[p. 21-62] Introdutório - Neoliberalismo e Reestruturação Produtiva e

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[p. 21-62] Introdutório - Neoliberalismo e Reestruturação Produtiva e

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    Cristiane Iara Batista dos Santos

    NEOLIBERALISMO E REESTRUTURAO PRODUTIVA: as transformaes do mundo do trabalho

    Rio de Janeiro 2008

  • 10

    Cristiane Iara Batista dos Santos

    NEOLIBERALISMO E REESTRUTURAO PRODUTIVA: as transformaes do mundo do trabalho

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de bacharel em Servio Social.

    Orientadora: Professora Dra. Janete Luzia Leite

    RIO DE JANEIRO 2008

  • 11

    DEDICATRIA

    Aos meus pais,

    ao meu esposo e

    ao meu pequeno Gabriel.

  • 12

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por me conceder a graa de cursar um ensino superior em uma universidade to

    conceituada;

    Aos meus amados pais que sempre estiveram presentes, me apoiando nos momentos mais difceis.

    Sem a ajuda de vocs eu no teria conseguido concluir essa etapa da vida;

    Ao meu esposo Marcelo e meu pequeno Gabriel, pela compreenso das ausncias e pelo carinho

    durante a elaborao deste trabalho;

    A minha tia socorro pela disponibilidade, disposio e por sempre ser to prestativa em ajudar minha

    me a tomar conta do Bi enquanto eu me dedicava a elaborao deste trabalho;

    Aos professores, que atenderam prontamente ao convite de participar da banca examinadora deste

    trabalho e que sempre demonstrou dedicao e pacincia ao ministrarem suas aulas.

    minha professora orientadora Janete, pela sensibilidade, compreenso e apoio nos momentos

    certos.

    A todos vocs, o meu muito obrigada!

  • 13

    Mas no fim do relato preciso dizer que esse morto no teve tempo de viver.

    Na verdade vendeu-se no como Fausto, ao Co: vendeu sua vida a seus irmos

    Na verdade vendeu-a, no como Fausto, a prazo: vendeu-a a vista ou melhor, deu-a adiantado. Na verdade vendeu-a no como Fausto, caro:

    vendeu-a barato e mais, no lhe pagaram. Ferreira Gullar

    Notcia da morte de Alberto Silva

    RESUMO

  • 14

    SANTOS, Cristiane Iara Batista. Neoliberalismo e Reestruturao Produtiva: as transformaes do mundo do trabalho. Rio de Janeiro, 2008. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Servio Social) - Escola de Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Este estudo trata do tema do neoliberalismo e reestruturao produtiva: as

    transformaes no mundo do trabalho. Parte da hiptese central que o avano das

    idias neoliberais responsvel pelas mudanas e alteraes que tm ocorrido no

    interior do mundo do trabalho, entre elas a informalidade, a precarizao e a

    terceirizao. Para tanto, utilizou-se de anlise bibliogrfica de autores da teoria

    crtica a respeito do tema, como Elaine Behring, Ivanete Boschetti, Ricardo Antunes

    e Giovanni Alves. Complementou-se o estudo terico com pesquisas sobre o tema

    disponibilizadas nos stios oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    (IBGE) e o Radar Social do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA). A

    metodologia utilizada foi baseada na teoria social de Marx, o materialismo-crtico-

    dialtico. Em sua teoria, Marx situa e analisa os fenmenos sociais em seu

    complexo e contraditrio processo de produo e reproduo. Desta forma,

    objetivou-se, com este estudo, avaliar o carter e as tendncias da ao do Estado

    e identificar os interesses que se beneficiam de suas aes e decises; identificar as

    foras polticas que se organizam na sociedade civil; analisar os principais fatos

    histricos que contriburam para a expanso do iderio neoliberal, sua conseqncia

    para a classe que vive do trabalho e analisar a questo do pssimo desempenho do

    mercado de trabalho no Brasil. notadamente no governo de Collor que o projeto

    neoliberal avana no pas e o processo de reestruturao produtiva ganha flego. O

    governo de Fernando Henrique Cardoso aprofunda as idias de seu antecessor,

    impulsiona a adoo da automao microeletrnica nas indstrias e opera no

    sentido de desregulamentar o mercado de trabalho. As reformas adotadas em seu

    governo tiveram o desemprego, e o trabalho precrio como algumas das

    conseqncias sociais. O governo de Luiz Incio Lula da Silva, apesar das

    expectativas em relao poltica a ser adotada em seu governo em seu primeiro

    mandato (perodo analisado neste estudo), mantm a poltica macroeconmica de

    FHC. Aprofunda o seu programa neoliberal e atua de maneira ainda mais

    conservadora.

  • 15

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social

    BNH Banco Nacional de Habitao

    CCQ Crculo de Controle de Qualidade

    DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos

    FHC Fernando Henrique Cardoso

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPEA Instituto de Pesquisas e Estatsticas Aplicadas

    OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    ONG Organizao No-Governamental

    PACTI Programa de Apoio Capacitao Tecnolgica da Industria

    PCI Programa de Competitividade Industrial

    PLR Participao nos Lucros ou Resultados

    PT Partido dos Trabalhadores

    SINPAS Sistema Nacional de Assistncia e Previdncia Nacional

    LISTA DE TABELAS

  • 16

    Tabela 1. Taxa de crescimento econmico anual, durante o perodo compreendido entre1960 - 1993 (TX de crescimento PIB) 26 Tabela 2. Taxa de desemprego e taxa de criao de emprego durante o perodo de 1974 1988 26

    Tabela 3. Emprego formal durante o perodo compreendido entre 1994 e 1999. (% de trabalhadores com carteira assinada nas principais regies metropolitanas) 45

    Tabela 4. Mudanas na Composio do Mercado de Trabalho compreendida entre o perodo de 2001 a 2004 51 Tabela 5. Taxa de Desemprego por UF: Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios compreendida entre o perodo de 2001 a 2004 52

  • 17

    AUTORIZAO

    CRISTIANE IARA BATISTA DOS SANTOS, DRE 101.129.230, AUTORIZO a

    Escola de Servio Social da UFRJ a divulgar total ou parcialmente o presente

    Trabalho de Concluso de Curso atravs de meios eletrnicos e em consonncia

    com a orientao geral do SiBI.

    Rio de Janeiro, 26 agosto de 2008.

    Assinatura

  • 18

    SUMRIO

    INTRODUO 19

    1. O CENRIO POLTICO-ECONMICO DO SCULO XX 21

    1.1 As caractersticas do modelo fordista-keynesiano 21

    1.2 Ascenso e crise do Welfare State 27

    2. INTRODUO AO NEOLIBERALISMO 33

    2.1 O surgimento das idias neoliberais 33

    2.2 Ante-sala do neoliberalismo 36

    2.3 Neoliberalismo brasileiro 39

    3. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO 45

    3.1 As caractersticas do toyotismo e da reestruturao produtiva no Brasil 46

    3.2 Desemprego 55

    CONCLUSO 62

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 64

  • INTRODUO

    Este Trabalho de Concluso de Curso de Graduao em Servio Social um

    estudo sobre a lgica neoliberal (suas idias, caractersticas e seu avano pelo

    mundo) e as mudanas pelas quais tem passado o mercado de trabalho brasileiro

    nas trs ltimas dcadas.

    O interesse pelo tema surgiu ao decorrer das descobertas nas aulas de

    Servio Social, nas quais se aprende que o profissional de Servio Social deve

    conhecer a realidade conjuntural e saber analis-la. S assim, possvel atuar de

    forma mais eficaz nas expresses da questo social, pois elas so o objeto de

    trabalho do profissional. Pesquisar e conhecer a realidade conhecer o prprio

    objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de

    mudanas (IAMAMOTO, 2003). Este estudo parte do pressuposto de que o neoliberalismo tem aprofundado as desigualdades sociais e que suas prticas tm sido responsveis pelas transformaes do mundo do trabalho. A terceirizao, a informalidade e a precarizao so expresses destas alteraes, que tm trazido graves conseqncias sociais. Tais processos sociais vm alterando os modos de vida de vrios segmentos da populao. Tem-se uma massa de trabalhadores que representa o enorme crescimento da populao sobrante, os excludos do processo produtivo. So estabelecidas novas exigncias de qualificao, ao mesmo tempo em que se reduz a demanda por trabalhadores. Isto estimula a precarizao. Este fenmeno consiste, na transformao de atividades produtivas do mbito das grandes empresas para firmas de pequeno e mdio porte, que operam como empreiteiras, poupando, ao grande capital, nus vinculados aos direitos sociais dos trabalhadores (IAMAMOTO, 2003 p.158). Isto mostra uma particularidade muito especial na formao do mercado nacional de trabalho no pas: a convivncia de formas histricas de trabalhos distintas, onde h relao de forma assalariada e aquelas marcadas pela subordinao pessoal, que caracteriza a informalidade do mercado de trabalho.

    Compreendendo que as teorias so explicaes da realidade, a metodologia

    utilizada para a construo do texto baseada na Teoria Social de Marx, o

    materialismo-crtico-dialtico, que analisa a relao complexa e contraditria entre

    capital e trabalho. O estudo terico foi complementado com pesquisas elaboradas

    por institutos oficiais, como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) que sero apresentadas ao longo

    do texto.

    Os objetivos propostos neste estudo foram:

    - Avaliar o carter e as tendncias da ao do Estado;

    - Identificar os interesses que se beneficiam de suas aes e decises;

    - Identificar as foras polticas que se organizam na sociedade civil brasileira

    durante os ltimos trinta anos;

    - Analisar os principais acontecimentos histricos que contriburam para a

    expanso das idias neoliberais, sua conseqncia para a classe que vive do

    trabalho;

    - Analisar os governos FHC e o primeiro mandato do governo de Lula.

    A estrutura do trabalho dividida em trs captulos. O primeiro aborda o

    cenrio do sculo XX; as caractersticas do modelo fordista; as idias de Keynes e a

    associao do fordismo com o keynesianismo; o esgotamento deste modelo; aborda

    tambm o desenvolvimento das polticas sociais e sua idade de ouro; os princpios

    que estruturam o Welfare State. No caso do Brasil, explicado que no houve a

    implementao de um Estado de Bem-Estar Social, e aponta que a criao dos

    direitos sociais no Brasil resultado da luta de classes e expressa a correlao de

    foras dominantes.

