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1 A CRISE DO RIO E SUAS ESPECIFICIDADES 1 O Rio de Janeiro se constrói hegemonicamente como um espaço de articulação nacional, derivando inicialmente seu dinamismo econômico-social do fato de ser o principal porto brasileiro e centro militar e, posteriormente, de ser a Capital da República e centro cultural, político e econômico – como sede do poder, centro financeiro do país e sede de empresas públicas e privadas que atuam no território brasileiro e mesmo latino- americano. Nessa trajetória, a cidade do Rio de Janeiro, possui até o início do século XX o maior Produto Interno Bruto (PIB) do país como também o maior parque industrial. A partir dos dados do censo de 1919 verificamos que o PIB industrial do estado de São Paulo ultrapassa o carioca (Tabela 1 anexa) e o estado paulista passa a liderar o processo de crescimento econômico brasileiro. No entanto, apesar de a cidade do Rio de Janeiro apresentar uma contínua perda de posição relativa comparativamente a São Paulo no correr de todo século XX, entre 1920/1960 o dinamismo carioca se mantém próximo ao da média nacional. Isto se deve ao fato de, embora perdendo continuamente posição relativa no cenário industrial da economia brasileira, o antigo Distrito Federal, como sede do poder, continuar a atrair e gerar investimentos nesse período. Carlos Lessa pontua essa questão da seguinte forma: “As décadas de 1920 a 1960 foram de prosperidade e de acumulação de prestígio no Rio de Janeiro. A cidade desdobrou-se em novos comportamentos e dimensões. (...) O Rio urbanizou-se em sintonia com esses novos tempos. Cabe sublinhar que foi sendo secundarizado, em termos de produção industrial, em relação a São Paulo. Desde a Primeira Guerra Mundial, São Paulo lidera a produção industrial e, apesar de 1 Mauro Osorio da Silva, professor adjunto da UFRJ, Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ e autor do livro Rio nacional, Rio local: mitos e visões da crise carioca e fluminense.

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A CRISE DO RIO E SUAS ESPECIFICIDADES1

O Rio de Janeiro se constrói hegemonicamente como um espaço de articulação

nacional, derivando inicialmente seu dinamismo econômico-social do fato de ser o

principal porto brasileiro e centro militar e, posteriormente, de ser a Capital da República e

centro cultural, político e econômico – como sede do poder, centro financeiro do país e

sede de empresas públicas e privadas que atuam no território brasileiro e mesmo latino-

americano.

Nessa trajetória, a cidade do Rio de Janeiro, possui até o início do século XX o

maior Produto Interno Bruto (PIB) do país como também o maior parque industrial. A

partir dos dados do censo de 1919 verificamos que o PIB industrial do estado de São Paulo

ultrapassa o carioca (Tabela 1 anexa) e o estado paulista passa a liderar o processo de

crescimento econômico brasileiro.

No entanto, apesar de a cidade do Rio de Janeiro apresentar uma contínua perda de

posição relativa comparativamente a São Paulo no correr de todo século XX, entre

1920/1960 o dinamismo carioca se mantém próximo ao da média nacional. Isto se deve ao

fato de, embora perdendo continuamente posição relativa no cenário industrial da economia

brasileira, o antigo Distrito Federal, como sede do poder, continuar a atrair e gerar

investimentos nesse período. Carlos Lessa pontua essa questão da seguinte forma:

“As décadas de 1920 a 1960 foram de prosperidade e de acumulação de

prestígio no Rio de Janeiro. A cidade desdobrou-se em novos

comportamentos e dimensões. (...) O Rio urbanizou-se em sintonia com

esses novos tempos. Cabe sublinhar que foi sendo secundarizado, em

termos de produção industrial, em relação a São Paulo. Desde a Primeira

Guerra Mundial, São Paulo lidera a produção industrial e, apesar de

1 Mauro Osorio da Silva, professor adjunto da UFRJ, Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo

IPPUR/UFRJ e autor do livro Rio nacional, Rio local: mitos e visões da crise carioca e fluminense.

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crescer, o Rio vê a distância relativa das respectivas bases industriais ser

ampliada, para não lembrar a espantosa diferença no campo agrícola.

Porém o Rio – concentrando serviços sofisticados, com o núcleo de

comando do sistema bancário, sediando os escritórios centrais da maioria

das grandes empresas, sendo o portal dos visitantes nacionais e

estrangeiros, e alimentado por contínuas e crescentes injeções de gasto

público – parecia ter assinado um pacto com a eterna prosperidade”.

(Lessa, 2000, pp. 237 e 238).

Além disso, o antigo estado do Rio de Janeiro - considerado por Lysia Bernardes

uma região polarizada pela cidade do Rio de Janeiro do ponto de vista econômico2 – é

cenário de investimentos federais, como a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional, a

Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Nacional de Álcalis e a Refinaria Duque de

Caxias, investimentos estes cujas decisões locacionais estariam relacionadas à proximidade

da antiga Capital Federal e à existência de uma tendência dominante no governo central a

favor da realização de um contraponto no país ao predomínio econômico paulista3.

Assim, indicadores relativos ao PIB dos estados e regiões do Brasil apontam que, nos

anos 50, o território que abrange a atual região fluminense como um todo apresentaria um

crescimento médio percentual de 6,6% ao ano, bastante próximo ao da região Sudeste, de

6,7% a.a. e, também, ao total do Brasil de 7,1% a.a. (Tabela 2 anexa).

