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133 EDITORIAL Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):133 Outubro Rosa e a saúde da mulher Breast Cancer Awareness Month and women’s health Outubro é o mês da conscientização sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. Segundo informações do INCA, é o tipo mais comum da doença entre as mulheres no mundo. No Brasil representa cerca de 28% dos casos novos de câncer a cada ano, resultando em quase 14.400 mortes, somente em 2018. É um importante chamado para que dediquemos especial atenção à saúde das mulheres. E a preocupação não está somente na in- cidência do câncer de mama. As doenças cardiovasculares na mulher ultrapassam as estatísticas dos tumores de mama e útero. Segundo dados recentes da OMS (Organização Mundial da Saúde), respondem por um terço das mortes no mundo, com 8,5 milhões de óbitos por ano, ou seja, mais de 23 mil por dia. Entre as brasileiras, principalmente acima dos 40 anos, as cardiopatias chegam a representar 30% das causas de falecimento, a maior taxa da América Latina. Preocupada com esse cenário alarmante, a SBCM criou, em julho de 2016, a campanha Mulher Coração, voltada à conscientização do aumento significativo de eventos cardiovasculares entre o gênero feminino. É uma ação permanente, de caráter educativo, que já recebeu apoio de celebridades como a empresária e presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, Malu Mader, Cláudia Raia, Betty Faria, entre outras, e ainda de instituições de prestígio, como a Associação Paulista de Medicina e a Marjan Farma. A iniciativa nasceu da necessidade de informar as mulheres sobre a prevenção. Na maioria das vezes, elas não sentem os sintomas comuns, como dores no peito, e, por conseguinte, não valorizam os sinais de possíveis problemas. Assim, é de nossa responsabilidade divulgar as formas de identificar e evitar esses casos. São fatores de risco a menopausa, período no qual a mulher para de fabricar o estrogênio, hormônio responsável pela manutenção do revestimento dos vasos sanguíneos; o uso de pílulas anticoncepcionais (lem- brando que sua ingestão, que, em geral, acontece desde a adolescência, pode aumentar os riscos de trombose, ou seja, entupimento de veias ou artérias); a terapia de reposição hormonal; doenças preexistentes, como diabete, hipertensão e alteração nas taxas de colesterol; além de maus hábitos alimentares, físicos e o cigarro. Essa é uma missão que deve ser abraçada não só por médicos e profissionais de Saúde. O Estado tem obrigação de fazê-lo também, em todos os níveis. Em um momento em que a valorização e o respeito ao gênero feminino são tão debatidos e justamente defendidos, cabe aos governos e aos nossos políticos cumprirem a lição de casa. Investir na promoção à Saúde das mulheres é um gesto cidadão e de respeito, que todos esperamos ver. Prof. Dr. Antonio Carlos Lopes Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica © Sociedade Brasileira de Clínica Médica

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EDITORIAL

Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):133

Outubro Rosa e a saúde da mulherBreast Cancer Awareness Month and women’s health

Outubro é o mês da conscientização sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. Segundo informações do INCA, é o tipo mais comum da doença entre as mulheres no mundo. No Brasil representa cerca de 28% dos casos novos de câncer a cada ano, resultando em quase 14.400 mortes, somente em 2018.

É um importante chamado para que dediquemos especial atenção à saúde das mulheres. E a preocupação não está somente na in-cidência do câncer de mama. As doenças cardiovasculares na mulher ultrapassam as estatísticas dos tumores de mama e útero. Segundo dados recentes da OMS (Organização Mundial da Saúde), respondem por um terço das mortes no mundo, com 8,5 milhões de óbitos por ano, ou seja, mais de 23 mil por dia. Entre as brasileiras, principalmente acima dos 40 anos, as cardiopatias chegam a representar 30% das causas de falecimento, a maior taxa da América Latina.

Preocupada com esse cenário alarmante, a SBCM criou, em julho de 2016, a campanha Mulher Coração, voltada à conscientização do aumento significativo de eventos cardiovasculares entre o gênero feminino. É uma ação permanente, de caráter educativo, que já recebeu apoio de celebridades como a empresária e presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, Malu Mader, Cláudia Raia, Betty Faria, entre outras, e ainda de instituições de prestígio, como a Associação Paulista de Medicina e a Marjan Farma.

A iniciativa nasceu da necessidade de informar as mulheres sobre a prevenção. Na maioria das vezes, elas não sentem os sintomas comuns, como dores no peito, e, por conseguinte, não valorizam os sinais de possíveis problemas. Assim, é de nossa responsabilidade divulgar as formas de identificar e evitar esses casos. São fatores de risco a menopausa, período no qual a mulher para de fabricar o estrogênio, hormônio responsável pela manutenção do revestimento dos vasos sanguíneos; o uso de pílulas anticoncepcionais (lem-brando que sua ingestão, que, em geral, acontece desde a adolescência, pode aumentar os riscos de trombose, ou seja, entupimento de veias ou artérias); a terapia de reposição hormonal; doenças preexistentes, como diabete, hipertensão e alteração nas taxas de colesterol; além de maus hábitos alimentares, físicos e o cigarro.

Essa é uma missão que deve ser abraçada não só por médicos e profissionais de Saúde. O Estado tem obrigação de fazê-lo também, em todos os níveis. Em um momento em que a valorização e o respeito ao gênero feminino são tão debatidos e justamente defendidos, cabe aos governos e aos nossos políticos cumprirem a lição de casa. Investir na promoção à Saúde das mulheres é um gesto cidadão e de respeito, que todos esperamos ver.

Prof. Dr. Antonio Carlos LopesPresidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

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ARTIGO ORIGINAL

Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):134-9

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência: perfil dos atendimentos por causas externasEmergency Mobile Care Service (SAMU): profile of attendance due to external causes

Dayany Leonel Boone1, Thiago Martins Trece Costa1, Débora Brito Tana1, Samyr Coradini Lopes1, Marina Carvalho Souza Cortes2, Eulilian Dias de Freitas1, Waneska Alexandra Alves1

Recebido da Universidade Federal de Juiz de Fora, Governador Valadares, MG, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO: Descrever os atendimentos por causas externas realizados pelo serviço de atendimento pré-hospitalar prestado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). MÉ-TODOS: Estudo de corte transversal, descritivo, observacional, de abordagem quantitativa, tendo como fonte dados Fichas de Regulação do SAMU de Governador Valadares, Minas Gerais, preenchidas no período de 1° de janeiro de 2016 a 31 de dezem-bro de 2016. RESULTADOS: Foram analisadas 2.930 fichas; destas 964 (32,9%) eram referentes a ocorrências por causas externas. Os agravos mais frequentes foram, em ordem decres-cente: acidentes de trânsito, queda da própria altura, queda de altura, agressões e outros. Eram homens 64,5% e a idade média foi de 38,4 anos (zero a 99 anos de idade). A maioria dos agravos se deu durante 12h01 e 18h, e, em 94,8% dos atendimentos, foi enviada uma Unidade de Suporte Básico. Dentre as vítimas, 85,58% foram entregues ao hospital. A letalidade foi de 1,35%. CONCLUSÃO: Governador Valadares recebe diariamente ele-vada demanda de atendimentos pré-hospitalares por causas ex-ternas de diversos pontos da cidade, traduzindo a necessidade de alternativas especializadas e eficazes para os atendimentos. Cabe à atuação do serviço disponibilizar um atendimento precoce, de forma a reduzir o tempo de atendimento, o que resulta em me-lhor prognóstico dos agravos.

Descritores: Serviços médicos de emergência; Assistência pré-hos-pitalar; Causas externas; Ambulâncias; Administração em saúde

1. Universidade Federal de Juiz de Fora, Governador Valadares, MG, Brasil.2. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Governador Valadares, Gover-nador Valadares, MG, Brasil.

Data de submissão: 27/02/2018 − Data de aceite: 01/03/2018Conflito de interesses: não há.Fontes de auxílio à pesquisa: não há.

Autor correspondente: Dayany Leonel BooneRua Manoel Byrro, 241, sala 106 − Vila Bretas,CEP: 35032-620 − Governador Valadares, MG, BrasilTel.: (27) 99845-4623 – E-mail: [email protected]

Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa: Universidade Federal de Juiz de Fora; CAAE: 64163717.0.0000.5147; parecer 1.947.686.

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe assistance due to external causes by the pre-hospital care service provided by the Emergency Mobile Care Service (SAMU). METHODS: This is a cross-sectional, descriptive, observational, quantitative study with data obtained from the Regulation Sheets of the Emergency Mobile Care Service of Governador Valadares, Minas Gerais, completed in the period from January 1, 2016 to December 31, 2016. RESULTS: A total of 2,930 records were analyzed, of which 964 (32.9%) were related to occurrences due to external causes. The most frequent problems were, in descending order: traffic accidents, fall from standing, fall from heights, aggressions, and others. Men represented 64.5%, and the mean age was 38.4 years (0 - 99 years old). Most injuries occurred between 12:01 and 6:00 p.m., and in 94.8% of the assistance, a Basic Support Unit was sent. Of the victims, 85.58% were taken to hospital. Lethality was 1.35%. CONCLUSION: Governador Valadares daily receives a large demand for prehospital care due to external causes in several parts of the city, reflecting the need for specialized and effective alternatives for care. It is up to the service to provide early care, to reduce the time of assistance, which results in a better prognosis of the diseases.

Keywords: Emergency medical services; Prehospital care; External causes; Ambulances; Health administration

INTRODUÇÃO

As causas externas (CE) são os agravos representados pe-los acidentes e violências, cuja categoria foi estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para se associar às consequên cias provenientes de agressões, acidentes, traumas e lesões.(1) Nos últimos anos, elas se tornaram uma das principais causas de óbito e incapacidades em nível mundial.(2,3)

Entre 2000 a 2013, a taxa de mortalidade por CE no Bra-sil apresentou aumento de 10,5%, passando de 68,3 para 75,5 óbitos por 100 mil habitantes. Apenas em 2013, este conjunto de agravos foi responsável por 151.683 óbitos registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), sendo que 36,8% ocorreram na Região Sudeste.(4)

As CE têm importância quanto a ser causa de morte preco-ce e diversas incapacidades entre os adultos jovens.(5) Segundo dados disponibilizados pelo Departamento de Informática do

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SAMU: perfil dos atendimentos por causas externas

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Sistema Único de Saúde (DATASUS), Governador Valadares (MG), em 2014, apresentou 349 óbitos por CE, sendo que agressão (homicídios) foi a maior causa, seguida por acidentes de trânsito.(6)

Em relação ao número de acidentes de trânsito, Governador Valadares se destaca no cenário epidemiológico do Estado de Minas Gerais. De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), no ano de 2014 e 2015, o município foi o sexto no Estado em números de registros de acidentes de trânsito, tendo pelo menos uma vítima “fatal” ou “grave ou inconsciente”.(7)

Este cenário traz consigo perdas humanas, podendo ser mensurado pelo Disability Adjusted Life Year (DALYS), que traz o incremento de anos de vida perdidos por morte ou incapacida-de e materiais, traduzido pela sobrecarga dos serviços de saúde, o que corrói a economia, além dos efeitos psicológicos e físicos que causam nas vítimas e em seus familiares.(5)

Diversas demandas são impostas aos serviços de saúde, den-tre elas destaca-se o atendimento pré-hospitalar (APH), definido como toda assistência prestada à população fora do ambiente hospitalar, seja ela direta ou indireta. Assim, o APH envolve desde orientações médicas até o envio de uma ambulância ao local da ocorrência, onde um indivíduo acometido por um agra-vo necessita de suporte de saúde.(8)

No Brasil, o APH é realizado prioritariamente pelo Servi-ço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), instituído em 2004, por meio do Decreto Federal 5.055/2004, em todo o território nacional, que objetiva a implantação de ações com maior grau de eficácia e efetividade na prestação de serviço de atendimento à saúde de caráter emergencial e urgente.(9) No município de Governador Valadares, o SAMU foi implantado em 12 de agosto de 2005, por meio da lei municipal 5.469. A lei instituiu o serviço vinculando-o à Secretaria Municipal de Saúde (SMS).(10)

Atualmente, os serviços prestados pelo SAMU não possuem perfil estabelecido, assim como não há análises dos resultados de seus atendimentos. A partir disso, há a necessidade de um estudo que caracterize o perfil dos atendimentos, para que ações de planejamento e avaliação possam ser direcionadas mais efeti-vamente. Os dados coletados por este serviço têm potencial de gerar informações norteadoras para os gestores em nível local, uma vez que traduzem a situação de saúde do município, no que diz respeito às urgências e emergências.

O objetivo deste estudo foi descrever os atendimentos por CE realizados pelo serviço de APH, prestados pelo SAMU de Governador Valadares, registrados em fichas de regulação.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de corte transversal, descritivo, obser-vacional, de abordagem quantitativa, tendo como fonte dados as Fichas de Regulação do SAMU de Governador Valadares, pre-enchidas no período de 1° de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016.

Governador Valadares está localizado no Vale do Rio Doce, no leste de Minas Gerais, e apresentava, segundo o Censo De-mográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-

tatística (IBGE), em 2010, população de 263.689 habitantes e área de 2.342.319 km².(11,12)

Para cálculo amostral, foram consideradas as proporções dos motivos de atendimento do SAMU (57% causas clínicas, 32,9% CE e 7,3% remoções).(13) Consideraram-se, para o cálcu-lo, a menor proporção (7,3%), o nível de significância de 95% e um erro de estimativa de 1%, o que resultou em 2.600 prontu-ários a serem analisados. Para compensar possíveis perdas, foram acrescentados 10% ao cálculo, resultando em 2.860 prontuá-rios. Foi utilizada técnica de amostragem estratificada uniforme, selecionando por sorteio (amostragem aleatória simples) o mes-mo número de dias de cada mês do ano de 2016, em que todos os prontuários dos dias selecionados foram analisados.

As variáveis de estudo (sexo, idade, bairro, natureza do agravo, tipo de ambulância, horário da ocorrência e destino da ambulância) foram analisadas utilizando o programa Epi Info™, versão 7, e Microsoft Office 2007®.(14) Para a análise dos dados, foram utilizados o nível de significância de 5% e o cálculo do intervalo de confiança (IC95%).

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob CAAE 64163717.0.0000.5147, e parecer 1.947.68. Por utilizar ape-nas dados secundários retrospectivos, foi dispensado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo respeitou as normas internacionais de ética envolvendo pesquisa com seres humanos e a Resolução 466/2012 do Ministério da Saúde.(15)

RESULTADOS

No período de estudo, foram analisadas 2.930 fichas. Destas, 964 (32,9%) eram referentes a ocorrências por CE (intervalo de confiança de 95% − IC95% 31,21-34,64). Quanto às caracte-rísticas da população estudada, o sexo masculino foi o mais in-cidente, com 64,5% (IC95% 61,4-67,5). A idade dos pacientes variou de zero a 99 anos, com média de 38,4 anos e mediana de 35 anos. Na tabela 1, observamos a frequência das variáveis demográficas e epidemiológicas dos pacientes atendidos por CE pelo SAMU de Governador Valadares.

Em relação à natureza de agravo, a tabela 2 apresenta a fre-quência de cada agravo em relação à faixa etária. O agravo mais frequente foi o acidente de trânsito (58,51%), sendo a faixa etária de 11 a 40 anos a mais incidente. Dentre os tipos de aci-dente de trânsito, tivemos colisão (43,8%), acidente de moto (29,1%), acidente de bicicleta (13,6%), atropelamento (7,1%), capotamento (3,2%) e acidente de carro (3,2%). Sobre os de-mais atendimentos, 15,9% corresponderam à queda da própria altura, principalmente entre os maiores de 51 anos. Queda de altura correspondeu a 9,5%, acometendo mais as pessoas na fai-xa etária de 21 a 50 anos, e 9,1% foram as agressões, que foram mais frequentes em pessoas de 11 a 40 anos. Queimadura, ferida contusa/penetrante, obstrução de vias aéreas por corpo estranho e outros traumas somaram 6,9% dos atendimentos.

Quanto ao local de ocorrência, das 87 localidades listadas, aquelas com maior número de ocorrências foram o Centro (10,27%), Lourdes (5,19%), Altinópolis (4,15%), São Paulo (4,05%), Turmalina (4,05%) e Santa Rita (4,05%).

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Boone DL, Costa TM, Tana DB, Lopes SC, Cortes MC, Freitas ED, Alves WA

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Em relação ao período do dia, 11% dos atendimentos acon-teceram entre 0h01 e 6h00; 23,6% entre 6h01 e 12h; 34,2% entre 12h01 e 18h; e 31,2% entre 18h01 e 0h00.

O tipo de ambulância mais utilizado foi a USB com 94,8% dos atendimentos (IC95% 93,17-96,09), enquanto a Unidade de Suporte Avançado (USA) representou 5,2% dos atendimen-tos (IC95% 3,91-6,83%). Quanto ao destino dado à vítima, a maioria foi encaminhada ao hospital (85,58%). A letalidade foi de 1,35% (IC95% 0,75-2,36).

DISCUSSÃO

O maior acometimento de homens neste estudo pode ser comparado ao estudo que apresenta o perfil das vítimas de trau-mas atendidos pelo SAMU de Teresina (PI), onde se verificou que o sexo de maior prevalência dos pacientes investigados também foi o masculino, com 75,9%. Outro estudo, realizado em Maceió (AL), traz o mesmo dado, com o maior número de vítimas do sexo masculino. Isso é justificado pelo fato de a população mas-culina estar mais exposta a atividades econômicas e recreativas, e também à violência e drogas, comportamento específico do sexo, além da influência de fatores culturais e sociais.(16,17)

Assim como no estudo apresentado por Carvalho e Saraiva, corroborando outros dados na literatura, a população de adultos jovens é a mais acometida por casos de violência, tendo diversas teorias acerca do motivo, tais quais a inexperiência, a impulsivi-dade, a irresponsabilidade, o estilo de vida, a busca de situações de risco para satisfação pessoal e o abuso de substâncias psicoa-tivas.(16) Alves reafirma os sérios problemas de exclusão juvenil e desigualdade social, que contribuem para este número expressi-vo de vítimas jovens.(17)

Os agravos por CE representam parte significativa de todos os atendimentos realizados pelo SAMU de Governador Vala-dares, sendo que os acidentes de trânsito são mais frequentes, representando mais da metade das solicitações. Isso pode ser decorrente da rápida urbanização e da insuficiência de infraes-trutura urbana; de uma legislação frágil; e de uma estrutura de fiscalização deficiente.(18) Quanto aos resultados dos acidentes de trânsito, a colisão foi a mais frequente (43,79%). Este dado cha-ma a atenção para a letalidade desse tipo de acidente, visto que a colisão frontal, a colisão com bicicleta e a colisão transversal são o primeiro, o terceiro e o quinto tipos de acidente que mais produzem óbitos nas rodovias federais.(19)

Queda de própria altura é a segunda ocorrência mais fre-quente, sendo mais incidente entre os idosos, o que provavel-mente se deve à senilidade e a suas limitações, bem como à fal-ta de cuidados preventivos durante a realização das atividades diárias dos idosos.(20) Um estudo realizado em Fortaleza (CE) relacionou a ocorrência de quedas entre idosos com o ambiente doméstico inadequado, principalmente por superfícies escorre-

Tabela 1. Variáveis demográficas e epidemiológicas dos pacientes atendidos por causas externas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Governador Valadares.Variável n (%)Faixa etária

0-10 45 (4,6)11-20 130 (13,5)21-30 219 (22,7)31-40 200 (20,8)41-50 134 (13,951-60 91 (9,4)61-70 66 (6,9)≥71 79 (8,2)

Sexo Masculino 622 (64,5)Feminino 342 (35,5)

Destino dado à vítima Encaminhado ao hospital 825 (85,6)Recusou encaminhamento ao hospital 38 (3,9)Entregue à unidade de pronto atendimento 36 (3,7)Recusou atendimento 24 (2,5)Outro 24 (2,5)Óbito no local 13 (1,4)Vítima não localizada 4 (0,4)

Total 964 (100)

Naturezas de agravoFaixa etária (anos)

n (%)0-10 11-20 21-30 31-40 41-50 51-60 61-70 ≥71

Acidentes de trânsito 14 (31,1) 84 (64,6) 160 (73,0) 130 (65,0) 83 (61,9) 43 (47,3) 32 (48,5) 18 (22,8)Queda da própria altura 5 (2,2) 11 (8,5) 5 (2,3) 18 (9,0) 16 (11,9) 27 (29,7) 25 (37,9) 46 (58,2)Queda de altura 8 (6,7) 11 (8,5) 13 (5,9) 18 (9,0) 18 (13,4) 9 (9,9) 4 (6,1) 11 (13,9)Agressão 1 (13,3) 17 (13,0) 24 (11,1) 24 (12,0) 13 (9,7) 7 (7,7) 2 (3,0) 0 (0,0)Outro trauma 6 (13,3) 6 (4,6) 14 (6,3) 5 (2,5) 3 (2,3) 4 (4,4) 2 (3,0) 1 (1,3)Ferida contusa/perfurante 3 (11,1) 0 (0,0) 3 (1,4) 4 (2,0) 0 (0,0) 1 (1,0) 0 (0,0) 3 (3,8)Ovace 6 (17,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0)Queimadura 2 (4,5) 1 (0,8) 0 (0,0) 1 (0,5) 1 (0,8) 0 (0,0) 1 (1,5) 0 (0,0)Total 45 (100,0) 130 (100,00) 219 (100,00) 200 (100,00) 134 (100,00) 91 (100,00) 66 (100,00) 79 (100,00)

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gadias, o que gera fraturas e necessidade de intervenções cirúrgi-cas e internação em parte destes idosos.(21)

As agressões vêm em quarto lugar, dentre as quais temos per-furações por arma branca, arma de fogo e agressões físicas, resul-tantes do aumento contínuo da violência, o que é ratificado por dados nacionais. Em 2013, houve 50.806 vítimas de violência no Brasil, sendo 8,4% no Estado de Minas Gerais, aumentando 4,9% em relação ao ano anterior para o mesmo Estado.(22) O Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, de 2014, na cida-de de Governador Valadares, foi considerado alta, com valor de 0,470, ocupando a 62ª posição no ranking nacional.(23)

Quanto ao local de ocorrência, os bairros com maior núme-ro de ocorrências são geograficamente e socialmente variados, sendo distribuídos por toda a cidade. No entanto, é comum aos locais com mais ocorrências o cruzamento por vias de elevada circulação de veículos, que dão acesso a importantes pontos da cidade. O centro da cidade, onde há grande número de esco-las, comércio e hospitais, abriga grande contingente de pessoas e fluxo de veículos, o que leva ao maior número de agravos. Este dado é semelhante ao encontrado em um estudo realizado no Recife, em que os bairros centrais e comerciais apresentaram maior risco para os atendimentos pelo SAMU.(24)

É notável que, ao longo do dia, o número de notificações aumenta, tendo seu pico à tarde (entre 12h e 18h), decaindo ao anoitecer, mas, ainda assim, com alto número de casos. Este período seria o horário de pico ou rush da cidade, em que há um fluxo maior de pessoas voltando do trabalho e escola, o que jus-tificaria o maior número de ocorrências por CE, principalmente por acidentes de trânsito, devido à variação da visibilidade, rea-firmada pela cultura do brasileiro de dispor de seu espaço e do espaço alheio.(25,26)

Quanto ao tipo de ambulância, a viatura mais utilizada foi USB (94,81%). Este dado é comum a diversos outros estudos, ratificado pelo estudo realizado pelo SAMU na Macrorregião Centro Sul do Estado de Minas Gerais, representando 78,75% dos atendimentos realizados, e também pelo estudo realizado no interior de São Paulo, com 89% dos atendimentos.(27,28)

Grande parte das vítimas é destinada ao Hospital Municipal de Governador Valadares, um resultado semelhante ao estudo realizado no SAMU de Catanduva (SP), em que 64,3% dos pa-cientes foram encaminhados à atenção terciária, denotando a gravidade dos casos atendidos.(28)

A letalidade foi de 1,35%, entretanto os estudos não trazem esse dado, e não há um sistema de informação unificado, o que prejudica a comparação de dados.

Implica-se que a maioria das ocorrências acomete indivíduos do sexo masculino em idade ativa, o que gera um ônus ao Es-tado, tanto pelo gasto com saúde, previdência social e prejuízo econômico, quanto devido à paralisação da mão de obra. Assim, as portas de urgência e emergência podem constituir importan-tes marcadores da condição de saúde da população, bem como a atuação do serviço.(29)

Semelhantes a esse trabalho, diversos outros estudos descre-vem as CE em relação a tempo, lugar e pessoa, contribuindo com tais informações para a região. Isto é muito importante para o levantamento de hipóteses, criação e modificação de po-

líticas públicas, como proporcionar subsídios ao planejamento logístico do serviço de atendimento móvel de urgência.(24,30)

Este estudo possui como limitações a fragilidade no pre-enchimento das fichas de regulação, evidenciada pela falta de padronização, o que demonstra uma insuficiente capacitação do médico regulador e atendentes.(31) Entretanto, é possível direcionar novas linhas de pesquisa sobre o tema, visto que o maior aprimoramento das informações acerca desse assunto permite maior promoção de saúde, prevenção de tais agravos e melhorias no atendimento e tratamento destes pacientes. Uma vertente interessante a ser aprofundada é avaliar a relação do uso do álcool com a incidência dos principais agravos, visto que esta substância é um fator de risco modificável para as violências. Outro assunto a ser debatido em futuros trabalhos é a avaliação dos fatores relacionados ao envio de uma USB ao local em que a vítima exija uma USA, o que prejudica o atendimento. Por fim, outro aspecto a ser mais aprofundado é a avaliação do tempo de resposta, ou seja, o tempo gasto desde a efetivação da ligação para o serviço até a chegada da ambulância ao local da ocorrência, analisando a qualidade do serviço prestado.

CONCLUSÃO

As causas externas representaram parcela relevante dos aten-dimentos realizados pelo SAMU de Governador Valadares em 2016. De forma global, as vítimas são majoritariamente do sexo masculino e jovens, sendo o acidente de trânsito o agravo mais frequente, na região central em horário de maior circulação de carros e pessoas.

A análise do perfil epidemiológico dos atendimentos reali-zados pelo SAMU de Governador Valadares permite repensar a importância do atendimento prestado pelo serviço, princi-palmente ao demonstrar a necessidade de uma organização adequada para assistência à saúde eficaz, reduzindo a mor-bimortalidade dos pacientes. Os dados apresentados sobre a incidência dos agravos refletem parte da magnitude das vio-lências e acidentes que acometem a população. Com isso, é fundamental identificar os grupos mais vulneráveis e os fato-res de risco, para que se possam traçar medidas para preven-ção e controle dos agravos, além de direcionar métodos para melhorar os atendimentos.

Além disso, este estudo permite a elaboração de recomen-dações que visam tornar mais resolutiva a oferta de serviços do SAMU de Governador Valadares, desenvolver ações em saúde para redução e prevenção dos agravos, indicar aos gestores a me-lhor forma de alocar os recursos e aprimorar a efetividade da assistência oferecida pelo serviço, por meio da educação perma-nente direcionada ao perfil dos atendimentos.

AGRADECIMENTOS

Aos funcionários do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Governador Valadares, que contribuíram para a co-leta de dados, nos cedendo espaço e recebendo com carinho e seriedade no serviço.

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Boone DL, Costa TM, Tana DB, Lopes SC, Cortes MC, Freitas ED, Alves WA

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ARTIGO ORIGINAL

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Doença ulcerosa péptica: realmente é possível identificá-la por meio das características da dor epigástrica?Peptic ulcer disease: is it really possible to identify it through the characteristics of epigastric pain?

Lana Carla Fernandes de Albuquerque1, Ana Beatriz Cardoso Pereira1, Cezar Augusto Muniz Caldas1

Recebido da Universidade Federal do Para, Belem, PA, Brasil.

1. Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil.

Data de submissão: 13/06/2017 – Data de aceite: 23/06/2017Conflito de interesses: não há.Fontes de fomento: Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA).Fonte de auxílio à pesquisa: bolsa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Endereço para correspondência: Cezar Augusto Muniz CaldasInstituto de Ciências da Saúde – Avenida Generalíssimo Deodoro, 1 – Umarizal CEP: 66050-160 – Belém, PA, BrasilTel.: (91) 99915-7041 – E-mail: [email protected]

Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa: parecer 860.871 (CAAE: 34405314.2.0000.0017) do Hospital Universitário João de Barros Barreto.

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Determinar se características da dor epigástrica são capazes de identificar pacientes com doença ulcerosa péptica. MÉTODOS: Estudo caso-controle, com coleta de dados de se-tembro de 2014 a junho de 2016. Foram incluídos pacientes com mais de 18 anos com dispepsia que realizaram endoscopia digestiva alta ambulatorialmente. Os pacientes foram abordados antes de realizar a endoscopia digestiva alta, verificando, em suas guias, a presença de dispepsia, tendo sido convidados a respon-der um questionário, e, posteriormente, o prontuário de cada entrevistado foi avaliado para verificação do diagnóstico, sendo, então, divididos entre o Grupo Doença Ulcerosa Péptica (ca-sos), com 32 pacientes, e o Grupo Controle, com 44 pacientes com dispepsia atribuída a outras causas. RESULTADOS: Dos pacientes com dispepsia não ulcerosa, 52,27% caracterizaram a dor como em queimação, sendo 47,72% moderada e que pio-rava com alimentação. Dentre os demais sintomas, 45,45% re-lataram náuseas e 25% desconforto pós-prandial, com 52,27% relatando histórico familiar negativo de doença ulcerosa péptica. Em contrapartida, dos pacientes com doença ulcerosa péptica, 53,12% referiram dor em queimação e de moderada intensida-de, e 50% relataram piora com alimentação. Dentre os demais sintomas, prevaleceram também náuseas (53,12%) e desconfor-to pós-prandial (40,62%). A maioria (81,25%) relatou históri-co familiar de doença ulcerosa péptica. Observou-se diferença estatística em dor noturna, predominando na doença ulcerosa

péptica (p=0,0225) e dor em cólica na dispepsia não ulcerosa (p=0,0308), assim como na ausência de histórico familiar en-tre os pacientes com dispepsia não ulcerosa (p=0,0195). CON-CLUSÃO: A dispepsia relacionada à doença ulcerosa péptica relaciona-se, principalmente, à piora noturna, sendo que a in-tensidade da dor, a relação com alimentação e os sintomas asso-ciados não auxiliaram na diferenciação da dispepsia não ulcerosa, diferentemente do que a literatura tradicionalmente informa.