    O segundo captulo aborda o surgimento, as caractersticas e no que a crise

    de 1973 colaborou para o avano do neoliberalismo no mundo. Resgata a histria do

    Brasil desde o final de 1960 at o governo Lula. A partir da dcada de 90 tem-se

    uma sociedade fragmentada, com uma distinta conformao das classes sociais,

    uma ampliao significativa da populao excedente, alijada do mercado formal de

    trabalho. A orientao poltica e econmica defendida pelo governo Collor germinou

    a concepo de raiz neoliberal no Brasil. a partir do governo de FHC que percebe-

    se um aprofundamento das prticas neoliberais. Surge um novo ciclo de

    crescimento do capitalismo no Brasil, impulsionado pelo Plano Real. O mundo do

    trabalho no Brasil tendeu a ser (re)constitudo, com o crescente desemprego

    estrutural e a precarizao de emprego e salrio. A poltica adotada no primeiro

    mandato do governo Lula, contrariou as expectativas do setor de centro-esquerda do

  • Pas. Sua poltica macroeconmica aprofunda as prticas neoliberais de seu

    antecessor. O ltimo captulo mostra as diferenas do fordismo e do toyotismo e como ocorreu o processo de reestruturao produtiva no Brasil; aponta as principais determinaes da reestruturao produtiva nos anos 80 e 90, indicando que o pssimo desempenho do mercado de trabalho brasileiro (concluso baseada em anlise de pesquisas realizadas por Institutos oficiais do governo brasileiro) no se deve apenas s determinaes estruturais, mas a determinaes conjunturais.

    1. O CENRIO POLTICO-ECONMICO DO SCULO XX

    Para compreendermos como se deu o desenvolvimento do complexo processo de mudanas na reestruturao produtiva no Brasil e no mundo, este estudo iniciar a partir do surgimento do modelo fordista, indicando suas caractersticas bsicas e pontuando os traos mais evidentes da crise deste modelo.

    1.1 As caractersticas do modelo fordista-keynesiano

    O modelo fordista foi criado por Henry Ford, em meados de 1913, baseado

    em mtodos tayloristas1. Visava ampla produtividade, ou seja, produo em massa

    atravs da linha de montagem, evitando desperdcios e retirando do trabalhador a

  • deciso de como fazer determinada tarefa. Em 1914, Ford introduziu a jornada de

    trabalho de oito horas, o que preconizava um brutal aumento da produtividade do

    trabalho a partir da decomposio do processo de trabalho, tendo em vista o

    controle do tempo e um conjunto de estratgias de gesto (BEHRING e

    BOSCHETTI, 2007).

    Ford trazia como um novo elemento perspectiva de combinar produo em

    massa com o consumo em massa, bem como uma nova poltica de controle e

    gerncia do trabalho (...), em suma, um novo tipo de sociedade democrtica,

    racionalizada, moderna e produtiva (HARVEY, 1993 apud BEHRING e

    BOSCHETTI, 2007, p.87). Para Antunes (1997), o fordismo um processo de trabalho que, juntamente com o taylorismo, predominou na grande indstria capitalista ao longo do sculo XX. O fordismo exigia dos trabalhadores um esforo massante, rotineiro, exaustivo e alienado. A alienao se manifesta no prprio ato da produo. Essa atividade aparece como algo externo ao trabalhador, como algo que no se afirma, mas se nega a si mesmo; que o mortifica. Seu trabalho um trabalho forado, que:

    no representa, portanto, a satisfao de uma necessidade, mas que simplesmente um meio para satisfazer necessidades estranhas a ele (...) a exterioridade do trabalho para o trabalhador se revela no fato de que no algo prprio seu, mas de outro, de que no lhe pertence e de que ele mesmo, no trabalho, no pertence a si mesmo, mas a outro. (MARX, 1975 apud MATOSO, 1995, p.65)

    Basicamente as caractersticas do fordismo so:

    - produo em massa;

    - controle do tempo e

    - fragmentao das funes.

    A explorao, o trabalho setorizado em larga escala e a subalternidade

    tambm so caractersticas que esto no pano de fundo do modelo de produo

    fordista.

    John Maynard Keynes (1883-1946), liberal heterodoxo, defendia uma maior

    interveno estatal com a finalidade de reativar a produo. Para ele o Estado

    deveria intervir na economia apenas do ponto de vista dos fundamentos

    econmicos. Segundo suas idias, a sustentao pblica de um conjunto de

    1 Taylor visando a produtividade das empresas, iniciou um movimento de racionalizao da produo. Idias bsicas: administrao cientifica, racionalizao da produo, estudo de tempos, diviso do trabalho, especializao e pagamento por peas.

  • medidas anticrise ou anticclicas, tinham como objetivo amortecer as crises cclicas,

    ou seja, aquelas que tem longos ciclos de expanso e de depresso. As polticas

    sociais se generalizaram nesse contexto, compondo a lista de medidas anticclicas. Keynes preocupava-se com sadas democrticas para a crise de superproduo de 1929. Essa foi a maior crise econmica mundial que o capitalismo sofreu durante a sua histria. Keynes propunha uma mudana da relao do Estado com o sistema produtivo. Rompia parcialmente com os princpios do liberalismo. Perseguia sadas do prprio capitalismo para a crise deste. Desta forma, ele defendia a liberdade individual e a economia de mercado. Segundo Keynes, a demanda efetiva aquela que reunia bens e servios para os quais h capacidade de pagamento. Quando no houvesse demanda efetiva suficiente, o Estado deveria intervir. Deste modo, cabia ao Estado, o papel de restabelecer o equilbrio econmico por meio de uma poltica fiscal, creditcia e de gastos para atuar nos perodos de depresso, como estmulo economia. Ele passava a ter um papel ativo na regulao e produo das relaes econmicas e sociais.

    O perodo da grande depresso de 1929 foi uma expresso tpica e

    paradigmtica da operao da lei do valor (BRAZ e NETTO, 2006). A crise precisa

    ser entendida por dentro dos longos ciclos de expanso e depresso do capitalismo.

    O perodo de expanso, segundo Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007),

    percebido pelo crescimento da taxa da mais-valia2 e pela baixa dos preos das

    matrias-primas. Deste modo, ocorre a reduo do exrcito industrial de reserva, e

    h a tendncia de ampliar a resistncia do movimento operrio, baixando a taxa de

    maisvalia. Assim, diminui os lucros extrados do diferencial de produtividade do

    trabalho. As solues para a crise se deram no sentido da reativao do emprego e

    do consumo, por isso a importncia do fundo pblico (BEHRING e BOSCHETTI,

    2007).

    Apesar da experincia de Ford se desenvolver nas primeiras dcadas do

    sculo XX, seus mtodos s sero plenamente adotados no segundo ps-guerra

    (1945). O esforo de guerra colaborou para disciplinar os trabalhadores nas novas

    formas de organizao racional da produo, cujo objetivo final era diminuir a

    porosidade de tempo no mbito da jornada de trabalho, otimizando o processo de

    valorizao do capital.

    2 O trabalhador vende a sua fora de trabalho pelo seu valor, mas o valor que a mesma produz maior do que o valor que contm: a diferena um valor a mais apropriado pelo capitalista gratuitamente, chamado por Marx de mais-valia (SANDRONI, 1999, p.65).

  • No perodo entre as duas grandes guerras, as condies gerais da luta de

    classes tornavam muito difcil a disseminao do trabalho rotinizado, que enfrentou

    fortes resistncias do movimento operrio, principalmente na Europa (BEHRING e

    BOSCHETTI, 2007). Segundo Mandel (apud BEHRING E BOSCHETTI, 2007), eram

    necessrias condies polticas e culturais para sustentar a onda longa expansiva

    nesta fase do capitalismo maduro. Desta forma, surgiu necessidade de se ter um

    modelo estatal que contribusse com esse modelo de produo no mundo

    capitalista, na regulao das relaes econmicas e no mbito social, mediante a

    implementao de polticas sociais. A partir deste momento, com o keynesianismo,

    o Estado tornou-se produtor e regulador das relaes econmicas e sociais. A burguesia sabia que manter as altas taxas de lucro, fundadas na superexplorao dos trabalhadores durante um intervalo de tempo, pressupunha concesses e acordos. Observemos que os processos da burguesia e dos trabalhadores combinados geraram uma atitude mais imediatista e corporativista para os trabalhadores, que se contentaram com acordos coletivos em torno dos ganhos de produtividade e da expanso das polticas sociais atravs dos salrios indiretos, assegurados pelo fundo pblico.

    No segundo ps-guerra surge o Estado keynesiano-fordista, ou seja, que

    tinha como base o fordismo unido s idias do keynesianismo. Observa-se, neste

    perodo, a emergncia de um Estado interventor, dirigido a um pblico consumidor

    passivo e vido de consumo e que constituiu os pilares do processo de acumulao

    acelerada do capital no ps-45. O fordismo agregou-se ao keynesianismo da produo em massa para o consumo de massa e dos acordos coletivos com os trabalhadores do setor monopolista em torno de ganhos de produtividade do trabalho. O fordismo, ento, foi bem mais do que uma mudana tcnica, com a introduo da linha de montagem e da eletricidade: foi tambm uma forma de regulao das relaes sociais em condies polticas determinadas (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).

    O Estado garantia o cumprimento dos acordos agindo como mediador, cuja

    legitimao era assegurada, por um lado, mediante uma poltica de subsdios

    acumulao de capital e, por outro, atravs de uma poltica de bemestar social,

    fundada em medidas compensatrias: seguro desemprego, transporte subsidiado,

    educao e sade gratuitas, entre outras coisas.

    Houve, neste momento, uma melhoria nas condies de vida dos

    trabalhadores fora da fbrica e a sensao de estabilidade no emprego. O

  • trabalhador passou a ter acesso ao consumo e ao lazer. A impresso era que se

    poderia combinar acumulao e desigualdade (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).

    Para que o fordismo se impusesse e fosse disseminado, houve um grande

    abalo nas relaes de classe. Desta forma, chega-se maturidade do

    keynesianismo quando a mudana do papel do Estado se coloca no cenrio

    econmico-poltico (HARVEY, 1993).

    Em meados da dcada de 1960 e incio de 1970, configura-se a emergncia

    de uma conjuntura de superao da era fordista. O modelo fordista d sinais de

    esgotamento a partir da segunda dcada de 60, provocando transformaes na

    organizao da produo e do trabalho. As taxas de crescimento econmico e a

    capacidade do Estado de exercer suas funes mediadoras j no eram as

    mesmas. Neste momento j era restrita a absoro das novas geraes no mercado

    de trabalho, devido ao avano das tecnologias poupadoras de mo-de-obra. Isso

    contrariava as expectativas do keynesianismo; as dvidas pblicas e privadas

    aumentavam significativamente; a exploso da juventude (1968) que questionava a

    ao dos diversos setores da sociedade, principalmente a burguesia, e a primeira

    grande recesso catalisada pela crise do petrleo em 73, foram alguns dos

    motivos desta crise (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).

