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Página1 CEP – CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS Curso de Formação em Psicanálise Trabalho do ciclo III Os três tempos do Édipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosa Eduardo Benzatti do Carmo Esse breve artigo pretende relacionar algumas considerações de Hugo Bleichmar extraídas dos capítulos um (“O complexo de Édipo e o Édipo estrutural”), dois (“O Édipo em Lacan – I”), três (“O Édipo em Lacan – II”), quatro (“O conceito de falo em Freud e Lacan”), cinco (“O Édipo em Lacan – 2 o  tempo”) e seis (“O Édipo em Lacan – 3 o  tempo”) de seu livro Introdução ao estudo das perversões 1  com um conto do escritor João Guimarães Rosa. Através da análise que Bleichmar faz de um aspecto da teoria Lacaniano percebemos que para Lacan o conceito de Édipo é estrutura (subjetiva), pois não há posições definidas na relação mãe filho  pai (as posições se definem à medida que o falo 2  circula; e um sujeito está na estrutura em função do outro e do lugar que ocupa em determinado tempo) e, simultaneamente, o conceito de Édipo é estruturante, no sentido que contribui para a constituição do inconsciente de todos os personagens que interagem nesse jogo – e não somente da criança como propunha Freud quando elaborou a idéia de “Complexo de Édipo”. O Édipo também é estruturante, pois ao final dessas fases (para Lacan trata-se de três tempos) não somente a formação da sexualidade da criança estará definida, como também a constituição do seu caráter – através da formação do superego. 1  Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1984. 2  “Falo” aqui enquanto “significante de uma falta”, aquilo que “está em lugar da falta”. O autor do texto observa que essa falta, a partir da subjetividade do sujeito, aparecer como presença – a presença do falo enquanto significante da falta (é nesse sentido que o falo ocupa o lugar da falta). Se a imagem (do falo imaginário) está presente há a ilusão de completude – expansão do narcisismo, satisfação plena – mas, por outro lado, se algo está presente há também a possibilidade de perdê-lo. Note que o falo imaginário não é somente a imagem do pênis, o falo imaginário pode ser qualquer coisa que complemente a falta e dê a sensação de plenitude.

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CEP ndash CENTRO DE ESTUDOS PSICANALIacuteTICOSCurso de Formaccedilatildeo em Psicanaacutelise

Trabalho do ciclo III

Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaEduardo Benzatti do Carmo

Esse breve artigo pretende relacionar algumas consideraccedilotildees de Hugo Bleichmar

extraiacutedas dos capiacutetulos um (ldquoO complexo de Eacutedipo e o Eacutedipo estruturalrdquo) dois (ldquoO Eacutedipo

em Lacan ndash Irdquo) trecircs (ldquoO Eacutedipo em Lacan ndash IIrdquo) quatro (ldquoO conceito de falo em Freud e

Lacanrdquo) cinco (ldquoO Eacutedipo em Lacan ndash 2o tempordquo) e seis (ldquoO Eacutedipo em Lacan ndash 3o tempordquo)

de seu livro Introduccedilatildeo ao estudo das perversotildees1 com um conto do escritor Joatildeo

Guimaratildees Rosa

Atraveacutes da anaacutelise que Bleichmar faz de um aspecto da teoria Lacaniano

percebemos que para Lacan o conceito de Eacutedipo eacute estrutura (subjetiva) pois natildeo haacute

posiccedilotildees definidas na relaccedilatildeo matildee rarr filho rarr pai (as posiccedilotildees se definem agrave medida que o

falo2 circula e um sujeito estaacute na estrutura em funccedilatildeo do outro e do lugar que ocupa em

determinado tempo) e simultaneamente o conceito de Eacutedipo eacute estruturante no sentido

que contribui para a constituiccedilatildeo do inconsciente de todos os personagens que interagem

nesse jogo ndash e natildeo somente da crianccedila como propunha Freud quando elaborou a ideacuteia de

ldquoComplexo de Eacutedipordquo O Eacutedipo tambeacutem eacute estruturante pois ao final dessas fases (para

Lacan tratashyse de trecircs tempos) natildeo somente a formaccedilatildeo da sexualidade da crianccedila estaraacute

definida como tambeacutem a constituiccedilatildeo do seu caraacuteter ndash atraveacutes da formaccedilatildeo do superego

1 Editora Artes Meacutedicas Porto Alegre 19842 ldquoFalordquo aqui enquanto ldquosignificante de uma faltardquo aquilo que ldquoestaacute em lugar da faltardquo O autor do texto observa que essa falta a partir da subjetividade do sujeito aparecer como presenccedila ndash a presenccedila do falo enquanto significante da falta (eacute nesse sentido que o falo ocupa o lugar da falta) Se a imagem (do falo imaginaacuterio) estaacute presente haacute a ilusatildeo de completude ndash expansatildeo do narcisismo satisfaccedilatildeo plena ndash mas por outro lado se algo estaacute presente haacute tambeacutem a possibilidade de perdecircshylo Note que o falo imaginaacuterio natildeo eacute somente a imagem do pecircnis o falo imaginaacuterio pode ser qualquer coisa que complemente a falta e decirc a sensaccedilatildeo de plenitude

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Lacan divide o Eacutedipo em trecircs tempos No primeiro a relaccedilatildeo se daacute entre a crianccedila e

a matildee e nele a crianccedila deseja ser tudo (ser o objeto exclusivo de desejo) para a matildee ldquoSeu

desejo eacute desejo do outro em duplo sentido ou seja ser desejado pelo outro e tomar o

desejo do outro como se fora o proacutepriordquo3 A crianccedila acredita que a matildee eacute feliz por causa

dela ndash a crianccedila se sente completa e causadora da felicidade da matildee Natildeo sabe que a matildee

procura sua plenitude narcisista que vai para aleacutem dela A crianccedila crecirc ser o falo da matildee ndash

quando na verdade simboliza o falo ndash a crianccedila acredita secircshylo para a matildee Eacute o falo

simboacutelico algo que circula (se daacute e se recebe) podeshyse perdecircshylo porque eacute algo que se tem

e natildeo que se eacute

Nesse primeiro tempo temos o que Lacan chama de ternaacuterio imaginaacuterio a matildee a

crianccedila e o falo (o pai real encontrashyse nesse tempo velado) A crianccedila se crecirc o falo no

inconsciente da matildee o falo estaacute simbolizado na imagem da crianccedila A matildee sente que tem

tudo ndash eacute a matildee faacutelica Afirma Bleichmar

Tem algueacutem para quem ela eacute tudo tem um suacutedito incondicional O menino eacute o falo para a matildee

A partir da perspectiva do menino este eacute que a faz feliz natildeo sabe por que porque natildeo sabe da castraccedilatildeo simboacutelica da matildee

()Notem que aqui estaacute o conceito de lei () No primeiro

tempo do Eacutedipo estaacute encarnada na matildee uma lei oniacutemoda Natildeo eacute que haja uma lei e a matildee seja sua representante Eacute a proacutepria lei Assim como o filho eacute o falo ela eacute a lei4

Jaacute no segundo tempo do Eacutedipo em Lacan temos o desejo do pai frustrando os

desejos da matildee e do filho ldquoO pai interveacutem efetivamente como privador da matildee em sentido

duplo enquanto priva o menino do objeto de seu desejo e enquanto priva a matildee do objeto

faacutelico () eacute aqui que encontra o Outro do outro sua leirdquo (Lacan apud Bleichmar 1984

p45) Nesse tempo a matildee troca o filho pelo pai e o pai natildeo fica situado numa relaccedilatildeo de total

dependecircncia em relaccedilatildeo ao desejo da matildee

Aqui se daacute o que se convencionou denominar ldquocastraccedilatildeo simboacutelicardquo a crianccedila

reconhece que falta algo agrave matildee ndash que natildeo eacute ele ele deixou de ser o falo da matildee ele natildeo eacute o

falo da matildee ldquoO menino ao dirigirshyse agrave sua matildee encontra que haacute um Outro neste caso Outro

3 Bleichmar H Introduccedilatildeo ao estudo das perversotildees p 274 Ibidem p 30

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como o lugar da lei ou significando a lei agrave qual a matildee deve se submeterrdquo5 Na ldquocastraccedilatildeo

simboacutelicardquo a crianccedila deixa de se identificar com o falo deixa de secircshylo a matildee perde o falo O

todo crianccedilashyfalomatildeeshyfaacutelica eacute cortado e de cada parte se corta algo (da primeira a

representaccedilatildeo como falo da segunda o suposto poder de instaurar o falo de acordo com sua

vontade) ldquo() eacute a falta em relaccedilatildeo a uma presenccedila ilusoacuteriardquo6 Eacute importante assinalar que a

ldquocastraccedilatildeo simboacutelicardquo da matildee iniciashyse nesse segundo tempo mas completashyse no terceiro

Tratashyse de um dos processos que num tempo se configura como passagem e em outro se

conclui ndash aliaacutes as divisotildees de tempo (do Eacutedipo em Lacan) no sentido linear satildeo assim

apresentadas visando um efeito teoacuterico e didaacutetico e se configuram considerandoshyse uma ou

outra caracteriacutestica predominante em um ou outro tempo poreacutem todos os momentos devem

ser pensados de forma mais complexa haacute caracteriacutesticas que surgem num e permanecem em

desenvolvimento (ou se completam) no outro

Retomando o outro aspecto desse tempo o menino entatildeo crecirc que o pai eacute o falo pois

esse aparece como mensagem proibitiva ldquoEm relaccedilatildeo ao menino natildeo dormiraacutes com tua matildee

E em relaccedilatildeo agrave matildee natildeo reintegraraacutes teu produtordquo7 Tratashyse do pai interditor terriacutevel e para

a crianccedila imaginaacuterio Aparece como a matildee no primeiro tempo sendo a lei embora soacute a

represente ndash o falo tatildeo poderoso que ditainterdita o desejo da matildee Eacute perfeito eacute aquilo que a

crianccedila natildeo eacute o falo Eacute imaginaacuterio pois eacute algo em si mesmo

Esse pai real ndash tambeacutem castrado ndash estaacute por sua vez tambeacutem submetido agrave lei Essa eacute

promovida pelo pai simboacutelico que natildeo eacute o pai real e terriacutevel

O pai simboacutelico eacute aquilo que em uma cultura promove a leia interdiccedilatildeo para todos

ldquoNatildeo haacute pai simboacutelico sem castraccedilatildeo simboacutelica e sem leirdquo8 Na teoria o significante dessa

funccedilatildeo do pai simboacutelico eacute o que Lacan denominou o ldquoNomeshydoshyPairdquo Eacute o (ou atraveacutes do)

ldquoNomeshydoshyPairdquo que se instaura o lugar da lei dentro do coacutedigo O termo eacute biacuteblico e significa

o que invoca que representa a autoridade maior da lei (mas natildeo eacute a lei) estaacute fora da lei para

inscrever nela sua autoridade Os personagens dessa relaccedilatildeo agem em representaccedilatildeo da lei

ldquoNo nome do pai eacute onde temos que reconhecer a sustentaccedilatildeo da funccedilatildeo simboacutelica que desde