Descritores: Dispepsia/diagnóstico; Úlcera péptica/diagnóstico; Endoscopia gastrointestinal

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine whether it is possible to identify Peptic Ulcer Disease through the characteristics of epigastric pain. METHODS: This is a case-control study with data collected between September 2014 and June 2016 including patients over 18 years of age with dyspepsia who underwent upper gastrointestinal endoscopy as outpatients. The patients were approached before the upper gastrointestinal endoscopy when their test requisition form indicated the presence of dyspepsia. The subjects were invited to answer a questionnaire and, afterwards, the records of all interviewees were evaluated to check for the diagnosis. Then, they were divided into a peptic ulcer disease group (cases), with 32 patients, and a control group, with 44 patients with dyspepsia from other causes. RESULTS: Among non-ulcer dyspepsia patients, 52.27% described the pain as a “burning pain”, with 47.72% reporting it as moderate and aggravated by food intake. As for other symptoms, 45.45% of subjects reported nausea, and 25% reported postprandial discomfort; 52.27% had no family history of peptic ulcer disease. In contrast, 53.12% of peptic ulcer disease patients reported “burning” and moderate pain, and 50% said the pain was aggravated by eating. As for the other symptoms, nausea (53.12%) and postprandial discomfort (40.62%) prevailed; most of the patients (81.25%) had family history of peptic ulcer disease. There was a statistical difference in night pain, which was more prevalent in peptic ulcer disease (p=0.0225), and colicky pain, which was more frequent in non-ulcer dyspepsia (p=0.0308), as well as absence of family history in non-ulcer dyspepsia patients (p=0.0195). CONCLUSION: Dyspepsia caused by peptic ulcer disease is mainly related to night worsening, and pain intensity, the relationship with food

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Doença ulcerosa péptica e dor epigástrica

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intake, and associated symptoms did not help differentiate non-ulcer dyspepsia, differently from what the medical literature traditionally suggests.

Keywords: Dyspepsia/diagnosis; Peptic ulcer/diagnosis; Endoscopy, gastrointestinal

INTRODUÇÃO

Considerando o processo de ensino-aprendizagem como con-tínuo, sujeito a ajustes de acordo com as necessidades da popu-lação e à luz das novas evidências e tecnologias, faz-se necessário rever a prática médica para que, mesmo abordagens tradicionais, seguindo os sinais e os sintomas classicamente descritos na li-teratura, possam ser validadas ou substituídas em benefício do paciente.

No caso da dispepsia, o termo faz referência a um grupo he-terogêneo de sintomas localizados na região superior do abdome (região epigástrica), variando de dor ou desconforto pós-pran-dial à sensação de queimação, saciedade precoce e distensão ab-dominal. Náuseas e vômito podem coexistir com a dispepsia, mas não são específicos, não sendo enquadrados em sua definição.(1)

Sintomas dispépticos são muito comuns na população em geral, com estimativas de prevalência variando entre 10 e 45%.(2,3) Porém, uma causa orgânica é encontrada em uma minoria de pacientes que se predispõem a ir ao médico; os remanescentes, entretanto, são marcados como tendo dispepsia funcional.(4,5) Mesmo com esta elevada prevalência, ainda há pouca clareza em relação à possibilidade de diferenças entre os sintomas da dispepsia ulcerosa e não ulcerosa, tendo esta última diagnóstico firmado por eliminação das demais causas.

A dispepsia pode ser dividida em duas categorias principais: orgânica, quando há presença de uma doença subjacente como provável causa do desconforto, podendo ter como uma das cau-sas principais a úlcera péptica; e funcional (não ulcerosa), quan-do não há a verificação de nenhuma anomalia orgânica e não se observa uma causa óbvia para os sintomas.(6)

Sobre a dispepsia não ulcerosa (DNU), alguns autores a defi-nem com sintomas de plenitude pós-prandial, saciedade precoce e dor ou queimação epigástrica, sem nenhuma doença orgânica associada. Podendo ainda coexistir com distúrbios gastrintesti-nais, como o refluxo gastresofágico e a síndrome do intestino irritável.(6,7)

Por outro lado, a dispepsia ulcerosa não complicada pode ca-racterizar-se pela dor epigástrica incapacitante ou não, ocorren-do periodicamente, e que pode apresentar alívio com a ingestão de alimentos. A literatura destaca como as principais manifesta-ções em pacientes com úlcera gástrica a dor intensa, a anorexia e a perda de peso mais acentuada.(8)

A despeito da variedade de sinais e sintomas descritos na li-teratura, que poderiam diferenciar a dispepsia ulcerosa da não ulcerosa, a literatura carece de evidências e informações da acu-rácia destes sinais e sintomas, para o correto diagnóstico destas entidades.

A presente pesquisa objetivou determinar se as característi-cas da dor epigástrica são capazes de identificar pacientes porta-dores de doença ulcerosa péptica (DUP).

MÉTODOS

Foi realizado um estudo do tipo caso-controle, com coleta de dados no período de setembro de 2014 a junho de 2016, para identificar se as características da dor epigástrica podem dife-renciar a DUP de outras doenças não ulcerosas causadoras de dispepsia.

Foram incluídos no estudo apenas pacientes com sintomas dispépticos que realizaram endoscopia digestiva alta (EDA), em regime ambulatorial, em um hospital universitário, referência no tratamento de doenças do trato digestivo e maiores de 18 anos. Todos que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospi-tal (número: 860.871; CAAE: 34405314.2.0000.0017), os pa-cientes foram abordados antes da realização do exame de EDA, verificando, em suas guias de encaminhamento, a presença de sintomas de dispepsia. Aqueles pacientes que preencheram os critérios de inclusão, após serem orientados sobre os objetivos, os riscos e os benefícios do presente estudo, foram convidados a participar do estudo e dar seu consentimento por meio da assinatura do TCLE.

A seguir, foram convidados a responder o questionário elabo-rado pelos autores da pesquisa. Trata-se de um questionário es-truturado e fechado, com perguntas sobre o perfil socioeconô-mico do paciente (idade, sexo, naturalidade e renda familiar), sobre as características da dor (tipo, intensidade e relação com ali mentação), a presença de outros sintomas, e a presença de his-tórico familiar.

Posteriormente, o prontuário de cada entrevistado foi avalia-do para verificação da conclusão diagnóstica do médico assistente sobre o quadro dispéptico, sendo os pacientes divididos em dois grupos: Grupo DUP (casos), composto por 32 pacientes com sintomas dispépticos atribuídos à DUP confirmada por EDA; e Grupo Controle, composto por 44 pacientes com sintomas dis-pépticos atribuídos a outras causas, tendo sido excluída a possi-bilidade de DUP pela EDA.

Os grupos foram comparados com relação às diferentes ca-racterísticas da dor epigástrica.

Análise de dados

Os dados recolhidos foram organizados e analisados em pla-nilhas do Microsoft Excel 2007. Para avaliar o risco de DUP, foram aplicados métodos estatísticos descritivos e infe renciais. As variáveis qualitativas foram apresentadas por distribuições de frequências absolutas e relativas, enquanto as quan titativas, por medidas de tendência central e de variação, com a nor-malidade avaliada pelo teste de D’Agostino-Pearson. A análise inferencial teve a finalidade de comparar a distribuição das variá-veis preditivas entre os Grupos DUP e Controle. A análise bi-variada foi realizada pelo teste qui-quadrado e pelo teste G de Williams. As variáveis estatisticamente significantes na análise bivariada (p<0,05) foram submetidas a um modelo de regres-são logística.(9) Todo o processamento estatístico foi realizado no software BioEstat versão 5.4.

Por meio da análise dos dados, foram determinadas a razão de probabilidade (likelihood ratio − LR), a sensibilidade, a espe-ci ficidade e os valores preditivos de cada característica da dor

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Albuquerque LC, Pereira AB, Caldas CA

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epigástrica e cada fator secundário associado para o diagnóstico de DUP. A tabulação dos dados permitiu a obtenção de carac-terísticas positivas e negativas associadas à dispepsia, que se rela-cionam com a DUP.

RESULTADOS

O presente estudo avaliou dados de 76 pacientes com sin-tomas dispépticos que realizaram EDA em um hospital univer-sitário. Quanto as características gerais da amostra analisada, não houve diferença com relação à distribuição dos sexos entre os grupos, com 56,3% de mulheres no Grupo DUP e 54,5% de mulheres no Grupo Controle (p=0,9314). Os pacientes em análise apresentaram idade entre 28 e 76 anos, com média de 51±13,5 anos. No sexo masculino, a idade foi de 47±14 anos e, no feminino, 50±13 (p=0,3336).

Dentre as DNU observadas na EDA, a mais frequente foi a gastrite enantematosa, sendo o diagnóstico de 68% dos pacientes deste grupo, seguida da atrofia de mucosa gástrica (12%), pólipos (11%), varizes de fundo gástrico (7%) e hérnia hiatal (2%).

Em relação as características da dor epigástrica apresentadas pelos pacientes, eles puderam referir mais de uma característica (Tabela 1). Observa-se diferença estatisticamente considerável em dor noturna, predominando na DUP (p=0,0321) e dor em cólica, no grupo controle (p=0,0457).

Na tabela 1, observa-se também a intensidade da dor refe-rida pelo paciente dividida em três parâmetros: leve, moderada e intensa. Predominou a intensidade moderada (47,72%) tanto no grupo controle quanto na DUP (53,12%), sem diferença estatística.

Quanto à relação com a alimentação, se pós-prandial a dor melhora, piora ou não há relação, houve predomínio de piora com a alimentação em ambos os grupos, mas também sem diferença estatística significativa.

Os demais sintomas da dispepsia poderiam estar associados entre eles, com o paciente podendo referir mais de um (Tabela 2). Nos pacientes com DUP, as manifestações clínicas mais associa-das à dispepsia foram náuseas e dor/desconforto pós-prandial, acometendo 53,12% e 40,62%, respectivamente, destes pa-cientes. Entre os pacientes do grupo controle, também houve predomínio de náuseas (45,45%). Houve diferença estatística significativa em relação à disfagia predominando na DNU.

Foi questionado a respeito de episódios de dispepsia na fa-mília, considerando apenas parentes de primeiro grau. A tabela 3 mostra estas relações na DUP e na DNU. Ressalta-se predomínio de histórico familiar positivo na DUP (81,3%), com diferença estatística significativa entre os grupos. Também foi realizada pesquisa de Helicobacter pylori durante as EDA, mas não foi rea-lizada na maioria dos pacientes de ambos os grupos.

Tabela 1. Características e aspectos da dor epigástrica

CaracterísticaDUP Controle

Valor de p OR IC95%n % n %

Dor em queimação 0,8735 1,0348 0,41-2,57Presente 17 53,1 23 52,3Ausente 15 46,9 21 47,7

Dor irradiada 0,8436 1,2491 0,47-3,31Presente 11 34,4 13 29,5Ausente 21 65,6 31 70,5

Dor noturna 0,0321* 3,6001 1,17-11,05Presente 12 37,5 6 13,6Ausente 20 62,5 38 86,4

Dor em cólica 0,0457† 0,6801 0,04-1,11Presente 2 6,3 10 22,7Ausente 30 93,8 34 77,3

Indefinida 0,5771 0,6552 0,15-2,84Presente 3 9,4 6 13,6Ausente 29 90,6 38 86,4

IntensidadeLeve 7 21,9 19 43,2 0,0628 0,3684 0,13-1,03Moderada 17 53,1 21 47,7Intensa 8 25,0 4 9,1

Relação com alimentaçãoMelhora 2 6,3 8 18,2 0,2898 0,3001 0,05-1,52Piora 16 50,0 21 47,7Ausente 14 43,8 15 34,1

*Qui-quadrado para amostras independentes; † teste G de Williams. DUP: doença ulcerosa péptica; OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança.

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Doença ulcerosa péptica e dor epigástrica

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Tabela 3. Histórico familiar de dispepsia e pesquisa de Helicobacter pylori

HistóricoDUP Controle

Valor de p OR IC95%n % n %

História familiar 0,0063* 4,7460 1,62-13,79Presente 26 81,3 21 47,7Ausente 6 18,8 23 52,3  

Helicobacter pylori 0,6641 0,6500 0,11-3,87Positivo 2 6,3 5 11,4Negativo 2 6,3 4 9,1Não realizado 28 87,5 35 79,5  

*Qui-quadrado para amostras independentes. DUP: doença ulcerosa péptica; OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança.

Tabela 2. Sintomas associados à dispepsia

SintomaDUP Controle

Valor de p OR IC95%n % n %

Nenhum   0,7586 1,4000 --Sim 2 6,3 2 4,5Não 30 93,8 42 95,5

Diminuição do apetite 0,8531 0,6552 0,15-2,84Presente 3 9,4 6 13,6Ausente 29 90,6 38 86,4

Hemorragia 0,7775 0,2043 0,02-1,78Presente 1 3,1 2 4,5Ausente 31 96,9 42 95,5

Disfagia 0,0357* 0,1452 0,01-1,22Presente 1 3,1 8 18,2Ausente 31 96,9 36 81,8

Perda de peso involuntária         0,9871 1,2198 0,36-4,05Presente 6 18,8 7 15,9Ausente 26 81,3 37 84,1

Vômitos         0,4209 1,7677 0,62-5,03Presente 10 31,3 9 20,5Ausente 22 68,8 35 79,5

Náuseas         0,6686 1,3600 0,54 a 3,39Presente 17 53,1 20 45,5Ausente 15 46,9 24 54,5

Dor pós-prandial         0,2518 2,0400 0,74-5,57Presente 12 37,5 10 22,7Ausente 20 62,5 34 77,3

Saciedade precoce         0,1966 4,4483 0,44-44,8Presente 3 9,4 1 2,3Ausente 29 90,6 43 97,7Anemia         0,0761 0,2593 0,05-1,29Presente 2 6,3 9 20,5Ausente 30 93,8 35 79,5  

*Teste G de Williams. DUP: doença ulcerosa péptica; OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança.

O modelo multivariado de regressão logística foi altamente significante (p<0,0001) quando composto pelas seguintes variá-veis: dor noturna, cólica, disfagia e histórico familiar (Tabela 4).

Na figura 1, é possível observar que há maior probabilida-de da ocorrência de DUP quando associados histórico familiar positivo com dor noturna, com probabilidade de ocorrência

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Albuquerque LC, Pereira AB, Caldas CA

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de 85,4%. Em contrapartida, quando há associação de disfagia com dor em cólica, a ocorrência de DUP é mínima, com pro-babilidade de 0,6%.

Na tabela 5, destacam-se as principais variáveis preditoras, sendo importante destacar a relação direta da dor caracteristica-mente noturna e do histórico familiar positivo na DUP, tendo acurácias de 65,8% e 64,7%, respectivamente. Já a presença de dor em cólica e a disfagia possuem relação inversa com a DUP, com acurácias de 47,3% e 48,7%, respectivamente.

DISCUSSÃO

Este estudo demonstra que, na amostra analisada, caracte-rísticas semiológicas frequentemente ensinadas nas escolas mé-dicas, na intenção de diferenciar DUP e outras patologias do trato digestivo, como o alívio da epigastralgia com a ingestão de alimentos, não são suficientes para esta discriminação, enquanto que, outras características, como dor noturna, foram mais rele-vantes. Além disto, este estudo inova ao apresentar um modelo de predição diagnóstica de DUP com base em características clínicas.

A avaliação inicial do paciente com dispepsia, assim como qualquer outra avaliação clínica, começa com a história comple-ta seguida de exame físico. Os questionamentos precisam per-passar pelos “sinais de alarme”, que poderiam indicar a maior probabilidade de doença orgânica, distinguindo da dispepsia funcional, destacando-se a perda de peso inexplicada, vômitos recorrentes e disfagia progressiva.(6,10) Recomenda-se indicar a realização de EDA para todos estes pacientes que possuem al-gum sinal de alarme,(11) ou a todos aqueles com mais de 50 anos, independente de sintomas.(1)

Alguns estudos(12,13) convergentes com o presente mostram que os sintomas do paciente com úlcera péptica não são distin-guíveis dos de paciente com dispepsia funcional. Porém, nestes estudos, foram identificados, como dados clínicos com maior poder discriminativo para diferenciar pacientes sintomáticos com e sem úlcera, os seguintes achados: localização epigástrica da dor, relação da dor com alimentação, vômitos, dor noturna (ao ponto de acordar o paciente durante a noite), sabor amargo na boca, queimação retroesternal, hemorragia digestiva alta e antecedentes familiares.(14)

Embora os resultados deste estudo não apresentem variável com adequado perfil de sensibilidade e especificidade, isolada-mente, para diferenciar DUP de DNU, a combinação de dor noturna e histórico familiar de dispepsia em parentes de pri-meiro grau, especialmente na ausência de disfagia e dor em có-lica, eleva a probabilidade do diagnóstico de DUP para 85,4%, indicando que estes achados poderiam ser inseridos dentre os tradicionais sinais de alerta para dispepsia.

A análise da acurácia dos achados clínicos para diagnóstico de determinadas doenças vem sendo estudada em outras situa-ções, como pneumonias e trombose venosa, mas, até este mo-mento, o presente estudo é o que mais se aprofundou no tema para diagnóstico de DUP.

Com relação à pneumonia adquirida na comunidade (PAC), embora a história e o exame físico sejam essenciais para seu diag-nóstico, nenhum dos sinais e sintomas é suficiente para o diag-nóstico de PAC.(15) Por outro lado, a combinação de sinais e sin-tomas aumenta a chance de predição.(15,16) No estudo de Diehr et al.,(16) a combinação de pontuações atribuídas a diversos sinais e sintomas [rinorreia (-2), dor de garganta (-1), sudorese notur-na (+1), mialgia (+1), escarro por todo o dia (+1), frequência respiratória >25 incursões/minuto (+2) e temperatura ≥100º F (37,8ºC) (+2)] pôde determinar LR positiva de 14,0, quando o total de pontos resultar em 3.(16)

De maneira semelhante, Metlay et al.(17) revisaram a lite-ratura em busca de características clínicas ou laboratoriais que pudessem predizer o diagnóstico de pneumonia, evidenciando que, isoladamente, achados que comumente podem estar re-lacionados a PAC, como estertores e febre, apresentavam LR positiva de apenas 1,6-2,7 e 1,7-2,1, mas a associação de tosse, febre, taquicardia e estertores, em um cenário de prevalência de pneumonia de 10%, determina probabilidade de pneumonia de 32% até 60%. Mesmo assim, considera-se a insuficiência de da-dos para assegurar o diagnóstico de PAC apenas por achados de história e exame físico, sendo recomendada, por orientação de organizações de especialistas, a realização de radiografia de tórax em todos os pacientes com suspeita de PAC.

Tabela 4. Regressão logística com quatro variáveis preditoras e a variável dependente doença ulcerosa péptica (DUP)Variável preditora DUP Controle OR IC95% Valor de pDor noturna 37,5 13,6 3,68 0,97-14,5 0,0564*Cólica 6,3 33,7 0,17 0,03-0,98 0,0474*Disfagia 3,1 18,2 0,15 0,02-1,52 0,1107Histórico familiar 81,3 47,7 6,79 2,11-21,95 0,0014**p<0,0001, regressão logística, qui-quadrado=24,5; graus de liberdade=4. OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança.

Figura 1. Probabilidade (%) de doença ulcerosa péptica resul-tante da aplicação do modelo multivariado de regressão logística.

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Doença ulcerosa péptica e dor epigástrica

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Por outro lado, no caso da trombose venosa profunda (TVP), achados isolados que não eram suficientes para uma decisão de investigação diagnóstica foram substituídos pela combinação de achados de história e exame físico, conhecido como escore de Wells, capaz de determinar a conduta nos pacientes com suspeita de TVP. Por meio do escore de Wells, a probabilidade de TVP pode ser classificada como baixa, moderada e alta, determinando os passos seguintes em um fluxograma de investigação.(18)

Uma limitação evidente deste estudo foi o tamanho da amostra analisada, que poderia contribuir para a não identifica-ção de diferenças entre os Grupos DUP e Controle, mas algu-mas variáveis demonstraram diferenças marcantes entre os gru-pos, propiciando análise multivariada confiável e valorizando os resultados encontrados.

CONCLUSÃO

A dispepsia relacionada à doença ulcerosa péptica relaciona--se, principalmente, à piora noturna, sendo que a intensidade da dor, a relação com alimentação e os sintomas associados não auxiliaram na diferenciação da dispepsia não ulcerosa, diferen-temente do que a literatura tradicionalmente informa. Acessar as características preditivas de sinais e sintomas para a melhor condução na tomada de decisão na prática clínica é de suma importância para evitar exames e custos desnecessários, além de inconvenientes aos pacientes, sendo este um campo de pesquisa que precisa ser desenvolvido.

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Tabela 5. Valores preditivos elaborados com base na presença e na ausência das variáveis preditoras

Valores preditivosVariáveis preditoras

Dor noturna Cólica Disfagia Histórico familiarRisco (DUP vs. controle) Direto Inverso Inverso DiretoSensibilidade 37,5 6,25 3,13 81,3Especificidade 86,4 77,3 81,8 52,3Falso-positivo 13,6 22,7 18,2 47,7Falso-negativo 62,5 93,7 96,8 18,7VPP 66,7 16,7 11,1 55,3VPN 65,5 53,2 53,7 79,3Acurácia 65,8 47,3 48,7 64,7+LR 2,72 0,28 0,17 1,71-LR 0,72 1,21 1,18 0,36DUP: doença ulcerosa péptica; VPP: valor preditivo positivo; VPN: valor preditivo negativo; +LR: razão de probabilidade (likelihood ratio) positiva; − LR: razão de probabilidade (likelihood ratio) negativa.

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ARTIGO ORIGINAL

Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):146-51

Comunicação de más notícias: percepção de médicos e pacientesGiving bad news: perception of physicians and patients

Sarah Santana Diniz1, Alex André Ferreira Queiroz2, Carla Virgínia Vieira Rollemberg1, Déborah Pimentel2

Recebido da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.

1. Universidade Tiradentes, Aracaju, SE, Brasil. 2. Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.

Data de submissão: 31/12/2017 − Data de aceite: 05/01/2018Conflito de interesses: não há.Fontes de fomento: não há.

Autor correspondente:Sarah Santana Diniz Avenida Beira Mar, 1.564 − FarolândiaCEP: 49032-000 – Aracaju, SE, BrasilTel.: (79) 99890-7109 / (79) 99100-0730E-mail: [email protected]

Aprovação pelo comitê de ética em pesquisa: Universidade Federal de Sergipe, sob no 27344214.7.0000.5546.

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Comparar a percepção de médicos e pacientes so-bre a comunicação de más notícias. MÉTODOS: Trata-se de um recorte de duas pesquisas simultâneas e complementares, quantitativas, descritivas, exploratórias e transversais, com co-leta de dados primários. RESULTADOS: Dentre os médicos, 71,4% relataram não ter dificuldade para transmitir más notí-cias; 98% explicavam as consequências e limitações da doença; 99% informavam as complicações e efeitos adversos do trata-mento; 100% acreditavam transmitir confiança e 97% valoriza-vam a opinião do paciente. Por sua vez, 14,6% dos pacientes já receberam uma má notícia, e, para 16,7% deles, o médico não deu explicações sobre a doença; 15,2% não foram informados sobre consequências do tratamento; 12,1% não confiaram no médico e, para 36,4%, o médico não estava preocupado com sua opinião. Em relação aos médicos, 28% comunicavam cinco a dez más notícias por mês; 31% apontavam que conversar so-bre início de tratamento paliativo é a tarefa mais complicada; para 43%, ser honesto sem acabar com esperanças era o mais difícil em discutir más notícias. Quanto à sua habilidade de transmiti-las, 54,5% a classificavam como boa, apesar de 62,2% não possuírem curso formal/treinamento específico; 61,2% dos médicos não se sentiam muito confortáveis ao lidar com as emo-ções dos pacientes, e 54,5% também não tiveram treinamento para lidar com este tipo de situação. CONCLUSÃO: Médicos e pacientes têm percepções diferentes sobre a comunicação de más notícias: os profissionais julgam fazê-la da melhor forma, enquanto os pacientes percebem as deficiências do médico e so-frem suas consequências.

Descritores: Percepção; Comunicação em saúde; Relações médico-paciente; Satisfação do paciente; Revelação da verdade/ética; Atitude do pessoal de saúde; Médicos/psicologia

ABSTRACT

OBJECTIVE: To compare physicians’ and patients’ perceptions of bad news delivery. METHODS: This study is a result of two simultaneous and complementary surveys, both of them quantitative, descriptive, exploratory and cross-sectional, performed with primary data collection. RESULTS: Amongst physicians, 71,4% reported no difficulties when delivering bad news; 98% of them explained the consequences and limitations of the disease to their patients; 99% of them informed the treatment complications and adverse effects; 100% of them believed that they conveyed trust, and 97% said they took patients’ opinions into account. On the other hand, 14,6% of the patients interviewed had received bad news before and, for 16,7% of those, the physician in charge gave no explanations on the medical condition; 15,2% of the patients were not informed of the consequences of the treatment; 12,1% of them did not trust the physician and, for 36,4% of them, the clinician did not show much interest in their opinion. Regarding the physicians, 28% of them gave bad news 5 to ten times a month; 31% pointed out that talking to patients about palliative care is the most complicated task; for 43%, to be honest without taking patients’ hope is the most difficult aspect of bad news delivery. With regards to their own ability to give the news, 54,5% rated it as good, although 62,2% of them did not have any specific training nor took any formal course; 61,2% of the physicians do not feel comfortable when dealing with patients’ emotions, and 54,5% did not have training to cope with this type of situation either. CONCLUSION: Physicians and patients have different perceptions of bad news delivery: professionals believe to be doing it properly, whereas patients perceive physicians’ deficiencies and suffer their consequences.

Keywords: Perception; Health communication; Physician-patient relations; patient satisfaction; Truth disclosure/ethics; Attitude of health personnel; Physicians/psychology

INTRODUÇÃO

Má notícia é toda informação que influencia na perspecti-va do paciente acerca de seu futuro.(1-4) Embora a transmissão destas notícias seja rotina para médicos, estes nem sempre são adequadamente treinados para exercer tal tarefa, de forma que

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Comunicação de más notícias

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temem intensificar o sofrimento dos pacientes e de seus fami-liares, bem como têm dificuldades em lidar com suas próprias emoções e com as do paciente.(2,4-6) Por sua vez, para aqueles que a recebem, a forma como se dá a comunicação da má notícia tem impacto na relação médico-paciente, e interfere no enfreta-mento dessa situação.(3,6,7)

Nesse contexto, a comunicação bem estabelecida entre mé-dico e paciente é fundamental, e traz benefícios para ambos. Permite satisfação do paciente com o atendimento, partici-pação na decisão clínica e consequente melhor adesão tera-pêutica. Para o médico, promove realização profissional, re-conhecimento dos cuidados fornecidos e reduz conflitos com pacientes e familiares.(3,8-10)

Para tanto, é necessário sedimentar uma relação harmonio-sa, segura, transparente e de confiança entre as partes, e o pro-fissional deve demonstrar atenção e comprometimento com o paciente, já que este espera que suas demandas sejam acolhidas e, muitas vezes, delega ao médico o gerenciamento de seus pro-blemas de saúde.(4,11-13)

Entretanto, apesar do reconhecimento de que habilidades de comunicação são fundamentais para a relação médico-paciente, a adequada transmissão de más notícias nem sempre é uma realidade nos serviços de saúde.(2,14,15) Ao invés disso, observam--se conversas econômicas, agravadas por medo e insegurança, que não satisfazem as necessidades do paciente e de seus fami-liares, não atingem suas expectativas e não elucidam dúvidas.(7,16)

O presente artigo objetivou comparar a percepção de médicos e pacientes a respeito da comunicação de más notícias.

MÉTODOS

Trata-se de um recorte de duas pesquisas simultâneas e com-plementares, com coleta de dados primários, de metodologia quantitativa, descritiva, exploratória, e de corte transversal, rea-li zadas durante o ano de 2016, em Aracaju (SE). Este pro-jeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Se-res Vivos da Universidade Federal de Sergipe, sob número 27344214.7.0000.5546, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para o primeiro estudo, foram selecionados pacientes maiores de 18 anos, abordados em instituições de saúde públicas e pri-vadas, sendo a amostra casual simples, para população infinita (maior que 100 mil)(17) e levando em consideração população urbana de aproximadamente 570 mil habitantes.(18) Foi estabe-lecido, para efeito de cálculo, que ao menos 10% dos pacientes reconhecem os médicos como habilidosos na comunicação de más notícias. Com nível de confiança de 95% e ainda com erro máximo permitido de 6%, foi obtida amostra ideal mínima de cem pacientes para esta pesquisa. Entretanto, os pesquisadores decidiram elevar esta amostra para 200 questionários.

O segundo estudo, realizado com médicos, teve como base uma população de 3.382 profissionais em Sergipe,(19) (portanto, finita),(17) e estes foram abordados em eventos científicos e em es-tabelecimentos de saúde. Com nível de confiança de 95%, erro amostral máximo de 6% e com hipótese de que ao menos 10% dos médicos sentem-se seguros e confiantes na comunicação de

más notícias, a amostra ideal encontrada foi de 97 médicos, mas foram aplicados 100 questionários.

Como instrumento de coleta de dados, foram construídos dois questionários complementares e correspondentes, autoapli-cáveis, de fácil e rápido preenchimento (aproximadamente 5 mi nutos). O questionário dirigido aos pacientes foi composto por sete perguntas sobre perfil sociodemográfico e 50 questões referentes à relação e à comunicação médico-paciente. Aquele direcionado aos médicos foi constituído por 9 quesitos sociode-mográficos e 58 questões relativas a esta relação/comunicação. Os questionários foram elaborados pelos autores do presente artigo, tendo sido também utilizadas questões validadas em outro estudo.(1) Para efeito do presente recorte, foram considerados apenas os itens que diziam respeito à percepção de médicos e pacientes acerca da transmissão de más notícias.

Em relação à análise de dados, as variáveis categóricas foram descritas por meio de frequência simples e porcentual; já as variá-veis contínuas ou ordinais, por meio de média e desvio padrão. Para correlacionar os resultados dos dois estudos, foram utiliza-dos o teste Exato de Fisher para variáveis categóricas; análise de variância (Anova) nas diferenças de média; e correlação de Pearson para variáveis contínuas ou ordinais. O nível de significância utilizado foi de 5% e o R Core Team 2016 foi o software adotado.

RESULTADOS

Foram entrevistados 200 pacientes, sendo 71,5% do sexo fe minino, com idade média de 34,9 anos (±14,3), e 50% eram solteiros. Em relação à escolaridade, 26,4% possuíam Ensino Fundamental; 21,9%, Ensino Médio; e 41,7%, Ensino Supe-rior. A maioria dos pacientes abordados (45%) foi atendida em serviços públicos, seguida de 42,5% atendidos em consultas de convênios, e apenas 12,5% em consultas particulares.

Além dos pacientes, foram questionados cem médicos, sen-do 51% do sexo masculino, 76% casados e com idade média de 43,4 anos (±9,7). O tempo médio desde a graduação foi de 17,6 anos (±9,3), e a maior parte possuía Pós-Graduação (88,8%). A maioria dos médicos trabalhava com convênios/cooperativas (75%) e em serviços públicos (69,7% em hospitais públicos, 27,3% em hospital universitário e 14,1% em Unidades de Saú-de da Família); 53,5% atendiam em hospitais privados, 70,7% em consultório e 18,2% em hospital beneficente.

As tabelas 1, 2 e 3 sintetizam os resultados encontrados nas pesquisas.