    Para as elites poltico-econmicas, o responsvel pela crise era a atuao do

    Estado mediador. Para essa camada, o Estado estava protegendo setores que no

    revertiam diretamente em favor de seus interesses.

    (...) o Estado capitalista tem de tentar desempenhar duas funes bsicas e muitas vezes contraditrias: acumulao e legitimao(...). Isto quer dizer que o Estado deve tentar manter, ou criar, as condies em que se faa possvel uma lucrativa acumulao de capital. Entretanto, o Estado tambm deve manter ou criar condies de harmonia social. Um estado capitalista que empregue abertamente sua fora de coao para ajudar uma classe a acumular capital custa de outras classes perde sua legitimidade e, portanto, abala a base de suas lealdades e apoios. Porm, um Estado que ignore a necessidade de assistir o processo de acumulao de capital arrisca-se a secar a fonte de seu prprio poder, a capacidade de produo de excedentes econmicos e os impostos arrecadados deste excedente (e de outras formas de capital) (OCONNOR, 1977 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007).

    A crise do capital, segundo o pensamento de Anderson (1995), est

    associada reduo das taxas de lucro dos grandes capitalistas internacionais, a

  • reduo do consumo, dos nveis salariais e a queda dos gastos pblicos com

    polticas sociais. Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), no final dos anos 60 j identificava alguns elementos em desenvolvimento na poca, tais como a extrao de mais-valia, mudana de funes desempenhadas pela fora de trabalho no processo de valorizao do capitalismo, a automao intensificava as contradies do mundo do capital, ou seja, a socializao crescente do trabalho agregada a reduo do emprego e a apropriao privada.

    O que aconteceu, de fato, em meados dos anos 70, foi uma crise clssica

    caracterizada pela superproduo. Segundo Antunes (1999) os traos mais

    evidentes do esgotamento foram os seguintes:

    - Queda na taxa de juros, causada pelo aumento do preo da fora-de-trabalho

    e pela intensificao das lutas sociais;

    - O padro de acumulao taylorista/fordista no mais respondia retrao do

    consumo que se acentuava;

    - Hipertrofia da esfera financeira;

    - Concentrao de capitais entre as empresas monopolistas; - Crise do Welfare State que acarretou na crise fiscal do estado capitalista; - Aumento das privatizaes e tendncia a generalizar as desregulamentaes

    e a flexibilizao do processo produtivo.

    Para Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), a recesso de 1974

    derrotou as crenas de que o intervencionismo keynesiano sempre controlaria as

    crises do capital. O avano do processo de internacionalizao do capitalismo foi um

    limitador da eficcia das medidas anticclicas do Estados Nacionais.

    Mas a partir deste momento, houve uma dificuldade crescente do capitalismo

    contemporneo de escapar entre recesso profunda ou inflao acentuadas

    (BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Em 1974/75 o que ocorreu foi uma crise clssica

    de superproduo. O agravamento do problema do desemprego devido

    introduo de tcnicas poupadoras de mo-de-obra, alta dos preos de matrias-

    primas, a queda do volume do comrcio, do ponto de vista keynesiano todos esses

    so elementos que esto na base da queda da demanda global.

    Em 1980, surge uma nova crise recessiva desencadeada nos EUA. Mais

    uma vez, foram adotadas sadas de cariz keynesianista. Alm disso, os mercados

    de substituio (o Brasil entre eles) estavam endividados. Para retomar as taxas de

    lucro nos anos 80, Mandel (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007) analisa os

    esforos do capital que passaram por: eliminao, absoro ou reduo da atividade

  • de empresas menos rentveis; tcnicas de produo mais avanadas foram

    introduzidas; aumento da produo de produtos com maior demanda e reduo da

    produo de produtos em estagnao; racionalizao de custos; intensificao do

    trabalho para aumentar de maneira mais durvel a taxa de mais-valia relativa; entre

    outros.

    Segundo Antunes (1999), a crise do fordismo exprimia uma crise estrutural do

    capital. Esta crise trouxe, entre tantas conseqncias, um amplo processo de

    reestruturao do capital que afetou seriamente o mundo do trabalho.

    Como resposta e forma de enfrentamento perante aos movimentos de

    organizao dos trabalhadores e a presso desta classe, como foi citado, as

    polticas sociais se multiplicam lentamente ao longo do perodo depressivo e se

    generalizam no incio do perodo da expanso ps Segunda Guerra (BEHRING e

    BOSCHETTI, 2007, p.69), como veremos a seguir.

    1.2 Ascenso e crise do Welfare State

    A origem da poltica social comumente relacionada aos movimentos de

    massa social-democratas e ao estabelecimento dos Estados-Nao na Europa

    ocidental do final do sculo XIX, mas sua generalizao situa-se na passagem do

    capitalismo concorrencial para o monopolista3, em especial na sua fase tardia, aps

    a segunda guerra mundial (ps-1945) (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.47).

    A classe trabalhadora reagia explorao. A luta de classes irrompe,

    expondo a questo social: a luta dos trabalhadores com greves e manifestaes em

    torno da jornada de trabalho. Os burgueses, para lidar com a presso dos

    trabalhadores, adotam como estratgias desde a requisio da represso direta pelo

    Estado, at concesses pontuais. O Estado reprimia os trabalhadores. As primeiras

    expresses contundentes da questo social so, portanto, a luta em torno da

    jornada de trabalho e as respostas das classes e do Estado (BEHRING e

    BOSCHETTI, 2007, p.55).

    O surgimento de programas sociais um desdobramento necessrio de

    tendncias mais gerais postas em marcha pela industrializao. Foi gradual e

    diferenciado entre os pases, dependendo dos movimentos de organizao e

    3 Capitalismo monopolista faz parte do estgio mais avanado do capitalismo, refere-se a formao de monoplios.

  • presso da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das foras produtivas e

    das correlaes e composies de fora no mbito do Estado.

    As polticas sociais so respostas s expresses multifacetadas da questo

    social no capitalismo, oriundas da relao de explorao do capital sobre o

    trabalho. O final do sculo XIX tido como o perodo em que o Estado capitalista

    passa a assumir e a realizar aes sociais mais amplamente, de maneira planejada,

    sistematizada e com carter de obrigatoriedade.

    Para Pierson (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), alguns elementos

    surgidos no final do sculo XIX ajudam a demarcar a origem das polticas sociais. O

    primeiro foi a introduo de polticas sociais orientadas pela lgica do seguro social

    na Alemanha, a partir de 1883. O segundo elemento que as polticas sociais

    passam a ampliar a idia de cidadania e desfocalizar suas aes, antes voltadas

    para a pobreza extrema.

    Houve ainda, segundo o autor, uma mudana na relao do Estado com o

    cidado:

    - O interesse estatal passa a incorporar a preocupao com o atendimento s

    necessidades sociais reivindicadas pelos trabalhadores, indo alm da

    manuteno da ordem;

    - Os seguros sociais passam a ser reconhecidos legalmente, como conjunto de

    direitos e deveres;

    - A concesso de proteo social pelo Estado passa a ser recurso para o

    exerccio da cidadania, e deixa de ser barreira para a participao poltica;

    - Com o crescimento do gasto social, ocorre um forte incremento de

    investimento pblico nas polticas sociais.

    O autor ainda, ao analisar a origem da interveno estatal nas polticas

    sociais, reconhece que o desenvolvimento variado entre as naes dificulta o

    estabelecimento de um padro nico.

    muito comum encontrar na literatura sobre polticas sociais a utilizao do

    termo Welfare State para designar genericamente os pases que implementaram

    polticas sociais sob orientao fordista-keynesiana. importante reconhecer que o

    termo Welfare State originrio na Inglaterra. Alguns pases, tais como a Frana -

  • Etat-Providence (Estado-Providncia) e a Alemanha - Sozialstaat (Estado Social)

    no o definiram desta forma. Na Alemanha, a expresso foi utilizada para designar

    o conjunto de polticas de proteo social que incluem os seguros sociais, mas no

    se restringem a ele. Na Frana, o termo uma referncia representao de um

    Estado providencial (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.98). Esping-Andersen (apud

    BEHRING e BOSCHETI, 2007), classifica o Welfare State desses pases como

    conservador e corporativista. A crise de 1929 marcou uma mudana importante no desenvolvimento das polticas sociais. Houve, no perodo entre as duas guerras, um momento de ampliao de instituies e prticas estatais intervencionistas. Atravs do chamado consenso do ps-guerra materializado pela assuno ao poder de partidos social democratas, permitiu-se o estabelecimento de uma aliana entre classes, que foi viabilizado devido ao abandono, por boa parte da classe trabalhadora, do projeto de socializao da economia. As alianas entre partidos asseguraram o estabelecimento de acordos e compromissos que permitiram a aprovao de diversas legislaes sociais e a expanso do chamado Welfare State (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.92).

    Para Pierson (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), trs elementos marcam

    esse perodo como a idade de ouro das polticas sociais:

    - Crescimento do oramento social nos pases da Europa que integravam a

    Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE);

    - Crescimento de populao idosa nos pases capitalistas centrais;

    - Crescimento seqencial de programas sociais no perodo (cobertura de

    acidentes de trabalho, seguro-doena e invalidez, penses a idosos, seguro

    desemprego e auxlio maternidade);

    Para Mishra (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007) os princpios que

    estruturam o Welfare State so:

    - Responsabilidade estatal na manuteno das condies de vida dos

    cidados, por meio de um conjunto de aes em trs direes: regulao da

    economia de mercado a fim de manter elevado o nvel de emprego; prestao

  • pblica de servios sociais universais, como educao, segurana social,

    assistncia mdica e habitao; e um conjunto de servios sociais pessoais;

    - Universalidade dos servios sociais e

    - Implantao de uma rede de segurana de servios de assistncia social.

    Ainda segundo o autor, no so todas e quaisquer formas de polticas sociais

    que podem ser designadas de Welfare State. A poltica social um conceito

    genrico, enquanto o Estado-Providncia tem uma conotao histrica (ps-guerra)

    e normativa especfica.

    No Brasil, houve o que Oliveira (1998) denominou de Estado de Mal-Estar

    Social, ou seja, no houve a implementao de um Estado de Bem-Estar Social que

    garantisse o consumo em massa. Isto porque o Brasil tem como uma marca de

    formao social a heteronomia e a dependncia. Esta caracterstica uma marca

    estrutural do capitalismo brasileiro, e o processo de modernizao (conservadora)4

    consolidando o capitalismo entre ns, tender a mant-la. O Estado brasileiro

    nasceu sob o signo de forte ambigidade entre o liberalismo formal e o

    patrimonialismo como forma de garantir os privilgios das classes dominantes.

