Os Ultimos Dias de Krypton

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  • Ficha Tcnica

    Copyright 2012 DC Comics

    Copyright 2013 Casa da Palavra

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.

    proibida a reproduo total ou parcial sem a expressa anuncia da editora.

    Superman e todos os personagens e elementos relacionados so marcas da DCComics.

    Publicado sob acordo com a Haper Collins Publishers.

    Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortogrfico da LnguaPortuguesa.

    Direo editorial

    M artha Ribas

    Ana Cecilia Impellizieri M artins

    Coordenador do selo Fantasy: Raphael Draccon

    Editora: Fernanda Cardoso Zimmerhansl

    Editora assistente: Beatriz Sarlo

    Copidesque: Fernanda M ello

    Reviso: Rodrigo Rosa

    Capa: Rico Bacellar

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE

  • SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    A561u

    Anderson, Kevin J.

    Os ltimos dias de Krypton / Kevin J. Anderson ; traduo Heitor Pitombo. -Rio de Janeiro : Casa da Palavra, 2013.

    Traduo de: The last days of Krypton

    ISBN 9788577343690

    1. Fico americana. I. Pitombo, Heitor. II. Ttulo.

    13-1838 CDD: 813

    CDU: 821.111(73)-3

    Para Julius Schwartz

    Sempre considerei Julius Schwartz, ou Julie, como os amigos o chamavam,como o fada

    padrinho do Superman. Ele trabalhou por 42 anos na DC Comics, editou alinha de revistas do

    Homem de Ao de 1971 at 1985 e depois passou a ser presena certa em umasrie de convenes

    e reunies de fs. H alguns anos ele me deu um pin de ouro com o S doSuperman na San Diego

    Comic Con, e ento, quando me viu de novo, meses depois, me repreendeu demodo severo por no

    o estar usando. Certamente aprendi a lio e fiz questo de usar aquele pindourado em todas as

  • convenes onde nossos passos se cruzariam (e ele fazia questo de ficar naminha cola para se

    certificar de que eu o estava usando). Julie morreu em 2004. Como no possolhe dar uma cpia

    autografada de Os ltimos Dias de Krypton, posso pelo menos colocar seunome aqui. Obrigado

    por tudo, Julie!

    PREFCIO

    A fico cientfica comeou a ter fs nos anos 1930, e dois deles eram Jerry

    Siegel e Joe Shuster, o primeiro um escritor, o outro um artista. De sua paixosingular surgiu a

    criao suprema da fico cientfica, Superman, aquele estranho visitante deoutro planeta que

    veio para a Terra com poderes e habilidades que iam muito alm... No hrazo para prosseguir;

    vocs conhecem o resto. Todos conhecem o resto.

    Superman nasceu de um amor pela fico cientfica, por isso no deveria sersurpresa que a

    histria de Krypton, o condenado planeta natal do Homem de Ao, fosseconfiada a Kevin J.

  • Anderson, um dos melhores escritores do gnero em atividade nos dias de hoje.

    Kevin recebeu uma tarefa to assustadora quanto qualquer um dos lendriosfeitos do Superman.

    Ele tinha que criar a histria de um mundo que, ao longo dos ltimos 68 anos,gerou inmeras

    tramas conflitantes. Ser que Krypton foi destrudo por causa de um terremoto?Ou um cometa se

    chocou contra o planeta? Ou talvez o sol tenha entrado em supernova e odestrudo ao se atiar?

    Como eram as pessoas de Krypton? Ser que eram benevolentes, comodistas,despidos de emoes

    ou amorosos? E quanto a Brainiac... e Argo City... e quanto a... e quanto a...?

    So perguntas que j foram feitas e respondidas por milhes de fs, muitas emuitas vezes.

    Mas chegada a hora de uma histria que unifique todas essas tramas, e, noentanto, forje o

    prprio caminho. Todos sabemos o destino de Krypton, mas Kevin nos trazuma histria nova e

    arrebatadora, diferente de todas que j vimos antes. Ela ao mesmo tempofamiliar e

    surpreendente.

    Recriar uma histria rica, real e complexa, diante da intrincada falta decontinuidade, uma

    incumbncia que eu jamais desejaria assumir. Mas Kevin o fez, foi bem-sucedido, e agora acaba de

  • nos presentear com a histria de um mundo que a maioria de ns cresceuconhecendo e zelando. E,

    de algum modo, com o mesmo lampejo de inspirao que Siegel e Shustertiveram quando criaram

    o Superman h tantos anos, ele juntou tudo isso em um livro de ritmoextremamente dinmico, que

    tem algo para qualquer f do Superman, no importa que fase do personagem eleprefira, com que

    Krypton cresceu e que Superman ele idolatre.

    Marv Wolfman, autor de Crise nas Infinitas Terras,

    roteirista e criador de Os Novos Tits e

    Blade, o Caador de Vampiros

    ELENCO DE PERSONAGENS

    DRAMATIS PERSONAE

    JOR-EL O cientista mais reverenciado de Krypton

    ZOR-EL Irmo de Jor-El, cientista talentoso e lder de Argo City

    ALURA Esposa de Zor-El, especialista em botnica

    YAR-EL Pai de Jor-El e Zor-El, um gnio que agora sofre da Doena doEsquecimento

    CHARYS Me de Jor-El e Zor-El, pesquisadora da rea de psicologia

  • FRO-DA Chefe de cozinha na propriedade de Jor-El

    LOR-VAN Um artista e muralista muito respeitado

    ORA Esposa de Lor-Van

    LARA Filha de Lor-Van, tambm uma artista com muitos recursos, alm dehistoriadora e

    aspirante escritora

    KI-VAN O filho mais novo de Lor-Van

    DRU-ZOD Chefe da Comisso para Aceitao da Tecnologia em Kandor

    COR-ZOD Pai de Dru-Zod, ex-chefe do Conselho Kryptoniano e polticolendrio

    NAM-EK Pupilo de Dru-Zod, um mudo robusto

    BEL-EK Assassino e pai de Nam-Ek, morto pela Guarda Safira de Krypton

    AETHYR-KA Uma mulher independente banida de sua famlia nobre, ex-colega de classe de

    Lara

    BUR-AL Assistente de quarto escalo da Comisso para Aceitao daTecnologia

    VOR-ON Jovem membro de uma famlia nobre menor

    HOPK-INS Funcionrio subalterno da Comisso para Aceitao daTecnologia

    GUR-VA Um criminoso insano conhecido como o Aougueiro de Kandor

    SHOR-EM O lder de Borga City

  • DONODON Visitante aliengena que chega a Krypton

    KIRANA-TU Mdica severa e sem graa

    O CONSELHO KRYPTONIANO

    JUL-US (Chefe do Conselho)

    MAURO-JI

    CERA-SI

    POL-EV

    KOR-TE

    SILBER-ZA

    AL-AN

    BARY-ON

    SOR-AY

    RUL-AR

    JUN-DO

    ANTIGAS FIGURAS HISTRICAS

    JAX-UR Antigo dspota, geralmente considerado o tirano mais terrvel deKrypton

    LOTH-UR Pai cruel de Jax-Ur

    SOR-EL Ancestral de Jor-El, um dos lderes dos Sete Exrcitos

    KOL-AR Um dos lderes dos Sete Exrcitos

  • POL-US Um dos lderes dos Sete Exrcitos

    NOK Antigo comandante

    KAL-IK Conselheiro de Nok, que sacrificou a vida para falar a verdade

    HUR-OM Lendrio e malfadado amante decantado em uma pera de Kandor

    FRA-JO Lendrio e malfadado amante decantado em uma pera de Kandor

    DISSIDENTES

    GIL-EX Lder de Orvai no distrito do lago

    TYR-US Lder da cidade de metal de Corril nas montanhas

    GAL-ETH Vice-prefeito de Orvai

    OR-OM Industrial em uma cidade mineradora

    KORTH-OR Refugiado de Borga City

    ANEL DE FORA DE ZOD

    KOLL-EM Irmo mais novo de Shor-Em, lder do Anel de Fora

    NO-TON Nobre e cientista

    MON-RA

    RAN-AR

    DA-ES

    ZHON-ZA

    FRER-SI

    CREN-TE

  • OEL-AY

    POEL-OR

    BAL-UN

    WRI-VO

    MIR-XA

    NAER-ZED

    YRI-RI

    TRES-OK

    CAPTULO 1

    1

    O sol vermelho de Krypton se assomava no cu, um gigante inquieto. Em suascamadas

    gasosas, clulas condutoras de calor do tamanho de um planeta se agitavamcomo bolhas em um

    caldeiro infernal em cmera lenta. Delicadas bandeirolas coronais danavampelo golfo do

    espao, interrompendo as comunicaes planetrias.

    Jor-El estava esperando havia muito tempo por uma tempestade cintilante como

  • essa. Em seu

    laboratrio isolado, ele havia monitorado suas sondas solares, ansiosamentefazendo preparativos.

    O momento estava prximo.

    O visionrio cientista tinha montado seu equipamento no prdio de pesquisaamplo e aberto em

    sua propriedade. Jor-El no tinha assistentes porque ningum mais em Kryptonentendia exatamente

    o que ele estava fazendo; na verdade, alguns outros pareciam se preocupar. Aspessoas de seu

    planeta estavam satisfeitas. Muito satisfeitas. Por outro lado, Jor-El raramente sedeixava sentir

    complacente ou satisfeito. Como poderia, quando ele podia imaginar facilmentetantas maneiras de

    melhorar o mundo? Ele era uma verdadeira anomalia na sociedade perfeita.

    Trabalhando sozinho, calibrava feixes de raios atravs de centralizadores decristal, usava

    ferramentas alinhadoras de laser para ajustar os ngulos de discos refletoresconvergentes, checava

    mais de uma vez seus prismas resplandecentes em busca de falhas. Pelo fato deseu trabalho ter

    desafiado os limites da pouco inspirada cincia kryptoniana, ele havia sidoforado a desenvolver

    boa parte de seu aparato bsico sozinho.

  • Quando abriu a srie de painis feitos de uma liga de metal que ficava no teto deseu prdio de

    pesquisa, uma luz escarlate se espalhou pelo laboratrio. Logo o fluxo solaralcanaria o nvel

    desejado. Uma vida curiosidade cientfica lhe dava mais incentivo do que suareverncia pelo

    gigante vermelho, que os sacerdotes haviam batizado de Rao. Ele monitorava osnveis de poder

    exibidos pelos medidores planos de cristal.

    Durante todo o tempo, a luz do sol resplandecia visivelmente mais brilhante. Aslabaredas

    continuavam crescendo.

    Embora fosse jovem, Jor-El tinha um cabelo espesso e caracterstico, to brancocomo marfim, e

    que lhe dava um ar suntuoso. As belas e clssicas feies em seu rosto pareciamter sido

    modeladas diretamente do busto de um antigo nobre kryptoniano, tal como seuvenerado ancestral

    Sor-El. Alguns poderiam achar que seu semblante de olhos azuis era distante epreocupado, mas, na

    verdade, Jor-El enxergava muitas coisas que os outros no viam.

    Ele ativou seus bastes de cristal cuidadosamente dispostos, configurando umamelodia

    harmnica de extenses de onda. No telhado, espelhos laminados e oblquosprojetavam seus

  • reflexos em um prisma central concentrado. Os cristais roubavam apenas umsegmento preciso do

    espectro, depois desviavam o raio filtrado para tanques espelhados parablicosfeitos de mercrio

    semitransparente. medida que a intensidade da tempestade solar aumentava,os espelhos de

    mercrio comearam a se encrespar e borbulhar.