DISCUSSÃO

A comunicação de más notícias constitui uma dificuldade nos serviços de saúde. De um lado, ela pode repercutir negati va-mente na vida daquele que a recebe; do outro, pode ser sinô-nimo de fracasso para o profissional de saúde que tenha que transmiti-la, já que nem sempre é possível curar.(2-4,8,14,15)

Neste estudo, 14,6% dos pacientes já tinham recebido o diag-nóstico de uma doença grave. Por sua vez, apenas 4% dos médi-cos entrevistados disseram não dar más notícias frequente mente. Em outros estudos, apenas 2,6% dos profissionais informaram

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Diniz SS, Queiroz AF, Rollemberg CV, Pimentel D

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93% deles já relataram o desejo de receber esclarecimentos acerca do diagnóstico e prognóstico de suas doenças, 91% de-sejam conhecer os resultados dos exames diagnósticos e mais de 92% esperam que o médico discuta tais resultados.(22)

Alinhados aos princípios acima, 98% dos médicos partici-pantes do presente estudo afirmaram que explicam as possíveis consequências e limitações da doença aos seus pacientes, bem como 99% deles relataram que dão informações sobre os trata-mentos. Estes resultados assinalam que os médicos acreditam na boa qualidade das consultas que realizam.(23) Entretanto, 16,7%

Tabela 1. Percepção de pacientes acerca da transmissão de más notíciasQuestão %Você já recebeu uma má notícia (doença grave ou incurável, por exemplo)?

Sim 14,6Não 85,4

Se sim, neste momento, tinha algum acompanhante com você?

Sim 57,1Não 42,9

Se não, o médico pediu para chamar um acompanhante?Sim 0,0Não 100

Você já presenciou a comunicação de uma má notícia?Sim 29,2Não 70,8

O médico passou confiança no momento do diagnóstico?Sim 87,9Não 12,1

O médico foi objetivo quando deu o diagnóstico?Sim 92,4Não 7,6

Em caso de diagnóstico de doença, o médico explicou as possíveis consequências e limitações?

Sim 83,3Não 16,7

Em caso de diagnóstico de doença, o médico explicou as consequências do tratamento?

Sim 84,8Não 15,2

O médico estava interessado em saber a opinião do paciente?Sim 63,6Não 36,4

O médico soube lidar com a reação do paciente?Sim 80Não 20

Quanto tempo durou sua consulta?Até 5 minutos 6,3Entre 5 e 10 minutos 12,0Entre 10 e 15 minutos 28,3Entre 15 e 20 minutos 18,8Entre 20 e 25 minutos 8,4Entre 25 e 30 minutos 10,5Mais de 30 minutos 12,6Outros 3,1Ausente 4,5

que só “raramente” comunicam notícias difíceis;(20) e 75,5% o fa-zem frequentemente.(21)

Em relação ao conteúdo, os pacientes esperam receber in-formações verdadeiras e completas do médico(3,20), de forma que

Tabela 2. Percepção de médicos acerca da transmissão de más notíciasQuestão %Você costuma dar más notícias (diagnóstico de doença grave ou incurável, morte)?

Sim, diretamente ao paciente sem acompanhante 39,0Sim, diretamente ao paciente com acompanhante 78,0Sim, diretamente ao acompanhante sem o paciente 24,0Não 4,0

Você costuma ser objetivo e direto ao comunicar más notícias ou o faz de forma fragmentada e indireta?

Objetivo e direto 68,0Fragmentada e indireta 35,0

Você tem alguma dificuldade em transmitir más notícias aos pacientes?

Sim 28,6Não 71,4

Você explica as possíveis consequências ou limitações da doença de seu paciente?

Sim 98,0Não 2,0

Você explica a seu paciente as possíveis complicações e efeitos adversos do tratamento?

Sim 99,0Não 1,0

Você dá autonomia ao seu paciente sobre opções de escolha terapêutica ou você decide sozinho qual a melhor conduta?

Dou autonomia 40,4Decido sozinho 5,1Depende da situação 54,5

Você acha importante a opinião de seu paciente a respeito dos procedimentos/condução do tratamento?

Sim 97,0Não 3,0

Você acha que transmite confiança ao paciente?Sim 100,0Não 0,0

Você sabe lidar com a reação do seu paciente diante de uma má notícia?

Sim 63,0Não 2,0Depende da situação 35,0

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Comunicação de más notícias

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dos pacientes negaram ter recebido esclarecimentos sobre o diag-nóstico e o prognóstico de suas doenças, e 15,2% não foram in-formados das consequências dos tratamentos.

Quanto à forma como a má notícia é transmitida, 68% dos médicos deste estudo afirmaram ser objetivos e diretos, o que foi confirmado pela percepção dos pacientes de que apenas 7,6% dos médicos transmitiram a informação de modo fragmentado e indireto. Em outra pesquisa, por sua vez, 41,8% dos médicos disseram comunicar a verdade de forma completa e de uma só vez, enquanto 28,6% o fazem de forma paulatina, de acordo com o que o paciente e seus familiares querem saber, enquanto 8,2% assumiram evitar dizer a verdade.(21) Nesta mesma pes-quisa, 95,9% dos profissionais relataram usar linguagem clara, compreensiva e sem uso de termos técnicos para comunicar más notícias.(21)

Com o intuito de minimizar os danos àqueles que recebem à má notícia, o médico não deve ter pressa de contar todas as informações de uma única vez. Pelo contrário, é preciso que te-nha a sensibilidade necessária para saber avaliar a quantidade de informação que o paciente consegue assimilar de cada vez, bem como perceber o tempo oportuno e a necessidade de chamar um familiar do paciente para participar da conversa.(3,8) Apesar dis-so, neste estudo, dos pacientes que já receberam o diagnóstico de uma doença grave, 42,9% estavam sozinhos nesse momento e não houve, por parte do médico, interesse em convidar um acompanhante. Estes resultados se assemelham a outra pesquisa, em que 45,58% dos pacientes também estavam sozinhos quando receberem uma má notícia.(3)

Além disso, ao procurarem os serviços médicos, os pacien-tes desejam ser acolhidos em suas demandas, sem preocupação com o tempo da consulta.(11,24) Entretanto, na percepção dos pacientes deste estudo, 28,3% dos atendimentos durou entre 10 e 15 minutos, o que certamente não é tempo suficiente para que os pacientes sejam adequadamente informados e possam tirar suas dúvidas.

Outro aspecto que merece atenção é que o trabalho do mé-dico é baseado em uma relação de confiança, que, por sua vez, é critério de escolha do profissional. O estabelecimento destas re lações e o acompanhamento a longo prazo determinam o vín-culo, que se reflete em maior grau de satisfação dos pacientes.(25) Neste sentido, nesta pesquisa, apesar de 100% dos médicos acreditarem que transmitem confiança, 12,1% dos pacientes não confiaram nos profissionais, o que pode impactar na adesão às terapêuticas propostas.

É importante destacar, ainda, que o paciente, em todas as circunstâncias do seu tratamento, deve ter o direito de exercer sua autonomia, isto é, deve estar ciente do que acontece com ele e ser livre para escolher a quais procedimentos e tratamentos se submeter.(4-6,20,26) Neste trabalho, para 97% dos médicos, a opi-nião dos pacientes a respeito da condução dos seus problemas de saúde é importante. Contudo, 36,4% dos pacientes entrevis-tados não perceberam que o médico estava preocupado com a opinião deles. Nesse aspecto, ainda que apenas 5,1% dos médi-cos do presente estudo tenham assumido que decidem sozinhos sobre a condução dos problemas de saúde dos pacientes, 54,5% dos que respeitam a autonomia o fazem apenas a depender da si-

Tabela 3. Questões validadas e aplicadas aos médicos sobre a transmissão de más notícias

Questão %

Em um mês comum, com que frequência você tem de dar más notícias a um paciente (por exemplo, diagnóstico, recorrência, doença progressiva, etc.)?

%

Menos de 5 vezes 57,05-10 vezes 28,010-20 vezes 11,0Mais de 20 vezes 4,0

Qual a tarefa que você acha mais difícil?Discutir diagnóstico 12,5Contar ao paciente a respeito de recorrência 17,7Conversar sobre o fim de tratamento ativo e começar tratamento paliativo 32,3

Discutir questões sobre o fim da vida (por exemplo, não fazer reanimação) 20,8

Tarefas que envolvam a família ou amigos do paciente 25,0Você fez algum curso ou treinamento específico para dar más notícias?

Curso formal 13,3Acompanhou clínicos durante conversas para dar más notícias a pacientes 26,5

Nenhuma das opções anteriores 62,2Como você classificaria sua própria habilidade de dar más notícias?

Muito boa 6,1Boa 54,5Razoável 37,4Ruim 2,0

Em sua opinião, qual a parte mais difícil em discutir más notícias?

Ser honesto, mas sem acabar com as esperanças 44,3Lidar com as emoções do paciente (por exemplo, choro, raiva) 34,4

Demorar a quantidade de tempo correta 1,0Envolvimento de amigos e da família do paciente 16,7Envolver o paciente ou a família no processo de tomada de decisões 12,5

Você teve algum tipo de treinamento sobre técnicas para lidar com as emoções do paciente?

Curso formal 8,1Acompanhou clínicos na prática 26,3Ambos 11,1Nenhuma das opções anteriores 54,5

Como você classificaria o seu próprio conforto em lidar com emoções do paciente (por exemplo, choro, raiva, negação etc.)?

Bastante confortável 22,4Não muito confortável 61,2Desconfortável 16,3

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Diniz SS, Queiroz AF, Rollemberg CV, Pimentel D

150 Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):146-51

tuação, o que abre espaço para posturas autoritárias do profissional e insatisfação dos pacientes.(6,20)

É preciso ressaltar que embora 96% dos médicos entrevis-tados tenham relatado que comunicam más notícias frequen-temente e que apenas 6,1% deles classifiquem sua própria ha-bilidade para transmitir estas informações como boa, 62,2% deles não tiveram qualquer tipo de treinamento para realizar tal tarefa. Em outra análise, por sua vez, 61,2% dos médicos re lataram ter aprendido a comunicar más notícias observando outros profissionais, enquanto 47,9% relataram ter aprendido por método de tentativa e erro, e apenas 24,5% tiveram forma-ção específica.(21)

Possivelmente devido a esta falta de preparo, 20% dos pa-cientes entrevistados classificaram a forma como receberam uma má notícia ruim ou péssima;(3) enquanto em outro estudo, 21,5% dos entrevistados julgaram como apenas parcialmente adequada ou inadequada a forma como receberam o comunicado de óbito de um familiar.(27)

Nesse contexto, é preciso reconhecer que comunicar más notícias não é uma tarefa fácil para os médicos, uma vez que eles se deparam com sua frustração pela impossibilidade de salvar a vida de todos os pacientes, bem como são postos diante de seus próprios medos em relação à morte.(14) Nesta perspectiva, para 32,3% dos médicos entrevistados neste estudo, a tarefa mais di-fícil é conversar sobre o fim do tratamento ativo e começar o tratamento paliativo, seguida por 20,8% dos médicos que con-sideram discutir questões sobre o fim da vida o trabalho mais ár-duo. Em relação a isso, 92,5% dos médicos entrevistados tinha dificuldade de falar sobre morte com os familiares dos pacientes, sendo que, para 43,4% dos profissionais, a principal dificuldade era quando os pacientes eram jovens.(27)

Outro aspecto que dificulta a transmissão de más notícias é o medo dos profissionais quanto à reação dos pacientes(15). Apesar de, no presente estudo, apenas 2% dos médicos entrevistados reconhecerem que não sabem lidar com a reação dos pacientes, na percepção de 20% deles o médico não soube lidar com a reação daqueles que recebiam a notícia. Além disso, 61,2% dos médicos não se consideraram confortáveis em lidar com a reação dos pacientes; e 16,3% deles se percebem muito desconfortáveis nesta situação. Neste sentido, de acordo com outro trabalho, os principais sentimentos após o recebimento de uma má notícia são tristeza (35,72%), indiferença (15,48%), angústia (12,24%) e desespero (9,35%).(3)

Em virtude destes achados, é preciso que as faculdades de Medicina invistam em estratégias de ensino de habilidades de comunicação, e treinem os futuros médicos para a transmissão de más notícias.(2,4,6,14) Para tanto, existem protocolos que orien-tam a comunicação destas informações, como o SPIKES, cujo ensino durante a graduação pode ajudar a reduzir a angústia e o medo de dar más notícias.(3,5)

Este estudo apresentou limitações. Apesar de garantidos o sigilo e o anonimato dos participantes, houve dificuldades em conseguir médicos dispostos a colaborar com a pesquisa. Da mesma forma, grande quantidade de perguntas não foi respon-dida, tanto pelos profissionais, que possivelmente fizeram uma reflexão de suas atitudes e se sentiram constrangidos por seus

atos, quanto pelos pacientes, que, talvez, não tenham entendido as perguntas propostas.

Assim, é preciso que novas pesquisas sobre a comunicação de más notícias sejam realizadas, com o intuito de esclarecer os sen-timentos do médico diante da transmissão destas informações, bem como sobre os anseios dos pacientes acerca da postura e da forma como o médico informa más notícias.

CONCLUSÃO

Ainda que julguem transmitir más notícias adequadamente, os médicos nem sempre são adequadamente treinados para co-municá-las. Nesse sentido, os pacientes percebem as deficiências do médico, sobretudo no que se refere a não saber lidar com a reação deles diante das notícias, e a não valorizar suas opiniões quanto às decisões terapêuticas, com graves prejuízos ao direito à autonomia. Assim, é preciso que as faculdades de Medicina in-vistam em estratégias de ensino de habilidades de comunicação, de forma que os futuros médicos aprendam a lidar melhor com a subjetividade do homem doente como um todo, bem como com suas próprias experiências e percepções acerca de situações que envolvam os limites entre a vida e a morte. Somente quando a comunicação é pautada pela verdade e pela empatia, o sofri-mento por transmitir e receber uma má notícia é amenizado, médicos e pacientes estreitam seus vínculos, e constroem, entre si, uma relação sólida e transparente.

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ARTIGO ORIGINAL

Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):152-6

Análise das internações por osteoartrite em mulheres em idade menopausalAnalysis of hospitalizations for osteoarthritis of women in menopausal

Camylla Santos de Souza1, Lívia Liberata Barbosa Bandeira2, Valéria Andrade Calado3, Rômulo Nascimento Mundin4, Carla Lemos Gottgtroy2, João David de Souza Neto5

Recebido da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.

1. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.2. Universidade Severino Sombra, Vassouras, RJ, Brasil.3. Faculdade de Enfermagem e de Medicina Nova Esperança, João Pessoa, PB, Brasil.4. Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil.5. Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, Fortaleza, CE, Brasil.

Data de submissão: 30/12/2017 − Data de aceite: 05/01/2018Conflito de interesses: não há.Fontes de fomento: não há.

Endereço para correspondência:Camylla Santos de Souza Rua Alexandre Baraúna, 949 – Rodolfo TeófiloCEP: 60430-160 – Fortaleza, CE, BrasilTel.: (85) 99953-0407 – E-mail: [email protected]

Aprovação do comitê de ética em pesquisa: não se aplica.Registro dos ensaios clínicos em uma base de acesso público: não se aplica.

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Identificar e avaliar dados epidemiológicos refe-rentes à osteoartrite em mulheres em idade menopausal. MÉ-TODOS: Pesquisa e análise de informações de saúde disponi-bilizadas pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), utilizando-se as variáveis artrose, sexo feminino, faixa etária de 40 a 59 anos, período de janeiro de 2012 a dezembro de 2016. RESULTADOS: Nos 5 anos es-tudados, notificaram-se 13.077 internações por osteoartrite em mulheres em idade menopausal, 2.180 delas (16,67%) em 2012, 2.557 (19,55%) em 2013, 2.686 (20,53%) em 2014, 2.792 (21,35%) em 2015 e 2.862 (21,88%) em 2016. A Re-gião Sudeste se destacou, com 54,84% do total de internações, das quais 1.983 se deram de 40 a 49 anos e 5.313, de 50 a 59 anos. Nas outras regiões, o número de internações, de 40 a 49 anos, foi de 94 pacientes no Norte, 370 no Nordeste, 955 no Sul e 214 no Centro-Oeste; já de 50 a 59 anos, o Norte notificou 182 internações; Nordeste, 684; Sul, 2.827; e Centro-Oeste, 455. O Nordeste apresentou maior média de permanência hospitalar (5,9 dias), porém teve o segundo me-nor gasto por internação (R$2.836,00); já o Sudeste foi res-ponsável pelo montante de R$22.640.928,14 em gastos totais. CONCLUSÃO: De 2012 a 2016, o índice de internações por

osteoartrite em mulheres de 40 a 59 anos no território brasi-leiro mostrou ligeiro aumento. Isso é um dado preocupante, pois esta é uma afecção de manejo predominantemente ambu-latorial; logo, infere-se que são necessárias mais ações de pre-venção, tratamento e reabilitação, principalmente, na Região Sudeste, que detém mais de 50% das internações.

Descritores: Osteoartrite/epidemiologia; Hospitalização; Me-nopausa

ABSTRACT

OBJECTIVE: To identify and evaluate epidemiological data regarding osteoarthritis in menopausal women. METHODS: Research and analysis of health information provided by the Department of Informatics of the Unified Health System (DATASUS), using the variables osteoarthritis, female gender, age range of 40-59 years, from January 2012 to December 2016. RESULTS: In the 5 years studied, 13,077 hospitalizations for osteoarthritis were reported in menopausal women, 2180 of them (16.67%) in 2012; 2557 (19.55%) in 2013; 2686 (20.53%) in 2014; 2792 (21.35%) in 2015; and 2862 (21.88%) in 2016. The Southeast region stands out with 54.84% of the total hospitalizations, of which 1983 were reported between 40-49 years old, and 5313, from 50 to 59 years. In the other regions, the number of hospitalizations between 40-49 years old was of 94 patients in the North, 370 in the Northeast, 955 in the South, and 214 in the Midwest; from 50-59 years old, the North reported 182 hospitalizations; Northeast, 684; South, 2827; and Center-West, 455. The Northeast had the highest average hospital stay (5.9 days), but had the second lowest hospitalization cost (R$ 2,836); on the other hand, the Southeast accounted for the amount of R$22,640,928.14 in total expenses. CONCLUSION: From 2012 to 2016, the rate of hospitalizations for osteoarthritis in women aged 40-59 years in Brazil showed a slight increase. These data are worrying, because it is predominantly a condition for outpatient management; therefore, it is inferred that more actions of prevention, treatment and rehabilitation are necessary, mainly in the Southeast, which is responsible for >50% of hospitalizations.

Keywords: Osteoarthritis/epidemiology; Hospitalization; Menopause

INTRODUÇÃOA osteoartrite, conhecida também como artrose, artrite de-

generativa ou osteoartrose (OA), é uma doença crônica que

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Osteoartrite em idade menopausal nas regiões brasileiras

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acomete cartilagens, ligamentos, sinóvias e ossos da articulação. Inicialmente relacionada ao desgaste por traumas crônicos, hoje, a OA é entendida como multifatorial, com produção e liberação de mediadores inflamatórios por tecidos intra-articulares, como citocinas e metaloproteinases (MMPs), provenientes dos con-drócitos e sinoviócitos,(1-5) e extra-articulares, como adipocinas provenientes do tecido adiposo,(6,7) evidenciando a complexidade da doença.

Apesar de sua heterogeneidade, a idade avançada persiste como o maior fator de risco para o desenvolvimento da AO,(8-11) sendo observada maior incidência no sexo feminino.(10,12) Os mecanismos da correlação entre o envelhecimento e a OA ainda não foram completamente elucidados, mas já se observou que a produção de MMP-13 por condrócitos, estimulada por in-terleucina (IL) 1b, aumenta com a idade.(13) O envelhecimento também está associado a alterações epigenéticas, como acetilação de histonas, metilação de DNA e expressão de micro-RNA, todas as quais podendo contribuir para a AO.(14-18)

Ademais, embora a prevalência chegue a 70% em pacientes acima de 65 anos, tem-se observado aumento da incidência de OA ainda na idade menopausal, faixa etária em que esta não é a doença reumática mais encontrada. Alguns grupos têm estu-dado a regulação do estrogênio no processo de desenvolvimento da OA, porém, os atuais resultados ainda são controversos, pois, dependendo da concentração de estrogênio utilizada, a ativação em receptores de condrócitos, osteoblastos subcondrais e sinovió-ticos leva a respostas específicas contraditórias.

A fisiopatologia da OA é influenciada por fatores metabó-licos, inflamatórios, epigenéticos e hormonais, de modo que urge conhecer a epidemiologia desta afecção no mais novo grupo de risco que vem sendo demonstrado: em mulheres em idade menopausal.

O objetivo deste estudo foi identificar e avaliar dados epi-demiológicos referentes à osteoartrite em mulheres em idade menopausal.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo quantitativo, do tipo populacional ou epidemiológico, descritivo, observacional e transversal, que considerou os registros das internações de mulheres em idade menopausal nas regiões brasileiras, no período de 2012 a 2016.

A pesquisa e a análise dos dados foram feitas por meio do banco de informações de saúde (TABNET), disponibilizadas pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), na seção Epidemiológicas e Morbidade, consi-derando-se os dados gerais por local de internação, a partir de 2008, no Brasil, por região e Unidade Federativa.

Para coelta dos dados, o conteúdo escolhido foi referente ao número de internações, média de permanência hospitalar e va-lores gastos no total e por internação, utilizando-se as seguintes variáveis: artrose (grupo M15-M19 do CID-10); sexo femini-no; faixa etária de 40 a 49 anos e de 50 a 59 anos; período de janeiro de 2012 a dezembro de 2016; em todas as cinco regiões brasileiras.

Por último, foram realizadas pesquisa bibliográfica e seleção de artigos na base de dados PubMed e UpToDate, utilizando-se os descritores “osteoartrose e mulheres”.

RESULTADOS

Nos 5 anos estudados, notificaram-se 13.077 internações por OA em mulheres em idade menopausal, 2.180 delas (16,67%) em 2012, 2.557 (19,55%) em 2013, 2.686 (20,53%) em 2014, 2.792 (21,35%) em 2015 e 2.862 (21,88%) em 2016 (Figura 1). Já em relação ao total de cada região brasileira, foram registra-das 7.296 internações na Região Sudeste, 3.782 na Região Sul, 1.054 na Região Nordeste, 669 na Região Centro-Oeste e 276 na Região Norte.

Observa-se que três das cinco regiões brasileiras (Norte, Sul e Centro-Oeste) apresentaram evolução epidemiológica seme-lhante entre si ao longo do período estudado (2,11%, 28,92% e 5,12% da média nacional, respectivamente), a qual pode ser dividida em duas fases. Na primeira, de 2012 a 2015, notou-se aumento em todas as três regiões do número de internações: no Norte, as internações foram de 36 em 2012 para 55 em 2013, 65 em 2014 e 68 em 2015; no Sul, de 694 em 2012 para 764 em 2013, 795 em 2014 e 815 em 2015; já no Centro-Oeste, de 94 em 2012 para 102 em 2013, 149 em 2014 e 164 em 2015. Na segunda fase, de 2015 a 2016, houve queda dos índices nas três regiões, indo, em 2016, para 52 internações no Norte, 714 no Sul e 160 no Centro-Oeste.

Na Região Nordeste, que representou, por sua vez, 8,06% das internações totais do país, houve crescimento destes regis-tros do ano de 2012 para 2013, com 224 e 239 casos, respecti-vamente. Em 2014, houve diminuição neste valor para 206, um número a menos que em 2015, que computou 207 internações. Em 2016, houve nova redução, desta vez, para 187 internações.

Por último, a Região Sudeste foi a única em que permaneceu crescente o número de internações, com 1.132 em 2012, 1.406 em 2013, 1.471 em 2014, 1.538 em 2015 e 1.749 em 2016, representando cerca de 55,79% do total nacional nos 5 anos estudados.

Considerando-se a faixa etária de 40 a 49 anos, a Região Su-deste apresentou 1.983 mulheres internadas por OA, enquanto as demais regiões, somadas, representaram apenas 45,16% do total, sendo registrados 94 casos no Norte, 370 no Nordeste, 955 no Sul e 214 no Centro-Oeste. Já para a faixa etária dos 50 aos 59 anos, a Região Sudeste permaneceu com maior número (5.313 internações), seguida do Sul (2.827), Nordeste (684), Centro-Oeste (455) e Norte (182) (Figura 2).

Já a respeito da permanência hospitalar, a Região Nordeste apresentou maior média de internação, com 5,9 dias. Em segundo lugar, ficou a Região Centro-Oeste, com 5,5 dias; em terceiro, o Norte, com 5,1; em quarto, o Sudeste, com 4,8; e, em último, o Sul, com 3,7. Vale ressaltar que este é um dado que apresentou queda em todas as cinco regiões, quando comparados o primeiro e o último ano estudados. Os índices totais também vem dimi-nuindo progressivamente, com 5,5 dias de internação em 2012; 5,2 em 2013; 4,5 em 2014 e 2015; e 3,7 em 2016. Conside-rando-se a faixa etária, todas as regiões, exceto o Nordeste, apre-sentaram valores semelhante para as mulheres de 40 a 49 anos e 50 a 59 anos: enquanto, neste, as primeiras tiveram média de 8,0 dias de internação e as últimas, 4,8, no Sudeste, este valor foi de, respectivamente, 4,1 e 5,0; no Sul, 3,5 e 3,8; no Cen tro-Oeste, 5,6 e 5,5; e no Norte, 4,7 e 5,2.

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Apesar de possuir a maior média de dias de permanência hospitalar, o Nordeste é a segunda região que menos gastou por internação (R$2.836,00 por paciente), perdendo apenas para a Região Norte (R$2.732,47). Já a Região Sul, que possuía menor média de dias, foi a que mais gastou por internação (R$3.193,32). O Centro-Oeste, com R$3.158,53, foi o segundo em perma-nência hospitalar, enquanto o Sudeste, com R$3.103,20, o quarto em permanência. Considerando os valores totais gastos, o Su-deste, da mesma forma que registrou mais da metade do número total de internações, também foi responsável pelo maior mon-tante gasto (R$22.640.928,14) − cerca de 55,8% do total nacio-nal. O Sul, segundo maior em número de internações, respon-deu por R$12.077.141,74, assim como o Nordeste, em terceiro (R$2.989.146,93); Centro-Oeste, em quarto (R$12.077.141,74); e Norte, em quinto (R$754.161,78). O ano de 2012 foi o que apresentou menor gasto total (R$6.048.417,73), o qual cresceu sucessivamente (R$8.389.371,08 em 2013, R$8.902.488,98 em 2014 e R$9.016.786,84 em 2015) até 2016, com queda para R$8.217.370,77, o segundo menor valor do período es-tudado. Já se observado o valor por internação, houve cresci-

mento de R$2.774,50 em 2012 para R$3.280,94 em 2013 e R$3.314,40 em 2014, seguido de redução para R$3.229,51 em 2015 e R$2.871,20 em 2016.

DISCUSSÃO

A presente pesquisa revela um dado preocupante acerca da saúde pública no Brasil: apesar de a OA ser, tipicamente, uma enfermidade de manejo clínico ambulatorial, encontrou-se um importante número de internações por esta doença em mulheres em idade menopausal, faixa etária esta em que, inclusive, não é o reumatismo mais comum a ser diagnosticado.

Em primeiro lugar, além de considerarmos uma possível in-fluência genética e/ou hereditária da doença, é necessário ava-liar a influência do estrógeno como fator de risco para a OA. Se gundo, vem sendo demonstrado, por alguns grupos, que a ativação pelo estrógeno cursa, de forma geral, com a inibição da expressão e da secreção de citocinas pró-inflamatórias, como a IL-1,(19,20) sendo que, em termos sistêmico, a função ovariana diminuída na idade menopausal é acompanhada por aumento dos níveis séricos dessas citocinas.(21) Neste contexto, questiona-se qual seria o papel da terapia de reposição de estrógeno (TRE) no desenvolvimento de OA: enquanto alguns estudos demonstram aumento da incidência desta afecção em pacientes tratadas com TER,(22,23) outros atribuem a ela efeito protetor em grandes articu-lações, como joelho e quadril, com efeito neutro nas demais.(24-26)

Há outro fator de profundo impacto na fisiopatologia da OA, que pode estar relacionado ao aumento dos índices da en-fermidade ainda na faixa etária menopausal: os altos índices de sedentarismo. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE) e do Ministério do Esporte, divulga-da em 2017,(27) cerca de 66,6% mulheres no Brasil não praticam exercícios físicos. Esta relação pode ser percebida, principalmente, na Região Sudeste, que, apesar de ser mais a populosa, também é onde o sedentarismo é mais acentuado, bem como onde, segundo o presente estudo, registram-se mais de 50% das internações por OA no Brasil. Já a Região Nordeste, a segunda mais populosa do país, porém nem tão sedentária, fica em terceiro lugar, abaixo do Sul, em relação às internações por OA.

Além disso, não somente o sedentarismo, mas também uma de suas maiores causas/consequências – a obesidade – pode jus-tifica o aumento dos índices de OA em mulheres na faixa etária menopausal,(28) contribuindo tanto para a sua incidência mais precoce, como também para um quadro mais grave, a ponto de necessitar de internação para o tratamento, como pode ser visto nos resultados.

Desde 1945, muitos trabalhos apontam que a obesidade é um forte preditor da OA, relatando que indivíduos com índice de massa corporal ≥ 30 kg/m2 aumentam em 6,8 vezes o risco de desenvolvimento desta afecção.(29) O entendimento da gordura como tecido endócrino, metabolicamente ativo, com secreção de adipocinas envolvidas na inflamação articular, somado à pró-pria carga mecânica destas articulações, torna íntima a relação entre tais patologias. Esta associação é ainda maior no sexo fe-minino, visto que as mulheres apresentam maior risco para de-senvolver tanto obesidade quanto OA de joelhos,(30) sendo esta última a quarta causa global de incapacidade neste grupo.(29)

Figura 1. Internações por osteoartrite em mulheres em idade me-nopausal, por ano (de 2012 a 2016), em cada região brasileira.

Figura 2. Internações por osteoartrite em mulheres em idade menopausal por faixa etária em cada região brasileira.

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Osteoartrite em idade menopausal nas regiões brasileiras

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Enquanto não se chega a um consenso acerca do papel do estrógeno e da TRE como fator de risco ou protetor para a OA, recomenda-se a prática de exercícios físicos de baixo impacto – como natação, hidroginástica e caminhadas – tanto na pre-venção dessa afecção em idades mais precoces como na reabilita-ção de mulheres ainda em idade menopausal já diagnosticadas. É essencial enfatizar a prevenção da obesidade neste grupo em específico, bem como descontruir o binômio incapacidade vs. sedentarismo, para reduzir quadros álgicos de forma eficaz, au-mentar mobilidade e diminuir internações desnecessárias que oneram o SUS.

CONCLUSÃO

A partir dos dados apresentados, foi observado que, entre 2012 e 2016, o índice de internações por osteoartrose em mulhe-res na menopausa apresentou ligeiro aumento, sendo as Regiões Sudeste e Sul as de maior incidência, principalmente na faixa etá-ria dos 50 aos 59 anos. Ambas as regiões também apresentaram um dos maiores gastos totais e por internação, apesar de estarem entre as com menor média de dias de permanência hospitalar.