    A democracia no era uma condio geral da sociedade: estava aprisionada no mbito da sociedade civil, da qual faziam parte apenas as classes dominantes, as quais utilizavam o Estado nacional nascente para o patrocnio de seus interesses gerais (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.74).

    Os anos de 1930 e 1943 podem ser caracterizados como os anos de introduo da poltica social no Brasil, segundo Draibe (1990). O surgimento das polticas sociais no Brasil no acompanhou o mesmo tempo histrico dos pases de capitalismo central, uma vez que no houve no perodo escravista uma radicalizao das lutas operrias. A criao dos direitos sociais no Brasil, segundo Behring e Boschetti (2007), resultado da luta de classes e expressa a correlao de foras dominantes.

    interessante notar que a criao dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de classes e expressa a correlao de foras predominante. Por um lado, os direitos sociais, sobretudo os trabalhistas e previdencirios, so pauta de reivindicao dos movimentos e manifestaes da classe trabalhadora. Por outro, representam a busca de legitimidade das classes dominantes em ambiente de restrio de direitos polticos e civis como

    4 Referindo-se a dominao burguesa ps-64, Martins (1977, p.219) fala em coalizo internacional-modernizadora. a modernizao do pas com caractersticas conservadoras. No h ruptura com o conservador.

  • demonstra a expanso das polticas sociais no Brasil nos perodos de ditadura (1937-1945 e 1964-1984), que instituem como tutela e favor: nada mais simblico que a figura de Vargas como pai dos pobres, nos anos 1930 (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.78).

    A Revoluo de 19305 ocorreu porque as oligarquias cafeeiras ficaram

    vulnerveis econmica e politicamente devido crise de 1929/32. As oligarquias do

    gado, acar entre outros, que estavam fora do poder poltico, se beneficiavam com

    a paralisia do mercado mundial e aproveitaram para mudar a correlao de foras e

    diversificar a economia do Brasil. Desta forma, outras oligarquias chegam ao poder

    poltico.

    Getlio Vargas esteve frente de uma ampla coalizo de foras em 30, que

    impulsionou profundas mudanas no Estado e na sociedade brasileira. Nos

    primeiros sete anos ocorreu uma grande disputa de hegemonia e direo do

    processo de modernizao. A partir de 1937, instaura-se a ditadura do Estado

    Novo, liderada por Vargas.

    Durante seu governo, Vargas regulamentou as relaes de trabalho no pas

    com fim de transformar a luta de classes em colaborao de classes. Regulou os

    acidentes de trabalho, aposentadoria e penses, auxlios-doena, maternidade e

    famlia. Criou o Ministrio do Trabalho (MTE), Ministrio da Educao e Sade

    Pblica, a Legio Brasileira de Assistncia (LBA) entre outros. Com o suicdio de Vargas, abriu-se um novo perodo no Brasil, de intensas turbulncias econmicas, polticas e sociais. O Brasil tornou-se mais urbanizado e com movimento operrio e popular mais amadurecido e concentrado. O perodo de 46-64 foi marcado por uma expressiva disputa de projetos e pela intensificao da luta de classes. A burguesia do Brasil estava muito fragmentada e dividida entre partidos, cada um com seu projeto desenvolvimento. A partir de 1945, surge um novo perodo no pas, o primeiro surto de reestruturao produtiva6 no Brasil, vinculado instaurao da grande indstria de perfil taylorista-fordista (ALVES, 2000).

    O Plano de Metas do governo Kubitschek, que se propunha a fazer o pas

    avanar 50 anos em 5, teve como meta uma estratgia de substituio de

    importaes, ou seja, passar a produzir internamente aquilo que era importado,

    5 Alguns autores, como exemplo Boris Fausto (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), questionam a idia de revoluo, pois no houve ruptura total da oligarquia cafeeira. 6 Para Alves (2000), o principal elemento que caracteriza o processo de reestruturao produtiva o seu potencial destrutivo sobre a classe trabalhadora, configurando um novo e precrio mundo do trabalho que ser abordado no captulo 3.

  • abrindo, desta forma, o mercado de trabalho e os meios de produo e consumo.

    Assim, a economia brasileira acirrava a luta de classes e consequentemente gerava

    mais organizao poltica e conscincia de classe.

    O golpe militar de 1964 instaurou uma ditadura e impulsionou um novo

    momento na modernizao com caractersticas conservadoras no Brasil. Esses

    anos foram marcados pela expanso em marcha lenta e seletiva das polticas

    sociais devido disputa de projetos polticos, e por isso os direitos se mantiveram no

    formato corporativista e fragmentado da era Vargas (BEHRING E BOSCHETTI,

    2007). Esse perodo de ditadura durou 20 anos e impulsionou um novo momento de

    modernizao conservadora no Brasil.

    Para Faleiros (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007), o bloco militar-

    tecnocrticoempresarial buscou, no contexto de perda das liberdades democrticas

    de censura, priso e tortura para as vozes dissonantes, a adeso e legitimidade por

    meio da expanso e modernizao de polticas sociais.

    Durante o perodo de 1945 a 1970, devido ao grande crescimento da

    economia, no houve possibilidade de expandir as idias neoliberais7. Contudo, a

    recesso de 1973, abriu caminho para que os neoliberais avanassem. As medidas

    implementadas tiveram efeitos destrutivos para as condies de vida dos

    trabalhadores, pois houve retrao do mercado de trabalho, reduo dos salrios,

    aumento do desemprego e reduo de gastos com as polticas sociais. O Brasil,

    como a maioria dos pases ampliou a arrecadao de impostos, o que penalizou os

    trabalhadores mais pobres e agravou as desigualdades. A reduo dos gastos

    pblicos implicou tambm na reduo dos gastos com o sistema de proteo social.

    7 Este assunto ser abordado no Captulo 2.

  • 2. INTRODUO AO NEOLIBERALISMO

    Para compreendermos como se deu a implantao do projeto neoliberal no

    Brasil, devemos entender como surgiram essas idias e o que estava acontecendo

    naquele momento no Brasil e no mundo. Tal como j foi abordado no captulo

    anterior, o Estado foi um mediador ativo na regulao das relaes capitalistas em

    sua fase monopolista. O perodo compreendido aps 1970 marca o avano das

    idias neoliberais, que ganham terreno a partir da crise de superproduo de 1973.

    2.1 O surgimento das idias neoliberais

    Segundo Anderson (1995), o neoliberalismo surgiu logo aps a Segunda

    Guerra Mundial, como uma reao terica e poltica ao Estado intervencionista e de

    Bem-Estar. um movimento ideolgico, um corpo de doutrina coerente,

    autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo mundo sua

    imagem. Hayek (apud ANDERSON, 1995), deixa claro que contra qualquer

    limitao dos mecanismos de mercado por parte do Estado8. Tinha como objetivo

    combater o keynesianismo e o solidarismo da poca e preparar terreno para um

    outro tipo de capitalismo, isento de regras e duro. Hayek e seus companheiros

    argumentavam que a desigualdade era um valor positivo. As idias de Hayek

    ganharam terreno com a grande crise de 73, quando o mundo capitalista avanado

    caiu em uma profunda recesso. O remdio era ter um Estado forte em sua

    capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco,

    em todos os gastos sociais e nas intervenes econmicas (ANDERSON, 1995,

    p.11). Assim, uma saudvel desigualdade voltaria a dinamizar as economias

    avanadas. Segundo as idias de Hayek, o crescimento retornaria quando a

    estabilidade monetria e os incentivos essenciais fossem restitudos.

    Segundo Anderson (1995), a hegemonia do neoliberalismo no se realizou

    to rapidamente. Levou cerca de uma dcada para que seus princpios fossem

    assumidos nos programas governamentais em vrios pases da Europa e nos

    Estados Unidos.

    8 O poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operrios eram os responsveis por corroerem as bases de acumulao capitalista, destruindo os nveis de lucro das empresas (HAYEK,1944 apud ANDERSON, 1995, p.10).

  • Em 1979, na Inglaterra, surgiu a oportunidade com o governo Thatcher. A Inglaterra teve o modelo pioneiro e mais puro, caracterizado pelas taxas de juros elevadas, diminuio dos impostos sobre os altos rendimentos, alto nvel de desemprego, enfraquecimento de greves, aprovao de legislao anti-sindical e realizao de cortes sociais. Alm disso, os ingleses lanaram-se num grande programa de privatizao. A sociedade inglesa alterou-se profundamente. Houve retrao do setor industrial e expanso do setor de servios privados.

    Em 1980, com Reagan na presidncia dos EUA, no implantou um Welfare

    desenvolvido. Foi priorizado mais competio militar com a Unio Sovitica, como

    estratgia para quebrar a economia deste pas. Reagan tambm elevou as taxas

    de juros, reduziu impostos a favor dos ricos e aplastrou uma greve, mas devido

    corrida armamentista, criou um dficit pblico. O elevado investimento em gastos

    militares e a reduo de gastos sociais no perodo de 81-84 levaram Navarro (apud

    BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.127) a caracterizar esse perodo como Welfare e

    keynesianismo militarista na era Reagan.

    Na Europa, de acordo com Anderson (apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007),

    nos pases do norte, tais como a Alemanha e a Dinamarca, a implantao do

    neoliberalismo foi mais cautelosa. Enfatizaram a disciplina oramentria e as

    reformas fiscais. No sul da Europa, os candidatos de esquerda foram eleitos e

    mantiveram uma poltica de deflao, pleno emprego e proteo social que

    contrastaram com outros pases da linha reacionria, tais como os governos de

    Reagan, Thatcher e Khol. Porm, este projeto fracassou e, desde meados dos anos

    80, esses pases adotaram polticas neoliberais. A hegemonia neoliberal de 1980 nos pases centrais no foi capaz de resolver a crise do capitalismo. As medidas tomadas tiveram efeitos destrutivos para os trabalhadores, prejudicaram as condies de vida da classe operria, que se via desempregadas e com salrios baixos devido ao grande exrcito industrial de reserva. As polticas neoliberais no foram capazes de gerar crescimento econmico, apesar de provocar o aumento de lucro do empresariado. Isto se deu porque houve uma reduo dos salrios e queda dos ndices do emprego (Tabelas 1 e 2).

