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CREPÚSCULO DA HUMANIDADE Autor K. H. SCHEER Tradução AYRES CARLOS DE SOUZA Digitalização GETÚLIO (P- 400)

P-400 - Crepúsculo da Humanidade - K. H. Scheer

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CREPÚSCULO DAHUMANIDADE

AutorK. H. SCHEER

TraduçãoAYRES CARLOS DE SOUZA

DigitalizaçãoGETÚLIO

RevisãoARLINDO_SAN

(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)

(P-400)

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Alarme na Galáxia, a história do número anterior da série terminou em dias de outubro do ano 2437.

Desde este tempo, que trouxe uma vitória amarga da Humanidade, conquistada duramente, sobre o seu mais poderoso adversário até então, passaram se praticamente até este dia exatamente 993 anos de tempo universal.

Na Terra e nos mundos do Império Solar registra-se agora o mês de outubro do ano 3.430, e em conseqüência da expansão galáctica da Humanidade, resultou uma situação crítica, que Perry Rhodan — novamente confirmado no posto de Administrador-Geral, através de eleições democráticas — e seus cientistas especializados vêem com grande preocupação há mais de quinhentos ou seiscentos anos, quando a mesma começou a se configurar.

Terra — o mundo matriz — não tem mais nenhuma possibilidade de controlar ou conduzir, no melhor interesse da Humanidade galáctica, os 5.813 Sistemas solares, que foram colonizados até este ponto. Surgem novas constelações de poder, novas grandes potências galácticas, que lutam contra o Império Solar do qual a grande maioria dos seus habitantes descendem.

Finalmente três novas potências estelares se aliam, para dar o golpe de morte ao Império Solar. Porém o Lorde-Almirante Atlan com seus agentes da USO estão vigilantes. Eles dão alarme e os cientistas solares dão início ao “Projeto Laurin”...

O Projeto Laurin deverá evitar que seres humanos sejam obrigados a lutar contra seres humanos...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — O Administrador-Geral precisa de 6,76 bilhões de votos para sua reeleição.

Galbraith Deighton — O novo chefe da Contra-Espionagem Solar.

Lorde Zwiebus — Um neandertalense desperta para uma nova existência.

Geoffry Abel Waringer — Primeiro senador cientista do Império Solar e iniciador do Projeto Laurin.

Julian Tifflor — O Marechal-Solar, em caso de necessidade, mostra se pronto para um motim.

Imperador Dabrifa — Um perigoso adversário de Perry Rhodan.

Szark Kalutsin e Barna Olphener — Dois especialistas da USO, de Siga.

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Se você, ouve dizer que uma montanha se mexeu, acredite, mas se ouviu dizer que alguém mudou de caráter, não acredite nisso.

Filosofia maometana, Terra Antiga

No ano 3.430 depois de Cristo, novecentos e noventa e três anos depois de dominado o perigo que ameaçava através dos Condicionados em Primeiro Grau e dos Vigilantes de Vibrações, a Humanidade extra solar levantou-se contra a Terra, o mundo mãe.

Os colonos antigos, emigrados entre os anos 2.000 e 2.300, formaram alianças de Estado autárquicas e associações de interesse, cujas pretensões autárquicas já não mais eram possíveis de evitar com a simples chamada à razão.

Perry Rhodan, Administrador-Geral e chefe do governo do Império Solar, viu-se colocado diante da alternativa de reprimir a ânsia de liberdade dos novos povos da Humanidade, pela força das armas, ou de seguir as leis da compreensão e da tolerância.

O Parlamento Solar, com o Administrador-Geral, eleito democraticamente e mandatário do governo à frente, tomou a decisão de concordar com os desejos de autarquia e conceder aos novos povos independência política, econômica e militar, Com isto foi evitada uma guerra galáctica.

Já a esse tempo, quinhentos anos depois das experiências nas nuvens de Magalhães, destacaram-se os acontecimentos que seriam determinantes para o ano de crise de 3.430.

Três grandes impérios estelares, fundados por descendentes de colonos, organizados e elevados a um fator de poder imenso, voltaram-se contra a Terra. A superioridade do mundo-matriz de toda a Humanidade, que continuava como antes, transformou-se em pretexto de uma profunda desavença, e finalmente a Humanidade Solar viu-se obrigada a tomar medidas de cautela para o caso de um litígio levado às últimas consequências.

No final de outubro do ano 3.430 Perry Rhodan viu-se novamente confrontado com a questão de consciência, de dirigir todo o poder reunido da Frota Solar do Império contra os Povos Novos de descendência terrana, ou de recuar uma segunda vez. O Administrador-Geral desistiu de recorrer à força das armas.

Por esta razão aconteceu que as oitenta mil naves gigantes da Coalizão Antiterrana não toparam com o adversário. O homem, a quem a nova Humanidade tinha que agradecer a sua união original bem como a sua posição galáctica privilegiada, tinha encontrado um outro caminho, com sua costumeira genialidade. O seu nome era Perry Rhodan.

Os detentores do poder da Federação Carsuálica, do Império Dabrifa, e da União Centro-Galáctica, tinham subestimado o maior terrano da história da Humanidade, como já muito antes dele o tinham feito os comandantes de povos não-terranos.

A crise começou no dia 1o de outubro do ano de 3.430 depois do nascimento de Cristo...

* * *

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O homem na tela de imagens balançou a cabeça, duvidando. A sua voz era abafada pelos ruídos que somente um especialista poderia decifrar de golpe.

E eles pareciam o trovejar de um impulsor de espaçonave, trabalhando com força máxima, misturando-se entretanto com um uivar e rumorejar, que por sua vez também não combinava com uma cosmonave.

O homem que chamara vestia um macacão que em parte parecia um traje de homem-rã, e de outra um moderno traje de combate da Frota Solar.

— Impossível não é absolutamente nada — gritou ele no seu microfone. — Abaixo de nós pode haver qualquer coisa. Eu queria apenas comunicar-lhe que nas próximas duas horas estaremos estabelecidos. O senhor deveria dar uma olhada nisso.

O homem que chamara era o Engenheiro Dr. Kleym Hasselet, o melhor especialista terrano de perfurações subaquáticas profundas.

Galbraith Deighton, primeiro senso-mecânico do Império e novo chefe da Contra- -Espionagem Solar, ficou escutando por algum tempo aqueles ruídos exóticos. Deighton encontrava-se em Terrânia, já reconstruída.

— Para um homem de cento e vinte anos o senhor me parece quase um pouco vivo demais, doc — afirmou Deighton com um traço de humor bonachão. — Se o senhor topar com uma carga explosiva, toda a Fossa de Tonga irá pelos ares.

— Pelas águas — corrigiu-o Hasselet, secamente. — E não é só isso! Neste caso vamos vivenciar uma erupção vulcânica, que vai abalar toda a Terra. E agora, devo continuar perfurando, ou o senhor quer desistir da empreitada? Essa coisa aí por baixo de nós vai continuar no seu tique e no seu taque, vai irradiar e só Deus sabe mais o quê. Talvez também venha a explodir algum dia. Sir, o meu tempo é precioso!

— Eu vou aí — decidiu o primeiro senso-mecânico. — A que distância o senhor penetrou sob o fundo do mar?

— Mais ou menos dez mil metros. Como o fundo do mar na Fossa de Tonga fica a oito mil e setecentos metros sob a superfície da água, nós já nos afastamos quase dezenove mil metros da luz do Sol. As temperaturas lá embaixo subiram para cento e vinte graus centígrados. O entulho de matéria retirada e o seu depósito está ficando difícil. Traga um bom traje de proteção consigo. Eu o estou esperando, Sir. A última decisão terá que ser sua. Eu... momento, por favor, estão chegando outras notícias.

O engenheiro deu as costas à imagem. O microfone continuava bem junto de sua boca.

— Atingimos o ponto fraco. A cinquenta metros mais para o fundo estão rastreando uma gigantesca cavidade. Aparentemente um labirinto. A atividade vulcânica está aumentando. Receio que estejamos entalhando camadas de magma, ou então bolhas que estão sob violenta pressão. Vou mandar fazer uso das duas torres de zona de campo adicionais que estão em reserva.

— Não sei o que o senhor entende por isso, mas não tenho dúvidas quanto à correção de suas medidas. O senhor ainda tem outras notícias alvissareiras quatorze dias antes da eleição do novo Parlamento Solar e do chefe do governo?

Hasselet riu. A pele do seu rosto repuxou-se em milhares de rugas e preguinhas.— Não, eu vou deixá-lo em paz. Ouviu alguma coisa sobre o Administrador-Geral?— Nada de especial. Mas se chegar alguma notícia, certamente será para chorar. Os

habitantes dos sistemas planetários livres parecem não dar muita importância à viagem de boa-vontade de Rhodan. Além disso, ele constantemente atravessa as medidas de segurança que estabeleci para ele. O senhor, comparativamente, apertaria a mão a um monstro submarino? Pois é. Dentro de uma hora, estarei aí com o senhor, doc. Desligo.

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O chefe da CESP-Solar desligou. Depois foi colocar-se diante da janela panorâmica do seu escritório e olhou por cima dos edifícios da Nova Terrânia. Muito para o oeste partia um cruzador-correio da Frota. Era a Aganon. Uma rápida nave de comunicações, a qual não se podia confiar o hiperrádio.

Galbraith Deighton, um homem alto, de cabelos escuros e traços marcantes no rosto, “escutava” com seus sentidos-extras, biofisicamente treinados até o limite, as oscilações emocionais da massa de gente, que muito abaixo dele lotavam a rua elevada da capital do Império Solar.

Deighton tinha a capacidade, como senso-mecânico, de captar os impulsos de radiação de cérebros humanos, lendo nos mesmos os respectivos estados de humor. Mesmo assim ele não era um mutante, mas apenas um ser humano, que desde o nascimento demonstrara este dom no treinamento recebido na Emotio-Academia.

Dez minutos mais tarde o chefe da Contra-Espionagem estava sentado no seu planador. O seu destino era um setor no Oceano Pacífico. O local de perfuração ficava a cento e setenta e quatro graus de longitude oeste e a vinte e dois graus de latitude sul, a sudoeste do grupo de ilhas Tonga.

Há quase um milênio sabia-se que ali ficara a costa oeste do continente submerso da Lemúria.

Quando, por isso, há um mês atrás, um submarino de exploração equipado com uma nova sonda térmica, pôde registrar diferenças de temperatura notáveis nas profundezas do oceano, Deighton espichara os ouvidos. Os antigos lemurenses já tinham presenteado, por mais de uma vez, à nova Humanidade, legados que quando melhor observados demonstraram ser extremamente perigosos.

Ninguém sabia ao certo o que se escondia nas profundezas do mar. Os lemurenses, durante a grande ofensiva dos halutenses, tinham construído instalações subterrâneas verdadeiramente gigantescas, há cerca de cinquenta mil anos atrás. E nisto eles tinham penetrado em até dez mil metros nas profundezas do seu continente.

Tinha-se descoberto instalações e bunkers de todo tipo, depósitos de armas, instalações fabris subterrâneas e depósitos de materiais de proporções enormes.

E agora o fundo do oceano, anteriormente terra firme, na Fossa de Tonga, começara a emitir radiações. Depois da primeira localização térmica, tinham sido captados ecos energéticos mínimos. Estes entretanto tinham aumentado de intensidade à medida que as perfurações ordenadas por Deighton tinham progredido. No fim de setembro de 3.430 já se sabia que aproximadamente a dezenove mil metros abaixo do nível do mar aconteciam coisas que contradiziam qualquer consideração lógica. Pelo menos um reator atômico dos antigos lemurenses tinha voltado a funcionar novamente depois de cinquenta mil anos aproximadamente. Porém também era possível que se tratasse de outras coisas que ali, por razões insondáveis, tinham despertado para a vida.

E isso era motivo suficiente para que o sucessor do inesquecível Marechal-Solar e Chefe da Contra-Espionagem, Allan D. Mercant, resolvesse verificar a fundo o que havia por ali. Na Terra viviam quinze bilhões de homens. Muitos deles tinham escolhido o chão do oceano urbanizado como moradia. Mais outros dez bilhões de homens viviam nos planetas e nas grandes luas do Sistema Solar. E ninguém entre estes vinte e cinco bilhões podia permitir, ou deixar de investigar coisas que, com a experiência obtida, rapidamente poderiam tornar-se perigosas.

Nisto pensava o Marechal Solar Galbraith Deighton, quando embarcava no seu rápido avião. Em vinte minutos o mesmo levou-o para a região do mar, sob a qual ficava

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a antiga costa oeste de Lemúria. Deighton estava decidido a continuar com as perfurações, usando energia do mais novo tipo. Custasse o que custasse.

O mandato do governo Solar estava terminando. Era preciso escolher pelo voto não apenas o novo Parlamento mas também o chefe mandatário do governo e Procurador- -Geral da Humanidade, também chamado de Administrador-Geral.

Há séculos que Perry Rhodan exercia este alto posto. Ele seria mais uma vez eleito em eleições diretas e pessoais, ou teria que entregar o governo a um outro homem. Candidatos havia em profusão.

No dia 14 de outubro a Humanidade Solar votaria. Nada viria menos oportunamente que um pecado de omissão científica de consequências catastróficas. O segredo do fundo do oceano tinha que ser decifrado o mais rapidamente possível.

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Bem longe, ao noroeste, ainda perceptíveis no horizonte, podiam ver-se as maiores elevações das Ilhas Tonga. As mesmas estavam envoltas pela neblina da manhã.

O planador de voo de Deighton tinha pousado no convés de aterrissagem de uma nave-mãe de submarinos. Era daqui que dirigiam todas as atividades.

O senso-mecânico examinou o submarino em forma de disco com uma desconfiança nitidamente visível. O mesmo encontrava-se no ventre imenso da nave- -mãe. A torre esguia na parte superior do seu casco subia até quase o convés. O recinto do hangar e a eclusa de água eram uma coisa só.

— Chegou a hora, Sir — insistiu o comandante, um homem jovem de mãos esguias e uma cara queimada de sol. Ele fazia parte dos comandos de aquanautas terranos. Os membros de sua tripulação (ela era formada por apenas três homens) já se encontravam no barco.

— Lá embaixo existem praticamente cem atmosferas de pressão da água — afirmou Deighton, hesitante. — O senhor tem toda certeza de que esta casca de ovo vai aguentar isso? O elemento preferido pelo senhor para mim é um pouco assustador.

O comandante escondeu um sorriso. A aversão de Deighton pelas profundezas dos oceanos era conhecida. Ele fazia parte dos homens que se sentiam muito melhor no espaço.

— A Vala das Filipinas ainda é mais profunda, Sir. Nós nos sentimos muito bem a onze mil metros de profundidade. Por favor, Sir!

Deighton embarcou no submarino com tanto cuidado como se pusesse os pés num lago recém-congelado.

A central de comando que se achava por baixo da torre era estreita. Os controles eram tão estranhos para Deighton que o seu desconforto aumentou. Os comandos de profundidade e laterais eram manipulados por um homem de aparência letárgica. Ele segurava o manche, semelhante ao de um avião, entre dois dedos e examinou, uns depois dos outros, os diversos sistemas de comando.

Dez minutos mais tarde a eclusa já estava cheia de água. O pequeno submarino foi lançado, através de um sistema já de há muito obsoleto, e que utilizava ar comprimido. Isso também não agradou ao chefe da contra-espionagem.

Ao mencionar isso, o comandante afirmou que nem todas as descobertas dos antigos deixavam a desejar. E nunca, com toda certeza, no que se referiam a viagens submarinas.

O disco atirou-se para baixo na vertical, em alta velocidade. Poucos momentos depois da manobra de lançamento, o lusco-fusco do dia cedeu à noite eterna do oceano profundo. Só os aparelhos de rastreamento e as telas de imagens ainda ofereciam uma impressão dos arredores.

O manômetro de profundidade girou tão rapidamente, que Deighton mais uma vez ficou inquieto. Ele ficou escutando por alguma coisa que, se lhe perguntassem, não saberia definir. Talvez ele estivesse esperando pelos estalos nas juntas — tantas vezes descritos — ou pelo rumorejar de massas de água penetrando no submarino. O comandante acalmou-o novamente com a afirmação de que nenhum viajante das profundezas do oceano jamais tinha vivenciado conscientemente uma ruptura num

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submarino pressurizado, pois numa profundeza destas, a coisa acontecia tão rapidamente que não seria possível o reconhecimento da morte iminente.

As preocupações de Galbraith Deighton não tinham fundamento. O casco de aço terconite do barco poderia suportar seis vezes aquela pressão da água.

Do negro da parede de água, sobressaiu repentinamente um pontinho oscilante. Quanto mais o batiscafo se aproximava, mais se tornava visível a fonte daquela luz.

A técnica já tinha vencido, de há muito, a temida pressão. As torres de zonas de campo, estações de alta energia, flutuantes e submersíveis, com poderosos reatores de fusão e projetores de escudos de campo, tinham criado, por cima do lugar de perfuração, um campo energético que repelia a água.

A mesma tinha expulso o elemento líquido, criando assim uma bolha hemisférica oca, com um diâmetro interior de trezentos metros e uma altura de cento e cinquenta metros.

Dentro dela erguiam-se os aparelhos de perfuração, os alojamentos dos técnicos, a estação de filtragem e as restantes instalações técnicas. Uma luz muito clara dava a ilusão de um sol no fundo do oceano.

O timoneiro de repente empurrou o manche para a frente. Deighton viu um desfiladeiro submarino vir ao seu encontro. Ao mesmo tempo ouviu alguns comandos, que não entendeu. O batiscafo parou, com as máquinas uivando, bem pouco acima do fundo do mar, dentro do desfiladeiro. A bolha energética brilhante somente podia ainda ser vista parcialmente.

— O que houve? — quis saber, perturbado. Ele sentia a tensão nervosa dos outros homens.— Proibição de aproximação, Sir. O Doutor Hasselet aparentemente perfurou até a

cavidade. Isso pode trazer dificuldades. Um homem sensato, neste caso, imediatamente procura cobertura.

O chefe da CE dominou-se. E continuou em silêncio mesmo depois que um apito estridente ecoou, seguido imediatamente de um ruído trovejante.

