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Ouve, lânguida virgem das cidades, A paixão que me inspiraste. Curvada, como a flor em vaso de ouro, Tu, bela, me encantaste. Eu vi-te assim pendida; a estrela de alva Ao surgir do oriente Não nos envia mais saudosos raios Do seu leito fulgente. A viração da tarde, mais amena No bosque, não murmura; A alva açucena, que o vergel enfeita, Não tem a cor mais pura. Surges, e magoada Pareces ver as vagas desta vida Na margem debruçada. Vejo-te então ainda, e pensativa, Os lábios entreabertos, Murmurando em sentida linguagem Pensamentos incertos. Vejo-te ainda, as lágrimas ferventes Dos olhos rebentando, E, ao correrem nas faces, indiscretas, Segredos revelando. Que segredo é o teu, lânguida virgem, Ideal dos meus amores? Que imaginas nos sonhos dessas noites Tão cheias de fulgores? Que mistério procuras no ocidente Ao desmaiar do dia? Ou que visão esperas, quando a aurora

Ouve

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  • Ouve, lnguida virgem das cidades,

    A paixo que me inspiraste.

    Curvada, como a flor em vaso de ouro,

    Tu, bela, me encantaste.

    Eu vi-te assim pendida; a estrela de alva

    Ao surgir do oriente

    No nos envia mais saudosos raios

    Do seu leito fulgente.

    A virao da tarde, mais amena

    No bosque, no murmura;

    A alva aucena, que o vergel enfeita,

    No tem a cor mais pura.

    Surges, e magoada

    Pareces ver as vagas desta vida

    Na margem debruada.

    Vejo-te ento ainda, e pensativa,

    Os lbios entreabertos,

    Murmurando em sentida linguagem

    Pensamentos incertos.

    Vejo-te ainda, as lgrimas ferventes

    Dos olhos rebentando,

    E, ao correrem nas faces, indiscretas,

    Segredos revelando.

    Que segredo o teu, lnguida virgem,

    Ideal dos meus amores?

    Que imaginas nos sonhos dessas noites

    To cheias de fulgores?

    Que mistrio procuras no ocidente

    Ao desmaiar do dia?

    Ou que viso esperas, quando a aurora

  • Com rosas se anuncia?

    Que oculto sentimento reprimido

    Te faz ansiar o seio?

    Que ntima dor, que pensamento acerbo?

    Que indefinido enleio?

    Olha, se o corao te pede amores,

    Virgem, no chores, canta,

    Para ti que so as flores da vida

    E a luz que nos encanta.

    Tu, sim, podes amar; nas sacras aras

    Dessa chama inquieta,

    Ateia o sacro fogo com que inflamas

    O corao do poeta.

    Tu sim, podes amar; mas eu... se ao ver-te

    Interrogo o futuro,

    Uma voz me murmura: Adora, mrtir,

    Adora, e morre obscuro.