5 Ibidem p 466 Ibidem p 347 Ibidem p 478 Ibidem p 50

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a aurora dos tempos simboacutelicos identifica sua pessoa com a figura da leirdquo (Lacan apud

Bleichmar 1984 p50)

No terceiro tempo do Eacutedipo em Lacan constataremos que alguns processos iniciados

no segundo se completam neste uacuteltimo Por exemplo o pai tambeacutem aceita a lei tratashyse do

pai castrado Assim nesse tempo a lei e o falo se apresentam como instacircncias que estatildeo para

aleacutem de qualquer um dos personagens da triacuteade Afirma Bleichmar

Em primeiro lugar produzida a castraccedilatildeo simboacutelica o filho deixa de ser o falo tampouco o eacute o pai como era no segundo tempo a matildee deixa de ser a lei tampouco a eacute o pai O falo passa a ser algo que poderaacute se ter ou carecer de mas que natildeo se eacute a lei passa a ser uma instacircncia em cuja representaccedilatildeo um personagem possa agir mas natildeo o seraacute Logo no terceiro tempo do Eacutedipo ficam instaurados a lei e o falo como instacircncias que estatildeo acima de qualquer personagem 9

Nesse tempo deixando a crianccedila de ser o falo substitui sua identificaccedilatildeo com o Ego

Ideal ndash uma imagem total de perfeiccedilatildeo narcisista ndash pelo o Ideal do Ego ndash que para Lacan

tratashyse de uma constelaccedilatildeo de insiacutegnias (um siacutembolo que inscreve o lugar determinado que

algueacutem ocupa) A crianccedila natildeo se identifica com a pessoa do pai mas com as insiacutegnias do

pai shy com os significantes dos quais o pai eacute suporte por exemplo as insiacutegnias da

masculinidade O Ideal do Ego tambeacutem estaacute voltado agrave questatildeo do desejo do sujeito ndash ao

fato do sujeito assumir a sua masculinidade ou a feminilidade dependendo de sua

identificaccedilatildeo com uma conduta que pertenccedila ou natildeo agrave classe dos homens Essa

identificaccedilatildeo o dotaraacute de uma insiacutegnia ndash conduta sexual que o torna membro da classe dos

homens por exemplo masculinidade Eacute a diferenccedila entre ter o falo ou imaginar secircshylo

Ao final o pai aparece como instaurador de uma lei ndash que estaacute para aleacutem dele

proacuteprio que eacute a lei do incesto Completa Bleichmar

() como resultado disso surgem duas consequumlecircncias que se produzem no terceiro tempo do Eacutedipo a) a aceitaccedilatildeo da lei Ao aceitar a lei a lei que se aceita por antonomaacutesia eacute a lei do incesto que natildeo soacute proiacutebe a relaccedilatildeo sexual com a matildee como tambeacutem a possibilita com outras mulheres Por isso Lacan diz que no terceiro tempo o pai aparece como permissivo e doador () realizada a castraccedilatildeo simboacutelica a lei eacute lsquonatildeo dormiraacutes com a tua matildee mas sim com qualquer outra mulherrsquo O pai aparece

9 Ibidem p 57

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como aquele que outorga o direito agrave sexualidade e como consequumlecircncia produzshyse a assunccedilatildeo da identidade de ser sexuado identidade de acordo com a natureza de cada um 10

Ao final dos trecircs tempos entatildeo percebemos que o falo estaacute na cultura para aleacutem de

qualquer dos personagens da relaccedilatildeo ndash seja da crianccedila da matildee ou do pai

Temos ateacute aqui um resumo tempos do Eacutedipo em Lacan Essa teorizaccedilatildeo possui

aspectos mais complexos que natildeo trataremos neste breve artigo O que pretendemos eacute

deixar em evidecircncia que estamos nos referindo a um processo de constituiccedilatildeo do sujeito

ao fim o indiviacuteduo pode se constituir como sujeito pois natildeo eacute mais o objeto de desejo de

outro

Tentaremos agora utilizar aspectos dessa teoria para reflexatildeo de algumas passagens

do conto ldquoA terceira margem do riordquo do escritor Joatildeo Guimaratildees Rosa que compotildee um

dos seus livros intitulado Primeiras Estoacuterias

No iniacutecio do conto haacute a descriccedilatildeo ndash pelo olhar da crianccedila ndash de um pai riacutegido poreacutem

ausente A descriccedilatildeo sugere ainda a presenccedila de uma matildeeshyfaacutelica que ocupa essa lacuna do

pai ndash lembremos que a presenccedila da matildeeshyfaacutelica para Lacan se daacute no primeiro tempo da sua

teoria sobre o Eacutedipo tempo esse que se configura tambeacutem pelo fato do pai estar velado a

matildeeshyfaacutelica permaneceraacute nesse lugar caso o pai natildeo ocupe o seu pai presente e castrador

Inicia Guimaratildees Rosa

Nosso pai era homem cumpridor ordeiro positivo e sido assim desde mocinho e menino pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas quando indaguei a informaccedilatildeo Do que eu mesmo me alembro ele natildeo figurava mais estuacuterdio nem mais triste do que os outros conhecidos nossos Soacute quieto Nossa matildee era quem regia e que ralhava no diaacuterio com a gente mdash minha irmatilde meu irmatildeo e eu Mas se deu que certo dia nosso pai mandou fazer para si uma canoa11

Nessa (livre) interpretaccedilatildeo sugiro que esse pai (quieto) sabe (de forma inconsciente)

que natildeo cumpriu nem cumpre sua funccedilatildeo de pai castrador Sua decisatildeo eacute entatildeo ocupar

outro espaccedilo para aleacutem da visatildeo (da sua famiacutelia) e da linguagem (enquanto fala) O pai

constroacutei uma canoa e nela se posiciona no meio de um rio10 Ibidem pp 57shy5811 Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias P 79

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Era a seacuterio Encomendou a canoa especial de pau de vinhaacutetico pequena mal com a tabuinha da popa como para caber justo o remador Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo proacutepria para dever durar na aacutegua por uns vinte ou trinta anos Nossa matildee jurou muito contra a ideacuteia Seria que ele que nessas artes natildeo vadiava se ia propor agora para pescarias e caccediladas Nosso pai nada natildeo dizia Nossa casa no tempo ainda era mais proacutexima do rio obra de nem quarto de leacutegua o rio por aiacute se estendendo grande fundo calado que sempre Largo de natildeo se poder ver a forma da outra beira E esquecer natildeo posso do dia em que a canoa ficou pronta

Sem alegria nem cuidado nosso pai encalcou o chapeacuteu e decidiu um adeus para a gente Nem falou outras palavras natildeo pegou matula e trouxa natildeo fez a alguma recomendaccedilatildeo Nossa matildee a gente achou que ela ia esbravejar mas persistiu somente alva de paacutelida mascou o beiccedilo e bramou mdash Cecirc vai ocecirc fique vocecirc nunca volte Nosso pai suspendeu a resposta Espiou manso para mim me acenando de vir tambeacutem por uns passos Temi a ira de nossa matildee mas obedeci de vez de jeito O rumo daquilo me animava chega que um propoacutesito perguntei mdash Pai o senhor me leva junto nessa sua canoa Ele soacute retornou o olhar em mim e me botou a becircnccedilatildeo com gesto me mandando para traacutes Fiz que vim mas ainda virei na grota do mato para saber Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo remar E a canoa saiu se indo mdash a sombra dela por igual feito um jacareacute comprida longa12

Qual lugar ocupou esse pai ndash que natildeo exerceu a funccedilatildeo esperada de pai castrador

O rio ndash quer pela sua forccedila quer pelo fluxo de imagens que sugere ndash parece a meu ver

simbolizar o inconsciente da crianccedila

Nosso pai natildeo voltou Ele natildeo tinha ido a nenhuma parte Soacute executava a invenccedilatildeo de se permanecer naqueles espaccedilos do rio de meio a meio sempre dentro da canoa para dela natildeo saltar nunca mais A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente Aquilo que natildeo havia acontecia Os parentes vizinhos e conhecidos nossos se reuniram tomaram juntamente conselho

Nossa matildee vergonhosa se portou com muita cordura por isso todos pensaram de nosso pai a razatildeo em que natildeo queriam falar doideira Soacute uns achavam o entanto de poder tambeacutem ser pagamento de promessa ou que nosso pai quem sabe por escruacutepulo de estar com alguma feia doenccedila que seja a lepra se desertava para outra sina de existir perto e longe de sua famiacutelia dele13

12 Ibidem pp79shy8013 Ibidem p 80

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Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

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aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

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nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

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Referecircncias bibliograacuteficas

Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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Paacuteg

ina1

Lacan divide o Eacutedipo em trecircs tempos No primeiro a relaccedilatildeo se daacute entre a crianccedila e

a matildee e nele a crianccedila deseja ser tudo (ser o objeto exclusivo de desejo) para a matildee ldquoSeu

desejo eacute desejo do outro em duplo sentido ou seja ser desejado pelo outro e tomar o

desejo do outro como se fora o proacutepriordquo3 A crianccedila acredita que a matildee eacute feliz por causa

dela ndash a crianccedila se sente completa e causadora da felicidade da matildee Natildeo sabe que a matildee

procura sua plenitude narcisista que vai para aleacutem dela A crianccedila crecirc ser o falo da matildee ndash

quando na verdade simboliza o falo ndash a crianccedila acredita secircshylo para a matildee Eacute o falo

simboacutelico algo que circula (se daacute e se recebe) podeshyse perdecircshylo porque eacute algo que se tem

e natildeo que se eacute

Nesse primeiro tempo temos o que Lacan chama de ternaacuterio imaginaacuterio a matildee a

crianccedila e o falo (o pai real encontrashyse nesse tempo velado) A crianccedila se crecirc o falo no

inconsciente da matildee o falo estaacute simbolizado na imagem da crianccedila A matildee sente que tem

tudo ndash eacute a matildee faacutelica Afirma Bleichmar

Tem algueacutem para quem ela eacute tudo tem um suacutedito incondicional O menino eacute o falo para a matildee

A partir da perspectiva do menino este eacute que a faz feliz natildeo sabe por que porque natildeo sabe da castraccedilatildeo simboacutelica da matildee

()Notem que aqui estaacute o conceito de lei () No primeiro

tempo do Eacutedipo estaacute encarnada na matildee uma lei oniacutemoda Natildeo eacute que haja uma lei e a matildee seja sua representante Eacute a proacutepria lei Assim como o filho eacute o falo ela eacute a lei4