    Tabela 1

    Taxa de crescimento econmico anual, durante o perodo compreendido entre 1960 - 1993 (TX de crescimento PIB)

    1960-1973 1973-1979 1979-1982 1982-1990 1990-1993

    EUA 4,0 2,4 -0,1 3,6 1,2

  • Europa 4,8 2,6 0,9 2,7 0,6 Japo 9,6 3,6 3,7 4,5 2,1 OCDE 4,9 2,7 0,8 3,5 1,1

    NAVARRO, 1998 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.128.

    Tabela 2

    Taxa de desemprego e taxa de criao de emprego durante o perodo de 1974 1988 (%)

    Desemprego Criao de empregos por ano (% sobre a populao)

    1974-1979 1980-1990 1973-1979 1979-1988 OCDE 4,2 7,4 -0,1 -0,1

    Unio Europia 4,4 7,9 -0,5 -0,6 EUA 6,7 7,2 0,9 0,7

    Japo 1,9 2,5 0,1 0,2 NAVARRO, 1998 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.129.

    O neoliberalismo trouxe a reduo dos postos de trabalho e a desacelerao

    na criao dos novos empregos como conseqncia da reestruturao produtiva.

    Houve tambm a reduo dos gastos pblicos e dos gastos com os sistemas de

    proteo social; as desigualdades sociais resultantes do aumento do ndice do

    desemprego foram agudizadas.

    Caractersticas do neoliberalismo:

    - Para os neoliberais, cada indivduo deve buscar o seu bem-estar e o de sua

    famlia, no sendo responsabilidade do Estado garantir bens e servios

    pblicos para todos;

    - Valorizam a competitividade entre os indivduos, o que representaria uma

    forma de autonomia;

    - Naturalizam a pobreza extrema, que compreendida como resultado da

    moral humana, uma vez que o ser humano no perfeito;

    - Consideram que as necessidades bsicas no devem ser totalmente

    satisfeitas, pois sua permanncia um instrumento eficaz de controle do

    crescimento populacional;

    - O Estado deve intervir apenas para regular as relaes sociais para garantir a

    liberdade individual e assegurar o livre mercado;

    - O Estado no deve garantir as polticas sociais, pois estas seriam apenas

    medidas paliativas para pessoas que no tm condies de competir no

    mercado de trabalho, tal como, idosos, deficientes e crianas, pois os auxlios

    sociais geram acomodao e desinteresse pelo trabalho.

  • Observemos como se deu o processo de implantao das idias neoliberais

    no Brasil, tomando como referncia o final dos anos 60.

    2.2 Ante-sala do neoliberalismo

    Para entendermos como se deu o processo de avano das idias neoliberais,

    devemos observar o que Behring e Boschetti (2007) chamam de aparente falta de

    sincronia entre o tempo histrico do Brasil e os dos processos internacionais. No

    final dos anos 60, o Brasil vivia o chamado milagre brasileiro, momento no qual

    houve um intenso salto econmico, uma ampliao do mercado interno e uma

    expanso da cobertura da poltica social brasileira de uma forma conservadora, ou

    seja, expanso dos direitos sociais em meio restrio dos direitos civis e polticos.

    Nesse perodo, o Brasil atraiu o capital estrangeiro, que percebeu a liquidez de

    capitais no contexto da crise pela qual o mundo passava, processo conhecido como

    substituio de importaes. A economia voltou a crescer nos ltimos anos da

    dcada de 60, mantendo um padro que se consolidava com baixos salrios e sem

    distribuio de renda.

    O perodo da ditadura militar foi compreendido entre os anos de 1964 at

    1985. caracterizado como uma escolha dos setores burgueses para viabilizarem a

    modernizao conservadora no pas, com uma aliana entre a burguesia nacional,

    o Estado e o capital internacional. Esta forma de governo possibilitou uma grande

    abertura para o capital internacional no Brasil. Para Netto (1991), a modernizao

    conservadora foi reeditada pela ditadura militar como via de aprofundamento das

    relaes sociais capitalistas no Brasil, agora de natureza claramente monopolista.

    A poltica implementada no Brasil neste perodo sintonizada com os

    interesses dos pases imperialistas, o que provocou um drstico endividamento

    nacional perante os organismos internacionais e que trouxe srias repercusses

    para os trabalhadores.

    A criao do Sistema Nacional de Assistncia e Previdncia Social (SINPAS),

    em 1974, imps uma forte medicalizao da sade no tratamento curativo, individual

    e especializado, em detrimento da sade pblica. Alm disso, a ditadura

    impulsionou uma poltica nacional de habitao, com a criao do Banco Nacional

  • de Habitao (BNH), uma estratgia de alavancar a economia atravs da construo

    civil e na construo de moradias populares.

    Em 74, percebe-se sinais de esgotamento do projeto modernizador-

    conservador do regime militar, restringindo o fluxo de capitais. Os anos seguintes

    foram marcados pela abertura lenta e gradual deste regime, num processo de

    transio para a democracia que ir condicionar em muito a adeso brasileira s

    orientaes conservadoras neoliberais, implicando no carter tardio da adeso do

    Brasil ao neoliberalismo (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.138). Essa transio

    democrtica foi fortemente controlada pelas elites, para evitar a constituio de uma

    vontade popular radicalizada (SADER, 1990 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007).

    Na dcada de 80 - conhecida como a dcada perdida economicamente,

    temos um aprofundamento das dificuldades de formulao de polticas econmicas.

    Houve um estrangulamento da economia latino-americana. A dvida

    concebida durante o perodo tecnocrtico com o FMI, fora socializada com a

    populao. Foi imposto o discurso da necessidade de ajuste dos planos de

    estabilizao em todos os pases latino-americanos. Houve uma espcie de

    coordenao da reestruturao industrial e financeira nos pases centrais, cujo custo

    foi pago duramente pela periferia.

    Ao longo da referida dcada, o Estado optou por emitir ttulos da dvida

    pblica, fazendo com que os juros aumentassem, a inflao subisse, a populao

    empobrecesse, desemprego, informalidade da economia e prioridade de produo

    para exportao e no para a necessidade interna do pas.

    Nos anos 80, outro fator importante a ser comentado foi a grande arena de disputas e de esperana de mudanas para os trabalhadores brasileiros, na qual se transformou a Constituio de 88. A ao deste movimento operrio e popular pautou alguns pontos de grande relevncia na Constituinte: a reafirmao das liberdades democrticas e afirmao dos direitos sociais; reafirmao de uma vontade nacional e da soberania; direitos trabalhistas e reforma agrria.

    Mas a Constituio manteve fortes traos conservadores, como a ausncia de

    enfrentamento da militarizao do poder no Brasil. Segundo Nogueira (apud

    BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.142) a carta de 1988 no se tornou a

    Constituio ideal de nenhum grupo nacional. Expressou a tendncia societal de

    entrar no futuro com os olhos no passado ou, mais ainda, de fazer histria de costas

    para o futuro.

  • H uma grande efervescncia de movimentos sociais e mobilizao poltica

    da sociedade brasileira, expressando toda a insatisfao com os resultados da

    ditadura militar, e lutando pela redemocratizao. Com efeito, foi uma dcada muito

    significativa do ponto de vista poltico. A participao dos movimentos sociais

    contribuiu para a redemocratizao, e o regime militar, que j estava em crise desde

    75, chega ao fim oficialmente em 1985.

    Nos anos 80, a reconfigurao tanto do trabalho quanto do capital, expressam

    a crise do ciclo autocrtico burgus no Brasil, e tambm a crise do capital mundial,

    que j se prolongava desde 60 e 70. Neste perodo, a burguesia incorpora o

    discurso neoliberal, critica o excesso de Estado e sua incapacidade administrativa e

    defende a privatizao, processo acompanhado da difuso de uma cultura que

    denigre o que pblico, segundo a qual a privatizao a nica alternativa para que

    as empresas funcionem bem, com eficincia. Aposta-se nesta ideologia tambm

    nos pases da Europa, objetivando desprestigiar os servios pblicos e valorizar os

    privados (LESBAUPIN, 1999). Nos ltimos anos da ditadura e do governo Sarney, na chamada Nova Repblica, apesar dos anncios de priorizar a rea social, houve iniciativas pfias no enfrentamento das expresses da questo social. Neste perodo, mantm-se o carter compensatrio, seletivo, fragmentado e setorizado da poltica social brasileira, subsumida crise econmica, apesar do agravamento das expresses da questo social (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.144). Os trabalhadores protagonizaram uma srie de

    reivindicaes com relao aos direitos sociais. Este

    processo desencadeou na efetivao de uma srie de

    direitos no Constituio Federal de 1988. Estas

    conquistas estavam consolidadas na contramo da

    tendncia internacional, ou seja, no momento de crise e

    desmonte do Estado de Bem-Estar Social nos pases

    que o implementaram. No Brasil, contudo, com a

    Constituio Federal de 1988 que o pas mais se

    aproxima das garantias e direitos assegurados pelo

    Estado de Bem-Estar social, em termos legais. Com a

    Constituio, criou-se, no Brasil, as bases jurdico-

    instituicionais que permitiriam reduzir as dvidas sociais,

    os nveis de explorao e dominao e aumentar direitos

    sociais e trabalhistas (NETTO, 1992).

    A Constituio de 88 foi produto de um pacto social entre diferentes setores da sociedade e diferentes partidos

  • polticos, ou seja, resultado de uma correlao de foras. Foi um processo duro e seu texto reflete a disputa por hegemonia. Como resultado de uma onda de contestaes ao regime militar, a realidade decorrente e luta pela instaurao da democracia, a Carta Magna previa a necessidade do controle democrtico, principalmente atravs do processo de descentralizao e criao de instncias de participao da sociedade civil, como os conselhos de direito. A Constituinte foi, portanto, um marco na histria brasileira, tendo em vista a intensa mobilizao popular que garantiu seu carter progressista em relao ao que existia anteriormente. Para SADER (1990), o Brasil se transformou em um elo explosivo do capitalismo latino-americano, em funo das enormes contradies econmicas das tutelas financeira e militar, e da constituio de sujeitos polticos dispostos a enfrent-las.

    Entretanto, na realidade, no foram efetivados muitos dos direitos previstos

    na Carta Magna, principalmente no que diz respeito garantia dos princpios de

    igualdade, universalidade e justia social que orientam a concepo de poltica

    social e direitos sociais na Constituio.

    No que diz respeito esfera econmica, a dcada de 80 ir se caracterizar

    pelo esgotamento do dinamismo da economia industrial brasileira e pela

    desarticulao do padro de acumulao vigente desde meados de 50, sob o

    impacto decisivo da emergncia de um novo padro produtivo em escala nacional.