    Seguindo o plano, Jor-El rapidamente retirou um cristal de mbar e o inseriu emsua entrada no

    painel. As facetas lisas da pedra j queimavam a ponta de seus dedos. Oprimeiro raio se

    estilhaou formando uma teia de aranha luminosa que ligava o labirinto deespelhos e cristais.

    Em instantes, se a experincia funcionasse, Jor-El abriria uma porta para outradimenso, um

    universo paralelo talvez at mais do que um.

    A propriedade ampla e afastada, a muitos quilmetros de Kandor, era perfeitapara Jor-El. Seu

    prdio de pesquisa era to grande quanto um salo para banquetes. Enquantooutras famlias

    kryptonianas teriam usado tal espao para bailes de mscaras, festas ouapresentaes, o outrora

    famoso pai de Jor-El optou por erguer toda a propriedade como uma celebraoda descoberta, um

    lugar onde toda questo pudesse ser investigada, independentemente das

  • restries tecnofbicas

    impostas pelo Conselho Kryptoniano. Jor-El deu um bom uso a essasinstalaes.

    Para uma experincia dessa magnitude, ele havia pensado em chamar o irmoque morava em

    Argo City. Embora poucos pudessem ter uma genialidade que se equiparasse de Jor-El, seu irmo

    de cabelos escuros, Zor-El, apesar de seu mau humor ocasional, possua amesma nsia de

    descobrir o que ainda precisava ser conhecido. Na duradoura e cordial rivalidade,os dois filhos

    de Yar-El sempre tentavam superar um ao outro. Depois daquele dia, se aexperincia desse certo,

    ele e Zor-El teriam um novo universo inteiro para investigar.

    Jor-El retirou outro cristal do painel de controle, o girou e o enfiou novamente. medida que as

    luzes brilhavam e as cores se intensificavam, ele foi ficando inteiramenteabsorvido pelo fenmeno.

    Isolado em suas salas abafadas na capital, o Conselho Kryptoniano de onzemembros havia

    proibido o desenvolvimento de qualquer tipo de aeronave, eliminandoefetivamente qualquer

    possibilidade de explorao do universo. A partir de registros antigos, oskryptonianos estavam

    muito conscientes da existncia de outras civilizaes nas 28 galxias

  • conhecidas, mas o governo

    repressor insistia em manter seu planeta afastado para a sua prpria proteo.Essa regra tinha

    sido estabelecida havia tantas geraes que a maioria das pessoas a aceitava,como era de se

    esperar.

    Apesar disso, o mistrio por trs da existncia de outras estrelas e planetassempre intrigou Jor-

    El. Por no ser capaz de desobedecer s leis, no importa o quanto as restriespudessem parecer

    frvolas, ele foi buscar caminhos que as contornassem. Porm, as regras nopodiam impedir que

    ele viajasse em sua imaginao.

    Sim, o Conselho no havia permitido a construo de espaonaves, mas, deacordo com os

    clculos de Jor-El, poderia haver um nmero infinito de universos paralelos,incontveis Kryptons

    alternativas nas quais cada sociedade poderia ser levemente diferente. Jor-Elpoderia, portanto,

    viajar de uma nova maneira apenas se pudesse abrir a porta para essesuniversos. Nenhuma

    espaonave era necessria. Tecnicamente, ele no estaria desrespeitando nenhumalei.

    No centro do espaoso laboratrio, ele colocou um par de anis de prata comdois metros de

  • dimetro para rodar e criar um campo de conteno para a singularidade queesperava criar. Em

    seguida, monitorou os nveis de fora. E esperou.

    Quando a energia solar intensificada atingiu seu pico, um feixe de luz controladapenetrou atravs

    das lentes do teto e foi parar no meio do laboratrio de Jor-El como se fosseuma seta de fogo. Os

    raios multiplicados se reuniram em um nico ponto de convergncia e depoisricochetearam na

    prpria textura do espao. A rajada concentrada golpeou a prpria realidade eabriu um buraco

    para algum outro lugar... ou para lugar nenhum.

    Os anis prateados de conteno se cruzaram, giraram ainda mais rpido emantiveram aberta

    uma minscula fenda que se expandiu em um equilbrio de energia positiva enegativa. Enquanto

    aquela luz ofuscante flua para dentro daquele pequeno ponto vazio, a fendacresceu at ficar to

    larga quanto a mo do cientista, depois atingiu o tamanho do seu antebrao, atque finalmente se

    estabilizou, com dois metros de dimetro, estendendo-se at a borda dos anis.

    Um portal circular pairou no ar, perpendicular ao cho... algo que uma pessoacuriosa poderia

    simplesmente adentrar caminhando. Atrs daquela abertura, Jor-El sabia quepoderia encontrar

  • novos mundos para explorar, infinitas possibilidades.

    Em um pedestal frente do portal flutuante, o dispositivo cristalino de controleemitia um brilho

    quente e intenso. Para estabilizar o sistema voltil, ele retirou os cristais de foraauxiliares e

    depois inclinou as parbolas de mercrio para desviar o feixe principal de luzsolar. A fora se

    dissipou, mas a singularidade se manteve. O portal dimensional permaneceuaberto.

    Deslumbrado, Jor-El deu um passo frente. Ele j havia sentido muitas vezes adeliciosa emoo

    da descoberta, a onda do sucesso que vinha quando a experincia dava osresultados que estavam

    previstos ou, melhor ainda, quando algo maravilhosamente inesperadoacontecia. Esse portal tinha

    o potencial de gerar ambas as situaes.

    Quando o estranho portal no oscilou, ele freou cuidadosamente a rotao dosanis de prata,

    para que ficassem pairando verticalmente, imveis, no ar. Embora o entusiasmoo tentasse a pegar

    atalhos, sua mente analtica sabia das coisas. Ele comeou a fazer testes.

    Primeiro, como se fosse uma criana jogando seixos em um lago tranquilo,pegou uma caneta que

    estava na mesa de trabalho e a jogou cuidadosamente dentro da abertura. Assimque o fino

  • instrumento tocou na barreira invisvel e nela penetrou, sumiu completamente eapareceu do outro

    lado, no outro universo. S deu para Jor-El avistar um reflexo embaado domesmo, flutuando alm

    do seu alcance. Mas ele no conseguia ver detalhes do estranho lugar que haviadescoberto. E no

    via a hora de descobrir o que havia por l.

    Maravilhado, Jor-El se aproximou do portal vazio. Ele no via nada absolutamente nada , um

    vcuo insondvel no ar. Desejou ter algum do seu lado. Aquele grandemomento devia ser

    compartilhado.

    Ele gritou dentro da abertura.

    Algum pode me ouvir? Tem algum a?

    O portal continuou em silncio, um vcuo que drenava toda luz e som.

    Para o prximo teste, Jor-El prendeu uma lente teleobjetiva de cristal a umtelescpio que retirou

    de um equipamento ocioso numa das paredes do prdio de pesquisa.Cuidadosamente ele

    estenderia a haste com a lente atravs da barreira, permitiria que ela fotografasseo ambiente do

    outro lado e depois retiraria a ferramenta. Examinaria as imagens e determinariaqual seria o

    prximo passo. E testaria o ar, a temperatura e o ambiente daquele outro

  • universo.

    Mais cedo ou mais tarde, contudo, sabia que estava destinado a explor-lo.

    Prendendo a respirao, Jor-El estendeu a haste e empurrou a teleobjetiva decristal para dentro

    do vazio com todo o cuidado e delicadeza.

    De repente, como se uma grande ventania o tivesse engolido inteiro, ele se viupuxado para o

    outro lado, sugado para dentro da abertura com a vara e a lente. Em menos deum segundo, o

    cientista no estava em lugar algum, suspenso num vcuo negro e vazio deriva, porm mais do

    que isso, j que no conseguia sentir o corpo. No sentia gravidade, temperaturanem conseguia ver

    luz alguma. No parecia estar respirando, e nem precisava. Era apenas umaentidade flutuante,

    totalmente a par e ao mesmo tempo completamente desprendido da realidade.Como se estivesse

    olhando atravs de uma janela suja, ele avistou seu prprio universo.

    Mas no conseguia voltar.

    Jor-El gritou, at que rapidamente percebeu que ningum podia ouvi-lo naqueladimenso

    totalmente estranha. Berrou mais uma vez em vo. Tentou se mover, mas nonotou qualquer

    mudana. Estava perdido ali, to perto de Krypton, mas infinitamente distante.

  • CAPTULO 2

    2

    Trabalhando com seus colegas estudantes de arte nas estruturas

    maravilhosamente exticas, Lara no conseguia decidir se o design dapropriedade de Jor-El era

    fruto de genialidade ou de loucura. Talvez as duas coisas fossem muitosemelhantes para serem

    distinguveis.

    Rao brilhava sobre os carrilhes de luz, tiras ultrafinas de metal penduradasem fios tnues que

    giravam sob a presso dos ftons, produzindo uma mirade de arcos-ris. Umatorre espiralada

    branca como leite, sem portas nem janelas, se erguia no centro da propriedade,como um chifre de

    uma gigantesca fera mitolgica, que afunilava at ficar pontiagudo em seu pice.Outros anexos

    eram estruturas geomtricas singulares que cresceram a partir de cristaiscncavos, cobertos com

    interessantes arranjos botnicos.

    O solar do cientista solteiro era um labirinto irregular de arcos e cpulas;

  • paredes no interior

    que se encontravam formando ngulos irregulares, cruzando-se em locaisinesperados. Um visitante

    que caminhasse em meio aquele traado catico podia facilmente se desorientar.

    Embora Jor-El passasse a maior parte do tempo no tumultuado prdio depesquisa, aparentemente

    havia percebido que faltava algo na propriedade que seu pai tinha lhe deixado.Paredes externas de

    pedra polida, brancas como giz, chamavam a ateno como se fossem telas embranco que

    demandavam alguma obra de arte. Para sua sorte, o grande cientista haviadecidido fazer algo em

    relao a isso, e foi por essa razo que chamara uma equipe de artistas talentososliderados pelos

    famosos pais de Lara, Ora e Lor-Van.

    Lara queria deixar a prpria marca, dissociada de seus pais. Era uma mulherfeita, uma adulta

    independente e cheia de ideias prprias. Dada a chance, ela se achava capaz decriar uma obra

    caracterstica que talvez at mesmo o prprio Jor-El notaria (se o belo, pormenigmtico homem,

    se desse ao trabalho de sair um pouco do laboratrio). Um dia Krypton areconheceria como uma

    artista dona de uma imaginao prpria e frtil, mas isso no era o bastante. Laraqueria ir alm, e

  • no limitaria suas possibilidades. Alm de uma artista, ela se considerava umacontadora de

    histrias criativa, uma historiadora, uma poetisa, e at mesmo uma compositorade peras que

    evocavam a grandeza da interminvel Era de Ouro de Krypton.

    Seu cabelo comprido caa em cachos sobre os ombros, cada fio de tom mbarrepuxado. Como

    exerccio, Lara havia tentado pintar um autorretrato (trs vezes, de fato), masnunca conseguiu

    reproduzir direito seus impressionantes olhos verdes nem o queixo pontudo ouos lbios em boto

    que se curvavam para cima em um frequente sorriso.

    Seu irmo de 12 anos, Ki-Van, com o nariz levemente sardento, olhar curioso ecabelo

    desgrenhado da cor da palha, tambm viera para a rea de trabalho, que lheparecia uma maravilha

    em comparao com qualquer exposio montada em Krypton.

    Em volta dos prdios principais, equipes de artistas em treinamento seagrupavam em torno dos

    pais de Lara. Mais do que apenas subordinados e assistentes, aqueles eramverdadeiros aprendizes

    que absorviam o que podiam de Ora e Lor-Van, para que um dia pudessemcontribuir com seu

    prprio talento para a biblioteca cultural de Krypton. Eles misturavampigmentos, erguiam

  • andaimes e montavam lentes de projeo para transferir estampas que os mestresmais experientes

    haviam traado na noite anterior.

