não fiscalizado nem

minimamente controlado é insuscetível de propiciar a aferição da real

jornada laborada pelo obreiro – por essa razão é insuscetível de

proporcionar a aferição da prestação (ou não) de horas extraordinárias

pelo trabalhador. Nesse quadro, as jornadas não controladas não

ensejam cálculo de horas extraordinárias, dado que não se pode aferir

sequer a efetiva prestação da jornada padrão incidente sobre o caso

concreto.

Critério prático – reconhecido pelo Direito, como síntese de lógica e

sensatez socialmente ajustadas. Não critério de eleição de

discriminação – que seria, de todo modo, inconstitucional (art. 5º,

caput, e 7º, XIII e XVI, CF/88).496

A contrario sensu, inexistindo “extraordinariedade” (caracterizada pela

efetiva impossibilidade de controle da jornada de trabalho, seja por absoluta

impossibilidade física, seja por inexistência de tecnologia de vigilância disponível no

mercado e acessível a todos os empregadores), resta absolutamente inconstitucional

XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, excluindo de tal categoria a “jornada-padrão” do inciso XIII e o direito à percepção pelo serviço extraordinário previsto no inciso XVI. 496

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004, p.874.

266

qualquer exceção prevista em normas infraconstitucionais que afaste do trabalhador o

direito à percepção das horas extras efetivamente laboradas (a não ser na hipótese de

empregado doméstico, a que a própria Constituição Federal destina caráter de

exceção).

8 O atual regime de visibilidade e a sua influência na interpretação do inciso I do

artigo 62 da CLT

Como detalhadamente analisado no Capítulo II desta tese, o avanço

tecnológico impresso principalmente na última década, em especial no que tange aos

sistemas de localização de coisas e pessoas, e à transmissão de dados à distância

através de redes sem fio, criou uma nova forma dos seres humanos verem e serem

vistos, forma essa que conceitualmente denominou-se “espaço ampliado”, que é

caracterizado por representações sob a forma de imagens, sons e até mesmo sensações

táteis, de uma realidade que é fisicamente distante do cidadão comum (isto é, realidade

que lhe seria inatingível naturalmente pela visão), permitindo ao cidadão não só ter

efetivo acesso à essa realidade, como também com ela interagir.

Houve, pois, na sociedade moderna, uma modificação no denominado

“regime de visibilidade”(entendido como forma pela qual “se vê e se é visto” na

sociedade) que, antes, baseava-se exclusivamente no alcance do campo ocular humano

frente a situações fáticas que se encontravam à sua volta, sendo que hoje tal regime se

baseia também em “espaços ampliados”, que não se fundam no espaço físico ou nos

limites do alcance do olho humano, mas, sim, em espaço informacional (que é o

resultado de serviços e tecnologias baseados em localização e transmissão de dados).

Integrando-se tal mudança do “regime de visibilidade” à experiência

jurídica, já fixamos, no item “3” do Capítulo II desta pesquisa, que um “regime de

visibilidade” é próprio de determinada sociedade e de certo “momento histórico”, é um

valor cultuado pela sociedade em realidades factuais que se apresentem e que,

portanto, fazem parte da experiência jurídica, devendo, frente ao princípio da

“Eticidade” (método de incidência, na construção da norma jurídica – que envolve não

267

somente a atividade legislativa de produção de enunciados prescritivos, como também

a atividade de interpretação com vistas à aplicação da norma jurídica ao caso concreto

– de valores incidentes na realidade factual no momento da aplicação da norma

jurídica), incidir sobre os fatos normados gerando a escolha de uma das possibilidades

semânticas do texto normativo interpretado (sendo que tal escolha terá como vertente a

incidência do “valor” ao fato concreto em análise) levando em consideração a sua

“elasticidade semântica”(a sua polissemia, capacidade de um mesmo suporte físico

referir-se a mais de um significado).

A mudança, numa sociedade, do regime de visibilidade é capaz de gerar

“mutação normativa”497 (entendida como modificação do conteúdo de uma norma

jurídica, a despeito da manutenção do enunciado prescritivo – texto legislativo -, e que

tem como principal instrumento a interpretação jurídica) especialmente naquelas

normas cujos elementos baseiam-se na visibilidade. Assim, tendo em vista que a

norma extraível do inciso I do artigo 62 da CLT enquadra-se perfeitamente no

conjunto das “normas cujos elementos se baseiam na visibilidade” (e a expressão

“atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”, que

entendemos ser o principal elemento do texto normativo em análise, não gera dúvida

quanto à essencialidade da “visibilidade” no ato de sua concretização), não há como se

deixar de concluir pela existência de mutação normativa do citado dispositivo.

Mais especificamente, a interpretação da expressão “atividade externa

incompatível com a fixação de horário de trabalho” não pode ser realizada sem levar-

se em consideração o novo “regime de visibilidade” baseado em “espaço ampliado”,

sob pena de incompatibilidade da norma construída com a experiência jurídica

497

O conceito de “mutação normativa” apresentado por nós nesse contexto é uma generalização (com o objetivo de aplicabilidade em qualquer espécie de norma jurídica e não exclusivamente às constitucionais) do instituto da “mutação constitucional” conceituado como nada mais que “as alterações semânticas dos preceitos da Constituição, em decorrência de modificações no prisma histórico-social ou fático-axiológico em que se concretiza a sua aplicação... são decorrentes... da conjugação da peculiaridade da linguagem constitucional, polissêmica e indeterminada, com os fatores externos, de ordem econômica, social e cultural, que a Constituição – pluralista por antonomásia -, intenta regular e que, dialeticamente, interagem com ela, produzindo leituras sempre renovadas das mensagens enviadas pelo constituinte.” (Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 129-130).

268

vivenciada no momento de sua aplicação. Prosseguindo tal raciocínio, uma vez sendo

possível, através de “espaço ampliado”, o controle da atividade laboral realizada

externamente, não há como se cogitar o enquadramento do caso fático à norma de

exceção capsulada no inciso I do artigo 62 da CLT.

Com base no presente raciocínio, não há como prosperar a hipótese

interpretativa descrita sob a letra “b” do item “3” deste Capítulo IV (“Estão afastados do

direito de percepção de eventuais horas extraordinárias e adicional noturno todos os

empregados que exercem atividade externamente -fora do território físico do estabelecimento

do empregador-, sem que haja a possibilidade concreta do Empregador realizar, in loco - isto

é, fisicamente, através da interação direta entre a imagem real do ambiente de trabalho e o

órgão da visão do Empregador ou de preposto seu - e a qualquer momento, a fiscalização da

atividade laboral desempenhada pelo Empregado;”).

É de se acrescentar, ainda, que, sendo possível o “controle da jornada de

trabalho” através de “espaço ampliado”, restaria absolutamente inconstitucional

qualquer conclusão normativa no sentido de se afastar do empregado controlado o seu

direito à percepção de horas extras laboradas, sendo que tal conclusão resulta das

seguintes premissas já descritas e detalhadas no item “7” deste Capítulo:

- frente ao princípio interpretativo da unidade da Constituição e, mais especificamente,

frente à necessária compatibilização do inciso I do artigo 62 da CLT com os “valores

sociais do trabalho”(art. 1º, IV, da CF/88) e com a “valorização do trabalho humano

(art. 170, caput, da CF/88), que, como já vimos, leva-nos à conclusão da absoluta

necessidade de, em regra, a relação jurídica empregatícia ser comutativa (no sentido de

que para cada atividade laboral do empregado deve haver a devida contraprestação

remuneratória do empregador);

- tendo em vista que a Constituição Federal especifica “padrões” para a duração

normal de trabalho (conforme art. 7º, XIII e XIV, da CF/88), bem como “padrão

mínimo” para a remuneração do “serviço extraordinário” (tido como lapso de tempo

superior à jornada padrão tida como “normal” para determinada categoria profissional)

no importe de 50%(cinquenta por cento) superior ao valor da hora trabalhada durante a

269

“jornada normal” (como se verifica do art. 7º, XVI, da CF/88), apontando como única

exceção de inaplicabilidade de tais dispositivos a categoria dos

“domésticos”(conforme art. 7º, parágrafo único, da CF/88) e que somente uma

“extraordinariedade” (no sentido de efetiva impossibilidade de controle da jornada de

trabalho, seja por absoluta impossibilidade física, seja por inexistência de tecnologia

de vigilância disponível no mercado e acessível aos empregadores) seria capaz de

permitir à legislação infraconstitucional criar exceções à percepção de horas extras

além daquela (exceção) prevista constitucionalmente.

No que se refere ao efetivo potencial de exercício de “Poder de Controle”

do empregador em relação à atividade do empregado-motorista rodoviário que labora

externamente, através de sistemas AVL (Automatic Vehicle Location), cujos

conteúdo, funcionamento, acurácia e precisão já foram descritos no Capítulo III desta

tese, vale transcrição das conclusões obtidas na pesquisa de observação direta retratada

no item “6” do Capítulo III:

- Os sistemas AVL à disposição no mercado brasileiro permitem, de forma fidedigna e

precisa, a localização, a qualquer momento, do veículo monitorado com o efetivo

controle do cumprimento de rota pré-determinada. Como se verifica da observação das

ocorrências 2, 12, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27 e 28 descritas no item 6.3

do Capítulo III, o gestor do sistema tem a possibilidade de, a qualquer momento,

verificar a localização do veículo, inclusive com a visualização da localização através

de imagem do GoogleEarth, conforme ocorrências 2, 14, 21, 26 e 28. Além da

informação instantânea quanto à localização presente do veículo, o sistema também

permite ao seu gestor a verificação das posições pretéritas, relacionando-as com os

respectivos momentos, como se verifica das ocorrências 16 (histórico de posições) e

17 (histórico do trajeto);

- Os sistemas AVL à disposição no mercado brasileiro permitem a verificação do

condutor em quaisquer dos momentos da operação, vez que tal verificação pode ser

270

realizada através de imagem fotográfica obtida instantaneamente pelo sistema

(ocorrências 3, 18 e 23 descritas no item 6.3 do Capítulo III), de sons colhidos do

ambiente interno do veículo através do instrumento “escuta” (ocorrência 4) e de

informação colhida a partir da inserção do “cartão de identificação do condutor” no

equipamento embarcado;

- Os sistemas AVL à disposição no mercado brasileiro permitem ao gestor do sistema

manter comunicação com o condutor objetivando a transmissão de ordens. Como se

verifica da ocorrência “9” descrita no item 6.3 do Capítulo III, o sistema permite que o

gestor envie mensagens escritas ao condutor do veículo através do monitor de cristal

líquido embarcado, transmitindo, assim, ordens de como realizar a prestação do

serviço, o que pode ser realizado também através do instrumento “escuta”, descrito na

ocorrência “4”;

- Os sistemas AVL à disposição no mercado brasileiro permitem, de forma objetiva, a

verificação do cumprimento das ordens impostas pelo empregador (gestor do sistema)

ao condutor do veículo (empregado), o que pode ser demonstrado pelos seguintes

fatos: é possível avaliar se o condutor transporta o veículo através da rota pré-

determinada, como se verifica das ocorrências 2, 12, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25,

26, 27 e 28 descritas no item 6.3 do Capítulo III; o gestor pode fixar “cerca

eletrônica”, determinando que o sistema gere alerta na hipótese do condutor

transportar o veículo por espaço não permitido pelo gestor, como se verifica da

ocorrência 13; o sistema permite a verificação da velocidade do veículo a qualquer

momento e, inclusive, gera alerta ao gestor na hipótese da velocidade máxima ser

extrapolada, como se verifica da ocorrência 8, além de que o sistema permite o

“bloqueio” do veículo mediante comando do gestor, o que pode ser realizado, por

exemplo, na hipótese de reiterados descumprimentos de ordens pelo condutor.

Ora, o “Poder de Controle” típico da relação jurídica empregatícia

caracteriza-se como conjunto de prerrogativas do empregador dirigidas a propiciar o

271

acompanhamento contínuo da prestação do trabalho e a própria vigilância efetiva,

vinculando não só o caráter fiscalizatório (acompanhamento contínuo das atividades

do empregado), como também a efetiva capacidade do empregador interagir com o

empregado e coagi-lo no sentido de cumprimento efetivo dos comandos externados498.

Em relação ao “rastreamento e monitoramento” permitidos através de sistemas AVL

(Automatic Vehicle Location), verificam-se:

- efetivo poder de fiscalização das atividades do condutor-empregado, permitindo a

verificação da sua identidade, da sua real localização, dos movimentos realizados e

palavras faladas no interior do veículo, bem como acesso a informações a respeito da

forma como o veículo é conduzido;

- efetivo poder de comunicação entre o empregador e o empregado-condutor durante

todo o período de labor externo, seja através de contatos sonoros, seja através de

mensagens escritas, o que permite não só a transmissão de ordens a qualquer momento

e em tempo real, como também a reprimenda imediata pelo não cumprimento de

eventual ordem exteriorizada;

- efetivo poder de coerção do empregador durante toda a jornada externa, no sentido

de exigência de cumprimento das ordens exteriorizadas pelo empregador. Tal poder de

coerção se baseia, inclusive, na possibilidade de bloqueio automático do veículo

através de simples comando do empregador-gestor do sistema.

Tem-se, portanto, que através dos sistemas AVL disponíveis atualmente no

mercado brasileiro, e de acordo com o atual estado da técnica de tais sistemas, é

absolutamente possível ao empregador controlar a frequência, o cumprimento de

ordens e a qualidade do serviço do empregado-motorista rodoviário com atividade

498

Nesse ponto, afirma Amauri Mascaro Nascimento que “O poder de controle dá ao empregador o direito de fiscalizar o trabalho do empregado. A atividade deste, sendo subordinada e mediante direção do empregador, não é exercitada do modo que o empregado pretende, mas daquele que é imposto pelo empregador. A fiscalização é inerente ao poder diretivo e alcança, desde que razoável, o modo como o trabalho é prestado e o comportamento do trabalhador”. Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 344.

272

externa, não se justificando mais o afastamento do direito a horas extras a essa

categoria de empregados sob fundamento de enquadramento no inciso I do artigo 62

da CLT.

9 A Lei 12.551/2011 e a incorporação expressa do novo regime de visibilidade ao

contrato de trabalho

Como reflexo da evolução tecnológica, em especial das técnicas de

transmissão de dados à distância (telemática), há algum tempo, no plano internacional,

existe a preocupação com a normatização do denominado “trabalho à distância”.

Desponta, nessa esfera, a Convenção 177 da Organização Internacional do Trabalho

(OIT). No plano do Direito Positivo brasileiro, o artigo 6º da Consolidação das Leis do

Trabalho, em sua redação original, equiparava o trabalho realizado no estabelecimento

do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que caracterizada a

relação de emprego, sem se referir a trabalho à distância (que não o realizado no

domicílio do empregado), o que foi modificado pela Lei 12.551/2011, que não só

incluiu o trabalho à distância de forma genérica dentre as formas de prestação na

relação de emprego que se equiparam (juntamente com o trabalho realizado no

estabelecimento do empregador e aquele realizado no domicílio do empregado), como

também formaliza a aplicação de instrumentos baseados na atual tecnologia telemática

nas atividades de comando, controle e supervisão típicos da relação de emprego.