— Ótimo, esta é a eclusa de efluentes gasosos! — gritou o comandante. — Hasselet deve ter perfurado até uma bolha que estava sob pressão. Provavelmente com o desintegrador especial. Nós perfuramos os últimos dez metros até a cavidade rastreada com o pequeno aparelho.

Levou ainda dez minutos até que o submarino se pôs em movimento novamente. Dali em diante Deighton estava convencido de que os aquanautas entendiam do seu ofício. Em determinadas circunstâncias o oceano profundo parecia ainda mais perigoso que o espaço vazio.

Diante do disco flutuante abriram-se os portais de uma eclusa de alta pressão, de formato tubular e aço terconite. Ela desembocava no campo tubular. O batiscafo deslizou para dentro dela, foi ancorado magneticamente e ligado firmemente ao chão da eclusa.

Deighton já estava novamente “escutando”. A água não foi bombeada do tubo, mas era desviada para a bolha energética. Ali ela se juntava num container de normalização, era evaporada e novamente liberada para dentro do oceano através dos campos de alta energia da eclusa de remoção de detritos.

Deighton finalmente pôs os pés na terra sob a superfície do mar. Mais para a frente, bem no meio das torres da zona de campo rumorejantes, estava o pesado desintegrador, cujo raio dissolvia a liga molecular de qualquer matéria.

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Aquilo não era uma “perfuração” no antigo sentido da palavra. Os detritos escavados pelo desintegrador eram gaseificados na instalação térmica vizinha e soltos para a água através de eclusa de material escavado, sob alta pressão.

Deighton encontrou o Dr. Hasselet dentro da cabine de comando blindada do desintegrador. O ruído tornou-se tão forte, que ele colocou a mão sobre os ouvidos.

Hasselet gesticulou e apontou para um técnico, que estava pronto e esperando, com um traje de proteção.

O senso-mecânico colocou o traje, “escutou” com seus sentidos treinados, e por força de hábito, as oscilações emocionais dos homens que trabalhavam aqui e depois colocou o capacete, que fechava hermeticamente, e possuindo aparelhagem de comunicação embutida. Já estava mais calmo.

Tudo estava em ordem. Deighton captava apenas impulsos que ficavam cada vez mais fortes, e que se originavam na tensão nervosa dos homens.

— Fala Hasselet. Está me ouvindo, Sir? Aqui embaixo a comunicação somente é possível pelo rádio.

— O entendimento é bom, doc. Eu cheguei tarde demais?— De modo algum. Nós acabamos de furar até a bolha com a coroa do projetor de

cinco metros. O labirinto se encontrava sob alta pressão.— Como assim? Lá embaixo ainda existe ar? Hasselet deu uma risadinha. Sem nenhum humor.— E como! Praticamente toda instalação lemurense, a qual chegamos com a

perfuração até agora, estava sob pressão. E esta também. Trata-se preponderantemente de edificações hermeticamente fechadas, que naturalmente, quando do afundamento do continente, levaram consigo os gases atmosféricos incluídos.

— Naturalmente! — disse Deighton um pouco desconfortável. — O que acontecerá agora? Desculpe-me, mas até agora nunca tive tempo de presenciar este tipo de experimentos.

Hasselet apenas anuiu. Ele apontou para as telas de imagens.— Não temos mais tempo para uma canalização normal do poço. Eu estou

mandando estabilizá-lo com uma liga aplicada por injeção, na esperança de que a massa de tercalnitral ligue mais rapidamente do que a movimentação das rochas. Meus homens estão detectando camadas vulcânicas por toda parte. Esta parte do planeta Terra é terrivelmente agitada. Veja ali! A cerca de dez mil e trezentos metros abaixo do fundo do mar, trabalhavam robôs especiais com capacidade de voo.

Uma massa branco-acinzentada saía de imensos canos. A mesma cobria as paredes do poço, ligando-as entre si e formando assim um tubo coberto de liga, capaz de suportar elevadas pressões. Outros robôs já tinham penetrado no espaço que fora criado com a coroa do projetor de cinco metros. Bem fundo, abaixo do solo marinho, apareceram holofotes acesos. A transmissão a cores das câmeras dos robôs se faziam sem problemas e além do mais em terceira dimensão.

Outras máquinas passavam suas análises. O ar era ruim, totalmente superaquecido e sem o menor traço de umidade. A pressão era a mesma do interior da bolha energética.

Deighton curvou-se para a frente. Um dos robôs tinha achado uma máquina. Ele iluminou-a e filmou-a com sua câmera. Os homens na central de comando do perfurador de alta energia eram especialistas exerimentados, que praticamente podiam reconhecer qualquer aparelho lemurense de soco. Eles olharam, como que hipnotizados para as telas de imagens. Finalmente um deles disse, devagar:

— Alguém pode me dizer o que é isso?

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O engenheiro virou-se. E viu diante de si rostos perplexos. Somente o Primeiro Senso-Mecânico do Império Solar não se deixou levar pelo desconforto geral, pois neste momento fora criada uma situação que Deighton via como sendo do seu ofício.

— Doutor Hasselet, eu desço também. O senhor tem, aqui embaixo, um comando de desembarque armado?

Hasselet abriu os olhos, muito admirado.— Como disse? Um o quê? Sir, a Lemúria afundou há cinquenta mil anos. Quem

poderia estar?...— Gente, por exemplo, que dispõe de uma ligação por transmissor funcionando

muito bem — ele foi interrompido. — O senhor tem um comando?Hasselet suspeitou que o assunto estava ficando mais sério do que ele imaginara.

Alertou cinquenta especialistas do time de aquanautas. Até que eles pudessem chegar, o revestimento com a massa injetada terminara.

* * *

— O comportamento meteorológico é uma droga! — dissera o engenheiro Dr. Kleym Hasselet, ao saltar da plataforma do elevador antigravitacional.

O aparelho voador era uma construção especial para a descida aos poços perfurados, como se fosse um elevador.

Neste instante era totalmente indiferente para Deighton o que o especialista queria dizer com “comportamento meteorológico”. Ele, o chefe da Contra-Espionagem, já tinha observado que o ar superseco e exageradamente aquecido não era mais respirável. Portanto ele fechara o capacete com visor do seu traje de proteção, ligando-o para respiração artificial.

A sensação de estar vestindo um traje de astronauta dera a Galbraith Deighton a segurança necessária. Os cinquenta especialistas do comando de aquanautas, além do mais, não tinham feito muitas perguntas. Eles já tinham sido informados sobre os depósitos antigos. Também conheciam, por conhecimento próprio, estações de transmissores lemurenses, que tinham sido usadas por elementos ilegais para fins criminosos. E não lhes parecera absolutamente estranho, que o chefe da Contra- -Espionagem tivesse requisitado os seus serviços.

As armas energéticas, entretanto, não precisaram ser usadas. E Deighton ficara agradecido por isso. Ele era um defensor do planejamento estratégico e tático. E odiava litígios armados. As armas térmicas dos homens já estavam novamente dependuradas dos seus ombros. Havia bastante para ver e ainda mais para ser admirado, para que Deighton se esquecesse de suas ideias de uma estação de potências inimigas.

As medições tinham terminado. Um time de cientistas verificara que as instalações de máquinas, laboratórios de todos os tipos, depósitos e vias de comunicação, jamais poderiam ser de origem lemurense!

Para Deighton e os especialistas colocava-se uma questão: quem teria construído no continente lemurense, com todo este planejamento, ainda antes da Primeira Humanidade ter existido. Todas as coisas que foram encontradas tinham pelo menos duzentos mil anos de existência. A esse tempo ainda vivera na Terra o neandertalense. Novas investigações naturalmente tinham comprovado que ao mesmo tempo em que surgira o homem primitivo semelhante ao macaco, também tinham surgido culturas que demonstravam claramente terem se originados pela mão do homem atual, o Homo sapiens.

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Tanto a escala de cultura como a de evolução, tinham existido ao mesmo tempo. Ambas entretanto não estavam capacitadas para construírem instalações técnicas desse tipo.

Quem portanto vivera no provavelmente maior continente da Terra de então, há duzentos mil anos atrás? Quem teria descoberto este labirinto subterrâneo, a cerca de dez mil metros abaixo da superfície da Terra, usando-o para estas suas construções?

Tinha-se como certo que as gigantescas grutas tinham origem natural. Seres inteligentes, altamente dotados, tinham descoberto as mesmas, usando-as para os seus fins.

Por que, entretanto, eles tinham fugido para as profundezas da Terra, em vez de construírem na sua superfície? Teria havido adversários ali? Eles teriam sido obrigados a instalar laboratórios e estabelecimentos de produção de todos os tipos, na segura camuflagem de um labirinto de cavernas originado em tempos pré-históricos?

Diante de Deighton e dos cientistas erguia-se urna montanha de perguntas e enigmas ainda não resolvidos.

Os homens dos diversos comandos de investigação já estavam oito horas a caminho. Havia sido encontrada uma estação energética de tamanho monumental. Os reatores atômicos trabalhavam na base da catálise-de-deutério. A fusão atômica parecia ter sido algo muito normal para os construtores desta estação.

Os reatores eram fornecedores de energia compactos, que não roubavam lugar, sendo ao mesmo tempo transformadores diretos. O ciclo do carbono-C era utilizado dentro da zona de reação quente com uma segurança quase inacreditável. O consumo de energia nuclear ficava nos limites dos modernos reatores terranos, de alta energia atômica. Era mínimo.

Um desses reatores tinha entrado em funcionamento autonomamente depois de um espaço de tempo de duzentos mil anos. Um computador de comando, não danificado, de base paratrônica, tinha ligado o mesmo, para aumentar progressivamente o seu rendimento, de conformidade com um plano preestabelecido. No momento o reator de fusão gerava trezentos mil megawatts.

Quem era o consumidor? Quem engolia esse fluxo energético? Para que era utilizado? Todas estas perguntas não podiam ser respondidas.

As muitas máquinas e aparelhos que tinham sido descobertos nos outros pavilhões rochosos, estavam parados. Não podiam ser levados em consideração como consumidores de força. Quem ou o quê, neste caso, consumia os trezentos mil megawatts?

O que dificultava ainda mais todos os problemas era a atividade vulcânica na área de investigação. Aqui e ali já eram anunciadas invasões de lava. A abertura à força do poço com cinco metros de diâmetro, a forçosa destruição de uma parede de aço de oito metros de grossura, que anteriormente aparentemente servira como importante instalação estática e a perda de pressão, de modo implosivo, quando da penetração da perfuradora energética, tinham feito acordar o mundo subterrâneo da Terra.

Robôs especiais com reatores de alto rendimento estavam ocupados tentando fechar as penetrações de magma, reportadas em muitos lugares, impedindo a sua propagação pelo menos até que os mais importantes trabalhos de investigação fossem concluídos. O empreendimento, desde o princípio, estava sob um indicador desfavorável. Não havia tempo suficiente para ir ao fundo das coisas.

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Galbraith Deighton estava a um passo do desespero. Ele sentia, com seus sentidos excepcionais, que aqui embaixo escondia-se um segredo. Em determinadas circunstâncias, este segredo podia ter um papel decisivo na existência da Terra.

Mas então, quatorze horas depois da primeira penetração no mundo subterrâneo, foram encontrados os laboratórios biofísicos e bioquímicos que deram uma outra dimensão aos acontecimentos.

E novamente uma hora mais tarde — as invasões de magma só dificilmente ainda conseguiam ser bloqueadas pelos campos energéticos dos robôs — foi encontrada uma câmara especial, que foi classificada pelos cientistas especializados como Conserva Energética.

* * *

Daighton mandara abrir a câmara de aço com um maçarico energético. Tratava-se de um material que ainda era mais duro que a terconita.

Naquela câmara grande, comprida, havia uma pequena estação energética. A mesma era separada dos outros recintos por uma parede transversal.

Um dos engenheiros de Hasselet paralisara o funcionamento do reator. Os comutadores eram exóticos, mas compreensíveis, em princípio.

Em seguida também a parede transversal fora cortada. E agora o Primeiro Senso- -Mecânico estava de pé diante de um leito muito bem estofado, emoldurado por todos os lados, por desembocaduras de projetores. As mesmas ainda estavam incandescentes. Portanto ainda tinham funcionado até o desligamento do reator atômico.

No teto circulava um aparelho em forma esférica. O mesmo brilhava intensamente. O corpo deitado sobre a mesa recebia uma torrente de radiações verde-azuladas.

Dois robôs de formato curioso, que não se importaram nem com a invasão dos seres humanos, nem com suas armas prontas para atirar, ocupavam-se com uma atividade pré- -programada. Ar fresco, respirável, sibilava de bocais do teto. Uma aparelhagem climática também estava funcionando. Mesmo assim, reinava um calor quase insuportável na câmara.

— Mas... mas isso é...O Dr. Hasselet interrompeu-se. A sua voz soara inarticulada. Deighton olhava

fixamente, imóvel e lutando para conservar o seu controle, para aquele corpo. Os robôs estavam ministrando-lhe algum tipo de injeções. A esfera luminosa girava incessantemente.

Dois médicos do time de perfuração entraram através da abertura criada na parede. Deighton ergueu a mão.

— Por favor, não interferir, senhores. Se esta criatura esteve mergulhada num sono biofísico profundo, será melhor deixar os robôs continuar fazendo o que pretendem. Ou os senhores sabem como acordar novamente um neandertalense depois de uma conservação de duzentos mil anos? Pois isso é um neandertalense ou não?

— De madura espécie, da escala final de evolução — afirmou um dos médicos.— O formato do crânio ainda mostra a protuberância óssea muito desenvolvida

acima dos olhos e uma testa baixa, mas ele já não é mais totalmente semelhante ao macaco. O cérebro desenvolvido já devia ser consideravelmente desenvolvido. Naturalmente nada comparável ao Homo sapiens. Eu estou perplexo.

As câmeras eletrônicas zuniram. Cada detalhe foi filmado. Deighton ousou aproximar-se mais dois passos. Os robôs, diligentemente ocupados, mais uma vez não reagiram com a presença do invasor.

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— A esfera brilhante e os robôs têm alimentação energética independente — veio um aviso pela radiofonia. — O grande reator na casa de máquinas continua funcionando. Nós encontramos a estação de comutação. Devemos definitivamente desligar o reator?

— Se ele com isso não nos estourar na cara, sim.— Vamos levar isso em conta, Sir. Desligo. Deighton respirou fundo. A viseira do seu capacete ficou fosca. Levou algum tempo

até que a circulação de ar afastasse a camada de umidade.Um dos médicos colocou-se do lado de Deighton.— A radiação da esfera é de natureza biofísica, Sir. Se os construtores

desconhecidos desta estação entendiam tanto de conservação como eu suponho, o neandertalense logo deverá acordar. E então terá que aspirar o ar quente, muito seco. Quais são as possibilidades de evitarmos que as suas vias respiratórias se queimem?

Hasselet achou um meio. Havia robôs de salvamento com campos energéticos praticáveis, dentro dos quais feridos podiam ser escudados contra o mundo externo e alimentados com ar respirável.

Uma dessas máquinas chegou pouco tempo depois diante da câmara de conservação. As duas aberturas tiveram que ser alargadas.

O comando de segurança avisou sobre mais duas invasões de magma. No setor sul do mundo de cavernas as unidades de preservação já estavam recuando.

Quando o robô de salvamento finalmente deslizou para dentro do recinto, parando perto de Deighton, com seus campos antigravitacionais deslizantes zunindo, foi passado um aviso que confirmava os piores pressentimentos de Hasselet.

No setor oeste ocorreu uma invasão de água com tal força, que não pôde mais ser contida pelos campos de defesa relativamente fracos dos robôs de segurança.

— Acabou-se, Sir — declarou o engenheiro-chefe, com espantosa tranquilidade. — Deve ter havido uma fenda tectônica na crosta do fundo do oceano. Até mesmo as antigas entradas naturais ao labirinto podem estar sendo inundadas. A água logo topará com o magma incandescente. O desenvolvimento de vapor não pode ser calculado. Entretanto é certo que este sistema de cavernas rapidamente se parecerá com uma caldeira de alta pressão sem válvula de segurança. Temos que sair daqui, Sir!

— Eu gostaria de levar o neandertalense conosco. Vivo!— A explosão de vapor será destruidora. Novas fendas no solo estão ocorrendo. O

magma vem atrás. Dentro de uma hora, vamos presenciar uma erupção vulcânica submarina de proporções imensas.

— Nisso eu nada posso modificar. Talvez o continente suba novamente, saindo de dentro das águas. Dizem que isso existe. Conheço uma ilha no Atlântico Norte que...

— Todo mundo sabe disso — interrompeu-o Hasselet, irritado. Ele estava visivelmente mais nervoso.De muito longe ouviu-se um trovejar forte. O chão do container de aço vibrava.— Estas são as primeiras expansões de vapor explodindo, Sir.— Eu quero o homem primitivo vivo! Eu vou esperar aqui até que ele seja acordado

pelas máquinas especializadas para isto. Vou me incluir no campo energético de salvamento do robô, subindo depois junto com o neandertalense. Deixe uma plataforma de voo parada por baixo do duto de perfuração, e recue imediatamente com os seus homens. Somente os robôs do escudo de segurança deverão permanecer. Este prejuízo podemos aguentar financeiramente.

— Mas Sir, eu...

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— Eu não gosto de invocar minha autoridade de mando, doutor. Por favor, siga minhas instruções. Ponha os seus homens em segurança. E leve todos os utensílios e ferramentas exóticas que puderem transportar.

* * *

As explosões do vapor aumentaram muito. Os técnicos de Hasselet tinham abandonado o mundo subterrâneo. Somente os robôs ainda lutavam com todos os seus meios. E foram tragados aos magotes pela lava branca incandescente, ou então transformados em máquinas inúteis pela água que entrava aos borbotões.

Hasselet esperou lá em cima, no fundo do mar. Somente Deighton e o robô de salvamento ainda se encontravam na câmara de conservação.