    (MATTOSO, 1995).

    Nos anos 80, o Estado depara-se com o desequilbrio das finanas pblicas,

    provocadas tambm pela necessidade de pagamento dos altos juros da dvida,

    restringindo os investimentos produtivos. Ao final da dcada, com o enfraquecimento

    do Estado, emerge um cenrio que favorece a implementao do neoliberalismo.

    2.3 Neoliberalismo brasileiro

    Em 1989, Collor sai vitorioso nas eleies e assume as polticas neoliberais9.

    Os princpios da Constituio Federal so vistos como atraso perante a tendncia

    9 O que podemos denominar poltica neoliberal um processo complexo de medidas de reforma da economia e do Estado capitalista no Brasil, capazes de propiciar uma transio nova hegemonia do capitalismo monopolista no pas, um novo padro de desenvolvimento capitalista no Brasil, vinculado

  • mundial. Desta forma, foi no governo Collor de Mello que se inseriu no pas o

    projeto neoliberal, caracterizado pela abertura do mercado, diminuio das taxaes

    de produtos importados, privatizaes de empresas estatais e extino da Legio

    Brasileira de Assistncia. Articulado com a agenda neoliberal, implementa o Estado

    parco de recursos para o social e mximo para o capital, com a interveno do

    Estado para somente favorecer o capital.

    No incio dos anos 90, percebia-se que o neoliberalismo j no era capaz de

    impedir instabilidades crticas do capitalismo mundial. O neoliberalismo tendia a

    agravar as crises devido ao aumento da desigualdade e da excluso social. No caso do Brasil, as polticas de estabilizao tiveram pouco sucesso e por isso a crise desencadeada no incio da dcada de 80 no foi revertida (BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Essa dcada terminou com uma situao econmica prxima da hiperinflao. A dura pedagogia da inflao a qual se refere Oliveira (1998) foi o fermento para a possibilidade histrica da hegemonia neoliberal. Durante os anos 90, o pas estava paralisado pelo baixo nvel de investimento privado e pblico; sem soluo para o problema do endividamento e com uma questo social gravssima. Em suma, tinha-se um pas derrudo pela inflao.

    A partir dos anos 90, a poltica neoliberal surge como tentativa de recuperar (e

    promover) a reproduo interna do capital no pas. O Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), a partir de 1994, seguindo a mesma tendncia, consolida o projeto neoliberal no Brasil. A poltica econmica de corte neoliberal deste governo materializada pela fixao em realizar o ajuste fiscal com a reduo do Estado, a privatizao do patrimnio nacional, o corte de crdito e a elevao dos juros.

    O Plano Real10, em princpio, produz uma estabilizao monetria e

    sobrevalorizao do real que, somados abertura do mercado, provocam a queda

    dos preos, ocasionando uma onda de consumo e legitimao a este governo.

    Concorrendo com produtos importados, as indstrias nacionais sofrem grandes

    dificuldades (LESBAUPIN, 1999).

    Aps a crise do Mxico, em 1994, com a fuga de capitais do pas, o governo

    reage com uma poltica de desvalorizao do real, arrocho de crdito e elevao da

    taxa de juros, conseqentemente, a falta de investimento do capital produtivo

    a um modo de insero dependente a economia brasileira em relao mundializao do capital (ALVES, 2000, p.114). 10 Plano de estabilizao da economia. Consistiu em uma cominao de abertura comercial e liberalizao financeira, simultneas ao estabelecimento de uma taxa de cmbio sobrevalorizada, utilizando o recurso s importaes baratas como elemento de fora contra eventuais presses

  • aprofunda a recesso no pas. Em 1997, com as repercusses das crises asitica e

    russa, o governo repete a mesma poltica de 1995, e acelera as privatizaes para

    dar garantias ao mercado financeiro, agravando ainda mais a recesso no pas.

    As conseqncias deste governo so drsticas para a classe trabalhadora,

    tais como o aumento das concentraes de renda e riqueza, o crescimento agudo

    da desigualdade social, a produo de altos ndices de desemprego, e desmonte de

    direitos sociais. A rea que mais sofreu as conseqncias da ao neoliberal do

    governo FHC foi a rea social. No discurso, a reduo da presena do Estado na

    economia se faria para benefici-la (LESBAUPIN e MINEIRO, 2002, p.39).

    O governo FHC retira o Estado da rea social, sob a justificativa de que a

    origem da crise est na interveno estatal, ou seja, de um excesso de gastos e de

    um incompetente gerenciamento, buscando descaracterizar as polticas sociais e o

    Estado. a cultura afinada com o neoliberalismo de que o pblico ruim, de m

    qualidade, ou ainda, a generalizao de que o funcionrio pblico no gosta de

    trabalhar e, ao contrrio, o privado bom, ou que as empresas privadas so muito

    mais eficientes. Assim, as polticas sociais devem se inserir no campo privado, o

    que favorece ao governo o desmonte das mesmas.

    Desta forma, as polticas sociais passaram a ser orientadas pelo principio da

    privatizao, focalizao e desconcentrao. Atravs da privatizao, possvel

    reduzir o tamanho do Estado, tal como prega o neoliberalismo. Os programas e

    polticas sociais passam a estar orientados por uma lgica mercantil. Consegue-se

    privatizar vrios servios sociais, que passam a ser regulados pelo carter do valor,

    pelo mercado. Para a populao que no pode comprar os servios no mercado,

    so dedicadas polticas sociais pblicas (focalizadas), que so de baixa qualidade e

    menor quantidade. A desconcentrao consiste na transferncia de

    responsabilidade para a sociedade civil, sociedade civil (des)organizada11.

    Diante destas consideraes, pode-se inferir que o governo FHC implementou

    o projeto poltico-econmico do grande capital. Houve o agravamento de um quadro

    critico que j existia e perpassa a formao scio-histrica do pas.

    inflacionrias internas nos setores de bens comercializveis internacionalmente (LESBAUPIN e MINEIRO, 2002, p.13). 11 Conceito de sociedade civil organizada desvirtuado do conceito de Gramsci. Este entende sociedade civil como um momento da superestrutura, que faz parte de uma noo ampliada de Estado.

  • A era FHC foi marcada por uma avassaladora campanha de reformas. Suas

    reformas12 foram orientadas pelo mercado, desmontando o Estado, com nfase nas

    privatizaes e desprezando as conquistas de 88.

    Vivenciamos, na dcada de 90, principalmente a partir da instituio do Plano

    Real (94), um desmonte e a destruio numa espcie de formatao do Estado

    brasileiro para a adaptao passiva lgica do capital. Houve uma abrangente

    contra-reforma do Estado no pas.

    As conseqncias sociais devido s reformas foram drsticas: desemprego,

    trabalho precrio, e consequentemente, o aumento das desigualdades sociais.

    Apesar de todos esses fatos, FHC conseguiu se manter no poder, com a

    ajuda das elites, por dois mandatos consecutivos, ou seja, oito anos. Durante estes

    oito anos, o Brasil teve apenas uma poltica, a de ajuste econmico, e esta se

    caracterizou por oferecer o Brasil como um espao de valorizao ao capitalismo

    financeiro nacional e internacional, multiplicando o lucro dos bancos e dos

    aplicadores financeiros, com taxas de juros elevadas e sobreendividamento

    (LESBAUPIN e MINEIRO, 2002). O Brasil ps-1995 tinha dados alarmantes: produo em ritmo lento, produo industrial em baixa, PIB em queda, aumento da dvida externa e aumento da dvida interna.

    No perodo dos dois mandatos de Cardoso, foram contratados trs

    emprstimos pelo governo junto ao Fundo Monetrio Internacional (FMI). O primeiro

    em 1998, que adiou a desvalorizao do Real s vsperas da reeleio. O FMI

    conseguiu estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal, que era um instrumento de

    forte monitoramento do Estado brasileiro. Este instrumento assegurava o

    pagamento da dvida em detrimento dos servios pblicos. O outro emprstimo se

    deu em setembro de 2001, como se fosse um seguro frente ao perigo de contgio

    da crise da Argentina. Houve, na poca, um novo aprofundamento da dvida

    brasileira e um corte no oramento que acarretou em uma situao dramtica dos

    gastos sociais do Estado. Em setembro de 2002, o terceiro emprstimo foi

    12 Embora o termo reforma tenha sido largamente utilizado pelo projeto em curso no pas nos anos 90 para se autodesignar, partimos da perspectiva de que se esteve diante de uma apropriao indbita e fortemente ideolgica da idia reformista, a qual destituda de seus contedo redistributivo de vis social-democrata, sendo submetida ao uso pragmtico, como se qualquer mudana significasse uma reforma, no implicando seu sentido, suas conseqncias sociais e sua direo scio-histrica. Portanto, o reformismo, mesmo que no concordemos com suas estratgias e que se possa e se deva critic-lo, um patrimnio da esquerda (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.149).

  • concedido pelo FMI. A negociao foi fechada meses antes da eleio presidencial,

    em que Luiz Incio Lula da Silva foi eleito.

    De acordo com Coggiola (2004), os Estados Unidos no desejavam que o

    Brasil quebrasse, pondo em risco a implantao da rea de Livre Comrcio das

    Amricas (ALCA), tampouco deixasse de cumprir o pagamento da dvida. Desta

    forma, FHC imps o faco no oramento de Lula. Portanto no exagerado dizer

    que o FMI estabeleceu de fato, as bases do programa de governo para os quatro

    anos do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) (COGGIOLA, 2004, p.27).

    Com a eleio de Lula (ano eleitoral 2002), os setores de centro-esquerda da

    sociedade criaram vrias expectativas. Para a maioria dos autores de esquerda, o

    Brasil entraria no perodo do fim do neoliberalismo (PETRAS, 2005). Pensavam que

    seria instaurada uma fase de mudanas, visto que, naquele momento quem estava

    no comando do governo era um ex-operrio, que sentiu na pele a superexplorao

    de sua fora-de-trabalho. Alm disso, era um ex-sindicalista fervoroso e atuante.

    Mas a grande transformao da maneira que a populao e os intelectuais

    esperavam, no ocorreu. O que houve, de fato, foi a transformao do Partido dos

    Trabalhadores em um partido governamental dos banqueiros e exportadores

    (PETRAS, 2005), que afastou todos aqueles que no concordavam com seu modo

    de pensar. A transformao pela qual o Brasil passou no primeiro mandato do

    governo Lula realou o poder e os privilgios das classes dominantes.