Tal aumento do número de internações para uma doença de manejo predominantemente ambulatorial – e cuja faixa etária mais acometida não é a abordada no presente estudo – possui estreita relação não somente com fatores genéticos e hormonais (os quais ainda necessitam de maiores esclarecimentos), mas também com a elevada incidência de obesidade e sedentarismo, observados com frequência nas Regiões Sudeste e Sul, as quais representam, juntas, 84,71% dos casos de internação por OA notificados no Brasil.

Visto isso, podemos inferir que ações para prevenção, trata-mento e reabilitação de OA em mulheres em idade menopausal devem ser abordadas de forma mais completa, visando diminuir o número de internações relacionadas a uma enfermidade em que estas são, em boa parte dos casos, completamente dispensá-veis, como também almejando prevenir gastos onerosos para o sistema de saúde brasileiro.

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ARTIGO ORIGINAL

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Relação entre diarreia infantil e hospitalização por desidrataçãoRelation between childhood diarrhea and hospitalization due to dehydration

Lucas Aguiar Oliveira¹, Lorena Ohrana Braz Prudente1, Marilísia Mascarenhas Messias1, Jenyffer Ribeiro Bandeira1, Paula Fleury Curado1

Recebido da Universidade Federal do Tocantins, Palmas, TO, Brasil.

1. Universidade Federal do Tocantins, Palmas, TO, Brasil

Data de submissão: 17/12/2017 − Data de aceite: 05/01/2018Conflitos de interesse: não há.Fonte de financiamento: não há.

Endereço para correspondência: Lucas Aguiar Oliveira Av. NS 15 ALC NO 14, 109 Norte Sala da Coordenação de Medicina, bloco Bala I Campus Palmas da Universidade Federal do TocantinsCEP: 77001-090 – Palmas, TO, BrasilTel.: (62) 98133-8470 – E-mail [email protected]

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Traçar o perfil epidemiológico e a relação entre diarreia infantil e hospitalização por desidratação. MÉTODOS: Trata-se de estudo retrospectivo, descritivo, de abordagem quan-titativa. A população estudada correspondeu a crianças que gera-ram notificação por diarreia e/ou hospitalização por desidratação no Estado do Tocantins, entre 2010 e 2015. A informação foi extraída do banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e do Sistema de In-formação de Agravos e Notificação (SINAN) disponibilizados pelo Ministério da Saúde. RESULTADOS: Entre os anos de 2010 a 2015, foram registrados 82.973 casos de crianças com diarreia no Tocantins. Já o número de internações infantis por desidratação neste período totalizou 1.851. A prevalência média no período analisado foi de 1.382 casos de diarreia infantil por mês, com 31 registros de internações por desidratação infantil mensais. Em todos os anos estudados, a incidência foi aumenta-da entre junho e setembro, com acréscimo de até 50% em casos de diarreia e 185% em internações. Em geral, os parâmetros re lacionados ao número de casos de diarreia em crianças e ao número de hospitalização por desidratação seguiram comporta-mentos associados, o que reforçou uma relação causal entre eles. CONCLUSÃO: O Tocantins apresentou destaque, em nível nacional, em relação a casos de desidratação e mortalidade in-fantil no período de 2010 e 2015. Por ser tão relevante na mor-bimortalidade infantil, a revisão de políticas públicas é urgente, com foco na prevenção e na terapêutica efetivas da diarreia e da desidratação infantis.

Descritores: Diarreia infantil; Desidratação; Prevenção de doen-ças; Hospitalização; Brasil

ABSTRACT

OBJECTIVE: To outline the epidemiological profile and relation between childhood diarrhea and hospitalization for dehydration. METHODS: This is a retrospective, descriptive, quantitative study. The studied population consisted of children who generated notification of diarrhea and/or hospitalization due to dehydration in the state of Tocantins from 2010 to 2015. The information was extracted from the database of the Informatics Department of the Brazilian Unified Health System (DATASUS), and from the National Disease Notification System (SINAN) provided by the Brazilian Ministry of Health. RESULTS: Between the years 2010 and 2015, 82,973 cases of children with diarrhea were recorded in Tocantins. The number of children hospitalizations due to dehydration in this period was 1,851. The mean prevalence in the analyzed period was 1382 cases of child’s diarrhea per month, with 31 records of monthly hospitalizations from child’s diarrhea. In all the years studied, the incidence was increased between June and September with an increase of up to 50% in cases of diarrhea, and 185% in hospitalizations. In general, the parameters related to the number of cases of child’s diarrhea and the number of admissions due to dehydration followed associated behaviors, which reinforced a causal relation between them. CONCLUSION: Tocantins stands out nationally regarding the cases of dehydration and children mortality from 2010 to 2015. Due to its relevance to children’s morbidity and mortality, the review of public policies focusing effective prevention and treatment of diarrhea and infant dehydration is urgent.

Keywords: Diarrhea, infantile; Dehydration; Disease prevention; Hospitalization; Brazil

INTRODUÇÃO

A diarreia é definida como eliminação súbita de fezes com conteúdo líquido acima do habitual, associada a aumento do número de evacuações.(1) Pode ser acompanhada de náuseas, vômitos, febre e dores abdominais. Geralmente é autolimitada, com duração de 2 a 14 dias.(2) A história clínica, associada com os sinais e os sintomas clínicos, e o exame físico direcionam a sus-peita do agente etiológico. A frequência dos agentes etiológicos apresenta variações regionais e sazonais, bem como nas diferen-tes faixas etárias.(3)

O grupo etário mais vulnerável às diarreias no Brasil são crianças de zero a 5 anos de idade.(4) Nesta faixa etária, as crian-ças com maior risco de desenvolverem a doença são as mais

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Oliveira LA, Prudente LO, Messias MM, Bandeira JR, Curado PF

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jovens (lactentes e menores de 1 ano) e as mais suscetíveis ao quadro persistente de diarreia.(5) Suas consequências fisiopa-tológicas mais graves são a desidratação e a desnutrição, com problemas no desenvolvimento pôndero-estatural e intelec-tual,(6) além de aumentar as infecções sistêmicas, o tempo de hospitalização e os óbitos.(5)

A morbimortalidade por diarreia infantil está condiciona-da principalmente ao baixo nível socioeconômico da popula-ção, sendo este um dos principais fatores, que influencia nas condições de saneamento básico precário e no comportamento higiênico pessoal e doméstico insatisfatório.(7) Sabe-se que a Re-gião Norte possui a maior parte da Floresta Amazônica, tem a menor densidade populacional (3,9 pessoas por km2) e é a segunda região mais pobre do país, depois da Região Nordeste, com elevada proporção de residências sem coleta de lixo e com esgotamento sanitário a céu aberto.(8,9) Em consequência disso, nota-se que, no Brasil, apesar de os dados oficiais apontarem para a queda da mortalidade em menores de 5 anos, as Regiões Norte e Nordeste concentram a maioria dos óbitos.(10)

Diante do quadro exposto, particularmente na infância, são fundamentais a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas, de acordo com as condições socioeconômicas de cada região, pois, em tais situações de desigualdade, fazem-se necessárias intervenções diferenciadas.

O objetivo deste trabalho foi Traçar o perfil epidemiológico e a relação entre diarreia infantil e hospitalização por desidratação.

MÉTODOS

Trata-se de estudo epidemiológico, descritivo, retrospectivo, de abordagem quantitativa. A população estudada correspon-deu a crianças menores de 5 anos que geraram notificação por diarreia infantil e/ou hospitalização por desidratação em Palmas (TO), de 2010 a 2015.

Os dados foram extraídos do banco de dados do Departa-mento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e do Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN), disponibilizados pelo Ministério da Saúde. As variáveis analisa-das foram faixa etária, mês da notificação e/ou internação por desidratação infantil.

Realizou-se download dos dados em formato de planilhas do Microsoft Office Excel 2016, versão 7, disponíveis on-line no site do DATASUS, os quais não estão ligados à pesquisa indivi-dual. Desta forma, o estudo se isentou do Termo de Consenti-mento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Nos anos de 2010 a 2015, foram registrados 82.973 casos de crianças com diarreia no Estado do Tocantins, com média mensal correspondente a aproximadamente 1.382 casos nesse período. O número de notificações por diarreia decresceu apenas nos anos de 2014 e 2015. A variação por ano foi muito significativa, e a menor incidência de casos de diarreia infantil observada foi no ano de 2015 (8.293); a maior foi no ano de 2010 (20.976).

Já o número de internações infantis por desidratação, neste período, totalizou 1.851. A prevalência média no período ana-

lisado foi de 1.382 casos de diarreia infantil por mês, com 31 registros de internações por desidratação infantil em cada mês.

Em todos os anos estudados, a incidência aumentou entre junho e setembro, com acréscimo de até 50% em casos de diar-reia e 185% em internações. Em geral, parâmetros relacionados com o número de casos de diarreia em crianças e o número de sua hospitalização por desidratação seguiram comportamentos associados, o que reforça uma relação causal entre eles.

Todavia, houve aumento de casos de desidratação de outu-bro a dezembro, sem que existissem relativas alterações no nú-mero de casos de diarreia infantil, o que poderia ser explicado pelo clima da cidade, com meses mais secos e importante declí-nio na umidade relativa do ar nesse trimestre.

DISCUSSÃO

A diarreia, manifestação comum de doenças infecciosas intes-tinais, ainda se apresenta como uma das principais causas de mor-talidade infantil nos países em desenvolvimento, por envolver, de forma direta ou indireta, um complexo de fatores de ordem ambiental, nutricional, social, econômica e cultural.(11) Embora seja um problema médico importante em países de baixa renda, mesmo nos Estados Unidos e em outros países de renda elevada, as diarreias são importantes causas de atendimento médico.(12)

Na infância, a diarreia é uma das causas mais importantes de morbimortalidade. Existem fatores que podem contribuir para infecção intestinal e, principalmente, para a etiologia bacteriana. São eles: a idade reduzida; as deficiências nutricionais; as prá-ticas inadequadas de higiene física e alimentar; a aglomeração domiciliar e institucional; a ausência de saneamento básico; o acesso à água contaminada; e os períodos quentes do ano.(13,14)

Em comparação com o resto do país, a Região Norte foi a segunda em casos de desidratação infantil até o ano de 2014, com taxa de mortalidade infantil de 12,3% (maior que a média nacional, de 1,45%). A diarreia é a principal causa evitável de mortalidade em crianças menores de 5 anos no Norte, chegando a 45% das causas evitáveis, que somam 69,69% das causas de mortalidade infantil.(10,15)

Estas taxas podem ser atribuídas à deficiente cobertura da assistência médica nestas populações e também à falta de con-fiança dos profissionais de saúde no tratamento com terapia de reposição oral (TRO), pois apenas 46,2% deles prescreveram TRO a seus pacientes com diarréia aguda. Ainda, o acesso precá-rio a serviços de saúde é agravado pela falta de instituição de um tratamento adequado em tempo hábil, em muitos casos.(10,15,16)

CONCLUSÃO

As diarreias continuam muito frequentes no território bra-sileiro, acometendo principalmente as crianças menores de 5 anos. Ela têm levado os pacientes para o atendimento antes de apresentarem desidratação grave e guardam relação temporal com as condições ambientais.

O Tocantins apresenta destaque, em nível nacional, em rela-ção a casos de desidratação e mortalidade infantil no período de 2010 e 2015. Por ser tão relevante, na morbimortalidade infantil, a revisão de políticas públicas é urgente, com foco na prevenção e na terapêutica efetivas da diarreia e da desidratação infantil.

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Diarreia e desidratação infantil

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ARTIGO ORIGINAL

Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):160-3

A relação subjetiva do cuidado: uma aproximação entre medicina e a psicanáliseThe subjective relationship of care: an approach between medicine and psychoanalysis

Oswaldo Henrique Duek Marques1

Recebido da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

1. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, brasil.

Data de submissão: 31/07/2018 − Data de aceite: 02/08/2018Conflito de interesses: não há.

Endereço para correspondência: Oswaldo Henrique Duek Marques Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Rua Ministro Godoi, 969, 2º andar, sala 212 – Perdizes CEP: 05013-001 – São Paulo, SP, BrasilTel.: (11) 50513356 – E-mail: [email protected]

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

O presente artigo trata da relação subjetiva entre o profissional da saúde e o paciente, no que se refere ao cuidado médico. A partir da visão do médico clínico Antonio Carlos Lopes, são analisadas as confluências e divergências desta relação entre a Medicina e a Psicanálise.

Descritores: Relações médico-paciente; Empatia; Cuidados médicos; Teoria psicanalítica

ABSTRACT

This article deals with the subjective relationship between the health professional and the patient regarding health care. From the perspective of the physician-clinician Antonio Carlos Lopes, the confluences and divergences of this relationship between medicine and psychoanalysis are analyzed.

Keywords: Physician-patient relations; Empathy; Medical care; Psychoanalytic theory

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, pretendemos analisar algumas con-fluências possíveis entre a clínica médica e a clínica psicanalítica, no âmbito da relação subjetiva entre o profissional da saúde e o paciente, nas tarefas de cuidado, com vistas a compreender vários aspectos profundos envolvidos nessa relação. Para tanto, apreciaremos, inicialmente, o pensamento do médico clínico

Antonio Carlos Lopes sobre a relação médico-paciente. Na se-quência, estudaremos os seguintes temas inter-relacionados di-retamente com as ideias trazidas pelo referido médico: o dever de cuidado e o amor ao próximo; as dimensões do cuidado; a escuta médica e a escuta psicanalítica.(1)

A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Segundo Antonio Carlos Lopes, para o sucesso terapêutico, afigura-se importante conquistar a confiança do paciente, o que exige do clínico, fundamentalmente, sensibilidade, humanismo e amor ao próximo. No seu entender, se, por um lado, os avanços tecnológicos passaram a ser importantes nos diagnósticos, por outro, não são mais valiosos do que a atuação do médico, por-quanto o bom diagnóstico deriva especialmente da anamnese e da relação entre o médico e o paciente. Para tanto, incumbe ao médico criar um ambiente agradável e favorável para receber o paciente e com ele manter uma interação profícua.(1)

Com efeito, a boa relação humana entre o médico e o pa-ciente é imprescindível, no sentido de investigar a subjetividade e as vivências potencialmente capazes de originar sintomas clí-nicos. Além do exame físico, há uma anatomia psíquica a ser conhecida pelo médico. Na mesma linha de raciocínio de Lopes, a seguinte lição de Paulo Vaz de Arruda: “O relacionamento do médico com seu paciente foi, em seu início, sempre acompa-nhado pelo contato físico entre ambos: a percussão, o palpar e o auscultar. A prática desses métodos exploratórios era precedida pela anamnese clássica e por vezes a biográfica, durante a qual, paciente e médico se comunicam verbalmente, e, conforme o caso, essa conversação se aprofundava na exploração de cir-cunstâncias existenciais da vida do paciente e suas consecutivas vivências”.(2) Conforme conclui, “a clínica é a arte do encontro entre pessoas. Os seres humanos, com suas angústias, esperan-ças e desesperos, defrontam-se para que, cada um, à sua ma-neira, possa se ajudar (...). Se de um lado tem um conhecedor da matéria, estudioso, cuidadoso e dedicado, do outro, um ser mais frágil, sofredor, angustiado, regredido na maioria das ve-zes, mas cheio de esperança e confiança no seu interlocutor. Será dessa relação tão desigual, da maneira pela qual for levada, que acontecerá o sucesso ou o fracasso”.(2)

Lopes nos mostra que, justamente por se tratar de relações humanas, é necessário haver tempo suficiente para o médico co-nhecer o paciente, descobrir suas queixas, averiguar seu passado, seus anseios e suas angústias. No seu entender, o médico precisa

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considerar o paciente integralmente, percebendo suas emoções, para conseguir diagnósticos que as máquinas, dada sua natural insensibilidade, afiguram-se incapazes de fazer. Menciona, tam-bém, com base na Medicina Psicossomática, a influência dos distúrbios mentais nos órgãos do corpo e as repercussões men-tais ocasionadas por lesões físicas. Por essa razão, o ser humano deve ser considerado de forma integral, sem separação entre corpo e mente.(3)

Tais ensinamentos, sem dúvida, são essenciais para a clínica contemporânea, nas relações de cuidado. Embora relevante o preparo científico do médico, baseado na literatura médica e nos avanços tecnológicos, para a cura ou acompanhamento da en-fermidade, deve haver também o preparo psicológico, com vistas à subjetividade do paciente.

O DEVER DE CUIDADO E DE AMOR AO PRÓXIMO

É importante ressaltar a precariedade da existência humana, marcada originariamente pelo desamparo, desde o nascimento, pois o recém-nascido se encontra completamente impossibi-litado de satisfazer suas necessidades vitais sem o cuidado de terceiros. Essa situação originária constitui o modelo de várias outras situações de desamparo ao longo da existência, nas quais o homem se vê impotente para encontrar sozinho uma saída para determinada situação, necessitando da ajuda de terceiros.(3)

Segundo Zeferino Rocha, “o desamparo abre para a alteri-dade. Ele é um grito desesperado de ajuda lançado na direção do outro. Quando o grito fica sem resposta, o desamparo torna-se desespero”.(4)

Outro importante aspecto a destacar é o desamparo biológico e existencial provocado pelo adoecimento, no qual o indivíduo não consegue se cuidar sozinho, necessitando do outro, que en-tra em cena em uma fusão de segurança, amor e cuidado.(5)

Além desses aspectos, a vida humana possui a condição ontológica de fragilidade, uma vez que o indivíduo tem cons-ciência de sua finitude, razão pela qual o cuidado de si reflete seu desejo primordial de manter-se vivo. Nesse sentido, é o pensamento de Alexandre Costa, para quem “a iminência con-tínua da morte, sua perpétua pendência e a possibilidade de efe tivação do risco e da ameaça que ela representa conferem à vida uma fragilidade quase constrangedora. A vida dura. E é frágil. Por isso o homem há de carregá-la em suas mãos com o zelo e a singeleza de quem manuseia delicadas peças da mais fina porcelana” (grifo do original).(6)

Entretanto, se o cuidar de si é natural no homem, decorrente de seu instinto de sobrevivência, o cuidar do outro, em regra, é uma escolha, um gesto de amor ao próximo, para ajudá-lo, tratá-lo e, quando possível, curá-lo.

No âmbito religioso, existe o mandamento de amar o próxi-mo como a si mesmo. O cristianismo fundamenta-se na demons-tração de amor do ser divino pelo homem, feito sua imagem e semelhança. Deus, absoluto e infinito, abre mão destas condições para ocupar a limitação e a finitude do indivíduo, refletindo nele a condição divina. De forma recíproca, o ser humano abre-se (do si mesmo) para os outros e para o próprio divino, como expressão de amor.(7)

Freud chegou a criticar esse comando de amar o próximo como a si mesmo. No seu entender, tal exigência ideal da sociedade aculturada, de cunho religioso, é impossível de ser cumprida, pois o indivíduo só tem condições de amar uma pessoa se ela o merecer por alguma razão, seja pela identificação com ela, seja por considerá-la mais perfeita do que ele. Nesta última situa-ção, essa pessoa será amada como ideal do eu. Isso já não ocorre diante de uma pessoa estranha ou sem significação afetiva, por-quanto não seria justo colocar tal pessoa no mesmo patamar da pessoa amada. Esse indivíduo estranho, além de não ser merece-dor de amor, teria direito à hostilidade e até ao ódio.(8)

Posteriormente, em uma carta-resposta endereçada a Eins-tein, intitulada Por que a Guerra? (1933 [1932]), Freud apresenta um novo enfoque do referido mandamento bíblico. Nessa carta contra a destruição, sugere contrapor Eros à pulsão destrutiva, propondo o amor ao próximo como a si mesmo no âmbito da Psicanálise − embora considere mais fácil fazer essa afirmação do que cumpri-la. Freud também postula relações comunitárias essen-ciais entre os homens, capazes de produzirem sentimentos de iden-tificações, que fundamentam boa parte da sociedade humana.(9)

Todavia, no caso dos profissionais da saúde, o amor ao pró-ximo não representa mera afeição idealizada ou mandamento de cunho religioso, mas sim um dever ético decorrente de prévia es-colha profissional de cuidador. Cabível, nesse caso, o pensamen-to de Kant, para quem “o amor enquanto inclinação não pode ser ordenado, mas o bem-fazer por dever, mesmo que a isso não sejamos levados por nenhuma inclinação e até se oponha a ele uma aversão natural e invencível, é amor prático e não patoló-gico, que reside na vontade e não na tendência da sensibilidade, em princípios de ação e não em compaixão lânguida”.(10)

Da perspectiva kantiana, esse dever de amor ao próximo, consubstanciado no cumprimento de todos os deveres para com o próximo, de cunho racional, constitui respeito a uma lei uni-versal das ações que possa alicerçar um princípio único da von-tade: “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima (princípio subjetivo do querer) se torne uma lei universal” (grifo do original).(10)

Portanto, se trouxermos esse entendimento para nossa pes-quisa, podemos concluir que o amor ao próximo, pelos profis-sionais da saúde, decorre de um imperativo categórico, indepen-dentemente do nosso desejo, e consiste no cumprimento de todos os deveres de cuidado para com o próximo.(11) Nesse sentido, o Código de Ética Médica, em seu capítulo I, considera como um de seus princípios fundamentais que “o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo zelo e o melhor da sua capacidade profissional”.

AS DIMENSÕES DO CUIDADO

Além do amor ao próximo, nas tarefas do cuidar, deve ser es-tabelecida uma relação de confiança recíproca entre o cuidador e o paciente. Segundo o psicanalista Luís Claudio Figueiredo, em situações de vulnerabilidade crescente, como ocorre no processo analítico, que antecipam a entrega confiante ao objeto e ao am-biente, irão surgir a desconfiança e as defesas contra as falhas do objeto.(12) Por isso, afigura-se necessária a instalação progressiva

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Marques OH

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da confiança, tanto no objeto quanto no ambiente – que repre-sentam o Outro –, com base em boas experiências, nas quais está implicada, sem dúvida, a atitude do analista ante o paciente. O “outro” engloba o ambiente (social e físico) ou um objeto apto a desempenhar as funções de acolher, hospedar, agasalhar, sus-tentar.(13) Para Figueiredo, durante nossa vida, temos de contar com algum objeto ou alguém capaz de exercer essas tarefas de cui-dado, afigurando-se, assim, imprescindível a presença implicada do outro, “segurando, hospedando, agasalhando, alimentando e ‘sonhando’ das maneiras mais diversas, desde as mais concretas até as mais sutis e espirituais”.(13)

Nessas situações, imprescindível observar com atenção a fala e a singularidade do indivíduo, incumbindo, ainda, ao cuidador, a tarefa de interpelar, intimar e forçar o sujeito a responder por seu nome, sua pessoa, fazendo com que ele entre em contato com sua existência: a morte, a finitude, a alteridade e a lei. Essas exigências são também essenciais para o processo de constitui-ção psíquica e narcísica.(5)

Como vimos, a subjetividade do paciente interessa tanto à Medicina quanto à Psicanálise. Além dos diagnósticos, importa também a escuta sobre singularidade do paciente e a sua fala. Segundo Alfredo Simonetti, “a noção de subjetividade coloca em destaque a vida psíquica do homem, sua história individual e suas circunstâncias de vida, e se contrapõe, conceitualmente apenas, mas jamais vivencialmente, ao corpo físico e ao compor-tamento que constituem a objetividade do homem. Se separarmos o corpo físico da subjetividade é apenas como um recurso para entender e pensar, jamais para vivê-los, pois nesse plano viven-cial estão inextrincavelmente misturados”.(14)

A ESCUTA MÉDICA E A ESCUTA PSICANALÍTICA

Poderíamos indagar se o objetivo da Medicina seria a cura, diferentemente da psicanálise. No entanto, essa assertiva não pa-rece verdadeira, pois a ética da Medicina é a do cuidado em sen-tido amplo, não se limitando à cura, sobretudo porque existem situações nas quais a cura não é possível. Entretanto, afigura-se importante a distinção entre a subjetividade para o interesse mé-dico e a subjetividade para a psicanálise, pois há diferenças es-senciais entre a escuta da fala do paciente na clínica médica e na clínica psicanalítica. Nesta, a escuta ocorre de forma flu tuante, com base nas associações livres do paciente, sem valorizar qual-quer caminho, até que algo inesperado ou incerto apareça, como os atos falhos ou os tropeços de linguagem. Já na clínica médica, a escuta é atenta e prevenida para observar os sintomas e fazer um diagnóstico.(5)

Para a psicanálise, se o inconsciente não produz a doença, ele tem relação com a forma com a qual ela faz parte da vida do paciente, inclusive quanto à noção de ganhos secundários, considerando as vantagens produzidas pelo adoecimento, como maior atenção, liberação de certas obrigações, mais amor e mais condescendência, além dos ganhos primeiros, ou seja, o rearranjo econômico e pulsional provocado pelo processo fisiopatológico da doença.(5)

Outra diferença marcante diz respeito ao ver e ao escutar. Na clínica médica, o ver e o escutar são norteados pelo Princípio

da Razão, no campo da realidade objetiva, na tarefa de buscar as razões de cada acontecimento para poderem ser analisados cientificamente, não só para o diagnóstico, como para o trata-mento do paciente. Segundo Figueiredo, “não apenas dar razões estaria tornando inteligível o material clínico e promovendo os fenômenos assim racionalizados à condição de realidade objetiva, como dar razões teria no contexto clínico uma eficácia curativa ou, ao menos, transformadora” (grifo do original).(15)

Já na clínica psicanalítica, como conclui o autor, o ver e o escutar estão liberados do Princípio da Razão, para se escutar o inaudível e se enxergar o invisível, antes de qualquer racionali-zação e objetivação, para que algo se mostre antes de vir a ser. No tratamento analítico, de forma diversa do tratamento médi-co, psicanalista e paciente estão submetidos à associação livre das ideias e à escuta flutuante. O paciente deve falar tudo que lhe vem à mente, sem prévia censura, enquanto o analista “deve evitar a preocupação de reter as informações do paciente na forma de registros conscientes, segundo parâmetros lógicos e organizados, abandonando-se à sua memória inconsciente (nos termos de Freud)”.(16) Outra diferença é que, na narrativa do paciente para o médico, certamente haverá preocupação com os significados nela contidos, enquanto na psicanálise, o interesse fundamental está voltado para a cadeia de significantes. O eu do pensamento consciente é distinto do sujeito do desejo inconsciente, de inte-resse psicanalítico.

Por último, outro assunto que merece ser comentado diz respeito à distinção entre o tempo na Medicina e o tempo na Psicanálise. Na relação médico-paciente, Lopes comenta a ne-cessidade de tempo suficiente para conhecer o paciente, suas queixas e suas angústias; no entanto, esse tempo, na relação médi-co-paciente, imprescindível na busca do diagnóstico e na melhor forma de tratamento, não deve ser confundido com o tempo na Psicanálise. Sobre o assunto, Maria Rita Kehl sustenta que os depressivos de hoje buscam a Psicanálise para desfrutar do tem-po distendido de duração, inerente à transmissão de experiência pela narrativa, possibilitando o encontro do indivíduo com essa temporalidade perdida, com ênfase na experiência atemporal do inconsciente e nos relatos marcados pela livre associação.(17)

De acordo com a psicanalista, “na duração do tempo diacrô-nico instaurado por essa ‘magia lenta’ que é a psicanálise, os de-pressivos se instalam aliviados, sem pressa, seguros de que é des-sa temporalidade distendida que eles precisam para se libertar da pressão aniquiladora das demandas do Outro.”(18)

CONCLUSÃO

Os ensinamentos de Lopes a respeito da relação subjetiva de cuidado entre o médico e o paciente demonstram a valiosa interlocução entre a Medicina e a Psicanálise. Dessa ótica, o de-ver de amor ao próximo, o princípio da confiança e o interesse pela subjetividade do paciente são imprescindíveis em ambas as áreas, não obstante as diferenças necessárias entre elas quanto à temporalidade, à escuta e à fala do paciente.

REFERÊNCIAS

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A relação subjetiva do cuidado

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ARTIGO ORIGINAL

Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):164-6

Mortalidade brasileira por câncer de cavidade oral Mortality in brazil from oral cavity cancer

Vitória Mikaelly da Silva Gomes1, William Barros Saraiva1, Paula Fernanda Neves Silva1, Rayssa Alves Leite1

Recebido da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.

1. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.

Data de submissão: 31/12/2017 − Data de aceite: 05/01/2018Conflito de interesses: não há.Fonte de financiamento: não há.

Endereço para correspondência: Paula Fernanda Neves Silva Campus A.C. Simões − Faculdade de MedicinaAv. Lourival Melo Mota, s/n − Tabuleiro do MartinsCEP: 57072-900 – Maceió, AL, Brasil − Fone: (81) 98606-9614E-mail [email protected]

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar o perfil de mortalidade por câncer de cavidade oral. MÉTODOS: Estudo transversal, descritivo e retrospectivo construído por meio de dados obtidos na plata-forma do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) em um recorte de 5 anos (2012-2017). O nível de significância considerado foi de 5%. RESULTADOS: No período analisado, foram registradas 151.573 internações no Brasil por câncer de cavidade oral. Do total, 72,7% per-tenciam ao sexo masculino. CONCLUSÃO: O conhecimento do perfil de mortalidade por câncer de cavidade oral permitiu refletir acerca do modelo de atenção por meio de uma abor-dagem sistematizada, com o intuito de gerar desfechos mais favoráveis na saúde pública.

Descritores: Neoplasias bucais/epidemiologia; Neoplasias bucais/mortalidade; Hospitalização; Brasil

ABSTRACT

OBJECTIVE: To characterize the oral cavity cancer mortality. METHODS: This is a cross-sectional, descriptive and retrospective study constructed using data obtained from the Brazilian Informatics Department of the National Unified System platform, analyzed in a 5-year cut (2012-2017). The level of significance considered was 5%. RESULTS: In the period analyzed, 151.573 hospitalizations were recorded in Brazil for oral cavity cancer. Of the total, 72.7% were male. CONCLUSION: The knowledge of the oral cavity cancer

mortality profile allowed the reflection on the care model through a systematized approach, aiming to generate more favorable outcomes in public health.

Keywords: Mouth neoplasms/epidemiology; Mouth neoplasms/mortality; Hospitalization; Brazil

INTRODUÇÃO

O mundo tem passado por uma transição no que se refere ao adoecimento, visto que a proporção de doenças infecciosas diminui em detrimento do aumento da expressão de doenças crônicas, principalmente o câncer.(1) Esta patologia, que ocupa o segundo lugar no ranking de causas, de morte de acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), tem alcan-çado crescentes índices, devido a uma maior exposição a agentes cancerígenos no trabalho, na alimentação e em outras esferas, o que contribui para o desenvolvimento de inúmeros casos sem relação com histórico familiar.

O câncer de cavidade oral aparece como o sexto mais fre-quente no Brasil, ocupando o quarto lugar no Nordeste e sendo o de maior incidência (40%) entre as neoplasias de cabeça, ex-cluindo câncer de pele não melanoma. Ele acomete lábios, dois terços anteriores da língua, palato, mucosa oral, gengiva, trígono retromolar, palato duro, orofaringe e envolve um grupo hetero-gêneo de tumores, que varia em sua histopatologia, apresentação clínica e tecido de origem.