    Se os pais de Lara fizessem bem o seu trabalho, os kryptonianos j no selembrariam do trgico

    desvanecimento e confuso que marcaram o fim da vida do pobre homemenquanto ele sucumbia

    doena do esquecimento. Em vez disso, eles se lembrariam da grandezavisionria de Yar-El. Jor-

    El, com certeza, seria grato aos pais de Lara por isso. O que mais ele poderialhes pedir?

    Com o desembarao da juventude, Lara se sentou de pernas cruzadas em umpedao luxuriante de

    relva prpura, uma variedade de grama encontrada nas plancies selvagens quecercavam Kandor.

    Ela ficou contemplando aquele que considerava um dos mais enigmticosobjetos do terreno: doze

    placas lisas feitas de pedras castanho-amareladas com nervuras se erguiam emvolta das reas

    abertas da propriedade, cada uma com dois metros de largura, trs de altura ebordas irregulares.

    Os obeliscos eram como mos lisas e erguidas, plidas e sem manchas. Onzedas pedras planas

    estavam dispostas em intervalos regulares, mas a 12. estava surpreendentementedeslocada em

  • relao s outras. O que o velho Yar-El queria dizer com isso? Ser quepretendia cobrir os

    obeliscos com mensagens incompreensveis? Lara jamais saberia. Embora aindaestivesse vivo,

    Yar-El estava muito longe de poder explicar as vises presas dentro de suacabea.

    Lara escorou a prancheta entre os joelhos. Ela usava uma caneta de pontarecarregvel para

    mudar as cores da camada de alga eletromagntica, desenhando o que j haviapintado em sua

    imaginao. Enquanto seu pai e sua me pintavam murais picos mostrando ahistria de Krypton,

    Lara j havia decidido que usaria aqueles doze obeliscos brancos para propsitosmais simblicos.

    Se Jor-El deixasse. Ela ficava cada vez mais entusiasmada enquanto fazia planospara cada um dos

    painis vazios.

    Satisfeita com suas ideias, Lara congelou as imagens na prancheta e se levantouenquanto batia na

    saia branca iridescente para tirar os pedaos de grama. Exuberante e determinada,ela correu na

    direo do andaime onde os pais estavam decidindo qual seria a maneira maisdramtica de pintar

    a Conferncia dos Sete Exrcitos, que havia ocorrido milhares de anos antes emudado a sociedade

  • kryptoniana para sempre.

    Lara mostrou, orgulhosa, o que rascunhou em sua prancheta.

    Me, pai, vejam isto. Gostaria de ter a aprovao de vocs para um novoprojeto. Ela estava

    cheia de energia, pronta para comear a trabalhar.

    Lor-Van havia amarrado seu cabelo ruivo em um elegante rabo de cavalo paraque no casse em

    seu rosto. Seus olhos castanhos e expressivos demonstravam o amor que sentiapela filha assim

    como uma enorme pacincia. Ele tendia a ser condescendente com Lara sempreque ela vinha com

    um de seus novos (e normalmente nada prticos) planos. Porm, ele ainda a viamais como uma

    criana do que como uma adulta.

    Sua me, no entanto, era mais difcil de ser convencida. Ela tinha cabeloscurtos, de tom mbar e

    claro como o da filha, mas com mechas grisalhas; como sempre, algumasmanchas de pigmento

    salpicavam o rosto e as mos de Ora.

    O que voc fez agora, Lara?

    Produziu um trabalho brilhante, sem dvida implicou seu pai , mas cujacompreenso est

    alm de nossa capacidade, meros mortais.

  • Aqueles doze obeliscos disse Lara antes que pudesse prender a respirao,enquanto

    apontava para o que estava mais perto. Ela havia encontrado uma serenidade,uma determinao em

    sua voz. Quero pint-los, cada um de um jeito diferente.

    Sem nem ao menos olhar para os esboos, sua me lhe deu as costas.

    Isso est alm do escopo do nosso projeto aqui. Jor-El no nos deu permissopara toc-los.

    Lara fez presso.

    Mas ser que algum efetivamente perguntou se podia?

    Ele est dentro do laboratrio, trabalhando. Ningum deve perturb-lo. Eu tiveque mandar o

    seu irmo para o permetro do terreno, porque ele estava fazendo muito barulho. Ora olhou para o

    marido. Talvez Ki deva voltar para Kandor e ir escola com crianas da suaidade.

    Lor-Van bufou.

    Ele est aprendendo muito mais aqui. Quando que o garoto vai ter umaoportunidade como

    esta novamente?

    Lara, contudo, insistiu em sua prpria questo, e no estava aceitando umaresposta fcil.

    Jor-El pediu mesmo que no o perturbssemos enquanto estava trabalhando,ou vocs esto

  • apenas fazendo uma suposio?

    Lara, querida, ele um cientista reverenciado, e estamos aqui em suapropriedade ao seu

    convite. No queremos abusar de sua boa acolhida.

    Por que vocs tem tanto medo dele? Jor-El me parece perfeitamente afvel egentil.

    Olha, Lara disse o pai com um sorriso tolerante , no temos medo de Jor-El. Ns o

    respeitamos.

    Bem, eu vou l perguntar. Algum tem que clarear nossos parmetros. Elase virou,

    determinada, ignorando as palavras cautelosas de seus pais.

    Lara tocou a campainha da porta do prdio de pesquisa, que era to grande epomposa quanto o

    templo de Rao. Quando no obteve resposta, comeou a bater com os ns dosdedos, mas

    novamente s houve o silncio. Finalmente, foi mais impulsiva e enfiou acabea no interior do

    prdio.

    Jor-El, estou perturbando voc? Preciso lhe fazer uma pergunta. Ela haviaescolhido

    cuidadosamente as palavras. Que cientista de verdade poderia negar ateno aalgum que buscava

    conhecimento e queria simplesmente fazer uma pergunta?

  • Al? Embora soubesse que o sujeito devia estar dentro do laboratrioenormemente

    iluminado, ela s ouvia o zumbido reverberante do equipamento. Sou um dosartistas, a filha de

    Ora e Lor-Van. Ela segurou a fala e adentrou o prdio, na esperana de quepudesse ouvir a voz

    do cientista.

    O espaoso laboratrio de Jor-El era cheio de cristais que brilhavam como sefossem refletores.

    A enorme sala continha uma maravilhosa srie de aparatos incomuns,experincias meio

    desmanteladas, estantes cheias de equipamentos e peas de exposio. O sujeitoparecia perder o

    interesse em um projeto uma vez que a parte desafiadora fosse superada, pensouLara. Ela

    conseguia entender isso.

    Ainda assim, a moa no conseguia encontrar o eminente cientista. Ser que elehavia deixado a

    propriedade em segredo?

  • Jor-El? Tem algum aqui?

    No centro do laboratrio pairava um par de anis de prata que continham... umburaco. E,

    imprensado contra a membrana intangvel na superfcie, ela viu Jor-El flutuandono interior,

    gesticulando loucamente, com feies borradas e estranhamente achatadas.Embora seus lbios se

    movessem, eles no emitiam som algum.

    Lara saiu correndo, deixando para trs a prancheta e os desenhos. E elevou avoz:

    Voc est preso? Embora ele tentasse responder, ela no conseguia ouvir oque o cientista

    estava dizendo.

    Franzindo a testa, Lara deu a volta, foi parar atrs da moldura traada pelos anisde prata e teve

    a mesma viso de um Jor-El que a olhava pedindo ajuda, como se tivesse sidoaprisionado dentro

    de um plano bidimensional. A curiosidade a estimulou.

    Isso alguma espcie de experincia? Voc no fez isso de propsito, certo? A expresso

    desesperada no belo rosto do cientista era a nica resposta da qual ela precisava. No se

    preocupe. Vou descobrir uma maneira de tirar voc da.

    Flutuando naquele vcuo dormente e vazio, Jor-El experimentou um momento

  • de amarga ironia: por

    tantos anos ele sonhara com um lugar de absoluta quietude onde jamais seriaperturbado, um lugar

    onde poderia deixar seus pensamentos vagarem e o levarem at chegar s suasconcluses. Agora,

    preso nesse silncio morto e surreal, ele s queria escapar.

    Nos momentos iniciais de sua clausura, havia perdido a haste de telescpio e ateleobjetiva de

    cristal. Assim que se reorientou, a ponto de poder vislumbrar a janela de seuprprio universo, ele

    cutucou a abertura com a vara que trazia na mo, mas a barreira deu um coice, dealguma forma

    numa diferente polaridade daquele lado. A lente se estilhaou, a barra vergou esaiu do seu

    alcance, caindo no nada. Restou a Jor-El ficar ali pendurado, como se fosse umesprito

    desencarnado.

    Algum tempo depois, quase como se fosse um prmio de consolao, a canetaveio em sua

    direo. Jor-El a apanhou, sem saber se ela poderia vir a ser til.

    Ele no tinha nenhum meio para mensurar quanto tempo havia se passado.Acalmou-se e voltou a

    mente para o desafio em vez de sucumbir ao pnico. Normalmente, quando tinhaque enfrentar um

  • problema que parecia insupervel, Jor-El usava suas melhores calculadoras,trabalhava com uma

    srie interminvel de equaes e se valia dos conhecimentos de matemtica parachegar a

    concluses em geral surpreendentes. Aqui, no entanto, tinha apenas sua mente.Felizmente, para Jor-

    El, seu crebro era o suficiente. Hora de pensar!

    Logo ele tentou se concentrar na explicao que a fsica daria para aquele buracono espao,

    tentando descobrir como havia sido transportado e por que no conseguia,simplesmente, voltar.

    Uma vez criado, o portal se tornaria autossustentvel; ele duvidava que pudessefech-lo se

    quisesse. O cientista avaliou as ressonncias em seu dispositivo cristalino decontrole, os feixes

    coesos de luz solar vermelha e as parbolas de mercrio, at pensar em umatcnica que poderia

    funcionar para tir-lo dali. Mas daquele lado da barreira, Jor-El estavacompletamente

  • desamparado. Precisava de algum para ajud-lo do lado oposto.

    Ento, quando olhou para o laboratrio l fora, ele avistou um rosto, um rostolindo como o de

    uma ninfa etrea. Seus lbios se moviam, mas ele no conseguia entender aspalavras que eram

    ditas por trs da barreira. Quando Jor-El gritou de volta, ela claramente noconseguia entend-lo

    tambm. Os dois estavam isolados um do outro, separados por um vo entreuniversos.

    Jor-El achou que havia reconhecido a jovem, por j t-la visto uma ou duasvezes. Sim, ela

    estava com os muralistas que ele convidou para embelezar as estruturas da suapropriedade. Talvez

    ela sasse dali em busca de ajuda mas quem poderia ajud-lo? Ningum, almda possvel

    exceo de Zor-El, entenderia seu aparato ou o que havia feito. Mas levaria diaspara que seu

    irmo pudesse chegar de Argo City.

    A jovem, em seu campo de viso, andava de um lado para o outro, imersa empensamentos. Era

    uma loucura, mas Jor-El havia maquinado uma possvel soluo, contudo notinha condies de

    comunic-la para Lara. Se ao menos pudesse fazer com que a garota revertesse apolaridade dos

    cristais do centro, ele poderia ser cuspido para fora. Mas Jor-El no sabia como

  • lhe dizer isso.

    Demonstrando uma pacincia incrvel, a mulher apagou o que estava naprancheta e comeou a

    escrever o alfabeto kryptoniano. Ele rapidamente percebeu o que a moa estavafazendo. Seria um

    processo lento, mas como ela conseguia enxergar seu rosto, poderia fazer comque ele soletrasse

    palavras usando um smbolo de cada vez.