Jaacute no segundo tempo do Eacutedipo em Lacan temos o desejo do pai frustrando os

desejos da matildee e do filho ldquoO pai interveacutem efetivamente como privador da matildee em sentido

duplo enquanto priva o menino do objeto de seu desejo e enquanto priva a matildee do objeto

faacutelico () eacute aqui que encontra o Outro do outro sua leirdquo (Lacan apud Bleichmar 1984

p45) Nesse tempo a matildee troca o filho pelo pai e o pai natildeo fica situado numa relaccedilatildeo de total

dependecircncia em relaccedilatildeo ao desejo da matildee

Aqui se daacute o que se convencionou denominar ldquocastraccedilatildeo simboacutelicardquo a crianccedila

reconhece que falta algo agrave matildee ndash que natildeo eacute ele ele deixou de ser o falo da matildee ele natildeo eacute o

falo da matildee ldquoO menino ao dirigirshyse agrave sua matildee encontra que haacute um Outro neste caso Outro

3 Bleichmar H Introduccedilatildeo ao estudo das perversotildees p 274 Ibidem p 30

Paacuteg

ina1

como o lugar da lei ou significando a lei agrave qual a matildee deve se submeterrdquo5 Na ldquocastraccedilatildeo

simboacutelicardquo a crianccedila deixa de se identificar com o falo deixa de secircshylo a matildee perde o falo O

todo crianccedilashyfalomatildeeshyfaacutelica eacute cortado e de cada parte se corta algo (da primeira a

representaccedilatildeo como falo da segunda o suposto poder de instaurar o falo de acordo com sua

vontade) ldquo() eacute a falta em relaccedilatildeo a uma presenccedila ilusoacuteriardquo6 Eacute importante assinalar que a

ldquocastraccedilatildeo simboacutelicardquo da matildee iniciashyse nesse segundo tempo mas completashyse no terceiro

Tratashyse de um dos processos que num tempo se configura como passagem e em outro se

conclui ndash aliaacutes as divisotildees de tempo (do Eacutedipo em Lacan) no sentido linear satildeo assim

apresentadas visando um efeito teoacuterico e didaacutetico e se configuram considerandoshyse uma ou

outra caracteriacutestica predominante em um ou outro tempo poreacutem todos os momentos devem

ser pensados de forma mais complexa haacute caracteriacutesticas que surgem num e permanecem em

desenvolvimento (ou se completam) no outro

Retomando o outro aspecto desse tempo o menino entatildeo crecirc que o pai eacute o falo pois

esse aparece como mensagem proibitiva ldquoEm relaccedilatildeo ao menino natildeo dormiraacutes com tua matildee

E em relaccedilatildeo agrave matildee natildeo reintegraraacutes teu produtordquo7 Tratashyse do pai interditor terriacutevel e para

a crianccedila imaginaacuterio Aparece como a matildee no primeiro tempo sendo a lei embora soacute a

represente ndash o falo tatildeo poderoso que ditainterdita o desejo da matildee Eacute perfeito eacute aquilo que a

crianccedila natildeo eacute o falo Eacute imaginaacuterio pois eacute algo em si mesmo

Esse pai real ndash tambeacutem castrado ndash estaacute por sua vez tambeacutem submetido agrave lei Essa eacute

promovida pelo pai simboacutelico que natildeo eacute o pai real e terriacutevel

O pai simboacutelico eacute aquilo que em uma cultura promove a leia interdiccedilatildeo para todos

ldquoNatildeo haacute pai simboacutelico sem castraccedilatildeo simboacutelica e sem leirdquo8 Na teoria o significante dessa

funccedilatildeo do pai simboacutelico eacute o que Lacan denominou o ldquoNomeshydoshyPairdquo Eacute o (ou atraveacutes do)

ldquoNomeshydoshyPairdquo que se instaura o lugar da lei dentro do coacutedigo O termo eacute biacuteblico e significa

o que invoca que representa a autoridade maior da lei (mas natildeo eacute a lei) estaacute fora da lei para

inscrever nela sua autoridade Os personagens dessa relaccedilatildeo agem em representaccedilatildeo da lei

ldquoNo nome do pai eacute onde temos que reconhecer a sustentaccedilatildeo da funccedilatildeo simboacutelica que desde

5 Ibidem p 466 Ibidem p 347 Ibidem p 478 Ibidem p 50

Paacuteg

ina1

a aurora dos tempos simboacutelicos identifica sua pessoa com a figura da leirdquo (Lacan apud

Bleichmar 1984 p50)

No terceiro tempo do Eacutedipo em Lacan constataremos que alguns processos iniciados

no segundo se completam neste uacuteltimo Por exemplo o pai tambeacutem aceita a lei tratashyse do

pai castrado Assim nesse tempo a lei e o falo se apresentam como instacircncias que estatildeo para

aleacutem de qualquer um dos personagens da triacuteade Afirma Bleichmar

Em primeiro lugar produzida a castraccedilatildeo simboacutelica o filho deixa de ser o falo tampouco o eacute o pai como era no segundo tempo a matildee deixa de ser a lei tampouco a eacute o pai O falo passa a ser algo que poderaacute se ter ou carecer de mas que natildeo se eacute a lei passa a ser uma instacircncia em cuja representaccedilatildeo um personagem possa agir mas natildeo o seraacute Logo no terceiro tempo do Eacutedipo ficam instaurados a lei e o falo como instacircncias que estatildeo acima de qualquer personagem 9

Nesse tempo deixando a crianccedila de ser o falo substitui sua identificaccedilatildeo com o Ego

Ideal ndash uma imagem total de perfeiccedilatildeo narcisista ndash pelo o Ideal do Ego ndash que para Lacan

tratashyse de uma constelaccedilatildeo de insiacutegnias (um siacutembolo que inscreve o lugar determinado que

algueacutem ocupa) A crianccedila natildeo se identifica com a pessoa do pai mas com as insiacutegnias do

pai shy com os significantes dos quais o pai eacute suporte por exemplo as insiacutegnias da

masculinidade O Ideal do Ego tambeacutem estaacute voltado agrave questatildeo do desejo do sujeito ndash ao

fato do sujeito assumir a sua masculinidade ou a feminilidade dependendo de sua

identificaccedilatildeo com uma conduta que pertenccedila ou natildeo agrave classe dos homens Essa

identificaccedilatildeo o dotaraacute de uma insiacutegnia ndash conduta sexual que o torna membro da classe dos

homens por exemplo masculinidade Eacute a diferenccedila entre ter o falo ou imaginar secircshylo

Ao final o pai aparece como instaurador de uma lei ndash que estaacute para aleacutem dele

proacuteprio que eacute a lei do incesto Completa Bleichmar

() como resultado disso surgem duas consequumlecircncias que se produzem no terceiro tempo do Eacutedipo a) a aceitaccedilatildeo da lei Ao aceitar a lei a lei que se aceita por antonomaacutesia eacute a lei do incesto que natildeo soacute proiacutebe a relaccedilatildeo sexual com a matildee como tambeacutem a possibilita com outras mulheres Por isso Lacan diz que no terceiro tempo o pai aparece como permissivo e doador () realizada a castraccedilatildeo simboacutelica a lei eacute lsquonatildeo dormiraacutes com a tua matildee mas sim com qualquer outra mulherrsquo O pai aparece

9 Ibidem p 57

Paacuteg

ina1

como aquele que outorga o direito agrave sexualidade e como consequumlecircncia produzshyse a assunccedilatildeo da identidade de ser sexuado identidade de acordo com a natureza de cada um 10

Ao final dos trecircs tempos entatildeo percebemos que o falo estaacute na cultura para aleacutem de

qualquer dos personagens da relaccedilatildeo ndash seja da crianccedila da matildee ou do pai

Temos ateacute aqui um resumo tempos do Eacutedipo em Lacan Essa teorizaccedilatildeo possui

aspectos mais complexos que natildeo trataremos neste breve artigo O que pretendemos eacute

deixar em evidecircncia que estamos nos referindo a um processo de constituiccedilatildeo do sujeito

ao fim o indiviacuteduo pode se constituir como sujeito pois natildeo eacute mais o objeto de desejo de

outro

Tentaremos agora utilizar aspectos dessa teoria para reflexatildeo de algumas passagens

do conto ldquoA terceira margem do riordquo do escritor Joatildeo Guimaratildees Rosa que compotildee um

dos seus livros intitulado Primeiras Estoacuterias

No iniacutecio do conto haacute a descriccedilatildeo ndash pelo olhar da crianccedila ndash de um pai riacutegido poreacutem

ausente A descriccedilatildeo sugere ainda a presenccedila de uma matildeeshyfaacutelica que ocupa essa lacuna do

pai ndash lembremos que a presenccedila da matildeeshyfaacutelica para Lacan se daacute no primeiro tempo da sua

teoria sobre o Eacutedipo tempo esse que se configura tambeacutem pelo fato do pai estar velado a

matildeeshyfaacutelica permaneceraacute nesse lugar caso o pai natildeo ocupe o seu pai presente e castrador

Inicia Guimaratildees Rosa

Nosso pai era homem cumpridor ordeiro positivo e sido assim desde mocinho e menino pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas quando indaguei a informaccedilatildeo Do que eu mesmo me alembro ele natildeo figurava mais estuacuterdio nem mais triste do que os outros conhecidos nossos Soacute quieto Nossa matildee era quem regia e que ralhava no diaacuterio com a gente mdash minha irmatilde meu irmatildeo e eu Mas se deu que certo dia nosso pai mandou fazer para si uma canoa11

Nessa (livre) interpretaccedilatildeo sugiro que esse pai (quieto) sabe (de forma inconsciente)

que natildeo cumpriu nem cumpre sua funccedilatildeo de pai castrador Sua decisatildeo eacute entatildeo ocupar

outro espaccedilo para aleacutem da visatildeo (da sua famiacutelia) e da linguagem (enquanto fala) O pai

constroacutei uma canoa e nela se posiciona no meio de um rio10 Ibidem pp 57shy5811 Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias P 79

Paacuteg

ina1

Era a seacuterio Encomendou a canoa especial de pau de vinhaacutetico pequena mal com a tabuinha da popa como para caber justo o remador Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo proacutepria para dever durar na aacutegua por uns vinte ou trinta anos Nossa matildee jurou muito contra a ideacuteia Seria que ele que nessas artes natildeo vadiava se ia propor agora para pescarias e caccediladas Nosso pai nada natildeo dizia Nossa casa no tempo ainda era mais proacutexima do rio obra de nem quarto de leacutegua o rio por aiacute se estendendo grande fundo calado que sempre Largo de natildeo se poder ver a forma da outra beira E esquecer natildeo posso do dia em que a canoa ficou pronta

Sem alegria nem cuidado nosso pai encalcou o chapeacuteu e decidiu um adeus para a gente Nem falou outras palavras natildeo pegou matula e trouxa natildeo fez a alguma recomendaccedilatildeo Nossa matildee a gente achou que ela ia esbravejar mas persistiu somente alva de paacutelida mascou o beiccedilo e bramou mdash Cecirc vai ocecirc fique vocecirc nunca volte Nosso pai suspendeu a resposta Espiou manso para mim me acenando de vir tambeacutem por uns passos Temi a ira de nossa matildee mas obedeci de vez de jeito O rumo daquilo me animava chega que um propoacutesito perguntei mdash Pai o senhor me leva junto nessa sua canoa Ele soacute retornou o olhar em mim e me botou a becircnccedilatildeo com gesto me mandando para traacutes Fiz que vim mas ainda virei na grota do mato para saber Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo remar E a canoa saiu se indo mdash a sombra dela por igual feito um jacareacute comprida longa12