A partir de 1960, no entanto, com a transferência da Capital para Brasília, a cidade do

Rio de Janeiro, organizada desde a origem como porto e eixo de logística nacional e que a

partir da vinda da Família Real consolida-se como centro de articulação nacional do ponto

de vista político, cultural, econômico e social, sofre um processo de fratura em sua

dinâmica institucional, o mesmo ocorrendo com a Velha Província, que deriva sua lógica

2 BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti (Coord.). O Rio de Janeiro e sua região. Rio de Janeiro: IBGE/Conselho Nacional de Geografia, 1964. 3 LESSA, Carlos. O Rio de todos os Brasis: uma reflexão em busca de auto-estima. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 346.

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econômica pós-ciclo cafeeiro do dinamismo existente em seu núcleo econômico central, a

cidade do Rio de Janeiro, e dos investimentos federais nela realizados até 1960.

Assim, utilizando a conceituação de institucionalistas como Douglass North,

Hodgson e Veblen, que definem instituições como normas formais (leis e regulamentos) e

informais (história, cultura, hábitos e rotinas), a dinâmica da cidade do Rio e do antigo ERJ,

com a transferência da Capital para Brasília em 21 de abril de 1960, sofre uma ruptura em

seu marco institucional.

No mesmo sentido, podemos nos utilizar do marco teórico construído por Paul

Krugman, que, em seus trabalhos The role of geography in development e Economia

espacial: urbanização, prosperidade econômica e desenvolvimento humano no mundo

(Krugman,1999,2002), busca analisar a existência de diferenças marcantes nos níveis de

desenvolvimento das regiões.

Para tanto, Krugman utiliza-se da conceituação de linkages, de Albert Hirschman,

através da qual este autor afirma que uma determinada atividade econômica pode vir a

gerar, em um determinado território, efeitos de encadeamento e, por conseguinte,

rendimentos crescentes de escala. Além disso, trabalha com o conceito de causação

circular cumulativa de Gunnar Myrdall. Com base nesses conceitos, constrói a idéia de que

uma determinada região, a partir de uma diferenciação inicial causada por exemplo pela

existência de um porto ou por algum fato histórico, mesmo que fortuito, poderia vir a

desenvolver novas diferenciações relativamente a outras regiões.

Nesse processo, existiria uma tensão entre forças centrípetas, que estariam gerando

dinamismo para a região em foco, e forças centrífugas, que poderiam vir a estimular a

migração de investimentos para outras regiões.

As forças centrípetas seriam, fundamentalmente, os efeitos de encadeamento que o

investimento em uma determinada atividade geraria em outras; a existência de um mercado

de trabalho com um porte que permitisse, principalmente para as habilidades

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especializadas, que empregadores viessem a encontrar trabalhadores mais facilmente e

vice-versa; e o que o autor denomina de meras economias externas, ou seja, qualquer tipo

de facilidade extra-firma gerada pela concentração territorial.

As forças centrífugas estariam relacionadas a questões como o esgotamento de fatores

produtivos - como a terra, o aumento de custos de aluguéis e quaisquer formas de

deseconomias externas, como a poluição, a violência etc.

Dessa forma, uma dada região poderia vir apresentando um dinamismo econômico

igual ou superior a outras regiões no cenário da economia mundial, ou no cenário da

economia de um determinado país, e, a partir de certo momento, pelo maior efeito das

forças centrífugas vis-a-vis as forças centrípetas, poderia ocorrer o que o autor denomina de

bifurcação ou reversão de um determinado dinamismo econômico-social.

Nesse sentido, os territórios carioca e fluminense, tendo em vista derivarem seu

dinamismo econômico centralmente da história de capitalidade4 da cidade do Rio de

Janeiro, viriam sofrer, a partir dos anos 60, um processo de erosão de sua importância e

dinamismo econômico social. O entendimento dessa questão, no entanto, no núcleo central

da região em exame, demora a transparecer socialmente, só ocorrendo nos anos 80, com a

inversão do processo de crescimento da economia brasileira e a crise fiscal que se instaura,

vivendo-se, até o final da década de 70, com a doce ilusão de que a cidade do Rio de

Janeiro teria assinado, nos dizeres de Carlos Lessa, um pacto eterno com a prosperidade5.

Podemos derivar a demora nessa percepção de um conjunto de fatores, como a

cultura de capitalidade existente no território carioca, que pode ser analisada à luz da

conceituação de Douglass North (North,1993) quando este afirma que uma determinada

4 Estamos utilizando aqui o conceito de “capitalidade” conforme trabalhado por Marly Silva da Motta, quando, partindo da formulação teórica de Giulio Argan – arquiteto, historiador da arte, prefeito comunista de Roma (1976-1979) – define as cidades-capitais “como o lugar da política e da cultura, como núcleo da sociabilidade intelectual e da produção simbólica, representando, cada uma a sua maneira, o papel de foco da civilização, núcleo da modernidade, teatro do poder e lugar de memória” (Motta, 2001, p.24). 5 Lessa, 2000, p.238.