    O PT surgiu h mais de duas dcadas. Era um partido que se envolvia

    diretamente nas lutas dos movimentos sociais. No ltimo quarto de sculo, houve

    uma mudana qualitativa no interior do partido. Para Petras (2005) as mudanas

    essenciais foram:

    - Relao com os movimentos sociais e suas lutas;

    - A estrutura interna do PT; - O programa e as alianas polticas; e - O estilo da liderana.

    Com os anos, o setor eleitoral do PT ganhou o controle do partido e

    lentamente foi redefinido o seu papel, desviando o seu interesse na luta social e

    formando alianas com partidos burgueses. A segunda mudana referia-se a

    composio interna do Partido e seus congressos. A grande maioria era composta

    por diversos profissionais, tais como funcionrios pblicos, professores

  • universitrios, entre outros. Com a mudana de foco do Partido, os ativistas

    voluntrios desapareceram.

    O PT fez vrias alianas entre as classes, com grupos empresariais e partidos

    burgueses. Seu programa de governo mudou radicalmente. No incio, o Partido

    exigiu o repdio a dvida externa. Durante os preparativos para as eleies de 2002,

    a retrica mudou. Passou a apoiar o pacto com o FMI, buscou alianas junto s

    elites neoliberais da indstria e da agroexportao.

    Em 2003, o governo abraou um programa neoliberal ortodoxo e continuou as

    polticas implementadas no governo FHC.

    Em seu primeiro mandato, Lula nomeou vrios milionrios neoliberais e

    idelogos para integrarem a equipe econmica. Para o lado centro-esquerda do PT

    restaram Ministrios sem muita projeo, basicamente impotentes, segundo Petras

    (2005).

    O governo Lula da Silva, no primeiro ano, alcanou vrias metas neoliberais:

    o pagamento regular da dvida com o FMI; o risco Brasil foi reduzido, e com isso os

    investidores estrangeiros estavam mais confiantes no pas; os spreads dos juros

    diminuram, a estabilidade financeira foi instaurada. Alm disso, os programas

    sociais focaram os benefcios exclusivamente nos mais pobres, tal como

    recomendao do Banco Mundial (COGGIOLA, 2004, p.53). Ainda em seu primeiro

    mandato, Lula reduziu o salrio mnimo devido inflao; transferiu diretamente do

    oramento social aos donos dos ttulos da dvida pblica. Para o governo Lulal

    (seu slogan nas eleies), os gastos como bem-estar, aumento do salrio mnimo,

    os programas para a pobreza e a reforma agrria, desestabilizariam a economia, o

    que acarretaria no agravamento das condies sociais do povo brasileiro.

    O modelo neoliberal do governo de Luiz Incio teve um dos piores

    desempenhos econmicos na histria moderna brasileira, e entre os piores de toda

    Amrica Latina (PETRAS, 2005).

    O desemprego alcanou nveis recordes. Houve aumento do setor informal,

    ou seja, daqueles que no tm carteira de trabalho assinada. A poltica do governo

    encorajou o mercado especulativo, em detrimento do produtivo, alm de aprofundar

    as desigualdades scio-econmicas.

    Este governo regulamentou uma srie de reformas regressivas. Estas incluem a legislao da previdncia, dos impostos e do trabalho, projetada para aumentar os lucros, concentrar o capital, diminuir o salrio e os

  • benefcios sociais, com a expectativa de aumentar as exportaes e atrair capital estrangeiro (PETRAS, 2005, p.43).

    Houve uma grande mudana sim, boa para poucos que tiveram oportunidade

    de enriquecer ainda mais. Pssimas para muitos, em termos de renda, emprego,

    terra, proteo do meio ambiente e do patrimnio. Devemos ressaltar ainda a perda

    poltica que o povo brasileiro teve quando o nico partido que realmente o

    representava tornou-se um instrumento para os ricos e poderosos e o avano do

    novo complexo de reestruturao produtiva que gerou uma crise no mundo do

    trabalho no Brasil e no mundo, como estudaremos no captulo 3.

    3. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO Com a crise do capital das dcadas de 60/70 e a sua tentativa de superao,

    ocorrem profundas transformaes no mundo do trabalho, como j apresentado na

    primeira parte deste trabalho.

    Surge com maior intensidade, neste perodo, um complexo de reestruturao

    produtiva que envolve um sistema de inovaes tecnolgico-organizacionais no

    campo da produo social capitalista - por exemplo, a robtica e a automao

    microeletrnica.

  • 3.1 As caractersticas do toyotismo e da reestruturao produtiva no Brasil

    O toyotismo instaurado, originariamente, pela lgica do mercado restrito,

    surgido sob a gide do capitalismo japons dos anos 50. Tornou-se adequado s

    condies do capitalismo mundial dos anos 80, caracterizado por uma crise de

    superproduo. Foi o desenvolvimento desta crise capitalista que constituiu os

    novos padres de gesto da produo de mercadorias, tais como o toyotismo.

    O toyotismo alcanou um poder ideolgico e estruturante e passou a

    representar o momento predominante13.

    De acordo com Alves (2000), o toyotismo difere do fordismo em alguns

    pontos:

    - uma produo muito vinculada a demanda, variada e hererognea,

    contrrio homogeneidade fordista;

    - Trabalho operrio em equipe, com multivariedade de funes; processo de

    produo flexvel, possibilitando ao trabalhador executar suas tarefas em

    diversas frentes;

    - Aproveita melhor o tempo de produo;

    - Estoques mnimos;

    - Estrutura horizontalizada, ou seja, transfere para terceiros grande parte do

    que era produzido dentro de seu espao produtivo;

    - Controle de qualidade, no qual o trabalhador fiscaliza seu prprio trabalho.

    A projeo universal do toyotismo, a partir da dcada de

    80, estava vinculada ao sucesso da indstria

    manufatureira japonesa. Vrias tcnicas foram

    importadas do Japo durante os anos 70/80. Mas o

    novo mtodo da gesto da produo assumiu valor

    universal para o capitalismo, uma vez que atendia s

    prprias exigncias do capitalismo mundial.

    Segundo Alves (2000, p.32) consideramos toyotismo o que pode ser tomado

    como a mais radical e interessante experincia de organizao social da produo

  • de mercadorias, sob a era da mundializao do capital. Ele articula, em seu

    processo de instaurao, uma continuidade-descontnua com o taylorismo-fordismo.

    Articula, tal como o taylorismo-fordismo, e rompe no interior de uma continuidade

    plena. Explicando: a captura da subjetividade operria uma das pr-condies do

    prprio desenvolvimento de uma nova materialidade do capital. As novas

    tecnologias microeletrnicas na produo, capazes de promover um novo salto na

    produtividade do trabalho, exigiriam, como pressuposto formal, o novo envolvimento

    do trabalho vivo na produo capitalista. Apesar da intensificao do ritmo do trabalho, no toyotismo persiste uma ampliao do ciclo do trabalho em virtude da desespecializao. A desespecializao ou polivalncia operria - no quer dizer que eles tenham se convertido em operrios qualificados, mas representam o extremo da desqualificao, ou seja, seu trabalho foi despojado de qualquer contedo concreto (ALVES, 2000, p.35).

    Segundo GORZ (apud ALVES, 2000), o homem j no transforma nem

    conforma objetos materiais, mas sim vigia operaes em uma tela, programa-as e,

    em caso de necessidade, repara ou ajusta as mquinas que efetuam o trabalho

    manual.

    O objetivo supremo desta gesto da produo continua sendo incrementar a

    acumulao do capital. O toyotismo surge como a expresso maior da acumulao

    flexvel no complexo de reestruturao produtiva, pois segundo Coriat (apud ALVES,

    2000, p.46), a flexibilidade pensada e construda como alavanca e fator chave

    determinante da produtividade.

    Nexos contingentes do toyotismo:

    - Princpio da autonomao e auto-ativao a juno das palavras autonomia e automao. Consiste em fazer com que as mquinas e os

    modos de operao incluam protocolos de responsabilidade pela qualidade

    dos produtos nos prprios postos de fabricao.

    - Princpio do just in time princpio do estoque mnimo. Pode-se considerar o toyotismo um conjunto de tcnicas de gesto pelos estoques. Este torna-se

    um instrumento quase metodolgico, um analisador das disfunes, e um

    13 Expresso utilizada por Lukcs, aps Hegel, para caracterizar um dos elementos de um processo que constitui, dinamicamente, em determinao predominante do sentido e da direo do processo como tal (LUKCS, 1981 apud ALVES, 2005).

  • indicador das vias e dos pontos de aplicao do processo de racionalizao

    do trabalho (CORIAT, 1994 apud ALVES, 2000, p.46).

    No toyotismo muito importante observar, no campo da produo, o que

    suprfluo, ou seja o que pode ser passvel de dispensa, todos os excessos

    gordurosos (ALVES, 2005). A administrao pelos olhos um dos fundamentos

    do esprito do toyotismo.

    O sistema de bnus bianual funciona como um meio de ajustar o pagamento s condies do negcio, e tambm, em curto prazo, de premiar a performance individual dos trabalhadores. No somente a promoo para os mais altos postos, mas tambm o aumento salarial anual dos trabalhadores e a bonificao so determinadas tomando como base a avaliao do desempenho individual, embora o nvel mdio das taxas de pagamento aumente, e os bnus sejam fixados atravs da barganha coletiva. Enquanto o emprego e o sistema de pagamento motivam os trabalhadores a serem leais ou devotados s suas companhias, e o trabalho d aos trabalhadores um sentimento de segurana, o sistema de avaliao de desempenho inspira-os com o esprito da competio. Uma vez que a cooperao e a comunicao com os companheiros de trabalho so altamente valorizados na avaliao, a competio entre eles no pode ser individualista e prejudicar o trabalho em equipe. (WATANABE, 1995 apud ALVES, 2000, p.52)

    Outro fator a competio entre os operrios, intrnseca s idias de

    trabalho e equipe. O operrio encorajado a pensar e encontrar solues antes

    que de fato os problemas aconteam. Os trabalhadores tinham se mostrado capazes de controlar diretamente no s o movimento reivindicatrio, mas o prprio funcionamento das empresas. Eles demonstraram, em suma, que possuem apenas uma fora bruta, sendo dotados tambm de inteligncia, iniciativa e capacidade organizacional. Os capitalistas compreenderam ento que, em vez de se limitar a explorar a fora de trabalho muscular dos trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados nas compartimentaes estritas do taylorismo e do fordismo, podiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginao, os dotes organizativos, a capacidade de cooperao, todas as virtualidades da inteligncia (...). Um trabalhador que raciocina no ato de trabalho e conhece mais dos processos tecnolgicos e econmicos do que os aspectos estritos do seu mbito imediato um trabalhador que pode ser tornado polivalente. esse o fundamento das economias de escala humanas (...). A cooperao fica reforada no processo de trabalho, aumentando por isso as economias de escala, em beneficio do capitalismo (BERNARDO, 1987, p.19-20).