Qual lugar ocupou esse pai ndash que natildeo exerceu a funccedilatildeo esperada de pai castrador

O rio ndash quer pela sua forccedila quer pelo fluxo de imagens que sugere ndash parece a meu ver

simbolizar o inconsciente da crianccedila

Nosso pai natildeo voltou Ele natildeo tinha ido a nenhuma parte Soacute executava a invenccedilatildeo de se permanecer naqueles espaccedilos do rio de meio a meio sempre dentro da canoa para dela natildeo saltar nunca mais A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente Aquilo que natildeo havia acontecia Os parentes vizinhos e conhecidos nossos se reuniram tomaram juntamente conselho

Nossa matildee vergonhosa se portou com muita cordura por isso todos pensaram de nosso pai a razatildeo em que natildeo queriam falar doideira Soacute uns achavam o entanto de poder tambeacutem ser pagamento de promessa ou que nosso pai quem sabe por escruacutepulo de estar com alguma feia doenccedila que seja a lepra se desertava para outra sina de existir perto e longe de sua famiacutelia dele13

12 Ibidem pp79shy8013 Ibidem p 80

Paacuteg

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Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

Paacuteg

ina1

aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

Paacuteg

ina1

nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

Paacuteg

ina1

Referecircncias bibliograacuteficas

Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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Lacan divide o Eacutedipo em trecircs tempos No primeiro a relaccedilatildeo se daacute entre a crianccedila e

a matildee e nele a crianccedila deseja ser tudo (ser o objeto exclusivo de desejo) para a matildee ldquoSeu

desejo eacute desejo do outro em duplo sentido ou seja ser desejado pelo outro e tomar o

desejo do outro como se fora o proacutepriordquo3 A crianccedila acredita que a matildee eacute feliz por causa

dela ndash a crianccedila se sente completa e causadora da felicidade da matildee Natildeo sabe que a matildee

procura sua plenitude narcisista que vai para aleacutem dela A crianccedila crecirc ser o falo da matildee ndash

quando na verdade simboliza o falo ndash a crianccedila acredita secircshylo para a matildee Eacute o falo

simboacutelico algo que circula (se daacute e se recebe) podeshyse perdecircshylo porque eacute algo que se tem

e natildeo que se eacute

Nesse primeiro tempo temos o que Lacan chama de ternaacuterio imaginaacuterio a matildee a

crianccedila e o falo (o pai real encontrashyse nesse tempo velado) A crianccedila se crecirc o falo no

inconsciente da matildee o falo estaacute simbolizado na imagem da crianccedila A matildee sente que tem

tudo ndash eacute a matildee faacutelica Afirma Bleichmar

Tem algueacutem para quem ela eacute tudo tem um suacutedito incondicional O menino eacute o falo para a matildee

A partir da perspectiva do menino este eacute que a faz feliz natildeo sabe por que porque natildeo sabe da castraccedilatildeo simboacutelica da matildee

()Notem que aqui estaacute o conceito de lei () No primeiro

tempo do Eacutedipo estaacute encarnada na matildee uma lei oniacutemoda Natildeo eacute que haja uma lei e a matildee seja sua representante Eacute a proacutepria lei Assim como o filho eacute o falo ela eacute a lei4

Jaacute no segundo tempo do Eacutedipo em Lacan temos o desejo do pai frustrando os

desejos da matildee e do filho ldquoO pai interveacutem efetivamente como privador da matildee em sentido

duplo enquanto priva o menino do objeto de seu desejo e enquanto priva a matildee do objeto

faacutelico () eacute aqui que encontra o Outro do outro sua leirdquo (Lacan apud Bleichmar 1984

p45) Nesse tempo a matildee troca o filho pelo pai e o pai natildeo fica situado numa relaccedilatildeo de total

dependecircncia em relaccedilatildeo ao desejo da matildee

Aqui se daacute o que se convencionou denominar ldquocastraccedilatildeo simboacutelicardquo a crianccedila

reconhece que falta algo agrave matildee ndash que natildeo eacute ele ele deixou de ser o falo da matildee ele natildeo eacute o

falo da matildee ldquoO menino ao dirigirshyse agrave sua matildee encontra que haacute um Outro neste caso Outro

3 Bleichmar H Introduccedilatildeo ao estudo das perversotildees p 274 Ibidem p 30

Paacuteg

ina1

como o lugar da lei ou significando a lei agrave qual a matildee deve se submeterrdquo5 Na ldquocastraccedilatildeo

simboacutelicardquo a crianccedila deixa de se identificar com o falo deixa de secircshylo a matildee perde o falo O

todo crianccedilashyfalomatildeeshyfaacutelica eacute cortado e de cada parte se corta algo (da primeira a

representaccedilatildeo como falo da segunda o suposto poder de instaurar o falo de acordo com sua

vontade) ldquo() eacute a falta em relaccedilatildeo a uma presenccedila ilusoacuteriardquo6 Eacute importante assinalar que a

ldquocastraccedilatildeo simboacutelicardquo da matildee iniciashyse nesse segundo tempo mas completashyse no terceiro

Tratashyse de um dos processos que num tempo se configura como passagem e em outro se

conclui ndash aliaacutes as divisotildees de tempo (do Eacutedipo em Lacan) no sentido linear satildeo assim

apresentadas visando um efeito teoacuterico e didaacutetico e se configuram considerandoshyse uma ou

outra caracteriacutestica predominante em um ou outro tempo poreacutem todos os momentos devem

ser pensados de forma mais complexa haacute caracteriacutesticas que surgem num e permanecem em

desenvolvimento (ou se completam) no outro

Retomando o outro aspecto desse tempo o menino entatildeo crecirc que o pai eacute o falo pois

esse aparece como mensagem proibitiva ldquoEm relaccedilatildeo ao menino natildeo dormiraacutes com tua matildee

E em relaccedilatildeo agrave matildee natildeo reintegraraacutes teu produtordquo7 Tratashyse do pai interditor terriacutevel e para

a crianccedila imaginaacuterio Aparece como a matildee no primeiro tempo sendo a lei embora soacute a

represente ndash o falo tatildeo poderoso que ditainterdita o desejo da matildee Eacute perfeito eacute aquilo que a

crianccedila natildeo eacute o falo Eacute imaginaacuterio pois eacute algo em si mesmo

Esse pai real ndash tambeacutem castrado ndash estaacute por sua vez tambeacutem submetido agrave lei Essa eacute

promovida pelo pai simboacutelico que natildeo eacute o pai real e terriacutevel

O pai simboacutelico eacute aquilo que em uma cultura promove a leia interdiccedilatildeo para todos

ldquoNatildeo haacute pai simboacutelico sem castraccedilatildeo simboacutelica e sem leirdquo8 Na teoria o significante dessa

funccedilatildeo do pai simboacutelico eacute o que Lacan denominou o ldquoNomeshydoshyPairdquo Eacute o (ou atraveacutes do)

ldquoNomeshydoshyPairdquo que se instaura o lugar da lei dentro do coacutedigo O termo eacute biacuteblico e significa

o que invoca que representa a autoridade maior da lei (mas natildeo eacute a lei) estaacute fora da lei para

inscrever nela sua autoridade Os personagens dessa relaccedilatildeo agem em representaccedilatildeo da lei

ldquoNo nome do pai eacute onde temos que reconhecer a sustentaccedilatildeo da funccedilatildeo simboacutelica que desde

5 Ibidem p 466 Ibidem p 347 Ibidem p 478 Ibidem p 50

Paacuteg

ina1

a aurora dos tempos simboacutelicos identifica sua pessoa com a figura da leirdquo (Lacan apud

Bleichmar 1984 p50)

No terceiro tempo do Eacutedipo em Lacan constataremos que alguns processos iniciados

no segundo se completam neste uacuteltimo Por exemplo o pai tambeacutem aceita a lei tratashyse do

pai castrado Assim nesse tempo a lei e o falo se apresentam como instacircncias que estatildeo para

aleacutem de qualquer um dos personagens da triacuteade Afirma Bleichmar

Em primeiro lugar produzida a castraccedilatildeo simboacutelica o filho deixa de ser o falo tampouco o eacute o pai como era no segundo tempo a matildee deixa de ser a lei tampouco a eacute o pai O falo passa a ser algo que poderaacute se ter ou carecer de mas que natildeo se eacute a lei passa a ser uma instacircncia em cuja representaccedilatildeo um personagem possa agir mas natildeo o seraacute Logo no terceiro tempo do Eacutedipo ficam instaurados a lei e o falo como instacircncias que estatildeo acima de qualquer personagem 9

Nesse tempo deixando a crianccedila de ser o falo substitui sua identificaccedilatildeo com o Ego

Ideal ndash uma imagem total de perfeiccedilatildeo narcisista ndash pelo o Ideal do Ego ndash que para Lacan

tratashyse de uma constelaccedilatildeo de insiacutegnias (um siacutembolo que inscreve o lugar determinado que

algueacutem ocupa) A crianccedila natildeo se identifica com a pessoa do pai mas com as insiacutegnias do

pai shy com os significantes dos quais o pai eacute suporte por exemplo as insiacutegnias da

masculinidade O Ideal do Ego tambeacutem estaacute voltado agrave questatildeo do desejo do sujeito ndash ao

fato do sujeito assumir a sua masculinidade ou a feminilidade dependendo de sua

identificaccedilatildeo com uma conduta que pertenccedila ou natildeo agrave classe dos homens Essa

identificaccedilatildeo o dotaraacute de uma insiacutegnia ndash conduta sexual que o torna membro da classe dos

homens por exemplo masculinidade Eacute a diferenccedila entre ter o falo ou imaginar secircshylo

Ao final o pai aparece como instaurador de uma lei ndash que estaacute para aleacutem dele

proacuteprio que eacute a lei do incesto Completa Bleichmar

() como resultado disso surgem duas consequumlecircncias que se produzem no terceiro tempo do Eacutedipo a) a aceitaccedilatildeo da lei Ao aceitar a lei a lei que se aceita por antonomaacutesia eacute a lei do incesto que natildeo soacute proiacutebe a relaccedilatildeo sexual com a matildee como tambeacutem a possibilita com outras mulheres Por isso Lacan diz que no terceiro tempo o pai aparece como permissivo e doador () realizada a castraccedilatildeo simboacutelica a lei eacute lsquonatildeo dormiraacutes com a tua matildee mas sim com qualquer outra mulherrsquo O pai aparece

9 Ibidem p 57

Paacuteg

ina1

como aquele que outorga o direito agrave sexualidade e como consequumlecircncia produzshyse a assunccedilatildeo da identidade de ser sexuado identidade de acordo com a natureza de cada um 10

Ao final dos trecircs tempos entatildeo percebemos que o falo estaacute na cultura para aleacutem de

qualquer dos personagens da relaccedilatildeo ndash seja da crianccedila da matildee ou do pai