Frequentemente os pacientes apresentam doença metástica ao diagnóstico, seja com metástase a distância (43% dos casos) ou com envolvimento nodal (10%). Pela exposição prolongada a substâncias cancerígenas consumidas ou inaladas, o câncer de cavidade oral constitui o mais comum local para neoplasias de origem epitelial, estando vulnerável a carcinógenos bem relatados como os presentes no álcool e tabaco.

O objetivo deste estudo foi traçar o perfil de mortalidade bra sileira por câncer de cavidade oral, além de tipificar suas prin-cipais formas de apresentação.

MÉTODOS

Estudo transversal, descritivo e retrospectivo, construído por meio de dados obtidos entre janeiro de 2012 e outubro de 2017 do Atlas de Mortalidade por Câncer do Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA) e no banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de

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Modelo de dissecção e acesso vascular de baixo

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Saúde (DATASUS), provenientes das Autorizações de Interna-ção Hospitalar (AIH).

Foram utilizadas as variáveis número de internamentos, tempo médio de permanência hospitalar, faixa etária, taxa de mor-talidade, número de óbitos, sexo e cor/raça dos pacientes com diagnóstico primário de internação por câncer de cavidade oral.

Para o cálculo da taxa de mortalidade hospitalar, foi utilizada a razão entre o número de óbitos e o de pacientes internados; já o cálculo de coeficiente de mortalidade populacional foi obtido ao dividir a quantidade de óbitos hospitalares pela população da região estudada no período correspondente. Foi considerado um nível de significância igual a 5%.

RESULTADOS

De janeiro de 2012 a outubro de 2017, em hospitais espa-lhados por todas as regiões do Brasil, ocorreram 151.573 in-ternamentos (8.916 pacientes/ano ± 2.390,011) por câncer de cavidade oral, sendo 72,7% pertencentes ao sexo masculino, com predomínio da faixa etária entre 50 e 59 anos (29,5%), conforme figura 1. Dentre as regiões brasileiras, a Sudeste foi responsável por 47% do total de internamentos (Figura 2), e houve notável subnotificação na Região Norte. Na série história entre os perío-dos 2012-2013 e 2015-2016, foi observada queda de 6% no nú-mero de internamentos. Cerca de 44% dos pacientes admitidos eram da raça branca, seguidos por 32,4% pardos.

A taxa de mortalidade foi de 11,58% (±0,5%) e, após o pri -meiro ano de vida, ela aumentou gradativamente, chegando a 18,96% nos pacientes acima de 80 anos. A Região Norte apresentou a maior taxa de mortalidade, 13,83% (±1,7%), en-quanto a menor esteve no Nordeste, 10,33% (±1,2%). A taxa de mortalidade foi 19% maior no sexo masculino (12,21%) que no feminino (9,9%) e, no biênio 2015-2016 (11,86%), esteve aproximadamente 8% acima da média do biênio 2012-2013 (11%). Não houve variação significativa entre o coeficiente de mortalidade populacional por câncer de cavidade oral, com mé-dia de 0,14% (7,1 óbitos/10 mil habitantes) de todas as mortes dentro do território brasileiro no período estudado (Figura 3).

A média de permanência hospitalar para ambos os sexos no Brasil foi de 6 dias (±0,09), com diminuição ao longo do perío-do estudado. O maior tempo médio de hospitalização encon-trado foi de 9,9 dias (±0,17) na Região Norte em 2016. Entre janeiro de 2015 e outubro de 2017, a média de permanência no internamento foi de 5,8 dias − 6% menor que no triênio 2012-2014.

DISCUSSÃO

A carcinogênese oral é um processo multifatorial altamente complexo, que ocorre quando as células epiteliais são afetadas por várias alterações genéticas.(1) Nas fases iniciais das patologias ma-lignas da cavidade oral, os pacientes apresentam sintomatologia mínima, o que pode atrasar a procura por atendimento especia-lizado. Se o profissional de saúde não tiver alto grau de suspeita quanto à natureza maligna da lesão, então, provavelmente, mui-to tempo será perdido antes que uma biópsia seja realizada.(2)

Figura 1. Internamentos de acordo com a faixa etária.

Figura 2. Internações por câncer de cavidade oral nas regiões brasileiras.

Figura 3. Coeficiente de mortalidade populacional por câncer de cavidade oral.

Devido ao diagnóstico tardio, mais da metade dos atendimentos são feitos em caráter de urgência.

Sabe-se, atualmente, que o álcool e o tabaco são os principais fatores de risco para o câncer de cavidade oral.(3) No entanto, correlações parecidas já foram descritas anteriormente na litera-tura desde 1988.(4) Desta forma, o maior acometimento do sexo masculino é justificável, uma vez que se constitui como o grupo mais exposto aos fatores de riscos supracitados.(5)

Em relação à etnia, a maioria era composta por indivíduos brancos. Tais dados corroboram os de Carli et al.(6) e de boa parte da literatura.(7,8) Há a sugestão, não totalmente elucidada, de uma relação entre a cor branca e o desenvolvimento deste tipo

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Gomes VM, Saraiva WB, Silva PF, Leite RA

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de câncer. Em contraponto, dados interessantemente apontam que uma maior mortalidade está associada a pessoas negras.(9)

Já com relação às diferenças regionais, os condicionantes que influem nos padrões de saúde da população guardam estreita correlação com a questão econômica e com as políticas públicas federais voltadas para este setor.(10) Desta forma, é possível asso-ciar a maior taxa de mortalidade da Região Norte a dados, pro-venientes do DATASUS,(11) que demonstram baixa quantidade de leitos por habitantes nesta região do país (1,6 leito do SUS por mil habitantes).

Por outro lado, a alta quantidade de óbitos na Região Sudeste pode ser explicada pela demografia do local. Por ser a região mais populosa do país (mais de 80 milhões de habitantes),(11) espera-se que haja concentração de casos com óbitos.

CONCLUSÕES

De acordo com a caracterização da taxa de mortalidade e diante do quadro de gravidade do câncer de cavidade oral, evidencia-se a necessidade de investimentos na área, a fim de mudar o prog-nóstico desta doença, que atinge de forma tão grave a população. O conhecimento do perfil de mortalidade por câncer de cavida-de oral permite refletir acerca do modelo de atenção por meio de uma abordagem sistematizada.

Devido à mínima sintomatologia, seria importante a realiza-ção de exames ou consultas preventivas, voltadas principalmente a grupos tabagistas e etilistas, uma vez que apenas a conscien-tização destes fatores de risco não seria eficaz na tentativa de redução da taxa de mortalidade por câncer de cavidade oral.

Além disso, faz-se necessário um maior investimento na saúde pública, com um cuidado especial na Região Norte, que possui a maior taxa de mortalidade por câncer de cavidade oral.

Desse modo, tratamentos a partir de abordagens terapêuti-cas mais eficazes associados a métodos de diagnósticos precoces poderiam ser capazes de reduzir a atual taxa de mortalidade do câncer de cavidade oral, gerando desfechos mais favoráveis.

REFERÊNCIAS

1. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer [Internet]. 2ª ed. rev. aum. Rio de Janeiro: INCA; 2012. [citado 2017 jan 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/abc_do_cancer_2ed.pdf

2. Alvarenga LM, Ruiz MT, Pavarino-Bertelli EC, Ruback MJ, Maniglia JV, Goloni-Bertollo EM. Epidemiologic evaluation of head and neck patients in a university hospital of Northwestern São Paulo State. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(1):68-73.

3. Rivera C. Essentials of oral cancer. Int J Clin Exp Pathol. 2015; 8(9):11884-94.

4. Neville B. Oral and maxillofacial pathology. 3rd ed. St. Louis: Saunders/Elsevier; 2009.

5. Shah JP, Johnson NW, Batsakis J, editors. Oral cancer. New York: Martin Dunitz; 2003.

6. Carli ML, Santos SL, Pereira AA, Hanemann JA. Características clínicas, epidemiológicas e microscópicas do câncer bucal diagnosticado na Universidade Federal de Alfenas. Rev Bras Can-cerol. 2009;55(3):205-11

7. Goldstein, BY, Chang, SC, Hashibe M, La Vecchia C, Zhang ZF. Alcohol consumption and cancers of the oral cavity and pharynx from 1988 to 2009: an update. Eur J Cancer Prev. 2010;19(6): 431-65.

8. Antunes AA, Antunes AP. Estudo retrospectivo e revisão de literatura dos tumores dos lábios: experiência de 28 anos. Rev Bras Cancerol. 2004;50(4):295-300.

9. Carvalho MB, Lenzi J, Lehn CN, Fava AS, Amar A, Kanda JL, et al. Características clínico-epidemiológicas do carcinoma epi der-móide de cavidade oral no sexo feminino. Rev Assoc Med Bras. 2001;47(3):208-14.

10. Abdo EM, Garrocho AA, Aguiar MC. Perfil do paciente portador de carcinoma epidermóide da cavidade bucal, em tratamento no Hospital Mário Penna em Belo Horizonte. Rev Bras Cancerol. 2002;48(3):357-62.

11. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Número de leitos hospitalares por habitante [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. [citado 2017 dez 21]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/LivroIDB/2edrev/e03.pdf

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ARTIGO ORIGINAL

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Automedicação em acadêmicos de MedicinaSelf-medication in medical students

Lucas Grobério Moulim de Moraes1, Luiza Seidel Dala Bernardina¹, Luciano Castiglioni Andriato¹, Letícia Rego Dalvi¹, Yolanda Christina de Sousa Loyola2

Recebido do Centro Universitário do Espírito Santo, Colatina, ES, Brasil.

1. Centro Universitário do Espírito Santo, Colatina, ES, Brasil.2. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

Data de submissão: 27/10/2017 − Data de aceite: 30/10/2017Conflito de interesses: não há.Fontes de fomento: não há.

Endereço para correspondência: Lucas Grobério Moulim de MoraesCentro Universitário do Espírito SantoAvenida Treze de Maio, 662 – CentroCEP: 29750-000 – Pancas, ES, BrasilTel.: (27) 99827-6404 – E-mail: [email protected]

Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Espírito Santo, sob número de protocolo CAAE: 57003416.6.0000.5062.

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a incidência da automedicação em estudantes do curso de Medicina, evidenciando suas principais causas, os principais grupos de medicamentos utilizados nesta conduta e as consequências de seu uso irracional. MÉTODOS: Estudo transversal, de análise quantitativa e não probabilística. Foi realizado por pesquisa de campo, por meio de questionário sistemático, em uma universidade, com o propósito de envol-ver todos os períodos correspondentes ao curso de Medicina. As análises dos resultados foram realizadas por meio do teste qui-quadrado e executadas no software Minitab®, versão 18, e Microsoft Excel 2010. RESULTADOS: As frequências de au-tomedicação entre alunos do primeiro e segundo anos e do ter-ceiro e quarto anos foram, respectivamente, 44,57% e 71,42% (p=0,001). Dentre eles, 43,15% eram do sexo feminino e se automedicavam (p=0,014). Dos alunos que se automedica-vam, 36,3% indicariam o medicamento em uso para outrem (p=0,012), sendo que a classe de fármaco mais citada foi a dos analgésicos (52,05%) seguida pelos anti-inflamatórios (17,81%) e antiácidos (6,85%). O uso de psicotrópicos somou 6,85% das recomendações. Dentre as pessoas que diziam realizar a autome-dicação, 51% continuariam a prática. Tinham consciência dos riscos à saúde em relação à prática da ação em estudo 96,58% da amostra. CONCLUSÃO: A prevalência da automedicação em acadêmicos de medicina é equiparada a índices nacionais, ou seja, altas taxas regionais da prática de consumo desregulado de fármacos, com predominância entre os acadêmicos do sexo feminino, principalmente do terceiro e quarto anos do curso.

Descritores: Automedicação; Estudantes de Medicina; Univer-sidades

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the incidence of self-medication in medical students, evidencing the main causes, main drug-classes used in this behavior, and the consequences of its irrational use. Methods: This is a cross-sectional study of quantitative and non-probabilistic study analyses. It was carried out through field research, with the use of a systematic questionnaire, at a university, with the purpose of involving all periods of the medical course. The results analysis was done with chi-square test and run on Minitab® software version 18 and Microsoft Excel 2010. RESULTS: The frequency of self-medication among students in the 1st -2nd and 3rd-4th grades was respectively, 44,57% and 71,42% (p=0,001). Of them, 43.15% of the research population were female and self-medicated (p=0.014). Out of students who self-medicate,36.3% would indicate the drug in use for others (p=0.012), and the most cited drug-class was of analgesics (52.05%), followed by anti-inflammatories (17.81%), and antacids (6.85%). The use of psychotropic drugs accounted for 6.85% of the recommendations. Of people who say they self-medicate, 51% would continue doing it. Of the sample, 96.58% were aware of the health risks of self-medication. CONCLUSION: The prevalence of self-medication among medical students is similar to national indices, that is, high regional rates of unregulated drug use, with a predominance among female students, especially in students in the 3rd and 4th years of course.

Keywords: Self-medication; Students, medical; Universities

INTRODUÇÃO

Fármaco é toda substância química capaz de alterar funções biológicas do organismo, por meio de interação entre complexos formados por receptores e moléculas. A recomendação para os médicos da antiguidade, que se estende até a contemporaneidade, era a extrema prudência em seu uso.(1,2)

Historicamente, a automedicação é definida como o ato de utilizar medicamentos sem prescrição médica, sendo a escolha e o uso realizados por indivíduos inaptos para tal, com o objetivo de curar patologias ou diminuir sintomas.(3)

O comportamento esperado por estudantes da área de Me-dicina é embasado em uma consciência terapêutica, a qual auto-medicação seria uma característica pouco frequente. Entretanto,

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vê-se uma autoconfiança por parte destes acadêmicos, fortalecida pelos conhecimentos adquiridos durante o curso.

Entre os problemas observados com a automedicação, des-taca-se o mascaramento ou o impedimento do diagnóstico cor-reto de uma grave doença, podendo ainda afetar negativamente qualquer processo patológico no paciente, causar iatrogenias, dependência, hipersensibilidade, além de provocar interações medicamentosas de grande importância, resultando em efeitos secundários e riscos inacessíveis do ponto de vista terapêutico. Desta forma, torna-se fundamental seu uso prescrito por profis-sionais capacitados.(4)

Quanto maior a quantidade de fármacos administrados, maio-res são as chances de efeitos farmacológicos adversos e reações alérgicas, além do aumento potencial de mortalidade. Somadas a isto existem características singulares de cada indivíduo (hábi-tos de vida e fatores genéticos) que influenciam direta ou indire-tamente na resposta metabólica dos medicamentos (Figura 1).(5)

O objetivo desta pesquisa foi determinar a incidência da au-tomedicação em estudantes do curso de Medicina, evidenciando suas principais causas, os principais grupos de medicamentos utilizados nesta conduta e as consequências de seu uso irracional.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, abordando métodos de estudo de caráter quantitativo e não probabilístico, por meio de pesquisa de campo, por meio de um questionário sistemático,

adaptado de pesquisa preexistente,(6) em uma faculdade de Me-dicina do noroeste do Estado do Espírito Santo, com o propósito de envolver todos os anos correspondentes ao curso. Todas as fa-culdades de Medicina do Estado foram convidadas a participar da pesquisa, porém, não houve aceite.

Para a conciliação de resultados, foi utilizado o teste qui--quadrado.

A hipótese nula foi determinada pela ausência de associa-ção entre o período da graduação do discente com a prática de automedicação. A hipótese alternativa – problema de pesquisa – propôs a existência: quanto mais avançado o período, maior a frequência da automedicação.

A análise dos dados envolveu uma dinâmica de associação entre dados, utilizando Minitab® versão 18 e Microsoft Excel 2010, ilustrando, assim, em gráficos e tabelas sistematizadas (com caracteres numéricos e nomeáveis) para sustentação dos ob-jetivos propostos e da conclusão do estudo.

Salientamos a concordância deste trabalho com a Declaração de Helsink, que dispõe das normas para pesquisa com seres humanos, sua aprovação pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Instituição de Ensino Superior a qual os pesquisadores estão vinculados e a ausência de conflitos de interesses. Ratificamos que todos os entrevistados assinaram o Termo de Esclarecimento Livre e Esclarecido, no qual lhes fora assegurado o completo sigilo das informações cedidas.

RESULTADOS

Partiu-se de uma amostragem inicial de 148 entrevistados. A visão geral desta população pode ser analisada na tabela 1.

Verificou-se aumento na frequência de automedicação entre alunos do primeiro e segundo anos em relação aos alunos do ter-ceiro e quarto anos, sendo 44,57% e 71,42%, respectivamente (p=0,001).Dentre a população 43,15% eram do sexo feminino e se automedicavam (p=0,014).

Os fármacos mais citados como utilizados para sanar os pro-blemas de saúde de maior ocorrência estão dispostos na tabela 2.

Dos alunos que se automedicavam, 36,3% indicariam o me-dicamento em uso para outrem (p=0,012), e a classe de fárma-cos mais citada foi a dos analgésicos (52,05%), seguida pelos anti-inflamatórios (17,81%) e antiácidos (6,85%). Psicotrópicos, incluídos nesta categoria antipsicóticos, psicoestimulantes e an-siolíticos, somaram 6,85% das recomendações (Figura 2).

Figura 1. Relação entre o número de drogas administradas, reação adversa e taxa de mortalidade. Fonte: adaptado de Smith et al.(5)

Tabela 1. Perfil da população de acadêmicos de medicina, n=148Característica n (%) Automedicação (%)Sexo

Masculino 46 (31,08) 41,30Feminino 102 (68,92) 43,15

Faixa etária, anos17-21 63 (42,57)22-26 62 (41,89)27-32 20 (13,51)>32 3 (2,03)

Ano do curso1o e 2o 83 (56,08) 44,573o e 4o 65 (43,92) 71,42

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Automedicação em acadêmicos de Medicina

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Embora o perfil populacional do estudo tenha demonstra-do altas taxas de automedicação, referente à população global, 96,58% tinham consciência dos riscos à saúde pela prática da ação em estudo. Das pessoas que diziam realizar a automedica-ção, 51% continuariam a prática.

O uso irregular de fármacos com álcool e/ou tabaco e/ou outras drogas ilícitas foi de 28,32%.

Muitos fatores causais foram elucidados e determinados na justificativa da automedicação, sendo dor o motivo mais encon-trado nos acadêmicos (34,05%), seguido de febre/inflamação (24,4%), azia/indigestão (17,96%), insônia (11,53%), falta de concentração para os estudos (10,19%) e sobrepeso (1,88%) (Figura 3).

Quanto ao hábito de ler a bula, 65,54% dos estudantes afir-maram ler a bula dos medicamentos e, neste grupo, 90,1% liam antes do uso do fármaco.

Quando questionados se apresentaram algum efeito colate-ral devido ao uso de fármacos sem prescrição médica, a maioria dos acadêmicos responderam que não (73,47%). Dentre aque-les que passaram por esta situação, o efeito mais observado foi náusea/vômito/tontura (34,78%), seguido de sintomas cardior-respiratórios (31,43%), aumento dos sintomas e/ou sinais já existentes (19,57%) e manifestações cutâneas (15,22%).

O consumo de medicamentos, sem prescrição, em situações de estresse foi realidade para 59 dos entrevistados, o que repre-sentou 40,41% da amostra.

DISCUSSÃOOs achados do presente estudo corroboram a hipótese esta-

belecida no problema de pesquisa e indicam correlação entre o uso de medicamentos sem orientação médica e o nível de conhe-cimento adquirido pelos estudantes de Medicina, representado na pesquisa pelos anos cursados na graduação. A prática foi esta-tisticamente maior entre os alunos do terceiro e quarto anos da faculdade e nos discentes do sexo feminino.

A sintomatologia que mais se relacionou ao uso de fármacos sem orientação médica foi dor, incluindo cefaleia, dor osteomus-cular, otalgia, odinofagia, cólicas, dentre outras; seguida pela fe-bre/inflamação, azia/indigestão, insônia, falta de concentração nos estudos, e por último, sobrepeso.

Nas situações de estresse, como períodos de avaliações acadê-micas e acúmulo de atividades, a maioria dos entrevistados negou o uso de medicações para controle das sintomatologias consequentes.

Quanto ao abuso de certas classes medicamentosas, o uso in consciente de antibióticos, ou seja, por tempo ou indicação fora das recomendações, pode induzir o surgimento de bactérias multirresistentes. Isto eleva os custos do tratamento, aumenta as taxas de hospitalização e os níveis de mortalidade. Além disso, determinadas classes de antibióticos podem provocar comorbi-dades e outros efeitos colaterais, como colite pseudomembranosa, ressecamento de boca e olhos, alterações do sistema nervoso e reações alérgicas graves.

A depender da quantidade e da frequência, as consequências do uso a médio/longo prazo de analgésicos e anti-inflamatorios incluem hepatites medicamentosas, perpetuação de dores, ne-fropatias, úlceras e gastrites.

Outro dado levantado pelo estudo foi o uso de substâncias como álcool, tabaco e drogas ilícitas, confirmado por 52% dos estudantes; dentre estes, 28,32% relataram consumir tais quí-micos concomitante a ingestão dos fármacos. Deve-se ressaltar o risco de tal prática, visto que estas substâncias podem alterar as propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos medica-mentos e, como consequências, suas propriedades terapêuticas, aumentando o risco da toxicidade deles.

Um aspecto preocupante demonstrado no estudo é o hábito de aconselhar o uso de medicamentos a outras pessoas praticado pelos alunos, o que pode ser fator para perpetuação da prática.

É importante discutir ainda que o estudo não é isento de influências externas: por exemplo, o simples fato do instrumento de pesquisa ser um questionário a expõe ao risco de vieses rela-cionados ao preenchimento do mesmo.

Tabela 2. Classes de fármacos citadas pelos sujeitos da pesquisa que se automedicavamClasse medicamentosa n (%)Antibióticos 24 (5,91)Antiácidos 51 (12,56)Anti-inflamatórios 82 (20,2)Analgésicos 118 (29,06)Antitérmicos 53 (13,05)Medicamentos para emagrecer 5 (1,23)Ansiolíticos 20 (4,93)Antidepressivos/estabilizadores do humor 13 (3,2)Psicoestimulantes 15 (3,69)Suplementação alimentar 25 (6,16)

Figura 2. Classes de fármacos conforme recomendação a terceiros dos que se automedicavam.

Figura 3. Prevalências das causas citadas como predisposto a se automedicar.

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CONCLUSÃO

A incidência da automedicação em estudantes de Medicina do noroeste do Espírito Santo se assemelhou aos índices encon-trados no restante do país.

Apesar de os acadêmicos relatarem conhecer os riscos envol-vidos com o uso desenfreado e desorientado dos medicamentos, uma minoria relatou o desejo de descontinuar a prática. São necessários mais estudos para o melhor delineamento do perfil dos estudantes que realizam esta prática e as principais motiva-ções, a fim de criar estratégias de intervenção e conscientização desta população.

REFERÊNCIAS

1. Katzung BG. Farmacologia básica e clínica. 10ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010.

2. Jonsen AR. A short history of medical ethics. London: Oxford University Press; 2008.

3. Silva RC, Oliveira TM, Casimiro TS, Vieira KA, Tardivo MT, Faria Junior M, et al. Automedicação em acadêmicos do curso de medicina. Medicina (Ribeirão Preto) [Internet]. 2012[citado 2016 jun 21];45(1): 5-11. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/47477/51205

4. Aquino DS, Barros JÁ, Silva MD. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(5):2533-8.

5. Smith JW, Seidl LG, Cluff LE. Studies on the epidemiology of adverse drug reactions. V. Clinical factors influencing susceptibility. Ann Intern Med. 1966;65(4):629-40.

6. Naime AC. O Uso indevido de medicamentos pela automedicação e seus consequentes riscos nos universitários da área da saúde. In: 18º SIICUSP. Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP, 2009. Disponível em: https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoObter?numeroInscricaoTrabalho=5325&numeroEdicao=18

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ARTIGO ORIGINAL

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Modelo de dissecção e acesso vascular de baixo custoLow cost model for vascular dissection and access

Mauricio Fortuna Pinheiro1, Renan Kleber Costa Teixeira1, José Maciel Caldas dos Reis1, Eduardo Henrique Herbster Gouveia1, André Lopes Valente1, Daniel Haber Feijó1, Denilson Jose Silva Feitos Junior1, Rui Sergio Monteiro de Barros1

Recebido da Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.

1. Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.

Data de submissão: 02/05/2018 − Data de aceite: 06/05/2018Conflito de interesses: não há.Fonte de financiamento: não há.

Endereço para correspondência: Renan Kleber Costa TeixeiraUniversidade do Estado do ParáTravessa Perubebui, 2.623 – TelégrafoCEP: 66050-420 – Belém, PA, BrasilTel.: (91) 98145-1108 – E-mail: [email protected]

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Descrever um modelo de treinamento de baixo custo de dissecção e acesso vascular utilizando língua bovina. MÉTODOS: Foram utilizadas dez línguas de boi para confec-ção de simuladores. Inicialmente, o corpo da língua foi disse-cado, separando as camadas epitelial e muscular, e o pedículo vascular foi destacado da base da língua. A artéria principal da língua foi, então, cateterizada e conectada a uma seringa, sendo, em seguida, fixada à porção muscular. Após, para simular o te-cido celular subcutâneo, foi confeccionada uma pasta amarela gelatinosa, que foi posicionada de modo a cobrir a extensão do pedículo vascular por inteiro. Por fim, a camada epitelial da lín-gua foi reposicionada sob a camada muscular, por meio de sutu-ra contínua. Para avaliar o modelo, foram observados o tempo de confecção do modelo, sua durabilidade, seu custo e o número de vezes que pôde ser usado. RESULTADOS: O tempo mé-dio para confecção do modelo foi de 15,82±2,45 minutos, com durabilidade de 20 dias sob refrigeração. O custo médio foi de R$25,00, podendo ser utilizado, em média, por 3,8±0,63 vezes. Não houve falhas na montagem do modelo. CONCLUSÃO: O modelo de língua de boi se mostrou viável e de fácil aplicação para o treinamento de técnica cirúrgica de dissecção vascular.

Descritores: Dissecação; Competência clínica; Treinamento por simulação; Educação médica; Anatomia; Educação baseada em competências

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe a low cost training model for dissection and vascular access using a bovine tongue. METHODS: Ten

bovine tongues were used to build simulators. First, the body of the tongue was dissected, with its epithelial layer being separated from the muscular layer, and the vascular pedicle was detached from the base of the tongue. The tongue main artery was then catheterized and connected to a syringe, and subsequently fixed to the muscle layer. Then, the entire vascular pedicle was covered with a yellow gelatinous paste to simulate the subcutaneous tissue. Finally, the epithelial layer was repositioned above the muscle layer through continuous suture. To evaluate the model, 4 variables were considered: 1) time for building the model, 2) its durability, 3) its cost, 4) number of times that it could be used. RESULTS: The mean time to make the model was 15.82 ±2.45 minutes, with a durability of 20 days under refrigeration. The mean cost of each model was U$10.00, and could be used about 3.8±0.63 times. There were no fails to build the model. CONCLUSIONS: The model with a bovine tongue proved to be viable and easy to be applied for training the surgical technique of vascular dissection.

Keywords: Dissection; Clinical competence; Simulation training; Education, medical; Anatomy; Competency-based education

INTRODUÇÃO

O acesso vascular é uma habilidade clínica básica que todos os médicos devem dominar completamente.(1,2) Os principais pro-cedimentos realizados são o acesso venoso periférico e central, o cateterismo arterial e a dissecção vascular. Estes procedimentos estão relacionados a insignificantes e, até mesmo, graves compli-cações. O sucesso na realização do procedimento depende de fa-tores como anatomia e comorbidades do paciente, e habilidade e experiência do operador.(1-5)

A dissecção vascular geralmente é realizada por médicos ci-rurgiões,(6) devido ao receio das demais especialidades em rea-lizar este procedimento médico. Parte desta realidade decorre da grande limitação de modelos de treinamento que consigam simular e garantir o ganho de habilidades nesta técnica.(7,8) Os atuais modelos existentes apresentam elevado custo, que limita o treinamento de grande parte dos profissionais e estudantes, ou, ainda, a criação de cursos.

O treinamento direto em seres humanos, mesmo supervi-sionados, não deve ser uma prática estimulada. Diversos estudos comprovam que treinamento antecipado em modelos ou simu-ladores reduzem as taxas de complicações, aumentam as taxas de sucesso do procedimento e diminuem a ansiedade do pro-fissional executante e do paciente.(5,7-10) A utilização de modelos

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Pinheiro MF, Teixeira RK, Reis JM, Gouveia HH, Valente AL, Feijó DH, Feitos Junior DJ, Barros RS

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animais também deve ser regrada, visando ao respeito às atuais normas éticas, minimizando seu uso desnecessário.(9,11)

Assim, a criação de modelos biológicos não vivos tem ga-nhado destaque no desenvolvimento de simuladores, visto que conseguem retratar as diversas situações que podem ocorrer na prática clínica, bem como permitem a reprodução de todas as etapas do procedimento,(5,9,12,13) divergindo de modelos não bio-lógicos que normalmente simulam apenas as principais etapas dos procedimentos.(7,8)

Este estudo objetivou descrever um modelo de treinamento alternativo de baixo custo de dissecção e acesso vascular utilizan-do língua bovina.

MÉTODOS

Este trabalho foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará (CAAE 37016114.0.0000. 5174/Nº 855.316). Foram utilizadas dez línguas de bois (Bos taurus) para a confecção dos simuladores. As línguas foram pro-venientes de um açougue devidamente certificado na cidade de Belém (PA).

Inicialmente, a língua foi lavada com água e sabão, para reti-rada de sujeiras, minimizando o processo de deterioração. Rea-lizou-se, então, a disseção da raiz da língua (porção mais distal) pela parte dorsal, até identificar todo pedículo vascular, sendo retirando os excessos da parte do ápice e raiz (Figura 1). Após total dissecção do pedículo vascular, foi mensurado o diâmetro da artéria principal. Este vaso, em conjunto com seus ramos pre-viamente ligados, foi totalmente destacado do pedículo e cate-terizado com sonda uretral número 8, por sua porção proximal.

A porção distal da língua foi seccionada lateralmente, tendo sido fixado o vaso no centro do corpo da peça. Em cima desta, foi adicionada uma pasta amarelada de aspecto gelatinoso, con-feccionada a partir de farinha de mandioca cozida em fogo alto, para simular o plano adiposo (Figura 2). Após, foi realizada a su-tura das bordas por meio de um chuleio simples, utilizando fio de náilon 3-0. A via de infusão do cateter deve ser exteriorizada, para simular o fluxo de fluidos (Figura 2).

Os modelos confeccionados foram avaliados em relação aos seguintes parâmetros: tempo de confecção; durabilidade sob re-frigeração a -4°C; custo de confecção; e número de vezes que pôde ser utilizado.

RESULTADOS

O tempo médio para a confecção de um simulador foi de 15,82±2,45 minutos. Nenhum modelo apresentou sinal de de-terioração em até 20 dias de observação, quando conservados sob refrigeração. O custo de confecção de cada simulador foi de aproximadamente R$25,00.