O Primeiro Senso-Mecânico já se acostumara à vista do homem primitivo. Ele já o contemplava com uma certa simpatia. Através dele seria possível decifrar-se o enigma da evolução do homem? Se conseguissem salvar o neandertalense vivo, seria possível fazer--se uma punção indolor no setor de memória do seu cérebro, sem danificar o plano paramecânico, mostrando em forma de um filme-memória o que este homem vivenciara. Ele era um homem, ainda que parecesse excepcional.

Ele continuava deitado, imóvel, em cima da mesa. Toda a superfície do corpo era coberta por pelos castanho-escuros. Entretanto não se tratava mais de um pelo no sentido da palavra. Em alguns lugares o crescimento capilar era decididamente mais fraco, como era o caso nos típicos homens simiescos.

Ele tinha uma altura de dois metros e vinte, e uma largura de um metro e cinquenta nos ombros. As pernas eram curtas, mas muito robustas. A semelhança mais típica com o homem-macaco pré-histórico eram os braços excessivamente compridos, com poderosos feixes salientes de músculos.

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A forma do crânio e do rosto ainda parecia simiesca, mas o queixo, a parte da boca, o nariz e a testa alta não se pareciam mais totalmente com os de um primata da espécie humanóide.

Diante de Deighton estava deitado, de certo modo, um exemplar de transição do homem simiesco com o homem primitivo.

O Primeiro Senso-Mecânico ficou “escutando” os impulsos mentais do seu protegido, que acordava. Os primeiros sintomas da vida que novamente acordava, ele percebera há cinco minutos atrás.

Dez minutos depois disso chegara o momento. O neandertalense lentamente voltava à vida. Deighton viu os primeiros movimentos reflexos do corpo. O peito largo, mais parecendo um tonel saliente, de repente se mexeu.

O segundo movimento reflexo do homem primitivo consistiu numa procura instintiva por sua arma. A mesma era uma pesada clava de madeira, de um metro de comprimento, toscamente formada. Que estava colocada do seu lado, sobre a mesa.

Os dedos do pé, de agarrar, também se mexeram. O artelho maior ainda era formado como um polegar. Esta criatura, sem dúvida alguma, era um excelente trepador.

Deighton deu algumas ordens. O robô de salvamento deslizou mais para perto, sobre seu colchão energético.

Quando os neandertalense começou a estremecer em todo o corpo, o robô ergueu o escudo de proteção. Deighton encontrou-se dentro do campo energético. Junto com a máquina ele dirigiu-se para a criatura que acordava.

Os medo-robôs estranhos — pois somente podia tratar-se destes — recuaram. Este foi o sinal de alerta para Deighton. A esfera irradiante apagou-se. E também já não girava mais na sua órbita prevista.

E então o neandertalense abriu a boca ainda de formato de goela animal. Dentes caninos, brilhantes e amarelados, do comprimento de um dedo, apareceram. A dentadura era sem mácula e forte, como a de uma fera selvagem.

— Envolva-o, rapidamente! — ordenou o Senso-Mecânico.Quando a criatura que acordava inspirou pela primeira vez, já se encontrava na

proteção do escudo de segurança. Ar puro, fresco e com conteúdo de oxigênio foi inalado por seus formidáveis pulmões.

Deighton estava parado muito perto da mesa, devido ao limitado volume do escudo protetor. Ele pegou a clava com ambas as mãos, e por questão de segurança colocou-a com a sua ponta grossa perto dele no chão.

Lá fora parecia um inferno. Gases incandescentes penetraram na câmara de conservação. Explosões e mais explosões testemunhavam o fim iminente desta estação.

Deighton esperou até que o neandertalense abriu as pálpebras. E viu olhos relativamente pequenos com globos oculares meio marrons. Deste modo as duas criaturas se entreolharam por um instante.

Deighton “escutou” tensamente os impulsos mentais do homem primitivo. Para seu grande espanto, não sentiu a esperada onda de pânico, medo e incompreensão, mas ondas de resignação e o claro reconhecimento da situação.

O neandertalense, até ainda há pouco tido como primitivo, raciocinava em rumos relativamente lógicos. Ele perdera. Ele desistia. Além disso ele era pacífico e pronto a seguir as instruções.

A mão de Deighton soltou-se do punho da arma narcotizante. Em caso de emergência ele poderia ter dado um tiro de paralisação. Pois naturalmente ele não estava à altura do neandertalense, fisicamente.

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O olhar do gigante peludo clareou. Deighton começou a falar com voz tranquila, sugestiva.

Depois de mais de dez minutos o homem primitivo deu o primeiro som de si. E que soou como “zwiehiebus”.

— Eu vou chamá-lo de Lorde Zwiebus — disse Deighton, sorrindo. — Venha, meu amigo, está ficando tarde. Está me ouvindo?

O neardertalense não se mexeu. Quando entretanto notou os dedos levantados de Deighton e a sua atitude tensa, ele girou a cabeça.

Deighton viu, espantado, que Lorde Zwiebus não temia nem o campo energético nem o robô de salvamento, de aspecto perigoso. Ao ver a máquina o neandertalense apenas grunhiu ferozmente.

Deighton pegou na sua pata gigantesca e puxou-a. Lorde Zwiebus entendeu. Ele ergueu-se lentamente, abaixou-se sob aquele escudo esférico e depois seguiu de boa vontade as instruções de Deighton.

Ele devolveu a pesada clava ao neandertalense. Pela primeira vez Deighton observou um efeito de choque. O homem primitivo olhou-o com grande perplexidade. Com a maior facilidade ele pegou na sua mão a clava. Deighton riu. A amizade estava feita. Era inacreditável. Mas Deighton sentia que tinha ganho um amigo. Talvez fosse justamente o primitivismo daquele homem primitivo que dizia ao neandertalense que este pequeno homem fraco estava arriscando tudo para pô-lo em segurança.

Na proteção do campo protetor do robô, eles correram através de camadas de ar incandescentes. Quando finalmente chegaram à abertura da perfuração, o labirinto já se transformara num caldeirão de bruxos. As explosões se sucediam sem parar. A invasão das águas aumentava. Um trovejar constantemente mais forte podia ser ouvido claramente. Aqui e ali o chão se abaulava, é lava incandescente, quase branca, brotava das fendas.

Eles acharam o planador antigravitacional deixado para trás, embarcaram nele e pairaram para cima.

Quando Deighton chegou à bolha energética com o seu protegido, somente havia ainda quatro torres de campos zonais com suas equipagens presentes. O aparelho valioso já estava a caminho do alto.

— Já não era sem tempo! — Deighton ouviu a voz de Hasselet. — O senhor pode abrir o seu capacete. O ar aqui é bom. Como é que o seu bebê está se comportando?

— Maravilhosamente. Ele tem mais juízo do que imagina. Sobretudo Lorde Zwiebus sabe exatamente onde há perigos à espreita e onde estes não existem. Ele ainda possui instintos que o homem moderno já perdeu há muito tempo.

— Como é o nome dele?— Lorde Zwiebus. Eu me permiti dar-lhe um nome aristocrático. O chão está

vibrando sob os meus pés. Onde está o meu submarino?— Desapareceu. Venha à torre número três. Nós vamos subir juntos. Apresse-se.

No máximo dentro de meia hora o diabo estará solto por aqui. Torre três, à sua direita.O robô de salvamento desligou o seu escudo protetor. O neandertalense ergueu-se

de sua posição agachada. Deighton abriu o seu capacete, deixando-o cair nas costas.Ele tinha que jogar a cabeça para a nuca para poder olhar nos olhos de Lorde

Zwiebus. Mais uma vez o homem primitivo fez ouvir o seu rosnado profundo. Ele bateu no chão com o pé, depois com a mão. Estava nervoso. E queria avisá-lo.

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Deighton anuiu apenas, apontou para a torre de campo zonal três e começou a correr. Lorde Zwiebus não hesitou nem um segundo. Ele seguiu-o, colocando seus longos braços para o chão, e saltando em frente como um quadrúpede.

Deighton reconheceu que determinados sinais característicos do homem-macaco ainda não tinham desaparecido nele. Com a rapidez que o neandertalense chegou à torre, nenhum homem moderno poderia tê-lo feito.

Os reatores atômicos das torres de campo zonais pararam. A bolha energética ruiu sobre si mesma. E então as massas de água, sob forte pressão, jogaram-se contra os flancos de terconite das torres.

Os grandes tanques de mergulho já tinham sido checados antes do campo energético ruir. Por isso mesmo eles deslizaram para o alto numa velocidade de tirar o fôlego, aparecendo logo depois, acima da superfície das águas.

Nas profundezas do mar, entretanto, a água encontrou um novo caminho. Atirou-se para dentro do grande duto de perfuração, desalojando facilmente as massas de ar, sob pressão bem menor, e misturando-se com os outros elementos.

A erupção vulcânica profetizada pelo Dr. Hasselet começou. Destruindo o enigmático labirinto sob a crosta oceânica e entulhando em grande parte a Vala de Tonga. Os homens dos grupos de ilhas vizinhas foram evacuados apressadamente.

A esse tempo Galbraith já estava pousando em Terrânia. Notícias urgentes, irradiadas pela grande estação de hiperrádio da capital solar, atravessaram espaço e tempo.

As mesmas eram dirigidas a Perry Rhodan, o Administrador-Geral em exercício do Sistema Solar.

Deighton entretanto ocupou-se com o seu protegido. Logo depois da chegada a Terrânia, Lord Zwiebus se modificara. De repente se mostrara temeroso e reservado. Chegou mesmo a rosnar para Deighton.

A explicação sensata para este comportamento rapidamente foi encontrada. O neandertalense, logo depois de acordado do seu sono profundo, presumira que estava diante de criaturas que o tinham colocado nesta condição. Por isso a sua confiança, a falta de medo e o modo natural de agir.

Agora, entretanto, ele verificara que tudo era diferente do tempo em que fora adormecido. Instintivamente sentiu que alguma coisa estava errada. Por isso se recolheu fisicamente, colocando-se numa determinada posição de defesa, tentando adivinhar o que realmente tinha acontecido consigo.

O caso era inteiramente claro para os galatopsicólogos da Contra-Espionagem Solar na sua rotina. Os motivos psíquicos do homem primitivo não eram enigmas. Porém restava, como antes, a questão ainda não resolvida, de sua origem.

Quem o teria condenado a ter que dormir numa conservação energética de duzentos mil anos? Quem tinha os meios e os conhecimentos científicos necessários, há tanto tempo atrás?

Devia tratar-se de criaturas que externamente se pareciam com os homens modernos, caso contrário Zwiebus teria reagido de modo diferente, ao acordar.

Galbraith Deighton não tinha mais tempo para continuar a se ocupar com esse problema. Os cientistas encontrariam uma solução. Deighton aliás tinha a nítida sensação de que este assunto não estava terminado com o salvamento do neandertalense e da erupção vulcânica submarina, felizmente vencida. O reator de fusão não saiu mais da sua cabeça. Para onde teria fluído a energia? Haveria um perigo para a Terra?

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Poucas horas depois desses acontecimentos, Deighton fez-se anunciar a Reginald Bell, o Marechal-de-Estado e Vice-Administrador-Geral do Império Solar. Além de Perry Rhodan.

Bell era o último homem ainda vivo, que há mil e novecentos e cinquenta e nove anos tinha voado à Lua terrestre numa espaçonave primitiva. Durante a ausência de Rhodan ele dirigia os negócios do Estado.

Deighton anuiu para aquele homem atarracado e procurou uma poltrona. A sala de Bell mais parecia uma central de comando no espaço, do que um lugar onde era possível executar trabalhos escritos.

O Marechal-Solar Julian Tifflor, Comandante-em-Chefe da Frota baseada em Terrânia, Homer G. Adams, Primeiro-Senador de Finanças do Império e o professor Dr. Geoffry Abel Waringer, o Primeiro-Senador-cientista, também tinham aparecido.

Eles eram os últimos homens que tinham vivenciado a grande revolução. Cada um deles era portador de ativador celular e tinha mais de mil anos de idade.

Bell foi conciso. Deighton sentiu que o Marechal-de-Estado irradiava uma calma normal.

— Dificuldades, Sir? — quis saber o Senso-Mecânico. Bell lançou-lhe um olhar indefinível.— O senhor nota meu nervosismo mal abafado, não é mesmo? Sim, há dificuldades.

Perry Rhodan encontra-se em Epihilon III, no planeta Taura. A notícia veio há uma hora atrás.

— Loucura! — declarou Deighton.— E como o senhor diz. Os tauranos são um dos fatores mais inconsistentes em

nossa política galáctica. O sistema ainda é autárquico, entretanto está sendo cortejado, com todos os meios, pelos três grandes reinos. Perry meteu-se num jogo ousado. E isto já ficou demonstrado na recepção de Estado.

O Professor Waringer, que há cerca de mil anos se tornara o genro de Perry Rhodan, ainda parecia um adolescente com atitudes acanhadas. Ele limpou a garganta e perguntou:

— Como... ah... como é que foi essa recepção de estado em Taura? Foram quebradas as regras válidas da diplomacia intergaláctica?

Reginald Bell, chamado de Bell por seus amigos, há quase mil e quinhentos anos, sacudiu a cabeça. Deighton sentia que o Marechal-de-Estado temia pela vida do seu amigo.

— Ao contrário, Abel, ao contrário! O seu honorável sogro foi recebido com uma pompa, que quase me fez sentir mal, ao olhar as filmagens do evento. Os tauranos não são nem sedentos de poder nem ambiciosos economicamente. Mesmo assim eles jamais recusam ofertas generosas de ajuda, que lhes vêm de todos os lados. A todas essas virtudes elásticas, desculpem a expressão, junta-se uma mania de pompa e diversões, que de certo modo me deixa perplexo. Um sistema economicamente subdesenvolvido, cujo governo devia ter todas as razões para aliar-se à Terra, concluindo acordos de negócios sensatos, devia desistir de gastar oitenta milhões de solares, somente para recepcionar um chefe de estado galáctico. Rhodan ficou chocado e provavelmente interiormente abatido. Meu Deus, o que restou daqueles corajosos colonizadores, que há cerca de mil anos equipamos com naves de primeira ordem, e fizemos partir com equipamentos dos mais caros, para que pudessem encontrar uma nova pátria para eles e seus descendentes?

— O que foi que aconteceu, Sir? — interrompeu-o Deighton, com a sua calma normal.

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Bell perdeu o controle.— Os terranos pareciam malucos. Perry Rhodan pousou com a InterSolar num

espaçoporto que em parte fora revestido com um tapete de pura lã natural! Por favor, não me olhem como se eu estivesse maluco, mas essa é a realidade dos fatos. Lã, de carneiros terranos, é uma das mais caras mercadorias dos povos da galáxia. E não deram a menor importância para o jato incandescente das turbinas da nave-capitânia que praticamente queimou aquele tapete gigantesco.

Julian Tifflor começou a rir. E o fez tão intensamente que Homer G. Adams acabou rindo também.

O rosto de Bell ficou muito vermelho. Curioso, ele olhou para os dois homens.— Que um astronauta ria de piadas como esta, eu ainda posso entender. Um

ministro de finanças entretanto deveria pensar nos números e suar frio. O senhor me decepciona, Homer! Depois que o tapete tinha sido carbonizado, Rhodan foi apanhado com um carro puxado por uma junta de bois! Contenha-se, Mr. Deighton. Eu disse “uma junta de bois!”. O senhor é um homem relativamente jovem, de menos de quatrocentos anos. O que é uma junta de bois, provavelmente o senhor não saberia mais dizer. Os tauranos, entretanto, estudaram a história terrana e verificaram que muitos colonizadores dos séculos dezoito e dezenove penetraram em terras selvagens com estas carretas. E o que fizeram? Compraram oito bois terranos, que praticamente já não mais existem na Terra, só para que Rhodan pudesse ser recebido numa carreta destas. Aliás não foi uma junta de bois, foram oito! Nosso senhor Administrador-Geral, portanto estava sentado numa carreta coberta por uma lona, perfeita imitação do velho oeste, da época mediana de desenvolvimento terrano, tendo que deixar-se levar através das avenidas monumentais da capital taurana, por estes animais bufantes. Quando me lembro o quanto as medidas de segurança, tão detidamente estabelecidas, sofreram com isto, sinto um frio na espinha. O que é que o senhor me diz disso, já que é chefe da Contra-Espionagem?

Deighton era o terceiro homem que começara a rir. Sua resposta ninguém entendeu.Reginald Bell suspirou resignado. Em seguida ainda informou sobre outras coisas

que o governo taurano provavelmente tinha organizado em honra do seu hóspede terrano. Era de deixar o cabelo em pé.

A carreta das planícies, puxada por bois, de Perry Rhodan, fora em seguida, de acordo com o figurino, assaltada por índios pintados de vermelho e depois por habitantes do continente africano, pintados de preto. Os cavalos necessários e as lanças e outras coisas mais, tinham sido confeccionados por artistas, baseados em objetos históricos. Homer G. Adams sabia, ao final da conversa, que esta brincadeira certamente custara mais de oitenta milhões de solares. O orçamento nacional, constantemente em baixa, do Sistema Epihilon, certamente ameaçava entrar em colapso.

— O governo de Taura provavelmente logo vai solicitar um crédito para “reconstrução” — declarou Adams, sóbrio. — Mas não de nós, por favor! Se o Império Dabrifa quiser mexer na sua caixa, tudo bem. O chefe do protocolo provavelmente estava próximo de um ataque de loucura.

Adams não imaginava que o que dissera correspondia bastante à realidade dos fatos. O protocolo não só tinha ficado totalmente destrambelhado, e o homem responsável por isso já tinha renunciado ao seu cargo. Taura, terceiro mundo do sol amarelo Epihilon, tinha-lhe causado uma enorme estafa.

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3

Perry Rhodan, o maior e mais importante homem da nova História terrana e solar, tinha tentado tornar o impossível possível.

Em Taura, um mundo parecido com a Terra, viviam dois bilhões de homens, todos eles descendentes de antigos colonos terranos.

Rhodan tinha pousado há três dias, tempo standard em Taura — tempo que se orientava pela unidade de tempo terrana. Os seus conselheiros o haviam prevenido contra este empreendimento. Parecia impossível transformar a população deste planeta e as massas humanas que viviam nos outros mundos do sol amarelo, em parceiros de tratados com o Império Solar.