    Jor-El se agarrou a um fio de esperana e comeou a compor sua mensagem.

    Lara guardou os desenhos que estavam na prancheta, limpou a tela e comeou atrabalhar na

    soluo do problema. No comeo, ela rascunhou perguntas que ele pudesseresponder com um

    simples aceno ou um balanar da cabea. Ser que ele estava em apuros? Sim.Estava sentindo

    dores? No. Estava em perigo iminente? Ele hesitou, mas respondeu no. Serque queria a ajuda

    dela? Sim. Sabia como sair dali? O cientista fez uma pausa antes de dizer sim.

    Logo ficou bvio que ela no reuniria informaes suficientes dessa maneira.Finalmente,

    batendo em uma letra de cada vez com a caneta e esperando que ele escolhesse aque fosse mais

    adequada, ela, com muito esmero, captou sua mensagem.

    Polaridade Reversa.

  • Cristal mestre.

    Dispositivo de controle.

    Com um olhar de consternao, Lara escreveu: O que o dispositivo decontrole?, Qual o

    cristal mestre? e Como eu reverto a polaridade?. Mas ela s podia ter umapergunta respondida

    de cada vez.

    Dizia-se que Jor-El falava de coisas incompreensveis para o kryptoniano mdio.Ele criou um

    abismo entre si e a maioria dos cidados, que aceitavam passivamente o statusquo. Na hora em

    que escreveu sua segunda e igualmente incompreensvel resposta, ela ainda nosabia o que fazer.

    Eixo Experimental.

    Placa de Foco Solar.

    No Laboratrio.

    Lara olhou em volta, mas toda a sala estava cheia de equipamentos exticos,nenhum dos quais lhe

    fazia qualquer sentido. Que pergunta ele estava respondendo? Ela achou umagrande variedade de

    painis cristalinos, dispositivos luminosos e equipamentos que zumbiam. Atque finalmente ela

    decidiu fazer o que fazia melhor, uma forma de comunicao que no dependia dematemtica ou

  • termos tcnicos.

    Lara usou rpidas pinceladas de sua caneta para desenhar tudo que via na sala.Mais uma vez,

    atravs de um processo meticuloso, ela levantou a prancheta na altura do campode viso do

    cientista e lhe mostrou as imagens. Ao apontar para cada aparato com a pena, elaaos poucos foi

    limitando as possibilidades e chegando no que ele estava querendo dizer.

    Finalmente, seguindo com preciso as instrues de Jor-El (conforme asentendia), ela localizou

    o painel cristalino de controle. O cientista foi ficando obviamente mais tenso,mas Lara s sentia

    arrebatamento. Ela se perguntava se o pobre homem estava comeando a duvidarde suas prprias

    teorias, mas, estranhamente, no tinha tais reservas. Ela acreditava nele.

    Lara escolheu o que ele havia chamado de cristal mestre, que brilhava numtom verde-

    esmeralda. Quando o tirou de seu bocal, a luz do cristal se apagou; ela o viroude ponta-cabea e o

    inseriu novamente.

    De repente, a pea vtrea comeou a brilhar num tom escarlate bem forte. Osanis de prata

    suspensos, que serviam de moldura para a fenda dimensional, comearam a girarcomo se fossem

  • rodas dentadas de pontas afiadas, e depois viraram bruscamente para umaposio reversa...

    ...e ejetaram Jor-El de cabea para longe do outro universo. Estatelado no choonde havia cado,

    ele tirou a tnica e as calas brancas que saram imaculadas daquelaexperincia penosa e

    balanou a cabea.

    Ela correu em sua direo, pegou no seu brao trmulo e o ajudou a se levantar.

    Jor-El? Voc est bem?

    Ele mal conseguia encontrar as palavras mais adequadas. A princpio, ficoucorado, mas logo

    sorriu.

    Que experincia fascinante. Quando a encarou, com os olhos azuis ecintilantes, parecia estar

    enxergando Lara de um jeito que jamais algum havia enxergado. Voc salvoua minha vida. Mais

    do que isso, voc me salvou de ficar preso para sempre naquela... ZonaFantasma.

    Ela lhe estendeu a mo.

    Meu nome Lara. Desculpe pelo jeito pouco ortodoxo de fazer contato. Elaresolveu esperar

    um pouco antes de pedir a sua permisso para pintar os doze obeliscos.

  • CAPTULO 3

    3

    A turbulenta tempestade de Rao criou um espetculo silencioso de luzes eauroras

    naquela noite. Cortinas etreas e coloridas transbordaram em meio ao cu deKrypton.

    Como ela o havia resgatado, Jor-El convidou Lara para jantar ao seu lado nasacada da manso.

    Esse gesto de gratido no era uma mera formalidade; era a coisa certa a se fazer.Ele havia

    gargalhado quando os pais da moa vieram pedir desculpas por sua filha atrevidater perturbado o

    seu trabalho. Se Lara no o tivesse interrompido no laboratrio, quem sabe porquanto tempo ele

    poderia ficar preso naquele lugar vazio? O cientista queria muito jantar com ela econhec-la

    melhor.

    Agora os dois estavam sentados juntos naquela noite quente e calma, comendode vrias

    pequenas travessas, cada uma com uma iguaria saborosa. Jor-El era meiosolitrio, no estava

  • muito acostumado com conversas casuais, mas logo percebeu que trocar ideiascom Lara era

    surpreendentemente fcil.

    Usando um garfo fino com uma prola na ponta, ela pegou uma poroapimentada de lcuma de

    um prato de borda dourada, deixando o ltimo pedao para ele.

    Quando eu ia a banquetes extravagantes em Kandor, a comida eranormalmente to bonita que o

    sabor no tinha como alcanar o nvel da apresentao. Ela retirou a tampa dapequena panela

    esmaltada e respirou bem fundo para sentir o cheiro do vapor quente eapimentado que vinha das

    folhas polpudas e ensopadas enroladas em espetos. Isso aqui, no entanto, estdelicioso.

    Instru meu chefe, Fro-Da, para que preparasse uma refeio especial, mas eunormalmente no

    costumo prestar ateno na comida. Sempre estou ocupado com outras coisas. Com os dedos, ele

    pegou uma pequena empada triangular. Ele no tinha a menor ideia de querefeio era aquela ou de

    que ingredientes Fro-Da havia usado no molho. J fui a banquetes onde ojantar parecia mais uma

    performance do que uma refeio.

    Lara se animou.

  • No tem nada errado com uma performance, se isso que voc est buscando.Gosto dos bals

    suspensos das peras de Borga City e Kandor, mas quando estou com fome,quero apenas comer.

    Os dois riram.

    Como se estivesse escutando a conversa dos dois s escondidas, o corpulentochef chegou e

    apresentou o colorido prato de sobremesa com o mnimo de alarde.

    Permitimos que a nossa comida seja uma celebrao por si mesma disseFro-Da. Jor-El

    tentou agradec-lo, mas ele desapareceu junto com um turbilho de ajudantesque ajudaram a tirar a

    mesa.

    Os dois olharam para o cu escuro banhado de cores pastis. Em anos anteriores,Jor-El havia

    desenhado e construdo quatro telescpios de vrios tamanhos de diafragma nostelhados desses

    prdios. Embora o Conselho jamais fosse perder tempo olhando para ofirmamento, Jor-El havia

    se encarregado de fazer um detalhado levantamento do que via nas alturas. Eleolhava para as

    estrelas, catalogando os diferentes tipos, procurando por outros planetas quesabia estarem por l.

    No podia viajar para esses mundos fantsticos, mas pelo menos podia olhar.Talvez mais tarde ele

  • resolvesse mostrar para Lara algumas das maravilhas distantes atravs do maispotente dos seus

    telescpios. Mas, por enquanto, estava vivendo um momentosurpreendentemente agradvel, s de

    ficar sentado ali.

    Mais acima, de forma proeminente, havia os restos de Koron, uma das trs luasde Krypton, e um

    dia o bero de uma prspera civilizao irm. Nenhum kryptoniano conseguiaolhar para o cu sem

    evitar uma pungente sensao de perda. Jor-El refletiu enquanto acompanhava oolhar de Lara.

    Voc j tentou imaginar quanto poder seria necessrio para destruir uma luainteira? Que tipo

    de cincia est por trs disso?

    Cincia? A cincia no foi responsvel por tanta morte e destruio... Jax-Ursim. J li sobre

    esse tirano nos ciclos picos. Nenhuma outra pessoa mudou tanto a histria deKrypton.

    Jor-El ficou surpreso com a veemncia de sua reao. Lara certamente no tinhamedo de dar sua

    prpria opinio. Ele havia meramente se interessado em decifrar a fsica por trsdaquelas armas

    assombrosas. Dardos nova, como eram chamadas. Que tipo de dispositivopoderia rachar um

    planeta ao meio e causar uma destruio to inconcebvel?

  • H mais de mil anos, Jax-Ur havia tentado conquistar Krypton, assim como osoutros planetas e

    satlites colonizados no sistema solar. O povo de Koron recusou-se a se curvar,por isso o dspota

    ameaou usar as armas de aniquilao. Quando ainda se recusaram a capitular,Jax-Ur lanou trs

    dardos nova. Depois que as armas destruram a lua inteira, o tirano revelou queainda tinha, pelo

    menos, outros quinze guardados em um local secreto.

    Mas Jax-Ur havia diludo muito as suas foras: suas conquistas eram muitorpidas e bem

    separadas umas das outras. Sete generais rebelados reuniram exrcitosdesesperados de cidades-

    estados independentes que haviam sobrevivido s depredaes patrocinadas pelodspota. Os sete

    exrcitos convergiram no grande lago no delta do Vale dos Ancios, arriscandotudo para derrotar

    Jax-Ur. Um dos conselheiros de confiana do tirano acabou o traindo se foi porrazes nobres ou

    simplesmente para salvar a prpria pele, ningum sabe ao certo. O traidorenvenenou Jax-Ur antes

    que ele pudesse lanar mais uma de suas armas, e o impiedoso e desprezadovilo acabou

    morrendo sem revelar onde o seu estoque de munio estava escondido.

    Jor-El deixou sua imaginao vagar.

  • Se eu pudesse encontrar um desses dardos nova, poderia descobrir como elesfuncionam.

    Vamos esperar que ningum jamais descubra esse depsito de munio.Ningum deve ter

    acesso a tais armas. por isso que tecnologias perigosas so proibidas emKrypton.

    Ele lhe dirigiu um sorriso melanclico.

    Ah, sim, sei disso muito bem. Bati cabea muitas vezes com a Comisso paraAceitao da

    Tecnologia.

    Depois da derrota de Jax-Ur, os lderes dos sete exrcitos estabeleceram uma pazduradoura, e

    os kryptonianos voltaram a ateno para outras maneiras que tinham de salvarsua civilizao.

    Como Jax-Ur havia aprendido como fabricar seus dardos nova com um visitantealiengena, os

    lderes de Krypton optaram por obstruir qualquer influncia externa. AConferncia dos Sete

    Exrcitos havia banido todas as viagens interestelares, todo o contato com raaspotencialmente

    destrutivas e todas as tecnologias perigosas.

    Lara olhou para a lua destruda.

    Eu adorava ler os ciclos histricos. Naqueles tempos, toda a vida era parte deum pico. Os

  • kryptonianos possuam paixes e sonhos.

    Jor-El no conseguiu dissimular totalmente o seu sarcasmo.

    Mas agora o Conselho diz que temos tudo de que podemos possivelmenteprecisar e devemos

    nos julgar satisfeitos. Nada de novas descobertas. Nada de progresso.

