10
- OS SUPER-HEROIS CONQUISTARAM OS NORTE-AMERICANOS E IMPULSIONARAM A INDUSTRIA DOS QUADRINHOS ano 6 1938, quase uma decada ap6s o crash da bolsa de Nova York ter projetado os Estados Unidos - e o mundo - em um period0 de crise econhmica severa. As bancas jA recebiam algumashist6rias em qua- drinhos, almanaquesque se populari- zaram apenas cinco anos antes, quan- do a Editora Eastern Color comeyou a compilar tirinhas chmicas (comics) e lanqA-las em peri6dicos. Chamadosde comicbooks, eram vendidosa lo centa- vos de d6lar (US$1,3o hoje). A novida- de, naquele 18de abril, era o primeiro v h e da &e Action Comics. Na capa, um sujeito de colante azul e capa ver- melha erguia um carro. N5o tardaria para que conquistassen5o s6 um titu- lo pr6pri0, mas a imaginal50 dos jo- vens norte-americanos. 0 Super-Ho- mem anunciava o inicio da era de ouro dos her6is fantasiados. TEXT0 Barbara Bretanha Hist6rias de super-homens, dota- dos de poderes incriveis ou coragem acima da media, s50 t50 antigas quan- to a humanidade. E quase t5o antiga quanto C a prAtica de ilustrar esses feitos. A arte sequenciada e com dii- logos tampouco 6 invenq50 moderna. "As catedrais da baixa Idade Media tCm afrescos com santos em que as frases s5o ilustradas atraves de per- gaminhossaindoda boca, assim como o famoso 'balk'. Isso tinha ate nome: filactera", diz Flivio Calazans, coor- denador do nucleo de pesquisas em hist6rias em quadrinhos da Unesp. 0 interessepor herbis c2picos 6 uni- versal, mas nos EUA tornou-se febre. Eles se multiplicaram e saltaram dos gibis para o ddio, a televis50, o cine- ma e as casas das pessoas na forma de produtos licenciados. Das batalhas de Batman contra politicos corruptos na epoca da Depressgo, 5 luta unilateral do CapitPo America contra a Alema- nha nazista, os quadrinhos n50 s6 refletiam o clima nacional, mas con- tribuiam para mold8-lo. Vestindo as cores da bandeira dos EUA, o Super-Homemtornou-se em- blem8tico. "Nas primeiras aventuras, ele era um superassistente social, re- fletindo o idealism0 liberal do New Deal. Bebados, maridos abusivos e viciados em jog0 receberam sua aten- 150. Em uma das histbrias, um pro- prietirio que obriga sew mineradores a trabalhar em condiq6es insalubres 6 obrigado a passar pela mesma expe- riCncia", escreve Roger Sabin em Co- mics, Comix B GraphicNoveki. "EntBo, quando a Guerra Fria chegou ii AmC- rica, o personagem evoluiu para um gudo da ordem mundial: um todo- poderoso e 5s vezes corpulento con- servador lutando pela 'verdade, justi- p e o estilo de vida americano'!' n

OS SUPER-HEROIS CONQUISTARAM OS NORTE … · OS SUPER-HEROIS CONQUISTARAM OS NORTE-AMERICANOS E IMPULSIONARAM A INDUSTRIA DOS QUADRINHOS ano 6 1938, quase uma decada ap6s o …

Embed Size (px)

Citation preview

-

OS SUPER-HEROIS CONQUISTARAM OS NORTE-AMERICANOS E IMPULSIONARAM A INDUSTRIA DOS QUADRINHOS

ano 6 1938, quase uma decada ap6s o crash da bolsa de Nova York ter projetado os Estados

Unidos - e o mundo - em um period0 de crise econhmica severa. As bancas jA recebiam algumas hist6rias em qua- drinhos, almanaques que se populari- zaram apenas cinco anos antes, quan- do a Editora Eastern Color comeyou a compilar tirinhas chmicas (comics) e lanqA-las em peri6dicos. Chamados de comic books, eram vendidos a lo centa- vos de d6lar (US$1,3o hoje). A novida- de, naquele 18 de abril, era o primeiro v h e da &e Action Comics. Na capa, um sujeito de colante azul e capa ver- melha erguia um carro. N5o tardaria para que conquistasse n5o s6 um titu- lo pr6pri0, mas a imaginal50 dos jo- vens norte-americanos. 0 Super-Ho- mem anunciava o inicio da era de ouro dos her6is fantasiados.