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conformação institucional criaria hábitos e rotinas arraigados, nos quais as questões de

escolha se apresentariam como algo regular, repetitivo e claramente evidente, de modo que

cerca de 90% de nossas ações em vida não requereriam muita reflexão, contribuindo para

que nesta região não venha a ocorrer a percepção, de forma imediata, da quebra da

dinâmica institucional a partir de um fator “exógeno” (a mudança da Capital).

No mesmo sentido, Geoffrey M. Hodgson, em sua obra Economia e evolução – o

regresso da vida à teoria econômica (Hodgson,1997), partindo de pressupostos teóricos

distintos e usando como fonte autores como Marx, Keynes e os institucionalistas

americanos do final do século XIX e início do XX – Veblen, Commons e Mitchell6 –,

realiza conclusões, do ponto de vista do conceito de dinâmica institucional, bastante

próximas das construídas por North7, conforme podemos deduzir da seguinte passagem em

Hodgson:

“Veblen (...) observou que as instituições têm uma qualidade de

estabilidade e inércia e que tendem a manter e, portanto, a ‘transmitir’ as

suas características importantes ao longo do tempo. As instituições são

consideradas frutos e reforçadores dos processos de pensamento

rotinizados, sendo partilhadas por um conjunto de pessoas numa dada

sociedade” (Hodgson,1997, p.276).

Ou ainda quando Hodgson afirma que o institucionalismo enxergaria os indivíduos

como situados e envolvidos em uma dada conduta social. Dessa forma, as suas funções e

preferências não seriam dadas e fixas, mas um contínuo processo de adaptação e mudanças,

e citando Veblen, descreve o seguinte:

6 Hodgson, em seus escritos, utiliza como referência básica os institucionalistas americanos citados. No entanto, em sua obra aparece com centralidade os trabalhos de Veblen, quando propõe que se troque, como paradigma econômico, a idéia do equilíbrio advinda da física pela idéia da evolução, utilizando-se a biologia como metáfora, conforme existente nos escritos de Veblen.

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“Uma linha de ação habitual constitui uma linha habitual de pensamento e

dá o ponto de vista através do qual os fatos e eventos são apreendidos e

reduzidos a um corpo de conhecimento. As instituições criam e reforçam

os hábitos de ação e pensamento: a situação de hoje molda as instituições

de amanhã, através de um processo coercivo e seletivo, através da ação

sobre a visão habitual do homem das coisas e dessa forma alterando ou

fortificando um ponto de vista de uma atitude mental trazida do passado”

(Hodgson, 1998, Trad. Alexandre Borges, p. 10, mimeo).

Ou seja, por um lado, conforme identificado por institucionalistas como Hodgson e

Douglass North, uma determinada cultura gera formas de raciocínio e percepção,

dificultando a observação imediata das conseqüências de uma mudança gerada por um fator

exógeno, no caso em exame a mudança da Capital da cidade do Rio de Janeiro para

Brasília.

Além disso, e na verdade pelos mesmos motivos, de acordo com Arnaldo Niskier,

não teria ocorrido a percepção imediata, na cidade do Rio de Janeiro, de que o processo de

mudança da Capital – que acontece de forma mais errática até 1964, passando a partir de

então a ocorrer de forma mais orgânica, apesar de sua aceleração ter se dado apenas em

1970 –, iria redundar na seguinte lógica:

“A consolidação de Brasília como a Capital Federal antecipou-se no

tempo (...). A presença mais constante da cúpula governante no Planalto

[equilibraria] as pressões. O contrapeso em favor de uma mudança

acelerada não tardaria a deslocar o seu eixo de influência” (Guanabara,

Comissão do Ano 2000, 1970, p.46).

Por outro lado, o fato da transferência da Capital acelerar-se somente a partir da

década de 70 e o dinamismo apresentado pela economia brasileira, no período 1968/1980, 7 A questão da existência de aspectos heterodoxos na formulação de Douglass North encontra-se pontuada em Ronaldo Fiani, no seu artigo Estado e economia no institucionalismo de Douglass North (Fiani, 2003).

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mascaram a lógica que se inaugura com a mudança da Capital, não se tendo a percepção de

que, por exemplo, na década de 70, o território que hoje contém a cidade do Rio de Janeiro

apresenta um crescimento industrial em torno de 150%, contra um crescimento brasileiro

em torno de 300% e, em Minas Gerais, em torno de 450%8.

Além disso, ao se organizar a Capital, na instauração da República – o que vem a ser

confirmado na Constituição de 1946 e na Lei Orgânica do Distrito Federal de 1948 –,

busca-se constituí-la tendo como referência Washington9, procurando-se evitar a existência

de jogo político local na Capital da República. Define-se que o prefeito seria nomeado pelo

presidente da República e, ao contrário das demais localidades, as leis votadas pelos

vereadores e vetadas pelo prefeito não retornariam à Câmara, mas sim seriam analisadas

pelo Senado Federal. A forma como se organiza a institucionalidade local leva a que, em

uma região onde os interesses econômicos, políticos e culturais se articulam centralmente

com a dinâmica e a política nacional, o jogo político local perca ainda mais força e ocorra

de forma bastante fragmentária10.