Rhodan negociara durante dias seguidos com as mais importantes personalidades de Taura. Tinham sido muito corteses, excepcionalmente respeitosos, e o júbilo das massas parecia não conhecer limites.

O nome “Perry Rhodan” era um conceito que se ligava tão intimamente com a expansão e o desenvolvimento cultural da moderna Humanidade desde os anos 2.000, que uma separação não era mais possível. Além disso, tinha-se a noção exata de que o mais poderoso homem de Estado da galáxia conhecida acabara de chegar.

O planeta Terra, mundo-matriz da Humanidade muito espalhada, era um símbolo. A Terra, e a Humanidade que permanecera ali, com o seu enorme desenvolvimento técnico, econômico e cultural, era elogiada grandemente em muitos mundos do tipo do planeta Taura.

A organização social dos terranos era sem igual em toda a galáxia. Não havia nenhum outro sistema que pudesse oferecer tais benefícios sociais aos seus cidadãos completamente livres e nunca coagidos no que se referia às suas opiniões. Um terrano que adoecia e necessitava de recuperação era levado a um planeta especializado no seu caso, onde, sem muita burocracia, recebia um tratamento custoso dos melhores médicos especialistas, até a sua cura completa.

A indústria pesada solar possuía uma capacidade de produção de pelo menos quinhentos sistemas solares, e baseada na sua própria fabricação de mercadorias podia ter a certeza de ser absolutamente moderna, com preços à altura de qualquer concorrência.

A Terra com os outros oito planetas do Sistema Solar, incluindo as luas, continuava sendo um fator que era preciso levar em conta, politicamente, militarmente e economicamente. A isso juntava-se a consciência de que cada homem, mesmo indiretamente, descendia dessa Terra.

Os terranos tinham levado em conta estes dados. Eles tinham exagerado no seu planejamento. Mas logo se dariam conta disso.

Beirava a loucura, cobrir um gigantesco espaçoporto, mesmo em parte, com um gigantesco tapete de lã. Os propulsores da Intersolar, a nova nave-capitânia da Frota Solar, não puderam levar isso em consideração. Um fluxo de partículas incandescentes, criada por vinte impulsores dos mais modernos, naturalmente não era apropriado para descer sobre um tapete. Os planejadores tauranos da recepção deveriam ter levado isso em consideração.

Rhodan estivera mais próximo do choro que do riso. Os rostos dos oficiais da nave, com seus sorrisos irônicos, ainda o tinham perseguido durante muitas horas. Ele, o

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pensador e planejador sensato, imediatamente tinha pensado nos custos. Os mesmos certamente eram assustadoramente elevados.

O número elevado de recepções planejadas deixara Rhodan à beira de sua capacidade física. As exóticas comidas de todos os tipos acabaram por lhe dar dores de estômago.

No terceiro dia da visita oficial de Estado, o Administrador-Geral não progredira um passo sequer no sentido político, mas em contrapartida ficara conhecendo aquela terra e seus habitantes. Os habitantes do planeta Taura eram pacíficos e muito entusiasmados. O chefe do Protocolo, que dera entrada na clínica de bordo da Intersolar trinta horas depois da chegada de Rhodan, com um choque nervoso, designou os tauranos como “os mais aristocráticos suicidas da galáxia”. A sua ostentação e os seus costumes quanto à comida eram sem iguais. Mesmo Rhodan, durante sua longa vida, jamais vira tantos homens barrigudos e presunçosos, como havia em Taura. Cento e dez quilos de peso corporal eram uma norma socialmente aceita. Um homem alto e de quadris estreitos como Perry Rhodan no fundo era uma ofensa para o senso estético dos tauranos.

Baseado nestes fatos não era de se admirar que os tauranos tentassem, em todas as ocasiões adequadas ou não, fornir o chefe de governo e comandante da Frota do Império Solar, com as camadas de banha que lhe faltavam, e isso o mais rapidamente possível. Jamais em sua vida Rhodan sentira-se tão saciado quanto durante a sua visita de Estado a Taura.

* * *

O Coronel Hubert Maurice, Oficial da Contra-Espionagem e chefe da escolta de segurança, responsável por Rhodan, estava de pé, muito ereto, diante do Administrador- -Geral.

Nada escapava aos olhos de Maurice. Ele descobria uma poeirinha no uniforme com a mesma segurança pedante, como reconhecia toxinas venenosas na coloração dos alimentos. Jamais era visto rindo cordialmente. A sua maior demonstração de alegria consistia num sorriso abafado.

Aliás, tudo nele era recatamento, decoro. O corte dos seus cabelos grisalhos, das suas roupas, sua maneira de falar e até mesmo a sua voz teriam se adequado a um supermordomo, aristocraticamente treinado. Sua maneira de pigarrear era famosa/famigerada. Ela podia significar tudo, nunca entretanto uma censura.

Esguio, quase seco, com um porte dando a impressão de que engolira uma bengala, ele estava parado no meio do quarto de vestir.

A gerência do hotel taurano, pelo menos designara aquela sala gigantesca deste modo.

Rhodan era decididamente menos recatado, aristocrático e reservado que o chefe do comando de segurança.

Ele puxava, zangado, nos zipers magnéticos de suas botas altas, que lhe iam até a barriga da perna, e que não queriam fechar-se sobre o uniforme, muito apertado no corpo.

— Ha... hum... — pigarreou Hubert Maurice. Rhodan ergueu os olhos. Os cabelos caíam-lhe na testa.— Por favor não comece a tossir. O que é que, desta vez, não está lhe agradando?— Se me permite a observação, Sir, então eu...— Eu não lhe permito nada — interrompeu-o Rhodan, irritado. — Quem foi que

escolheu essa droga de botas? Eu sou obrigado a usar essas coisas? Eu engordei uns dois

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quilos e meio, e acho que as minhas barrigas das pernas participaram desse acúmulo de banhas.

— Certamente, Sir. Talvez fosse adequado afastar as pregas do uniforme dos zipers. Se o senhor me permite uma observação, Sir.

Uma risada clara, quase guinchada, fez Rhodan virar a cabeça. Ele tirou o pé direito de cima da cama luxuosa. Maurice continuou calmo, tirando ainda mais calmamente um lenço do bolso, para limpar o lugar onde Rhodan apoiara a sua bota.

A risada ficou ainda mais estridente. Rhodan estava parado diante do leito, respirando com certa dificuldade, e coberto de suor, olhando para o outro sofá, no qual Gucky, o rato-castor, se refestelara comodamente.

Gucky abafou o seu riso, girou sobre si mesmo e agora estava deitado de barriga.— O seu olhar mostra que você está com ideias malignas — riu ele. — Por que tão

nervoso? Depois de amanhã voltaremos para casa. E já não é sem tempo! Está bem, já vou parar de rir. Afinal de contas, quem é que fez questão de pousar em Taura, hein? Eu, talvez? Ouça-me bem, grande amigo: esses sujeitos certamente farão você pagar pelos custos de sua visita, de alguma maneira.

Rhodan finalmente conseguiu fechar os zipers das botas de cano alto. Maurice examinou-o atentamente.

— O senhor está satisfeito? — quis saber Rhodan, já mais resignado.— Tomando em consideração os diversos acontecimentos, e pelo que os órgãos de

segurança conseguiram averiguar, seria necessário levar consigo uma arma especial, facilmente manipulável, com fins de autodefesa, Sir. Eu me permito observar-lhe que...

— Pelo amor de Deus, não seja tão horrivelmente bombástico, Maurice. Já não consigo mais ouvir esse seu modo empolado de falar.

— Concordo, Sir. Entretanto, com o respeito devido, devo aconselhar levar consigo uma pistola de agulha, com disparo rápido intermitente e mecânica de tiro semi- -automática.

Rhodan suspirou. Gucky achou que o ar-condicionado estava, mais uma vez, falhando. Naquele quarto o calor já era de quarenta e um graus centígrados.

— Maurice, como já deve ter notado com seus olhos de lince, eu já estou totalmente vestido! Uma pistola de agulha é usada, colada à pele do braço direito.

— Em pessoas destras, Sir!— Eu sou destro — retrucou Rhodan, e podia ouvir-se o trincar dos seus dentes.— Vou dar no pé — achou Gucky, descendo do sofá. — Isso aqui não está me

cheirando bem. Aliás, não, eu fico. Talvez Maurice leve uns safanões?O olhar cheio de esperança do baixinho englobou ambos os homens. Maurice

continuava impassível. Ele procurava não ouvir essas palavras, especialmente quando pronunciadas pelo rato-castor, que todo mundo sabia, não tinha nenhum respeito por nada.

De repente Rhodan começou a sorrir ironicamente, como um Administrador-Geral e um homem de Estado galáctico certamente não deveria fazê-lo.

Ele abriu a jaqueta do uniforme, puxou fortemente e tentou enrolar a manga para cima.

Maurice estarreceu. Os seus olhos realmente sairiam um pouco das órbitas.Gucky ria estridentemente. Rhodan de repente perdera todo o seu nervosismo.— Está sentindo alguma coisa, Coronel?

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— Mas... mas, Sir, o senhor não está usando nem cuecas nem camiseta! Sir, eu... eu estou horrorizado. Se eu posso me permitir chamar sua atenção para a indispensável etiqueta, eu...

Neste dia era destino de Maurice ser constantemente interrompido. Rhodan bateu com ambas as mãos no peito nu, respirou fundo e se espichou.

— Ótimo. Pouco se me dá a sua etiqueta. Eu quero me sentir bem! E se o senhor continuar insistindo, eu vou aparecer de calção de banho. Isso certamente acabaria aparecendo nos anais da história taurana, como uma piada que jamais seria esquecida. Muito bem, onde está a pistola de agulha?

— Ela está atrás do senhor, na mesinha — informou Maurice, parecendo desolado.Rhodan pegou a estranha arma defensiva e examinou-a. A mesma consistia de um

cano de disparo de superenergia, que era estendido por um mecanismo que reagia com a velocidade do raio, em trinta e cinco centímetros. Deste modo a boca ficava sempre bastante afastada das pontas dos dedos.

A câmara de reação era chata, ajustando-se perfeitamente à musculatura do braço, onde era segura por dois grampos fortes.

O mecanismo de extensão era acionado através de determinado movimento da mão. Era necessário um certo treinamento, para evitar que o cano da arma de agulha não fosse acionado a um simples aperto de mão, aparecendo de dentro da manga. Não havia nenhuma mira. Esta tinha que ser substituída por um movimento treinado de todo o braço.

Rhodan ligou a arma para tiro imediato. Se ele precisava da arma como autodefesa, um décimo de segundo seria importante.

— Mas... mas isso é muito perigoso, Sir — afirmou Maurice, com um traço de nervosismo na sua voz normalmente tão calma. — Se a arma da agulha sair da manga por engano...

Desta vez o oficial de segurança interrompeu a si mesmo. O olhar de Rhodan o levara a calar-se.

— Esta arma especial da USO jamais disparou sem que eu quisesse — ensinou ele a Maurice. — Por favor, ajude-me a vestir a jaqueta. O que temos hoje no programa?

Explicar isto, na realidade seria coisa do chefe do Protocolo. Como ele, entretanto, estava adoentado, Maurice dedicara-se a essas coisas. Que ele desempenhou conscienciosamente e sem se enganar jamais.

— Depois de uma hora, tempo local, após o almoço para o qual convidou Sua Sabedoria, o Alto-Administrador de todos os Portos, Emined Bain-Bain, segue-se a visitação de todas as estações de embarque e desembarque, totalmente automatizadas, do espaçoporto de Aghiktare. Eu me permito observar que Emined Bain-Bain é uma personalidade muito influente do Conselho de Governo do planeta Taura. Seria aconselhável, Sir, que as iguarias oferecidas fossem comidas com especial dedicação. Arrotar seria ótimo, pois é uma exigência da cortesia.

Rhodan gemeu e apalpou a região do estômago.— Muito bem, eu vou tentar. Mais alguma coisa?Hubert Maurice explicou o programa que se seguia. Os horários, pelo que já se

sabia, não seriam respeitados. Com isso Rhodan esperava poder escapar dos dois grandes banquetes das quinze e das dezessete horas.

— Outros povos, outros costumes — riu Gucky. — Eu vou cuidar de você.— Isso seria aconselhável — afirmou Maurice. — Taura é um lugar de

concentração de agentes dos três grandes reinos estelares. Devido às eleições, que logo

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acontecerão no Império Solar, poderiam ser tentados a pôr fora de combate o candidato mais prometedor ao posto de Administrador-Geral.

— Está pensando em um atentado, em homicídio?— Sim, Sir. O seu mais forte rival, o candidato Herp Isidonis, Administrador do

planeta Marte, seria bem mais bem-vindo aos nossos adversários políticos que o senhor, como novo Administrador-Geral, Sir. Em minha opinião, Isidonis não é o homem que poderia substituí-lo, nem de longe. Suas metas políticas em parte são absurdas, mas sobretudo perigosas. O seu radicalismo certamente acabaria levando a uma guerra galáctica. O senhor sabe que Isidonis gostaria de forçar os Sistemas de Estados ainda indecisos a se submeterem à Alta Soberania Solar.

Rhodan nada respondeu. Tinha sido acometido de lembranças. Viu-se mais uma vez voando para a lua terrana. Parecia-lhe escutar as vozes dos arcônidas Thora e Crest.

Ele lembrou-se do trovejar de cosmonaves partindo, com as quais, por volta dos anos entre 2.200 e 2.400 ele facilitara o caminho a bilhões de emigrantes para iniciarem novas vidas em planetas novos, ainda não colonizados, e dando-lhes boas condições de vida.

Já naquela ocasião ele sabia que não conseguiria, para sempre, conservar mais de cinquenta mil sistemas solares como colônias da Terra. A História da Humanidade mostrava que em todos os tempos houvera anseios de libertação, que somente podiam ser submetidos pela força das armas, por curto espaço de tempo.

Rhodan desistira de ameaçar os povos sublevados, ou de mandar atacá-los pela Frota Solar.

A situação hodierna pudera se calculada. Rhodan se preparara cedo para ela, encontrando o melhor caminho que poderia ser encontrada Entretanto, só poucos íntimos sabiam disso.

Rhodan pegou o seu boné, do uniforme de gala. Pesou-o na mão, pensativamente.— Maurice, enquanto eu viver e enquanto eu tiver a menor chance de continuar no

comando, por mais seis anos, do barco do governo do império Solar, enquanto isto, nenhum homem atirará em outro homem! Eu também não darei a ordem de fogo, caso os Três Reinos decidirem atacar juntos o Império Solar. Infelizmente existem indícios de um ataque dessa natureza. Mas eles simplesmente atacarão o vazio.

— Como, Sir? Rhodan apenas sorriu.— O senhor é um terrano honrado e digno de confiança, Maurice. Há quinhentos

anos eu venho tomando providências para um caso como este. O senhor ficará sabendo de tudo, em tempo útil. Vamos? O Emined Bain-Bain — nome curioso! — não deverá poder nos acusar de falta de pontualidade. Whisper...

Rhodan olhou em volta, como procurando alguma coisa.— Whisper, venha logo.Em cima de uma escultura repousava um objeto do tamanho de uma bola de tênis.

Ele se mexeu. Daquela bola escura saíram pontinhos brilhantes. Pareciam brilhantes azul--esbranquiçados, refletindo a luz de mil modos diferentes.

Aquela formação se desdobrou. Quanto mais perdia a sua forma circular, mais transparente e mais brilhante ficava.

Depois de alguns instantes Whisper se desdobrara completamente. Agora parecia um fantasma de cerca de um metro e vinte de altura e setenta centímetros de largura, muito fino e transparente.

Cerca de duzentos órgãos irradiantes cobriam o corpo negro-brilhante de uma criatura que Rhodan achara anos atrás, salvando-a da morte por inanição.

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Whisper dirigiu um canto do seu corpo na direção de Rhodan e começou a voejar um pouco desajeitadamente. Parecia que um xale ou uma capa da mais fina textura voejasse no vento. Whisper era altamente inteligente e um simbionte por natureza. Ele era incapaz de conseguir a sua alimentação por conta própria. Criaturas dessa espécie tinham que mergulhar com todo o corpo, a cada vinte e um dias, pelo menos, em algum líquido que tivesse forte conteúdo de albumina.

Rhodan o experimentara com um concentrado lácteo terrano, em pó. Whisper aceitara essa alimentação, e desaparecera como esfera dobrada sobre si mesmo, dentro do panelão. Quando surgiu novamente o líquido não diminuíra, mas já não continha mais nenhum traço de albumina.

Whisper voejou em toda a sua beleza transparente e ostentando o brilho de seus duzentos órgãos externos, na direção de Rhodan. Deitou-se com uma de suas extremidades sobre o ombro esquerdo de Rhodan, sugou a outra extremidade firmemente abaixo da axila direita no uniforme, e depois deixou deslizar o seu corpo desdobrado para baixo.

Deste modo Whisper formava uma capa curta, de beleza exótica. Ele tateou com os seus sentidos telepáticos, em busca da consciência desperta de Rhodan.

— Você tem que ir embora novamente? — Rhodan percebeu uma transmissão telepática sussurrada.

— Infelizmente — retrucou Rhodan, do mesmo modo. Logo em seguida ele sentiu a atividade de Whisper. A criatura tinha o efeito de um

amplificador que tinha a possibilidade de aumentar em três vezes as impressões da consciência de Rhodan e a rapidez do seu raciocínio. O aumento do sentido de visão era tão forte que Rhodan se tornou infra-vermelho, ou seja, podia enxergar no escuro. Infelizmente os leves dons telepáticos de Rhodan não puderam ser aumentados de modo que ele pudesse captar telepaticamente mensagens mentais distantes, tal como Gucky. Porém conseguia entender mais ou menos chamados parapsíquicos.

Whisper estava satisfeito. Bastaria que ele ficasse envolvendo os ombros e manter o contato de pé. A pouca energia que ele precisava gastar para a amplificação do rendimento dos sentidos poderia facilmente ser reposta com um banho de albumina. E a bordo da Intersolar havia albumina concentrada suficiente.