TEXT0 Barbara Bretanha

Hist6rias de super-homens, dota- dos de poderes incriveis ou coragem acima da media, s50 t50 antigas quan- to a humanidade. E quase t5o antiga quanto C a prAtica de ilustrar esses feitos. A arte sequenciada e com dii- logos tampouco 6 invenq50 moderna. "As catedrais da baixa Idade Media tCm afrescos com santos em que as frases s5o ilustradas atraves de per- gaminhos saindo da boca, assim como o famoso 'balk'. Isso tinha ate nome: filactera", diz Flivio Calazans, coor- denador do nucleo de pesquisas em hist6rias em quadrinhos da Unesp.

0 interesse por herbis c2picos 6 uni- versal, mas nos EUA tornou-se febre. Eles se multiplicaram e saltaram dos gibis para o ddio, a televis50, o cine- ma e as casas das pessoas na forma de produtos licenciados. Das batalhas de Batman contra politicos corruptos na epoca da Depressgo, 5 luta unilateral

do CapitPo America contra a Alema- nha nazista, os quadrinhos n50 s6 refletiam o clima nacional, mas con- tribuiam para mold8-lo.

Vestindo as cores da bandeira dos EUA, o Super-Homem tornou-se em- blem8tico. "Nas primeiras aventuras, ele era um superassistente social, re- fletindo o idealism0 liberal do New Deal. Bebados, maridos abusivos e viciados em jog0 receberam sua aten- 150. Em uma das histbrias, um pro- prietirio que obriga sew mineradores a trabalhar em condiq6es insalubres 6 obrigado a passar pela mesma expe- riCncia", escreve Roger Sabin em Co- mics, Comix B Graphic Noveki. "EntBo, quando a Guerra Fria chegou ii AmC- rica, o personagem evoluiu para um g u d o da ordem mundial: um todo- poderoso e 5s vezes corpulento con- servador lutando pela 'verdade, justi- p e o estilo de vida americano'!' n

PRECURSORES 0 s quadrinhos ja existiam desde o s6culo 19. Na Franqa eram conheci- dos como bande dessinde (tiras dese- nhadas) e na Itilia como furnetti (fu- macinha, em referencia aos balBes de fala). 0 cartunista suiqo Rodolphe Topffer, considerado pai dos quadri- nhos modernos, desenhou sua pri- meira historia em 1827. "A historia com imagens que criticos desprezam e estudiosos ma1 notam tem influb- cia maior talvez at6 que a literatura escrita", escreveu Topffer.

Nos EUA, depois da criaq5o do Funnies on Parade, em 1933, a venda de quadrinhos disparou. Eram, em sua maioria, reproduq6es de tiras de jornais. Em poucos anos, porem, fo- ram sendo substituidos por conteiido original. Era mais barato para as edi- toras comprar material de aspirantes que pagar direitos de reproduq50 para titulos consagrados. Sofrendo com os efeitos colaterais da Depressb e de- sesperados por qualquer trabalho, esses artistas n5o encaravam os qua- drinhos com grande entusiasmo.

0 trabalho era malremunerado, firduo, e, pior, geralmente nem dava credit0 ao autor. Faziam-se quadri- nhos na esperanqa de um dia serem promovidos 5s tirinhas dos jornais. Ironicamente, o Super-Homem, de Jerry Siegel e Joe Shuster, tinha pas- sado anos sendo rejeitado pelos jor- nais. Herois como Tarzan, Fantasma, Mandrake e at6 mesmo o Dr. Oculto j5 existiam, mas nenhum reunia todos os elementos que se tornariam de ri- gueur posteriormente: superpoderes, a identidade secreta, uma fantasia e, naturalmente, uma grande miss5o.