Temos ateacute aqui um resumo tempos do Eacutedipo em Lacan Essa teorizaccedilatildeo possui

aspectos mais complexos que natildeo trataremos neste breve artigo O que pretendemos eacute

deixar em evidecircncia que estamos nos referindo a um processo de constituiccedilatildeo do sujeito

ao fim o indiviacuteduo pode se constituir como sujeito pois natildeo eacute mais o objeto de desejo de

outro

Tentaremos agora utilizar aspectos dessa teoria para reflexatildeo de algumas passagens

do conto ldquoA terceira margem do riordquo do escritor Joatildeo Guimaratildees Rosa que compotildee um

dos seus livros intitulado Primeiras Estoacuterias

No iniacutecio do conto haacute a descriccedilatildeo ndash pelo olhar da crianccedila ndash de um pai riacutegido poreacutem

ausente A descriccedilatildeo sugere ainda a presenccedila de uma matildeeshyfaacutelica que ocupa essa lacuna do

pai ndash lembremos que a presenccedila da matildeeshyfaacutelica para Lacan se daacute no primeiro tempo da sua

teoria sobre o Eacutedipo tempo esse que se configura tambeacutem pelo fato do pai estar velado a

matildeeshyfaacutelica permaneceraacute nesse lugar caso o pai natildeo ocupe o seu pai presente e castrador

Inicia Guimaratildees Rosa

Nosso pai era homem cumpridor ordeiro positivo e sido assim desde mocinho e menino pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas quando indaguei a informaccedilatildeo Do que eu mesmo me alembro ele natildeo figurava mais estuacuterdio nem mais triste do que os outros conhecidos nossos Soacute quieto Nossa matildee era quem regia e que ralhava no diaacuterio com a gente mdash minha irmatilde meu irmatildeo e eu Mas se deu que certo dia nosso pai mandou fazer para si uma canoa11

Nessa (livre) interpretaccedilatildeo sugiro que esse pai (quieto) sabe (de forma inconsciente)

que natildeo cumpriu nem cumpre sua funccedilatildeo de pai castrador Sua decisatildeo eacute entatildeo ocupar

outro espaccedilo para aleacutem da visatildeo (da sua famiacutelia) e da linguagem (enquanto fala) O pai

constroacutei uma canoa e nela se posiciona no meio de um rio10 Ibidem pp 57shy5811 Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias P 79

Paacuteg

ina1

Era a seacuterio Encomendou a canoa especial de pau de vinhaacutetico pequena mal com a tabuinha da popa como para caber justo o remador Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo proacutepria para dever durar na aacutegua por uns vinte ou trinta anos Nossa matildee jurou muito contra a ideacuteia Seria que ele que nessas artes natildeo vadiava se ia propor agora para pescarias e caccediladas Nosso pai nada natildeo dizia Nossa casa no tempo ainda era mais proacutexima do rio obra de nem quarto de leacutegua o rio por aiacute se estendendo grande fundo calado que sempre Largo de natildeo se poder ver a forma da outra beira E esquecer natildeo posso do dia em que a canoa ficou pronta

Sem alegria nem cuidado nosso pai encalcou o chapeacuteu e decidiu um adeus para a gente Nem falou outras palavras natildeo pegou matula e trouxa natildeo fez a alguma recomendaccedilatildeo Nossa matildee a gente achou que ela ia esbravejar mas persistiu somente alva de paacutelida mascou o beiccedilo e bramou mdash Cecirc vai ocecirc fique vocecirc nunca volte Nosso pai suspendeu a resposta Espiou manso para mim me acenando de vir tambeacutem por uns passos Temi a ira de nossa matildee mas obedeci de vez de jeito O rumo daquilo me animava chega que um propoacutesito perguntei mdash Pai o senhor me leva junto nessa sua canoa Ele soacute retornou o olhar em mim e me botou a becircnccedilatildeo com gesto me mandando para traacutes Fiz que vim mas ainda virei na grota do mato para saber Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo remar E a canoa saiu se indo mdash a sombra dela por igual feito um jacareacute comprida longa12

Qual lugar ocupou esse pai ndash que natildeo exerceu a funccedilatildeo esperada de pai castrador

O rio ndash quer pela sua forccedila quer pelo fluxo de imagens que sugere ndash parece a meu ver

simbolizar o inconsciente da crianccedila

Nosso pai natildeo voltou Ele natildeo tinha ido a nenhuma parte Soacute executava a invenccedilatildeo de se permanecer naqueles espaccedilos do rio de meio a meio sempre dentro da canoa para dela natildeo saltar nunca mais A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente Aquilo que natildeo havia acontecia Os parentes vizinhos e conhecidos nossos se reuniram tomaram juntamente conselho

Nossa matildee vergonhosa se portou com muita cordura por isso todos pensaram de nosso pai a razatildeo em que natildeo queriam falar doideira Soacute uns achavam o entanto de poder tambeacutem ser pagamento de promessa ou que nosso pai quem sabe por escruacutepulo de estar com alguma feia doenccedila que seja a lepra se desertava para outra sina de existir perto e longe de sua famiacutelia dele13

12 Ibidem pp79shy8013 Ibidem p 80

Paacuteg

ina1

Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

Paacuteg

ina1

aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

Paacuteg

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nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

Paacuteg

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Referecircncias bibliograacuteficas

Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

Paacuteg

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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como o lugar da lei ou significando a lei agrave qual a matildee deve se submeterrdquo5 Na ldquocastraccedilatildeo

simboacutelicardquo a crianccedila deixa de se identificar com o falo deixa de secircshylo a matildee perde o falo O

todo crianccedilashyfalomatildeeshyfaacutelica eacute cortado e de cada parte se corta algo (da primeira a

representaccedilatildeo como falo da segunda o suposto poder de instaurar o falo de acordo com sua

vontade) ldquo() eacute a falta em relaccedilatildeo a uma presenccedila ilusoacuteriardquo6 Eacute importante assinalar que a

ldquocastraccedilatildeo simboacutelicardquo da matildee iniciashyse nesse segundo tempo mas completashyse no terceiro

Tratashyse de um dos processos que num tempo se configura como passagem e em outro se

conclui ndash aliaacutes as divisotildees de tempo (do Eacutedipo em Lacan) no sentido linear satildeo assim

apresentadas visando um efeito teoacuterico e didaacutetico e se configuram considerandoshyse uma ou

outra caracteriacutestica predominante em um ou outro tempo poreacutem todos os momentos devem

ser pensados de forma mais complexa haacute caracteriacutesticas que surgem num e permanecem em

desenvolvimento (ou se completam) no outro

Retomando o outro aspecto desse tempo o menino entatildeo crecirc que o pai eacute o falo pois

esse aparece como mensagem proibitiva ldquoEm relaccedilatildeo ao menino natildeo dormiraacutes com tua matildee

E em relaccedilatildeo agrave matildee natildeo reintegraraacutes teu produtordquo7 Tratashyse do pai interditor terriacutevel e para

a crianccedila imaginaacuterio Aparece como a matildee no primeiro tempo sendo a lei embora soacute a

represente ndash o falo tatildeo poderoso que ditainterdita o desejo da matildee Eacute perfeito eacute aquilo que a

crianccedila natildeo eacute o falo Eacute imaginaacuterio pois eacute algo em si mesmo

Esse pai real ndash tambeacutem castrado ndash estaacute por sua vez tambeacutem submetido agrave lei Essa eacute

promovida pelo pai simboacutelico que natildeo eacute o pai real e terriacutevel

O pai simboacutelico eacute aquilo que em uma cultura promove a leia interdiccedilatildeo para todos

ldquoNatildeo haacute pai simboacutelico sem castraccedilatildeo simboacutelica e sem leirdquo8 Na teoria o significante dessa

funccedilatildeo do pai simboacutelico eacute o que Lacan denominou o ldquoNomeshydoshyPairdquo Eacute o (ou atraveacutes do)

ldquoNomeshydoshyPairdquo que se instaura o lugar da lei dentro do coacutedigo O termo eacute biacuteblico e significa

o que invoca que representa a autoridade maior da lei (mas natildeo eacute a lei) estaacute fora da lei para

inscrever nela sua autoridade Os personagens dessa relaccedilatildeo agem em representaccedilatildeo da lei

ldquoNo nome do pai eacute onde temos que reconhecer a sustentaccedilatildeo da funccedilatildeo simboacutelica que desde

5 Ibidem p 466 Ibidem p 347 Ibidem p 478 Ibidem p 50

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a aurora dos tempos simboacutelicos identifica sua pessoa com a figura da leirdquo (Lacan apud

Bleichmar 1984 p50)

No terceiro tempo do Eacutedipo em Lacan constataremos que alguns processos iniciados

no segundo se completam neste uacuteltimo Por exemplo o pai tambeacutem aceita a lei tratashyse do

pai castrado Assim nesse tempo a lei e o falo se apresentam como instacircncias que estatildeo para

aleacutem de qualquer um dos personagens da triacuteade Afirma Bleichmar

Em primeiro lugar produzida a castraccedilatildeo simboacutelica o filho deixa de ser o falo tampouco o eacute o pai como era no segundo tempo a matildee deixa de ser a lei tampouco a eacute o pai O falo passa a ser algo que poderaacute se ter ou carecer de mas que natildeo se eacute a lei passa a ser uma instacircncia em cuja representaccedilatildeo um personagem possa agir mas natildeo o seraacute Logo no terceiro tempo do Eacutedipo ficam instaurados a lei e o falo como instacircncias que estatildeo acima de qualquer personagem 9

Nesse tempo deixando a crianccedila de ser o falo substitui sua identificaccedilatildeo com o Ego

Ideal ndash uma imagem total de perfeiccedilatildeo narcisista ndash pelo o Ideal do Ego ndash que para Lacan

tratashyse de uma constelaccedilatildeo de insiacutegnias (um siacutembolo que inscreve o lugar determinado que

algueacutem ocupa) A crianccedila natildeo se identifica com a pessoa do pai mas com as insiacutegnias do

pai shy com os significantes dos quais o pai eacute suporte por exemplo as insiacutegnias da

masculinidade O Ideal do Ego tambeacutem estaacute voltado agrave questatildeo do desejo do sujeito ndash ao

fato do sujeito assumir a sua masculinidade ou a feminilidade dependendo de sua

identificaccedilatildeo com uma conduta que pertenccedila ou natildeo agrave classe dos homens Essa

identificaccedilatildeo o dotaraacute de uma insiacutegnia ndash conduta sexual que o torna membro da classe dos

homens por exemplo masculinidade Eacute a diferenccedila entre ter o falo ou imaginar secircshylo