Assim, constitui-se na região, conforme analisado por Marly Silva da Motta11, duas

lógicas políticas. Uma bastante nacional e radicalizada, no que se refere à representação da

cidade na Câmara Federal e no Senado, o que pode ser visto com clareza, por exemplo, no

fato de disputarem a senatória da cidade, em 1958, Afonso Arinos, prócer da UDN nacional

e deputado por Minas Gerais, e Lutero Vargas, simbolizando o getulismo. Ou, em 1962, já

na Guanabara, terem participado da disputa senatória Juracy Magalhães, então governador

8 Silva, 2005 9 Sobre o assunto, ver Freire, 2000 e Motta, 2001. 10 O Distrito Federal é palco, no correr do século XX até a transferência da Capital, de lutas autonomistas, conforme ressaltado por Marieta de Moraes Ferreira (Ferreira, 2000). Esta bandeira ganha expressão social nos anos 30 com Pedro Ernesto e a existência de eleição para prefeito em 1934, sendo que Pedro Ernesto defende a modificação da situação político-institucional no território carioca a partir centralmente da questão da cidadania. Nos anos 50, também ganha algum peso a bandeira autonomista, levada adiante principalmente por partidários do PSP de Ademar de Barros e por membros do PSD local, como Gama Filho. Acredito, no entanto, que a característica central do jogo político local, até 1960, seja a da fragmentação e da clientela, tendo em vista a história da Capital e a forma como é organizada institucionalmente, sem eleições majoritárias e com o imbricamento da política local com a federal. 11 Motta, 2000 e 2001.

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da Bahia (UDN), e Aurélio Viana, deputado federal por Alagoas (PSB). Outra, a lógica

local, conforme descrito acima, que pelo seu imbricamento com a lógica nacional e

ausência de eleições diretas locais, amplifica ainda mais a falta de reflexões e de criação de

massa crítica sobre a realidade local.

O fato de no território carioca as atenções voltarem-se para a temática nacional, a

descrença com a transferência da Capital em 1960 e a forma como se organiza

institucionalmente esta cidade, fazem com que, na segunda metade dos anos 50, as

reflexões e proposições sobre os rumos e estratégias da cidade do Rio de Janeiro, pós-

transferência da Capital, ocorram de forma bastante pobre e com pouca importância social,

e, também, que ocorra, a partir de 1960, uma demora na percepção da efetividade e

conseqüências desse processo.

No mesmo sentido, no antigo ERJ se fazia sentir a presença da Capital, conforme

podemos observar na obra Em busca da idade do Ouro12, de Marieta de Moraes Ferreira,

quando pontua a existência de uma dificuldade de interlocução entre as elites econômicas

escravagistas da Velha Província e as elites políticas, de viés mais nacional, como Alberto

Torres e Nilo Peçanha, obstaculando a implantação de estratégias econômicas a partir da

decadência da cafeicultura na região. A questão de as elites do antigo estado do Rio terem

um marcado viés nacional apresenta, em nosso entendimento, continuidade até os anos 50,

através de personagens como os Macedo Soares, Prado Kely, Raul Fernandes e mesmo

Amaral Peixoto, que migra da política carioca para a do antigo estado do Rio a partir de seu

relacionamento com Getúlio Vargas, mas mantém participação e influência na política

carioca13. A questão da importância de uma articulação entre as elites políticas e

econômicas de uma região, para a alavancagem de um processo de desenvolvimento

econômico, encontra-se bastante bem pontuada em Otávio Dulci, quando analisa esta

articulação como um elemento-chave da estratégia engendrada em Minas Gerais, a partir da

12 Ferreira, 1991. 13 Sobre o assunto, ver em Motta, 2000, p.32, por exemplo, o peso da participação de Amaral Peixoto nas negociações sobre a nova institucionalidade carioca, quando da transferência da Capital.

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década de 40 e 50, que vem a gerar um articulado arcabouço institucional de fomento ao

desenvolvimento14.

Isto faz com que a lógica econômica na Velha Província, pós-ciclo cafeeiro, venha a

depender de investimentos federais e da Capital da República, tanto ou mais que a cidade

do Rio de Janeiro, e, também, faz com que a transferência da Capital seja, da mesma forma

que no território carioca, um marco de reversão15.

No que se refere à Belacap, a sua história de cidade-Capital e a forma como é

organizada do ponto de vista político-institucional leva a que, conforme pontuado por

Arnaldo Niskier, no trabalho denominado Rio Ano 2000, na cidade do Rio de Janeiro, a

vivência dos problemas nacionais reduza

“a pálidos reflexos os problemas locais. [Assim,] depois da mudança da

Capital para o Planalto, o povo carioca descobriu que só conhecia de si

mesmo e de sua cidade a visão do turista apressado” (Guanabara,

Comissão do Ano 2000, 1970, p.15).

Esta questão também é apontada em depoimento de Villas-Boas Corrêa ao CPDOC,

conforme descrito a seguir:

14 Em Minas Gerais, visando fomentar o desenvolvimento regional e realizar pesquisas, cria-se um conjunto de instituições, do qual participam: a Fundação João Pinheiro, voltada para a realização de pesquisas sobre a realidade mineira; um centro de mestrado, e mais recentemente doutorado, denominado CEDEPLAR e vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais; um órgão de promoção econômica de Minas Gerais, a Fundação INDI; e o Banco de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – BDMG. 15 Acredito que a Velha Província tenha sofrido com a transferência da Capital de forma mais pesada que a cidade do Rio de Janeiro, não só pela dependência econômica já apontada, mas também pela instabilidade político-institucional existente naquela região entre 1960 e 1964, com a morte do governador Roberto da Silveira, posterior cassação de Badger da Silveira e de terem os governadores nomeados pelo governo militar permanecido no cargo em média por apenas dois anos. Isto pode trazer luz à discussão sobre a fusão e a curiosa questão de, no debate do Correio da Manhã, no final dos anos 50, existir em vários depoimentos a impressão de que a máquina do DF estaria à época em pior situação do que a do antigo ERJ, visão esta invertida com relação ao debate que ocorre a partir dos anos 70.