    Suas sobrancelhas se franziram, formando um sulco em sua testa. Seus olhosverdes irradiavam o

    mais incrvel dos fulgores. Ela parecia muito viva.

    Mas se no aspirarmos a melhoras em ns mesmos, acabaremos abrindo modo entusiasmo na

    vida.

    Jor-El olhou para a moa e sorriu.

    Eu no poderia ter dito isso de forma melhor. Sou vido por todos os ramosdiferentes da

    cincia... fsica, qumica, arquitetura, tica. A astronomia a minha maiorpaixo.

    Lara tocou no brao dele com a ponta dos dedos, surpreendendo-o.

    Olhe para ns... uma artista e um cientista. primeira vista, parecemoscompletamente

    diferentes, porm, somos mais parecidos do que eu poderia imaginar. Meus paisquerem que eu me

    especialize em pintura de murais, assim como eles, mas tambm amo msica,histria, ciclos

  • picos. No quero ficar presa a uma nica rea do conhecimento.

    Sim, entendo. Bem, no essas coisas especificamente. Nunca conseguidescobrir o tom de

    sinfonias ou de peras. Do ponto de vista clnico, reconheo que requerem umtrabalho e uma

    imaginao significativos, alm de certo nvel de conhecimento. No entanto, noconsigo deixar de

    coar a cabea e me perguntar o que tudo isso significa.

    A risada dela era como msica.

    Ah! Ento voc sabe como a maior parte das pessoas se sente em relao suacincia. Tudo

    nela um mistrio para todo mundo.

    Nunca pensei nisso dessa maneira.

    Voc no sabe disso, Jor-El, mas insisti em participar desse projeto com meuspais por sua

    causa. Voc sempre me fascinou... voc e tudo o que representa. Queria estaronde a Histria de

    verdade est acontecendo.

    Histria?

    A Histria nem sempre tem a ver com antigas lendas ou registros. A Histriaest sendo criada

    diariamente, e voc a est criando mais do que qualquer kryptoniano vivo. Vocpode muito bem

  • ser o maior gnio nascido neste planeta.

    Jor-El j havia escutado coisas parecidas antes, mas sempre lhes deu umdesconto. Agora se

    sentia desconcertado por ouvir o mesmo dela, que riu discretamente ao notar queele havia ficado

    ruborizado.

    Ele rapidamente apontou para o cu.

    Veja, os meteoros esto prestes a cair. Ele se sentia tmido demais paraencar-la, mas sabia

    que ela o contemplava com aquele ar afetuoso no rosto. A cada ms, enquantoos cascalhos da lua

    orbitavam Krypton, a gravidade atraa os escombros. Fogos de artifcio riscavamo cu noturno,

    irradiados de Koron como se o satlite ainda estivesse explodindo.

    Lara foi ficando cada vez mais cativada enquanto a chuva se intensificava.Formando um risco

    aps o outro, meteoros rasgavam o firmamento como se fossem unhascintilantes arranhando o cu.

    Estrelas cadentes cintilavam, depois desapareciam.

    Nunca havia visto tantas.

    Essa a vantagem de viver fora da cidade, onde o cu mais escuro. EmKandor, as luzes

    brilhantes impossibilitam a contemplao da maior parte dos meteoros. Astrilhas so produzidas

  • pela ionizao do gs produzido pelo aquecimento decorrido da frico do...

    Com mais uma gargalhada, Lara fez com que ele interrompesse o discurso. Ocientista no

    conseguia entender o que havia de to engraado, mas a jovem continuava asorrir.

    s vezes, Jor-El, uma explicao cientfica serve apenas para diluir a beleza.Observe e

    aproveite.

    Sentando perto dela, ele se forou a se recostar e contemplar a noite.

    Por voc, vou tentar. Ele de fato enxergou a beleza da chuva de meteorospara o seu prprio

    bem e sentiu-se exultante por fazer isso ao lado dela.

    Enquanto Lara ainda se mostrava maravilhada com aqueles blidosparticularmente cintilantes,

    os pensamentos de Jor-El se voltaram para a Zona Fantasma. Mesmo no meiodaquela agradvel

    circunstncia, ele no conseguia fazer com que sua mente de cientista parasse detrabalhar. Ele

    havia criado um buraco para outra dimenso, embora no fosse aquilo queesperava. No era uma

    porta para mundos novos e fantsticos, e sim uma armadilha. Ele alimentava aesperana de poder

    viajar para inmeros universos paralelos, mas agora no conseguia ver vantagemalguma naquele

  • lugar vazio onde ficara preso, sozinho e deriva. Antes que a Comisso paraAceitao da

    Tecnologia permitisse a administrao de tamanha descoberta, ele teria quedemonstrar alguma

    aplicao prtica incontestvel.

    Quando terminou o show dos meteoros, Lara se espreguiou.

    Est tarde. Jor-El percebeu que os escombros cintilantes de Koron estavammais prximos do

    horizonte a oeste; ele havia se perdido em pensamentos durante um bom tempo. Obrigada, Jor-El,

    foi uma noite inesquecvel.

    Um dia inesquecvel. E amanh eu vou levar a Zona Fantasma para Kandor. Ele se levantou

    para lev-la de volta aos quartos de hspedes onde seus pais, seu irmo caula etodos os

    aprendizes estavam acomodados. Preciso encontrar o comissrio Zod.

    CAPTULO 4

    4

    O grande estdio de Kandor era uma elipse perfeita com paredes altas, colunatase

  • arcos imponentes. Todas as camadas da sociedade kryptoniana compareciam sespetaculares

    corridas hrakka, sentando ombro a ombro em assentos esculpidos emcalcednias polidas.

    Flmulas trazendo insgnias das famlias mais nobres de Krypton adornavam osparapeitos do

    grande estdio, enquanto os espectadores se sentavam em setores limitados paraque pudessem

    torcer pelos seus cocheiros favoritos. Assobiavam e gritavam para qualquerequipe de corrida que

    julgassem ser a mais empolgante, e suas atenes volveis mudavam ao longoda competio.

    Escadas castanho-amareladas incrustadas de poeira de cristal levavam o pblicode um nvel de

    assentos para outro como se fossem cachoeiras de pedra. Camarotes privados eproeminentes

    estavam reservados para espectadores especiais. Os onze membros do ConselhoKryptoniano se

    sentavam nas fileiras centrais e tinham a melhor viso. L embaixo, os cascalhoscastanhos haviam

    sido revolvidos para que a pista ficasse mais lisa e permitisse que as feraspudessem correr

    desabaladas quando despontassem.

    O comissrio Dru-Zod estava achando o evento, ao mesmo tempo,desconfortvel e

  • desinteressante. A luz do sol vermelho era quente e brilhante demais. Embora ossistemas de

    ventilao dispersassem ar fresco sobre a arquibancada, Zod ainda assimcontinuava suado. Do

    lado de fora, as coisas estavam fugindo do controle, e ele no gostava de perdero domnio da

    situao. A arena estava lotada e, do camarote onde estava sentado, podia sentiro cheiro do

    populacho apinhado.

    Apesar disso, o comissrio fingia estar se divertindo. Liderana tinha tudo a vercom manter as

    aparncias. As grandes corridas hrakka eram um evento cultural, uma emoocircense para

    pessoas que no tinham nenhuma meta importante para alcanar. Zod tinhavrias coisas mais

    importantes para fazer, mas no poderia lev-las a cabo se no agisse de acordocom as

    expectativas da populao. Todos na capital se reuniam para esse espetculomensal. Isso os

    mantinha felizes. Isso os mantinha calmos. E os mantinha sob controle.

    O camarote reservado para Zod estava localizado em uma fila mais empoeirada,dois nveis

    acima dos luxuosos camarotes privados dos membros do Conselho, onde a vistano era to boa,

    mas o comissrio no dava a mnima para o espetculo. Como ele

  • supervisionava a Comisso para

    Aceitao da Tecnologia, o Conselho de onze membros considerava que suaposio era

    subordinada deles. Achavam que Zod cumpria alegremente suas ordens. Eeram tolos. O sorriso

    em seu rosto era perfeito; um cabelo escuro bem-cortado e um bigode e barbabenfeitos lhe davam

    uma aparncia distinta.

    Para o evento daquele dia, ele estava acompanhado de Vor-On, o filho caula deuma famlia

    nobre sem quaisquer perspectivas.

    Ser que o seu cocheiro vai vencer hoje, comissrio Zod? Posso fazer outraaposta? Ele

    cheirava a algum que usava muito perfume para esconder o odor do suor. Vor-On era pouco mais

    que um bajulador, desconcertado e feliz por ter a ateno de Zod.

    Depois de muitos anos de prtica, Zod mantinha sua voz num tomcuidadosamente controlado.

    Eu espero que Nam-Ek venha a vencer, mas no se pode garantir essas coisas.

    Vor-On se contorcia, quase sem conseguir conter o entusiasmo. Seu cabelo corde ferrugem

    estava cortado com franja curta e bem quadrado atrs. Tal estilo, que estava bempopular naquele

    ano, era to pouco refinado que lembrava uma peruca barata.

  • Voc est planejando alguma coisa, no? E est com a vitria no bolso. Qual a surpresa,

    Zod? Conta pra mim.

    Se eu contar pra voc, no vai ser mais surpresa. Zod no havia feito apostase no estava no

    evento em busca de lucros. Ele estava certo, no entanto, de que aquele homemchamado Nam-Ek

    cumpriria e iria alm das expectativas; nisso, o mudo musculoso era bastanteprevisvel.

    Zod se inclinou para a frente, entediado. Vaporizadores borrifavam uma nvoamida e

    refrescante no ar. Ambulantes tentavam vender bebidas geladas. Artistas usandoespalhafatosas

    roupas de palhao carregavam bandeirolas e fitas e danavam ao longo da pistaestreita l

    embaixo, supervisionando os preparativos finais enquanto caam de bunda nocho para divertir a

    plateia. A expectativa crescia a cada instante.

    No meio de toda aquela entediante confuso, Zod avistou algo interessante.Mais acima, no

    vistoso camarote da nobre famlia de Ka, os convidados usavam roupasextravagantes e pomposas,

    absolutamente nada prticas, que seguiam a moda e no o bom senso. Oshomens e as mulheres

    estavam sentados com roupas de golas altas, mangas pontudas, cinturas

  • apertadas e tecidos

    plissados cravejados de tantas joias que provavelmente no conseguiriam securvar para se

    esquivar, caso um assassino lhes lanasse uma adaga. Zod achava isso, aomesmo tempo, divertido

    e repulsivo.

    No entanto, o que chamou a ateno de Zod foi uma linda jovem que noparecia fazer parte

    daquele cenrio. Seu cabelo escuro tinha um corte rente e despenteado. Ela nousava joia alguma.

    Seus olhos eram como poos escuros, suas feies eram as mais encantadoras,pois no se rendiam

    aos padres de beleza kryptonianos. Suas calas de couro pretas e apertadas e obluso largo e

    escuro foram desenhados mais para conforto e utilidade do que para ostentao.Ela se recostava,

    em vez de posar, no assento de pedra.

    Zod imediatamente percebeu que aquela mulher era diferente de todas as nobresinspidas com as

    quais tinha que lidar todos os dias.

    Vor-On, quem aquela criatura intrigante logo ali?

    O vido e nobre jovem acompanhou o olhar de Zod e fechou a cara, com ar derepugnncia.

    Voc no pode estar interessado nela, comissrio!

  • Por que eu tenho que me explicar? Fiz uma pergunta muito simples.

    Sim, comissrio. claro, comissrio. Ela a terceira filha da casa de Ka, algocomo uma

    pria, algo constrangedor. Quando os pais tentaram reneg-la, ela fez umaretaliao apagando o

    seu nome de famlia. Ela insiste em ser chamada simplesmente de Aethyr.