Ao final o pai aparece como instaurador de uma lei ndash que estaacute para aleacutem dele

proacuteprio que eacute a lei do incesto Completa Bleichmar

() como resultado disso surgem duas consequumlecircncias que se produzem no terceiro tempo do Eacutedipo a) a aceitaccedilatildeo da lei Ao aceitar a lei a lei que se aceita por antonomaacutesia eacute a lei do incesto que natildeo soacute proiacutebe a relaccedilatildeo sexual com a matildee como tambeacutem a possibilita com outras mulheres Por isso Lacan diz que no terceiro tempo o pai aparece como permissivo e doador () realizada a castraccedilatildeo simboacutelica a lei eacute lsquonatildeo dormiraacutes com a tua matildee mas sim com qualquer outra mulherrsquo O pai aparece

9 Ibidem p 57

Paacuteg

ina1

como aquele que outorga o direito agrave sexualidade e como consequumlecircncia produzshyse a assunccedilatildeo da identidade de ser sexuado identidade de acordo com a natureza de cada um 10

Ao final dos trecircs tempos entatildeo percebemos que o falo estaacute na cultura para aleacutem de

qualquer dos personagens da relaccedilatildeo ndash seja da crianccedila da matildee ou do pai

Temos ateacute aqui um resumo tempos do Eacutedipo em Lacan Essa teorizaccedilatildeo possui

aspectos mais complexos que natildeo trataremos neste breve artigo O que pretendemos eacute

deixar em evidecircncia que estamos nos referindo a um processo de constituiccedilatildeo do sujeito

ao fim o indiviacuteduo pode se constituir como sujeito pois natildeo eacute mais o objeto de desejo de

outro

Tentaremos agora utilizar aspectos dessa teoria para reflexatildeo de algumas passagens

do conto ldquoA terceira margem do riordquo do escritor Joatildeo Guimaratildees Rosa que compotildee um

dos seus livros intitulado Primeiras Estoacuterias

No iniacutecio do conto haacute a descriccedilatildeo ndash pelo olhar da crianccedila ndash de um pai riacutegido poreacutem

ausente A descriccedilatildeo sugere ainda a presenccedila de uma matildeeshyfaacutelica que ocupa essa lacuna do

pai ndash lembremos que a presenccedila da matildeeshyfaacutelica para Lacan se daacute no primeiro tempo da sua

teoria sobre o Eacutedipo tempo esse que se configura tambeacutem pelo fato do pai estar velado a

matildeeshyfaacutelica permaneceraacute nesse lugar caso o pai natildeo ocupe o seu pai presente e castrador

Inicia Guimaratildees Rosa

Nosso pai era homem cumpridor ordeiro positivo e sido assim desde mocinho e menino pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas quando indaguei a informaccedilatildeo Do que eu mesmo me alembro ele natildeo figurava mais estuacuterdio nem mais triste do que os outros conhecidos nossos Soacute quieto Nossa matildee era quem regia e que ralhava no diaacuterio com a gente mdash minha irmatilde meu irmatildeo e eu Mas se deu que certo dia nosso pai mandou fazer para si uma canoa11

Nessa (livre) interpretaccedilatildeo sugiro que esse pai (quieto) sabe (de forma inconsciente)

que natildeo cumpriu nem cumpre sua funccedilatildeo de pai castrador Sua decisatildeo eacute entatildeo ocupar

outro espaccedilo para aleacutem da visatildeo (da sua famiacutelia) e da linguagem (enquanto fala) O pai

constroacutei uma canoa e nela se posiciona no meio de um rio10 Ibidem pp 57shy5811 Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias P 79

Paacuteg

ina1

Era a seacuterio Encomendou a canoa especial de pau de vinhaacutetico pequena mal com a tabuinha da popa como para caber justo o remador Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo proacutepria para dever durar na aacutegua por uns vinte ou trinta anos Nossa matildee jurou muito contra a ideacuteia Seria que ele que nessas artes natildeo vadiava se ia propor agora para pescarias e caccediladas Nosso pai nada natildeo dizia Nossa casa no tempo ainda era mais proacutexima do rio obra de nem quarto de leacutegua o rio por aiacute se estendendo grande fundo calado que sempre Largo de natildeo se poder ver a forma da outra beira E esquecer natildeo posso do dia em que a canoa ficou pronta

Sem alegria nem cuidado nosso pai encalcou o chapeacuteu e decidiu um adeus para a gente Nem falou outras palavras natildeo pegou matula e trouxa natildeo fez a alguma recomendaccedilatildeo Nossa matildee a gente achou que ela ia esbravejar mas persistiu somente alva de paacutelida mascou o beiccedilo e bramou mdash Cecirc vai ocecirc fique vocecirc nunca volte Nosso pai suspendeu a resposta Espiou manso para mim me acenando de vir tambeacutem por uns passos Temi a ira de nossa matildee mas obedeci de vez de jeito O rumo daquilo me animava chega que um propoacutesito perguntei mdash Pai o senhor me leva junto nessa sua canoa Ele soacute retornou o olhar em mim e me botou a becircnccedilatildeo com gesto me mandando para traacutes Fiz que vim mas ainda virei na grota do mato para saber Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo remar E a canoa saiu se indo mdash a sombra dela por igual feito um jacareacute comprida longa12

Qual lugar ocupou esse pai ndash que natildeo exerceu a funccedilatildeo esperada de pai castrador

O rio ndash quer pela sua forccedila quer pelo fluxo de imagens que sugere ndash parece a meu ver

simbolizar o inconsciente da crianccedila

Nosso pai natildeo voltou Ele natildeo tinha ido a nenhuma parte Soacute executava a invenccedilatildeo de se permanecer naqueles espaccedilos do rio de meio a meio sempre dentro da canoa para dela natildeo saltar nunca mais A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente Aquilo que natildeo havia acontecia Os parentes vizinhos e conhecidos nossos se reuniram tomaram juntamente conselho

Nossa matildee vergonhosa se portou com muita cordura por isso todos pensaram de nosso pai a razatildeo em que natildeo queriam falar doideira Soacute uns achavam o entanto de poder tambeacutem ser pagamento de promessa ou que nosso pai quem sabe por escruacutepulo de estar com alguma feia doenccedila que seja a lepra se desertava para outra sina de existir perto e longe de sua famiacutelia dele13

12 Ibidem pp79shy8013 Ibidem p 80

Paacuteg

ina1

Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

Paacuteg

ina1

aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

Paacuteg

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nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

Paacuteg

ina1

Referecircncias bibliograacuteficas

Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

Paacuteg

ina1

Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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Paacuteg

ina1

a aurora dos tempos simboacutelicos identifica sua pessoa com a figura da leirdquo (Lacan apud

Bleichmar 1984 p50)

No terceiro tempo do Eacutedipo em Lacan constataremos que alguns processos iniciados

no segundo se completam neste uacuteltimo Por exemplo o pai tambeacutem aceita a lei tratashyse do

pai castrado Assim nesse tempo a lei e o falo se apresentam como instacircncias que estatildeo para

aleacutem de qualquer um dos personagens da triacuteade Afirma Bleichmar

Em primeiro lugar produzida a castraccedilatildeo simboacutelica o filho deixa de ser o falo tampouco o eacute o pai como era no segundo tempo a matildee deixa de ser a lei tampouco a eacute o pai O falo passa a ser algo que poderaacute se ter ou carecer de mas que natildeo se eacute a lei passa a ser uma instacircncia em cuja representaccedilatildeo um personagem possa agir mas natildeo o seraacute Logo no terceiro tempo do Eacutedipo ficam instaurados a lei e o falo como instacircncias que estatildeo acima de qualquer personagem 9

Nesse tempo deixando a crianccedila de ser o falo substitui sua identificaccedilatildeo com o Ego

Ideal ndash uma imagem total de perfeiccedilatildeo narcisista ndash pelo o Ideal do Ego ndash que para Lacan

tratashyse de uma constelaccedilatildeo de insiacutegnias (um siacutembolo que inscreve o lugar determinado que

algueacutem ocupa) A crianccedila natildeo se identifica com a pessoa do pai mas com as insiacutegnias do

pai shy com os significantes dos quais o pai eacute suporte por exemplo as insiacutegnias da

masculinidade O Ideal do Ego tambeacutem estaacute voltado agrave questatildeo do desejo do sujeito ndash ao

fato do sujeito assumir a sua masculinidade ou a feminilidade dependendo de sua

identificaccedilatildeo com uma conduta que pertenccedila ou natildeo agrave classe dos homens Essa

identificaccedilatildeo o dotaraacute de uma insiacutegnia ndash conduta sexual que o torna membro da classe dos

homens por exemplo masculinidade Eacute a diferenccedila entre ter o falo ou imaginar secircshylo

Ao final o pai aparece como instaurador de uma lei ndash que estaacute para aleacutem dele

proacuteprio que eacute a lei do incesto Completa Bleichmar

() como resultado disso surgem duas consequumlecircncias que se produzem no terceiro tempo do Eacutedipo a) a aceitaccedilatildeo da lei Ao aceitar a lei a lei que se aceita por antonomaacutesia eacute a lei do incesto que natildeo soacute proiacutebe a relaccedilatildeo sexual com a matildee como tambeacutem a possibilita com outras mulheres Por isso Lacan diz que no terceiro tempo o pai aparece como permissivo e doador () realizada a castraccedilatildeo simboacutelica a lei eacute lsquonatildeo dormiraacutes com a tua matildee mas sim com qualquer outra mulherrsquo O pai aparece

9 Ibidem p 57

Paacuteg

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como aquele que outorga o direito agrave sexualidade e como consequumlecircncia produzshyse a assunccedilatildeo da identidade de ser sexuado identidade de acordo com a natureza de cada um 10

Ao final dos trecircs tempos entatildeo percebemos que o falo estaacute na cultura para aleacutem de

qualquer dos personagens da relaccedilatildeo ndash seja da crianccedila da matildee ou do pai

Temos ateacute aqui um resumo tempos do Eacutedipo em Lacan Essa teorizaccedilatildeo possui

aspectos mais complexos que natildeo trataremos neste breve artigo O que pretendemos eacute

deixar em evidecircncia que estamos nos referindo a um processo de constituiccedilatildeo do sujeito

ao fim o indiviacuteduo pode se constituir como sujeito pois natildeo eacute mais o objeto de desejo de

outro

Tentaremos agora utilizar aspectos dessa teoria para reflexatildeo de algumas passagens

do conto ldquoA terceira margem do riordquo do escritor Joatildeo Guimaratildees Rosa que compotildee um

dos seus livros intitulado Primeiras Estoacuterias

No iniacutecio do conto haacute a descriccedilatildeo ndash pelo olhar da crianccedila ndash de um pai riacutegido poreacutem

ausente A descriccedilatildeo sugere ainda a presenccedila de uma matildeeshyfaacutelica que ocupa essa lacuna do

pai ndash lembremos que a presenccedila da matildeeshyfaacutelica para Lacan se daacute no primeiro tempo da sua

teoria sobre o Eacutedipo tempo esse que se configura tambeacutem pelo fato do pai estar velado a

matildeeshyfaacutelica permaneceraacute nesse lugar caso o pai natildeo ocupe o seu pai presente e castrador