9.1 A Convenção 177 da OIT e as normas internacionais de regulação do trabalho

à distância

A Convenção 177 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), datada

de 04 de junho de 1996 e que não foi ratificada pelo Brasil499

(não tendo, portanto,

499

Até 16 de janeiro de 2012, a Convenção 177 da OIT fora ratificada somente pelos seguintes países: Albânia, Argentina, Bosnia e Herzegovina, Bulgária, Finlândia, Irlanda e Países Baixos. Conforme Site Oficial da OIT na Internet (http://www.ilo.org/ilolex/cgi-lex/convds.pl?C177). Acesso em 16.janeiro.2012.

273

vigência em território brasileiro500

, na forma do “Artigo 12”501

da própria Convenção)

fixa normas sobre trabalho a domicílio tratando não só do conceito de “trabalho a

domicílio”, como também da forma como deve ser tratada, pelos Estados que aderiram

à Convenção, tal modalidade de prestação laboral, destacando-se as seguintes normas:

- o conceito de “trabalho à domicílio”, constante do “Artigo 1” da Convenção, qual

seja: trabalho que uma pessoa, designada como trabalhador a domicílio realiza em seu

domicílio ou em outros locais distintos dos estabelecimentos do empregador, mediante

uma remuneração, com o fim de elaborar produto ou prestar serviço conforme as

especificações do empregador, independentemente de quem proporcione a equipe, os

materiais e outros elementos utilizados pelo empregado, a não ser que essa pessoa

(trabalhador) tenha autonomia e independência econômica necessárias para ser

considerada como trabalhador autônomo em virtude da legislação nacional ou decisões

judiciais.

Tem-se, portanto, que “trabalho à domicílio”, para efeito de aplicação da

Convenção sob exame, não se limita à prestação laboral no domicílio do empregado,

mas inclui também as demais modalidades de prestação laboral fora do

500

A respeito desse tema, é de se transcrever entendimento divergente consubstanciado no Enunciado no. 3, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizado em 23.11.2007 pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - :

3. FONTES DO DIREITO – NORMAS INTERNACIONAIS. I. – FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO. CONVENÇÕES DA OIT NÃO RATIFICADAS PELO BRASIL. O Direito Comparado, segundo o art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, é fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Assim, as Convenções da Organização Internacional do Trabalho não ratificadas pelo Brasil pdoem ser aplicadas como fontes do direito do Trabalho, caso não haja norma de direito interno pátrio regulando a matéria. II- FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO. CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT. On uso das normas internacionais, emanadas da Organização Internacional do Trabalho, constitui-se em importante ferramenta de efetivação do Direito Social e não se restringe à aplicação direta das Convenções ratificadas pelo país. As demais normas da OIT, como as Convenções não ratificadas e as Recomendações, assim como os relatórios dos seus peritos, devem servir como fonte de interpretação da lei nacional e como referência a reforçar decisões judiciais baseadas na legislação doméstica. (Cf. Enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho em 23.11.2007. Disponível em

http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprovados.cfm. Acesso em: 10.fev.2010) 501

“Artigo 12 1. Esta convenção obrigará somente aqueles Membros da Organização Internacional do Trabalho cujas ratificações tenham sido registradas junto ao Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho. 2. Entrará em vigor doze meses após a data em que as ratificações de dois Membros tenham sido registradas pelo Diretor-Geral. 3. Desde o dito momento, esta Convenção entrará em vigor, para cada Membro, doze meses depois da data em que tenha sido registrada sua ratificação.” (tradução nossa)

274

estabelecimento do Empregador, daí que a denominação fixada pela Convenção

(“trabalho à domicílio”) é excessivamente restritiva, enquadrando-se melhor a

denominação genérica “trabalho à distância”, sendo certo que, objetivando manter

fidelidade aos termos da Convenção, utilizaremos, nesta análise, a expressão “trabalho

à domicílio”.

- Na medida do possível, conforme “Artigo 4”, a política a ser adotada por cada

Estado aderente à Convenção em matéria de “trabalho à domicílio” deverá promover a

igualdade entre o trato daqueles que exercem “trabalho à domicílio” e daqueles que

praticam outras modalidades de prestação laboral tipicamente empregatícia, levando

em consideração as características particulares, devendo tal igualdade de tratamento

ser estimulada em particular no que se refere: ao direito dos trabalhadores a domicílio

de constituírem ou se afiliarem a organizações que escolham e de participarem de suas

atividades; à proteção frente à discriminação; à proteção em matéria de seguridade

social e de saúde no trabalho; à remuneração; ao acesso à informação; à idade mínima

de admissão e à proteção à maternidade.

Importante destacar que dentre os pontos de igualdade de tratamento

impostos pela Convenção 177 não se encontra a duração do trabalho, sua limitação e

percepção de remuneração pela prática de jornada extraordinária.

- a política nacional dos Estados aderentes dirigida ao “trabalho à domicílio” deve ser

aplicada, na forma dos “Artigo 5” e “Artigo 6” da Convenção, através de legislação,

convenções coletivas, laudos arbitrais ou qualquer outro meio compatível com a

prática do trato jurídico-laboral do referido Estado, devendo ser tomadas as medidas

cabíveis para a inclusão do “trabalho à domicílio” nas estatísticas sobre condições

laborais.

- a legislação normatizadora do “trabalho à domicílio” adotada pelos Estados aderentes

deverá fixar as responsabilidades dos intermediários de mão-de-obra e dos

empregadores, conforme “Artigo 8”, bem como criar sistema de inspeção para garantia

de cumprimento das normas aplicáveis a tal modalidade laboral, com a aplicação de

sanções nas hipóteses de infrações, como determina o “Artigo 9”.

275

9.2 A modificação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei

12.551/2011

O artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, em sua redação original,

impunha que “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do

empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada

a relação de emprego”.

A Lei 12.551/2011, publicada em 15 de dezembro de 2011 e com início de

vigência na data da publicação, modificou a redação do artigo 6º da Consolidação das

Leis do Trabalho, não só incluindo o trabalho à distância de forma genérica dentre as

formas de prestação na relação de emprego que se equiparam (juntamente com o

trabalho realizado no estabelecimento do empregador e aquele realizado no domicílio

do empregado), como também formalizando a aplicação de instrumentos baseados na

atual tecnologia telemática nas atividades de comando, controle e supervisão típicos da

relação de emprego, passando o citado artigo a ter a seguinte redação:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento

do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado

à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da

relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando,

controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação

jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e

supervisão do trabalho alheio.

Passamos a analisar cada um dos efeitos gerados no Direito Positivo

brasileiro pela nova redação do artigo 6º da CLT.

a) Do enquadramento do “trabalho realizado à distância” dentre as formas de

prestação laboral na relação de emprego que se equiparam

O artigo 6º da CLT, na atual redação, veda a distinção entre trabalho

realizado no estabelecimento do empregador, o realizado no domicílio do empregado e

aquele realizado à distância. No que se refere ao trabalho realizado à distância, tem-se

276

uma conotação genérica, no sentido de abarcar qualquer atividade laboral, realizada

sob os moldes de relação de emprego, cumprida fora do estabelecimento do

empregador (o que incluiria também, mesm se não houvesse a inserção específica no

texto legal, o trabalho realizado no domicílio do empregado). Em realidade, apesar do

Brasil não ter ratificado a Convenção 177 da Organização Internacional do Trabalho

(OIT), introduziu, na prática, em seu sistema jurídico-trabalhista, conteúdo próximo à

redação do “artigo 4” daquela convenção, qual seja:

Artigo 4

1. Na medida do possível, a política nacional em matéria de trabalho

a domicílio deverá promover a igualdade de trato entre os

trabalhadores à domicílio e os outros trabalhadores assalariados,

tendo em conta as características particulares do trabalho a

domicílio e, quando proceda, as condições aplicáveis a um tipo de

trabalho idêntico ou similar efetuado numa empresa.502

A redação imposta pela Lei 12.551/11 trata de forma genérica a vedação de

distinção entre as formas de prestação laboral nos contornos físicos do estabelecimento

do empregador e fora desses limites territoriais. Se no “artigo 4” da Convenção 177 da

OIT é utilizada a expressão relativizadora “na medida do possível”, no texto atual do

caput do artigo 6º celetista não é utilizada qualquer limitação, fazendo-se uso inclusive

da forma imperativa “não se distingue”.

Ora, o verbo “distinguir” tem sentido denotativo de diferenciar-se, separar,

discriminar503

, permitindo-nos conceber, num primeiro momento, a norma sob análise

como a proibição de qualquer diferença no trato jurídico das formas de prestação

laboral, sujeitando-as às mesmas normas jurídicas, conferindo aos seus exercentes os

mesmos direitos e as mesmas obrigações. É certo, entretanto, que tal concepção leva

em conta exclusivamente a redação do caput do dispositivo legal, sem considerar que a

Consolidação das Leis do Trabalho é um sistema (onde todos os seus elementos devem

502

Tradução nossa, a partir do texto em espanhol da referida convenção. 503

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Versão Eletrônica. Disponível em < http://houaiss.uol.com.br/gramatica.jhtm>. Acesso em 16.janeiro.2012.

277

se interrelacionar e harmonizar), vedando a interpretação de um artigo considerando

única e exclusivamente a sua redação e impondo que a interpretação de qualquer um

dos dispositivos seja realizada levando em consideração os demais dispositivos

constantes do diploma legal.

Realizando-se interpretação sistemática do artigo 6º da CLT, há de

confrontar a sua redação com a de outros artigos que também tratam do trabalho à

distância, como o artigo 62, I, da CLT, cujo conteúdo afasta o direito a horas extras de

alguns empregados que realizam atividade laboral externa incompatível com o

controle da jornada de trabalho, resultando-se numa relativização da “proibição de

distinção”, vez que alguns direitos trabalhistas podem ser afastados de exercentes de

determinadas atividades laborais externas aos contornos físicos do estabelecimento do

Empregador.

Se de um lado conclui-se pela relativização da “proibição de distinção”

entre formas de prestação laboral interna e externa, de outro lado é de se observar que

as exceções (que levam à relativização) devem ser consideradas em caráter restrito,

como situações extraordinárias e taxativas, daí afirmarmos que somente há de se

conferirem direitos trabalhistas diferentes entre empregados exercentes de labor

interno (dentro dos contornos físicos do estabelecimento do empregador) e aqueles que

realizam trabalho externo nas estritas hipóteses legais (isto é, impostas por normas

jurídicas específicas), que devem ser interpretadas restritivamente (objetivando-se

conferir distinção somente em situações efetivamente extraordinárias), procedimento

esse que é adotado nesta tese ao interpretar-se restritivamente o artigo 62, I, da CLT504

.

504 Vide item “7.2” do Capítulo IV desta tese, onde consta: “A contrario sensu, inexistindo “extraordinariedade”

(caracterizada pela efetiva impossibilidade de controle da jornada de trabalho, seja por absoluta impossibilidade física, seja por inexistência de tecnologia de vigilância disponível no mercado e acessível a todos os empregadores), resta absolutamente inconstitucional qualquer exceção prevista em normas infraconstitucionais que afaste do trabalhador o direito à percepção das horas extras efetivamente laboradas (a não ser na hipótese de empregado doméstico, a que a própria Constituição Federal destina caráter de exceção)”.

278

b) A introdução formal da tecnologia de transmissão de dados à distância como

instrumento de exercício poder empregatício

Se antes da vigência da Lei 12.551/11 inexistia qualquer impedimento

normativo para que o Empregador se utilizasse dos instrumentos tecnológicos

existentes para o exercício de seu “poder empregatício”, com a atual redação do

parágrafo único do artigo 6º da CLT formalizou-se o uso de “meios telemáticos e

informatizados” no exercício da fiscalização e do controle das atividades laborais,

equiparando-os “aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do

trabalho alheio”.

A mensagem trazida pelo parágrafo único do artigo 6º da CLT é a

atualização do Direito Positivo brasileiro em relação ao novo regime de visibilidade

cultuado pela sociedade contemporânea, que se baseia não exclusivamente no espaço

físico ou nos limites do alcance do olho humano, mas também se funda no espaço

informacional e que é denominado como “espaço ampliado”, conforme exposição

detalhada constante do item “2” do Capítulo II desta tese, que conceituamos como

representações, sob a forma de imagem, sons e até mesmo de sensações táteis, de uma

realidade que é física e naturalmente distante do cidadão comum (isto é, realidade que

lhe seria inatingível naturalmente pela visão e demais órgãos dos sentidos), permitindo

ao cidadão não só ter efetivo acesso à essa realidade, como também com ela interagir

através de instrumentos baseados no atual estado da técnica da tecnologia telemática,

que permitem a transmissão de dados a distâncias ilimitadas (como smartphones,

notebooks equipados com modem de acesso à internet, sistemas “Automatic Vehicle

Location”, entre outros).

A equiparação de “meios telemáticos e informatizados de comando,

controle e supervisão” com “meios pessoais e diretos de comando, controle e

supervisão do trabalho alheio” para “fins de subordinação jurídica” tem como

significado que:

- a apresentação de ordens pelo empregador (comando), bem como a fiscalização

quanto ao seu cumprimento pelo empregado (controle e supervisão) podem ser

279

realizadas tanto através de instrumentos baseados na tecnologia telemática

(transmissão de dados à distância) como de forma fisicamente presencial (como

tradicionalmente sempre se viu);

- a realização de comando, controle e supervisão por meios “telemáticos e

informatizados” gera os mesmos efeitos jurídico-trabalhistas que a realização das

mesmas atividades por meio fisicamente presencial. Assim, o controle da jornada de

trabalho (foco de nosso trabalho) realizada à distância tem o mesmo valor jurídico

daquele realizado “presencialmente”;

- do ponto de vista de imposição e cumprimento de normas jurídicas, as informações

obtidas através de instrumentos baseados na tecnologia “telemática” e “informatizada”

têm as mesmas idoneidade (expressão aqui utilizada no sentido de possuir todas as

qualidades necessárias ao alcance de um determinado fim) e fidedignidade (capacidade

de exprimir a verdade) que as informações obtidas de forma fisicamente presencial,

equiparando-se o “valor probatório” desses métodos de transmissão e recebimento de

informações, inlusive para fins de enquadramento no artigo 2º, V, da Lei 12.619/12;

- como resultado da equiparação entre os meios “tecnológicos” (baseados na

informatização e na telemática) e os meios tradicionais (baseados na observação

físico-presencial) de exercício do poder empregatício, passa o Empregador a ter o

“ônus”505

de se utilizar dos “meios tecnológicos” disponíveis no mercado capazes de

permitir o exercício do poder empregatício à distância, não se justificando a falta do

exercício do poder empregatício por inércia no uso dos “meios tecnológicos” como

meio de afastar a incidência de norma jurídica que concede direito trabalhista ao

Empregado.

Ademais, há absoluta compatibilidade da argumentação ora apresentada

frente os termos do artigo 2º, V, da Lei Ordinária Federal no. 12.619, de 30 de abril de

2012 (que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, alterando, inclusive, a

505

O termo “ônus” é aqui utilizado como “ônus processual”, caracterizado por escolhas feitas pela parte que podem lhe trazer prejuízos, principalmente no que tange ao resultado da demanda (cf. DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 159).

280

CLT para regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista

profissional), abaixo transcrito:

Lei 12.619/12. São direitos dos motoristas profissionais, além

daqueles previstos no Capítulo II do Título II e no Capítulo II do

Título VIII da Constituição Federal: (...)

V- jornada de trabalho e tempo de direção controlados de

maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer-se de

anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho

externo, nos termos do §3º do art. 74 da Consolidação das Leis

do Trabalho-CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no. 5.452, de 1º de

maio de 1943, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos

veículos, a critério do empregador.