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“Acho que a bancada do Rio de Janeiro, como o Rio era Capital, se

dissolvia muito, não tinha muita identidade. Até porque o prefeito do Rio

era nomeado (...). A grande verdade é a seguinte: cobria-se mal a política

carioca, porque a política nacional, que era feita aqui no Rio de Janeiro,

abafava a política local” (Ferreira, 1998, p.55).

Assim, nos anos 60, tendo em vista a história institucional desta região, o lento

processo de transferência da Capital, a radicalização política vigente, como também a

efervescência cultural existente no período – com a emergência da bossa-nova, do cinema

novo, CPC da UNE etc. –, ocorre uma percepção hegemônica de que o Rio continuaria

sendo a Belacap e Capital de fato, o que leva os dois primeiros governos da Guanabara a

realizar uma política de modernização urbana que, entendem, per si, reafirmaria a

centralidade carioca.

Por outro lado, do ponto de vista de uma política explícita de desenvolvimento

econômico e como reflexo da falta de massa crítica sobre a realidade local, realizam os

governos Carlos Lacerda e Negrão de Lima uma política de fomento focada na indústria,

particularmente na organização de distritos industriais, conforme defendido pela

representação patronal da Guanabara, que apresenta, na prática, pouca importância dentro

das prioridades e gastos governamentais; realiza-se, fundamentalmente, com base em dados

e pressupostos equivocados, desfocada da história e potencialidades da região; mimética

relativamente ao que ocorre na economia brasileira e internacional; e que resulta, ao final

da década, em um rotundo fracasso.

A hipótese defendida pela representação patronal da indústria da cidade do Rio de

Janeiro é que, nesta região, da mesma forma que em São Paulo, estaria ocorrendo um

derramamento do processo de industrialização do núcleo central para a periferia, sendo,

portanto, de fundamental importância para a nascente Guanabara a instalação de uma

política de oferta de terrenos e infra-estrutura. Apresenta-se como argumento o fato de, nos

anos 40, 50 e início dos 60, a indústria do antigo estado do Rio crescer acima da média

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nacional, não se levando em consideração que isto ocorria fundamentalmente pelos

investimentos federais existentes naquela região16.

Deriva, ainda, do momento vivido no Brasil e do cenário internacional, em plena

Segunda Revolução Industrial, quando se trabalha as políticas regionais de forma bastante

centrada nas proposições industrialistas de François Perroux e da Teoria de Base

Exportadora.

Esta hipótese e o foco dos governos Lacerda e Negrão, do ponto de vista econômico,

no setor industrial e em uma política de distritos industriais – constituindo, para tanto,

inclusive, uma empresa de fomento chamada Companhia Progresso da Guanabara –

COPEG –, podem vir a atender os interesses da representação industrial que insere-se neste

debate rarefeito com hegemonia, mas, objetivamente não dão conta da problemática da

reinserção estratégica dessa nova unidade federativa no cenário da economia brasileira.

Essa discussão sofre alguma inflexão no final dos anos 60, tendo em vista a

ampliação dos debates sobre a questão regional – que acreditamos ter relação com a nova

institucionalidade pós-60 e autonomia conquistada pela região –, havendo uma maior

percepção, ainda não consolidada, sobre a efetivação do processo de transferência da

Capital. Surge, assim, nesse período, trabalhos como o de Lysia Bernardes e Pedro Geiger

(Bernardes, 1964), no qual começa-se a apontar que seria necessário ter uma política de

negociação com o Governo Federal e de fomento regional, visando manter e estimular a

região como um centro econômico, político e cultural nacional. Ou seja, para a manutenção

da cidade do Rio de Janeiro com suas características anteriores e preservando o seu

dinamismo econômico, o foco centralmente industrialista das políticas então adotadas não

seria adequado. Isto, no entanto, não se consolida como alternativa, vindo o governo

Chagas a manter, e mesmo aprofundar, a política econômica focada em distritos

industriais17.

16 Sobre o assunto, ver Silva, 2005. 17 Sobre o assunto, ver SANTOS, Angela Moulin S. Penalva. Planejamento e desenvolvimento. O estado da Guanabara. 1990. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade de

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No que se refere ao resultado da política focada em distritos industriais organizada no

correr da existência da Guanabara, verificamos que a mesma, do ponto de vista

quantitativo, fracassa, pelos argumentos acima apresentados, sendo que, no correr do

governo Lacerda, só ocorre a ocupação, por indústrias, de uma área entorno de 1% da

inicialmente prevista, para o total dos distritos industriais previstos na Avenida das

Bandeiras e Santa Cruz. No correr do governo Negrão de Lima, a política de distritos

também não obtém resultado significativo, seja pela não ocupação do novo distrito por ele

criado, chamado Fazenda Botafogo, seja pelo Distrito Industrial de Santa Cruz continuar

basicamente desocupado, sendo que a COPEG transforma-se, no correr deste governo,

prioritariamente, em uma companhia de fomento ao setor imobiliário.