Inicia Guimaratildees Rosa

Nosso pai era homem cumpridor ordeiro positivo e sido assim desde mocinho e menino pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas quando indaguei a informaccedilatildeo Do que eu mesmo me alembro ele natildeo figurava mais estuacuterdio nem mais triste do que os outros conhecidos nossos Soacute quieto Nossa matildee era quem regia e que ralhava no diaacuterio com a gente mdash minha irmatilde meu irmatildeo e eu Mas se deu que certo dia nosso pai mandou fazer para si uma canoa11

Nessa (livre) interpretaccedilatildeo sugiro que esse pai (quieto) sabe (de forma inconsciente)

que natildeo cumpriu nem cumpre sua funccedilatildeo de pai castrador Sua decisatildeo eacute entatildeo ocupar

outro espaccedilo para aleacutem da visatildeo (da sua famiacutelia) e da linguagem (enquanto fala) O pai

constroacutei uma canoa e nela se posiciona no meio de um rio10 Ibidem pp 57shy5811 Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias P 79

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Era a seacuterio Encomendou a canoa especial de pau de vinhaacutetico pequena mal com a tabuinha da popa como para caber justo o remador Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo proacutepria para dever durar na aacutegua por uns vinte ou trinta anos Nossa matildee jurou muito contra a ideacuteia Seria que ele que nessas artes natildeo vadiava se ia propor agora para pescarias e caccediladas Nosso pai nada natildeo dizia Nossa casa no tempo ainda era mais proacutexima do rio obra de nem quarto de leacutegua o rio por aiacute se estendendo grande fundo calado que sempre Largo de natildeo se poder ver a forma da outra beira E esquecer natildeo posso do dia em que a canoa ficou pronta

Sem alegria nem cuidado nosso pai encalcou o chapeacuteu e decidiu um adeus para a gente Nem falou outras palavras natildeo pegou matula e trouxa natildeo fez a alguma recomendaccedilatildeo Nossa matildee a gente achou que ela ia esbravejar mas persistiu somente alva de paacutelida mascou o beiccedilo e bramou mdash Cecirc vai ocecirc fique vocecirc nunca volte Nosso pai suspendeu a resposta Espiou manso para mim me acenando de vir tambeacutem por uns passos Temi a ira de nossa matildee mas obedeci de vez de jeito O rumo daquilo me animava chega que um propoacutesito perguntei mdash Pai o senhor me leva junto nessa sua canoa Ele soacute retornou o olhar em mim e me botou a becircnccedilatildeo com gesto me mandando para traacutes Fiz que vim mas ainda virei na grota do mato para saber Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo remar E a canoa saiu se indo mdash a sombra dela por igual feito um jacareacute comprida longa12

Qual lugar ocupou esse pai ndash que natildeo exerceu a funccedilatildeo esperada de pai castrador

O rio ndash quer pela sua forccedila quer pelo fluxo de imagens que sugere ndash parece a meu ver

simbolizar o inconsciente da crianccedila

Nosso pai natildeo voltou Ele natildeo tinha ido a nenhuma parte Soacute executava a invenccedilatildeo de se permanecer naqueles espaccedilos do rio de meio a meio sempre dentro da canoa para dela natildeo saltar nunca mais A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente Aquilo que natildeo havia acontecia Os parentes vizinhos e conhecidos nossos se reuniram tomaram juntamente conselho

Nossa matildee vergonhosa se portou com muita cordura por isso todos pensaram de nosso pai a razatildeo em que natildeo queriam falar doideira Soacute uns achavam o entanto de poder tambeacutem ser pagamento de promessa ou que nosso pai quem sabe por escruacutepulo de estar com alguma feia doenccedila que seja a lepra se desertava para outra sina de existir perto e longe de sua famiacutelia dele13

12 Ibidem pp79shy8013 Ibidem p 80

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Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

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aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

Paacuteg

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nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

Paacuteg

ina1

Referecircncias bibliograacuteficas

Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

Paacuteg

ina1

Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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Paacuteg

ina1

como aquele que outorga o direito agrave sexualidade e como consequumlecircncia produzshyse a assunccedilatildeo da identidade de ser sexuado identidade de acordo com a natureza de cada um 10

Ao final dos trecircs tempos entatildeo percebemos que o falo estaacute na cultura para aleacutem de

qualquer dos personagens da relaccedilatildeo ndash seja da crianccedila da matildee ou do pai

Temos ateacute aqui um resumo tempos do Eacutedipo em Lacan Essa teorizaccedilatildeo possui

aspectos mais complexos que natildeo trataremos neste breve artigo O que pretendemos eacute

deixar em evidecircncia que estamos nos referindo a um processo de constituiccedilatildeo do sujeito

ao fim o indiviacuteduo pode se constituir como sujeito pois natildeo eacute mais o objeto de desejo de

outro

Tentaremos agora utilizar aspectos dessa teoria para reflexatildeo de algumas passagens

do conto ldquoA terceira margem do riordquo do escritor Joatildeo Guimaratildees Rosa que compotildee um

dos seus livros intitulado Primeiras Estoacuterias

No iniacutecio do conto haacute a descriccedilatildeo ndash pelo olhar da crianccedila ndash de um pai riacutegido poreacutem

ausente A descriccedilatildeo sugere ainda a presenccedila de uma matildeeshyfaacutelica que ocupa essa lacuna do

pai ndash lembremos que a presenccedila da matildeeshyfaacutelica para Lacan se daacute no primeiro tempo da sua

teoria sobre o Eacutedipo tempo esse que se configura tambeacutem pelo fato do pai estar velado a

matildeeshyfaacutelica permaneceraacute nesse lugar caso o pai natildeo ocupe o seu pai presente e castrador

Inicia Guimaratildees Rosa

Nosso pai era homem cumpridor ordeiro positivo e sido assim desde mocinho e menino pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas quando indaguei a informaccedilatildeo Do que eu mesmo me alembro ele natildeo figurava mais estuacuterdio nem mais triste do que os outros conhecidos nossos Soacute quieto Nossa matildee era quem regia e que ralhava no diaacuterio com a gente mdash minha irmatilde meu irmatildeo e eu Mas se deu que certo dia nosso pai mandou fazer para si uma canoa11

Nessa (livre) interpretaccedilatildeo sugiro que esse pai (quieto) sabe (de forma inconsciente)

que natildeo cumpriu nem cumpre sua funccedilatildeo de pai castrador Sua decisatildeo eacute entatildeo ocupar

outro espaccedilo para aleacutem da visatildeo (da sua famiacutelia) e da linguagem (enquanto fala) O pai

constroacutei uma canoa e nela se posiciona no meio de um rio10 Ibidem pp 57shy5811 Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias P 79

Paacuteg

ina1

Era a seacuterio Encomendou a canoa especial de pau de vinhaacutetico pequena mal com a tabuinha da popa como para caber justo o remador Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo proacutepria para dever durar na aacutegua por uns vinte ou trinta anos Nossa matildee jurou muito contra a ideacuteia Seria que ele que nessas artes natildeo vadiava se ia propor agora para pescarias e caccediladas Nosso pai nada natildeo dizia Nossa casa no tempo ainda era mais proacutexima do rio obra de nem quarto de leacutegua o rio por aiacute se estendendo grande fundo calado que sempre Largo de natildeo se poder ver a forma da outra beira E esquecer natildeo posso do dia em que a canoa ficou pronta

Sem alegria nem cuidado nosso pai encalcou o chapeacuteu e decidiu um adeus para a gente Nem falou outras palavras natildeo pegou matula e trouxa natildeo fez a alguma recomendaccedilatildeo Nossa matildee a gente achou que ela ia esbravejar mas persistiu somente alva de paacutelida mascou o beiccedilo e bramou mdash Cecirc vai ocecirc fique vocecirc nunca volte Nosso pai suspendeu a resposta Espiou manso para mim me acenando de vir tambeacutem por uns passos Temi a ira de nossa matildee mas obedeci de vez de jeito O rumo daquilo me animava chega que um propoacutesito perguntei mdash Pai o senhor me leva junto nessa sua canoa Ele soacute retornou o olhar em mim e me botou a becircnccedilatildeo com gesto me mandando para traacutes Fiz que vim mas ainda virei na grota do mato para saber Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo remar E a canoa saiu se indo mdash a sombra dela por igual feito um jacareacute comprida longa12

Qual lugar ocupou esse pai ndash que natildeo exerceu a funccedilatildeo esperada de pai castrador

O rio ndash quer pela sua forccedila quer pelo fluxo de imagens que sugere ndash parece a meu ver

simbolizar o inconsciente da crianccedila

Nosso pai natildeo voltou Ele natildeo tinha ido a nenhuma parte Soacute executava a invenccedilatildeo de se permanecer naqueles espaccedilos do rio de meio a meio sempre dentro da canoa para dela natildeo saltar nunca mais A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente Aquilo que natildeo havia acontecia Os parentes vizinhos e conhecidos nossos se reuniram tomaram juntamente conselho

Nossa matildee vergonhosa se portou com muita cordura por isso todos pensaram de nosso pai a razatildeo em que natildeo queriam falar doideira Soacute uns achavam o entanto de poder tambeacutem ser pagamento de promessa ou que nosso pai quem sabe por escruacutepulo de estar com alguma feia doenccedila que seja a lepra se desertava para outra sina de existir perto e longe de sua famiacutelia dele13

12 Ibidem pp79shy8013 Ibidem p 80

Paacuteg

ina1

Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

Paacuteg

ina1

aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

Paacuteg

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nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

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Referecircncias bibliograacuteficas

Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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Era a seacuterio Encomendou a canoa especial de pau de vinhaacutetico pequena mal com a tabuinha da popa como para caber justo o remador Mas teve de ser toda fabricada escolhida forte e arqueada em rijo proacutepria para dever durar na aacutegua por uns vinte ou trinta anos Nossa matildee jurou muito contra a ideacuteia Seria que ele que nessas artes natildeo vadiava se ia propor agora para pescarias e caccediladas Nosso pai nada natildeo dizia Nossa casa no tempo ainda era mais proacutexima do rio obra de nem quarto de leacutegua o rio por aiacute se estendendo grande fundo calado que sempre Largo de natildeo se poder ver a forma da outra beira E esquecer natildeo posso do dia em que a canoa ficou pronta

Sem alegria nem cuidado nosso pai encalcou o chapeacuteu e decidiu um adeus para a gente Nem falou outras palavras natildeo pegou matula e trouxa natildeo fez a alguma recomendaccedilatildeo Nossa matildee a gente achou que ela ia esbravejar mas persistiu somente alva de paacutelida mascou o beiccedilo e bramou mdash Cecirc vai ocecirc fique vocecirc nunca volte Nosso pai suspendeu a resposta Espiou manso para mim me acenando de vir tambeacutem por uns passos Temi a ira de nossa matildee mas obedeci de vez de jeito O rumo daquilo me animava chega que um propoacutesito perguntei mdash Pai o senhor me leva junto nessa sua canoa Ele soacute retornou o olhar em mim e me botou a becircnccedilatildeo com gesto me mandando para traacutes Fiz que vim mas ainda virei na grota do mato para saber Nosso pai entrou na canoa e desamarrou pelo remar E a canoa saiu se indo mdash a sombra dela por igual feito um jacareacute comprida longa12