Cada simulador pôde ser utilizado, em média, por 3,80±0,63 vezes. Foi realizada a troca da “tampa” incisada por outra parte não utilizada da raiz da língua de boi, descartada no início do processo de confecção.

O presente modelo de treinamento mostrou-se eficiente para aquisição de habilidades para a realização de dissecção e

Figura 1. Cateterização e fixação da artéria na língua.

Figura 2. Posicionamento da pasta e aspecto final do modelo.

acesso vascular, quando empregado em um sistema de rotina de treinamento de duas a três vezes na semana, durante 4 semanas.

DISCUSSÃO

O treinamento de habilidades médicas representa um desa-fio, uma vez que as habilidades psicomotoras são desenvolvidas na maioria dos casos, desde as primeiras tentativas, direto em seres humanos.(12) A estrutura educacional tradicional baseia-se na máxima “ver uma vez, fazer uma vez, ensinar uma vez”.(14) Assim, no início da curva de aprendizado, devido à inexperiên-cia, há um favorecimento à ocorrência de erros técnicos, que podem resultar em maior período de internação, infecção do sítio de punção e maiores custos hospitalares,(1,4) além de gerar uma maior insegurança por parte do médico ou acadêmico e paciente.

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Modelo de dissecção e acesso vascular de baixo custo

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Visando minimizar estes efeitos, o treinamento médico, prin-cipalmente nas fases iniciais, está cada vez mais baseado no uso de simuladores.(5,8-10) A simulação é um método interativo e imersivo de ensino, que gera experiência total ou parcial de um ou vários procedimentos, sem expor pacientes a riscos; isto permite que as habilidades motoras possam ser incrementadas e avaliadas.

O modelo proposto visa à aquisição de uma habilidade médica básica que geralmente não é focada em diversos cur-sos de graduação ou residência médica – dissecção e cateteris-mo vascular. O modelo proposto apresenta características de fácil confecção e manipulação, baixo custo e excelente capa-cidade de simulação, conseguindo reproduzir todas as etapas do procedimento.

A utilização da língua de boi encontra-se dentro dos pre-ceitos éticos atuais, que visam minimizar o uso de animais de experimentação.(9-12) Além disso, o longo comprimento permite a reutilização do modelo, substituindo a parte incisada por um pedaço não utilizado anteriormente.

Devido o cateter conectado ao vaso, é possível avaliar se ocor-reram perfurações equivocadas, injetando o conteúdo e observando a ocorrência de extravasamentos, além de realizar treinamento de nós cirúrgicos, avaliando tanto a perviedade, quanto a lesão do vaso por uso de pouca ou muita força, respectivamente.

Além disso, este modelo pode ser utilizado para simular as etapas de um acesso venoso central, tentando puncionar o vaso e avaliando a presença de fluxo. Contudo, neste caso, não seria pos-sível simular os sítios de punção e nem as possíveis complicações do procedimento, como pneumotórax,(2) ainda que as etapas para a realização da punção conseguem ser facilmente reproduzidas.

As etapas do treinamento podem ser guiadas por ultras-som,(15,16) podendo ser treinada tanto a habilidade cirúrgica, quanto a destreza manual para a utilização do ultrassom, que, na atualidade, vem ganhando destaque para minimizar os riscos relacionados ao procedimento.

Contudo, é importante ressaltar que o modelo não conse-gue recriar todas as características relacionadas ao procedimento de dissecção vascular, principalmente no que tange às compli-cações, como formação de hematomas e pseudoaneurisma; e anatômicas, que não simulam a presença de partes ósseas. En-tretanto, realizar este procedimento em situações reais, sem trei-namento ou simulações prévios, pode aumentar as chances de falha,(5,7,8) justificando a criação do modelo.

CONCLUSÃO

O presente modelo proposto foi capaz de simular todas as eta-pas da realização de uma dissecção vascular, podendo ser empre-gado em diversos centros de treinamento, principalmente devido a seu baixo custo e por utilizar materiais de fácil aquisição.

REFERÊNCIAS

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RELATO DE CASO

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Fístula aorto-atrial direita: uma complicação pós-endocardite infecciosa. Relato de casoRight aorto-atrial fistula: a post-infective endocarditis complication. A case report

Lucas Grobério Moulim de Moraes1, Vinicius Vasconcelos do Lago¹, Lucas Kefler Bergamaschi¹, Tami Guerreiro Estevam Vieira¹, Paulo Roberto Angelete Alvarez Bernardes2

Recebido do Centro Universitário do Espírito Santo, Colatina, ES, Brasil.

1. Centro Universitário do Espírito Santo, Colatina, ES, Brasil.2. Hospital Maternidade São José, Colatina, ES, Brasil.

Data de submissão: 27/10/2017 − Data de aceite: 30/10/2017Conflitos de interesse: não há.Fonte de financiamento: não há.

Endereço para correspondência: Lucas Grobério Moulim de MoraesCentro Universitário do Espírito SantoAvenida Treze de Maio, 662, CentroCEP: 29750-000 – Pancas, ES, BrasilTel.: (27) 99827-6404 – E-mail: [email protected]

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RESUMO

A fístula aorto-atrial direita é uma comunicação anômala, que representa uma grave e infrequente complicação da endocardi-te infecciosa. Neste estudo, relata-se o caso de um paciente de 53 anos, do sexo masculino, com histórico evolutivo patológico de endocardite infecciosa e acometimento de valva aórtica. Sob imagem de ecocardiograma, demonstrou-se abscesso perivalvar aórtico, estendendo-se à parede atrial direita, com necessidade de abordagem cirúrgica. Foram realizados a anuloplastia valvar aórtica e implante de valva mecânica. Após 1 mês de evolução pós-cirúrgica, realizou-se novo ecocardiograma, que acusou shunt de débito da raiz da aorta para o átrio direito. A conduta diante do caso foi discutida entre equipe clínica e cirúrgica, vi-sando a possíveis falhas na terapêutica inicial.

Descritores: Endocardite/complicações; Fístula; Doenças da aorta/etiologia; Relatos de casos

ABSTRACT

Right aorto-atrial fistula is an anomalous communication that represents a serious and infrequent complication of infective endocarditis. This study reports the case of a 53-year-old male patient, with a pathological evolutionary history of infective endocarditis and aortic valve involvement. The echocardiogram shows an aortic perivalvar abscess extending to the right atrial wall, requiring a surgical approach. Aortic valve annuloplasty and mechanical valve implantation were performed. After a month of post-surgical evolution, a new echocardiogram was

performed, which showed aortic root to right atrium shunt. The behavior in this case was discussed between the clinical and surgical teams, aiming at possible failures in the initial therapy.

Keywords: Endocarditis/complications; Fistula; Aortic diseases/etiology; Case reports

INTRODUÇÃO

A fístula aorto-atrial (FAA) é um trajeto anômalo, que re-presenta uma rara e grave complicação da endocardite infecciosa (EI), a qual pode ocorrer em prótese valvar ou valva nativa.(1)

A FAA está presente em menos de 1% do lado direito e, geralmente, é associada à EI em válvula aórtica. Provavelmente, ocorre devido à alta pressão aórtica associada a uma área defei-tuosa, ocorrendo formação de um túnel extracardíaco, causando o rompimento do átrio direito, devido à proximidade anatômica e à baixa pressão de enchimento.(2-4)

A apresentação clínica da FAA depende de sua etiologia e do tamanho do shunt, e pode se apresentar como um quadro de síndrome de dor torácica aguda, devido à ruptura no local da dissecção, ou como quadro de insuficiência cardíaca refratária.(2)

A aortografia ascendente é a melhor ferramenta de diag-nóstico.(5,6)

As indicações para o fechamento da FAA incluem insufi-ciência cardíaca direita e/ou esquerda, hipertensão pulmonar e anemia hemolítica. A cirurgia é o padrão-ouro para resolução do quadro. Quanto mais rápido o diagnóstico, melhor o prog-nóstico.(5-9)

RELATO DE CASO

Paciente, 53 anos, sexo masculino, sem antecedentes pré-vios, procurou serviço médico devido a febre recorrente, perda de apetite, emagrecimento e queda do estado geral, de evolução nos últimos 60 dias. Não tinha doenças prévias, exposição ocu-pacional, uso de drogas ou demais comemorativos. Ao exame físi-co, chamou a atenção sopro diastólico em foco aórtico (4+/6+), ictus cordis propulsivo, palpável com três polpas digitais, e pressão arterial divergente (140/40 mmHg).

Feita hipótese diagnóstica de EI, foram coletadas culturas e foi realizado ecocardiograma (ECO), que demonstrou grande vegetação (18 mm) aderida em valva aórtica, com destruição valvar e insuficiência aórtica importante associada. ECO tran-sesofágico sugeriu abcesso perivalvar. Foi iniciado tratamento

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Fístula aorto-atrial direita pós-endocardite infecciosa

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com antibioticoterapia direcionada e indicada cirurgia de troca valvar, devido ao tamanho da vegetação e pela presença de com-plicações locais.

À inspeção cirúrgica, encontraram-se abscesso perivalvar aór-tico com continuidade no átrio direito, comprometimento de folheto coronariano e depleção do anel valvar. Foi realizada anulo-plastia valvar aórtica com exclusão do abscesso, com retirada de valva nativa e implante de prótese valvar aórtica mecânica, além de rafia de teto de átrio direito com patch de pericárdio. Pós-ope-ratório com muitas intercorrências: uso de drogas vasopressoras em altas doses, insuficiência renal aguda dialítica, hemotransfu-são, assistência ventilatória mecânica prolongada, tamponamento com necessidade de reintervenção. Todas as intercorrências fo-ram devidamente tratadas, e o paciente evoluiu bem.

Após 1 mês de evolução, o paciente foi submetido a um ECO (Figuras 1 e 2), que revelou fístula entre a raiz de aorta (seio de Valsalva) e o átrio direito, com shunt de moderada intensidade, com consequente hiperfluxo pulmonar. Foi instituído manejo

AD: átrio direito; VE: ventrículo esquerdo.Figura 1. Ecocardiograma revelando shunt de débito da raiz da aorta para o átrio direito.

Figura 2. Ecocardiograma apresentando fluxo bidirecional na fís-tula aorto-atrial.

clínico inicial, com boa resposta. Paciente encontra-se em acom-panhamento com avaliações mensais, com boa evolução.

DISCUSSÃO

A FAA já foi descrita em diversos trabalhos, corroborando a importância de sua diversidade clínica, e de sua urgência diag-nóstica e terapêutica. Trata-se de um caso relevante, com alto impacto na morbimortalidade dos pacientes acometidos, com múltiplas repercussões clínicas e hemodinâmicas, porém, quando a abordagem ocorre de forma adequada e eficiente, há relatos de melhores prognósticos.

Em tese, a relevância em descrever este caso está em de-monstrar uma etiologia da patologia diferente e destacar que a abordagem terapêutica da FAA pode ser definida baseada em condições clínicas do paciente e em sua tolerabilidade ao trata-mento clínico, não descartando a necessidade de uma interven-ção cirúrgica para correção definitiva do caso a qualquer estágio evolutivo da doença.

O desenvolvimento tecnológico e cientifico têm propor-cionado avanços nos métodos diagnósticos e terapêuticos, por vezes menos invasivos como o ECO transtorácico e transesofá-gico, e a cirurgia endovascular, sendo de proporcional eficácia aos métodos já descritos na literatura por Gajjar et al.,(1) como aortografia e cirurgia cardíaca aberta, o que, somado ao discer-nimento e à habilidade médica, determina adequada condução desta condição.

REFERÊNCIAS

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RELATO DE CASO

Rev Soc Bras Clin Med. 2018 abr-jun;16(3):176-9

Miocardiopatia não compactada em gestante com linfoma não Hodgkin. Relato de casoNon-compaction cardiomyopathy in pregnant women with non-Hodgkin lymphoma: a case report

Violeta Santos Silva Leite Neta¹, Andrezza Milet Alves¹, Sheyla Cristina Tonheiro Ferro da Silva2, Bruna Quaranta Bairral Lessa³, Marcos Antonio Almeida Santos4, Tissiana Menezes Oliveira Souza2, Caroline de Souza Costa Araújo5, Antônio Carlos Sobral Sousa6

Recebido do Departamento de Medicina, Universidade Tiradentes, Aracaju, SE, Brasil.

1. Departamento de Medicina, Universidade Tiradentes, Aracaju, SE, Brasil.2. Centro de Ensino e Pesquisa da Fundação Lucas, Aracaju, SE, Brasil.3. Hospital de Urgências de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.4. Núcleo de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente, Universidade Tiradentes, Aracaju, SE, Brasil.5. Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, Aracaju, SE, Brasil.6. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, Brasil.

Data de submissão: 26/10/2017 − Data de aceite: 30/10/2017Conflito de interesses: não há.Fonte de financiamento: não há.

Endereço para correspondência: Violeta Santos Silva Leite NetaDepartamento de Medicina da Universidade TiradentesAvenida Murilo Dantas, 300 – Farolândia – CEP: 49032-490 – Aracaju, SE, Brasil – Fone: (79) 998701236 – Email: [email protected]

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RESUMO

A miocardiopatia não compactada é uma doença congênita rara, que pode ocorrer isoladamente ou associada a outros defeitos, por falha no processo de compactação das fibras miocárdicas, resultando na persistência de trabeculações e recessos profundos. A associação entre a miocardiopatia não compactada e gestação é incomum na literatura, assim como a relação com macroglo-bulinemia de Waldenstrom, um tipo de linfoma não Hodgkin. Descrevemos aqui a rara associação destas três patologias. Trata-se de paciente do sexo feminino, sem antecedentes hematológicos, neoplasias ou cardiopatias, que procurou o serviço com queixa de astenia progressiva, dores no corpo, perda ponderal impor-tante e anemia. Na investigação diagnóstica, a imunoeletrofo-rese de proteína constatou pico monoclonal em IgM Kappa, com inventário medular por imunofenotipagem e biópsia de medula óssea com Kappa+, CD19+, CD20+, CD38 e CD79b, confirmando diagnóstico de neoplasia de linfócitos B maduros. Na terapêutica, optou-se pelo esquema de primeira linha com dexametasona, rituximabe e ciclofosfamida (DRC) − este últi-mo considerado agente alquilante cardiotóxico. Em triagem pré-quimioterápica, o eletrocardiograma mostrou alteração da repolarização ventricular anterosseptal. O ecocardiograma

transtorácico evidenciou trabeculações excessivas no ápice do ventrículo esquerdo, sugerindo não compactação do miocárdio. A ressonância magnética confirmou o diagnóstico. Foi iniciada terapia com metoprolol e ácido acetilsalisílico. Todavia, após o último ciclo de terapia quimioterápica, paciente descobriu gra-videz (G1P1A0). O período gestacional e o puerpério evoluíram sem manifestações clínicas de insuficiência cardíaca, em classe funcional I (New York Heart Association), mesmo com redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma transtorácico.

Descritores: Miocárdio ventricular não compactado isolado; Com plicações cardiovasculares na gravidez; Linfoma não Hodgkin; Ecocardiografia; Cardiotoxicidade

ABSTRACT

Non-compaction cardiomyopathy is a rare congenital disease that can occur in isolation or associated with other defects, due to failure in compaction of myocardial fiber, resulting in persistence of myocardial trabeculations and deep recesses. The association between non-compaction cardiomyopathy and gestation, as well as the relationship with Waldenstrom’s macrobulinemia, a type of Non-Hodgkin’s Lymphoma (NHL), are not common in the literature. This study describes the rare association of these three pathologies. This is the case of a female patient with no history of hematological, neoplastic, or heart diseases, who sought the service with complaints of progressive weakness, body aches, important weight loss, and anemia. During the diagnostic investigation, protein immunoelectrophoresis showed a monoclonal peak in IgM Kappa monoclonal gammopathy, with a medullary inventory by immunophenotyping and bone marrow biopsy with Kappa+, CD19+, CD20+, CD38 and CD79b, confirming the diagnosis of mature B-cell lymphocyte neoplasm. The first line therapy chosen was dexamethasone, rituximab, and cyclophosphamide (CKD), with the latter being considered a cardiotoxic alkylating agent. At pre-chemotherapy screening, the electrocardiogram showed an alteration of the anteroseptal ventricular repolarization. Transthoracic echocardiography (ETT) showed excessive trabeculations at the apex of the left ventricle (LV), suggesting no compaction of the myocardium. The magnetic resonance imaging confirmed the diagnosis.

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Miocardiopatia não compactada em gestante com linfoma não Hodgkin

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Therapy with metoprolol and acetylsalicylic acid was started. However, after the last cycle of chemotherapy, the patient found she was pregnant (G1P1A0). The gestational and puerperium period progressed with no clinical manifestations of heart failure, in functional class I (New York Heart Association), albeit the reduction of the ejection fraction of the left ventricular shown in the transthoracic echocardiography.

Keyword: Isolated noncompaction of the ventricular myocardium; Pregnancy complications, cardiovascular; Lymphoma, non-Hodgkin; Echocardiography; Cardiotoxicity

INTRODUÇÃOA miocardiopatia não compactada (MNC) é uma doença

congênita rara, que resulta da falha na compactação do miocár-dio na vida embrionária. Há, neste caso, persistência de trabe-culações e recessos profundos, que se comunicam com a cavi-dade ventricular e geram espessamento do miocárdio em duas camadas distintas (uma compactada e outra não compactada), atingindo, principalmente, o ventrículo esquerdo (VE).(1-3) Pes-quisas em andamento buscam esclarecer sua etiologia, detalhar o curso clínico e desenvolver melhores perspectivas terapêuticas. Apresenta baixa prevalência, em torno de 0,05% em adultos.(1,2) No entanto, sua prevalência em pacientes com insuficiência car-díaca (IC) é maior: 3 a 4%. Ambos os sexos são afetados igual-mente, e ela é mais prevalente na raça negra.

A importância dos estudos no âmbito da cardiopatia e da gravidez fundamenta-se em dois aspectos principais: a incidência de cardiopatia na gravidez é, em centros de referência, até oito vezes maior quando comparada a estatísticas internacionais; e, universalmente, a cardiopatia é considerada a maior causa de morte materna indireta no ciclo gravídico-puerperal (CGP).(3,4)

O câncer é a segunda causa de morte em mulheres em idade reprodutiva e pode complicar aproximadamente uma a cada mil gestações. Os linfomas constituem a quarta neoplasia mais diag-nosticada na gravidez, sendo esta associação mais comum em pacientes com linfoma de Hodgkin (LH), devido ao pico de inci-dência do LH coincidir com a idade fértil feminina. Em contra-partida, a macroglobulinemia de Waldenstrom (MW) é consi-derada uma forma rara de linfoma não Hodgkin (LNH), sendo mais prevalente em homens acima de 65 anos. As apresentações mais comuns são as neoplasias de linfócitos B, correspondendo a cerca de 75% dos LNH; como terapia de primeira linha, reco-menda-se o uso associado de dexametasona, rituximabe e ciclo-fosfamida (DRC).(5) A toxicidade desta última droga geralmente ocorre de forma aguda ou subaguda e tem relação com a dose, podendo ser irreversível; considerado agente quimioterápico al-quilante cardiotóxico, está relacionada à disfunção ventricular em até 10 a 20% dos casos, e de IC em 5 a 25% dos casos.(6)

Diante da concomitância incomum de três situações clínicas que podem manifestar-se com disfunção ventricular e conse-quente IC, como a MNC, miocardiopatia periparto e cardio-toxidade do quimioterápico, relatamos o caso com ênfase na evolução clínica favorável da paciente. Souza et al. descreveram um caso clínico de paciente com IC iniciada 15 dias após o parto e impressão diagnóstica de MNC, que foi excluída após a resso-nância magnética (RM).(7)

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, negra, 34 anos, natural de Ara-caju (SE), residente da Barra dos Coqueiros, sem antecedentes de doenças hematológicas, neoplasias ou cardiopatias, procurou o serviço com queixa de astenia progressiva, dores no corpo, perda ponderal importante (10kg em 1 mês) e anemia. Solici-tada imunoeletroforese de proteínas (Quadro 1), constatou-se pico monoclonal em IgM Kappa, com inventário medular por imu nofenotipagem e biópsia de medula óssea, com Kappa+, CD19+, CD20+, CD38 e CD79b, confirmando diagnóstico de neoplasia de linfócitos B maduros.(5) Pelo relato de achados essenciais, foi feito diagnóstico de MW, baseado nos critérios internacionais, a saber: pico monoclonal em IgM em qualquer concentração; presença de medula óssea infiltrada por pequenos linfócitos; células plasmáticas; e expressão de CD 19+, CD 20+ e IgM+. Optou-se por esquema de primeira linha com DRC.(6)

Em triagem pré-quimioterápica, o eletrocardiograma (ECG) mostrou alteração da repolarização ventricular anterosseptal; o ecocardiograma transtorácico (ETT) revelou incremento da di-mensão diastólica final do ventrículo esquerdo (VE) (62mm), com dimensão sistólica (38mm) e fração de ejeção do VE (0,69) preservados; observou-se, também, presença de trabeculações exuberantes no interior da cavidade ventricular esquerda, suge-rindo não compactação, diagnóstico confirmado pela RM, con-forme pode ser apreciado na Figura 1.

Após último ciclo de terapia quimioterápica (QT), foi consta-tado, inusitadamente, que a paciente estava gestante (G1P1A0), mas sem evidências clínicas de IC, portanto, em classe funcional I (New York Heart Association). Durante a gestação, foram ob-servados plaquetopenia grau leve e comportamento flutuante, sem exibir pico monoclonal, descartando recidiva de MW. A paciente evoluiu de forma assintomática, sem sinais de compro-metimento cardíaco, apesar de fazer uso das referidas drogas, sabidamente miocardiotóxicas. O ETT com strain (Figura 2),

Quadro 1. Imunoeletroforese de proteínas séricas. Material: soro; método: separação eletroforética, imunofixação e imunoturbidimetria.Parâmetros Laboratoriais ResultadoPré-albumina PresenteAlbumina Presente Alfa 1 glicoproteína ácida PresenteAlfa 1 antitripsina PresenteAlfa 2 haptoglobina PresenteAlfa 2 ceruloplasmina PresenteAlfa-2-macroglubulina PresenteBeta transferrina PresenteBeta hemopexina PresenteBeta C3 complemento PresenteIgG 3199,2IgM 376,3IgA 126,8Kappa 880,0Lambda 319,0

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Neta VS, Alves AM, Silva SC, Lessa BQ, Santos MA, Souza TM, Araújo CS, Sousa AC

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realizado para melhor avaliação da função ventricular, eviden-ciou miocárdio não compactado (relação > 2,0) com disfunção sistólica discreta (fração de ejeção de 0,47) e redução do strain longitudinal (-14,4%). A paciente recebeu alta hospitalar em uso de betabloqueador e antiagregante plaquetário, e encontra-se em acompanhamento ambulatorial.

DISCUSSÃO

Com a evolução tecnológica, o ETT tem sido considerado exame de rastreamento de pacientes com miocardiopatia. Os critérios ecocardiográficos para MNC são de três grupos: Jenni et al, Chin et al e Stollberger et al.(8-10) O primeiro critério é

o mais amplamente utilizado e define MNC como a estrutura formada por duas camadas − uma compactada (C) fina e outra não compactada (NC) espessa, com relação NC/C > 2 −; tra-beculações proeminentes; e recessos intertrabeculares profun-dos mensurados ao final da sístole, que, ao Doppler colorido, pode-se observar fluxo sanguíneo ventricular preenchendo tais recessos.(8) O critério de Chin et al. dita o diagnóstico quando a relação X/Y é ≤ 0,5 (X é a distância da superfície epicárdica até o recesso trabecular; Y é a distância da superfície epicárdica até o pico das trabeculações).(9) Quanto ao Stollberger et al., a MNC é definida quando há, no mínimo, três trabeculações na parede do VE, apical aos músculos papilares, visível em um único plano de imagem, além de recessos intertrabeculares perfundidos desde a cavidade ventricular, visualizados em Doppler colorido.(10)

A confirmação diagnóstica é feita mediante a RM em detri-mento de uma morfologia cardíaca mais detalhada, o que facilita visualizar o ápice não visto no ecocardiograma. O critério que define a MNC é a relação NC/C > 2,3 mensurada na diástole. A presença de massa de VE trabeculada acima de 20% da massa de VE total prediz MNC com sensibilidade e especificidade supe-riores a 93%.(11) Vale ressaltar que a RM oferece avaliação precisa e confiável quanto à extensão do miocárdio não compactado, o que tornaria fundamental ser realizada em todos os pacientes com diagnóstico de MNC.(12) Doenças linfoproliferativas não são frequentes durante a gestação, porém os linfomas represen-tam a quarta doença maligna mais frequente na gestação, sendo o LH o tipo mais comum.(13) A associação entre LH e gestação ainda é incomum. Relatos mais antigos estimaram frequência de aproximadamente 1:6.000 gestações. Estima-se que, de todas as pacientes com LH, apenas 3,2% tenham o diagnóstico confir-mado durante a gravidez. A decisão sobre tratamento nessa fase deve considerar a apresentação clínica, as interações medicamen-tosas com o período gestacional, e os efeitos do tratamento no feto em desenvolvimento e no recém-nascido. Portanto, não há consenso na literatura sobre como tratar estas pacientes, devido aos riscos da QT tanto para a gestante quanto para o feto.(13,14) A despeito do que é visto na literatura médica, a paciente apre-sentou diagnóstico de macroglobulinemia de Waldenstrom, um tipo de linfoma não Hodking. O cerne da associação desta con-dição é a terapia utilizada, sabidamente cardiotóxica, com risco de provocar disfunção ventricular e IC.

Uma definição padronizada de cardiotoxicidade é essencial para fins assistenciais e de pesquisa nesta população. Nas últimas duas décadas, as definições de cardiotoxicidade dos ensaios clí-nicos de oncologia são baseadas nas medidas da fração de ejeção do VE. O National Institute of Health (NIH) define cardiotoxi-cidade segundo a fração de ejeção do VE:(6-14) Grau I, para re-dução assintomática da fração de ejeção do VE entre 10 e 20%; Grau II, para redução da fração de ejeção do VE abaixo de 20% ou abaixo do normal; e Grau III, para IC sintomática.

A cardiotoxicidade apresenta-se de forma aguda, subaguda ou crônica. A aguda ou subaguda caracteriza-se por alterações súbitas na repolarização ventricular, alterações no intervalo QT, arritmias supraventriculares e ventriculares, síndromes corona-rianas agudas, pericardite e miocardite, geralmente observadas desde o início até 14 dias após o término do tratamento. A crô-

Figura 1. Ressonância magnética evidenciando relação do mio-cárdio não compactado com o compactado de 2,8:1.

VD: ventrículo direito; Ao: aorta, AE: átrio esquerdo.Figura 2. Ecocardiograma transtorácico: localização das trabé-culas em todas as regiões apicais do ventrículo esquerdo (VE). A maioria dos segmentos não compactados é hipocinética.

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Miocardiopatia não compactada em gestante com linfoma não Hodgkin

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nica pode ser diferenciada em dois tipos, de acordo com o início dos sintomas clínicos. O primeiro subtipo ocorre dentro de 1 ano após o término da QT, e o segundo geralmente após 1 ano do término da QT. A manifestação mais típica de cardiotoxicidade crônica é a disfunção ventricular sistólica ou diastólica, que pode levar a IC congestiva até a morte cardiovascular.(6)

O aparecimento desta complicação pode determinar inter-rupção do tratamento QT e comprometer a cura ou o adequado controle do câncer. É necessário destacar que a IC tem pior prognóstico que muitas neoplasias e pode comprometer grave-mente a evolução do paciente em tratamento.

A ocorrência da disfunção ventricular sistólica e diastólica assin-tomática, ou sintomática, varia nas séries clínicas entre 5 e 30%, sendo mais frequente em pacientes que se apresentam com os clássicos fatores de risco como: extremos de idade, disfunção ventricular prévia, hipertensão arterial sistêmica, diabetes, uso de associação de QT, radioterapia mediastinal e suscetibilidade genética.(6)

Dos fatores de pior prognóstico são citados: a presença do aumento do diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; ter clas-sificação funcional da New York Heart Association (NYHA) III e IV; e apresentar fibrilação atrial crônica e bloqueio de ramo.(1) Foram encontrados na paciente descrita apenas o aumento dias-tólico do ventrículo esquerdo, a despeito de classificação funcio-nal NYHA I e da alteração da repolarização ventricular anteros-septal no eletrocardiograma.

A miocardiopatia periparto (MP) é uma condição clínica rara, de etiologia não definida, com alta taxa de mortalidade materna. Para ser diagnosticada, faz-se necessária a presença dos achados: desenvolvimento de IC em mulheres entre o último mês gestacional e o quinto mês pós-parto; disfunção sistólica do VE referida pelo ecocardiograma; e a ausência de cardiopatia prévia ou outra causa de IC. Entretanto, a MP pode se apresentar com IC em idade gestacional precoce, ou ocorrer em mulheres com cardiopatia prévia e reserva cardiovascular reduzida, desde que a sua função ventricular seja normal. Condições como a MNC prévia e uso de drogas cardiotóxicas dificultam o diagnóstico de MP na gestação, visto que também acarretam IC e disfunção ventricular.(3,4,6)

CONCLUSÃO

A associação de miocardiopatia não compactada, linfoma não Hodgkin e gestação é um evento raro na literatura. As in-formações concernentes ao relato são importantes para novos casos que possam ocorrer. No presente relato, a paciente apre-sentou boa evolução clínica na gestação e permaneceu assinto-mática e clinicamente estável, mesmo com exposição prévia a medicamento cardiotóxico e diagnóstico de miocardiopatia não compactada.

REFERÊNCIAS

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6. Grupo de Estudos em Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia (GEIC/SBC); Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica; Instituto do Coração – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Kalil Filho R, Hajjar LA, Bacal F, Hoff PM, Diz Mdel P, Galas FR, Fukushima JT, Almeida JP, Nakamura RE, Trielli TR, Bittar CS, Santos MH, Galdeano FG, Auler Júnior JO, Silvestrini AA, Alencar A, Mota AC, Gusmão CA, Almeida DR, Simões CM, Bocchi EA, Lima EM, Fernandes F, Silveira FS, Vilas-Boas F, Beck da Silva Neto L, Rohde LE, Montera MW, Barbosa M, Mano MS, Riechelmann RS, Arai RJ, Martins SM, Ferreira SM, Santos V. [I Brazilian Guideline for Cardio-Oncology from Sociedade Brasileira de Cardiologia]. Arq Bras Cardiol. 2011;96(2 Suppl 1): 1-52. Portuguese.

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RELATO DE CASO

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Sinal de Faget como manifestação clínica de brucelose. Relato de casoFaget’s sign as a clinical manifestation of brucellosis: Case report

Aloir Neri de Oliveira Júnior1, Gustavo Paes Silvano1, Vinícius Oliveira Nitz1, Mariele Camile Evelyn Schaefer2, Iuri Jerônimo da Rocha Siqueira2

Recebido da Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, SC, Brasil.

1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, SC, Brasil.2. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, SC, Brasil.

Data de submissão: 07/03/2017 − Data de aceite: 09/03/2017Conflitos de interesse: não há.