Da mesma forma, esta política não apresenta, no período Chagas Freitas, resultados

significativos, apesar de, do ponto de vista da estratégia governamental, ter tido uma

amplificação de foco. Isto pode ser visto, por exemplo, no depoimento de José Augusto

Assumpção Brito18, em que afirma que a consolidação dos investimentos de infra-estrutura

que permitem ao Distrito Industrial de Santa Cruz vir a funcionar de fato só ocorre ao final

do governo Chagas Freitas. Além disso, de acordo com Assumpção Brito, a política de

distritos industriais não teria tido uma importância significativa no dinamismo industrial

existente no território carioca nos anos 70, tendo este derivado centralmente do milagre

econômico. Por outro lado, a partir da análise dos documentos Economia Industrial do

Novo Estado do Rio de Janeiro (Barros, 1975) e Tendências de crescimento da Guanabara

(Ideg, 1974), podemos derivar o mesmo tipo de conclusão. De acordo com a obra de

Barros, por exemplo, no ano de 1973 existiria, para o total do bairro de Santa Cruz, apenas

15 indústrias e uma participação no total do número de estabelecimentos de 0,6%. Além São Paulo, São Paulo, 1990 e SARMENTO, Carlos Eduardo (Org.). Chagas Freitas: Perfil Político. Rio de Janeiro: Ed. da FGV; ALERJ, 1999, p.135-165. 18 Ver Silva, 2005, Conclusão. José Augusto Assumpção Brito apresenta longa trajetória de atuação como técnico e dirigente em instituições vinculadas à economia da Guanabara e do antigo estado do Rio de Janeiro. Nos anos 60, trabalha como técnico na COPEG. Na primeira metade dos anos 70, atua vinculado à Companhia de Desenvolvimento Industrial do antigo estado do Rio de Janeiro. A partir de 1974, com a fusão, dirige a CODIN, Companhia de Desenvolvimento do novo estado do Rio de Janeiro, por um período de dez anos.

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disso, o autor analisa que o bairro de Jacarepaguá, onde Chagas estabelece uma política de

instauração de um novo distrito, possui em 1973 apenas 1,83% do total de estabelecimentos

industriais (Barros, 1975, p.156).

Dessa forma, não conseguem os três governos da Guanabara articular uma reversão

do processo de bifurcação – utilizando a conceituação de Paul Krugman – que ocorre em

1960.

No mesmo sentido, os governos pós-fusão, ou apresentam uma visão equivocada

sobre quais deveriam ser as estratégias de desenvolvimento econômico-social para a região,

como, por exemplo, no governo Faria Lima, no qual a preocupação centra-se no setor

agrícola, apesar de sua diminuta participação no PIB carioca, ou, na prática, como política,

simplesmente inexistem, como ocorre nos governos posteriores de Chagas Freitas, no seu

retorno então já no novo estado do Rio de Janeiro, até o atual governo Rosinha Garotinho.

Para a análise da inexistência de uma adequada estratégia de desenvolvimento

econômico para a cidade, e posteriormente para o estado do Rio de Janeiro, acreditamos ser

interessante citar a seguinte consideração de Raphael de Almeida Magalhães, vice-

governador do primeiro governo da Guanabara e coordenador do Programa de Ações

Federais no Rio de janeiro no correr dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso:

“A criação do estado da Guanabara em si mesma não poderia dar conta

das causas que determinaram a decadência da cidade. Teve entretanto o

mérito de permitir a autonomia política da cidade, cujo governo pôde,

com verdadeiro empenho, tentar, ao menos, recuperar a qualidade dos

serviços básicos, enfrentando, com êxito parcial, alguns dos mais agudos

problemas de infra-estrutura herdados da época da dominação federal.

A verdade é que a simples autonomia política não bastava para a

viabilização de um projeto de restauração substitutiva da base produtiva Posteriormente, participa dos governos Saturnino Braga, Moreira Franco e Marcelo Alencar,

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da cidade e da sua região, afetada com a perda irreversível da condição de

metrópole nacional. (...)

Redescobrir funções reorganizadoras das atividades econômicas continua

sendo, assim, desde a década dos 50, o verdadeiro desafio para a cidade e

sua região. Identificá-las, agora, se inscreve, além do mais, no complexo

contexto de nosso tempo, que deve considerar a globalização da

economia e a necessidade vital de nova forma de articulação do Brasil

com os centros decisórios internacionais” (Magalhães, 2001, pp. 4 e 5)

Entendemos ser, essa lógica pós-60, fruto da história de capitalidade já apresentada e

que, com o golpe de 64, do ponto de vista da institucionalidade política, vem a ser, a lógica

nacional da política na cidade do Rio de Janeiro particularmente atingida no processo de

cassações, tendo em vista a polarização aqui existente e o peso acentuado que possuíam o

PTB e UDN.