  • no contexto de superao de aspectos da gesto da produo capitalista

    que se inicia, no Brasil, um processo de reestruturao produtiva, afinada com o

    avano da ideologia neoliberal, como estratgia de enfrentamento da crise. A

    deteriorao das contas externas do pas debilitou ainda mais as condies de

    reproduo do capitalismo industrial no Brasil. Adotou-se uma poltica recessiva,

    sob inspirao do FMI, que contraiu brutalmente o mercado interno e incentivou as

    exportaes. A partir disto, surgiu o choque de competitividade, que obrigou as

    grandes empresas, principalmente a indstria automobilstica, a adotarem novos

    padres organizacionais-tecnolgicos (ALVES, 2000).

    Vejamos como ocorreu o processo de reestruturao produtiva no Brasil.

    Para isso faz-se necessrio recapitular o que acontecia no pas em meados de

    1945.

    O Brasil sofreu o primeiro surto de reestruturao produtiva, aps 1945, no

    governo Kubitschek. O segundo surto ocorreu na poca do milagre brasileiro. O

    terceiro e atual est vinculado, segundo Alves (2000) poca da crise do

    capitalismo brasileiro, com o predomnio de um novo padro de acumulao

    capitalista a acumulao flexvel cujo momento predominante o toyotismo.

    Ocorre a partir dos anos 80 e impulsiona-se na dcada seguinte sob a gide

    neoliberal.

    Nos anos 80 houve a crise da dvida externa, hiperinflao, recesso e

    ciranda financeira. O Brasil tornou-se um dos principais pases exportadores.

    Diante desta nova situao da economia brasileira capitalista, impulsiona-se outro

    surto de reestruturao produtiva, que passa a ser conhecido por toyotismo restrito.

    Ao longo da dcada de 90, ocorre a instaurao de uma verdadeira onda de

    produtividade e qualidade nos setores industriais. Tem-se o desdobramento de um

    amplo surto de reestruturao em um novo patamar histrico, capaz de dar um novo

    ordenamento estrutura produtiva e de classes no Brasil. A reestruturao capitalista provoca a precarizao das condies de trabalho e o aumento do exrcito industrial de reserva, e graves conseqncias para o emprego e a qualidade de vida dos trabalhadores, como tambm para os desempregados. Entretanto, Carvalho (1987) nos diz que no Brasil, especificamente, ocorre um aprofundamento dos princpios fordistas de organizao do trabalho, ao invs de seu esgotamento. Para compreender esta afirmativa, devemos entender a

  • introduo da automao seletiva14 no Brasil. Esta introduo foi lenta devido a vrios fatores, como o baixo custo dos salrios, o alto custo das mquinas, bem como o refluxo na organizao dos trabalhadores, o que torna a permanncia do trabalhador mais lucrativa do que a sua substituio por mquinas. Desta forma, a automao programvel foi introduzida no pas, mas isto se deu de forma lenta, o que reforou a posio de que a organizao do trabalho fordista no foi posta de lado, mas reforada nas fbricas.

    No Brasil, a reestruturao produtiva no caracterizada apenas pelas

    alteraes nos processos tcnicos de trabalho nas empresas. A reestruturao

    brasileira abrir capital, privatizar empresas estatais, terceirizar, demitir

    trabalhadores e aumentar a produtividade (MOTA, 1995 apud BEHRING e

    BOSCHETTI, 2007). Os novos ganhos de produtividade surpreendem, porque a

    produtividade cresceu graas aos novos processos produtivos, aos mtodos de

    gesto e s custas da perda do emprego de milhes de trabalhadores (SABIA,

    1990 apud BEHRING e BOSCHETTI, 2007). De 1981 a 1983 ocorre um perodo recessivo na economia brasileira. A reduo de custos gerou demisses em massa, principalmente na indstria automobilstica. A queda dos investimentos atrasou a introduo de novas tecnologias microeletrnicas (ALVES, 2000). Por isso, a necessidade de elevao da produtividade ocorreu por meio da reorganizao da produo (intensificando o trabalho e/ou flexibilizando o uso da fora de trabalho nas empresas). Nesta poca, surgiu o discurso da qualidade total e da participao. Os Crculos de Controle de Qualidade (CCQ) ocorreram sob as condies da luta de classe nos anos 80 como um novo recurso de controle do trabalho. Principais determinaes da reestruturao produtiva o Brasil dos anos 80, segundo Alves (2005):

    - A crise do capitalismo industrial, cuja maior expresso a crise da dvida

    externa. A recesso e seu ajuste exportador conduziram a um verdadeiro

    choque de competitividade nas principais indstrias do pas; - O processo de luta de classes no pas, caracterizado pela ascenso do novo

    sindicalismo, voltado para maior interveno nos locais de trabalho, pondo,

    portanto, em questo, o controle do trabalho;

    14 Automao seletiva 1984-1986: este o pequeno perodo de recuperao da economia brasileira nos anos 80, caracterizado pelo incremento das inovaes tecnolgicas, com a introduo de microeletrnica, tais como mquinas-ferramentas a comando numrico, robs, flexibilizao das linhas de montagem com base no uso de controladores lgico programveis. Entretanto, vale salientar, que uma automao microeletrnica seletiva (ALVES, 2005, p.133).

  • - As novas estratgias das corporaes transnacionais nos anos 80, que

    implicaram a adoo por parte de suas subsidirias no Brasil (no caso da

    indstria automobilstica), de novos padres organizacionais-tecnolgicos,

    inspirados no toyotismo, no momento predominante do complexo de

    reestruturao produtiva sob a mundializao do capital.

    Os anos 90 at os dias de hoje tm sido de contra-reforma15 do Estado e de

    obstacularizao e/ou redirecionamento das conquistas de 1988.

    A partir dos anos 90, como novo choque de competitividade imposto pelas

    transformaes neoliberais no incio desta dcada, o processo de reestruturao

    produtiva adquiriu novo impulso.

    As principais determinaes scio-histricas do novo complexo de

    reestruturao produtiva no Brasil da dcada de 90, segundo Alves (2000), so:

    O novo complexo de reestruturao produtiva decorrente, em primeiro

    lugar, da nova etapa do capitalismo mundial, caracterizada pela

    mundializao do capital16, que tende a projetar nas subsidirias das

    corporaes transnacionais, desde os anos 80, novas estratgias de

    produo, exigncias do novo tipo de acumulao flexvel. Essa

    determinao atinge o mundo da produo do capital monopolista em cada

    pas capitalista, em maior ou menor proporo, dependendo do seu nvel de

    integrao mundializao do capital;

    - As polticas neoliberais tenderam a impulsionar, a partir dos anos 90, a

    denominada modernizao industrial no Brasil. Por um lado, adotou-se uma

    liberalizao comercial abrupta e desregulada, e constituiu-se uma nova idia

    de poltica industrial, na qual no se protege a indstria nacional; mas

    procura-se dar condies para que a indstria localizada no pas, nacional ou

    no, possa concorrer no mercado mundial, com o apoio de programas

    institucionais, tais como o Programa de Apoio Capacitao Tecnolgica da

    15 Contra-reforma Houve a partir de 1990, o desmonte e a destruio, numa espcie de reformatao do Estado brasileiro para adaptao passiva lgica do capital. Houve, portanto, uma abrangente contra-reforma do Estado no pas, cujo sentido foi definido por fatores estruturais e conjunturais externos e internos, e pela disposio poltica da coalizao de centro-direita protagonizada por Fernando Henrique Cardoso (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.152). 16 A mundializao do capital decorrncia da nova lgica de valorizao do capital, cujos principais agentes so as empresas, as corporaes e os conglomerados nacionais (ALVES, 2005, p.184).

  • Industria (PACTI) e o Programa de Competitividade Industrial (PCI) ou atravs

    de crditos no Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).

    - A crise das estratgias polticas de cariz socialista no Brasil, decorrente, por

    um lado da derrota poltica do PT nas eleies de 89 e 94. A nova ofensiva

    do capital na produo aproveita-se de uma situao de recuo poltico e

    ideolgico da classe trabalhadora para promover a constituio de uma nova

    hegemonia do capital na produo.

    a partir do governo Collor (1990-1993) que o processo de reestruturao

    produtiva e o projeto neoliberal avanam no pas. Como parte integrante do mesmo

    processo, as mudanas no processo produtivo, tais como a flexibilizao, a

    desregulamentao, e as novas formas de gesto da fora de trabalho, mesclam-se

    como o fordismo ainda dominante no pas e com novos processos produtivos. O

    cenrio da economia brasileira sob o governo Collor, caracterizado pela recesso,

    crescente desemprego na indstria e o predomnio da racionalizao de custos nas

    empresas, constituiu-se de certo modo, uma acumulao produtiva, que preparou o

    capital para adoo de novas estratgias de negcios, quando a economia

    retomasse o crescimento, em 93.

    De acordo com Alves (2000), no perodo do governo Collor, a recesso

    (decorrente das medidas de estabilizao macroeconmica por meio de juros altos e

    controle da liquidez), foi uma das mais profundas da histria da Repblica.

    Diante das condies adversas da economia brasileira, as indstrias passaram, de incio, a adotar estratgias de racionalizao de custos que implicaram uma reduo da jornada de trabalho, salrios ou simplesmente demisses (...). Eram reaes de sobrevivncia das empresas s adversidades da recesso. Alm, claro, de serem reaes de oportunidade das empresas, que aproveitavam o cenrio recessivo do Plano Collor para instalarem a reestruturao produtiva (ALVES, 2000, p.195).

    Com os governos Collor e FHC (1994-2002), os processos de

    desregulamentao, flexibilizao, privatizao acelerada e desindustrializao

    ganharam impulso, o que gerou desemprego industrial e recesso da economia.

  • O Plano Real, sob o governo FHC, impulsionou um novo ciclo de crescimento

    do capitalismo17 no Brasil. Este ciclo imps novas bases materiais da hegemonia do

    capital, principalmente no campo da produo.

    No Brasil, o empresariado opta por um processo de reestruturao produtiva,

    implantando os mtodos japoneses de forma adaptada realidade brasileira e

    modernizao tecnolgica, mantendo uma postura contrria a negociaes com

    trabalhadores e sindicatos. Um exemplo da peculiaridade brasileira observado nos

    sistemas de manufatura celular, que viabilizam uma rgida diviso do trabalho, com

    prescrio individual d