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4

O espaçoporto de Aghiktare, capital do planeta Taura, era um terreno de extensão média. Entretanto aqui eram embarcadas mercadorias no valor de cerca de duzentos milhões de solares por dia planetário. Os ganhos relativamente altos de taxas alfandegárias faziam parecer estranhas as constantes crises financeiras. Especialmente porque Taura não mantinha nem uma Frota Espacial nem outras instalações militares de grande porte.

Na concepção de Rhodan e dos seus conselheiros, em Taura gastava-se dinheiro demais em coisas abstratas. Este povo descendente de povos terranos asiáticos não tinha inclinação para as realidades da existência.

As novas instalações de carga e descarga correspondiam a padrões técnicos que já eram tidos como “ferro-velho” na Terra e no planeta comercial Marte, já há mais de quatrocentos anos. Rhodan era tolerante o bastante, e suficientemente cortês para não diminuir o orgulho dos tauranos, por esta “nova” conquista. Ele sentia-se meio torto depois do lauto banquete no palácio opulento de Sua Sabedoria Bain-Bain. Mas isso não era razão para tratar mal este povo cortês e fidalgo, com observações deprimentes.

Rhodan conseguira até dominar-se o suficiente para escutar atentamente as declamações de poemas de um mestre taurano, depois de gritar: “Admirável!”, arrotar com toda a força e bater com os pés por baixo de sua mesinha.

Gucky, o teleportador, abandonara apressadamente o salão, para não dar na vista desagradavelmente. A viagem de boa vontade de Rhodan certamente tivera uma certa coroação com a sua visita a Taura.

Rhodan cambaleou, no verdadeiro sentido da palavra, através das instalações de descarga. Emined Bain-Bain, um homem de meia altura mais parecido com uma bola, explicou bufando, arrotando e coberto de suor, o funcionamento de um transmissor de curta distância e energia baixa, através do qual as mercadorias recebidas e desembarcadas por robôs, de espaçonaves chegadas, eram transmitidas diretamente, em unidades de mil toneladas cada, para os armazéns dos consignatários.

Rhodan mostrou-se altamente interessado. Sua admiração era sem limites. Os homens do seu serviço de segurança, ao qual pertenciam também os quatro mutantes que, como únicos portadores de ativadores celulares, tinham sobrevivido à Segunda-Crise-Gênesis, não deram muita importância às declarações exageradas do alto administrador.

Sua atenção era dada aos arredores, cobertos de máquinas até perder de vista, e no qual facilmente poderiam esconder-se cem ou mais atentados.

Gucky e Felmer Lloyd, os únicos telepatas que tinham escapado do caos que já ficava muito para trás, “escutaram” atentamente com seus sentidos paranormais todos os impulsos mentais de conformação anormal.

Atentados políticos ultimamente estavam na ordem-do-dia. E disto até em Taura estavam informados. Entretanto não se dava atenção ao comando de vigilância, fazendo de conta que este nem existia.

Rhodan estava parado diante da marca vermelha que designava o transmissor de irradiação. Há alguns minutos passara pelo mesmo uma tonelada de carga e evidentemente a mesma chegara ao seu destino.

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— Vamos poder baixar consideravelmente os altos custos de armazenamento — explicou Bain-Bain, sorridente. — Como o senhor sabe, Excelência, este fator é decisivo para um porto com um grande movimento. Ainda mais significativo entretanto o é para um planeta que vive menos da própria extração de bens e mais de mercadorias importadas. Os custos do armazenamento e as taxas portuárias são duas coisas que se aliam. Quanto mais cedo uma nave pode ser descarregada, mais rapidamente a mesma poderá partir. Portanto: há poupança de todas as maneiras. Nós...

Emined Bain-Bain deu um grito de horror. Somente através da rápida intervenção de um comando terrano ele não foi também arrastado pelo campo antigravitacional e de sucção de um monte de mercadorias que caíra velozmente, para ser arrastado para o alto.

Perry Rhodan encontrava-se ainda mais perto da zona de alcance. Ele ainda quis atirar-se para o lado, mas não o conseguiu mais.

Ainda antes de poder dar-se conta do que lhe estava acontecendo, foi erguido e, com um balanço do guindaste, erguido por cima da linha de perigo do grande transmissor.

Entre as colunas energéticas, brilhando muito vermelhas, do transmissor de carga, flutuava o campo de desagregação invisível. Rhodan teve como primeira e mais incisiva ideia, que o campo de força de desmaterialização, com toda a certeza, não estava sincronizado com um aparelho receptor. Numa irradiação isso significava a morte no hiperespaço.

O Coronel Hubert Maurice já tinha entendido também a situação. Os seus homens, entretanto, olhavam fixamente para o alto, com suas armas apontadas, sem nada poderem fazer, vendo o seu chefe ser puxado pelo guindaste antigravitacional por cima da linha fatal.

Rhodan ouviu os comandos. Também ouviu os gritos dos tauranos e a voz de Maurice. O que diziam e era chamado ele não entendeu. Os dois teleportadores mutantes Gucky e Ras Tschubai eram impotentes nas proximidades de um transmissor em funcionamento. A radiação difusa hiperenergética proibia um salto teleportador por si mesma.

Perry Rhodan ouviu Ras Tschubai gritar alguma coisa. Ele não compreendeu o sentido. Os seus pensamentos corriam com uma velocidade inacreditável.

Ele ainda conseguia movimentar-se muito bem dentro daquele campo portante e sugante. Somente poucos metros distante ele percebeu as colunas energéticas chamejantes do transmissor de mercadorias.

Ele o devia aos impulsos amplificados por Whisper, que nestes poucos segundos ainda se lembrou da estação de comutação do guindaste de cargas. Ele passara pela mesma e a registrara sem maior interesse.

E agora ele se lembrava novamente. Jogou-se de um lado para o outro no campo energético portante.

Mais para a frente, a cerca de trinta metros de distância, terminavam os condutores de energia alimentadora, na caixa revestida dentro da qual também estava instalado o projetor antigravitacional. Esta era a única meta perceptível, pois não havia nenhum autor de atentado de vida orgânica, que os seus homens pudesse liquidar.

A mecânica do guindaste de cargas não reagia nem a gritos nem a armas prontas para atirar. Ele executava simplesmente a sua tarefa programada que aliás tinha sido inventada com uma esperteza diabólica.

Rhodan viu o seu alvo. O guindaste de carga tinha descido tanto que a instalação de comutação entrou no seu campo de visão.

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A mão direita de Rhodan foi levada para baixo rapidamente, de modo que os músculos do seu braço se contraíram fortemente. Este era o disparador para o mecanismo de sua arma de agulha.

O cano foi projetado para a frente. A boca da arma passou raspando pela palma da mão de Rhodan, apertou os dedos para o lado, parando a cerca de quinze centímetros das pontas dos dedos.

Na mesma fração de segundos a mecânica programada começou a atirar. Raios energéticos ultraluminosos foram disparados pela boca. Os raios disparados alcançaram trinta salvas de tiros por segundo.

Rhodan levantou rapidamente o braço e mirou com o mesmo a estação de comutação. Aqueles tiros intervalados, incandescentes como a luz de um sol, passaram por cima do solo, arremessando pequenos vulcões de chamas e depois subiram mais.

Depois de um quarto de segundo Rhodan encontrara o seu alvo. O segundo feixe térmico tocou a borda inferior da estação comutadora, subiu um pouco mais e logo bateu com todo o seu desenvolvimento energético, penetrando na blindagem.

Rhodan viu uma labareda saltar para o alto. Objetos incandescentes voaram para todos os lados e explodiram no ar, antes de irem para o chão. Com o derradeiro tiro do segundo feixe da arma de agulha o grande aparelho detonou.

O braço basculante do guindaste parou de soco. O campo energético de suporte apagou-se. Rhodan reagiu instintivamente. Ele virou-se, puxou os joelhos contra o peito e tentou minimizar o choque da queda inevitável.

Ele bateu violentamente em cima do revestimento de aço-plástico do terreno. Uma dor cortante subiu por sua perna direita. Mesmo assim ainda conseguiu rolar para a direita, para escapar do campo de desmaterialização.

Dois homens do seu comando de vigilância puxaram-no para fora da zona de perigo. Mais para trás havia feridos. Eles tinham sido atingidos por estilhaços do elemento de comutação, ao explodir.

— Tudo em ordem? — ouviu Rhodan dizer, numa voz muito alta. Ele olhou para cima. Hubert Maurice estava ajoelhado ao lado dele.— Sim, sim, parece que sim — disse Rhodan com sua voz possante. — Minha

perna direita parece estar quebrada. Maurice, comunique ao governo que, devido aos acontecimentos eu deverei partir dentro de duas horas. Mande cancelar tudo, tudo! Eles foram longe demais!

Maurice mandou seus homens formarem uma parede protetora. Os convidados viram as bocas apontadas de armas terranas.

— Este foi o atentado mais esperto que eu jamais vi em minha vida — afirmou Maurice, amargamente. — Sinto muito, Sir. Eu não contei com o guindaste de carga. Alguém deve ter sabido que o senhor iria parar nesse exato lugar.

— Naturalmente. Entretanto não suspeite de Bain-Bain. Por um triz ele também teria sido agarrado. Aconselhe-o a dar uma boa olhada nos seus colaboradores.

* * *

A Intersolar deu partida exatamente duas horas depois do atentado abortado. O governo do planeta Taura e do Sistema Epihilon estava inconsolável. Mas Rhodan não se deixara abrandar.

A visita de Estado terminara mais depressa do que os seus participantes poderiam ter imaginado.

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Rhodan viu o planeta ficar cada vez menor nas telas de imagens. Finalmente ele transformou-se num ponto luminoso entre bilhões de outros pontos de luz.

A fratura da coxa, que sofrerá quando da queda, já estava em processo de cura. O tecido artificial de biomoplástico injetado logo em seguida trabalhava com rapidez e segurança. Campos de pressão com força ajustada individualmente, dando forma, seguravam as duas terminações ósseas ainda separadas, milimetricamente na sua posição natural.

Outras drogas que atacavam diretamente os tecidos ósseos, estimulando-os a uma velocidade elevada a mil, à nova criação óssea no ponto de fratura, cuidava para uma rápida cura total. Enquanto Rhodan continuava deitado na clínica de bordo, ficou ouvindo os relatórios. Taura estava perdida para o Império Solar. Os detentores do poder da Federação Carsuálica, um Triunvirato formato por três ertrusianos, provavelmente eram responsáveis pelo atentado.

Não havia provas exatas. Só se tinha como certo de que Rhodan estaria perdido se não se tivesse ajudado sozinho. Maurice naturalmente também pensara em parar o guindaste de carga, mas não conseguira alcançar a estação de comutação em tempo.

A Intersolar entrou no espaço linear, com a rota indicando o Sistema Solar. A viagem de boa-vontade terminara.

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5

Entre a população do Sistema Solar havia algumas centenas de milhares de sectários e fanáticos incorrigíveis, que achavam que a melhor forma de governo para um grande reino estelar, com seus problemas quase invencíveis, era uma ditadura.

Perry Rhodan, os ministros do seu governo e inúmeros cientistas experientes, há anos vinham tentando educar estas pessoas. Especialmente Rhodan, que já há mais de mil e quinhentos anos conhecera ditaduras com todas as suas falhas, brutalidade e opressão, aparecera com constantes advertências contra esta forma de governo.

Os seus argumentos eram óbvios. Se ele pudesse falar a homens dos meados do século vinte, ou seja, durante a juventude de Rhodan, que tiveram que baixar suas cabeças a criminosos em uniforme, a coisa teria sido mais simples para ele.

Agora, entretanto, no ano 3.430, depois de uma forma de governo democrático de mais de mil e quinhentos anos, com suas vantagens para todos, era difícil imaginar que, por exemplo, era possível ser-se obrigado a abdicar do direito da queixa e do direito de opinião.

Quando Rhodan mencionava que nestes tempos sombrios do planeta Terra homens eram castigados pelo seu modo preferencial de vestir ou do modo como usavam os cabelos, sempre achavam muita graça.

Um argumento, entretanto, fazia pensar, ou seja, o exemplo do Império Dabrifa. Rhodan pudera provar que uma chamada ditadura “moderada” sempre terminava numa ditadura despótica.

Soberanos totalitários, que por razões de oportunismo político e de embotamento das massas possuíam suficiente inteligência e intuição psicológica, para dar uma aparência de certa liberdade pessoal aos cidadãos pelo maior tempo possível, tornavam- -se feras impiedosas, no mesmo instante em que o seu poder era ameaçado.

Então eles mostravam sua verdadeira face. Então deixavam a sua polícia secreta fazer e desfazer sem qualquer disposição judicial. Então punham em marcha seus exércitos e davam partida às suas frotas espaciais para guerras-relâmpago e ataques de surpresa, sem qualquer declaração de guerra ou outro aviso. Um terrano, sociólogo, dissera certa vez: Ditadores inteligentes têm a capacidade de guardar a aparência do Direito por tanto tempo, até que a ameaça d sua própria pessoa os obriga a revelar sua real desinibição.

Um ditador desse tipo era o Imperador Dabrifa. Que reinava sobre o grande reino estelar oficialmente chamado de Império Dabrifa.

Ele era um homem esperto, hábil e de maneiras elegantes. Tinha uma conversa espirituosa, com vastos conhecimentos em muitas áreas e a radiante cordialidade de uma tolerância de “Pai da Pátria”.

Dabrifa estava na situação de fazer justiça em qualquer situação. Mesmo nas coisas que ficavam muito fora do seu interesse. Estas naturalmente eram liquidadas rapidamente, na medida do possível, sem chamar atenção, mas com uma dureza impiedosa.

Aparentemente havia uma mistura de absolutismo com ditadura moderada. A sua palavra era o que valia. Sua opinião parecia ser a opinião dos povos dominados por ele.

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Rhodan escolhera Dabrifa como exemplo típico de um governante que era capaz de simular até ao extremo uma orientação de governo de liberdades democráticas. Ele era tido como moderado, mas não era nada disso.

Perry Rhodan tinha prevenido os céticos no próprio Sistema Solar. Mas encontrara incredulidade. Ditadores astutos e espertos sempre tinham sido e continuavam sendo atores brilhantes.

A gruta era pequena, mal iluminada e com uma instalação espartana. Em caso de necessidade, entretanto, cinquenta a sessenta pessoas encontravam lugar na mesma.

A única entrada ficava abaixo da superfície de um mar que, em Nosmo, o planeta central do Império Dabrifa, tinha fama de ser de grande beleza, possuindo uma região costeira muito linda.

Dabrifala, a capital do planeta e do reino estelar, ficava a apenas poucos quilômetros de distância, nos flancos de uma grande baía.

Os colonos terranos que há cerca de novecentos anos tinham pousado em Nosmo, souberam por que ergueram sua primeira colônia na costa dessa baía.

A mesma era belíssima sob o ponto de vista paisagístico, oferecia um clima saudável e praias imensas. A cadeia de montanhas que a cercava detinha os ventos quentes do altiplano. O altiplano entretanto podia ser alcançado em poucos minutos por via aérea. O mesmo era de um solo excepcionalmente pedregoso, tendo a firmeza e estabilidade que se precisava para a construção de um espaçoporto.

Dabrifala era a pérola do Império Dabrifa que, depois da última Escalada de Expansão, dominava seiscentos e quatorze sistemas solares com muitos planetas habitáveis.

A assim chamada “Escalada de Expansão” nada mais era do que uma lista astutamente conduzida de conquistas bem-sucedidas de mundos estranhos.

Na gruta havia cerca de vinte pessoas. Pareciam terranos. Elas possuíam modernas armas energéticas de confecção terrana e pareciam decididas a usá-las em caso de perigo. Os canos estavam dirigidos para a superfície da água de uma piscina quase redonda.

— Travem as suas armas — pediu um dos homens, cada vez mais nervoso. — Um movimento irrefletido e os senhores acabam matando uma das maiores personalidades da galáxia.

Um dos homens armados virou a cabeça. Ele olhou de cara fechada para quem dera o conselho.

— Se ele não liberar a sonda-código, com o sinal válido para hoje, antes de surgir das águas, nós vamos atirar. O senhor está em Nosmo, meu caro! Aqui um soldado da resistência somente consegue sobreviver se for mais rápido sempre num décimo de segundo. O senhor, como especialista da USO, devia saber disso. Além disso já está aqui por tempo suficiente para conhecer a situação. A polícia de Dabrifa é dura ao tomar e mais dura ainda ao dar. Portanto evite aconselhar coisas que também podem custar a sua vida.

O Major Arfin Stregman, ativo especialista da USO e chefe do Comando Secreto da USO no mundo principal do Império Dabrifa, apertou os lábios. Ele ainda vestia o traje de homem-rã, com o qual nadara através do canal entre o oceano e a gruta. A mesma ficava ao nível da superfície do mar.

Ele tentou mais uma vez.— O Lorde-Almirante Atlan pousou sob grandes dificuldades e com um disfarce

em Nosmo, para estabelecer contato com sua organização. Os senhores não deviam incorrer no risco de matá-lo, devido à falha de uma sonda.

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— Elas não falham nunca — informaram a Stregman. — Desde que existe a Khonan-Tap jamais houve falhas técnicas. Caso, entretanto, vierem a acontecer, vamos agir correspondentemente.

— Farão fogo?— O que é que o senhor acha? As leis de uma organização subversiva com ligações

muito ramificadas, inúmeros grupos auxiliares e depósitos secretos vitais, são muito severas. Não podemos ousar levar em consideração o caso de alguém ou alguma coisa que falha, e por isso dispararmos um segundo tarde demais. Mesmo se com isso, matamos um de nossos próprios homens, tem que ser! A segurança está acima de tudo. E agora, já está vendo as coisas com mais clareza?

Omarin Ligzuta, o misterioso chefe do movimento de resistência ao Imperador Dabrifa, procurado há anos, tinha falado alto e sensatamente. Ele era um homem já mais velho, de cabelos grisalhos, com o rosto enrugado e olhos muito vivos.

— Neste caso, vamos esperar que suas sondas, já necessitadas de vistoria, funcionem também agora — resignou-se o major da USO.