10 Dos contornos constitucionais do princípio da livre iniciativa e do ônus do

Empregador (contratante de empregados-motoristas rodoviários de atividade

externa) de instalar sistemas AVL (Automatic Vehicle Location) nos veículos de

sua frota

A Constituição Federal encabeça o instituto da “livre iniciativa” como

fundamento do Estado brasileiro (art. 1º, IV, da CF/88) e como fundamento da ordem

econômica brasileira (art. 170, caput, da CF/88). A doutrina constitucionalista é

uníssona ao fixar o conteúdo da livre iniciativa como a liberdade, estendida a todos os

cidadãos, de exercer livremente qualquer atividade econômica, independentemente de

autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos expressamente previstos em lei506 507.

A livre iniciativa envolve não só a liberdade de exercer determinada atividade

econômica, como também a liberdade de organização dessa atividade (organizando a

cadeia produtiva interna, fixando quem fará o quê e de quê forma para o fim de

alcance do objetivo da atividade, que é, em última instância, o lucro, o aumento de

506

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19ª edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 723. 507

Neste mesmo sentido, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, que apontam a livre iniciativa como liberdade-função de destinar capital para a exploração de uma atividade econômica específica, segundo critérios subjetivamente definidos de organização da produção e livre disposição negocial (Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David; SERRANO JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, p. 465-466).

281

capital). É certo, porém, que a livre iniciativa não é um instituto absoluto, ilimitado,

mas relativo ante a necessidade de efetiva composição com outros comandos

constitucionais (frente aos princípios da unidade da Constituição e harmonização da

normas constitucionais508).

Tanto verdadeira é a assertiva de relatividade da livre iniciativa que a

própria constituição a eleva à condição de fundamento sempre acompanhada de outro

instituto que lhe é absolutamente inibidor. Exemplifiquemos: no artigo 1º, IV, da

Constituição Federal, a livre iniciativa é fundamento do Estado brasileiro juntamente

com os “valores sociais do trabalho”; no artigo 170, caput, da Constituição Federal a

livre iniciativa é elevada a fundamento da ordem econômica brasileira juntamente com

a “valorização do trabalho humano”.

Nesse sentido, a livre iniciativa é relativizada por normas jurídicas,

introduzidas no Direito Positivo brasileiro, que impõem determinadas obrigações

àquele que exerce atividade econômica, fixando, assim, limitações à sua liberdade.

Tais limitações podem estar relacionadas à própria atividade exercida (nas situações

em que norma jurídica impõe, para o exercício de determinada atividade, prévia

autorização executiva), aos instrumentos que compõem a cadeia produtiva (como, por

exemplo, veículos utilizados no exercício da atividade econômica e que transportam

carga ou pessoas, sob determinadas características, devem estar equipados com disco

tacógrafo, como determinam as Resoluções do Contran509 no 14, de 06/02/1988, n

o 87,

de 06/02/1998 e no 92, de 04/05/1999) e também ao cumprimento de normas de

natureza trabalhista (como, por exemplo, a necessária entrega de Equipamentos de

508

Como afirma Celso Ribeiro Bastos, “através do princípio da harmonização se busca conformar as diversas normas ou valores em conflito no texto constitucional, de forma que se evite a necessidade da exclusão (sacrifício) total de um ou alguns deles. Se acaso viesse a prevalecer a desarmonia, no fundo, estaria ocorrendo a não aplicação de uma norma, o que evidentemente é de ser evitado a todo custo. Deve-se sempre preferir que prevaleçam todas as normas, com a efetividade particular de cada uma das regras em face das demais e dos princípios constitucionais... Assim, o postulado da harmonização impõe que a um princípio ou regra constitucional não se deva atribuir um significado tal que resulte ser contraditório com outros princípios ou regras pertencentes à Constituição. Também não se lhe deve atribuir um significado tal que reste incoerente com os demais princípios ou regras”. Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editor, p. 106.

509 Conselho Nacional de Trânsito, cuja competência é fixada pelo artigo 12 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei

9.502/97), incluindo-se o poder de “XI - aprovar, complementar ou alterar os dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito;

282

Proteção Individual aos empregados e a fiscalização de seu efetivo uso na forma do

artigo 166 da CLT).

Em relação à instalação de sistema AVL (Automatic Vehicle Location) em

veículos pertencentes à frota (própria ou agregada510), conduzidos por empregados

seus, justificamos a existência de ônus511 do empregador nesse sentido, sob os

seguintes argumentos:

a) uma vez demonstrado no Capítulo III desta tese que através dos sistemas AVL

disponíveis atualmente no mercado brasileiro, e de acordo com o atual estado da

técnica de tais sistemas, é absolutamente possível ao empregador controlar a

freqüência, o cumprimento de ordens e a qualidade do serviço do empregado-

motorista rodoviário com atividade externa, não se justifica mais o afastamento do

direito a horas extras a essa categoria de empregados sob fundamento de

enquadramento no inciso I do artigo 62 da CLT, incluindo-se tais empregados no

regime geral de percepção de horas extras previsto na CLT.

b) o artigo 74, parágrafo 2º, da CLT, abaixo-transcrito, determina que a prova da

jornada de trabalho é eminentemente documental, pré-constituída, especialmente para

os empregadores com mais de dez empregados. Tal prova pré-constituída é

corporificada pela anotação obrigatória da hora de entrada e de saída, em registro

manual, mecânico ou eletrônico, na forma de instruções expedidas pelo Ministério do

Trabalho e Emprego, cabendo ao empregador o encargo não só de produzir tais

documentos, como também de mantê-los sob guarda para efetivo uso probatório.

CLT. Art. 74. (...)§2o Para os estabelecimentos de mais de dez

trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de

saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme

instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo

haver pré-assinalação do período de repouso.

510

O termo “agregado” é aqui utilizado no sentido de procedimento comum em empresas de transporte rodoviário de integrar na sua frota veículos pertencentes a terceiras pessoas, que passam a ser utilizados para o efetivo exercício da atividade econômica da empresa que os agrega. 511

O termo “ônus” é aqui utilizado como “ônus processual”, caracterizado por escolhas feitas pela parte que podem lhe trazer prejuízos, principalmente no que tange ao resultado da demanda (cf. DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 159)

283

Sobre o artigo em exame, vale transcrição do magistério de Arnaldo

Süssekind:

O registro da permanência dos empregados em livro de ponto, fichas

ou sistemas eletrônicos tem por finalidade, no interesse dos

contratantes, a comprovação do tempo que aqueles ficaram à

disposição do empregador: início e fim da jornada e do

correspondente intervalo. Aliás, nos estabelecimentos com mais de

dez empregados é obrigatória a adoção de controle da observância do

horário de trabalho, seja através desses livros, de registros mecânicos

ou eletrônicos (§2º do art. 74 da CLT). Se o empregador não mantiver

tais livros ou registros, estará infringindo norma legal de ordem

pública, que o sujeitará a penalidade de natureza administrativa,

aplicável pelo Ministério do Trabalho. E estará, igualmente,

dificultando a prova, pelos empregados, de eventuais prestações de

trabalho extraordinário. A obrigatoriedade da instituição de

mecanismos de controle do horário de trabalho visa, portanto, a

proteger o empregado. Daí o Enunciado no. 338 do TST...512

Assim, não contando o empregador com sistemas AVL instalados em

veículos de sua frota conduzidos por empregados seus, estará o mesmo deixando de

exercer, por negligência sua, a fiscalização e o controle possíveis em relação à

atividade do empregado, correndo por sua própria conta e risco a omissão no

cumprimento dos termos do artigo 74, parágrafo 2º, da CLT, ensejando,

processualmente, a presunção relativa de veracidade de jornada declinada na peça

inicial, na hipótese de contenda judicial com pedido de pagamento de horas extras,

conforme entendimento já pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho através da

Súmula 338, que, em seu inciso I, determina:

TST. Súmula 338. Horas extras. Ônus da prova. I- É ônus do

empregador que conta com mais de 10(dez) empregados o registro da

jornada de trabalho na forma do art. 74, §2º, da CLT. A não-

apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção

relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida

por prova em contrário...

De fato, tanto o artigo 74, §2º, da CLT quanto a Súmula 338 do TST são

instrumentos de aplicação do princípio da aptidão para a prova, no sentido de que a

512

SÜSSEKIND, Arnaldo et alli. Instituições de direito do trabalho. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 818.

284

prova deverá ser produzida por aquela parte que a detém ou que tem acesso à mesma,

sendo inacessível à parte contrária513

. Destaca a doutrina a originalidade da introdução

desse princípio ao direito processual do trabalho ao jurista mexicano Armando Porras

López que, em sua obra Derecho Procesal del Trabajo, descreve:

a) La carga de la prueba es una obligación, um derecho y un deber,

em la ciencia procesal moderna; b) Debe probar, el que este en

aptitude de hacerlo, independientemente de que sea el actor o el

demandado; c) Para la distribuición de la carga de la prueba debe

atenderse no tanto a la situación de los contendientes, sino a la

finalidad del proceso, ya que quien ofrezca mejores pruebas, obtendrá

una sentencia favorable; d) Las pruebas se dirigen al juez, a fin de que

este resuelva los juicios “secundum allegata et probata”514

A respeito da aplicação deste princípio ao processo do trabalho brasileiro,

merece citação Estêvão Mallet:

As regras relativas ao ônus da prova, para que não constituam

obstáculo à tutela processual dos direitos, hão de levar em conta

sempre as possibilidades, reais e concretas, que tem cada litigante de

demonstrar suas alegações, de tal modo que recaia esse ônus não

necessariamente sobre a parte que alega, mas sobre a que se encontra

em melhores condições de produzir a prova necessária à solução do

litígio, inclusive com inversão do ônus da prova. Com isso, as

dificuldades para a produção da prova, existentes no plano do direito

material e decorrentes da desigual posição das partes litigantes, não

são transpostas para o processo, ficando facilitado inclusive o

esclarecimento da verdade e a tutela de situações que de outro modo

provavelmente não encontrariam proteção adequada.515

Acrescente-se que o artigo 2º, V, da Lei 12.619/12, abaixo transcrito,

assegura ser direito dos motoristas profissionais, além daqueles previstos na

Constituição, “jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira

fidedigna pelo empregador”, o que, tratando-se de controle de jornada de motorista

rodoviário com labor externo, somente será realizado, “de maneira fidedigna”, através

513

PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 139.

514

LÓPEZ, Armando Porras. Derecho Procesal del Trabajo. Puebla: Editorial José Cajica, 1956, p. 251. 515

MALLET, Estêvão. Discriminação e processo do trabalho. Revista do TST. Rio de Janeiro. V. 65, n.1, p. 148-159, out/dez 1999, p. 154.

285

de sistemas AVL, ante as características informativas já pormenorizadamente

apontadas nesta tese.

Lei 12.619/12. São direitos dos motoristas profissionais, além

daqueles previstos no Capítulo II do Título II e no Capítulo II do

Título VIII da Constituição Federal: (...)

V- jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira

fidedigna pelo empregador, que poderá valer-se de anotação em diário

de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, nos termos do §3º do

art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, aprovada pelo

Decreto-Lei no. 5.452, de 1º de maio de 1943, ou de meios eletrônicos

idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador.

O termo “fidedigna” é utilizado no texto legislativo sob análise como

adjetivo, qualificando a maneira como “jornada de trabalho e tempo de direção”

devem ser controlados. Ora, o sentido denotativo de “fidedigno” é digno de crédito, de

confiança, de fé516, sinônimo de “verdadeiro”, tendo-se, assim, que a melhor

interpretação da parte inicial do artigo 2º, V, da Lei 12.619/12 é no sentido de que o

controle de jornada dos motoristas rodoviários com jornada externa deve ser realizada

através de instrumento capaz de demonstrar, em realidade, o perfil da atividade

exercida pelo motorista durante a sua jornada diária externa, não se conhecendo outro

instrumento cumpridor de tal requisito senão os sistemas AVL – Automatic Vehicle

Location–.

A mesma sorte tem a “papeleta” em poder do empregado motorista

rodoviário de que trata o artigo 74, §3º, da CLT(“Se o trabalho for executado fora do

estabelecimento, o horário dos empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em

seu poder..”), que deve conter marcação de horários extraídos de fonte fidedigna (ante a

necessidade de compatibilização entre as normas jurídicas contidas no artigo 2º, V, da

Lei 12.619/12 e no artigo 74, §3º, da CLT), devendo tal fonte ser um sistema AVL,

vez tratar-se do único instrumento idôneo para refletir a realidade da jornada de

trabalho desempenhada pelo motorista rodoviária com atividade eminentemente

externa.

516

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em: < http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=fidedigno&stype=k>. Acesso em: 02.maio.2012.

286

Independentemente do ônus processual assumido pelo empregador ao não

se utilizar de sistemas AVL para monitorar os seus empregados-motoristas rodoviários

(vez que tal ônus, entendemos e defendemos, existe pelo próprio conteúdo do artigo

74, §2º, da CLT e do artigo 2º, V, da Lei 12.619/12 e a interpretação dada ao seu não

cumprimento através da Súmula 338 do TST), que a legislação de trânsito, através das

Resoluções nos

330, de 14/08/2009 e 111 do Conselho Nacional de Trânsito, de

28/04/2011 (transcritas nos anexos A e B), já fixa obrigatoriedade de instalação de

sistemas AVL em veículos automotores novos, a partir de 15 de agosto de 2012,

tornando-se a partir da referida data, a manutenção de tais equipamentos (em veículos

produzidos a partir de 15 de agosto de 2012) uma obrigatoriedade, ensejando, o seu

descumprimento, infração de trânsito, na forma do artigo 105, caput, e artigo 230, IX,

da Lei 9.503/97517 (Código de Trânsito Brasileiro).

Por fim, da pesquisa realizada e das conclusões alcançadas, constatamos

que, in casu, o avanço tecnológico resultou em maior efetivação das normas jurídicas

trabalhistas, incluindo um leque maior de trabalhadores sujeitos ao regime de controle

e de percepção de horas extras, num movimento contrário àquele inicialmente

apontado por Amauri Mascaro Nascimento em sua recente obra “Direito do Trabalho

Contemporâneo”:

... o direito do trabalho contemporâneo, embora conservando a sua

característica inicial centralizada na idéia de tutela do trabalhador,

procura não obstruir o avanço da tecnologia e os imperativos do

desenvolvimento econômico, para modificar alguns institutos, e a

principal meta dos sindicatos passa a ser a defesa do emprego e não

mais a ampliação de direitos trabalhistas... 518

517

Lei 9.503/97. Art. 230. Conduzir o veículo: (...) IX - sem equipamento obrigatório ou estando este ineficiente ou inoperante; (...) Infração - grave; Penalidade - multa; Medida administrativa - retenção do veículo para regularização;

Lei 9.503/97. “Art. 105. São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN...”

518

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 18-19.