HISTORIA DE ORIGEM Ap6s a Primeira Guerra, com a rees- truturaq50 dos territories do leste europeu, os EUA viram uma nova onda de imigraq50. Filho de judeus da Lituinia, o jovem Jerry Siegel sofreu na infincia para conciliar uma cultu- ra com raizes diferentes das suas. Encontrou na ficq5o uma vilvula de escape. Timido, era conhecido pelas parodias que escrevia de herois como Tarzan. Siegel, que fazia parte do gru- po de jornalismo da escola, logo esta-

va imprimindo suas pr6prias cria- @es. E foi na escola, aos 16 anos, que conheceu Joe Shuster, o artista que daria vida i s imagens que imaginava.

Juntos, criaram um fanzine, his- t6ria em quadrinhos autoral, chama- do Science Fiction. 0 terceiro volume, publicado em janeiro de 1933, trazia como vilPo um telepata careca. De- ram a ele o nome de Super-Homem, em referencia ao ~bermensch de Frie- drich Nietzsche. Em uma entrevista em 1983, Siege1 disse que a ideia de transformar o personagem surgiu depois. "Alguns meses ap6s ter pu- blicado a histbria, me ocorreu que o Super-Homem como her6i em vez de vilPo podia render um grande per- sonagem para as tirinhas", disse.

Assim, o bebe alienigena Kal-El foi enviado i Terra pel0 pai, momentos antes da destrui@o de seu planeta, Krypton. Descoberto no Kansas por um casal de fazendeiros, foi batizado de Clark Kent. Clark, um jovem timi- do e atrapalhado, decide ir para a ci- dade ficticia de Metr6polis, onde se torna jornalista. 0 rep6rter esconde um segredo: os superpoderes.

FORMULA DE SUCESSO A mistura de colosso com o jovem bem-intencionado funcionou: nPo eram apenas Siege1 e Shuster que con- seguiam se imaginar na pele do alie- nigena. 0 super-herbi, cujos direitos autorais foram adquiridos por US$ 130 (cerca de R$5 mil, hoje), rendeu milhks para a Detective Comics Inc. e inspirou outra criaqPo da editora: o Batman. Logo a Marvel criaria o To-

cha Humana e a Fawcett Publications, o CapitPo Marvel. Com dinheiro en- trando, as empresas desenvolveram estrategias para envolver ainda mais o leitor. Uma delas foi a criaqio dos side-kicks, os parceiros dos herbis. 0 primeiro foi Robin, em 1940. Dessa forma, crianqas e adolescentes po- diam se imaginar auxiliando seu he- r6i. Outra ferramenta para incentivar o consumo veio com a guerra. H

GUERRA E MASCARAS "No fim da decada de 30, a dureza da Grande Depress50 estava acabando e as pessoas viviam um pouco me- lhor. Mas existiam problemas sociais e politicos emergindo, conta Stephen Krensky em Comic Book Century: The Histo y of American Comic Books. Com a crise econijmica, o crime estava aumentando, e outra ameaqa contri- buia para o clima de instabilidade: a ascensPo do fascism0 e a criaq5o do partido nazista na Alemanha.

0 pliblico norte-americano preci- sava de herbis, tanto quanto ogoverno precisava de simbolos e as editoras, de dinheiro. "Editoras perceberam que a guerra podia ser usada como vanta- gem: afinal, vildes reais como Hitler e Tojo eram ameaqas ideais para os super-herbis. A maioria dos titulos eram cbpias baratas de Super- Homem e Batman", afirma Sabin. Nesse periodo, surgiu o emblemitico Capitb America. J i na primeira capa, d i um belo soco em Adolf Hitler. "0 quadrinho tem a ver com a evas50, quando a vida esti ruim as pessoas correm para ele", diz Calazans. "E os Estados Unidos s5o o pais mais beli- coso do mundo. 0 entretenimento ajuda a doutrinar as crianqas a n5o gostar do inimigo e validar o conflito."

Segundo o New York Times, uma em cada quatro revistas enviadas para as tropas norte-americanas na Segunda Guerra era um gibi. E nessa 6poca que surge a Mulher Maravilha. Com a maioria dos homens enviados ao front, coube i s mulheres assumir as fibricas e as outras ocupaqdes mas- culinas. A super-heroina, que namo- ra um soldado a quem vive resgatan- do, luta pelos direitos das mulheres.