Assim, logo após o Golpe de 64, o PTB e a esquerda como um todo sofrem

pesadamente o processo de cassações. Por outro lado, pelo fato de Carlos Lacerda romper

com o regime militar no correr da década de 60, a UDN carioca vem, também, a ser

atingida19, fazendo com que haja uma desarticulação nessa região da lógica nacional e

abrindo espaço para que Chagas Freitas, a lógica local e a política de clientela conquiste

uma particular hegemonia na cidade e posteriormente no estado do Rio. Esta se desdobraria

até os dias atuais, conforme podemos verificar através da declaração da governadora

Rosinha Garotinho publicada no jornal O Globo, de 10 de outubro de 2003, de que na

região fluminense, após o chaguismo e o brizolismo, “por que não o garotismo?”.

Ou seja, na cidade do Rio de Janeiro e, posteriormente, no novo estado do Rio de

Janeiro ocorreria, através dos processos de permanências e mudanças, a existência de uma

lógica nacional cada vez mais inorgânica – mas que, segundo Marly Silva da Motta,

tendo sido ainda, no início dos anos 90, presidente do SEBRAE nacional. 19 Sobre o assunto ver Silva, 2005.

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15

mantêm-se até os dias atuais –, e uma lógica clientelista e fragmentária, com uma

hegemonia crescente no plano estadual, gerando um marco institucional que dificulta a

organização consistente de estratégias e políticas regionais que passam a ser fazer

necessárias a partir da transferência da Capital.

Os fatores regionais apresentados, juntamente com a história do desenvolvimento

capitalista regional brasileiro e a estagnação e crise econômico-fiscal a partir dos anos

1980, tem como resultante o fato de a região do atual estado do Rio de Janeiro, do ponto de

vista econômico, apresentar, no período 1970/2000, uma variação do PIB

significativamente menor que as existentes em todas as demais unidades federativas (dados

do IBGE); ou em ter ocorrido no ERJ, entre 1985 e 2004, uma perda de empregos formais,

no total das indústrias extrativa mineral e de transformação, de –36,92% contra um

crescimento no total Brasil de 12,98%; como, também, a menor ampliação de empregos do

setor serviços no quadro federativo, de 28,81% contra um crescimento nacional de 65,64%

(MT/RAIS).

Em período mais recente, ocorrem na região fatos alvissareiros do ponto de vista

econômico como o recém anunciado pólo petroquímico em Itaboraí e o pólo de gás

químico de Caxias; a implantação da indústria automobilística em Porto Real; o Porto de

Sepetiba e as possibilidades dele advindas tais como os investimentos siderúrgicos

previstos em sua retro-área; a retomada da indústria naval; algum incremento turístico e a

extração de petróleo da Bacia de Campos. No entanto, apesar da propalada “volta para

cima” pelo governo do estado, verificamos que, pela Pesquisa de Produção Física Industrial

do IBGE, no período de janeiro/1999 a janeiro/2006, ou seja, do início do governo

Garotinho até a última estatística disponível, o Rio de Janeiro apresenta uma evolução para

o total da indústria de 27,99%, para a indústria extrativa mineral de 59,64% e para a

indústria de transformação de apenas 6,22%, contra uma evolução no Brasil,

respectivamente, de 34,11%; 64,60% e 31,80%, e em Minas Gerais de 39,34%; 68,80% e

37,33%. São Paulo, no mesmo período, de acordo com a mesma fonte, apresenta uma

evolução de 40,84% para o total da indústria e 40,88% para a indústria de transformação.

No que se refere ao emprego formal e informal nas principais regiões metropolitanas,

de acordo com a série mais longa do IBGE (PME) existente com a mesma metodologia,

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16

verificamos que o Rio de Janeiro apresenta, no período março/2002 a fevereiro/2006, um

crescimento de 11,04%, contra um crescimento nas regiões metropolitanas de São Paulo de

16,42%; de Belo Horizonte de 18,16%; de Porto Alegre de 14,71%; de Salvador de 18,16%

e de Recife de 7,02%. Ou, por último, para o período fevereiro/2005 a fevereiro/2006, a

RMRJ apresenta uma evolução do número de pessoas ocupadas de 1,50%, contra um

crescimento em São Paulo de 2,45%; em Belo Horizonte de 4,60%; em Porto Alegre de

3,09%; em Salvador de 3,29% e em Recife de 2,15%.

Por outro lado, esse processo tem como resultante uma fragilização cada vez maior de

sua máquina pública estadual, o que faz com que projetos como o do Metrô, que já no

governo Negrão se dava como equacionado financeiramente, se desenvolva até os dias

atuais com extrema dificuldade e não alcance, ainda, a dimensão de sua proposta inicial20,

ou que o programa de despoluição da Baia de Guanabara, que se iniciou há dezoito anos no

governo Moreira Franco, não tenha gerado até o momento benefício significativo para as

populações carioca e fluminense. Ou ainda que o estado do Rio de Janeiro venha a

apresentar a atual crise de segurança pública e geração de estados paralelos e tenha, de

acordo com os últimos dados apresentados pela UNESCO para o ano de 2002, as maiores

taxas de homicídio por 100 mil habitantes e para jovens entre 15 e 24 anos entre todas as

unidades federativas21. De acordo, ainda, com trabalho dos pesquisadores do IPEA, Daniel

Cerqueira, Waldir Lobão e Alexandre Carvalho, os estados de Pernambuco e do Rio de

Janeiro teriam os maiores percentuais de municípios com taxa de risco de homicídios por

cem mil habitantes superiores à média nacional. Ou seja, o estado de Pernambuco teria

45,4% do total de municípios acima da média nacional, e o Rio de Janeiro 41,3%, tendo,

portanto, uma situação de violência e desestruturação mais disseminada em seus territórios.

