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OUTROS MUNDOS Só na Via Láctea, o número de planetas pode passar de um trilhão; a descoberta desses lugares ajuda a diminuir a nossa solidão no Universo MARCELO GLEISER, de 47 anos, é professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento O ano de 2006 vai ser lembrado, entre outras coisas, como o ano em que Plutão deixou de ser planeta. A decisão da União Astronômica Internacional ocupou manchetes pelo mundo afora. O pequenino Plutão, querido por tantos, inspiração até para o nome do cachorro do Mickey, é um planeta anão, um quase-planeta. Além dos nascidos sob o signo de Escorpião, que têm Plutão como planeta regente, ou os que vêem na esfera gelada, de massa quase seis vezes menor do que a da Lua, um símbolo dos fracos e desprotegidos, muita gente, especial- mente os que não vêm acompanhando o que tem ocorrido com a astronomia extra-solar, acha tudo isso uma grande bobagem. "Que diferença faz Plutão ser ou não planeta? Esses astrônomos não têm o que fazer?" Apesar dos protestos, a definição mais precisa do que é um planeta se faz mesmo necessária. Durante as duas últimas décadas, o enorme aumento no poder dos telescópios, somado ao desenvolvimento de tecnologias digitais de aquisição e análise de dados, levou a uma verdadeira revolução na astronomia planetária. Centenas de novas luas e asteróides foram descobertas no nosso Sistema Solar. Ainda mais importante, novos planetas, em torno de 210 até o momento, foram encontrados girando ao redor de outras estrelas. O impacto da descoberta dos chamados" planetas extra-solares" é enorme: pelo

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OUTROS MUNDOS

Só na Via Láctea, o número de planetas pode passar de um trilhão; a descoberta desses lugares ajuda a diminuir a nossa solidão no Universo

MARCELO GLEISER, de 47 anos, é professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento

O ano de 2006 vai ser lembrado, entre outras coisas, como o ano em que Plutão deixou de ser planeta. A decisão da União Astronômica Internacional ocupou manchetes pelo mundo afora.

O pequenino Plutão, querido por tantos, inspiração até para o nome do cachorro do Mickey, é um planeta anão, um quase-planeta. Além dos nascidos sob o signo de Escorpião, que têm Plutão como planeta regente, ou os que vêem na esfera gelada, de massa quase seis vezes menor do que a da Lua, um símbolo dos fracos e desprotegidos, muita gente, especialmente os que não vêm acompanhando o que tem ocorrido com a astronomia extra-solar, acha tudo isso uma grande bobagem. "Que diferença faz Plutão ser ou não planeta? Esses astrônomos não têm o que fazer?"

Apesar dos protestos, a definição mais precisa do que é um planeta se faz mesmo necessária. Durante as duas últimas décadas, o enorme aumento no poder dos telescópios, somado ao desenvolvimento de tecnologias digitais de aquisição e análise de dados, levou a uma verdadeira revolução na astronomia planetária. Centenas de novas luas e asteróides foram descobertas no nosso Sistema Solar. Ainda mais importante, novos planetas, em torno de 210 até o momento, foram encontrados girando ao redor de outras estrelas. O impacto da descoberta dos chamados" planetas extra-solares" é enorme: pelo que podemos deduzir, a maioria das estrelas tem planetas girando à sua volta. Considerando que na Via Láctea existem mais de 100 bilhões de estrelas, o número aproximado de planetas pode passar de um trilhão! E isso apenas na nossa galáxia. Imagine o número de planetas e luas quando incluímos as centenas de bilhões de galáxias que existem no Universo ...

Dada essa proliferação planetária, é essencial que astrônomos tenham uma definição precisa do que seja um planeta. É como se chegássemos a uma floresta cheia de animais desconhecidos e quiséssemos estabelecer uma classificação das novas espécies. Temos de ser extremamente metódicos para evitar confusões. Aqui

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mesmo, no nosso Sistema Solar, foram descobertos outros corpos celestes com pretensões planetárias.

Extremamente distantes e pequenos, Sedna e Xena, dentre outros, têm órbitas elípticas acentuadas, mais ainda do que Plutão. O ponto é que planetas giram em torno do Sol no mesmo plano: o Sistema Solar tem a forma de uma pizza gigantesca, com o Sol no centro. Essa forma é conseqüência do processo de formação do sistema, que deve ser o mesmo de outros espalhados pelo Cosmo: uma nuvem de hidrogênio e outros gases e elementos químicos entra em colapso; devido à combinação de seu movimento de rotação e de contração, a nuvem vai achatando-se nos pólos e alargando-se no equador, tal qual uma pizza. Os objetos com órbitas muito inclinadas em relação a esse plano, ou sem forma esférica, não são considerados planetas.

A nova definição de planeta ainda não se aplica aos objetos extra-solares. Conhecemos poucos deles, ainda restritos pelos métodos de busca, mais eficientes para achar planetas gigantes, com massas semelhantes à de Júpiter. Com certeza, esses novos mundos serão ainda mais exóticos do que os encontrados por aqui. Em quais deles a vida é possível? Será que essa vida pode ser inteligente? Dadas as enormes distâncias, de dezenas de anos-luz, temos de procurar por sinais indiretos de atividade biológica, como a composição da atmosfera ou a presença de água na superfície. Porém é palpável o entusiasmo dos caçadores de planeta. E do público em geral. Afinal, como disse a astrofísica interpretada pela atriz Jodie Foster no filme "Contato'; "seria um grande desperdício de espaço se estivermos sozinhos neste vasto Universo". A descoberta dos planetas extra-solares diminui, ao menos um pouco, essa solidão.

MARCELO GLEISER, de 47 anos, é professor do Dartmouth Coliege, nos Estados Unidos, e autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento

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Fonte:Revista Galileu – edição 187, fevereiro 2007, coluna Horizontes, Marcelo Gleiser, página 27