    Maravilhoso!

    Vergonhoso! Ela se recusa intencionalmente a viver altura da grandelinhagem da sua famlia.

    Zod coou a barba, contemplativo.

    Porque ela faz coisas que eles desaprovam?

    Com certeza, comissrio. Ela no gosta da famlia, e eles no gostam dela.No sei por que ela

    insistiu em vir para as corridas de carruagens, por que iria querer ser vista aolado deles em seu

    camarote.

    Zod conteve um sorriso. Mesmo seu ingnuo companheiro no podendocompreender a razo, ele

    entendeu muito bem a resposta. Aethyr provavelmente saboreava o desconfortoque causava, e o

    fazia de propsito. Ele achava que isso tinha o seu charme. Olhando em volta,ele percebeu que

    membros de outros camarotes nobres se voltavam para os assentos dos Ka,fechando a cara para

  • Aethyr, e lhe dando as costas em seguida. Algo to dolorosamente bvio, toartificial.

    Kryptonianos eram como atores em uma antiquada performance.

    Voc no v? Essa a sua rebelio, e ela faz alarde em frente famlia. Zodriu. Observe

    que quanto mais ela se aproxima, mais eles se encolhem. Para ela, tudo umjogo. Aethyr mais

    esperta do que todos os membros de sua famlia. Ela um diamante bruto, Vor-On. De fato, bem

    bonita.

    Vor-On reagiu com horror.

    Talvez... se voc pudesse v-la por trs de tanta sujeira e imperfeio. Eaquelas... roupas!

    Se quisesse, Aethyr poderia se vestir de acordo com as indicaes de outraspessoas, mas nada

    poderia criar artificialmente aquele carisma natural.

    Os clarins que anunciavam os preparativos soaram. Fanfarras tinham seu somamplificado por

    ressonadores, abafando o som de fundo que a plateia fazia. Mesmo sob o calorescaldante do sol

    vermelho, luzes ornamentais cintilavam do topo das colunas obsidianas cheiasde sulcos em volta

    da rea onde o Conselho estava acomodado. Vor-On se virou imediatamentepara a pista, feliz por

  • poder se concentrar em algo mais apropriado do que Aethyr.

    Os portes que ficavam no nvel do cho se abriram e as feras emergiram dassombras dos

    currais obscuros. Parelhas de hrakkas robustos lagartos de pernas curtas, comcristas irregulares

    na cabea vieram rastejando, cada trs deles acorrentados a um veculoflutuante. As criaturas

    verdes e castanhas se retesavam em seus manches enquanto cada equipe conduziaa sua biga para a

    rea aberta. As peles escamosas traziam as marcas das nobres famliaspatrocinadoras.

    Zod apertou os olhos para ver seu prprio homem emergindo. Com a barbacerrada e ombros

    largos, Nam-Ek surgiu imponente conduzindo o veculo, segurando as rdeascom uma das mos

    fortes. Zod escondeu um sorriso presunoso enquanto a plateia comeava amurmurar algo relativo

    s feras exticas que estavam presas carruagem de Nam-Ek.

    O mudo havia subjugado lagartos de pele negra do continente selvagem no sulde Krypton.

    Adornados com chifres e espinhos ao longo de seus corpos, escamas de bano ecristas escarlates

    nas cabeas, eram feras acostumadas a caar e estripar suas prprias presas.Como treinador, Nam-

    Ek podia ser to feroz quanto as feras, e j havia dado chicotadas para manter as

  • trs alinhadas. O

    corpulento condutor parecia estar totalmente confiante.

    Quando todas as bigas estavam posicionadas na linha de partida, o calvo e idosolder do

    Conselho, Jul-Us, subiu at o pdio principal. No meio de toda a gritaria queressoava, Zod no

    conseguia fazer muito mais do que aplaudir educadamente. Embora o velho Jul-Us fosse popular

    em Kandor, Zod o desprezava por causa de sua alta posio. Ele poderia ter sidoo cabea do

    Conselho, mas devido a calnias polticas e aliados desleais, Zod foradescartado e posto para

    tomar conta da Comisso menor como prmio de consolao. Embora tivesse,no final das contas,

    obtido mais poder de tal posio do que qualquer membro do Conselho pudesseperceber, jamais

    se esqueceria de que havia sido injustamente desprezado.

    Todos os olhares estavam voltados para Jul-Us enquanto ele erguia um longocristal escarlate por

    sobre a cabea, um fragmento simblico que continha uma rajada de luz. Lembaixo, todos os

    condutores das carruagens manobravam seus hrakkas impacientes, prontos paradisparar em busca

    de uma boa posio assim que recebessem o sinal.

  • Meritoriamente, o lder do Conselho no era um homem que demandava atenoe elogios do

    povo de Kandor. Ele disse simplesmente:

    Que comecem as corridas! Logo o velho partiu o fragmento escarlate aomeio, liberando um

    claro intenso.

    Os hrakkas dispararam, puxando seus arreios, irrompendo pela pista apertada.Com msculos

    rijos e longas garras que afundavam no cascalho, os lagartos negros de Nam-Ekavanavam.

    Ladeando o grande mudo, as equipes rivais de hrakkas se retesavam, tentandoacompanhar as

    bestas selvagens.

    A multido gritava incentivando as equipes pelas quais torcia, agitando flmulase fazendo

    apostas de ltima hora. Alguns assobiavam, outros vaiavam. De p, como sefosse uma divindade

    de pedra beatificada em frente ao seu camarote, Jul-Us assistia s grandescorridas.

    Uma voz fraca, tingida de um medo de quem mal podia se controlar,interrompeu a concentrao

    de Zod.

    Comissrio, preciso falar com voc!

    Fazendo um esforo para se acalmar, Zod virou-se calmamente para trs. Logo

  • atrs dele, usando

    uma capa vermelha brilhante e uma camisa com mangas bufantes, estava Bur-Al,o quarto na cadeia

    de comando na Comisso para a Aceitao da Tecnologia. O homem era umadministrador, um

    funcionrio que no tinha firmeza nem viso.

    Por que voc est interrompendo minha apreciao da corrida? Meu homem,Nam-Ek, est na

    frente.

    Bur-Al cruzou os braos com mangas bufantes.

    Comissrio, seria melhor discutirmos essa questo em particular.

    Zod lhe lanou um olhar intimidante.

    Ento por que voc veio para um lugar onde h milhares de pessoas reunidas?

    O sujeito pareceu surpreso com a pergunta, mas depois falou abruptamente.

    Descobri seu segredo. Sei o que fez com todos os itens tecnolgicos queconsiderou perigosos,

    as coisas que censurou.

    Por favor, guarde seus delrios para uma ocasio mais apropriada. Amultido gritava e

    aplaudia. At aquela altura, Vor-On nem havia notado a chegada daquelediscreto visitante.

    Finalmente o comissrio suspirou. Muito bem, me encontre l embaixo nosestbulos privados

  • depois que a corrida acabar, onde no perturbaremos o resto do pblico. Nam-Ekguarda seus

    hrakkas por l, e voc sabe que ele no consegue falar palavra alguma. Agora medeixe em paz.

    Arrebatado pelo espetculo, Vor-On ergueu as mos.

    Voc viu aquilo, comissrio? Foi incrvel!

    Na pista, uma das carruagens estava completamente destruda. Nam-Ek puxousuas rdeas,

    encorajando as criaturas sem precisar chicote-las. As bestas negras se arriscavamdando a volta

    no circuito, pisoteando o cascalho, correndo cada vez mais rpido. Zod sentiaque Bur-Al ainda

    estava atrs dele, inquieto e enfurecido, mas o ignorou. At que, finalmente, oadministrador foi

    embora.

    Algumas famlias nobres que haviam investido em equipes rivais comearam areclamar em voz

    alta dos hrakkas negros. Por trs de portas fechadas, antes do incio das provas,dois oficiais que

  • cuidavam das corridas tambm haviam questionado a legalidade do uso denovas espcies. Nam-Ek

    pareceu ter ficado desamparado e agitado, incapaz de expressar verbalmente suaansiedade, mas

    Zod, como sempre, fora a voz da razo, ao pedir para que os oficiais olhassem acarta com as

    regras. Nos registros velhos e empoeirados, ningum havia definido exatamenteo que era um

    hrakka. Na ausncia de qualquer regra estabelecida que dissesse o contrrio, ospreconceituosos

    funcionrios consentiram em deixar a equipe de Nam-Ek competir nas corridas.

    Agora, enquanto os condutores entravam na terceira volta, dois dos times rivaisfecharam o vo,

    tocando as criaturas verdes e douradas alm dos seus limites de tolerncia. Zodpde ver que

    aqueles hrakkas provavelmente morreriam no final da corrida, o que, sem dvidaalguma,

    provocaria um escndalo em Kandor.

    Assim que um dos hrakkas dourados passou ao lado da carruagem de Nam-Ek, afera negra que

    estava mais prxima virou a cabea e o aoitou com uma lngua que maisparecia um chicote,

    arrancando um de seus olhos. A criatura ferida se ergueu para trs, enlouquecida,e cravou as

    garras no rptil com o qual dividia os arreios. De repente, a carruagem caiu para

  • o lado e deu

    cambalhotas at quebrar. O condutor, que usava um traje de proteo e um cintoantigravidade, se

    ejetou dos destroos, inclume, enquanto as bestas jaziam feridas e moribundas.

    Com os olhos arregalados, Vor-On olhou para Zod como se ele soubesse todasas respostas.

    Isso permitido?

    No proibido pelas regras.

    Como no proibido? Isso ... horrvel.

    H quem chame isso de algo inovador.

    Zod se sentia excitado enquanto observava a cena. Os hrakkas de Nam-Ekatacavam

    violentamente com suas lnguas a equipe que estava direita, e tambm adestroaram. quela

    altura, o grande mudo mantinha uma liderana incontestvel. Zod nem aomenos precisou assistir ao

    resto da corrida; o resultado j estava consumado. Deixou Vor-On pegar osaperitivos que os

    serventes haviam deixado no camarote do comissrio.

    Enquanto todos os olhares estavam focados no clmax das corridas, ningumnotou Zod

    escapulindo discretamente. Ele tinha que descer at os estbulos e comear seuspreparativos antes

  • da chegada de Bur-Al.

    Os hrakkas negros emanavam um aroma gorduroso das glndulas almiscaradaslocalizadas atrs de

    suas poderosas mandbulas, mas os odores do estbulo no incomodavam Zod.Ele havia

    construdo tais cercados adjacentes grande arena; eram frios, escuros e tambmmuito reservados.

    Para seus colegas nobres, os estbulos mostravam que o comissrio nopoupava extravagncias

    para manter Nam-Ek, sua carruagem e seus hrakkas na melhor forma. Para Zod,no entanto, os

    estbulos serviam como o lugar perfeito para encontros que no deveriam serobservados.

    Depois daquela corrida bastante disputada, Zod encontrou seu condutor nasreconfortantes

    sombras, e ficou em p ao seu lado enquanto o mudo vitorioso puxava os trshrakkas negros para

    dentro dos cercados e prendia grossas correntes a ganchos na parede.

    Suado e radiante, Nam-Ek bebia gua fresca direto de um balde. Ele sorriu paraZod, que bateu

    de leve no seu ombro robusto em sinal de sincera congratulao. Emborapudesse estar faminto, o

    mudo no comeria at que terminasse de cuidar dos hrakkas. Os lagartos negrostambm estavam

    famintos por conta de toda a energia que haviam queimado durante a corrida,

  • mas Nam-Ek teve o

    cuidado de no aliment-los imediatamente. Na condio que estavam,acabariam se

    empanturrando e passando mal.