Endereço para correspondência: Aloir Neri de Oliveira JúniorUniversidade do Sul de Santa CatarinaAvenida José Acácio Moreira, 787 – Tubarão, SC, BrasilTel.: 55 (54) 3223-6582 – E-mail: [email protected]

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

Relata-se o caso de uma paciente do sexo feminino, 32 anos, comerciante, com manifestações sistêmicas de brucelose, como febre diária contínua, sinal de Faget, lombalgia, cervicalgia, náuseas e cefaleia. Quando questionada, a paciente referiu con-sumo de leite e queijo não pasteurizados de origem bovina. Nos exames laboratoriais, foram evidenciados leucocitose, linfope-nia, proteína C-reativa dentro dos parâmetros da normalidade e ausência de transaminasemia, contrapondo achados clássicos da doença. Os exames de imagem mostraram sinais caracterís-ticos de sacroileíte. O tratamento foi realizado com doxiciclina 100mg via oral a cada 12 horas e estreptomicina 1g via intra-muscular diária. O resultado da titulação para brucelose foi po-sitivo. A paciente teve boa resposta ao tratamento, mantendo-se afebril e em bom estado geral até a alta hospitalar, que ocorreu após 14 dias do início da medicação, tendo sido mantido o tratamento ambulatorialmente.

Descritores: Brucelose; Febre de origem desconhecida; Sacroi-leíte, Sudorese

ABSTRACT

A case of a 32-year-old female retailer with systemic manifestations of brucellosis, such as prolonged daily fever, Faget’s sign, low back and neck pain, nausea and headache. When questioned, the patient reported consumption of unpasteurized milk and cheese of bovine origin. Laboratory tests revealed leukocytosis, lymphopenia, normal levels of C-reactive protein, and absence of transaminasemia, contrasting classic findings of the disease.

Imaging evaluation showed characteristic signs of sacroiliitis. The treatment was performed with doxycycline 100mg orally every 12 hours, and streptomycin 1g intramuscularly once daily. The serology for brucellosis was positive. The patient showed good response to the treatment, remaining afebrile and in good general condition until hospital discharge, which took place 14 days after starting the medication; she remained on treatment in an outpatient setting.

Keywords: Brucellosis; Fever of unknown origin; Sacroiliitis; Sweating

INTRODUÇÃO

A brucelose, também conhecida como febre Familiar do Me-diterrâneo, febre de Malta ou febre ondulante, é uma das zoono-ses mais comuns do mundo.(1,2) É uma infecção granulomatosa crônica causada por bactérias Gram-negativas do gênero Bru-cella. A transmissão para os seres humanos ocorre pelo contato com fluídos de animais contaminados (ovelhas, suínos, bovinos e caprinos) e pelo consumo de leite infectado não pasteurizado e seus derivados. Pastores, trabalhadores de abatedouro, veteri-nários, profissionais de indústria de laticínios e microbiologistas são os principais afetados por esta doença, também considerada ocupacional.(3)

São reconhecidas dez espécies do gênero Brucella. Classica-mente, Brucella melitensis, Brucella abortus, Brucella suis e Bru-cella canis são os patógenos primordiais que infectam os huma-nos.(3,4) Reportam-se cerca de 500 mil casos anuais em humanos por todo o mundo.(2) No Brasil, a estrutura para diagnóstico da brucelose em humanos ainda é primitiva, com dados escassos e negligenciados. Sabe-se, no entanto, que a prevalência de focos de brucelose bovina varia conforme a região, sendo de 0,32% na Região Sul e alcançando 41,2% na área central do país.(5)

As manifestações clínicas da doença são variadas e inespe-cíficas, podendo acometer qualquer órgão ou sistema.(3) Os principais sintomas são: febre, fadiga, anorexia, perda ponderal, cefaleia, artralgia e lombalgia. A sudorese fétida é praticamente patognomônica.(1,3) O exame físico, em geral, é inespecífico, mas linfadenopatia, hepatomegalia ou esplenomegalia normalmen-te estão presentes.(3) Apesar de pouco relatado, o sinal de Faget (bradicardia relativa ou dissociação pulso-temperatura) pode ser utilizado como indício diagnóstico.(6)

A principal complicação é a doença osteoarticular (artrite periférica, sacroileíte e espondilite).(3) A segunda complicação

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Sinal de Faget como manifestação clínica de brucelose

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mais comum envolve o sistema reprodutor, podendo cursar com orquite e epididimite.(1,3) Hepatite é um achado usual, manifes-tando-se com aumento das transaminases. O envolvimento do sistema nervoso central é caracterizado, na maioria dos casos, por meningite e meningoencefalite.(3) As manifestações respi-ratórias são consideradas raras, podendo ocorrer linfadenopatia hilar e peri-hilar, pneumonite intersticial, broncopneumonia, nódulos pulmonares, derrame pleural e empiema.(1,3) A princi-pal causa de morte durante a doença é a endocardite.(1) O hemo-grama é caracterizado por leucopenia e linfocitose, em conjunto com anemia e trombocitopenia. No entanto, a pancitopenia é multifatorial, sendo atribuída ao hiperesplenismo e ao envolvi-mento da medula óssea.(3)

Os dois principais regimes de tratamento envolvem doxici-clina por um período de 6 semanas, em combinação com estrep-tomicina por 2 a 3 semanas ou rifampicina durante 6 semanas. A administração dos três antibióticos em conjunto é utilizada quando há envolvimento do sistema nervoso central.(1)

O objetivo do presente artigo foi rever as manifestações clínico-laboratoriais não usuais presentes em paciente com brucelose.

RELATO DO CASO

Paciente R.C.O., 32 anos, sexo feminino, comerciante, ca-sada, natural de Santa Fé (PR) e residente em Gravatal (SC),

iniciou com quadro de febre alta diária contínua (>41°C), lom-balgia, cervicalgia, náuseas e cefaleia há 2 dias. Foi atendida no Serviço de Emergência de um hospital do sul de Santa Catarina, apresentando, no exame físico, sinal de Lasègue e rigidez nucal. Como comorbidade, relatou talassemia minor. Realizou exames laboratoriais, punção lombar, raio X de tórax e tomografia com-putadorizada (TC) de crânio. Os exames aos quais foi submeti-da não evidenciaram alterações, e a paciente foi internada para investigação do caso.

Foi realizada nova punção lombar, e iniciou-se ceftriaxona empiricamente, pela suspeita de meningite bacteriana. Devido à evolução desfavorável, vancomicina foi acrescentada ao esquema antibacteriano. O exame do líquido cefalorraquidiano não apre-sentou alterações, e a paciente manteve-se febril.

No interrogatório complementar, a paciente relatava história de perda ponderal de 5kg, sudorese fétida, dor torácica venti-latório-dependente e dor inguinal durante deambulação. Na ressonância magnética (RM) de coluna cervical e dorsal, verifi-caram-se achados incipientes de espondilose. A única alteração no exame laboratorial (durante todo período de infecção) foi relativa ao hemograma, com a presença de anemia microcítica (Tabelas 1 e 2).

Durante a internação, foram evidenciadas entesites em es-pinha ilíaca anterossuperior esquerda, articulação sacroilíaca direita, segundo espaço intercostal bilateral, sétimo espaço in-tercostal direito, quinta vértebra lombar e espinha ilíaca pos-

Tabela 1. Hemograma da paciente durante a internação hospitalar

DataHc Hb Ht VCM HCM CHCM RDW Lc Bt Bs Seg Eos Lt Mt Pt

milhões/mm³ g/dL % fL pg g/dL % mm³ mm³ mm³ mm³ mm³ mm³ mm³ mm³12 de junho de 2015 5,49 11,8 37,2 67,8 21,5 31,7 14,5 7.240 22 3982 210 2737 290 210.00019 de junho de 2015 5,47 11,5 36,6 66,9 21 31,4 14,6 5.870 29 3.499 153 1.937 252 200.00029 de junho de 2015 5,88 12,2 39,2 66,7 20,7 31,1 14,3 10.230 41 6.752 143 2.813 481 244.00011 de julho de 2015 5,62 11,8 38 67,6 21 31,1 14,5 11.820 591 10.354 0 827 47 183.00025 de julho de 2015 5,19 11,1 35,4 68,2 21,4 21,4 15,1 6.940 42 4.622 458 1.367 451 195.0003 de agosto de 2015 4,95 10,7 34,8 70,3 21,6 30,7 15,3 8.300 50 4.524 913 2.432 382 269.000Hc: Hemácias; Hb: hemoglobina; Ht: hematócrito; VCM: volume corposcular médio; HCM: hemoglobina corposcular média; CHCM: concentração de hemo-globina corpuscular média; RDW: índice de anisocitose; Lc: leucócitos; Bt: bastões; Bs: basófilos; Seg: segmentados; Eos: eosinófilos; Lt: linfócitos; Mt: monócitos; Pt: plaquetas.

Tabela 2. Exames laboratoriais da paciente durante a internação hos pitalar

DataPCR VHS LDH CK AST ALT Crmg/L mm U/L U/L U/L U/L mg/dL

12 de junho de 2015 0,4 3 163 53 15 10 0,9119 de junho de 2015 - - 180 45 - - 0,5829 de junho de 2015 0,5 8 186 32 19 20 0,6511 de julho de 2015 1 6 - - 38 36 0,925 de julho de 2015 4,5 12 180 35 - - 1,8

3 de agosto de 2015 2,7 - - - - - 0,75PCR: proteína C-reativa; VHS: velocidade de hemossedimentação; LDH: lactato desidrogenase; CK: creatinofosfoquinase; AST: aspartato transaminase; ALT: alanina aminotransferase; Cr: creatinina.

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Oliveira Júnior AN, Silvano GP, Nitz VO, Schaefer MC, Siqueira IJ

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terossuperior bilateral. Além disso, constatou-se a presença do sinal de Faget (Figura 1).

Foi prescrita indometacina e, posteriormente, metilpredni-solona, ambos sem resposta clínica satisfatória. Nenhuma das três hemoculturas realizadas pela paciente em momentos dis-tintos mostrou crescimento de microrganismos. O resultado da mielocultura também foi normal.

A RM das articulações sacroilíacas apontou achados sugesti-vos de sacroileíte à direita (Figura 2).

Em um segundo momento, durante a internação, a pacien-te referiu ter visitado um familiar no Paraná e ingerido leite bovino não pasteurizado. Devido à suspeita clínica de brucelo-se, foi solicitada sorologia e iniciado tratamento empírico com doxiciclina 100mg via oral a cada 12 horas e estreptomicina 1g via intramuscular diária. Solicitou-se sorologia para brucelose, com resultado positivo. A paciente teve boa resposta ao trata-mento, mantendo-se afebril e em bom estado geral até a alta hospitalar, com a orientação de manter o tratamento ambula-torialmente. No momento, mantém retornos periódicos dada a possibilidade de recidivas.

DISCUSSÃO

No presente relato, a história clínica de exposição ao leite não pasteurizado, os sintomas osteoarticulares e a febre alta persistente associada com sinal de Faget suscitaram a hipótese diagnóstica de brucelose, que foi corroborada pela melhora dra-mática ao tratamento instituído e, posteriormente, confirmada pela positividade da sorologia.

O sinal de Faget é descrito como presença de frequência cardíaca relativamente baixa, quando comparada ao aumento de temperatura. É um sinal mal definido, mas estudos o tem determinado como um acréscimo na frequência cardíaca <10 batimentos/minuto a cada 1°C de elevação na temperatura corporal. Está presente em condições como febre tifoide, febre amarela, brucelose, dengue, leptospirose e algumas febres indu-zidas por drogas.(6)

No caso apresentando, a paciente apresentou sacroileíte e entesites como complicação osteoarticular da doença. A sacroi-leíte na brucelose é, geralmente, única ou bilateral e não destru-tiva. Em 37% dos casos, a dor inicia na região lombossacral.(7)

A dor pode ser referida na região ciática, positivando o sinal de Lasègue mesmo na ausência de espondilite,(8) como ocorreu neste relato.

A RM é considerada o método de escolha na avaliação das sacroileítes. As principais alterações observadas na RM durante a fase aguda são: líquido intra-articular, edema medular ósseo subcondral, realce pós-gadolíneo articular e periarticular, e ede-ma de tecidos moles.(9)

A brucelose é uma causa de febre de origem indeterminada (FOI) muitas vezes não considerada como hipótese diagnóstica inicial durante a prática clínica diária, principalmente em regi-ões onde sua prevalência é baixa.

Apesar do tratamento adequado, 5 a 30% dos pacientes podem ter recidiva dos sintomas, geralmente nos 6 primeiros meses após a infecção inicial. Deste modo, é importante que os pacientes sejam acompanhados periodicamente.(10)

Figura 1. Dissociação entre pulso e temperatura, caracterizando o sinal de Faget.

Figura 2. Cortes coronais de ressonância magnética ponderados em STIR, evidenciando realce pelo meio de contraste em articulação sacroilíaca direita.

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Sinal de Faget como manifestação clínica de brucelose

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A brucelose é um desafio diagnóstico devido à ampla varia-bilidade de sinais e aos sintomas e exames laboratoriais inespe-cíficos. No presente relato, o sucesso diagnóstico foi dificultado por sua baixa prevalência na Região Sul do país, assim como pelos achados atípicos nos exames laboratoriais. Apesar de ser uma doença infecciosa, em nenhum momento houve aumen-to das provas inflamatórias ou alterações das enzimas hepáticas. Considerando as complicações e sequelas irreparáveis que esta patologia pode causar, tornam-se necessários seu diagnóstico precoce e a implementação de medidas de prevenção da doença no ser humano.

REFERÊNCIAS

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3. Pappas G, Akritidis N, Bosilkovski M, Tsianos E. Brucellosis. N

Engl J Med. 2005;352(22):2325-36. Comment in: N Engl J Med. 2005;353(1):1071-2.

4. Kang SI, Her M, Kim JW, Kim JY, Ko KY, Ha YM, et al. Advanced multiplex PCR assay for differentiation of Brucella species. Appl Environ Microbiol. 2011;77(18):6726-8.

5. Alves AJ, Villar K S. Brucelose bovina e sua situação sanitária no Brasil. MV&Z. Rev Educ Contin Med Vet Zootec. 2011;9(2):12-7.

6. Mittal J, Estiverne C, Kothari N, Reddi A. Fever and relative bradycardia: a case presentation and review of the literature. Int J Case Rep Short Rev [Internet]. 2015[cited 2017 nov 21];1(1):4-8. Available from: http://www.scireslit.com/CaseReports/CRSR-ID12.pdf.

7. Ariza J, Pujol M, Valverde J, Nolla JM, Rufí G, Viladrich PF, et al. Brucellar sacroiliitis: findings in 63 episodes and current relevance. Clin Infect Dis. 1993;16(6):761-5.

8. Wong M, Vijayanathan S, Kirkham B. Sacroiliitis presenting as sciatica. Rheumatology (Oxford). 2005;44(10):1323-4.

9. Montandon C, Costa MA, Carvalho TN, Montandon Júnior ME, Teixeira K. Sacroiliíte: avaliação por imagem. Radiol Bras. 2007;40(1):53-60.

10. Hasanjani Roushan MR, Moulana Z, Mohseni Afshar Z, Ebrahimpour S. Risk factors for relapse of human brucellosis. Glob J Health Sci. 2016;8(7):53370.

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ARTIGO DE REVISÃO

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Efeito do exercício físico nas funções cognitivas e motoras de idosos com doença de Alzheimer: uma revisãoEffect of physical exercise on the cognitive and motor functions of the older people with Alzheimer’s disease: a review

Soraia Fernandes das Neves Glisoi1, Thays Martins Vital da Silva2, Ruth Ferreira Santos-Galduróz2

Recebido da Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, SP, Brasil.

1. Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, SP, Brasil.2. Instituto Federal Goiano, campus Avançado Hidrolândia, Goiânia, GO, Brasil.

Data de submissão: 26/03/2017 – Data de aceite: 30/05/2017Conflito de interesses: Os autores deste manuscrito declaram não haver conflito de interesses de ordem comercial, acadêmica, financeira, pessoal e política.

Endereço para correspondência: Soraia Fernandes das Neves Glisoi − Universidade Federal do ABC Rua Arcturus, 3 − Jardim Antares – CEP: 09606-070 − São Bernardo do Campo, SP, Brasil − Tel: (11) 94531-9292– Email: [email protected]

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o efeito do exercício físico nos aspectos cognitivos e motores de idosos com doença de Alzheimer. MÉ-TODOS: Foi realizada busca nas seguintes bases de dados: Pub-Med, MEDLINE, LILACS, Periódico CAPES e Web of Scien-ce™, no período de 2011 a 2016. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “physical exercise”, “exercise”, “training”, “motor intervention”, “aged”, “older”, “elderly”, ”Alzheimer’s dementia”, “Alzheimer’s disease”, “Alzheimer”, “Cognition”, “cognitive per-formance”, “motor” e “motor performance”. RESULTADOS: Além da busca em base de dados, foi realizada busca manual nas listas de referências dos artigos selecionados. Foram encontrados três estudos que preencheram todos os critérios de inclusão adotados neste trabalho. Todos demonstraram melhoras tanto no desempenho cognitivo quanto motor de idosos com doença de Alzheimer submetidos a exercícios físicos. CONCLUSÃO: Observou-se melhora e/ou manutenção das funções cognitivas e motoras em todos os estudos. Apesar disso, não houve consenso sobre o tipo de exercício, sua intensidade e a duração adequada para idosos com doença de Alzheimer.

Descritores: Exercício; Destreza motora; Treinamento de resis-tência; Cognição; Doença de Alzheimer/terapia; Envelhecimento

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the effect of physical exercise on the cognitive and motor aspects of older people with Alzheimer’s disease. METHODS: The following databases were searched: Pubmed, Medline, Lilacs, CAPES Journal, and Web of Science

from 2011 to 2016. The following keywords were used: “Physical exercise”, “exercise”, “training “” Motor intervention “,” Aged “,” older “,” elderly”,”Alzheimer’s dementia”,”Alzheimer’s disease“,”Alzheimer”, “Cognition”, “cognitive performance”, “Motor”. RESULTS: In addition to database search, a manual search was performed in the reference lists of the selected articles. Three studies were found that fulfilled all the inclusion criteria adopted in this study. All of them demonstrated improvements in both the cognitive and motor performance of older people with Alzheimer’s disease undergoing physical exercises. CONCLUSION: Improvement and/or maintenance of cognitive and motor functions was observed in all studies. Despite this, there was no consensus on the type of exercise, its intensity and adequate duration for elderly people with Alzheimer’s disease.

Keywords: Exercise; Motor skills; Resistance training; Cognition; Alzheimer’s disease/therapy; Aging

INTRODUÇÃO

A doença de Alzheimer (DA) é caracterizada pelo declínio das habilidades cognitivas de início insidioso, que compromete o comportamento, a funcionalidade e a qualidade de vida. Nor-malmente, este quadro é antecedido por um comprometimento cognitivo leve. Os primeiros comprometimentos ocorrem na memória recente. Conforme o quadro evolui, ocorrem distúr-bios de memória semântica, dificuldade de nomeação e lin-guagem, défices de atenção e prejuízos nas habilidades visuoes-paciais e funções executivas.(1,2)

Estes prejuízos comprometem as funções motoras do idoso, a realização das Atividades de Vida Diária (AVDs) e a qualida-de de vida, ocasionando maior sobrecarga para cuidadores e/ou familiares.(3).

Apesar das pesquisas e dos esforços, ainda não há cura para a DA. O tratamento farmacológico torna-se uma das primeiras alternativas utilizadas, porém, muitas vezes, é controverso e oca-siona diversos efeitos colaterais. O tratamento não farmacológi-co, quando associado ao farmacológico, é uma alternativa para postergar os declínios cognitivos e motores, sendo importante o estudo de tratamentos alternativos acessíveis, que promovam maior funcionalidade e qualidade de vida a estes idosos.(4,5)

A realização de atividades físicas ou exercícios físicos siste-matizados é um dos fatores mais importantes de proteção sobre

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Efeito do exercício físico nas funções cognitivas e motoras na doença de Alzheimer

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o declínio cognitivo, melhoria das AVDs, qualidade de vida, sintomas depressivos e funções motoras.(6-9) Apesar da quanti-dade, a heterogeneidade metodológica destes estudos dificulta a aplicabilidade de protocolos específicos e eficazes na DA.(10) Outra dificuldade encontrada está relacionada à falta de moni-toramento da frequência e intensidade do exercício e seus efeitos na doença(11).

Levando em consideração o envelhecimento populacional, o aumento do número de casos com DA e suas consequências (custos, necessidade de suporte e baixa qualidade de vida), é de extrema importância a análise dos estudos que investigaram o efeito do exercício físico nesta população. Revisões sistemáticas prévias avaliaram o efeito da atividade física sistematizada sobre aspectos neuropsiquiátricos(12,13) e cognitivos(14). Em 2010, Vital et al. revisaram quatro estudos e encontraram redução de sin-tomas depressivos em dois destes. Em 2011, Hernandez et al. encontraram oito estudos nos quais a atividade física promoveu bons resultados para os distúrbios de agitação e sono de pacien-tes com DA.(12) A revisão sistemática realizada por Coelho et al. selecionou oito estudos que demonstraram que a atividade físi-ca sistematizada contribuiu para melhorar temporariamente as funções cognitivas de idosos com DA, principalmente atenção, funções executivas e linguagem.(14)

A revisão mais recente sobre esta temática, publicada por Hernández et al. no ano de 2014, reuniu 13 estudos publicados entre os anos de 2003 e 2013. Foram descritos todos os artigos que demonstraram benefícios do exercício para a DA: melhora na funcionalidade, distúrbios neuropsiquiátricos, aptidão car-diovascular e cardiorrespiratória, componentes da capacidade funcional (flexibilidade, equilíbrio, agilidade e força) e melhorias em aspectos cognitivos como atenção sustentada, memória visual e cognitivo frontal.(15)

Na DA, o declínio cognitivo é acompanhado pelo declínio motor (instabilidade postural, aumento do número de quedas, diminuição da massa muscular etc.), sendo considerável imagi-nar que uma melhora motora proveniente da prática de exercício físico pode promover melhora da função cognitiva. Sheridan et al. realizaram estudo em 2003 apontando a influência da função executiva na função locomotora e observaram que o défice na atenção dividida (característico na DA) interfere diretamente no padrão de marcha, predispondo o indivíduo à variabilidade do tempo de passo e gerando instabilidades que explicam o maior número de quedas observado nessa população.(16)

Alguns estudos relacionados ao efeito do treinamento aeró-bio demonstraram efeito positivo na redução da atrofia cerebral, melhora da circulação sanguínea em idosos com DA leve.(17) O estudo de Erickson et al. demonstrou aumento do hipocampo e melhora da memória em adultos mais velhos.(18) Vital et al. e Garuffi et al. obtiveram efeitos positivos em idosos com DA por meio de treinamento com pesos apenas para variáveis funcionais específicas, como força, agilidade, flexibilidade e equilíbrio.(19,20) Com base na revisão sistemática realizada por Hernández et al., observa-se que existem inferências positivas que apontam que a prática de treinamento com peso traz melhorias funcionais, enquanto que, para treinamento multimodal, os benefícios são cognitivos, funcionais, comportamentais e nutricionais.(15) Por

fim, o treinamento aeróbio traz benefícios cardiovasculares, fun-cionais e cognitivos. Nenhum destes estudos e revisões avaliou o efeito do exercício físico isolado, tanto em variáveis cognitivas quanto em motoras, bem como a correlação entre ambas.

Com base nessas informações, o objetivo desta pesquisa foi realizar uma revisão sistemática dos estudos que analisaram o efeito do exercício físico nos aspectos cognitivos e motores de idosos com DA, observando se os idosos que fazem exercício físico apresentam, além da melhora cognitiva, melhora de aspec-tos motores, e se estes fatores estão ou não relacionados.

MÉTODOS

O delineamento metodológico foi composto por uma re-visão sistemática da literatura, orientada por busca nas seguin-tes bases de dados: PubMed, MEDLINE, LILACS, Periódico CAPES e Web of Science™ no período de 2011 a 2016. A es-colha das bases de dados está relacionada aos temas de saúde abordados por elas. Os operadores lógicos boleanos e as palavras--chave utilizadas foram: “physical exercise” OR “exercise” OR “training” OR “motor intervention” AND “aged” OR “older” OR “elderly” AND “Alzheimer’s dementia” OR “Alzheimer’s disease” OR “Alzheimer” AND “cognition” OR “cognitive performance” AND “motor” OR “motor performance”. Além da busca nas bases de dados, foi realizada busca manual, a partir das referências dos artigos selecionados. A busca pelos artigos teve início em janeiro de 2016 e término em outubro de 2016. Os critérios de inclusão para seleção dos artigos foram: estudos publicados nos últimos 5 anos; idiomas inglês, espanhol, italiano e francês; estudos con-trolados; amostra dos estudos composta por idosos entre 60 e 80 anos; diagnóstico da DA segundo os critérios oficiais de órgãos internacionais (Classificação Estatística Internacional de Doen-ças e Problemas Relacionados à Saúde − CID, Manual Diag-nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais − DSM e National Institute of Neurological and Communicative Disorders/Stroke and the Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association − NINCDS/ADRDA); estudos que utilizassem como intervenção apenas o exercício físico sem estimulação cognitiva; e estudos com desfechos motores e cognitivos. Os artigos que não se en-caixaram nesses critérios foram excluídos do estudo. Todos os passos para elaboração da revisão foram realizados por dois au-tores de forma independente.

RESULTADOS

Após busca nas bases de dados, foram encontrados 756 ar-tigos relacionados ao tema. Destes, 683 foram excluídos após primeira leitura (título e relação com o tema proposto), restan-do, assim, 73 artigos. Após leitura dos resumos, 17 artigos fo-ram selecionados. Após leitura dos artigos na íntegra (análise de metodologia e desfechos), foram selecionados três artigos rela-cionados ao objetivo do estudo. A figura 1 ilustra as etapas de seleção dos artigos. Os três estudos que atenderam os critérios metodológicos serão descritos a seguir.

Sampaio et al.(10) examinaram o efeito de uma intervenção de treinamento multicomponente sobre a função cognitiva, física

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Glisoi SF Silva TM, Santos-Galduróz RF

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e funcional em pacientes institucionalizados com a DA. Trata-se de um estudo controlado e não randomizado, que avaliou 30 idosos clinicamente diagnosticados com DA em estágio leve ou moderado, de acordo com o CDR. Os idosos foram divididos em grupo controle, que realizava suas atividades habituais, e gru-po experimental, que realizou exercícios de acordo com as reco-mendações do American College of Sports Medicine (ACSM) por 6 meses. As sessões foram realizadas duas vezes por semana, em dias não consecutivos, com duração de 45 a 55 minutos. Cada sessão foi dividida da seguinte forma: 10 minutos de alongamen-to, 10 minutos de exercícios aeróbicos, 15 minutos de exercí-cios de coordenação e equilíbrio, e 5 minutos de desaceleração (exercícios respiratórios). Todas as avaliações foram aplicadas no início da intervenção, e 3 e 6 meses após o início desta. Para ava-liação cognitiva, foi utilizado o Miniexame do Estado Mental (MEEM) e, para função física, foi o utilizado o Senior Fitness Test. Houve melhora ao longo do tempo nos testes de aptidão física no grupo intervenção (teste de sentar e levantar, força de membros superiores e Timed Up and Go − TUG), com signifi-cância estatística (p<0,001), enquanto que, no grupo controle, observou-se piora no desempenho das mesmas funções. Com relação à cognição, observou-se melhora progressiva das pon-tuações no MEEM no grupo intervenção (p=0,008), enquanto que, no grupo controle, observou-se piora das pontuações. Os autores afirmaram que um programa de exercício físico pode afetar positivamente as funções cognitiva e físicas de idosos com DA, melhorando a qualidade de vida e a realização de AVDs.

Venturelli et al,(11) realizaram uma intervenção com caminhada quatro vezes por semana, durante 30 minutos, em 11 idosos com demência CDR 3 e 4. O grupo controle continuou realizando

as atividades diárias habituais. Devido à gravidade da DA, as ca-minhadas eram acompanhadas por um profissional. Ao término das 24 semanas, o grupo intervenção apresentou melhora das pontuações do Teste de Caminhada de 6 Minutos, da escala de Barthel e da manutenção da pontuação do MEEM, enquanto o controle declinou estas pontuações. Os autores sugerem que o exercício físico, mesmo em estágios mais avançados da DA, pode retardar a progressão da doença. Reforçam a importância de programas de exercícios físicos adequados e seguros para esta fase da DA.

Vreugdenhil et al.(21) realizaram estudo randomizado e con-trolado para avaliar a eficácia de um programa de exercícios na função cognitiva, física e independência nas AVDs em pessoas com DA. A demência foi diagnosticada de acordo com os crité-rios do DSM-IV, do National Institute of Neurological and Com-municative Disorders and Stroke (NINCDS) e da Alzheimer’s Di-sease and Related Disorders Association (ADRDA). A amostra foi composta por 40 idosos, que foram alocados aleatoriamente em grupo controle, que recebia os tratamentos habituais, e grupo de tratamento, que realizou um programa de exercícios domiciliares por 4 meses. O protocolo de treinamento era composto por dez exercícios simples, com três níveis progressivamente desafiado-res, fortalecimento de membros superiores e inferiores, e treino de equilíbrio. Também fez parte do protocolo uma caminhada em velocidade rápida de 30 minutos. As funções cognitivas fo-ram avaliadas pela subescala cognitiva da Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer (ADAS-Cog) e MEEM. A função física foi avaliada pelo teste de alcance funcional, TUG e teste de sentar e levantar (avaliação de força de membros inferiores). Também foi utilizado a escala de Barthel para avaliação das AVDs.

Os resultados obtidos foram que o grupo tratamento, quan-do comparado ao controle, apresentou aumento de 2,6 pon-tos no MEEM (p=0,001) e diminuição de 7,1 no ADAS-Cog (p=0,001). Houve melhora das funções físicas, com maior al-cance funcional: aumento de 4,2cm (p=0,032), melhora na mobilidade − de 2,9 segundos mais rápido no TUG (p=0,004), e aumento da resistência corporal − 2,7 em 10 segundos (p=0,001). Os autores sugerem que um programa desenvolvido especificamente para pessoas com demência é eficaz na melhoria de domínios cognitivos e físicos, impactando na funcionalidade e qualidade de vida destes.

A tabela 1 resume as características metodológicas e resultados encontrados descritos anteriormente.

DISCUSSÃO

Do total de 17 artigos inicialmente examinados, quatro fo-ram definitivamente incluídos neste estudo. Destes três estudos, todos(10,11,21) demonstraram efeitos positivos do exercício físico nos aspectos cognitivos e motores de idosos com DA.

No que se refere às funções cognitivas todos os estudos de-monstraram melhora e/ou manutenção do desempenho em testes cognitivos, sendo o MEEM o instrumento de avaliação cognitiva utilizado por todos eles. Dois estudos(10,21) apontaram melhoras na pontuação do MEEM para o grupo que realizou exercício fí-sico, com aumento médio de 3 pontos, enquanto que um estudo

Figura 1. Etapas de seleção de artigos incluídos na revisão sis-temática.