Ligzuta retrucou rapidamente e censurando:— Se a USO e a Contra-Espionagem Solar tivessem atendido mais rapidamente

nossos insistentes pedidos para a remessa de armas, material de todo tipo e concentrados de alimentação, nós não precisaríamos nos preocupar agora pelo funciona- j mento de um aparelho de codificação flutuante. Somente se lembraram de nós depois que lhes anunciamos a conferência secreta, que logo se realizará em nosso planeta. Então acordaram depressa, não é mesmo? Isso parece ser típico. Somente se consegue um apoio régio quando as coisas ficam pretas. Eu lhe digo mais uma vez que Dabrifa, os regentes da Federação Carsuálica e alguns calafates da União Galáctica Central vão reunir-se aqui, para atacarem o Sistema Solar sem aviso prévio. E isso não vai demorar muito. O senhor pelo menos passou nossos relatórios e resultados de investigações ao Lorde -Almirante?

— Palavra por palavra — confirmou o major, meio agastado. Os combatentes contra a ditadura em Nosmo realmente haviam sido um pouco negligenciados no passado.

Arfin Stregman decidiu-se a dizer mais uma coisa.— No que se refere ao fornecimento de armas de defesa, meios de combate

atômicos e outras mercadorias, nós tínhamos que ser cautelosos. Atlan e Rhodan são severamente contrários a entregar aparelhos de alta energia a... digamos... grupos cuja meta, em todo o caso, não combina com a pacificação de toda a Humanidade.

Omarin Ligzuta continuou muito sensato, apesar de tudo.— Aceito, senhor major! Só por isso nós não insistimos mais. Entrementes, acho

que devem saber o que está em jogo aqui. Se conseguirmos derrubar Dabrifa, e se isolarmos pelo menos cinquenta por cento dos seus capangas assassinos, o Império Dabrifa não existirá mais. Nós temos ótimas ligações com comandantes de frota, de poder de mando decisivo. Não creia que em Nosmo e nos outros planetas do Império todo mundo está de acordo com o terror.

— O chefe da USO lhes explicará tudo. Não querem mesmo travar suas armas energéticas?

Ligzuta sacudiu a cabeça. As leis de auto-preservação da Khonan-Tap eram realmente muito duras.

* * *

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A água escura repentinamente foi revolvida. Um corpo em forma de torpedo, apenas da grossura de um dedo, saiu de dentro do elemento líquido, movido pela sua velocidade, caindo de volta e repousando na superfície. A diminuta hélice morreu.

Da parte dianteira, um pouco mais grossa, saíram raios luminosos. Que tinham uma sequência rítmica.

— Ótimo, código do dia reconhecido — declarou um técnico, que captara os sinais luminosos com uma sonda em forma de tubo, identificando-a depois no avaliador eletrônico.

Os representantes da Khonan-Tap finalmente travaram as armas. As bocas das armas energéticas ainda brilhavam um pouco, mas agora pelo menos ninguém atiraria por nervosismo.

Somente poucos instantes depois viram-se os contornos de um nadador. No seu peito estava dependurado um respirador de último tipo, que não permitia que bolhas de ar subissem à superfície. Estas poderiam custar a vida de alguém.

Os inúmeros barcos rápidos e planadores costeiros da polícia jogavam bombas submarinas altamente explosivas no mesmo instante em que algum mergulhador não registrado fosse rastreado.

O corpo de Atlan saiu pela metade da superfície da água, levado pela pressão da hélice do aparelho rastreador.

Omarin Ligzuta imediatamente viu-se olhando para a boca de uma arma hiperenergética, que podia ser empregada mesmo embaixo da água. Atlan não travara a sua arma!

— De qualquer modo ele é cauteloso — achou o homem idoso, e um sorriso aflorou-lhe aos lábios. — Bem-vindo, Sir. Nós... ué... o senhor veste apenas um calção de banho? Isso é perigoso! Dez metros abaixo da costa passa uma corrente gelada.

Vários homens deram a mão ao arcônida e o puxaram para fora da água. Os cabelos louro-esbranguiçados de Atlan tinham sido presos por um elástico na nuca.

Ele tirou a boqueira do aparelho respirador dos lábios, respirou fundo e olhou em volta. Alguém colocou-lhe um cobertor nos ombros.

— Obrigado, isso é bom. A água, depois dos oito metros, realmente é gelada.— É bom contra rastreamentos do ar — explicou Ligzuta. — Não se pode ser

cauteloso demais. Portanto o senhor é o legendário ex-imperador do Reino Arcônida?Atlan limpou o rosto. Stregman massageou-lhe as costas.— É como o senhor diz. Mas isso já passou há mil anos. A nova era florescente dos

arcônidas não me diz mais respeito. Tenho a satisfação de falar com o chefe da Khonan-Tap, Professor Omarin Ligzuta?

O combatente grisalho da resistência riu amargamente.— Muito obrigado pelo belo título, Sir. Este não existe mais por aqui. Eu sou, por

posto, um professor técnico. Docente para História recente em Nosmo. Naturalmente não existe homem mais fiel à linha do governo e do seu pensamento que eu. Eu circulo no palácio do Imperador, tenho condecorações e muitas outras coisas mais.

— Eu compreendo, Professor.— Assim o espero, Sir. Pelo que ouvi dizer o senhor pousou aqui disfarçado em

livre-mercador galáctico. Muito bem, o senhor conhece a nossa lista?— Se está falando da listagem de equipamentos e armas de todos os dias, sim.O rosto de Ligzuta ficou tenso.— E então? Qual é a opinião dos infinitamente ricos e poderosos?

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Atlan olhou o cientista de frente.— Para o senhor, positiva. Infinitamente ricos não somos, nem Perry Rhodan nem

eu, mas vamos usar de meios muito significativos, para abastecer o senhor e seus homens. Os relatórios a respeito de suas atividades são satisfatórios. O senhor aparentemente também não pertence a esse tipo de cabeças-quentes, que desde sempre têm sido de opinião poderem subverter toda a galáxia com um simples atentado político. O senhor age refletidamente, e por isso mesmo ganha amigos e mais amigos e desse modo minam um sistema que nós temos que condenar. O senhor receberá as armas e aparelhos requisitados. A Kulamort, minha suposta nave cargueira de livre-mercador, tem trinta por cento de sua capacidade de carga destinada ao senhor.

— Eu... eu mal posso acreditar! — duvidou o cientista, com a voz trêmula.— O senhor deve acreditar. Quando o Império Solar se decide a ajudar homens

escravizados, que afinal de contas indiretamente descendem da Terra, nós fazemos o máximo. E isso também diz respeito à USO. Nós ainda ampliamos um pouco a sua relação.

— Como assim?— Nós lhe fornecemos transmissores pequenos com alimentação de energia

autárquica. Olhe esta gruta. Ela tem apenas uma entrada. Se o senhor alguma vez for rastreado aqui, durante uma reunião, estará preso numa ratoeira. Para evitar isso, nós pomos à sua disposição minitransmissores com uma capacidade de transporte de duzentas unidades de massa. Isso corresponde ao peso e a massa física de duas pessoas completamente equipadas. Além disso, fornecemos ainda microequipamento siganês, com o qual poderá proporcionar grandes preocupações ao serviço secreto daqui. O senhor está satisfeito?

Omarin Ligzuta estendeu a mão, hesitante. Atlan apertou-a fortemente.— O cargueiro é uma nave de abastecimento especialmente preparada para atender

a combatentes da resistência. O material de equipamento está oculto dentro da carga. Não precisa temer qualquer descoberta. Nós sabemos como escapar das revistas alfandegárias do Império da Dabrifa. Isso é tudo que poderia interessá-lo, nesse sentido. E agora relate--me por favor, se as notícias sobre uma reunião importante entre os detentores do poder de Carsual, Dabrifa e a UCG estão corretas, se foram exageradas ou se o senhor talvez foi supercauteloso na sua avaliação. O que é que está em jogo em Nosmo?

O chefe da Khonan-Tap começou com suas explicações.Atlan ficou escutando durante duas horas seguidas, examinou planos e em seguida

ouviu o comentário do Comandante da USO em Nosmo.O Major Arfin Stregman não encobriu nada. Ele era um homem acostumado à

rotina da USO.— Aqui, este é o Palácio do Sol, do imperador. Assim chamado porque trinta sóis

atômicos, girando em campos antigravitacionais, iluminam o grande parque, de cem quilômetros quadrados. É um espetáculo de roubar a respiração, especialmente à noite. O parque é quadrado. Quase exatamente no seu centro ergue-se o palácio. Um edifício construído com as mais modernas instalações técnicas e na forma de funil dos arcônidas. O diâmetro do fundamento é de quinhentos metros. O diâmetro interior da parte superior do funil é de três mil metros. A altura também é de três mil metros. Ruas circulares existem nas paredes exteriores, rodeando o edifício em serpentinas. A coroa superior é totalmente utilizada para campo de pouso de veículos planadores.

Outras edificações desse tipo, porém bem menores, existem por ali. As medidas de segurança são de tirar a respiração.

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— Custo, quinhentos bilhões de solares, mais ou menos — verificou Atlan, sobriamente. — Esse cavalheiro sabe viver.

— Se sabe! A edificação em forma de funil contém no seu interior os aparelhos mais fantásticos da galáxia conhecida. Piscinas, estúdios, passeios, caramanchões internos, um pequeno lago com monstros e sáurios importados, e tudo o mais necessário para o lazer foi construído ali. Penetrar pela força no Palácio do Sol é impossível para pessoas normais. Os mutantes também falham devido a mais moderna instalação de paradefesa. Cada criatura com frequências mentais anormais, que são típicas dos mutantes legítimos, são atacados imediatamente e sem prévio aviso. Há milhares de robôs especiais, que reagem apenas a mutantes. Se, portanto, a reunião dos chefes de governo, anunciada pelo senhor Ligzuta, se realizar no Palácio do Sol, não podemos usar nem pessoas normais nem mutantes. Além disso nós ainda dispomos, apenas, de quatro criaturas parapsiquicamente dotadas. O tempo de florescimento dos mutantes, portanto, terminou definitivamente, com a invenção da paradefesa. Ultimamente já sabem como proteger-se contra os especialistas de elite de Rhodan.

— A quem o senhor diz isso! Eu vivi durante a Crise-de-Segunda-Geração. O ativador celular de Dabrifa quase que certamente pertenceu anteriormente a um mutante, que morreu de loucura-gen. E depois?

— A conferência dos detentores do poder de Carsual, Dabrifa e da União Central Galáctica foi marcada para hoje. Às vinte e uma horas, ritmo planetário. Nosmo tem uma rotação de 27,3 horas em torno do seu eixo polar. Oficialmente realizar-se-á uma pomposa recepção. Tudo que tiver posição e nome deverá encontrar-se nos jardins dos prazeres. O Professor Ligzuta também foi convidado.

Atlan anuiu ao cientista, com aprovação.— Bom trabalho, Professor. Não lamento ter aconselhado ao meu amigo Perry

Rhodan a apoiá-lo, sem limites, com material. O que é que o senhor pode fazer, pessoalmente, para ficar sabendo do resultado da conferência?

— Absolutamente nada, Sir — lastimou Omarin Ligzuta.— Não há qualquer possibilidade. O palácio é um labirinto, que nós só conhecemos

aproximadamente. O senhor terá que utilizar seus melhores especialistas, ou não ficaremos sabendo nunca o que está sendo planejado ali. A instalação de aparelhos de escuta ou o uso de microfones, altamente sensíveis, teleorientados, é impossível devido à radiação difusa e do rastreamento de frequência própria. Dabrifa sabe como se garantir. Infelizmente o Major Stregman não quis me dizer que medidas ele já tomou. O senhor fez isso, ou não?

Atlan começou a sorrir. Stregman lançou-lhe um olhar significativo.— O senhor subestima os oficiais de comando da USO, Professor.Atlan olhou para Stregman.— Se não me engano, o senhor pensou num reconhecimento siganês?— Exatamente, Sir. Somente os homenzinhos de Siga têm uma chance de penetrar

no palácio. Eles penetrarão através das zonas de bloqueio externas, com os planadores de Ligzuta, e depois tentarão escutar secretamente a conferência. Aqui estão os detalhes exatos. Peço-lhes sua maior atenção, meus senhores!...

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6

O especialista da USO Capitão Szark Kalutsin era siganês e tinha 15,1 centímetros de altura. De conformidade com seu treinamento ele era perito em romper campos energéticos.

O especialista da USD Tenente Barna Olphener também era originário de Siga. Tinha 15,3 centímetros de altura, e era o encarregado dos disfarces da dupla, um verdadeiro artista.

Os dois seres humanos adaptados ao meio ambiente estavam a serviço da USO há oitenta anos. Eram confiáveis, mil vezes provados e não gostavam absolutamente de submissão pela força de seres humanos. E isso era bom!

Os dois “homens” tinham recebido uma missão que podia custar-lhes a vida. Mas disto os especialistas da USO já estavam acostumados há mais de mil anos. O Lorde- -Almirante Atlan só muito raramente tinha a oferecer missões que não oferecessem perigo de vida.

Somente criaturas que não tivessem um cérebro de mutante, rastreável por ser justamente mutado, ou que possuíssem o tamanho físico normal de um terrano, poderiam ter oportunidade de penetrar, sem licença, no Palácio do Sol do Imperador Dabrifa, para colher informações, investigações que poderiam ser levadas até o final somente através da discrição e da possibilidade de uma rápida evasão em caso de perigo.

Os dois siganeses eram um time com dons extraordinários e uma grande experiência.

O Professor Odarin Ligzuta aparecera pontualmente.Para os siganeses fora muito fácil esconder-se no planador anunciado, registrado

positronicamente e por isso facilmente encontrável, apesar do mesmo ter sido revistado previamente com aparelhos sensores. Ligzuta era naturalmente um homem que recebera convite, o que entretanto não excluía um controle muito exato. Ele poderia levar uma bomba para dentro do palácio, onde poderia detoná-la com intuitos assassinos.

Terroristas desesperados, já mais de vez tinham cometido atentados em Nosmo. Nenhum entretanto conseguira o seu objetivo: a liquidação do ditador.

Deste modo os dois microespecialistas tinham conseguido passar através dos campos energéticos, sem chamarem atenção, penetrando no pátio interno do gigantesco edifício. O mesmo parecia um formidável funil, assentado na sua parte mais fina, que erguia para o ar a sua larga abertura de entrada. Esta forma de construção o Imperador Dabrifa tinha tomado dos antigos arcônidas.

O pátio interno tinha três quilômetros de diâmetro. Quanto mais se descia, menor ficava a distância entre as paredes laterais, em forte declive.

Bem embaixo, onde o fundamento de quinhentos metros de diâmetro terminava, havia um lago de também quinhentos metros de diâmetro, no qual monstros de mundos exóticos nadavam.

A construção era arquitetonicamente significativa e imensa. Ninguém sabia, aliás, a profundeza com que a parte inferior do funil penetrava na terra, e como abaixo da superfície ele se desdobrava. Imaginava-se apenas que ali deviam estar as grandes casas de máquinas, às quais juntavam-se ainda alguns bunkers profundos, que se conhecia por ouvir dizer.

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Szark Kalutsin e Barna Olphener não se preocuparam com o suprimento energético do Palácio do Sol. Para eles interessava apenas ficar nos calcanhares de pessoas que, pouco mais tarde, participariam de uma conferência secreta, publicamente anunciada como uma simples reunião de caráter social.

A maneira de se reunir era típica de um homem de grande imaginação como Dabrifa. Naturalmente ele também poderia partir numa cosmonave, encontrando-se com seus aliados em pleno espaço. Na realidade ele tinha a possibilidade de efetuar a conferência em muitos outros lugares, ou mesmo camuflá-la como uma Visita de Estado, oficialmente.

Ele não fizera nada disso. Sua maneira de ser era a de um jogo de poder com milhares de portas dos fundos. Ele se embriagava com a ideia de fazer uma coisa publicamente, o que normalmente poderia ser regularizado de outros modos em outros lugares.

Isso fora um erro. Um erro que era típico de ditadores absolutamente espertos e cuidadosos, mas às vezes muito petulantes. Dabrifa de há muito ultrapassara o estágio do autocontrole consciente. Ele aproximava-se do período da consciência da vitória. Com isso ele perdera muito de sua periculosidade original.

Na sépala muito aberta de uma planta exótica estava deitado um homenzinho. A planta era tão forte que podia suportar facilmente as poucas gramas de peso do seu corpo. A pequena inclinação do cálice não chamava a atenção. A mesma somente se abrira, aliás, quando os trinta sóis atômicos por cima do extenso parque tinham se iluminado.

No interior do palácio afunilado não havia outras fontes de luz. Os sóis artificiais substituíam a luz do dia.

Somente os aposentos internos, que se encontravam entre as paredes internas e externas, eram iluminados artificialmente. Isso sempre fora assim. Os salões que se encontravam no meio nunca recebiam a verdadeira luz solar.

Uma ave decorativa, de grande beleza de cores, voou por cima do lago dos monstros. Ninguém prestou atenção na mesma. Era um barracu, com treze centímetros de comprimento de corpo, além de um rabo de vinte e dois centímetros.

O vermelho metálico brilhante do seu peito, as penas das costas, de um negro-azulado, e as penas amarelo-ocres de suas asas eram de uma beleza extraordinária.

Barracus eram aves de exportação de um mundo estranho. Elas eram tidas como confiáveis, de fácil aprendizado, e tinham o dom da fala. Centenas delas povoavam o jardim interno, em terraços, do palácio afunilado.

O pássaro pousou, batendo as asas fortemente, no galho em cuja extremidade se encontrava o cálice com o especialista da USO.

No lado da barriga abriu-se uma escotilha. Um rostinho pequeno, de pele verde, olhou para fora. O mesmo era emoldurado por penas artificialmente criadas.

Kalutsin virou-se, pondo-se de joelhos. Ele vestia um traje de combate, de confecção siganesa. A maioria de suas partes eram tão pequenas que o olho humano mal ainda poderia captá-las. Os siganeses raciocinavam em outras dimensões de tamanho.

O pretenso pássaro, na realidade um veículo voador, da arte de disfarce siganesa, saltitou para mais perto. O galho inclinou-se um pouco mais.