287

CONCLUSÃO

Frente ao problema apresentado e todos os pontos detalhadamente

apresentados nos quatro capítulos desta tese, concluímos que:

1) Os sistemas “Automatic Vehicle Location”, geralmente identificados pela sigla

AVL, são resultado de uma montagem de tecnologias e equipamentos que permitem o

conhecimento da posição de um determinado veículo, bem como a realização de

operações associadas, como a transmissão de informações disponíveis a bordo, obtidas

através de dispositivos de aquisição de dados. O atual estado da técnica de tais

sistemas permite aos seus usuários o acesso a informações fidedignas com alto grau de

precisão e em tempo real;

2) As tecnologias fundadas em dispositivos móveis (como telefones celulares,

smartphones e GPS), redes telemáticas sem fio (como wi-fi, wi-max e bluetooth) e

sensores geraram uma mudança no regime de visibilidade(forma como os indivíduos

vêem e são vistos na sociedade) antes existente, criando um regime que se baseia não

no espaço físico ou nos limites do alcance do olho humano, mas fundado no espaço

informacional e que é denominado como “espaço ampliado”, que conceituamos como

representações, sob a forma de imagem, sons e até mesmo de sensações táteis, de uma

realidade que é física e naturalmente distante do cidadão comum (isto é, realidade que

lhe seria inatingível naturalmente pela visão), permitindo ao cidadão não só ter efetivo

acesso a essa realidade, como também com ela interagir;

3) Os sistemas “Automatic Vehicle Location” proporcionam ao seu gestor

(Empregador) um “espaço ampliado” do ambiente de trabalho, que extrapola em muito

o limitado território físico da sede da empresa e é ilimitado, no sentido de acompanhar

288

o deslocamento do veículo e de seu condutor (Empregado), bem como o

comportamento realizado pelo condutor no transcurso da atividade laboral externa;

4) A “eticidade” é um método de incidência, na construção da norma jurídica (que

envolve não só a atividade legislativa de produção de enunciados prescritivos, como

também a atividade de interpretação com vistas à aplicação da norma jurídica ao caso

concreto), de valores incidentes na realidade fatual(no momento da aplicação da norma

jurídica) sob o prisma do fato a ser normado e do sistema jurídico como um todo;

5) O regime de visibilidade (forma como os indivíduos se vêem e são vistos na

sociedade, que se caracteriza como a forma como certa sociedade considera verdadeiro

discurso baseado numa determinada imagem, numa determinada exposição produzida

a partir dos recursos tecnológicos disponíveis na respectiva época) é um valor cultuado

pela sociedade em realidades fatuais que se apresentem e que, portanto, faz parte da

experiência jurídica, devendo, frente à “eticidade”, incidir sobre os fatos normados,

gerando a escolha de uma das possibilidades semânticas do texto normativo

interpretado (tal escolha terá como vertente a incidência do “valor” ao fato concreto

em análise) levando-se em consideração a sua “elasticidade semântica”(a sua

polissemia, capacidade de um mesmo enunciado referir-se a mais de um significado);

6) A mudança, numa sociedade, do regime de visibilidade é capaz de gerar mutação

normativa – entendida como modificação do conteúdo da norma jurídica a despeito da

manutenção do enunciado prescritivo(texto legislativo) -, especialmente naquelas

normas cujos elementos baseiam-se na visibilidade (capacidade de se ver ou ser visto);

7) O não-enquadramento dos “trabalhadores externos” no regime jurídico de controle

de jornada de trabalho e pagamento de horas extraordinárias sempre fez parte do

289

conteúdo do artigo 62 da CLT, apesar das modificações legislativas implementadas em

1985 (pela Lei 7.313/85) e em 1994 (através da Lei 8.966/94), havendo, no entanto,

com a redação lavrada pela Lei 8.966/94, a qualificação da atividade externa como

“incompatível com a fixação de horário” em substituição a anterior expressão “não

subordinado a horário”. Tal modificação no qualificativo do trabalho externo para

efeito de não enquadramento no regime jurídico de horas extras gerou uma maior

vinculação ao “regime de visibilidade”. Assim, o principal elemento para o

enquadramento de determinada situação fática ao inciso I do artigo 62 da CLT sob o

manto do adjetivo “incompatível com o controle de jornada” afasta-se do mero direito

potestativo do empregador e passa a ser a possibilidade ou impossibilidade fática do

empregador fiscalizar e controlar a jornada de trabalho realizada externamente pelo

empregado, daí a absoluta necessidade de compatibilidade do conteúdo normativo com

o regime de visibilidade (valor incidente) cultuado pela sociedade no momento da

subsunção normativa;

8) Frente às exigências do arcabouço constitucional vigente no Estado brasileiro,

somente as teorias do poder empregatício como direito-função e como relação

jurídica complexa são capazes de prosperar como viáveis, motivo pelo qual, na

interpretação do enunciado prescritivo contido no artigo 62, I, da CLT, tais teorias

devem ser consideradas na valoração da distribuição de deveres e obrigações das

partes da relação jurídica empregatícia. E, aplicando-se o raciocínio acima exposto

frente às hipóteses interpretativas do artigo 62, I, da CLT, não há como se admitir a

prevalência de hipótese interpretativa que vincula a direito potestativo do Empregador

de realizar controle de jornada de trabalho o enquadramento do caso concreto na

hipótese excepcional descrita no artigo 62, I, da CLT;

9) Tendo em vista a natureza de Direitos Fundamentais de 2ª Geração das normas

jurídicas construídas a partir dos incisos IX(referente ao adicional noturno) e

XVI(pertinente ao direito a horas extras) do artigo 7º da Constituição Federal e sendo a

norma jurídica contida no artigo 62, I, da CLT hipótese de exceção à aplicabilidade, no

caso concreto, dos referidos Direitos Fundamentais, somente há que se considerar,

para efeito de construção da norma jurídica contida no artigo 62, I, da CLT, hipóteses

290

interpretativas que evidenciem, no mundo fenomênico, a efetiva impossibilidade de

controle da jornada de trabalho (isto é, a impossibilidade efetiva, em concreto, de

verificação quantitativa e/ou qualitativa da prestação laboral);

10) O texto constitucional especifica “padrões” para a duração normal de trabalho

(conforme art. 7º, XIII e XIV, da CF/88), bem como “padrão mínimo” para a

remuneração do “serviço extraordinário” no importe de 50%(cinquenta por cento)

superior ao valor da “hora normal” (conforme art. 7º, XVI, da CF/88), sendo que a

exceção constitucional à aplicação da regra de que o labor realizado em sobrejornada

seja remunerado é taxativamente prevista no parágrafo único do artigo 7º da

Constituição Federal e é dirigida exclusivamente à categoria dos trabalhadores

domésticos. Assim, qualquer exceção infraconstitucional à regra de direito à percepção

de contraprestação pelo empregado em razão de sobrejornada somente pode se

justificar pela extraordinariedade do fato excetuado, caracterizada pela efetiva

impossibilidade de controle de jornada, seja por absoluta impossibilidade física, seja

por inexistência de tecnologia de vigilância disponível no mercado e acessível a todos

os empregadores, sob pena de inconstitucionalidade;

11) A “valorização do trabalho” - classe em que se incluem as espécies “valores

sociais do trabalho” (art. 1º, IV, da CF/88) e “valorização do trabalho humano” (art.

170, caput, da CLT) -, sob o enfoque de determinação da sua extensão, de forma

quantitativa e qualitativa, através de cálculo ou mensuração, com o fito de

contraprestação justa, é um elemento absolutamente importante na interpretação dos

enunciados prescritivos típicos do direito do trabalho. A proporcionalidade entre a

extensão da atividade laboral desenvolvida (pelo empregado) e a contraprestação

remuneratória (prestada pelo empregador ao empregado) é um dos instrumentos

essenciais para a realização, na relação de emprego, da justiça social pretendida

constitucionalmente, daí que o caráter sinalagmático (representando também a

291

comutatividade entre os direitos e obrigações das partes da relação de emprego) é

absolutamente necessário, sob pena de inconstitucionalidade;

12) Em razão de necessidade de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana

(art. 1º, III, da CF/88) e as necessárias “valorização do trabalho humano”(art. 170,

caput, da CF/88) e “valorização social do trabalho” (art. 1º, IV, da CF/88), frente a

várias interpretações possíveis a um determinado enunciado prescritivo de natureza

trabalhista/empregatícia, há de se escolher, para efetiva aplicação ao caso concreto,

somente aquelas possibilidades interpretativas que sejam capazes de garantir efetiva

reciprocidade entre os interesses, inclusive e principalmente econômicos, do

empregado e do empregador, realizando-se a efetiva interpretação conforme a

Constituição e respeitando os princípios interpretativos da unidade e da supremacia da

Constituição;

13) A norma jurídica construída a partir do inciso I do artigo 62 da CLT enquadra-se

perfeitamente no conjunto das “normas cujos elementos se baseiam na visibilidade” (e

a expressão “atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”,

que entendemos ser o principal elemento do texto normativo em análise, não gera

dúvida quanto à essencialidade da “visibilidade” no ato de sua concretização), não há

como se deixar de concluir pela existência de mutação normativa em relação ao citado

dispositivo. Mais especificamente, a expressão “atividade externa incompatível com a

fixação de horário de trabalho” não pode ser realizada sem levar-se em consideração o

novo “regime de visibilidade” baseado em “espaço ampliado”, sob pena de

incompatibilidade da norma construída com a experiência jurídica vivenciada no

momento de sua aplicação. Prosseguindo tal raciocínio, uma vez sendo possível,

através de “espaço ampliado”, o controle da atividade laboral realizada externamente,

não há como cogitar-se o enquadramento do caso fático à norma de exceção capsulada

no inciso I do artigo 62 da CLT.

292

14) Através dos sistemas “Automatic Vehicle Location” disponíveis atualmente no

mercado brasileiro, e de acordo com o atual estado da técnica de tais sistema, é

absolutamente possível ao empregador controlar a frequência, o cumprimento de

ordens e a qualidade do serviço do empregado-motorista rodoviário com atividade

externa, não mas se justificando o afastamento do direito a horas extras à essa

categoria de empregados sob o fundamento de enquadramento no inciso I do artigo 62

da CLT, tendo-se como verdadeira a hipótese “a”519

levantada na “Introdução” desta

tese.

15) A equiparação de “meios telemáticos e informatizados de comando, controle e

supervisão” com “meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do

trabalho alheio” para “fins de subordinação jurídica”, na forma do parágrafo único do

artigo 6º da CLT (introduzido pela Lei 12.511/11) tem como significado que:

- a apresentação de ordens pelo empregador (comando), bem como a fiscalização

quanto ao seu cumprimento pelo empregado (controle e supervisão) podem ser

realizadas tanto através de instrumentos baseados na tecnologia telemática

(transmissão de dados à distância) como de forma fisicamente presencial (como

tradicionalmente sempre se viu);

- a realização de comando, controle e supervisão por meios “telemáticos e

informatizados” gera os mesmos efeitos jurídico-trabalhistas que a realização das

mesmas atividades por meio fisicamente presencial. Assim, o controle da jornada de

519 Hipótese “a” apresentada na “Introdução” desta tese: “o sistema de posicionamento global em

combinação com comunicação celular e softwares de gerenciamento de frota, constituindo sistemas AVL torna

“compatíveis com o controle de jornada” as atividades externas exercidas por motoristas rodoviários,

afastando dessas atividades o alcance da norma contida no artigo 62, I, da CLT. A “compatibilidade com

controle de jornada” não exige a presença física do empregado aos olhos do Empregador ou preposto seu, mas

tão somente a existência de mecanismo que confira ao Empregador a certeza do efetivo exercício da atividade

laboral pelo Empregado durante um determinado período de tempo, sendo capaz de se fixarem os momentos

de inicio e de término diários das atividades realizadas, bem como os eventuais intervalos realizados. A

circunstância desse mecanismo se basear em dados transmitidos via web (rede mundial de computadores) não

afasta a sua idoneidade, a certeza de veracidade das informações apresentadas”.

293

trabalho (foco desta tese) realizada à distância tem o mesmo valor jurídico daquele

realizado “presencialmente”;

- do ponto de vista de imposição e cumprimento de normas jurídicas, as informações

obtidas através de instrumentos baseados na tecnologia “telemática” e “informatizada”

têm a mesma idoneidade (expressão aqui utilizada no sentido de possuir todas as

qualidades necessárias ao alcance de um determinado fim) que as informações obtidas

de forma fisicamente presencial, equiparando-se o “valor probatório” desses métodos

de transmissão e recebimento de informações;

- como resultado da equiparação entre os meios “tecnológicos” (baseados na

informatização e na telemática) e os meios tradicionais (baseados na observação

físico-presencial) de exercício do poder empregatício, passa o Empregador a ter o

“ônus”520

de se utilizar dos “meios tecnológicos” disponíveis no mercado capazes de

permitir o exercício do poder empregatício à distância, não se justificando a falta do

exercício do poder empregatício por inércia no uso dos “meios tecnológicos” como

meio de afastar a incidência de norma jurídica que concede direito trabalhista ao

Empregado.

16) O empregador tem o ônus de instalar sistema “Automatic Vehicle Location” em

veículos pertencentes à sua frota conduzidos por empregados seus, tendo em vista que,

como já apontado no item “14” desta conclusão, através dos sistemas AVL disponíveis

no mercado brasileiro é absolutamente possível ao empregador controlar a frequência,

o cumprimento de ordens e a qualidade do serviço do empregado-motorista rodoviário

com atividade externa, não mas se justificando o afastamento do direito a horas extras

a essa categoria de empregados sob o fundamento de enquadramento no inciso I do

artigo 62 da CLT, além de que o artigo 74, parágrafo 2º, da CLT determina que a

prova da jornada de trabalho é eminentemente documental, pré-constituída,

especialmente para os empregadores com mais de dez empregados, constituída pela

anotação obrigatória da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou

520

O termo “ônus” é aqui utilizado como “ônus processual”, caracterizado por escolhas feitas pela parte que podem lhe trazer prejuízos, principalmente no que tange ao resultado da demanda (cf. DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 159).

294

eletrônico, na forma de instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego,

cabendo ao empregador o encargo não só de produzir tais documento, como também

de os manter sob guarda para efetivo uso probatório. Assim, não contando o

empregador com sistemas AVL instalados em veículos de sua frota conduzidos por

empregados seus, estará o mesmo deixando de exercer, por negligência sua, a

fiscalização e o controle possíveis em relação à atividade do empregado, correndo por

sua própria conta e risco tal omissão, o que enseja, processualmente, a presunção

relativa de jornada declinada na peça inicial, na hipótese de contenda judicial com

pedido de pagamento de horas extras, conforme entendimento já pacificado pelo

Tribunal Superior do Trabalho através da Súmula 338;

17) O artigo 2º, V, da Lei 12.619/12 assegura ser direito dos motoristas profissionais,

além daqueles previstos na Constituição, “jornada de trabalho e tempo de direção

controlados de maneira fidedigna pelo empregador”, o que, tratando-se de controle de

jornada de motorista rodoviário com labor externo, somente será realizado, “de

maneira fidedigna”, através de sistemas AVL, ante as características informativas já

pormenorizadamente apontadas nesta tese. O termo “fidedigna” é utilizado no texto

legislativo sob análise como adjetivo, qualificando a maneira como “jornada de

trabalho e tempo de direção” devem ser controlados. Ora, o sentido denotativo de

“fidedigno” é digno de crédito, de confiança, de fé521

, sinônimo de “verdadeiro”,

tendo-se, assim, que a melhor interpretação da parte inicial do artigo 2º, V, da Lei

12.619/12 é no sentido de que o controle de jornada dos motoristas rodoviários com

jornada externa deve ser realizada através de instrumento capaz de demonstrar, em

realidade, o perfil da atividade exercida pelo motorista durante a sua jornada diária

externa, não se conhecendo outro instrumento cumpridor de tal requisito senão os

sistemas AVL – Automatic Vehicle Location–.

521

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Disponível em: < http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=fidedigno&stype=k>. Acesso em: 02.maio.2012.