Qual lugar ocupou esse pai ndash que natildeo exerceu a funccedilatildeo esperada de pai castrador

O rio ndash quer pela sua forccedila quer pelo fluxo de imagens que sugere ndash parece a meu ver

simbolizar o inconsciente da crianccedila

Nosso pai natildeo voltou Ele natildeo tinha ido a nenhuma parte Soacute executava a invenccedilatildeo de se permanecer naqueles espaccedilos do rio de meio a meio sempre dentro da canoa para dela natildeo saltar nunca mais A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente Aquilo que natildeo havia acontecia Os parentes vizinhos e conhecidos nossos se reuniram tomaram juntamente conselho

Nossa matildee vergonhosa se portou com muita cordura por isso todos pensaram de nosso pai a razatildeo em que natildeo queriam falar doideira Soacute uns achavam o entanto de poder tambeacutem ser pagamento de promessa ou que nosso pai quem sabe por escruacutepulo de estar com alguma feia doenccedila que seja a lepra se desertava para outra sina de existir perto e longe de sua famiacutelia dele13

12 Ibidem pp79shy8013 Ibidem p 80

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Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

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aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

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nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

Paacuteg

ina1

Referecircncias bibliograacuteficas

Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

Paacuteg

ina1

Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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Paacuteg

ina1

Sabemos que a teoria de Lacan agrave respeito do Eacutedipo eacute uma das possibilidades de

teorizaccedilatildeo de um fenocircmeno psiacutequico ndash lembremos que Freud foi o primeiro a fazecircshylo e que

as duas teorias possuem pontos de aproximaccedilatildeo e distacircncia Na base dessas teorias ndash aleacutem

do aguccedilado poder de observaccedilatildeo dos fenocircmenos ndash haacute uma capacidade criativa e

imaginativa surpreendente Pois bem eacute essa capacidade humana ndash da imaginaccedilatildeo ndash que

impulsiona tambeacutem os escritores (no caso de Rosa) e dela vou me utilizar para interpretar

passagens desse conto A meu ver (ou a meu ler) o pai opera um inusitado deslocamento

nos tempos do Eacutedipo lacaniano impossibilitado de enunciar logo de ser portador da lei

colocashyse num outro espaccedilo onde tambeacutem de outra forma pode tambeacutem representaacuteshyla

Dessa terceira margem do rio ndash de onde vecirc mas natildeo eacute visto de onde natildeo fala mas eacute falado

ndash cumpre a funccedilatildeo de introduzir o ldquoNomeshydo Pairdquo a lei ainda que distanteproacuteximo e ainda

que tenha falhado em sua funccedilatildeo esperada O pai nesse lugar ocuparia outra posiccedilatildeo ou

melhor aquela mesma posiccedilatildeo sugerida por Lacan no seu terceiro tempo de teorizaccedilatildeo

sobre o Eacutedipo poreacutem por outra via ndash posicionandoshyse nesse lugar imaginaacuterio improvaacutevel e

fascinante que eacute a terceira margem de um rio ndash e de outra forma comportandoshyse como

algueacutem que estaacute e natildeo estaacute laacute estaacute mas natildeo responde quem o chama ndash ou responde pelo

enigma da sua presenccedilaausecircncia

A gente teve de se acostumar com aquilo Agraves penas que com aquilo a gente mesmo nunca se acostumou em si na verdade Tiro por mim que no que queria e no que natildeo queria soacute com nosso pai me achava assunto que jogava para traacutes meus pensamentos O severo que era de natildeo se entender de maneira nenhuma como ele aguumlentava De dia e de noite com sol ou aguaceiros calor sereno e nas friagens terriacuteveis de meioshydoshyano sem arrumo soacute com o chapeacuteu velho na cabeccedila por todas as semanas e meses e os anos mdash sem fazer conta do seshyir do viver Natildeo pojava em nenhuma das duas beiras nem nas ilhas e croas do rio natildeo pisou mais em chatildeo nem capim Por certo ao menos que para dormir seu tanto ele fizesse amarraccedilatildeo da canoa em alguma pontashydeshyilha no esconso Mas natildeo armava um foguinho em praia nem dispunha de sua luz feita nunca mais riscou um foacutesforo O que consumia de comer era soacute um quase mesmo do que a gente depositava no entre as raiacutezes da gameleira ou na lapinha de pedra do barranco ele recolhia pouco nem o bastaacutevel Natildeo adoecia E a constante forccedila dos braccedilos para ter tento na canoa resistido mesmo na demasia das enchentes no subimento

Paacuteg

ina1

aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

Paacuteg

ina1

nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

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Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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aiacute quando no lanccedilo da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso aqueles corpos de bichos mortos e pausshydeshyaacutervore descendo mdash de espanto de esbarro E nunca falou mais palavra com pessoa alguma Noacutes tambeacutem natildeo falaacutevamos mais nele Soacute se pensava Natildeo de nosso pai natildeo se podia ter esquecimento e se por um pouco a gente fazia que esquecia era soacute para se despertar de novo de repente com a memoacuteria no passo de outros sobressaltos

Minha irmatilde se casou nossa matildee natildeo quis festa A gente imaginava nele quando se comia uma comida mais gostosa assim como no gasalhado da noite no desamparo dessas noites de muita chuva fria forte nosso pai soacute com a matildeo e uma cabaccedila para ir esvaziando a canoa da aacutegua do temporal Agraves vezes algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo barbudo de unhas grandes mal e magro ficado preto de sol e dos pecirclos com o aspecto de bicho conforme quase nu mesmo dispondo das peccedilas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia

Nem queria saber de noacutes natildeo tinha afeto Mas por afeto mesmo de respeito sempre que agraves vezes me louvavam por causa de algum meu bom procedimento eu falava mdash Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim o que natildeo era o certo exato mas que era mentira por verdade Sendo que se ele natildeo se lembrava mais nem queria saber da gente por que entatildeo natildeo subia ou descia o rio para outras paragens longe no natildeoshyencontraacutevel Soacute ele soubesse Mas minha irmatilde teve menino ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto Viemos todos no barranco foi num dia bonito minha irmatilde de vestido branco que tinha sido o do casamento ela erguia nos braccedilos a criancinha o marido dela segurou para defender os dois o guardashysol A gente chamou esperou Nosso pai natildeo apareceu Minha irmatilde chorou noacutes todos aiacute choramos abraccedilados14

Ao final esse posicionamento termina por permitir que a crianccedila se constitua como

sujeito psiquicamente autocircnomo a neurotiza cresce e decide trocar de lugar com o pai

Sou homem de tristes palavras De que era que eu tinha tanta tanta culpa Se o meu pai sempre fazendo ausecircncia e o rioshyrioshyrio o rio mdash pondo perpeacutetuo Eu sofria jaacute o comeccedilo de velhice mdash esta vida era soacute o demoramento Eu mesmo tinha achaques acircnsias caacute de baixo cansaccedilos perrenguice de reumatismo E ele Por quecirc Devia de padecer demais De tatildeo idoso natildeo ia mais dia menos dia fraquejar do vigor deixar que a canoa emborcasse ou que bubuiasse sem pulso na levada do rio para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira brava com o fervimento e morte Apertava o coraccedilatildeo Ele estava laacute sem a minha tranquumlilidade Sou o culpado do que

14 Ibidem p 80

Paacuteg

ina1

nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

breve artigo

Sem fazer veacutespera Sou doido Natildeo Na nossa casa a palavra doido natildeo se falava nunca mais se falou os anos todos natildeo se condenava ningueacutem de doido Ningueacutem eacute doido Ou entatildeo todos Soacute fiz que fui laacute Com um lenccedilo para o aceno ser mais Eu estava muito no meu sentido Esperei Ao por fim ele apareceu aiacute e laacute o vulto Estava ali sentado agrave popa Estava ali de grito Chamei umas quantas vezes E falei o que me urgia jurado e declarado tive que reforccedilar a voz mdash Pai o senhor estaacute velho jaacute fez o seu tanto Agora o senhor vem natildeo carece mais O senhor vem e eu agora mesmo quando que seja a ambas vontades eu tomo o seu lugar do senhor na canoa E assim dizendo meu coraccedilatildeo bateu no compasso do mais certo

Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

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Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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nem sei de dor em aberto no meu foro Soubesse mdash se as coisas fossem outras E fui tomando ideacuteia15

A crianccedilahomem vai tomando a ideacuteia de troca de lugar com seu pai ndash ocupar ela

esse lugar de onde se pode tambeacutem representar a lei Poreacutem ao ouvir o chamado do filho e

tornar a aparecer como pai real ele se dissolve ndash numa imagem que simboliza o seu fim

pelo fim de sua funccedilatildeo O filho agora homemcrianccedila natildeo cumpre a ideacuteia e acaba por

adoecer de culpa esperando se redimir na hora da sua morte ndash assim termina o conto e esse

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Ele me escutou Ficou em peacute Manejou remo naacutegua proava para caacute concordado E eu tremi profundo de repente porque antes ele tinha levantado o braccedilo e feito um saudar de gesto mdash o primeiro depois de tamanhos anos decorridos E eu natildeo podia Por pavor arrepiados os cabelos corri fugi me tirei de laacute num procedimento desatinado Porquanto que ele me pareceu vir da parte de aleacutem E estou pedindo pedindo pedindo um perdatildeo

Sofri o grave frio dos medos adoeci Sei que ningueacutem soube mais dele Sou homem depois desse falimento Sou o que natildeo foi o que vai ficar calado Sei que agora eacute tarde e temo abreviar com a vida nos rasos do mundo Mas entatildeo ao menos que no artigo da morte peguem em mim e me depositem tambeacutem numa canoinha de nada nessa aacutegua que natildeo paacutera de longas beiras e eu rio abaixo rio a fora rio a dentro mdash o rio16

15 Ibidem p 8416 Ibidem pp 84shy85

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Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

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Rosa Joatildeo Guimaratildees Primeiras Estoacuterias Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

Bleichmar H Introduccedilatildeo ao Estudo das perversotildees Porto Alegre Ed Meacutedicas1984

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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Artigo Os trecircs tempos do Eacutedipo em Lacan e a terceira margem do rio em RosaSatildeo Paulo SPMaio 2009 lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtltimg alt=Creative Commons License style=bordershywidth0 src=httpicreativecommonsorglbyshynd25br88x31png gtltagtltbr gtltspan xmlnsdc=httppurlorgdcelements11 href=httppurlorgdcdcmitypeText property=dctitle rel=dctypegtO tramp234s tempos do amp201dipo em Lacan e a terceira margem do rio em Rosaltspangt by ltspan xmlnscc=httpcreativecommonsorgns property=ccattributionNamegtEduardo Benzatti do Carmoltspangt is licensed under a lta rel=license href=httpcreativecommonsorglicensesbyshynd25brgtCreative Commons Atribuiamp231amp227oshyVedada a Criaamp231amp227o de Obras Derivadas 25 Brasil Licenseltagt

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