    O grande condutor esfregou um punhado de leo no couro dos hrakkas, dando ssuas escamas um

    brilho vtreo perfeito. Ele trabalhava meticulosamente, massageando osmsculos das feras. Os

    hrakkas rosnavam, sibilavam e ronronavam, mas no faziam nenhum gestoameaador contra Nam-

    Ek. Eles tambm estavam acostumados com Zod, que costumava ir comfrequncia aos estbulos

    para pensar e usar Nam-Ek como uma caixa de ressonncia silenciosa. Eleachava revigorante o

    simples fato de poder exprimir suas opinies sem ser interrompido porcomentrios idiotas.

    Depois de dizer para o musculoso camarada o que precisava, Nam-Ek acenoubruscamente com a

    cabea. Zod ainda podia ouvir sons emitidos pela multido l fora enquanto saado estdio, um

    conversando com o outro, empolgados com o resultado da corrida.

    Ele levantou os olhos e avistou uma figura esguia no vo da porta. Bur-Al vieraexatamente do

    jeito que Zod o havia instrudo a fazer. O comissrio se inclinou contra a paredede blocos de

  • pedra perto do cercado, olhando para o seu assistente de quarto escalo.

    Eu estava alimentando a esperana de que, passado esse tempo, voc fosse cairem si, Bur-Al.

    Voc fez algumas acusaes preocupantes.

    No so apenas acusaes. Tenho provas, e voc sabe do que estou falando.Nem tente me

    subornar!

    Quem falou de suborno? Jamais sonharia com isso. Voc no vale oinvestimento.

    Bur-Al juntou toda a coragem que tinha.

    Fui um grande admirador do seu pai, e fico envergonhado de ver que noseguiu os passos dele.

    Voc coloca ambies pessoais acima da perfeio de Krypton.

    Eu achava que Krypton j era perfeito. E no traga meu pai para a discusso.Ele era um grande

    lder visionrio.

    Nisso, pelo menos, ns concordamos. Mas voc transgrediu a lei! Todas asinvenes

    perigosas submetidas Comisso devem ser destrudas. Mas esse no o caso,certo? Bur-Al

    parecia de fato achar que tinha alguma vantagem.

    Se voc to convencido, se insiste em dizer que no posso suborn-lo, porque diabos viria

  • tratar do assunto aqui? Por que me confrontar? Isso me parece algo insensato eingnuo da sua

    parte.

    Bur-Al estava perturbado, como se no tivesse pensado na questo antes.

    Queria olhar na sua cara ao fazer minhas acusaes. Queria ver os seus olhos...e voc me

    mostrou que estou realmente com a razo.

    Zod suspirou. O sujeito era um idiota.

    Por que precisava disso, se tem provas incontestveis? Voc no pensoudireito, Bur-Al.

    O jovem deu uma fungada, tomando o insulto como se fosse um distintivo dehonra.

    Desculpe por no ser to bem versado em fraudulncias e maquinaes quantovoc,

    comissrio.

    Zod andou at onde Nam-Ek havia acabado de untar o terceiro hrakka e limpouas mos em um

    trapo.

    Voc no me deu nada com quem trabalhar e, o que mais srio, fez com queeu perdesse o

    meu tempo. Esses poucos minutos de disparates so minutos que jamais tereide volta. Muito pouco

    eficiente. Bur-Al cerrou os punhos. Zod se virou para Nam-Ek. A nicacoisa que pode

  • compensar tudo isso tornar o evento mais divertido.

    O condutor segurou as correntes com as mos desprotegidas, as torceu, earrancou o gancho da

    parede. O hrakka negro se levantou, agitado, rosnando. Nam-Ek arrebentou asegunda corrente, e

    depois a terceira.

    Eles ficam muito famintos depois das corridas explicou Zod. Voc podecompensar a perda

    do meu tempo, pelo menos, fazendo com que eu economize o dinheiro que seriagasto em comida.

    Os hrakkas pularam do cercado antes mesmo que Bur-Al percebesse o que estavaacontecendo.

    Os lagartos negros caram em cima daquele homem desafortunado, abocanhando-o e rasgando sua

    carne. As bestas estriparam o jovem administrador fazendo com que o sangueborrifasse no ar. Uma

    fanfarra musical ressoava do lado de fora do estdio enquanto o pblico iaembora, abafando os

    gritos. Os ltimos espectadores que estavam de partida riam e gritavam.Aparentemente, os

    palhaos estavam correndo pela pista novamente, revolvendo o cascalho.

    Bur-Al jazia se contorcendo no meio da areia e da poeira, enquanto os trshrakkas continuavam

    a refeio no estbulo s escuras.

  • Zod disse em um tom desprovido de qualquer emoo:

    Pelo corao de Rao, que coisa terrvel. Simplesmente no sei como elesconseguiram se

    soltar.

    Nam-Ek no conseguia tirar o olhar comovido daquele frenesi alimentcio. Zodpercebeu o

    estado de penria que se abateu sobre o mudo, e seu corao se apiedou dograndalho.

    Tudo vai ficar bem, Nam-Ek. No vou deixar que nada acontea a voc.

    Pelo fato dos assassinatos serem extremamente raros em Krypton, ningumsuspeitaria que havia

    ocorrido algo sinistro. Os animais mortferos haviam simplesmente se soltado.Um acidente.

    Hrakkas eram predadores, afinal de contas, e haviam demonstrado sua inclinaopara a violncia

    durante as corridas. Eles representavam um risco.

    Nam-Ek apontou um dedo grosso para os trs lagartos, e Zod concluiu que oamigo silencioso

    estava perturbado com o fato de que os animais, agora, teriam que serexecutados.

    Lamento, Nam-Ek. No h nada que eu possa fazer. Ele pensou muito, masno via outra

    maneira de resolver o problema. Vou arrumar novos bichinhos para voc. Euprometo.

  • Claramente resignado, Nam-Ek acenou com a cabea e Zod sentiu uma leveponta de culpa.

    Aquela parecera a maneira ideal de se livrar de Bur-Al, mas talvez ele devesse teragido com mais

    cautela e pensado em um mtodo mais sutil que no expusesse os amadoshrakkas de Nam-Ek.

    Prometo que vou fazer as coisas de um jeito melhor da prxima vez.

    Assim que se certificou de que o amigo silencioso e musculoso estava bem, Zodsaiu calmamente

    para soar o alarme.

    CAPTULO 5

    5

    Mesmo na amada Argo de Zor-El, a maior parte dos kryptonianos estava muito

    acomodada, tinha poucas ambies e ligava muito pouco para o mundo suavolta. Eles haviam se

    esquecido do sabor estonteante do perigo. Zor-El, por outro lado, achavadivertido se colocar em

    situaes arriscadas pelo menos quando era cientificamente necessrio.

    De acordo com sua rede de sensores ssmicos, uma tremenda erupo vulcnicahavia ocorrido

  • h oito dias, e mesmo agora as sequelas continham uma carga suficiente de friainfernal para

    inciner-lo, caso desse um nico passo em falso. O cientista de olhos escuros erosto corado estava

    sozinho no meio do enxofre e do caos do continente selvagem ao sul nada deredes de segurana e

    guardas, s suas habilidades e reaes. Muitos kryptonianos o teriam achadolouco para correr

    tamanho risco.

    A fumaa e os gases sulfurosos estavam em ebulio no ar, enquanto poosborbulhantes ferviam

    sua volta. Zor-El deixava as brisas quentes soprarem seus cabelos negros,tornando-os uma juba

    irregular em torno do rosto. Seus olhos vermelhos ardiam, enquanto a fumaa ea areia manchavam

    suas bochechas.

    Ele estava se divertindo imensamente.

    A terra tremeu novamente, e um giser de lava escarlate entrou em erupo etraou um arco para

    baixo, como se fosse a plumagem de um pssaro flamejante. Depois daqueleevento ssmico

    imponente, a fria que borbulhava debaixo da crosta do planeta levaria um bomtempo para ceder

    se que cederia totalmente. Zor-El no estava convencido de que isso fosseacontecer.

  • Ao longo dos anos, suspeitando que Krypton no fosse, de maneira alguma,pacfico e inofensivo,

    geologicamente falando, havia disposto uma rede de estaes de medio empontos estratgicos

    espalhados pela paisagem. E Zor-El estava ficando cada vez mais perturbadocom as leituras...

    Uma vez que tambm servia como lder de Argo City, deveres polticosocupavam boa parte do

    seu tempo, mas Zor-El nunca deixava de monitorar suas estaes geolgicas.Argo City era uma

    prspera metrpole em uma estreita pennsula tropical fora da costa sudoesteprincipal do

    continente. Quando a erupo vulcnica ocorreu do outro lado do oceano, nodistante continente ao

    sul, ele soube imediatamente. A se julgar pelas leituras, a exploso deve terevaporado a massa

    equivalente a de uma montanha, pulverizando cinzas, fumaa e gases venenososno ar. Se o

    continente ao sul fosse habitado, s a lava teria destrudo cada povoado em umrastro de centenas

    de milhas.

    As cinzas e a fumaa haviam colorido o pr do sol de Argo City com laranjas evermelhos

    flamejantes. Ao mesmo tempo em que os artistas da cidade eram inspirados pelabeleza e pelo

  • colorido, Zor-El explicava para a esposa, Alura, o que o cu flamejanterealmente significava.

    Eu tenho que ir l e ver com meus prprios olhos, fazer medies diretas. Nopodemos ignorar

    esses sinais de perigo. Algo est se formando no ncleo do nosso planeta, etenho que descobrir o

    que .

    Calma e inteligente, Alura entendeu sua necessidade cientfica por respostas.

    E, quando voc souber, o que vai poder fazer?

    Essa uma pergunta prematura. Tenho que entender o problema antes depoder consert-lo. E

    se a tarefa ficar muito difcil acrescentou, exibindo um sorriso , vou pedirajuda a Jor-El.

    Com isso ele guardou os instrumentos e suprimentos e partiu em umaespaonave de asas

    prateadas. A aeronave reluzente para voos de grandes altitudes tinha umapequena cabine fechada,

    um compartimento de cargas no bojo e asas aerodinmicas que colhiam vento euma fartura de

    energia solar para impulsionar os motores de levitao.

    Sozinho naquele silncio cristalino, havia circulado sobre Argo City,atravessando a neblina que

    vinha do mar matinal. Daquela altura podia vislumbrar toda a sua linda cidade,praticamente uma

  • ilha ligada ao continente por um fino istmo e cinco pontes douradas. Argo Cityparecia mais

    maravilhosa do que qualquer mapa ou pintura.

    Ele havia riscado o cu rumo ao sul, deixando a linha costeira em curva paratrs. Enquanto

    ganhava altitude, Zor-El estendeu os painis das asas da nave, que tinham aespessura de uma

    lmina. As correntes areas o impulsionavam para o sul, e a turbulncia foificando pior medida

    que se aproximava do continente isolado. A nuvem de fumaa cinzenta se erguiacomo uma enorme

    bigorna no meio do cu. Cinzas vulcnicas pulverizavam o visor da nave efaziam com que a liga

    refletora da carcaa perdesse a sensibilidade, reduzindo suas propriedades deabsoro de energia,

    mas ele seguiu em frente, com o olhar decidido e as sobrancelhas franzidas.

    L de cima, Zor-El examinava o terreno cheio de matizes, com rochas negrasrecm-formadas

    pela lava resfriada e manchas amarelas e marrons que eram indcio decomponentes sulfurosos

    patentes. Enquanto circundava a cratera agora desativada, ficou estupefato aonotar a extenso da

    destruio. A erupo titnica havia derrubado um nmero incontvel de rvores,achatando-as

    como se fossem palha por quilmetros. O impacto ecolgico era incalculvel.