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306

APÊNDICE A – Técnicas de posicionamento de objetos e pessoas

Modernamente e graças ao desenvolvimento da eletrônica, há várias

técnicas de posicionamento de objetos móveis na superfície da Terra com alto grau de

precisão. Passamos, a seguir, à análise da técnicas de posicionamento mais conhecidas:

1 Técnica Dead Reckoning

Um sistema de localização automática de veículos projetado sob “dead

reckoning” emprega em cada unidade móvel (veículo) instrumentos que medem a

distância percorrida e a mudança na direção do movimento, utilizando-se, para

executar tais medidas, o odômetro e a bússola, que funcionam simultaneamente para

produzir uma medida contínua do vetor deslocamento do veículo em relação a um

ponto de inicialização522

.

Para aferir a determinação da localização do veículo através da técnica em

estudo, é necessário conhecer-se a posição da unidade móvel em relação a um ponto

de referência fixo, como uma construção, um cruzamento ou uma rua, criando-se,

assim, o tempo “0” (t=0). Esse passo é conhecido como inicialização da posição

(identificado normalmente, em linguagem formalizada, como “I”). Posteriormente,

quando o veículo se afasta do ponto de inicialização ( I ), pares de aumento de

distância (identificados como “di”) e ângulos de curvas (representados pelo símbolo

“ i “) são formados e somados vetorialmente. Isso resulta num acúmulo contínuo de

resultados estimados contendo várias mudanças de direção que, finalmente, terminam

num determinado local (identificado como “L”) e num determinado momento (“T”),

permitindo-se, assim, através de cálculos vetoriais, a efetiva constatação do

posicionamento do veículo523

, como pode ser verificado na figura abaixo.

522

SKOMAL, Edward N. Automatic location systems. New York: Van Nostrand Reinhold Company, 1981, p. 5. 523

Idem.

307

Figura. Determinação de posicionamento através do uso da técnica “Dead Reckoning”

Fonte: SKOMAL, Edward N. Automatic location systems. New York: Van Nostrand Reinhold Company. 1981. p. 6

Um sistema AVL que tenha o seu módulo de posicionamento baseado na

técnica dead reckoning requer apenas alguns simples instrumentos montados em cada

veículo (odômetro e bússola, como já exposto) e a instalação de um modesto

processador de dados no controle central do sistema. Os dados da instrumentação

fornecidos por cada unidade móvel devem ser transmitidos via rádio ao controle

central do sistema para a realização do processamento, da análise e da visualização da

posição. Assim, também são necessários um transmissor de rádio e um receptor de

ondas de rádio instalados em cada veículo a ser rastreado. O receptor serve para

receber os comandos do controle central, além de fornecer um canal de comunicação

entre o operador do sistema e o condutor do veículo para transmissão de mensagens524

.

2 Técnica Proximity Detection

Um sistema de localização AVL que obtém estimativas dos dados de

posição de cada unidade (veículo) através da técnica proximity detection emprega o

princípio da navegação de direção de referência fixa. Nessa modalidade de

posicionamento, ondas de rádio são distribuídas em toda a área operacional da frota de

524

SKOMAL, Edward N. Automatic location systems. New York: Van Nostrand Reinhold Company, 1981, p. 64.

308

veículos rastreados. Dispositivos denominados “signposts”, em grande número e

precisamente posicionados ao longo de caminhos possíveis de movimento dos

veículos, emitem sinais de rádio-frequência devidamente codificados. Todos os

veículos estão equipados com instrumentos (equipamentos de rádio especializados em

recebimento de sinais e que podem detectar e decodificar as transmissões de sinais de

um signpost. Tais equipamentos emitem sinais codificados, que identificam a placa do

veículo) para interagir com cada “signpost”. Quando da passagem de um determinado

veículo da frota por um certo “signpost”, a central de controle do sistema recebe dados

a respeito da passagem, permitindo, assim, a localização do veículo registrando,

inclusive, o momento (tempo) da passagem525

, como se verifica da ilustração abaixo.

Figura. Posicionamento através do uso da técnica “Proximity Detection”

Fonte: SKOMAL, Edward N. Automatic location systems. New York: Van Nostrand Reinhold Company. 1981. p. 6

3 Técnica Radio Signal Time-Difference Determination

A técnica denominada “Radio Signal Time-Difference Detemination”

baseia-se na velocidade constante de um sinal de rádio no percurso entre um

transmissor e um receptor de rádio.

A velocidade de propagação de um sinal eletromagnético é apenas muito

ligeiramente afetada por mudanças nas condições atmosféricas ou da superfície da

Terra. Os efeitos combinados das variações de umidade atmosférica, temperatura,

525

SKOMAL, Edward N. Automatic location systems. New York: Van Nostrand Reinhold Company, 1981, p. 5-7.

309

pressão, condutividade superficial e constante elétrica introduzem uma variação

aleatória nos valores da velocidade de propagação do sinal eletromagnética inferior a

uma parte de mil em toda a gama completa de ocorrência dessas variáveis. Portanto, a

velocidade do sinal de rádio pode ser tratada como uma constante ao longo do

percurso e das zonas de dezenas de quilômetros em dimensão. Este grau de constância

na velocidade de sinal de rádio, combinado com o fato de que essas ondas se

propagam em linhas retas sobre os caminhos sem obstáculo, proporciona um meio

preciso para medir a distância de separação entre um transmissor e um receptor. O

requisito para a execução de uma medida de distância é apenas que seja possível

determinar a diferença de tempo entre o sinal que é transmitido a partir de um ponto e

o momento em que é recebido num outro ponto526

.

A distância de separação entre o emissor e o receptor é dada pela

multiplicação da velocidade conhecida do sinal de propagação do rádio e o tempo

gasto entre o momento em que sinal saiu do emissor e alcançou o receptor. Se o

transmissor é fixado com o objetivo de assegurar a cobertura de rádio dentro de uma

área metropolitana e se o receptor é montado sobre um veículo em movimento na área,

a localização instantânea do veículo pode ser descrita como estando num ponto num

raio de círculo centrado no local de emissão do sinal527

, como se verifica da ilustração

a seguir.

Figura. Posicionamento através do uso da técnica “Proximity Detection”

Fonte:SKOMAL, Edward N. Automatic location systems. New York: Van Nostrand Reinhold Company.1981. p. 10

526

SKOMAL, Edward N. Automatic location systems. New York: Van Nostrand Reinhold Company. 1981, p. 7-8 527

Idem.

310

4 A técnica Global Positioning System (GPS)

O GPS (Global Positioning System), também denominado NAVSTAR-GPS

(Navigation Satellite with Time and Ranging), tem sua origem no Departamento de

Defesa dos Estados Unidos da América, inicialmente com o objetivo de ser o principal

sistema de navegação das forças armadas daquele país. Em realidade, o GPS é o

resultado da fusão de dois programas financiados pelo governo norte-americano, quais

sejam: o Timation, de responsabilidade da Marinha, e o System 621B, de incumbência

da Força Aérea norte-americana528

. As bases do sistema foram criadas na década de

1960, sendo certo que somente em 1995 foi o sistema declarado integralmente

operacional. Inicialmente, em razão inclusive do próprio investimento para

desenvolvimento (fala-se em aproximadamente 35 bilhões de dólares), o seu uso era

estritamente militar, sendo que posteriormente passou-se a disponibilizá-lo para

práticas civis.

Tendo em vista o alto grau de precisão oferecido pelo GPS, acompanhado

de grande desenvolvimento da tecnologia envolvida nos receptores GPS, uma grande

comunidade usuária surgiu nos mais variados segmentos da sociedade civil como em

navegação, no posicionamento geodésico, na agricultura, no controle de frotas etc529

.

528

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 21.

529

Idem.

311

APÊNDICE B- Técnicas de calibração de antenas GPS

No que se refere às formas de calibração das antenas GPS, têm-se as seguintes

técnicas: calibração em câmaras anecóicas, calibração relativa e calibração absoluta530

.

Analisemos as características principais de cada uma dessas técnicas:

- Calibração em câmaras anecóicas: a caracterização de antenas GPS no interior de

câmaras anecócias (ambiente adaptado para testar equipamentos eletrônicos sob

condições de laboratório, onde há a minimização da quantidade de reflexão ou

reverberação das ondas de diferentes características) consiste em simulações de sinais

GPS que incidem uniformemente nas antenas, que são inclinadas e rotacionadas para

se obter todas as configurações possíveis de recepção do sinal531

;

- Calibração Relativa: nesta técnica, as variações do centro de fase da antena são

determinadas em relação aos parâmetros de uma antena de referência, sendo que

ambas as antenas (a de referência e aquela em processo de calibração) são dispostas

numa linha de base curta e precisamente conhecida, sendo que os dados GPS dessa

linha de base são utilizados para determinar a posição do centro de fase conforme o

ângulo de elevação e de azimute do sinal incidente532

;

- Calibração Absoluta: baseia-se nas observações GPS não-diferenciadas de dias

consecutivos, sendo que a informação básica para a calibração encontra-se na

diferença entre as observações da constelação GPS de forma repetida de dois dias

siderais médios (dia sideral é o tempo que o Planeta Terra leva para completar uma

rotação com relação a uma determinada estrela, tendo valor médio de 23 horas, 56

minutos e 4,06 segundos) e, assim, em condições invariáveis na estação, esses efeitos

530

FREIBERGER JUNIOR, Jaime. Antenas de receptores GPS: características gerais. Material teórico de apoio ao Curso de Extensão Error sources in Highly Precise GPS Positioning da Universidade Federal do Paraná, 2004, p. 11. Disponível em: < http://www.geomatica.ufpr.br/docentes/ckrueger/pessoal/D_antenas.pdf>. Acesso em: 02.mai.2011.

531

Idem. 532

Idem.

312

se repetem nos mesmos períodos, podendo ser eliminados ao se formar a diferença

entre as observações de dois dias siderais consecutivos533

.

533

FREIBERGER JUNIOR, Jaime. Antenas de receptores GPS: características gerais. Material teórico de apoio ao Curso de Extensão Error sources in Highly Precise GPS Positioning da Universidade Federal do Paraná, 2004, p. 11. Disponível em: < http://www.geomatica.ufpr.br/docentes/ckrueger/pessoal/D_antenas.pdf>. Acesso em: 02.mai.2011.

313

APÊNDICE C – Outros “Sistemas Globais de Navegação por Satélite”

O sistema GPS é uma das espécies de “Sistemas Globais de Navegação por

Satélite” (atendendo pela sigla GNSS, do inglês Global Navigtation Satellite Systems),

havendo, entretanto, outros sistemas caracterizados como GNSS, destacando-se, dentre

eles, o GLONASS, o GALILEO e o COMPASS, cujas principais características são

apresentadas a seguir.

a) O sistema GLONASS: a sigla GLONASS advém do inglês Global Navigation

Satellite System e do russo Global’naya Navigatsionnaya Sputnikovaya Sistema,

referindo-se a um sistema, de origem soviética, cujo desenvolvimento iniciou-se cerca

de 30 anos atrás com características semelhantes ao GPS (NAVSTAR-GPS), fruto,

inclusive, da guerra fria entre Estados Unidos da América e, à época, a União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas. Se de um lado os EUA desenvolviam o GPS, de

outro a URSS desenvolvia o GLONASS. Atualmente, o sistema é de responsabilidade

da Federação Russa534

.

O segmento espacial do GLONASS consiste originalmente numa

constelação de 24 satélites ativos e um reserva, distribuídos em três planos orbitais. O

primeiro satélite GLONASS foi lançado em Outubro de 1982, tendo o GLONASS sido

declarado operacional em Setembro de 1993, com uma primeira constelação de 12

satélites. A constelação prevista de 24 satélites apenas ficou operacional em Janeiro de

1996. A capacidade operacional do GLONASS foi alcançada no ano de 1996, no

entanto, a constelação completa dos 24 satélites operacionais do GLONASS apenas

esteve disponível durante curto espaço de tempo no mesmo ano de 1996535

. Devido ao

tempo de vida de cada satélite ser de 3 anos, e às sucessivas falhas no programa de

534

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p. 35.

535

Ibidem, p.73.

314

reposição, a constelação operacional, no final de 2002, atingiu um mínimo de 7

satélites536

.

O segmento de controle e monitoramento consiste num sistema de controle

central, localizado na região de Moscou, que dissemina o sistema de tempo

GLONASS, um sistema de controle de freqüência(fase) que monitora o tempo e o

desvio das frequências, fazendo também parte desse segmento três estações de

comando e de rastreio, todas situadas em território russo537

, que medem as trajetórias

dos satélites e enviam suas efemérides, dois satélites a base de laser que rastreiam e

periodicamente calibram os dispositivos de medidas de distância e uma unidade de

campo para controle da navegação dos satélites, que monitora eventuais anomalias do

sistema538

.

O sistema GLONASS passa por um processo de reconstrução e

modernização, objetivando-se futuramente ter um desempenho ao nível do GPS.

b) O sistema GALILEO: o fato do governo norte-americano não autorizar que outras

nações participem conjuntamente do controle de uma configuração básica do GPS

levou a União Européia a desenvolver uma solução própria, o sistema GALILEO539

,

que está sendo desenvolvido pela Agência Espacial Européia (ESA) com o objetivo de

fornecer serviços de tempo e posicionamento em tempo real com diferentes níveis de

exatidão, integridade e disponibilidade em nível mundial, também composto, assim

como o GPS e o GLONASS, por três segmentos: o espacial, o de controle e o de

usuário540

.

536

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p.36.

537

Ibidem, p. 35.

538 MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São

Paulo: Editora Unesp, 2.000, p.265 539

Ibidem, p. 273. 540

Ibidem, p. 30.

315

O segmento espacial, quando estiver completamente implementado,

consistirá numa constelação de 30 satélites (27 operacionais e 3 sobressalentes),

fornecendo uma cobertura adequada em torno de todo o globo terrestre. O segmento de

controle compreenderá dois centros de controle GALILEO, sendo um responsável pelo

controle de satélites e pela geração de dados de navegação e tempo e outro responsável

pelo controle da integridade do sistema. O segmento do usuário consistirá nos

diferentes tipos de receptores e nos centros que estabelecem a comunicação entre os

fornecedores dos serviços GALILEO e os seus utilizadores541

.

A perspectiva é de que o GALILEO atinja a sua capacidade operacional

completa em 2013, podendo, então, fornecer os seus serviços a uma ampla variedade

de usuários em todo o mundo542

.

c) O sistema COMPASS: a República Popular da China anunciou, em outubro de

2006, o desenvolvimento e a construção de um sistema próprio de navegação global,

denominado COMPASS que, assim como o GPS, o GLONASS e o GALILEO,

fornecerá serviços também a usuários civis, além de que possuirá muitos aspectos em

comum com o GPS e o GALILEO, fornecendo o material para a integração desses

sinais num eventual receptor GPS/GALILEO/GLONASS/COMPASS543

.

Lançado o primeiro satélite da constelação em 14 de abril de 2007, a

expectativa é de que a constelação completa do COMPASS estará completa no ano de

2015544

.

541

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 31-34.

542

MORUJÃO, Daniela Maria Barbosa. Resolução instantânea da ambigüidade da fase no posicionamento cinemático preciso com os sistemas globais de navegação por satélite. Tese de doutoramento em ciências geofísicas e da geoinformação junto à Universidade de Lisboa, 2009, p. 35.

543

Ibidem, p.37-38. 544

Ibidem, p. 39.