Além disso, quando analisam os 10 municípios com as maiores taxas de risco de homicídio

por 100 mil habitantes entre os 5507 municípios brasileiros objetos da pesquisa, encontram

3 municípios da periferia do ERJ (Duque de Caxias, Nova Iguaçú e São João de Meriti,

sendo que Belford Roxo apresenta-se em 11º lugar entre os 5507 municípios), 3 municípios

da periferia de Pernambuco, 3 municípios da periferia de Vitória e 1 município da periferia

20 Ver Silva, 2005. 21 Ver WAISELFISZ, 2004.

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17

de São Paulo (Diadema, que no entanto vem apresentando significativas quedas da taxa de

violência). Além disso, de acordo com informações por mim obtidas recentemente junto ao

presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Miguel Pachá, nos últimos 4

anos, entre 20 e 24 varas criminais teriam sido fechadas, ou varas previstas não foram

abertas, devido à desestruturação da máquina policial estadual que não consegue organizar

processos e encaminhá-los ao poder judiciário.

Abril/2006

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TABELA 1 PARTICIPAÇÃO DA REGIÃO FLUMINENSE E DOS ESTADOS DA GUANABARA, RIO DE JANEIRO, SÃO PAULO E MINAS GERAIS NO VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL E NO VALOR DA TRANSFORMAÇÃO INDUSTRIAL DO BRASIL (EM%)

ANO REGIÃO FLUMINENSE1 GUANABARA RIO DE JANEIRO SÃO PAULO MINAS GERAIS

Valor bruto da

produção industrial (%)

Valor da transf. industrial (%)

Valor bruto da produção industrial

(%)

Valor da transf. industrial (%)

Valor bruto da produção

industrial (%)

Valor da transf. industrial (%)

Valor bruto da produção

industrial (%)

Valor da transf. industrial (%)

Valor bruto da produção

industrial (%)

Valor da transf. industrial (%)

1907 37,75 - 30,20 - 7,55 - 15,92 - 4,44 -

1919 28,45 - 22,29 - 6,16 - 32,99 - 5,76 -

1939 23,93 27,92 19,00 22,48 4,92 5,44 43,49 38,60 6,74 7,82

1949 21,11 21,72 15,14 15,40 5,97 6,32 46,62 47,00 7,11 6,91

1959 16,04 17,30 9,57 10,15 6,47 7,16 55,08 54,51 5,98 6,06

1970 14,78 15,30 8,36 9,42 6,43 5,88 55,32 56,64 7,55 7,05

1975 12,43 13,20 - - - - 55,33 54,75 7,60 7,11

1980 10,48 10,42 - - - - 51,95 52,42 8,65 8,17

1985 9,61 9,80 - - - - 48,33 47,40 9,10 8,28

1992 9,70 9,53 - - - - 48,51 50,95 9,22 8,73

1995 7,61 8,56 - - - - 50,53 53,00 9,47 8,33

2000 7,27 9,42 - - - - 45,27 45,25 9,72 9,46

Fonte: Os percentuais foram calculados com base nos dados do Censo Industrial (1907 a 1985) e da Pesquisa Industrial Anual (1992 a 2000), IBGE

(1) Este dado refere-se ao somatório da participação da cidade do Rio de Janeiro, inicialmente como Distrito Federal (DF) e, posteriormente, como Estado da Guanabara, com a participação do antigo Estado do Rio de Janeiro no total Brasil. A partir de 1975, em função da fusão entre o antigo Estado da Guanabara com o antigo Estado do Rio de Janeiro, os dados referem-se ao novo Estado do Rio de Janeiro, sendo que estamos utilizando aqui o termo Região Fluminense para este território.

TABELA 2 TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO REAL DO PIB – 1949/1990

BRASIL – ESTADOS SELECIONADOS E REGIÕES (EM%) Regiões e Estados 1949/59 1959/70 1970/75 1975/80 1980/85 1985/90

Sudeste 6,7 6,5 9,8 6,4 0,2 1,1

- São Paulo 7,5 6,9 10,4 5,9 -0,2 1,0

- Minas Gerais e E. Santo 4,1 7,4 10,5 10,0 2,0 3,1

- Rio de Janeiro * 6,6 5,1 7,8 5,3 -0,2 -0,5

Sul 7,8 6,9 11,4 6,3 0,9 1,6

Nordeste 7,5 4,6 8,9 8,8 3,7 3,3

Norte 8,9 7,5 9,4 16,9 6,0 4,8

Centro-Oeste 10,9 10,5 12,5 12,1 2,6 4,9

Total 7,1 6,5 10,1 7,2 1,1 1,9

Fonte: Pacheco, Carlos Américo. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: UNICAMP. IE, 1998. Pág. 69 * Até 1975 as taxas médias de crescimento apresentadas para este Estado referem-se à soma dos antigos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, visando poder realizar uma análise comparativa com o período posterior à fusão.

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19

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