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Efeito do exercício físico nas funções cognitivas e motoras na doença de Alzheimer

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apresentou manutenção das pontuações do MEEM após reali-zação de exercício físico.(11)

Os resultados obtidos para as funções cognitivas foram posi-tivos, porém deve-se levar em consideração que as amostras eram heterogêneas, mesmo tratando-se de todos terem o diagnóstico de DA. É importante observar a heterogeneidade nos estágios da doença. Dois estudos(10,21) utilizaram amostras de idosos com DA leve a moderada com diferentes pontuações médias no MEEM enquanto que um utilizou amostra de idosos com DA moderada e grave.(11)

Estudos realizados em anos anteriores,(22-26) não controlados ou randomizados, apontam para resultados semelhantes, no que se refere aos benefícios do exercício físico na cognição. Os estu-dos de Rolland et al.(24) e Palleschi et al.(25) avaliaram o benefí-cio da atividade física sistematizada e encontraram melhora na cognição global e atenção. Esses efeitos podem ser explicados por mecanismos neurofisiológicos, como melhora na circulação sanguínea cerebral e produção de neurotransmissores,(27,28) bem como alteração dos níveis de angiogênese, neurogênese e sinap-

togênese, por meio de mecanismos moleculares.(29) O aumento do fator neurotrófico de crescimento neural e sua repercussão na plasticidade cerebral são benefícios importantes promovidos pelo exercício físico.(30)

Os resultados obtidos para as funções motoras também fo-ram positivos em todos os estudos. Foram obtidas melhoras no alcance funcional, mobilidade e força de membros inferiores;(21) aumento da distância percorrida no Teste de Caminhada de 6 Minutos; melhora das transferências, mobilidade e para subir escadas;(11) melhora em todas as baterias do Senior Fitness Test (sentar e levantar, flexão do antebraço, sentado e alcançar, alcan-çar atrás das costas e 2 minutos de step).(10)

Dos 17 artigos selecionados para leitura, apenas três se en-qua draram em todos os critérios de inclusão. Diversos estudos(30-35) adotaram como intervenção protocolos multivariados, que rea-lizam exercícios físicos associados à estimulação cognitiva. Os pro-tocolos variaram desde a memorização da sequência de exercício que seriam realizados em domicílio(30) até protocolos com esti-mulação cognitiva específica (oficinas, treino de memória) e te-

Tabela 1. Resumo das características metodológicas e resultados encontrados pelos estudos citados acima.

Autor EstudoAmostra Avaliação

Intervenção ResultadosTamanho Caracterização Cognitiva Motora

Sampaio et al.(10)

1 n=30 idosos institucionalizados Média de 84 anos

Idosos com DA com CDR1 e 2

(leve e moderada)

MEEM The Senior Fitness Test

Grupo Controle: cuidados habituais Grupo Intervenção: 6 meses de exercícios realizados 2 vezes por semana com duração

de 45-55 minutos (aquecimento,

exercícios aeróbicos, equilíbrio,

coordenação e relaxamento)

Houve diferença estatística para os testes de sentar e levantar, TUG, força de membros superiores,

havendo melhores resultados no grupo intervenção quando

comparado ao controle No grupo intervenção,

observou-se melhora nas pontuações do MEEM

após 3 e 6 meses de intervenção

Venturelli et al.(11)

2 n=21 pacientes residentes em casa

de repousoMédia de 84 anos

Idosos com demência (CDR3

– CDR4) de acordo com a escala de

avaliação clínica da demência.

MEEM pontuação

máxima de 15 e mínima de 5.

MEEM POMA Test Teste de

Desempenho Físico (PPT)

Teste de Caminhada

de 6 Minutos - Índice de

Barthel

Grupo Controle: cuidados de rotina e atividades diárias

Grupo caminhada: 30 minutos de exercício aeróbio (caminhada) 4 vezes por semana

Observou-se que o grupo caminhada apresentou melhora do índice de

Barthel, manutenção da cognição pelo MEEM e melhora no teste de

caminhada de 6 minutos com p<0,05.

Vreugdenhil et al.(21)

3 n=40 pacientes Média de 74,1

anos

Idosos com DA segundo DSM-IV e critérios NINCDS-ADRDA.

MEEM ADAS-Cog

TUG Alcance funcional

Teste de sentar e levantar

Grupo controle: cuidados habituais Grupo tratamento:

exercícios domiciliares por 4 meses (força

de MMII, equilíbrio e caminhada de 30

minutos);

O grupo tratamento apresentou melhora na pontuação do MEEM e

decréscimo no ADAS-Cog. Melhora no alcance funcional,

mobilidade e resistência de membros inferiores

DA: doença de Alzheimer; CDR: Clinical Dementia Rating; MEEM: Miniexame do Estado Mental; TUG: Timed Up and Go; POMA: Performace Oriented Mobility Assessment; PPT: Physical Performance Test; ADAS-Cog: Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer; MMII: membros inferiores.

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Glisoi SF Silva TM, Santos-Galduróz RF

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rapia psicomotora.(35) O grande desafio e o objetivo deste estudo foram realizar uma revisão sobre o efeito dos exercícios físicos em idosos com DA, e verificar se a realização destes poderia retardar a progressão dos prejuízos ocasionados pela doença. Um desafio para as pesquisas atuais seria verificar a eficácia e quais protoco-los de exercícios físicos que seriam “preventivos” ou “protetores” contra o surgimento da demência, principalmente a de Alzhei-mer. Estudo realizado em 2005 demonstrou que indivíduos de meia-idade que realizam atividades físicas pelo menos duas vezes por semana apresentavam menor risco para desenvolver DA se comparados a um grupo controle sem exercício apropriado.(36)

Os protocolos utilizados nos estudos apresentaram variação. Em dois(10,21) deles, o protocolo de exercícios foi composto por aquecimento, exercícios de força muscular, equilíbrio, coorde-nação motora, exercícios aeróbicos e relaxamento. No outro es-tudo,(11) foi realizado apenas o exercício aeróbico (caminhada).

Outro ponto que apresentou grande variação nos estudos foi o tempo e a frequência dos exercícios propostos. Um estudo propôs exercício físico duas vezes por semana por 45 a 55 mi-nutos.(10) No outro, os exercícios foram realizados quatro vezes por semana durante 30 minutos.(11) O terceiro e último estudo propôs exercícios por 4 meses, sendo a primeira parte composta por exercícios globais (não foi descrito o tempo de realização) e caminhada com duração de 30 minutos.(21)

A grande variabilidade tanto de protocolos quanto de frequência e intensidade dos exercícios ainda é desafiadora. Estudos com modelos animais(37,38) têm demonstrado que o exercício físico tem efeitos benéficos na prevenção dos declínios cognitivos e moto-res. Estudo realizado recentemente(37) demonstrou que a prática de exercício ao longo da vida reduziu a perda neuronal no hi-pocampo e aumentou a neurogênese em camundongos trans-gênicos com DA. O exercício também foi capaz de promover mudanças no perfil de expressão gênica destes ratos. Outro es-tudo recente submeteu ratos a um programa de exercício volun-tário com corrida de 10 semanas e observou redução das mar-cas neuropatológicas da DA como diminuição da proteína tau fosforilada, diminuição da astrogliose, aumento de neurônios no hipocampo e neurogênese.(38) Existe, porém, a necessidade de acom panhamento destas melhoras a longo prazo com o intuito de constatar se esses resultados se mantêm.

Em adultos mais velhos, uma metanálise revelou que o exercício aeróbio estava relacionado à melhoria da função executiva.(39) Prejuízos em funções executivas e declínio nas funções cognitivas frontais podem aumentar o risco de quedas em idosos com DA, porque as funções executivas necessárias para o controle postural durante a caminhada (iniciação ou intenção de planejar uma ação, memória e atenção) estão prejudicadas.(40)

No estudo de Arcoverde et al., por exemplo, avaliou-se o efeito do exercício aeróbio na cognição. Em seu protocolo de inter-venção, idosos com DA e demência mista foram submetidos a 30 minutos de exercícios em esteira, duas vezes por semana, em intensidade moderada. Após 16 semanas, o grupo que realizou exercício apresentou melhora nas pontuações do teste cognitivo Cambridge Cognitive Examination (CAMCOG) além de melho-ra na capacidade funcional (melhora na mobilidade, equilíbrio e velocidade de marcha).(22) Este resultado é importante, pois a velocidade da marcha é um marcador pré-clínico da DA e para o risco de desenvolvê-la.(22)

Os três estudos utilizados nesta revisão apontam benefícios cognitivos e motores após realização do exercício físico, porém há necessidade de avaliação entre a correlação destas variáveis. Diante de tudo o que foi exposto é mais do que comprovado que o exercício físico traz benefícios na progressão da DA, porém alguns pontos merecem maior investigação, como realização de estudos com diferentes modalidades de exercícios com amostras e condições semelhantes; avaliar o efeito do exercício em dife-rentes fases da doença; determinar a intensidade e a frequência ideais para cada fase, e o perfil da amostra, e, por fim, padronizar os instrumentos de avaliação cognitiva e motora, que são aplica-dos nestes estudos.

CONCLUSÃO

Foi possível observar que o exercício físico realizado de for-ma isolada traz benefícios cognitivos e motores aos idosos com doença de Alzheimer, proporcionando manutenção ou até mes-mo melhora temporária dessas funções. Os principais ganhos obtidos com a prática de exercício físico foram melhoras na lin-guagem, funções executivas e atenção, acompanhados por me-lhoras motoras em itens como mobilidade, força de membros inferiores, velocidade de marcha e alcance funcional. A corre-lação entre os componentes cognitivos e motores na DA é um ponto importante e pode ser a chave para os resultados encon-trados e para explicar a eficácia do exercício físico no controle da progressão da doença.

Levando em consideração os prejuízos funcionais ocasionados pela doença de Alzheimer e os impactos na qualidade de vida do idoso e de seus cuidadores e/ou familiares, fazem-se necessários o estudo e a validação de alternativas não farmacológicas que auxiliem a retardar a progressão da doença. São necessários mais estudos e protocolos de exercício físico apropriados para cada fase da doença de Alzheimer visando ao alcance de resultados mais significativos e eficazes.

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Efeito do exercício físico nas funções cognitivas e motoras na doença de Alzheimer

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ARTIGO DE REVISÃO

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Impactos do divórcio e da guarda compartilhada na saúde e no bem-estar das famíliasImpacts of divorce and shared custody in families’ health and well-being

Dario Palhares1, Íris Almeida dos Santos2, Magaly Abreu de Andrade Palhares de Melo3

Recebido da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

1. Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.2. Secretaria de Educação do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil.3. Instituto Brasileiro de Direito da Família – seccional DF.

Data de submissão: 18/12/2017 – Data de aceite: 03/01/2018Conflitos de interesse: não há.

Endereço para correspondência: Dario PalharesSQS 416, bloco i, apto. 204 – Asa SulCEP: 70299-090 – Brasília, DF, BrasilTel.: (61) 3242-3638 – E-mail: [email protected]

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RESUMO

OBJETIVO: Atualizar o conhecimento acerca do regime de guarda após o divórcio. FONTES DE DADOS: Artigos de metanálise sobre guarda unilateral/compartilhada e seu impac-to epidemiológico. SÍNTESE DOS DADOS: Nos países de-senvolvidos, as crianças que vivem abaixo da linha de pobreza são de mães divorciadas em contexto de abandono paterno. As crianças vítimas de violência doméstica e de atos de alienação parental apresentam os piores desfechos do grupo. O padrão mais comum de guarda compartilhada é aquele em que os filhos passam 1 semana na casa de cada genitor. As metanálises repre-sentam um tamanho amostral de mais de 27 mil crianças, estra-tificadas por renda, escolaridade e nacionalidade de origem do casal. A guarda compartilhada foi homogeneamente superior à guarda unilateral nos desfechos em saúde. CONCLUSÃO: Apesar de a guarda compartilhada ser uma questão de saúde pública, existem barreiras jurídicas para sua efetiva implemen-tação, e, paradoxalmente, os argumentos jurídicos para a não concessão de guarda compartilhada se baseiam em premissas relacionadas à saúde das crianças.

Descritores: Violência; Divórcio; Cônjuges; Relações familiares

ABSTRACT

OBJECTIVE: To update knowledge about custody after divorce. DATA SOURCES: Meta-analysis articles on unilateral/shared custody and its epidemiological impact. DATA SYNTHESIS: In developed countries, children living below the poverty line are those from divorced mothers in a context of paternal abandonment. Children who are victims of domestic

violence and acts of parental alienation have the worst outcomes of the group. The most common pattern of shared custody is one in which the children spend 1 week in each parent’s home. The meta-analyzes represent a sample size of more than 27 thousand children, stratified by the couple income, schooling and nationality. Shared custody was homogeneously superior to unilateral guarding in health outcomes. CONCLUSION: Although shared custody is a public health issue; there are legal barriers to its effective implementation, and paradoxically the legal arguments for non-granting shared custody are based on assumptions related to children’s health.

Keywords: Violence; Divorce; Spouses; Family relations

INTRODUÇÃO

As taxas de divórcio cresceram de modo consistente entre as décadas de 1960 e 1980, tendo, então, estabilizado-se.(1) Atual-mente, cerca de 30% dos casamentos resultam em divórcio nos primeiros 5 anos, e pouco menos da metade dos casamentos dura mais de 20 anos, independentemente de o casal ter filhos ou não.(1) A dinâmica social de casamentos e divórcios é um dos assuntos mais férteis em literatura acadêmica, sendo abordada por ângulos sociológicos, econômicos, jurídicos, antropológi-cos, psicológicos etc.

O divórcio exige um rearranjo de toda a família, no sentido de manter o trabalho e os ganhos econômicos e também de cuidar e proteger os filhos menores de idade. Basicamente, ao alvorecer deste século 21, vários países, incluindo o Brasil, vem promul-gando leis que adotam o modelo de guarda compartilhada como padrão para o convívio no pós-divórcio. No entanto, a efetiva im-plementação desta medida tem apresentado muitas resistências.

Assim, o objetivo deste trabalho foi a atualização acerca do tema, tendo sido buscados no portal Google Scholar trabalhos publicados em nível de metanálise mediante a combinação das palavras “shared custody”, “sole custody”, “public health” e “epi-demiology”. Foram priorizados os trabalhos publicados nos úl-timos 5 anos.

Impactos do divórcio na saúde pública

Ao início do século 20, o divórcio apresentava impacto epi-demiológico inclusive na mortalidade infantil, o que somente veio a ser mitigado com as tecnologias e políticas de saúde pú-blica.(12) No entanto, os desfechos relacionados a problemas psí-quicos e comportamentais persistem: os filhos de casais divorcia-

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Impacto da guarda compartilhada

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dos apresentam maior incidência de abandono escolar, menores chances de acesso ao ensino superior, maior probabilidade de drogadição (do simples tabagismo a vícios mais sérios), maior probabilidade de gravidez não planejada na adolescência, menor propensão a constituírem casamentos estáveis e maior propensão, ao longo de toda a vida adulta, a tratamentos psiquiátricos com o uso de psicofármacos.(2) Não apenas tais eventos são mais fre-quentes, como também sua gravidade tende a ser maior.(3)

No geral, são duas as variáveis que ocorrem de forma interve-niente uma com a outra: a queda da renda familiar relacionada ao divórcio e a perda de vínculo afetivo − geralmente o paterno. Nesse ponto, Fagan et al.(4) levantaram que a catástrofe da Se-gunda Guerra Mundial pôde ressaltar que o papel do pai nas fa-mílias não se restringia ao mero ganho econômico, pois os sa lários dos militares nos campos de batalha eram, na verdade, entregues às suas famílias. Ainda assim, a prolongada ausência paterna e a epidemia de orfandade geraram efeitos psíquicos e sociais seme-lhantes ao divórcio.

O divórcio representa fator de risco elevado para a queda da família ao nível abaixo da linha de pobreza e, na Europa e na América do Norte, tende a haver uma correlação inversa, ou seja, as crianças vivendo abaixo da linha de pobreza são de mães divorciadas em contexto de abandono paterno.(5) Mesmo man-tendo-se um razoável padrão de vida, nas famílias de maior ren-da, existe impacto epidemiológico nos desfechos saúde mental/psíquica e drogadição, qual seja, maior propensão à drogadição e maior incidência de sintomas psíquicos tratados de forma me-dicamentosa.(2,6)

O divórcio litigioso – alienação parental

O divórcio é um momento de tensões entre o ex-casal, mas o do tipo litigioso se expressa por processos judiciais caracterizados por muita agressividade.(7) Nesses casos, divorciar-se não sig nifica exatamente um término de relacionamento entre o ex-casal, mas uma mudança qualitativa profunda de uma relação que passa a ser pautada essencialmente por agressões e provocações, inclusive relacionadas a questões de convívio e educação dos filhos.(8)

O divórcio litigioso está invariavelmente ligado à figura da alienação parental, qual seja, o desejo de um ou de ambos os ex-cônjuges em causar sofrimento psíquico ao outro por meio do impedimento do convívio e contato afetivo com a prole.(8,9) Como tal impedimento, juridicamente, ocorre apenas diante de eventos graves de violência/negligência, os processos judiciais de divórcio litigioso são baseados em acusações graves (maus tratos, negligência, abuso sexual etc.) em total má-fé, sem um mínimo de lastro verdadeiro, com distorção dos fatos e sobrevalorização de minúcias, tentando-se desqualificar o ex-cônjuge na lide com as crianças, por elementos que, de outra forma, seriam conside-rados irrelevantes.(9)

Gardner(10) descreveu vários casos vivenciados em psicologia forense do seguinte comportamento estereotipado de crianças filhas de pais divorciados: na presença da mãe, a criança gritava e manifestava desapreço e ódio pelo pai. Estando sozinha com o pai, a criança não apenas se acalmava, como parecia perceber que tinha feito algo errado e, ao contrário, revivia e manifestava afeto pelo pai. Segundo Palmer,(11) tal fato tende a ser mais fre-

quentemente observado com mães, porque a maioria das guardas pós-divórcio tende a ser unilateral materna, mas a síndrome de alienação parental também é vista na guarda unilateral paterna. De todo modo, Amendola(9) afirma que a alienação parental é estabelecida sobretudo com base no tempo de convivência, ou seja, muita convivência com o genitor alienador e pouca convi-vência com o genitor alienado.

Também no âmbito da psicologia forense, Turkat(12) descreveu a “síndrome da mãe maliciosa”: sob a inação do Judiciário, mui-tas vezes estimulada por leis de proteção à mulher de violên-cia doméstica, ex-esposas adotam comportamentos de grande violência, como destruição patrimonial, campanha difamatória, com discursos distorcidos de autovitimização, chegando mesmo à formação de quadrilha para “desaparecer” juntamente das crian-ças. Não necessariamente há associação com outras desordens psiquiátricas, mas quando existem, são fator de potencialização do comportamento malicioso. Amendola(9) descreve que, na forma mais leve da síndrome da mãe maliciosa, o ex-cônjuge apenas adota comportamento litigante no âmbito judicial por pequenezas do cotidiano, que, de outra forma, seriam conside-radas irrelevantes. Em formas de gravidade intermediária, existe a mobilização do aparato jurídico por falsas acusações criminais e, em sua casuística, nas Varas de Família do Rio de Janeiro, pelo menos cerca de 80% das acusações de abuso sexual no contexto do pós-divórcio são falsas.

Do ponto de vista das crianças, Bernet et al.(13) listam que o sentimento mais angustiante é a percepção de que os pais desejam que os filhos julguem quem está “certo” ou “errado” no contexto de separação. Mais ainda, listam outros 17 com-portamentos de alienação parental. Na vida adulta, a lembran-ça de comportamentos de alienação parental esteve relacionada, de modo estatisticamente significativo, à maior incidência e à maior gravidade de sintomas psíquicos (depressão, ansiedade, ideação paranoide etc.) em comparação a adultos filhos de pais divorciados que não relatavam tais lembranças. Tais resultados foram confirmados por Baker e Verocchio.(14)

Guarda compartilhada – desfechos em saúde pública

Desde 1978, Woolley(15) observou que a guarda compartilha-da foram arranjos feitos pelos próprios casais, dos quais alguns não necessariamente mantinham bom relacionamento no pós-di-vórcio, ou seja, não era preciso “continuar amigos mesmo após a separação” para que guarda compartilhada fosse implementa-da. Os esquemas de convívio foram diversificados conforme as peculiaridades de cada família: 1 ano com cada genitor; meses intercalados; semanas intercaladas; dias da semana intercalados etc. Ainda, quando os pais moravam em local de fácil acesso à escola, a rotina social dos filhos podia ser mantida, o que facili-tava a manutenção do convívio com o pai e com a mãe.

Bruch(16) observava que, diante de decisões judiciais estabe-lecendo guarda compartilhada, os genitores tendiam a reduzir o comportamento litigante, obedecendo as visitas regulamentares e evitando conflitos por minúcias de menor importância. Por outro lado, apesar de a guarda compartilhada coibir atitudes de alienação parental, esta não se mostrou impeditivo para que um dos ex-cônjuges (geralmente o pai) adotasse comportamentos

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Palhares D, Santos ÍA, Melo MA

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de abandono afetivo, por exemplo, não se responsabilizando pela prole nos dias respectivos. Nesse cenário, Cox e Cease(17) já cla-mavam por estudos sistemáticos, pois a análise psicológica feita ao momento do divórcio não dispunha de ferramentas de prog-nóstico sobre a efetividade da guarda compartilhada.

Com relação a estudos sistemáticos, Bauserman,(18) em me-tanálise de 33 trabalhos envolvendo um conjunto de 2.600 crian-ças, mostrou que a guarda compartilhada é, de modo estatistica-mente homogêneo, relacionada a melhores desfechos em saúde mental e graus acadêmicos do que a guarda unilateral. Em com-paração com a guarda compartilhada, quase todos os trabalhos levantados correlacionaram a guarda unilateral (tanto materna como paterna) a piores desfechos em saúde, e em alguns apenas não houve diferença estatística. Nenhum trabalho apontou que guarda compartilhada teria piores desfechos em comparação com a guarda unilateral. No que tange à delinquência juvenil e ao abandono escolar, essa metanálise mostrou que o regime de guarda compartilhada apresentou os mesmos graus de (des)ajustamentos sociais em comparação às famílias intactas, sendo ambas significativamente inferiores à guarda unilateral.

Bauserman(18) também observou que, no âmbito jurídico, a guarda compartilhada é tida por algumas mães como se fos-se uma perda, uma derrota, uma desautorização de seu poder materno. De fato, em outra metanálise, Bauserman(19) mostrou que, nos primeiros 2 anos após o divórcio, as mães que detêm guarda unilateral se sentiram mais felizes do que aquelas para as quais foi decretada guarda compartilhada. Paradoxalmente, as mães cujos filhos ficaram sob guarda compartilhada referiam menos sobrecarga e mais facilidade de reorganizar sua vida pes-soal em comparação às que obtiveram a guarda unilateral. Esse paradoxo ressalta que o comportamento de alienação parental, ainda que em suas formas leves, é marcante durante o divórcio, pois, nos primeiros anos pós-divórcio, parece ser mais impor-tante para muitas das mães a sensação de uma “vitória moral” contra o ex-parceiro (envolvendo o afeto com a prole) do que a percepção de tranquilidade e facilidades obtidas com o com-partilhamento da guarda.

As metanálises e revisões sistemáticas de Nielsen(20) e de Baude et al.(21) confirmaram os resultados de Bauserman.(18,19) Estes trabalhos, em conjunto, tratam de uma amostra de mais de 27 mil crianças, de estudos provenientes de vários países: Estados Unidos, Canadá, Noruega, Suécia, Holanda, Austrália. No ge-ral, os estudos estratificaram as amostras por renda/escolarida-de, e alguns também consideraram a nacionalidade de origem do ex-casal. A guarda compartilhada foi, em todos os estratos analisados, homogeneamente melhor em desfechos de saúde pública (desempenho escolar, delinquência juvenil, gravidez não planejada, tabagismo, etilismo e drogadição) do que a guarda unilateral.(22)

Um dos maiores receios versa sobre a violência doméstica, e esse aspecto foi avaliado por Nielsen,(20,23) Parkinson(24) e Ba-rumandzadeh et al.:(25) denúncias de violência doméstica têm sido comuns em processos de guarda. De fato, a ocorrência de violência doméstica está relacionada a piores desfechos em saúde psíquica tanto para as crianças que ficaram sob guarda unilateral como para as que ficaram sob guarda compartilhada.

Contudo, na ausência de violência contra a criança, o convívio sob guarda compartilhada apresentou desfechos gerais de igual qualidade ou mesmo superiores a guarda unilateral, sobretudo no tocante ao desempenho escolar/acadêmico, donde se con-clui que, nessas circunstâncias, o arranjo de convívio da prole com seus genitores deve ser feito de modo a evitar o contato rotineiro entre a mãe e o pai.

Tipicamente, as crianças tentam se manter neutras nos con-flitos conjugais, tanto nas famílias unidas como naquelas em que houve o divórcio, sem dar razão ao pai ou à mãe, e esta postura é a mais saudável e desejável, do ponto de vista da saúde psíquica e emocional.(18,19) Na metanálise de Barumandzadeh et al.,(25) as crianças tendem a perceber que o divórcio reduz a litigiosidade entre o ex-casal, uma vez que não mais se expõem aos episódios de conflito parental. Porém, os adolescentes e pré-adolescentes que vivem sob guarda unilateral tendem a ser cooptados a fi-carem do lado do genitor guardião (alienação parental), o que tende a não ocorrer quando o convívio é equilibrado entre o pai e a mãe.(19) Quer dizer, a guarda compartilhada é o modelo que, de fato, protege os filhos do conflito conjugal, na medida em que o convívio parental equilibrado está relacionado à adoção de uma postura de neutralidade.

Guarda compartilhada – alguns aspectos operacionais

Segundo a revisão de Nielsen,(20) a formação de vínculo com os lares materno e paterno decorre dos pernoites: os filhos que não pernoitavam com o pai ou com a mãe sentiam-se como es-tranhos, como visitantes, enquanto haver um quarto, um local de sono faz as crianças sentirem-se como estando em casa. Em-bora as crianças acima de 9 anos de idade percebam que a rotina de convívio em duas casas exige um certo esforço, no geral elas não manifestam desejo de trocar uma casa pela outra, mas, sim, que gostariam de ter algum poder decisório sobre quando sair de uma casa para outra.(26,27)

Ainda há, na literatura, divergências metodológicas sobre a proporção minimamente ideal de convívio entre os genitores, para que haja o efeito desejado em termos de saúde pública. Na metanálise de Nielsen,(20) um mínimo de 35% dos pernoites caracterizaria gaurda compartilhada. Porém, na metanálise de Baude et al.,(21) a qual representou um tamanho amostral de cer-ca de 36 mil crianças, apontou que os regimes de convívio tipo 50%/50% ou 60%/40% apresentam desfechos em saúde pública significativamente melhores do que os regimes de 70%/30% ou 65%/35%. Assim, para Bergstrom et al.,(26) a efetiva guarda com-partilhada é considerada apenas quando houver convívio iguali-tário entre o pai e a mãe (50/50% do tempo).

Na prática, para a efetivação do convívio 50%/50%, Ryba e Silveira(28) mostram que há esquemas simples, como 1 semana com cada genitor; 15 dias com cada genitor; ou, então, esque-mas mais elaborados. Nesse ponto, Warshak(29) chama atenção que até por volta dos 3 anos, o esquema de 15 dias alternados parece gerar certa confusão comportamental no primeiro dia de convívio no “novo” lar, de modo que esquemas de fragmentação da semana parecem ser mais indicados. No entanto, certamente, acima dos 7 anos, a fragmentação da semana tende a ser consi-derada mais cansativa pelas crianças do que esquemas de alter-nância de semanas ou de quinzenas.(23,29)

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Impacto da guarda compartilhada

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Dificuldades à implementação de guarda compartilhada

Apesar da consolidação do conhecimento científico-epide-miológico e das leis em favor, o sistema judiciário tem atuado como um primeiro obstáculo para a guarda compartilhada. No Brasil, as decisões dos tribunais de segunda instância não têm favorecido a regra da guarda compartilhada, com base em argu-mentos já refutados cientificamente, como: “a guarda compar-tilhada é ineficaz e causadora de problemas”; “convívio mais de 1 semana é guarda alternada”; “regime de 15/15 dias é guarda alternada, e isso é deletério para os filhos”; é preciso “empenho do pai e da mãe para a guarda compartilhada funcionar”; “de-ve-se evitar transtornos por alteração na rotina da criança”; “a criança já está adaptada na rotina de guarda unilateral”; “para haver guarda compartilhada, é preciso que o ex-casal esteja em harmonia”, dentre outros.(30)

No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido, ora de forma condizente com o conhecimento científico, ora de modo a manter a primazia de guarda unilateral materna. Como resul-tado geral, após a promulgação da lei 13.058/2014, houve cres-cimento na decretação de guarda compartilhada; mas, o valor atingido, cerca de 12%,(31) mostra que, ao contrário do que diz o texto legal, a guarda compartilhada não se tornou o padrão básico no sistema judicial brasileiro.

Internacionalmente, a Suécia decreta judicialmente mais de 90% das guardas como compartilhadas(26) e a Austrália, cerca de 80%(24). Já na França, 95% das guardas compartilhadas são decretadas em regime de conciliação, e quando há processo ju-dicial, pouco menos de 50% das vezes a guarda compartilha-da prevalece.(32) Há inúmeros fatores que podem explicar tais discrepâncias, mas, em comum, nos países nos quais a guarda compartilhada tornou-se efetivamente a norma jurídica, houve iniciativas nesse sentido do Poder Executivo, via estruturas de saúde. Ou seja, quando os ministérios/secretarias de saúde con-sideram que a guarda compartilhada é uma forma de proteção à infância, cria-se um ambiente jurídico muito mais favorável à guarda compartilhada do que em países onde esta é defendida apenas por grupos sociais ou, então, por princípios jurídicos ge-rais de igualdade cidadã.

Em se suplantando o obstáculo jurídico, Carlsund et al.,(22) Bergstrom et al.(26) e Wadsby et al.(33) apontam que tem havido de 30 a 40% no qual as crianças vivem efetivamente sob guarda compartilhada. Desse modo, os dados em saúde pública con-firmam a observação social/comportamental, segundo a qual mais comumente o pai, ao divorciar-se, tende a abandonar a ex-esposa e seus filhos. Também, que quanto maior a instabi-lidade econômica, menor é a disposição do pai em manter o cuidado com os filhos, ou seja, o subgrupo de crianças de pais divorciados de baixa renda tende a apresentar dupla vulnerabili-dade: a baixa renda e o abandono afetivo.

Conclusão e recomendações

O divórcio apresenta impactos significativos em saúde públi-ca, e a guarda compartilhada reduz, em parte, tais efeitos. Tem havido uma barreira jurídica difusa para a implementação desta

medida, aparentemente calcada no desconhecimento dos dados científicos ora apresentados. A guarda compartilhada é uma medida de saúde pública concretizada pelo Poder Judiciário. É preciso haver iniciativas do Poder Executivo reforçando a im-portância da guarda compartilhada, bem como que os profissio-nais de saúde e os operadores do Direito adotem uma postura proativa frente aos casos concretos.

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