316

APÊNDICE D – A evolução da técnica de comunicação celular

O estado atual da técnica da comunicação celular se dá graças à constante

evolução desse setor das telecomunicações, podendo-se, inclusive, classificar as redes

celulares em gerações da seguinte maneira:

-1G (primeira geração): caracterizada por redes celulares analógicas545

;

-2G (segunda geração): redes celulares digital baseadas em comutadores de circuitos,

como utilizado nas redes CDMA, TDMA e GSM;

-2,5G (geração intermediária entre a segunda e a terceira): redes de segunda geração,

mas com transmissão de pacotes de média/alta velocidade, voltados para transmissão

de dados, como nos sistemas GPRS e EDGE ;

-3G (terceira geração): redes de altíssima velocidade, com possibilidades de

videoconferência, transmissões em tempo real e jogos online.

Passamos a analisar cada um dos passos de evolução da comunicação

celular:

a) A primeira geração (1G). Redes analógicas de telefonia móvel

A primeira geração de telefonia móvel, que ficou conhecida como “1G”

utilizava a modulação de sinais analógicos numa portadora de rádio-frequência e

operava sobre redes com tecnologia de comutação de circuito, que se caracteriza pelo

fato de um circuito de voz ser alocado permanentemente enquanto dura a chamada546

.

545 Os aparelhos analógicos funcionam com um microfone, convertendo a voz em sinais elétricos. Esses sinais

causam vibrações em ondas eletromagnéticas que são captadas por uma central e retransmitidas a um outro aparelho, onde um auto-falante reconstrói o som. Já os celulares digitais transformam a voz em impulsos elétricos, representados por uma seqüência de números (código binário), sendo que a mesma onda pode carregar até 3 conversas diferentes até a central, que retransmite para o aparelho. O próprio celular transforma a onda e o código em voz.

546

CARDOSO, Pedro Klecius Farias. Apostila de Redes Celulares. Ceará: Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – Departamento de Ensino/Curso de Telemática. Disponível em: < http://www.cdvhs.org.br/sispub/image-data/1273/GSM-CMoveis_Cap1_7_0405.pdf>. Acesso em: 05.mai.2011.

317

Nessa primeira geração o acesso é obtido através principalmente da tecnologia AMPS

(Advanced Mobile Phone Service), um sistema telefônico móvel desenvolvido nos

Estados Unidos da América cujos sinais de voz são modulados em freqüência

(Frequency Modulation –FM), sua sinalização opera na taxa de 10Kbps547

, e tanto o

sinal de voz quanto a sinalização ocupam uma largura de banda correspondente a

30KHz548

. Trata-se de tecnologia que só permite transmissão de som.

b) A Segunda Geração (2G). Introdução do sistema digital.

Tendo em vista as limitações da tecnologia AMPS que sustentava a

primeira geração de celulares, o sistema analógico havia atingido o limite de sua

capacidade, havendo a necessidade de sistemas digitais com maior capacidade, dando-

se origem à segunda geração da tecnologia celular, de caráter digital e que apresenta

muitas vantagens sobre o sistema analógico, como: codificação digital de voz mais

poderosa, maior eficiência espectral549

, melhor qualidade de voz, facilidade da

comunicação de dados e criptografia550

. Nessa segunda geração, três grupos evolutivos

principais se formam, que são o TDMA, o CDMA e o GSM.

547

Importante, nesse ponto, tratar das medidas de tamanho de arquivos de dados e de velocidade de

transmissão de dados. No que se refere ao tamanho dos arquivos, temos “Bit” (que é a menor unidade de dados que pode ser armazenada ou transmitida), “Byte”(cada Byte possui 8 bits), Kilobyte (que também atende por “Kbyte” e “KB”, correspondendo a 1024 bytes), Megabyte (também denominado “MByte” e “ MB”: corresponde a 1024 Kbytes) e Gigabyte (que atende também por “GByte” e “GB”, correspondendo a 1024 megabytes). Quanto às medidas de velocidade de dados, tem-se: Kbps (que significa kilobits por segundo, correspondendo 1.000 bits por segundo), KBps (que significa kilobyte por segundo, correspondendo a 1.000 bytes por segundo, sendo que, como um byte possui 8 bits, 1 KBps possui uma velocidade de 8000 bits por segundo). 548

Hertz, que atende pelo símbolo “Hz”, é a unidade de freqüência que expressa em termos de ciclos (que são as repetições do padrão de uma onda) por segundo a frequência de um evento periódico, oscilações (vibrações) ou rotações por. Um de seus principais usos é descrever ondas senoidais, como as de rádio ou sonoras. Um Hz significa 1 ciclo por segundo, 100 Hz significa 100 ciclos por segundo e 1KHz refere-se a 1000 ciclos por segundo.

549

Eficiência espectral se trata de uma técnica de modulação em que a largura de banda usada para transmissão é muito maior que a banda mínima necessária para transmitir a informação. 550

Criptografia é técnica pela qual a informação é transformada da sua forma original para outra ilegível, de forma que possa ser conhecida apenas por seu destinatário, que detém um código secreto, o que a torna difícil de ser lida por alguém não autorizado.

318

O TDMA (Time Division Multiple Access) é uma tecnologia de acesso que

funciona dividindo um canal de freqüência em vários intervalos de tempo distintos,

sendo que cada usuário ocupa um espaço de tempo específico na transmissão,

impedindo-se, assim, problemas de interferência. Nesse sistema um canal de voz

utiliza um par de canais: um chamado direto(para comunicação no sentido antena

dispositivo móvel) e outro reverso (no sentido dispositivo móvel antena), ambos

com largura de 30KHz e distância entre eles de 45MHz551

.

A tecnologia CDMA (Code Division Multiple Access), ao contrário da

técnica anterior, utiliza a técnica de espalhamento espectral, na qual para um

determinado canal é usada toda a largura de banda disponível (no caso, 1,23 MHz),

muitas vezes maior do que a necessária, a princípio, para uma transmissão de um único

sinal. O que parece ser uma desvantagem, torna-se uma vantagem poderosa, quando se

consideram as condições em que esse canal de banda larga é utilizado. Como diversos

usuários podem utilizar a mesma banda ao mesmo tempo, a diferenciação entre cada

assinante no sistema CDMA é feita por códigos especiais associados a cada

transmissão552

, permitindo que um grande número de usuários acesse simultaneamente

um único canal sem que haja interferência.

A tecnologia GSM (Global System form Mobile Communication) foi

desenvolvida na Europa e adotada em boa parte do mundo, diferenciando-se das outras

tecnologias pelo uso de cartões de memória “SIM Cards”, conforme figura 36, nos

aparelhos, o que possibilita levar as características do usuário para outro aparelho ou

rede GSM553

. Trata-se de um sistema de celular digital baseado em divisão de tempo,

como o TDMA, e é considerada a evolução desse sistema, permitindo acesso à

internet. É tecnologia utilizada como padrão para a telefonia celular digital na Europa

551

CARDOSO, Pedro Klecius Farias. Apostila de Redes Celulares. Ceará: Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – Departamento de Ensino/Curso de Telemática. Disponível em: < http://www.cdvhs.org.br/sispub/image-data/1273/GSM-CMoveis_Cap1_7_0405.pdf>. Acesso em: 05.mai.2011.

552

SILVA, Jackson Luiz. A evolução da Comunicação Celular. 2009. Disponível em: < HTTP://pessoal.educacional.com.br>. Acesso em 20.abr.2011, p.2.

553

Ibidem, p.2.

319

desde 1992 e está presente nas Américas desde 1993, motivo pelo qual é o sistema de

maior cobertura em todo o mundo554

.

Figura. Exemplo de SIM Card

Fonte: Grupo de Teleinformática e Automação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

c) A geração 2,5G, intermediária entre as segunda e terceira gerações

A principal característica dos sistemas típicos da geração “2,5G” é a

integração com a transmissão de pacotes de dados555

, devido à forte demanda de

serviços de acesso à internet para ambiente wireless, com uma técnica avançada de

modulação, permitindo a comutação de pacotes ao invés de circuitos. Diferentemente

da comutação por circuito que aloca um circuito durante toda a transmissão, a

comutação de pacotes só utiliza o caminho quando de fato há dados para transmitir,

trazendo um uso mais eficiente da banda disponível e promovendo o meio de

transporte mais apropriado para a navegação de aplicações na internet a partir de

dispositivos wireless. As técnicas mais utilizadas nessa geração são a GPRS e a

EDGE.

554

CARDOSO, Pedro Klecius Farias. Apostila de Redes Celulares. Ceará: Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – Departamento de Ensino/Curso de Telemática. Disponível em http://www.cdvhs.org.br/sispub/image-data/1273/GSM-CMoveis_Cap1_7_0405.pdf. Acesso em 05 de maio de 2011.

555 Na Internet, a rede divide uma mensagem de e-mail em partes de um certo tamanho em bytes. Estes são os

pacotes. Cada pacote carrega a informação que ajudará a chegar a seu destino: o endereço IP do emissor, o endereço IP do destinatário pretendido, algo que informe à rede em quantos pacotes essa mensagem de e-mail foi dividida e o número desse pacote em particular. Os pacotes carregam os dados nos protocolos usados pela Internet: protocolo de controle de transmissão/protocolo Internet (TCP/IP). Cada pacote contém parte do corpo da mensagem. Um pacote típico contém entre 1000 ou 1500 bytes. Cada pacote é então enviado para seu destino por meio da melhor rota disponível: uma rota que pode ser seguida por todos os outros pacotes na mensagem ou por nenhum deles. Isso torna a rede mais eficiente. Primeiro, a rede pode equilibrar a carga através de seus diversos equipamentos em uma base de milissegundos. Segundo, se houver um problema em um equipamento na rede enquanto uma mensagem estiver sendo transferida, os pacotes podem utilizar outra rota, assegurando a entrega da mensagem inteira.

320

A tecnologia GPRS (General Packet Radio) trouxe aos sistemas GSM

características como a comutação de pacotes e o acesso à internet em alta velocidade –

acima de 9,6Kbps. Seu funcionamento se baseia em pacotes de dados com conexão

permanente – denominado always on -, sem a necessidade de reserva permanente de

espaço de tempo para o transporte de dados, acumulando características como: taxa de

transporte de dados máxima de 26 a 40 Kbps, podendo chegar a 171,2 Kbps e conexão

de dados sem necessidade de se estabelecer um circuito telefônico, o que permite a

cobrança por utilização e não por tempo de conexão556

.

A tecnologia EDGE (Enhanced Data-rates for Global Evolution) é uma

extensão da GPRS, tanto que também é denominada “GPRS ampliada (E-GPRS)”, que

pode alcançar taxas de pico superiores a 384 Kbps, oferecendo qualidade de serviço e

aplicações em tempo real, fornecendo aos usuários uma conexão permanente para

transmissão de dados. As taxas médias de velocidade são rápidas o suficiente para

permitir serviços de dados avançados, como streaming557

de áudio e vídeo e acesso

rápido à internet558

.

d) A geração 3G. As redes de altíssima velocidade

O denominado padrão 3G de telefonia celular se baseia em pesquisas

realizadas na Europa patrocinadas pelo ITUR (International Telecommunications

Union Radiocommunications Sector) e pelo ETSI (European Telecommunications

556

SARMENTO, Wellington Wagner Ferreira. Integração de um Ambiente Virtual de Aprendizagem com Aplicações Móveis de Suporte à Educação à Distância. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Engenharia de Teleinformática. Programa de Pós Graduação em Engenharia de Teleinformática. Fortaleza: 2007,p. 28-29

557

Streaming é uma forma de distribuição de informação multimídia numa rede através de pacotes, sendo frequentemente utilizada para distribuir conteúdo multimídia através da internet. Em streaming, as informações da mídia não são usualmente arquivadas pelo usuário que está recebendo a stream - a mídia geralmente é constantemente reproduzida à medida que chega ao usuário se a sua banda for suficiente para reproduzir a mídia em tempo real. 558

SARMENTO, Wellington Wagner Ferreira. Integração de um Ambiente Virtual de Aprendizagem com Aplicações Móveis de Suporte à Educação à Distância. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Engenharia de Teleinformática. Programa de Pós Graduação em Engenharia de Teleinformática. Fortaleza: 2007, p.29.

321

Starndard Institute) para a criação do denominado UMTS (Universal Mobile

Telecommunications System)559

, oferecendo aos usuários um leque de avançados

serviços, vez que possuem uma capacidade de rede maior por causa de uma melhora

na eficiência espectral( que se trata de uma técnica de modulação em que a largura de

banda usada para transmissão é muito maior que a banda mínima necessária para

transmitir a informação). Entre os serviços oferecidos há a telefonia por voz e a

transmissão de dados a longas distâncias, tudo em um ambiente móvel oferecido

normalmente em altíssimas taxas de velocidade (com taxas entre de 5 a 10 megabits

por segundo).

Da exposição sobre a evolução da comunicação celular, conclui-se que há

tecnologia, já amplamente consolidada no mercado, que permite ao “módulo de

comunicação sem fio” de um sistema AVL oferecer ao gestor do sistema dados em

tempo real, não só sob a forma de áudio ou de mensagens escritas, mas também de

imagens do veículo rastreado e, inclusive, de seu condutor.

559

CARDOSO, Pedro Klecius Farias. Apostila de Redes Celulares. Ceará: Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – Departamento de Ensino/Curso de Telemática. Disponível em http://www.cdvhs.org.br/sispub/image-data/1273/GSM-CMoveis_Cap1_7_0405.pdf. Acesso em 05 de maio de 2011.

322

APÊNDICE E – Erros relacionados à propagação dos sinais no sistema GPS

Como os sinais (ondas eletromagnéticas) emitidos pelos satélites

propagam-se através da atmosfera, atravessando camadas de diferentes naturezas e

com estados variáveis, há o sofrimento de influências que provocam variações na

direção da propagação, na velocidade de propagação, na polarização e até mesmo na

potência do sinal. O movimento de rotação da Terra também gera efeitos nas

coordenadas do satélite durante a propagação do sinal. Tais efeitos têm como fatos

geradores a refração troposférica, a refração ionosférica, a perda de ciclos e a rotação

da Terra, sendo que o atual estado da técnica do sistema GPS permite a correção de

todos esses erros através de técnicas apropriadas. Passamos, abaixo, à analise

detalhada dos erros gerados por tais efeitos (mais especificamente a refração

troposférica, a refração ionosférica, a perda de ciclos e a rotação da Terra) e à

exposição da forma de correção de tais erros.

a) Quanto à refração troposférica, tem-se que o meio no qual ocorre a propagação

das ondas eletromagnéticas emitidas pelos satélites consiste na troposfera (camada

atmosférica mais próxima da superfície terrestre, situada de 10 km a 12 km de altitude,

na qual a temperatura decresce rapidamente com a altitude e se formam correntes de

convecção560

e as nuvens561

) e na ionosfera (parte superior da atmosfera terrestre, onde

se realiza a ionização, situada acima da estratosfera562

, entre 80 e 550 quilômetros de

altitude), ilustradas através da figura a seguir.

560

Convecção é processo de transporte de massa caracterizado pelo movimento de um fluido devido à sua diferença de densidade, especialmente por meio de calor; é o tipo de transmissão de energia térmica em que essa energia é transmitida por massas fluidas que se deslocam de uma região para outra em virtude da diferença de densidade dos fluidos existentes nessas regiões (Conforme material denominado “Energia – A essência dos fenômenos” elaborado através do Programa “Pró Ciências” da FAPESP sob coordenação do Professor Doutor Gil da Costa Marques. Disponível no site http://www.cepa.if.usp.br/energia/energia1999/Grupo2B/Refrigeracao/conveccao.htm. Acesso em 01 de maio de 2011). 561

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Versão digital disponível através do site http://biblioteca.uol.com.br/. Acesso em 01 de maio de 2011.