— Cuidado! — gritou o Capitão Szark Kalustsin.Ele podia ousar “gritar”. A sua vozinha era tão fina, que mesmo algum guarda

muito próximo nada teria captado com seus ouvidos.— Como está a situação? — quis saber o chefe do comando, já mais tranquilo. —

Você os viu?

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— Todos — disse Barna Orphener, o especialista em disfarces, de dentro do peito do “pássaro”. — Dabrifa ainda está fazendo o papel de excelente anfitrião. E faz bem o mesmo. Aliás, eu estive sentado no ombro dele, deixando que me alimentasse.

— Você ficou maluco? Olphener riu.— Absolutamente. Nada de ofensas, por favor. O que é que eu poderia fazer com

minha recepção externa, de outro modo? A balbúrdia das vozes dos gigantes se sobrepunha a qualquer palavra interessante. Deste modo, entretanto, eu pude passar por caminhos, no ombro de Dabrifa, que de outro modo jamais teria descoberto. Ele sentiu-se lisonjeado, pois eu fiquei bicando carinhosamente o lóbulo de sua orelha, chamando-o de “doce patife”. Ele ficou tão satisfeito com aquilo que quase teve um frouxo de riso. É preciso saber tratar esses sujeitos repelentes. Em noventa e nove por cento dos casos, todos são muito vaidosos.

O Capitão Kalutsin sorriu. Barna era mestre do seu ofício. Além do mais não era tão simples dominar uma imitação de pássaro tão exatamente, que mesmo um conhecedor nada tinha para criticar, até no seu bater de asas. A mecânica das asas, montada na barriga, era uma obra de arte da mecânica superfina.

— O que, na realidade, aconteceu? Você trouxe conclusões exatas?— Sim. Dabrifa saudou os três ertrusianos do Triunvirato Carsuálico. Trata-se de

Nos Vigeland, Terser Frascati e Runeme Shilter.— Quer dizer que continua a velha-guarda?— Exatamente. E estes não se deixam escorraçar. Além disso eles são portadores de

ativadores celulares, e portanto biologicamente imortais. Cada um deles tem um escudo de defesa energética de alta eficiência, baseado em nossos campos energéticos de defesa positrônicos. Eles não se envergonham de carregar nas costas aquelas enormes mochilas energéticas. As quais, aliás, seriam um esconderijo excelente para você.

— Falou-se sobre a conferência?— Sim, de modo bem claro. Três calafates da União Central Galáctica também já

chegaram.— Quais?— Os três primeiros porta-vozes, Kartch Tain, Roser Sakilate e Fereth Haynesto.

São as melhores cabeças dos vinte e um calafates registrados. Eu não consegui escutar a sua conversa com Dabrifa. Entretanto é certo que a conferência deverá começar uma hora depois do banquete. Entrementes Dabrifa se faz representar por um duble robô. Isso é tudo.

O Capitão Szark Kalutsin raciocinou rápida e objetivamente. Havia pouco tempo disponível.

— Eu vou agir. Informe Omarin Ligzuta. A única possibilidade de escapar dos sensores de vigilância e escudos de proteção do interior do palácio consiste em me deixar carregar por um dos participantes da conferência. Transmissão de rádio é impossível. Os aparelhos rastreiam tudo. Eu também desligarei o meu bloco energético.

— E minha tarefa?— Você fica aqui, no seu disfarce de pássaro. Basta que um homem participe

diretamente. Caso eu for descoberto, eu passo os resultados obtidos com um impulso sintético. Fique na escuta. Os ertrusianos são muito adequados como transportadores.

Do galho em flor ergueu-se um barracu. Ele voou por cima da massa de gente, pousando aqui e ali, junto de convidados discutindo, num galho ou qualquer objeto, escutando as conversas. O microgravador estava gravando ininterruptamente.

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Só com essa atividade Barna Olphener ficou sabendo de coisas que o fizeram empalidecer.

Especialmente os homens que ficavam mais próximos do Imperador, entre os quais altos oficiais da Frota Dabrifiana já pareciam imaginar alguma coisa sobre os acontecimentos próximos.

Depois de meia hora o pseudopássaro alcançou o chefe do movimento de resistência. Ele estava conversando com artistas do reino.

Para Kalutsin entretanto começava uma das fases mais perigosas da sua missão.

* * *

Um aparelho voador baseado em planador antigravitacional o especialista siganês da USO não podia usar, devido ao grande perigo de ser rastreado. Mesmo um micro- -reator do tamanho de um dedal ele não pudera levar consigo. Também com este ele seria descoberto imediatamente.

Por isso ele recebera, como alimentador energético de sua hélice, um bloco de bateria. O mesmo tinha uma duração limitada. O fornecimento de energia era tão diminuto que a construção de um campo defletor era impossível. O bloco em poucos minutos estaria esgotado. Era uma bateria de carga de alta frequência, na qual não havia quaisquer processos atômicos.

O capitão era obrigado a proceder de modo extremamente cauteloso devido a estas dificuldades. Ele era pequeno, certamente. Poderia esconder-se sempre, pois isso lhe garantia a sua enorme velocidade de movimentação.

Quanto menores os siganeses ficavam, de geração a geração, mais rápidas ficavam suas reações. Esta era uma lei da natureza. Mesmo assim havia perigo de ser descoberto. Ninguém poderia aprisionar o siganês treinado com a mão. Com ele isso seria ainda mais impossível, uma vez que possuía inteligência e habilidade, do que um terrano, em campo aberto, querer apanhar um rato com as mãos.

Um tiro de arma energética, entretanto ainda era mais rápido — e acertava com precisão, quando era disparado por algum robô.

Assim estavam os problemas de Szark Kalutsin.Os dois rotores contrários de sua hélice das costas criavam um ligeiro assobio.

Depois de ter voado ao longo dos terraços, chegou mais para cima, na região das plantas decorativas galactoexóticas.

Aqui lhe era ainda mais fácil esconder-se, mas em contrapartida surgiu um novo perigo. Havia animais estranhos e grandes pássaros, que não mostravam nenhum respeito para com criaturas adaptadas ao meio ambiente terrano. Para o seu instinto ele era uma coisinha voadora, que provavelmente podia-se comer.

Olphener notara as dificuldades do seu amigo. O que mais o incomodava era o apitar insistente dos rotores.

Deste modo ele voltara novamente e girou agora por cima do homenzinho voador. Ele não apenas mostrou a Kalutstin o caminho para os três ertrusianos, mas ainda cuidou com forte bater de asas e piados altos de pássaro, para uma sobreposição acústica aos ruídos do aparelho.

Depois de meia hora Kalutsin tinha alcançado o terraço de gala do Imperador. Ele ficava abaixo do chamado anel de defesa, acima do qual começava o círculo de ruas da ameia do funil. Ali os veículos voadores eram estacionados.

O capitão colocou-se na cobertura de uma forquilha de galhos de uma árvore ornamental e desligou a hélice das costas.

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Olphener pousou perto dele.Os dois especialistas da USO agora tinham uma vista fantástica do círculo interno

do Palácio do Sol. Estava claro como o dia. Diretamente acima do edifício circulavam dois sóis atômicos chamejantes que irradiavam a sua luz sobre aquelas instalações opulentas.

Mais para baixo, a cerca de dois mil e quinhentos metros, começaram os jogos de água.

— O jantar vai ser servido — gritou Olphener da escotilha do peito de seu aparelho. — Agora você não pode voar para junto dos ertrusianos. Eles estão sentados ou deitados em plena luz clara, e você não encontraria qualquer cobertura de voo. Temos que esperar. Já sabemos que os principais oficiais astronautas e os políticos têm noção de alguma coisa. Fala-se de um breve fim da supremacia do Império Solar na galáxia. Eu também registrei as mais novas piadas acerca de Perry Rhodan. Você vai chorar de tanto rir. Mais sérias são as notícias sobre um atentado ao Administrador-Geral. A notícia acaba de ser passada. Perry conseguiu salvar-se, mas imediatamente interrompeu sua Visita de Estado a Taura. Espere aqui, nesta árvore. A cobertura é boa, e você poderá observar o que se passa.

Barna Olphener saiu novamente voando. O seu aparelho tinha uma bateria muito forte. Ele ainda poderia voar, sem se preocupar, por algumas horas.

* * *

A suntuosa cerimônia terminara. Dabrifa usava uma roupa semelhante a uma toga, cujo tecido tinha cristais de howalgônio na sua textura. Os mesmos brilhavam num fogo inacreditável.

A festa era realizada sob o lema de costumes pré-históricos do planeta Terra. Esta versão parecia fazer sentido.

Os convidados eram obrigados a tomar a refeição de conformidade com os costumes da nobreza da antiga Roma. Todos se deitavam mais ou menos em leitos acolchoados baixos, e demonstrava claramente a sua alegria, quando acontecia algum problema com alguém. Afinal de contas todos achavam divertido pegar os mais exóticos alimentos da galáxia, para colocá-los na boca com os dedos.

Os três ertrusianos do Triunvirato Carsuálico estavam no seu elemento. Rompiam gigantescos pedaços de assados e comiam como bárbaros das eras primitivas.

Depois de uma hora, entretanto, o Capitão Kalutsin achou que começava a sua verdadeira missão. O banquete terminara.

Dabrifa, um homem esguio, com um domínio perfeito do seu corpo, fez alguns sinais discretos.

Ele foi o primeiro a desaparecer no portal. Os três calafates da UCG o seguiram, em espaços de tempo pequenos, mas isoladamente. Ninguém prestou atenção nisso.

Os ertrusianos levantaram-se por último. Eles tinham comido imensas porções de alimentos e por isso mesmo pareciam estar de bom humor. Eles se separaram e anunciaram, em voz alta, que precisavam de um pouco de movimento.

A hélice de Kalutsin começou a zunir novamente. Pronto para saltar, ele estava acocorado sobre o galho. Um dos ertrusianos, o membro do triunvirato Nos Vigeland, caminhou na direção do parque exótico.

De repente surgiu novamente o pássaro artificial construído nas oficinas siganesas da USO. Ele seguiu voando atrás do ertrusiano e começou a emitir sons estridentes. O Capitão Kalutsin deu partida.

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O pequeno especialista sabia que agora teria que jogar tudo numa cartada só. Ele estudara as enormes mochilas nas costas dos ertrusianos. Eram aparelhos de quase um metro de altura e setenta centímetros de largura.

Kalutsin sabia, pelo treinamento recebido na USO, como eram aquelas mochilas por dentro. O pássaro gritou ainda mais estridentemente e ficou voando em redor do largo crânio daquele gigante de dois metros e meio. Nos Vigeland começou a bater, irritado, na direção do barracu impertinente.

Justamente neste instante, Kalutsin pousou em cima do zíper de uma larga aba, atrás da qual ficavam os controles e ajustagens da mochila energética.

Kalutsin jogou-se com toda a força do seu corpo contra o bloqueio magnético. Quando apesar de tudo ele não conseguiu abri-lo, usou a propulsão de sua hélice como ajuda. E então veio o ruído característico e a aba caiu para baixo.

O capitão esgueirou-se para dentro. Diversos controles estavam iluminados. Aquele lusco-fusco era suficiente para o siganês.

Mais uma vez usou a sua hélice como meio de ajuda, para novamente poder puxar a aba para cima. O pássaro barulhento continuava chateando o ertrusiano.

Barna Olphener somente saiu voando dali depois que a aba se fechara novamente. Kalutsin estava em segurança.

O espaço existente era pequeno até mesmo para um siganês. Mesmo assim o capitão começou imediatamente com o seu trabalho.

Ele furou um orifício diminuto na aba de plástico. Para ele a abertura era suficiente para poder ver muita coisa. Depois esperou.

Ele estava deitado, ao comprido, sobre o dispositivo de fixação da aba. Ali sentia-se mais ou menos confortável. Somente se alguém tivesse a ideia de revistar a aparelhagem, ele estaria perdido. Mas Nos Vigeland nada sentia do diminuto peso do siganês.

* * *

Szark Kalutsin não tinha a menor ideia do lugar para onde fora levado por seu estranho meio de transporte.

Seus aparelhos de medição apenas lhe haviam revelado que o ertrusiano passara por inúmeros bloqueios de todos os tipos. Mesmo um siganês, com equipagem completa de alta energia, jamais teria passado por ali.

Especialmente cuidadoso fora o rastreamento-psi. O especialista reconheceu com isto, muito assustado, que o tempo dos invencíveis, ou seja dos mutantes terranos, terminara. Eles somente podiam entrar em ação em lugares onde não existisse esse para- -rastreamento. O poderio da Terra, há menos de mil e quinhentos anos, apoiado por mutantes capazes, tinha sofrido sério revés.

Os três ertrusianos eram desconfiados. Naturalmente eles possuíam uma imortalidade biológica, mas era possível matá-los com a mesma facilidade com que se liquidava qualquer outro homem. Eles eram gigantes, mas poderiam ser vitimados facilmente por uma arma energética certeira.

Eles não tinham tirado a sua mochila energética. Deste modo tinham a possibilidade de erguerem à sua volta, a qualquer momento, escudos de defesa, baseados no campo de defesa terrano de sobrecarga de alta energia. E então podiam usar de sua força de combate totalmente.

O especialista da USO somente pudera ver pouca coisa. O seu “portador”, o ertrusiano Nos Vigeland, naturalmente estava olhando na direção de Dabrifa e dos outros participantes da conferência.

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Kalutsin somente conseguia enxergar um dos participantes através do buraco furado, quando alguém se levantava, mais ou menos agitado, caminhando através da sala de conferências. Esta sala era uma unidade de escudo de defesa, por si mesma. Nenhum agente da CE-Solar, nenhum especialista adulto e alto da USO, jamais teria conseguido penetrar até esta sala. Ele era absolutamente a prova de escuta e, além disso, escudado de tal forma por campos de proteção, robôs especiais e guarda-costas, que normalmente não havia a menor perspectiva de ficar-se sabendo de uma só palavra da conferência.

A mesma durara somente duas horas. Com isso ficara claro que as mais importantes conversações prévias entre os participantes já tinham ocorrido muito antes. Aqui, no Palácio do Sol, interessava apenas a votação de decisões já discutidas.

Szark Kalutsin tinha registrado cada palavra com seu micro-gravador. Aqui e ali tivera até sorte de fazer algumas fotos. Tratava-se de um planejamento militar de enorme envergadura. As datas já estavam firmadas. O acordo entre os parceiros naturalmente era tido como natural.

O Capitão Kalutsin portanto não tivera motivo para se divertir. Mesmo assim, de vez em quando, ele o fizera.

A razão para isso era a maneira como os poderosos soberanos dos três reinos extra- -solares falavam entre si, quando não havia estranhos por perto.

Dabrifa perdera totalmente sua cordialidade. Ele falara com voz clara e cortante. — “Perdas de material humano” tinham sido mencionadas com a objetividade cruel de antigos chefes de exércitos. Os aliados tinham discutido, entre si, cada detalhe. Expressões e conceitos tinham sido usados, que jamais se usavam fora do salão de conferências.

Nunca antes Szark Kalutsin sentira a mesquinhez desses diversos detentores de poder de forma tão intensa, expressada em palavras. Eles não se diferenciavam em nenhum detalhe de outros homens. Mesmo assim, eles queriam demonstrar aos outros que eram super-homens.

Os três calafates representantes da União Central Galáctica foram os que tinham se demonstrado um pouco mais sensatos. Este reino estelar era dirigido de certo modo de conformidade com diretrizes democráticas. Mesmo assim, eles tinham se deixado influenciar, dando finalmente sua concordância.

As palavras de conclusão de Dabrifa haviam demonstrado que ele era o senhor absoluto, a mola mestra do complô.

— O Império Solar só existe ainda de nome. Ninguém poderá contestar-nos o direito de anexar a pátria de nossos ancestrais, e liquidar esse anacronismo vivente chamado Perry Rhodan. A sua política não é digna da Humanidade, da qual todos nós descendemos, devido à sua constante disposição de compromissos, retiradas militares e devido ao desperdício de imensas somas de impostos nas assim chamadas ajudas de emergência. A forma de governo de Rhodan, limitada através de períodos de comando, abreviados por eleições, não permite medidas duras, é um freio constante para o indivíduo altamente desenvolvido que é o ser humano. O desenvolvimento da Frota Solar acaba limitado. A Coalizão Antiterrana, por nós criada, acabará com estes males. Êxito somente pode ter o forte. Com a concordância dos senhores eu fixo o dia 30 de outubro de 3.430, tempo standard, como o Dia-D. Estamos de acordo que o ataque ao Império Solar somente deverá acontecer, com toda a sua força, quando tivermos conseguido averiguar plenamente, por nossos comandos especiais pousados na Terra, os segredos de produção do novo canhão transformador terrano, do escudo protetor paratrônico terrano e dos propulsores dimetrans para voos de grandes distâncias, de galáxia a galáxia. Perry

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Rhodan tomou estes avanços técnicos-científicos dos antigos vigilantes das vibrações, os ulebs, e no decorrer de séculos pode melhorá-los decisivamente. Os dados de construção do novo conversor linear terrano, chamado de “Conversor-Waringer” em homenagem ao Professor Waringer, também são muito interessantes para nós. Determinem aos seus comandantes de frotas para que somente ordenem o ataque decisivo depois que os comandos de desembarque atingirem as suas metas.

Kalutsin estava cada vez mais perplexo. A brutalidade de Dabrifa era sem limites.Depois disso, os membros da conferência tinham deixado o salão. Eles tinham

voltado, de modo o mais discreto possível, aos jardins do palácio, onde se haviam misturado aos convidados.

O Capitão Kalutsin e Barna Olphener entretanto imediatamente tinham voltado para o planador do combatente da resistência, Omarin Ligzuta. Não havia mais nada para investigar. O jogo se iniciara.

Kalutsin, no seu relatório conclusivo da missão, ainda mencionara que não deixara de novamente fechar o diminuto furo na aba da mochila de tal modo que nada mais podia ser notado. Caso contrário alguém poderia ficar desconfiado.