  • Quantas criaturas

    haviam ficado extintas em to poucos dias? E quantas mais morreriam nosmeses e anos vindouros

    em um continente to devastado? S as formas de vida mais resistentes teriamcomo sobreviver.

    Zor-El havia recolhido as asas da aeronave e aterrissado em um pequeno pedaode terra fora da

    rea onde a lava circulava. A lngua de fogo continuava a ferver sob as crostas doterreno,

    escorrendo como se fosse um pudim extremamente quente. Sempre que omagma encontrava poas

    de gua estagnada, nuvens de vapor subiam para o cu como a fumaa de umfoguete.

    Extasiado com o caos sua volta, Zor-El saiu da nave e pegou a mochila e oequipamento. O ar

    que batia em seu rosto era quente como o de um forno. Cada vez que respirava,a boca ficava seca

    e os pulmes pareciam ressecar. Alura, contudo, o havia preparado para essapossibilidade. Em

    Argo City, com seu vasto conhecimento de botnica e estufas cheias de espciesexticas, ela pegou

    um broto selado de uma flor polpudo, delicado e mido, do tamanho de umamo estendida. Ela o

    explicara o que fazer com aquilo e, agora, em silncio, ele a agradecia.

    Antes de comear a caminhada pelo terreno vulcnico, ele tirou o broto da

  • mochila. Assim que

    afagou as spalas apertadas na base da haste quebrada, as ptalas polpudas seabriram para formar

    um clice delicado e protetor, grande o bastante para cobrir a metade inferior doseu rosto. Zor-El

    colocou as ptalas com firmeza sobre a boca e o nariz, onde grudaramsuavemente; depois tentou

    respirar. Ele mal podia sentir o perfume da flor, mas o ar que inalava era doce efresco, filtrado

    pela haste e pela membrana ativa das ptalas. Zor-El, em seguida, respirou maisuma vez e deu-se

    por satisfeito.

    Caminhou sobre pedras afiadas, ainda quentes. O som sua volta era umbramido ao fundo. Um

    borrifar brilhante de lava fluiu como sangue derramado contra o cenrioenegrecido. Quando

    alcanou a margem do rio fundido, Zor-El encarou a fria da natureza por algumtempo e depois se

    ps a trabalhar.

    O cientista abriu a mochila e dela retirou a estimada ferramenta que haviainventado um peixe-

    diamante, meio vivo e meio mquina. Ele tinha a forma de um poderosonadador, cujas escamas

    eram feitas do mais puro diamante para proteger o delicado circuito interno, ecujo corpo

  • funcionava tanto base de uma rede de circuitos quanto de nervos biolgicos. Opeixe-diamante se

    contraa em suas mos enquanto ele o ativava. Quando voltava os olhosfacetados na sua direo,

    ele encarava a criatura-dispositivo cara a cara.

    Diga-me o que tem l embaixo.

    Ele acionou um pequeno gerador de campo de fora (outra de suas invenes),que projetava uma

    capa protetora em torno do animal mecnico.

    Nade bem fundo. At onde for capaz de ir. Ele lanou delicadamente o peixe-diamante no ar.

    Ele se contraiu e se retorceu enquanto mergulhava na corrente quente e prpura.Como se estivesse

    brincando, o peixe-diamante chafurdou na rocha fundida, e depois submergiu.

    Zor-El tirou uma tela de contato da mochila e a ativou. Captando o sinal dacriatura-dispositivo,

    ele monitorava o peixe-diamante medida que mergulhava cada vez mais fundo.O bicho provava o

    magma, fazia com que os componentes qumicos passassem por analisadoresintegrados, e seguia as

    intensas correntes trmicas que desciam.

    Enquanto Zor-El olhava em volta para aquele cenrio rido e estril, podia sentiro cho

    tremendo sob os ps. As contnuas leituras do peixe-diamante eram indcios

  • alarmantes de que

    havia presses crescentes no ncleo do planeta. Ele no podia saber ao certo oque isso

    significava. Zor-El suspeitava que algum inexplicvel deslocamento radioativoestivesse ocorrendo

    bem abaixo da crosta. Os elementos estavam se transformando, criando estranhasinstabilidades

    minerais. Mas como? Ele tinha que saber.

    Com outra sublevao convulsiva da crosta, o rio de lava se agitou. O nvel domagma caiu, para

    depois borbulhar novamente em outra exploso. Ele ficou espantado quando arocha fundida mudou

    de cor abruptamente, como se um tonel de tintura tivesse sido derramado. Emvez dos intensos

    laranja e prpura, apareceu uma golfada de um novo componente mineral umverde-esmeralda

    brilhante se infiltrando no meio do fluxo como se fosse uma mancha seespalhando. Zor-El nunca

    tinha visto nada como aquilo. At que as correntes trmicas engoliram o verde,e a lava voltou a

    correr vermelha.

    O zeloso peixe-diamante nadava cada vez mais fundo, a temperaturas cada vezmais altas. Na tela

    de contato de Zor-El, as leituras estavam ficando ainda mais insignificantes. Asituao no manto

  • era pior do que ele havia temido.

    At que, de repente, com um flash de esttica, o sinal desapareceu. O peixe-diamante havia sido

    programado para continuar seguindo at que o calor intenso o destrusse. Elelamentou por um

    instante a perda da pequena e corajosa criatura-dispositivo, mas ela havia lheservido bem. Mais

    importante, o dispositivo lhe dera informaes vitais, porm desconcertantes.Algo

    inimaginavelmente poderoso e inexplicvel estava mudando bem abaixo dosseus ps. A grande

    pergunta era determinar se aquilo era uma curiosidade fascinante ou um desastreplanetrio

    iminente.

    Zor-El comeou a fazer planos que tinham como intuito levar para l equipesmuito maiores,

    trazendo equipamento pesado. Era mais do que provvel ter de incluir seu irmonaquele esforo,

    caso a escala fosse to grande quanto imaginava. Embora Jor-El fosse maisastrnomo do que

    gelogo, mais terico do que engenheiro, seu discernimento das coisas seriavital. Mesmo fazendo

    uma anlise preliminar dos dados, Zor-El acreditava que o problema era grandedemais para ser

    ignorado.

  • Ele respirou atravs da mscara floral em seu rosto, enquanto fumarolas egiseres continuavam a

    sibilar em volta, nublando sua viso. Contudo, enquanto fazia uma buscaminuciosa na mochila,

    algo fez com que estremecesse instintivamente, uma sensao de que estavasendo observado

    mesmo naquele lugar arruinado. Os pelos de sua nuca se arrepiaram.

    O cientista se levantou e virou, pronto para o embate. De repente, ele percebeuum movimento no

    meio das rochas negras, nada alm de uma sombra quatro sombras , damesma cor das pedras

    frescas de lava, de rochas vulcnicas que haviam acabado de ficar resfriadas, masseu movimento

    era gil, rpido, predatrio. Rastejando sobre o terreno, bem rentes ao solo,vieram quatro lagartos

    aparentemente ferozes. Hrakkas.

    Eles o estavam caando, espreita.

    Rapidamente, Zor-El tomou flego atravs da flor que filtrava o ar. Sua menteentrou em parafuso

    enquanto tentava encontrar uma maneira de se proteger. No havia vindo para ocontinente do sul

    para brigar. Considerando que boa parte das criaturas nativas havia sidoexterminada com a

    erupo, aqueles intrpidos lagartos deviam estar com muita fome. Suas vtimasnaturais haviam

  • sido dizimadas, e aquele cenrio fumegante oferecia muito pouco para se comer,at mesmo para

    necrfagos.

    Tomando cuidado para no fazer movimentos abruptos, Zor-El segurava amochila na frente do

    corpo, o nico escudo que possua. Estimou a que distncia havia pousado aaeronave. A julgar

    pelas poderosas pernas de rpteis, o cientista sups que os hrakkas podiamcorrer a velocidades

    maiores que a sua, especialmente sobre aquele terreno cheio de pedraspontiagudas.

    Os lagartos negros o cercavam cautelosamente, enquanto ele observava cada umde seus

    movimentos. Ele contou quatro, mas isso no significava que no havia maisdeles despercebidos

    no meio daquele terreno confuso. Caavam em bando e podiam muito bem estarpreparando uma

    armadilha. As criaturas se misturavam com o ambiente, exceto quando abriamas mandbulas e o

    brilho dos dentes brancos as entregavam.

    Pelo fato de a crosta negra e lisa ter, por vezes, a espessura de uma casca de ovo,Zor-El tomava

    cuidado em pegar o melhor caminho para chegar margem do fluxo de lava. Elesondava o terreno

    ao longo de sua rota de fuga e mapeava a trilha mentalmente, planejando com

  • antecedncia como

    seriam os prximos dez passos. Quando via os lagartos negros se aproximando,ele se apressava.

    Zor-El no teve que dar mais de cinco passos antes que as criaturasabandonassem todas as

    tentativas de se aproximar furtivamente e saltassem no seu encalo. Ele pulou deuma rocha grande

    para outra, na esperana de que cada base fosse slida e estvel. Segurando amochila com um dos

    braos, ele enchia o peito de ar a cada vez que respirava atravs da mscara floral.Seu p,

    desafortunadamente, escorregou em uma rocha mais afiada, que abriu um longotalho em seu

    tornozelo. Ele ignorou a dor e continuou correndo.

    Ao sentirem o cheiro de sangue, os hrakkas se aproximaram. O que estava maisprximo pisou

    em uma rea cujo terreno tinha a espessura mais fina e a terra se abriu. Sua patadianteira, cheia de

    garras, caiu sobre a pedra inferior, ainda derretida. A criatura urrava e sibilava,soltando fumaa,

    enquanto o resto da pata se incinerava. Sentindo que ali estava uma presa fcil,um segundo hrakka

    irrompeu, abriu a mandbula, arrancou o estmago do seu companheiro ferido ecomeou a se

    alimentar, ignorando a perseguio.

  • Com metade dos hrakkas fora do caminho, Zor-El s tinha que se preocuparcom dois lagartos

    negros. Quando um deles investiu em sua direo, ele se virou e empurrou amochila para dentro de

    sua boca aberta. Apertou-a com firmeza para dentro do bucho da fera e a viroucom o intuito de

    empurrar o lagarto para o lado. A fora quase o derrubou, mas ele acaboulargando a mochila presa

    e pulou em outra direo.

    O hrakka balanou a cabea de um lado para o outro, tentando rasgar o objeto ousoltar os dentes.

    O outro animal mergulhou, lutando por seja l qual fosse a presa que o outrohavia capturado. As

    duas criaturas ignoraram Zor-El.

    Na luta com a mochila, a flor que servia de filtro havia sido arrancada do rostode Zor-El, e

    agora, cada vez que respirava, sentia-se como se estivesse engolindo fogo.Ofegante, ele aumentava

    sua vantagem, mas estava furioso com os hrakkas. Os dados que recolheraestavam dentro da

    mochila junto com as leituras que o peixe-diamante havia coletado! Todas asevidncias das

    mudanas drsticas que estavam ocorrendo no ncleo de Krypton! Como elepoderia mostrar tudo

    para Jor-El?

  • Irracionalmente, ele pensou em voltar para lutar por aquilo que era seu pordireito at que um

    quinto e previamente despercebido lagarto negro irrompeu entre duas pedrasmaiores e mergulhou

    em sua direo. Zor-El tentou se esquivar, mas sua fuga foi bloqueada por umdeclive e uma

    corrente de lava prpura.

    Zor-El reagiu batendo com seus punhos e braos. As escamas afiadas e a cristapontuda do

    lagarto o cortaram, lacerando seu antebrao e suas costelas. O hrakka tentouabocanh-lo e a