562

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.126.

323

Figura. Camadas da atmosfera terrestre

Camadas da atmosfera terrestre: (a) troposfera; (b) estratosfera; (c) mesosfera; (d) ionosfera; (e)

exosfera.

Fonte: Ática Educacional(http://www.aticaeducacional.com.br/htdocs/secoes/acervo.aspx?cod=186)

A troposfera comporta-se, para freqüências abaixo de 30GHz, como um

meio não-dispersivo, de modo que a refração é independente da freqüência do sinal

transmitido, dependendo apenas das propriedades termodinâmicas do ar. Já a ionosfera

caracteriza-se por ser um meio dispersivo, cuja refração depende da freqüência563

.

Concentrando-nos no efeito da troposfera, é correto afirmar que tal efeito

pode variar de poucos metros até 30 metros, dependendo da densidade da atmosfera,

do ângulo de elevação do satélite e da massa gasosa que se concentra nas baixas

camadas da atmosfera terrestre (que são compostas por uma camada de gases secos –

denominada de componente hidrostático- e por uma outra camada composta de vapor

d’água – denominada componente úmido-)564

.

São exatamente os componentes hidrostático (camada de gases secos) e

úmido (camada de vapor d’água) que geram o chamado atraso troposférico. No

primeiro caso (componente hidrostático) o atraso ocorre principalmente em razão das

quantidades de nitrogênio e oxigênio e corresponde a aproximadamente 2,3 metros no

seu ponto mais elevado e varia com a temperatura e a pressão atmosférica do local. No

563

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 126.

564

Ibidem, p.128.

324

segundo caso (componente hidrostático) o atraso ocorre pela influência do vapor

d’agua e é da ordem de 1,0 a 30,0 centímetros no seu ponto mais elevado565

.

Tem-se, pois, que o atraso troposférico é, aproximadamente, a soma dos

efeitos dos componentes hidrostático e úmido expressos como o produto do atraso

vertical com uma função de mapeamento, que relaciona o atraso vertical(atraso

zenital) com o atraso para outros ângulos de elevação, como abaixo demonstrado566

:

T rs= [TZH x mh(E) + TZW x mW(E)], tal que:

TZH é o atraso zenital567

do componente hidrostático;

TZW é o atraso zenital da componente úmido;

mh(E) e mW(E) são, respectivamente, as funções de mapeamento que relacionam o

atraso das componentes hidrostática e úmida com o ângulo de elevação (E) do satélite;

As estimativas desse atraso troposférico podem ser obtidas utilizando

processos estocásticos adequados a partir das observáveis GPS, havendo diversos

programas computacionais científicos que podem ser empregados para estimar tal

atraso, como o GOA II568

, valendo acrescentar que a RBMC (Rede Brasileira de

Monitoramento Contínuo dos Satélites GPS) possui várias estações de coleta de dados

GPS que podem ser utilizadas para obter a estimativa do atraso troposférico no

território brasileiro569

.

565

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.128. 566

Ibidem, p.129. 567

Atraso zenital é o resultado da conversão do atraso na direção satélite-receptor para a direção zenital (conforme SAPUCCI, Luiz Fernando; MACHADO, Luiz Augusto Toledo; MONICO, João Francisco Galera. Previsões do atraso zenital troposférico para a América do Sul: Variabilidade sazonal e Avaliação da qualidade. Disponível em: < http://www.rbc.ufrj.br/_pdf_58_2006/58_03_8.pdf>. Acesso em: 01.mai. 2011. 568

Sistema que utiliza métodos de processamento sofisticados e possibilita a modelagem de vários efeitos incidentes sobre os sinais GPS, sendo uma importante ferramenta que permite realizar tarefas específicas quando o trabalho requer alta precisão, como é o caso da estimativa do atraso zenital troposférico (conforme SILVA, Amanda Ferreira da; SAPUCCI, Luiz Fernando; MONICO, João Francisco Galera. Estimativa do atraso zenital troposférico utilizando dados GPS da RBMC. Disponível em < http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/233-g43.pdf>. Acesso em 01.mai. 2011). 569

SILVA, Amanda Ferreira da; SAPUCCI, Luiz Fernando; MONICO, João Francisco Galera. Estimativa do atraso zenital troposférico utilizando dados GPS da RBMC. Disponível em: < http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/233-g43.pdf>. Acesso em: 01.mai.2011.

325

Figura. Projeção do atraso troposférico na direção zenital

As funções de mapeamento têm por função projetar a atraso troposférico na direção satélite-receptor (traço

azul) para a direção zenital (traço vermelho) permitindo a modelagem da influência troposférica a partir das

medidas de temperatura, pressão e umidade do perfil vertical troposférico.

Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Divisão de Satélites e Sistemas Ambientais.

b) Quanto à refração ionosférica, a mesma depende da freqüência e,

conseqüentemente, do índice de refração, que é proporcional ao TEC(Conteúdo Total

de Elétrons – do inglês Total Electron Contents), isto é, ao número de elétrons

presentes ao longo do caminho percorrido pelo sinal emitido pelo satélite até o

receptor. Como o TEC varia no tempo e no espaço em razão de muitas variáveis

(como a ionização solar, a atividade magnética, o ciclo de manchas solares, estação do

ano, localização do usuário e direção do raio vetor do satélite) tem-se um efetivo

problema, vez que tais variações podem fazer com que o receptor GPS perca a sintonia

com o satélite pelo enfraquecimento do sinal570

.

Inúmeros modelos têm sido desenvolvidos para estimar a densidade de elétrons,

mas é difícil encontrar um que estime o TEC com precisão, tendo-se como a melhor

alternativa para correção do erro causado pelo atraso ionosférico a estimação a partir

de observações simultâneas dos sinais transmitidos pelos satélites GPS em duas

freqüências diferentes571

, existindo, inclusive, programas computacionais para

570

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p.135.

571

Ibidem, p.139.

326

avaliação estimativa do TEC, que se baseiam no formato IONEX (Ionosphere Map

Exchange)572

, ilustrado na figura 23, para construção de mapas globais da ionosfera

(que atendem pela sigla GIM, do inglês Global Inosphere Maps)573

, provendo a

estimativa realizada pelos órgãos componentes do segmento de controle do sistema

GPS afastando os erros ou os reduzindo a efeitos desprezíveis. Nesse sentido vale

transcrição de trecho da pesquisa científica realizada por Wesley Sato Rodrigues,

Paulo O. Camargo, William R. Dal Poz e Fabrício S. Prol publicada sob o título

“Mapas da Inosfera para o Brasil: produção e disponibilização em tempo quase real”

onde se concluiu:

Por meio desses mapas e arquivos IONEX, os usuários do sistema

GNSS poderão ter uma idéia do comportamento da ionosfera e

analisar o impacto dos resultados de seus levantamentos, bem como

utilizar os arquivos para corrigir as observáveis da portadora L1. Além

disso, passarão a possuir um arquivo IONEX de caráter regional, que

irá proporcionar valores mais condizentes com a realidade brasileira,

devido à utilização de um grande número de estações GNSS ativas

localizadas sobre o país para o cálculo do TEC.574

Figura. Exemplo de mapa de VTEC utilizando dados no formato IONEX

-75 -70 -65 -60 -55 -50 -45 -40 -35 -30

Longitude Geográfica

10/JULHO/2007 (07-08 UT) (04-05 HL)

-35

-30

-25

-20

-15

-10

-5

0

5

Lat

itu

de

Geo

grá

fica

VT

EC

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Fonte: RODRIGUES, Wesley Sato; CAMARGO, Paulo O.; POZ, William R. Dal; PROL, Fabricio S. Produção

de mapas da Ionosfera utilizando dados GPS da RBMC e da Rede GPS ativa do Estado de São Paulo

572

GURTNER, Werner; SCHAER, Stefan; FELTENS, Joachim. IONEX: The Ionosphere Map Exchange Format Verson 1. 2010. Disponível em: < http://igscb.jpl.nasa.gov/igscb/data/format/ionex1.pdf>. Acesso em: 01. Mai. 2011.

573

RODRIGUES, Wesley Sato; CAMARGO, Paulo O.; POZ, William R. Dal; PROL, Fabricio S. Mapas da ionosfera para o Brasil: produção e disponibilização em tempo quase real. 2009. Disponível em: <http://prope.unesp.br/xxi_cic/27_22845377827.pdf>. Acesso em 01.mai.2011.

574

RODRIGUES, Wesley Sato; CAMARGO, Paulo O.; POZ, William R. Dal; PROL, Fabricio S. Mapas da ionosfera para o Brasil: produção e disponibilização em tempo quase real. 2009. Disponível em: <http://prope.unesp.br/xxi_cic/27_22845377827.pdf>. Acesso em 01.mai.2011.

327

c) Perdas de ciclos: no momento em que um receptor é ligado, é verificada a

diferença entre a portadora (onda eletromagnética) recebida do satélite e a sua réplica

gerada no receptor (essa diferença é denominada “parte fracionária”), sendo certo que

durante o rastreamento, o contador (de ciclos) é incrementado por um ciclo575

sempre

que a fase de batimento alcança o valor “0” e, por conseqüência, num determinado

momento, a fase observada é igual à soma da parte fracionária(medida quando o

receptor foi ligado) com o número de ciclos inteiros entre o satélite e o receptor576

.

Inexistindo interrupção da contagem no número inteiro de ciclos durante o

período de rastreamento, ele permanece constante. Num ambiente com amplo campo

de visão, as medidas de fase são habitualmente contínuas durante o período do

rastreamento. No entanto, essa continuidade não ocorre na maioria dos levantamentos

realizados com GPS, vez que pode ocorrer obstrução do sinal de um ou mais satélites

(obstrução essa que pode ser gerada por construções, árvores, pontes, montanhas,

variações bruscas da atmosfera, interferências de outras fontes de rádio, problemas

com o receptor, entre outros obstáculos à onda eletromagnética), impedindo que tal

sinal (ondas magnéticas) chegue até a antena do receptor, gerando, pois, perda de sinal

e acarretando também uma perda da contagem do número de ciclos medidos no

receptor, ocorrendo o que se denomina perda de ciclos577

. Tal situação é capaz de

gerar erro na localização do usuário, vez que, como já analisado, a fase da onda

portadora é uma das observáveis GPS.

Várias técnicas foram desenvolvidas para a detecção e correção do erro

gerado pela perda de ciclos. João Francisco Galera Monico, Eniuce Menezes de Souza

e Wagner Carrupto Machado no estudo denominado “Avaliação de Estratégias de

Detecção e Correção de Perdas de Ciclos Na Portadora GPS L1” ensinam que existem

vários métodos factíveis de identificação da ocorrência de perda de ciclos, sendo que o

575

Como já exposto no item 3.2.1.4.2 desta tese, denomina-se ciclo a repetição do padrão de uma determinada onda.

576

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 149.

577

Ibidem, p. 149-150.

328

principal é o método das duplas diferenças que consiste em dados de dois receptores e

dois satélites com a aplicação da equação abaixo578

:

Tal que:

O método das duplas diferenças tem como principal vantagem o fato de que

a maioria dos erros comuns aos satélites e receptores é praticamente cancelada, sendo

o método normalmente utilizado no processamento de dados GPS, proporcionando a

melhor relação entre o ruído resultante e a eliminação de erros sistemáticos envolvidos

nas observáveis originais579

.

d) Erros gerados pela rotação da Terra: o cálculo das coordenadas do satélite

realizado durante o funcionamento do sistema GPS é realizado para um determinado

instante de transmissão do sinal e num certo sistema de coordenadas fixo à Terra.

Assim, é necessário efetuar a correção do movimento de rotação do Planeta Terra, vez

que durante a propagação da onda eletromagnética o sistema de coordenadas terrestres

rotaciona com relação ao satélite, modificando as suas coordenadas580

, como

demonstrado na figura a seguir.

578

MONICO, João Francisco Galera; SOUZA, Eniuce Menezes de; MACHADO, Wagner Carrupt. Avaliação de Estratégias de Detecção e Correção de Perdas de Ciclos na Portadora GPS L1. In “Boletim de Ciências Geodésicas ” , volume 15, no. 2, abril-junho de 2009. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, p. 178-193.

579

Idem. 580

Idem. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 151.

329

Figura. Efeitos da rotação da Terra na precisão do sistema GPS

Fonte: DEMARQUI, Edgar Nogueira. Observáveis GPS: características e erros.

Para a correção de tal erro, como ensina Galera Monico, as coordenadas

originais do satélite devem ser rotacionadas sobre o eixo Z de um ângulo α, definido

como o produto do tempo de propagação pela velocidade da rotação da Terra,

conforme equação abaixo581

, calculando-se as coordenadas corrigidas.

α = We . T

Tal que:

α = ângulo da rotação

We = velocidade de rotação da Terra

T= tempo de propagação da onda

O segmento de controle do sistema GPS procede à devida correção dos

erros relacionados à rotação da Terra, tendo-se como resultado, para o usuário,

informações que refletem a realidade, não gerando discrepâncias quanto à localização

de terminado móvel na superfície da Terra.

581

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo Navstar-GPS. Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 151.

330

ANEXO A

RESOLUÇÃO Nº 330, DE 14 DE AGOSTO DE 2009, DO CONTRAN (Conselho

Nacional de Trânsito)

Estabelece o cronograma para a instalação do equipamento obrigatório definido na

Resolução nº 245/2007, denominado antifurto, nos veículos novos, nacionais e

importados.

O CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO – CONTRAN, usando da competência

que lhe confere o art. 12, da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o

Código de Trânsito Brasileiro – CTB, e conforme o disposto no Decreto nº 4.711, de

29 de maio de 2003, que trata da coordenação do Sistema Nacional de Trânsito – SNT;

Considerando o disposto no artigo 7º da Lei Complementar nº 121, de 09 de

fevereiro de 2006, que deu competência ao CONTRAN para estabelecer os

dispositivos antifurto obrigatórios e providenciar as alterações necessárias nos veículos

novos, saídos de fábrica, produzidos no país ou no exterior, a serem licenciados no

Brasil;

Considerando o disposto na Resolução nº 245, de 27 de julho de 2007, que definiu as

características do equipamento antifurto, e a necessidade de programação das

indústrias automotiva e de equipamentos, para fornecimento e instalação de forma

progressiva;

Considerando que o disposto no § 4º do artigo 105 do CTB, que trata dos

equipamentos obrigatórios, confere competência ao CONTRAN para estabelecer os

prazos para o atendimento da obrigatoriedade;

Considerando o resultado dos trabalhos dos Grupos Técnicos criados pelo

DENATRAN com a participação da ANFAVEA, ABRACICLO, Operadoras de

Telefonia Serviço Móvel Pessoal – SMP, Empresas de Monitoramento e Localização

de Veículos, Empresas Fabricantes de SIM Cards e Empresas Fabricantes de

Hardware;

Considerando o que consta do Processo nº 80000.016715/2009-60;

RESOLVE:

Art. 1º Referendar a Deliberação nº 83, de 22 de julho de 2009, do Presidente do

Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, publicada no DOU de 23 de julho de

2009.

Art. 2° Implantar a Operação Assistida, com início em 1° de agosto de 2009 e término

em 31 de janeiro de 2010, com objetivo de validar o funcionamento de todo o sistema:

Bloqueio Autônomo, Bloqueio Remoto e a Função de Localização.

331

Art. 3º O DENATRAN criará um Grupo de Acompanhamento da Operação Assistida

– GA –, composto por integrantes dos órgãos e entidades que participaram dos Grupos

Técnicos criados para a implantação do sistema antifurto.