SUPERVIL~ES Com o fim da guerra, as vendas cai- ram. Em resposta, o Super-Homem ficou mais poderoso. Originalmente ele "pulava sobre arranha-c6us e cor- ria mais ripido que um trem expres- so'', mas comeqou a voar, desenvol- veu visio de raio x e se tornou invul- nerivel a tudo, exceto kryptonita. A medida, no entanto, foi insuficiente, e os super-herbis cederam espaqo a outros generos. 0 s quadrinhos se voltaram ao pliblico adulto e histb- rias de crime e horror, repletas de violencia, se popularizaram.

Entio, os quadrinhos viraram bode expiatbrio para delinquencia e analfabetismo juvenil, depois que um psiquiatra respeitado, Fredric Wer- tham, publicou A SedupZo do Inocente, em 1954. "Todos os quadrinhos com suas palavras e expletivos em baldes

sHo ruins para a leitura", escreveu Wertham. "Mas nem todo quadrinho 6 ruim para as mentes e emoqdes das crianqas. 0 problema 6 que os 'bons' quadrinhos sio soterrados por aque- les que glorificam a viol6ncia e o cri- me." Mutirdes passaram a queimar quadrinhos nas ruas.

Um subcomite do Senado foi criado para investigar a situaqb. 0 proprie- tirio da Entertainment Comics, edito- ra especializada em HQs de terror, Bill Gaines, foi chamado para depor em favor das histbrias. Em um ponto da sessio, um senador ergueu uma capa que mostrava um homem com um ma- chado ensanguentado segurando a cabeqa decepada de uma mulher. "Voce acha que isso 6 de bom-tom?", ele teria perguntado. Ao que Gaines respondeu: "E de bom-tom ... para um comic de horror''. Virou manchete.

Em phico, a industria optou por se autorregular e criou um 6rgio e um c6digo para a censura. Gaines afirmou ironicamente que "n6s da EC esperamos uma queda imediata nos crimes e delinquikcia". Com a nova regra, os super-her6is tambem sofreram. Toda hist6ria que pudesse ser considerada subversiva era veta- da. "Esse foi um ponto de virada. As vendas cairam conforme linhas de quadrinhos eram canceladas", diz Sabin. 0 numero de titulos caiu pela metade entre 1954 e 1956.

NOVA ERA As HQs nunca mais alcanqaram os mesmos niveis de venda. 0 revival dos super-her6is teve inicio em 1956, com a primeira apariqio do novo Flash, inspirado no her6i da decada de 40.0 clima de guerra fria favorecia narrativas voltadas para a ciencia. Logo, a DC revitalizaria uma serie de

Nos anos 60, por influsncia da pop art, as HQs voltaram 2 moda. Mas ate o Pantera Negra, criado para refletir o movimento por direitos civis, foi recebido com ceticismo. "0 fim dos anos 60 foi um period0 turbulento, a geraqHo que havia sobrevivido 5 Se- gunda Guerra parecia em descompas- so com os jovens que rompiam a tra-

outros herbis, como o ~ t o m o . diqHo. A Guerra do Vietni ti- Stan Lee, da Marvel, desen- nha comeqado e se tornou um volveu o conceit0 de "marve- conflito entre geraqdes. 0 s lita", o W que compra todos os her6is eram parte do esta- quadrinhos da marca. blishment", diz Krensky.

.. ... .eenager apar "--- .-... neira vez em um artigo da revisi War Science em 1941, mas foi n o termino da Segunda Guerra dolescente se consolidou como ~ p o social de maior poder politicr quisitivo nos EUA. Para muitos ~lescentes norte-arnericanos, os - ^^'oram uma epoca de ativis

edentes. Eles ja n8o se tam corn personagens mals nservadores, demasiadamente IS. E foi em meados de Stan Lee, corn ajuda dos

istas Jack Kirby e Steve Ditko, )u o heroi que melhor capturava

rito: o Homem Aranha. l o desajeitado, Peter Park

tinha que se preocupar apena: n combater o crime, mas precis nparecer as aulas na faculdade conta do trabalho. N lo era um

IS invencivel e solit, heiro para esbanjat

1941 1960 1961 1962 1963 Mulher Maravilha Liga da Justi~a Quarteto Fantastic0 Homem Aranh: X-MEN