Art. 4° Estabelecer o seguinte cronograma mensal para a instalação do dispositivo

antifurto nos veículos novos produzidos e saídos de fábrica, nacionais e importados, a

serem licenciados no país:

I – Nos automóveis, camionetas, caminhonetes e utilitários:

a) a partir de 1° de fevereiro de 2010, 20% (vinte por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

b) a partir de 1º de julho de 2010, em 40% (quarenta por cento) da produção

total destinada ao mercado interno;

c) a partir de 1° de outubro de 2010, em 100% (cem por cento) da produção

total destinada ao mercado interno.

II – Nos caminhões, ônibus e microônibus:

a) a partir de 1° de fevereiro de 2010, em 30% (trinta por cento) da produção

total destinada ao mercado interno;

b) a partir de 1° de julho de 2010, em 60% (sessenta por cento) da produção

total destinada ao mercado interno;

c) a partir de 1° de outubro de 2010, em 100% (cem por cento) da produção

total destinada ao mercado interno.

III – Nos caminhões-tratores, reboques e semi-reboques a partir de 1° de

dezembro de 2010, em 100% (cem por cento) da produção total destinada ao mercado

interno.

IV - Nos ciclomotores, motonetas, motocicletas, triciclos e quadriciclos:

a) a partir de 1° fevereiro de 2010, em 15% (quinze por cento) por cento da

produção total destinada ao mercado interno;

b) a partir de 1° agosto 2010, em 50% (cinqüenta por cento) da produção

total destinada ao mercado interno;

c) a partir de 1° dezembro de 2010, em 100% (cem por cento) da produção

total destinada ao mercado interno.

Parágrafo único. Para efeito de produção total, consideram-se os veículos

produzidos no Brasil ou no exterior, destinados ao mercado interno.

Art. 5º Aos aparelhos automotores destinados a puxar ou arrastar maquinaria de

qualquer natureza ou executar trabalhos agrícolas e de construção ou de pavimentação

e aos reboques e semi-reboques previstos na ABNT NBR N° 10966 Categorias 1 e 2,

não se aplicam as disposições da Resolução nº 245/07.

Art. 6° A instalação do dispositivo antifurto será feita:

I - na respectiva fábrica, nos veículos produzidos no País;

332

II - em local sob responsabilidade do fabricante do veículo ou do importador, nos

veículos importados.

Art. 7º Os fabricantes e os importadores dos veículos objeto desta Resolução deverão

encaminhar ao CONTRAN, semestralmente, relatório demonstrativo do

cumprimento do cronograma estabelecido.

Art. 8º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando

revogada a Resolução nº 295, de 28 de outubro de 2008.

333

ANEXO B

RESOLUÇÃO No. 111, DE 28/04/2011, DO CONTRAN (CONSELHO

NACIONAL DE TRÂNSITO)

Altera a Resolução nº 330, de 14 de agosto de 2009, que estabelece o cronograma

para a instalação do equipamento obrigatório definido na Resolução nº 245/07.

O Presidente do O Conselho Nacional de Trânsito, ad referendum do Conselho

Nacional de Trânsito - CONTRAN, no uso das atribuições que lhe confere o art. 12,

inciso I, da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de

Trânsito Brasileiro, combinado com o art. 6º do Regimento Interno daquele

Colegiado, e nos termos do disposto no Decreto nº 4.711, de 29 de maio de 2003,

que trata da coordenação do Sistema Nacional de Trânsito e,

Considerando o disposto no art. 7º da Lei Complementar nº 121, de 09 de

fevereiro de 2006, que deu competência ao CONTRAN para estabelecer os

dispositivos antifurto obrigatórios e providenciar as alterações necessárias nos

veículos novos, saídos de fábrica, produzidos no país ou no exterior, a serem

licenciados no Brasil;

Considerando o disposto na Resolução nº 245, de 27 de julho de 2007, que definiu

as características do equipamento antifurto, e a necessidade de programação das

indústrias automotiva e de equipamentos, para fornecimento e instalação de forma

progressiva;

Considerando o disposto no § 4º do art. 105 do CTB, que trata dos equipamentos

obrigatórios e confere competência ao CONTRAN para estabelecer os prazos para

o atendimento da obrigatoriedade;

Considerando o disposto na Resolução nº 330, de 14 de agosto de 2009, com as

alterações promovidas pela Resolução nº 343, de 05 de março de 2010 e pela

Resolução nº 364, de 24 de novembro de 2010;

Considerando o andamento da Operação Assistida e as reuniões entre a Anfavea,

Abraciclo, Sindipeças, Acel, Serpro, Gristec, Denatran e Mcidades;

Considerando os resultados observados durante a Operação Assistida e os prazos

necessários à entrada em operação da Infraestrutura de Telecomunicações do

DENATRAN;

334

Considerando o que consta do Processo nº 80000.041457/2010-93;

Resolve:

Art. 1º. O art. 2º da Resolução nº 330, de 14 de agosto de 2009, do CONTRAN,

passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2º. Implantar a Operação Assistida, com início em 1º de agosto de 2009 e

término em 30 de novembro de 2011, com objetivo de validar o funcionamento de

todo o sistema: Bloqueio Autônomo, Bloqueio Remoto e a Função de Localização.

Art. 2º. O cronograma estabelecido no art. 4º da Resolução nº 330/2009, passa a ser

o seguinte:

I - Nos automóveis, camionetas, caminhonetes e utilitários:

a) a partir de 15 de janeiro de 2012, em 20% (vinte por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

b) a partir de 15 de março de 2012, em 40% (quarenta por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

c) a partir de 15 de junho de 2012, em 70% (setenta por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

d) a partir de 15 de agosto de 2012, em 100% (cem por cento) da produção total

destinada ao mercado interno.

II - Nos caminhões, ônibus e microônibus:

a) a partir de 15 de janeiro de 2012, em 20% (vinte por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

335

b) a partir de 15 de março de 2012, em 40% (quarenta por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

c) a partir de 15 de junho de 2012, em 70% (setenta por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

d) a partir de 15 de agosto de 2012, em 100% (cem por cento) da produção total

destinada ao mercado interno.

III - Nos caminhões-tratores, reboques e semi-reboques a partir de 15 de agosto de

2012, em 100% (cem por cento) da produção total destinada ao mercado interno.

IV - Nos ciclomotores, motonetas, motocicletas, triciclos e quadriciclos:

a) a partir de 15 de janeiro de 2012, em 5% (cinco por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

b) a partir de 15 de março de 2012, em 15% (quinze por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

c) a partir de 15 de abril de 2012, em 20% (vinte por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

d) a partir de 15 de novembro de 2012, em 50% (cinqüenta por cento) da produção

total destinada ao mercado interno;

e) a partir de 15 de janeiro de 2013, em 100% (cem por cento) da produção total

destinada ao mercado interno;

Art. 3º. Esta Deliberação entra em vigor na data de sua publicação, sendo facultado

antecipar sua adoção total ou parcial a partir da data de início da disponibilidade da

infraestrutura de telecomunicações necessária.

336

ÍNDICE

Introdução............................................................................................................1

Capítulo I – Interpretação e mutação normativa.................................................7

1 Norma jurídica. Conceito e estrutura....................................................................7

2 Interpretação jurídica. Conceito e características....................................................12

2.1 Os princípios como valores condutores da interpretação jurídica...................19

2.2 A interpretação constitucional e seus princípios..............................................22

2.3 As peculiaridades da interpretação de enunciados de natureza trabalhista............27

2.3.1 O princípio do protecionismo...............................................................27

2.3.1.1 A regra in dubio pro operario................................................31

2.3.1.2 A regra da norma mais favorável ao trabalhador.....................32

2.3.1.3 A regra da condição mais benéfica ao trabalhador...................33

2.4 A interpretação dos direitos fundamentais.......................................................34

2.4.1 Conceito e espécies de Direitos Fundamentais........................................34

2.4.2 As normas jurídicas de Direito do Trabalho como Direitos Fundamentais

de 2ª Geração....................................................................................38

2.4.3 A interpretação dos enunciados prescritivos introdutores de Direitos

Fundamentais.....................................................................................41

3. A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale e o fenômeno da mutação

normativa...........................................................................................................45

3.1 O ambiente temporal de desenvolvimento da Teoria Tridimensional do

Direito.....................................................................................................45

3.2 As espécies de Tridimensionalidade do Direito...............................................49

3.2.1 A Tridimensionalidade genérica e abstrata do Direito..............................49

3.2.2 A Tridimensionalidade específica..........................................................51

3.3 As características da Tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale.............53

337

3.4 A “Eticidade” como reflexo da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel

Reale.........................................................................................................57

3.4.1 Análise semântica do termo “Eticidade”................................................58

3.4.2 A polissemia da palavra “Ética”.............................................................59

3.4.3 A definição de ética para Miguel Reale................................................64

3.4.3.1 Conduta e valor........................................................................65

3.4.3.2 Fins e categorias do agir............................................................66

3.4.3.3 Momentos da conduta................................................................70

3.4.3.4 Especificidade da conduta ética..................................................71

3.4.3.5 Modalidades de conduta.............................................................72

3.4.4 O conceito e a aplicação de “Eticidade” em Miguel Reale.......................77

3.4.5 A Eticidade como instrumento de mutação normativa..............................79

4 Conclusões parciais..........................................................................................83

Capítulo II- O poder fiscalizatório do Empregador e as novas tecnologias de

vigilância............................................................................................85

1 O Poder Empregatício...........................................................................................85

1.1 Conceito e características do Poder Empregatício...........................................85

1.2 Natureza jurídica do Poder Empregatício......................................................89

2 Espaço Ampliado. Conceito e características........................................................92

3 O regime de visibilidade como “valor” e “fonte” de “mutação normativa”...........98

4 Conclusões parciais.............................................................................................99

Capítulo III – Os sistemas “Automatic Vehicle Location”(AVL)........................102

1 Os sistemas precursores do AVL.........................................................................102

2. Conceito de AVL..............................................................................................105

338

3. As partes componentes de um sistema AVL........................................................110

3.1. Módulo “Banco de Dados de Mapa Digital”.................................................113

3.2. Módulo de Posicionamento.........................................................................119

3.2.1. Técnicas de posicionamento............................................................120

3.2.1.1 GPS. Conceito e funcionamento ............................................121

3.2.1.1.1 As observáveis GPS:características, erros e soluções.........133

a) Erros relacionados aos satélites..........................................137

b) Erros relacionados à propagação do sinal............................139

c) Erros relacionados com o receptor e a antena......................140

d) Erros e correções relacionados com a estação.....................142

3.2.1.1.2 Tipos de posicionamento.............................................145

a) Posicionamento absoluto....................................................145

b) Posicionamento relativo.....................................................146

c) Posicionamento diferencial................................................151

3.2.1.2 Outros sistemas globais de navegação por satélite....................152

3.3 Módulo de “Planejamento de rota”...............................................................153

3.3.1 Conceitos de software e de hardware.................................................153

3.3.2 Sistemática de um módulo de planejamento de rota............................155

3.4 Módulo “Map Matching”............................................................................156

3.5 Módulo “Orientação de rota”......................................................................157

3.6 Módulo de “Comunicação sem fio”..............................................................159

3.6.1 Telemática. Conceito e desenvolvimento..............................................160

3.6.1.1 Comunicação celular. Conceito, evolução e atual estado da

técnica..............................................................................163

3.6.1.2 Comunicação através de satélite............................................164

3.7 Módulo de interface homem-máquina..........................................................166

339

3.8 Os sensores.................................................................................................167

4 Espécies de sistemas AVL..................................................................................169

4.1 Sistema AVL passivo...................................................................................169

4.2 Sistema AVL ativo......................................................................................170

4.3 Sistema AVL híbrido...................................................................................170

5 Os equipamentos embarcados necessários ao funcionamento do sistema

AVL.....................................................................................................................171

6 Características práticas dos sistemas “Automatic Vehicle Location”...................176

6.1 Introdução...................................................................................................176

6.2 Perguntas a serem respondidas através da observação direta intensiva...........180

6.3 Dados colhidos durante a operação...............................................................181

6.4 Das conclusões obtidas através da operação..................................................219

7 Os sistemas AVL e o controle de paradas do veículo.............................................220

Capítulo IV- A mutação normativa do artigo 62, I, da CLT em função da

mudança de regime de visibilidade........................................224

1. O contrato de trabalho e a jornada laboral.....................................................224

1.1. A Lei 12.619/12 e a jornada de trabalho do motorista rodoviário.........231

2. Análise histórica do enunciado prescritivo constante do inciso I do artigo 62

da CLT...........................................................................................................235

3. A elasticidade semântica do enunciado contido no artigo 62, I, da CLT e as

hipóteses interpretativas................................................................................238

4. Da relação entre a norma jurídica oriunda do artigo 62, I, da CLT e os

Direitos Fundamentais contidos no artigo 7º, IX e XVI, da Constituição

Federal...........................................................................................................240

5. Das hipóteses interpretativas do artigo 62, I, da CLT frente ao princípio in

dubio pro operario........................................................................................242

340

6. Da natureza jurídica do poder empregatício e a interpretação do artigo 62, I,

da CLT...........................................................................................................243

7. Aplicação do princípio da unidade do direito positivo..................................244

7.1 Os “Valores Sociais do Trabalho” e a “Dignidade da Pessoa Humana”

como fundamentos da República Federativa do Brasil e, consequentemente,

das normas jurídicas vigentes........................................................................245

7.1.1 A Dignidade da Pessoa Humana....................................................247

7.1.2 Os “Valores Sociais do Trabalho” e a “Valorização do Trabalho

Humano”.......................................................................................252

7.2 A inexistência de exceção constitucional expressa aos termos do artigo 7º,

XVI, da Constituição Federal além da hipótese do parágrafo único do

mesmo artigo 7º.........................................................................................264

8 O atual regime de visibilidade e a sua influência na interpretação do inciso I

do artigo 62 da CLT..................................................................................266

9 A Lei 12.551/2011 e a incorporação expressa do novo regime de visibilidade

ao contrato de trabalho..............................................................................272

9.1 A Convenção 177 da OIT e as normas internacionais de regulação do

trabalho à distância..................................................................................272

9.2 A modificação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei

12.551/2011.............................................................................................275

a) Do enquadramento do “trabalho realizado à distância” dentre as

formas de prestação laboral na relação de emprego que se

equiparam..........................................................................................275

b) A introdução formal da tecnologia de transmissão de dados à distância

como instrumento de exercício do poder

empregatício......................................................................................278

10 Dos contornos constitucionais do princípio da livre iniciativa e do ônus do

Empregador (contratante de Empregados-Motoristas rodoviários de atividade

externa) de instalar sistemas AVL (Automatic Vehicle Location) nos veículos

de sua frota....................................................................................................280

341

Conclusão.........................................................................................................287

Bibliografia.......................................................................................................295

Apêndice

Apêndice A – Técnicas de posicionamento de objetos e pessoas...............................306

Apêndice B- Técnicas de calibração de antenas GPS.................................................311

Apêndice C – Outros “Sistemas Globais de Navegação por Satélite”........................313

Apêndice D – A evolução da técnica de comunicação celular....................................316

Apêndice E – Erros relacionados à propagação dos sinais no sistema GPS...............322

Anexo

Anexo A - Resolução no. 330/2009 do CONTRAN.........................................330

Anexo B - Resolução no. 111/2011 do CONTRAN.........................................333

Índice................................................................................................................336