* * *

Atlan deu partida à Kulam-Ort ao raiar do dia. A festa do imperador terminara. Destino do pretenso cargueiro de livre-mercadores era o Sistema Solar, no qual a Terra tomava o seu lugar, como terceiro planeta. Atlan sabia que chegara a hora, já calculada antecipadamente há séculos. O Caso Laurin começara. A Terra e Perry Rhodan deviam ser liquidados.

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8

Os calendários mostravam o dia 14 de outubro do ano 3.430 depois de Cristo. Era um dos dias mais significativos na nova História da Humanidade Solar.

O Parlamento e o Administrador-Geral eram eleitos neste dia, por três e meio bilhões de homens com direito de voto, para mais seis anos.

Depois que Perry Rhodan voltara de sua viagem circular, ele ainda pudera usar somente poucos dias para a sua campanha eleitoral. Os outros candidatos para o maior posto do Império Solar, oito personalidades, entre as quais o Administrador de Marte, Herp Isidonis, tinham tido bem mais tempo para apresentarem sua pessoa e o seu programa político.

O posto de Administrador-Geral, que incluía a chefia de todas as Forças Armadas, depois da modificação da Constituição Solar, ocorrida em 2.930, por voto de dois terços do Parlamento, não mais era outorgado pelos membros do Congresso, mas sim pelo voto direto de toda a Humanidade.

Rhodan somente pudera apresentar a sua equipe de governo no último instante. Havia homens, entre os mesmos, que tinham uma ótima reputação.

E agora estavam em andamento as eleições em todos os planetas e luas habitados do Sistema Solar. Cidadãos que no momento se encontravam em mundos estranhos ou nas suas naves espaciais no cosmo, votavam em embaixadas correspondentes, ou nos seus grêmios de bordo.

Os resultados eram transmitidos para o computador principal em Terrânia, depois de devidamente conferidos positronicamente, através de hiperrádio.

Para os membros do Parlamento, valia a maioria simples de voto.Somente o Administrador-Geral precisava reunir uma maioria absoluta, de

conformidade com a Constituição Solar, portanto pelo menos 50,01 por cento de todos os votos. Caso isso não fosse possível imediatamente, num terceiro turno das eleições decidia-se com a maioria simples.

Perry Rhodan encontrava-se diante do problema de ganhar para si pelo menos 6,76 bilhões de eleitores. E isto, tendo como candidatos contrários, oito homens muito importantes.

As opiniões estavam divididas. Curiosamente, grandes grupos da Humanidade Solar não tinham nada a criticar no Governo Rhodan, exceto o fato de o censurarem por uma grande tolerância no trato com povos coloniais independentes e de sua enorme consideração quando do uso da Frota Cósmica contra estes povos. E isto podia tornar-se um fator decisivo, ou seja, poderia significar a sua derrota.

O Administrador radical de Marte, reeleito há apenas um ano atrás, apresentara o uso dos meios de poder terranos, como o ponto número um do seu programa. Era duvidoso se os eleitores estavam dispostos a estimular uma guerra galáctica previsível, ou se os mesmos compreenderiam o quanto Perry Rhodan agira corretamente.

Se ao primeiro sinal da dispersão da Humanidade em três Reinos gigantescos e muitas coligações mais ou menos soltas, ele tivesse atacado com toda a dureza, provavelmente isso não teria acontecido.

O que ele aliás confessara em seus discursos de última hora na Televisão Solar.

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O que, entretanto, teria acontecido depois? Como é que os povos subjugados teriam se comportado mais tarde? Seria necessário apontar-se para eles os canhões de naves de combate terranas, o tempo todo, prontos para abrirem fogo? Não se provocaria, desse modo, uma guerra de guerrilhas de grandes proporções? Naves de carga espaciais terranas não seriam atacadas, pilhadas e destruídas?

Ainda havia muitos outros argumentos, que Rhodan podia apresentar para a defesa de sua política de moderação.

Além do mais, ele mencionara que a Frota imediatamente interviera, logo que atos criminosos tinham sido verificados.

Jamais na História do Império Solar o resultado das eleições havia sido tão incerto como neste 14 de outubro de 3.430. Os habitantes das colônias separadas, reinados autárquicos e os mundos apenas dependentes da Terra sob o ponto de vista econômico, não tinham mais o direito de voto, depois da modificação da Constituição de 30 de abril de 2.930. Somente os homens domiciliados no Sistema Solar tinham o direito de determinarem o seu Administrador-Geral.

O quartel-general eleitoral de Rhodan ficava no trigésimo andar de um hotel. O mesmo encontrava-se nas proximidades de Solar-Hall, no qual, logo depois de terminada a contagem de votos, era efetuada a proclamação e tomado o juramento do vencedor.

As telas de vídeo estavam todas ligadas ininterruptamente. Os primeiros resultados computados pelo computador principal acabavam de chegar. As coisas não pareciam boas. Herp Isidonis ia muito na frente. Entretanto, tratava-se apenas de votos computados da população de Marte. Os resultados da Terra e dos outros planetas e luas, bem como das tripulações das naves, ainda não haviam sido computados.

Exatamente neste momento Atlan chegou à Terra. Ele trazia notícias, que eram tão consternadoras que Reginald Bell recusou-se a apresentá-las.

— Por favor, vamos esperar mais algumas horas, Atlan. Perry está que mais parece uma coluna de sal. É impossível falar-se com ele, porém seus pensamentos estão o tempo todo ocupados somente com a Humanidade, que sem a sua colaboração provavelmente já teria se destruído mutuamente, há mais de mil e quatrocentos anos atrás. Eu ainda me lembro muito bem das condições daquele tempo. Vamos esperar, velho amigo.

E Atlan esperou. Esperou até tarde da noite, mas a decisão ainda não se dera. O computador positrônico das eleições verificara que três luas e grandes unidades da Frota de Vigilância ainda não haviam transmitido os seus resultados.

Mais ou menos às oito horas da manhã, entretanto, chegou o último comunicado por rádio. Perry Rhodan fora reeleito mais uma vez como Chefe do Governo da Humanidade Solar.

Ele recebera doze bilhões e trezentos e dezoito votos.O juramento ocorreu somente poucas horas mais tarde. Um homem morto de

cansaço entrou cambaleando nos seus aposentos. Ele transmitira ao novo Vice-Administrador-Geral e chefe em exercício da Frota, o Marechal-de-Estado Reginald Bell, o cumprimento das obrigações sociais.

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8

Vinte de outubro de 3.430, 10:32 m.Cruzadores solares das flotilhas de telerreconhecimento deslocavam-se através do

espaço e do tempo. As dez estações secretas da USO, que ainda haviam sobrado do antigo sistema de bases de apoio de Atlan, serviram, em muitos casos, como transmissores de retransmissão para as mensagens de rádio captadas.

De Nosmo eram recebidas regularmente novas informações. Os homens e mulheres da Khonan-Tap trabalhavam em estreita ligação com o comando de especialistas da USO.

O Imperador Dabrifa mantinha conversações praticamente sem interrupção, altos oficiais da Frota entravam e saíam no Palácio do Sol. Naves-Correio voavam para os planetas principais da Liga Carsuálica e da União Central Galáctica.

As formações das frotas dos três grandes reinos foram reunidas. Supostamente tratava-se de manobras nos limites de setores do espaço, que ultimamente eram reinvindicados pelos blues — não-humanóides — e também pelos tefrodenses imigrados.

A notícia sobre as manobras cósmicas era mantida propositadamente como inofensiva. Entretanto havia milhares de detalhes e observações que faziam concluir que as intenções eram bem diferentes.

Todo pormenor, por mais insignificante que pudesse parecer, era coordenado e avaliado por Natã, o computador gigante na Lua terrana. Através dele verificou-se repentinamente toda a imagem de uma reunião de Frotas de planejamento excepcionalmente estratégico. Até mesmo as menores formações das frotas pareciam ter recebido ordens especiais. Em nenhuma parte havia concentrações de dar na vista. Mas ao verificar-se as coordenadas, calculando-se o tempo das acelerações e dos voos dos diversos tipos de naves rápidas, calculando-se ainda a situação conhecida do treinamento das tripulações, o resultado era assustador.

Portanto, Rhodan tomou todas as medidas de emergência para a declaração do Estado de Emergência Solar, das quais entretanto somente o seu círculo mais íntimo tinha conhecimento. Além disso foi posto em andamento todo o necessário para o Caso Laurin, que já era esperado desde mais de quinhentos anos. Com isto, tudo estava decidido. E não havia mais como voltar atrás.

Os estrategistas da Coalizão Antiterrana certamente contavam com uma atividade das flotilhas de reconhecimento terranas. Afinal de contas conhecia-se Rhodan e seus comandantes de Frota.

Além disso, era preciso supor que a Terra já ficara desconfiada e levar este reconhecimento para o planejamento geral.

Até mesmo se Rhodan fosse considerado como exatamente informado, a hora e o dia do ataque lhe deveria ser desconhecido. Este era um fator com o qual o quartel- -general de Dabrifa calculava.

A avaliação terrana dos acontecimentos também levava isso em conta. O adversário não era subestimado de modo algum, entretanto Rhodan possuía um trunfo do qual não se sabia na Coalizão: ele estava exatamente informado da data e da hora do ataque.

Os comandantes das formações da Frota terrana receberam as instruções mais estranhas de suas carreiras. Importantes posições de vigilância tinham que ser

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abandonadas imediatamente, e o voo para zonas do espaço bem menos significativas tinha que ser imediatamente iniciado.

Sistemas planetários, que não eram importantes nem econômica nem estrategicamente, eram dados como destinos dos voos.

Somente os poucos oficiais do quartel-general da Frota, sabedores de tudo, não se espantaram.

Cerca de quarenta mil naves de carga terrana também receberam determinadas instruções. Naves espaciais de passageiros e naves com cargas e matérias-primas valiosas, receberam ordens de voltar para casa. Outras unidades deviam seguir para setores do espaço onde pouco tempo mais tarde, ou praticamente no mesmo momento, eram recebidas nas flotilhas de combate terranas.

Dentro de uma semana desenhou-se em pleno espaço um movimento de naves, que continuou um mistério para os comandantes da Frota da Coalizão Anti-terrana. Não era possível embuti-lo em qualquer esquema.

O que era de espantar mais, entretanto, era o fato de Perry Rhodan ordenar que apenas dez mil naves de combate entrassem no Sistema Solar. Mais de quarenta mil unidades ficaram lá fora, no espaço, onde desapareceram em setores que nenhum homem conhecia bem.

Os comandantes terranos, entretanto sabiam o que o Caso Laurin significava. Não conheciam o seu total efeito, mas apenas tinham a noção de que, por determinadas razões, eles tinham que desaparecer do local dos acontecimentos.

Deste modo, formações enormes pousavam em planetas que até então apenas tinham recebido a visita da Frota de Exploração. Curiosamente ali eram encontrados oficiais de ligação da Contra-Espionagem Solar e da USO.

De repente descobriram-se estações de rádio, sempre, até então, mantidas em severo segredo, depósitos de equipamentos e estaleiros, que se encontravam muito abaixo da superfície do corpo celeste em questão.

Somente no mundo dos Cem Sóis dos pos-bis, um planeta que se encontrava na profundezas do espaço vazio, cinco mil unidades velozes do Império Solar pousaram de uma só vez. No dia 28 de outubro de 3.430 depois de Cristo, parecia não haver mais naves terranas no espaço galáctico. Parecia que elas tinham sido tragadas por fantasmas.

A consequência dessas operações era uma inquietação constante nos sistemas que até então ainda tinham simpatizado com a Terra.

Mais nervosos ainda ficaram os governos dos quatrocentos e cinco sistemas, que se designavam como absolutamente autárquicos, e que não tinham concluído tratados de comércio ou de aliança nem com a Terra nem com os três grandes reinos. A ausência da Frota Solar, que era tida como invencível, tivera o efeito de desilusão e sobriedade em meio a uma festa constante. De repente esses mundos se viam sem proteção contra as exigências dos poderosos, que apenas, até então, tinham mostrado respeito ao canhão transformador terrano, ao escudo paratrônico, único no universo, e à força de combate superior das naves terranas.

O desconforto generalizado levou a conferências precipitadas entre os governos dos sistemas absolutamente livres.

Os mil e trezentos e oitenta e três sistemas que estavam próximos da Terra, sem que entretanto permitissem qualquer aconselhamento terrano em assuntos de política externa, receberam a visita de homens com carta-branca de Rhodan.

Os governos recebiam a comunicação de que a Terra estava sempre pronta para castigar quaisquer abusos ilegais.

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No cosmo reinava um caos generalizado. Muitos povos que ontem ainda tinham se queixado de suas ligações econômicas com a Terra, acabaram abrindo os olhos. Achavam que Perry Rhodan queria estabelecer um exemplo. O que e por que ele o fazia, disso ninguém tinha certeza.

Entre os altos oficiais da Frota Espacial da Coalizão havia pelo menos cem opiniões diversas. Se Rhodan suspeitava da ofensiva que estava por vir, ou se ele mesmo tinha sabido de dados concretos, através do seu excelente serviço secreto — por que, neste caso, ele não reunia imediatamente suas cinquenta mil unidades pesadas, onde elas seriam mais necessárias, ou seja, nos limites do Sistema Solar?

O caso era confuso. Ninguém entendia que Rhodan perseguia dois objetivos com estas medidas tomadas.

Primeiramente ele queria advertir insistentemente, sem entretanto trocar uma única nota, ou falar abertamente sobre estas coisas. Em segundo lugar, levado pela situação, ele tinha que dar aqueles passos, que tinham sido preparados há quinhentos anos atrás.

* * *

No final da tarde do dia 28 de outubro de 3.430, Perry Rhodan reuniu-se no bunker do seu quartel-general em Terrânia, com os seus mais estreitos colaboradores.

Os portadores de ativadores celulares já tinham aparecido mais cedo. Eram Reginald Bell, Julian Tifflor, Homer G. Adams e o Professor Dr. Abel Geoffry Waringer.

Rhodan olhou, por muito tempo, para o marido de sua filha, Suzan Betty Rhodan-Waringer, falecida há muito tempo atrás. Suzan fora assassinada, ao lado de sua mãe, Mory Rhodan-Abro, durante o Levante dos Pantheras, no ano 2.931. Isso fora há cerca de quinhentos anos. O ano em que começara a crise que agora se aproximava do seu ponto culminante.

Naquela ocasião as colônias e os sistemas autárquicos aliados tinham se separado da Terra. Plophos também estava entre estes. Mory, como presidente regente, não pudera evitar que os Pantheras plosofenses usurpassem o poder.

Quase ao mesmo tempo houvera a Second-Genesis-Crise entre os mutantes. Tinham sido anos de terror. Nem mesmo Gucky conseguira impedir que o crime contra mãe e filha fosse cometido. Ele hoje portava o ativador celular que pertencera à esposa de Rhodan.

Perry viu as imagens do terror destes tempos erguer-se na sua imaginação. Sempre que se encontrava com Waringer, era tomado por estas recordações.

— Como vai, Abel?O cientista apertou, hesitante, a mão de Rhodan.— De acordo com as circunstâncias. Eu não me sinto muito bem na minha pele.— Eu também não — confirmou Rhodan, com um laivo amargo na voz. — Mas já

sabíamos que isso iria acontecer, não é verdade? Quando naquela ocasião os mutantes danificados, de origem japonesa, começaram a reagir negativamente aos impulsos dos seus ativadores, você foi o primeiro cientista que profetizou o começo do fim. E agora este fim se aproxima de nós. Dependerá de você e do seu time de cientistas, se nosso plano de quinhentos anos terá êxito, ou se nós seremos liquidados.

A sala de conferências já estava cheia. O Marechal-Solar Julian Tifflor, comandante-em-chefe da Frota da base natal, interveio um pouco irritado:

— Não se pode falar de sermos liquidados, Sir. Se a Operação Laurin não tiver o êxito desejado, eu não ficarei olhando para as bocas dos canhões da Coalizão, sem nada

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fazer. Os outros comandantes também não. Quanto a isto, o senhor não deveria ter nenhuma ilusão.

Rhodan olhou longamente para o marechal.— Sim, eu sei. Uma pequena revolta palaciana, não é?— De modo algum, Sir. Eu direi melhor: legítima defesa. Nós dispomos de

cinquenta mil unidades modernas, começando pelos cruzadores-cidade até o ultracouraçado da classe galáctica. Nós temos o canhão transformador, decisivamente melhorado, com alcance de tiro de até quinze milhões de quilômetros e o escudo paratrônico, uma arma defensiva que dificilmente poderá ser penetrada. Nem vamos falar dos propulsores dimetrans para voos de longa distância. Nós somos superiores ao adversário em qualquer respeito. O senhor vai entender, Sir, que os comandantes se negam a ficar olhando, sem nada fazer, enquanto vinte e cinco bilhões de homens livres são massacrados ou escravizados.

— Há várias semanas eu já sei, Julian, que o senhor manteve uma conferência secreta com diversos comandantes. Pergunte ao nosso diligente Galbraith Deighton pelo teor da conversa. Ele a tem gravada em fita.

Tifflor nem sequer virou a cabeça.— Nós calculamos isso. Não se trata de uma derrubada secreta e planejada do

governo, ou seja, do seu governo, Sir, mas apenas de providências acauteladoras, que o Plano Laurin praticamente não levou em consideração. Mais uma vez, Sir, e desta vez com a maior insistência: se o experimento científico falhar, a Frota rebaterá com todos os seus meios. Não podemos permitir a destruição do Sistema Solar, por um bando de ditadores criminosos.

— Neste caso teremos a guerra, Tif!— Exatamente, Sir. Que, em caso de necessidade, teremos que travar. Minha nave-

-capitânia enfrentará as sete naves de combate, do Imperador Dabrifa. O senhor pode ter certeza de que estes senhores nem sequer chegarão a disparar os seus tiros concentrados sobre nós.

Cerca de trezentos homens, membros do governo e oficiais da frota, seguraram a respiração.

Rhodan olhou tranquilamente em volta.— Estão vendo, meus senhores, esta franqueza é um dos motivos por que Julian

Tifflor é Marechal-Solar há vários séculos. Eu o compreendo inteiramente, Tifflor. Se Laurin falhar, o senhor receberá outras ordens. Eu estou convencido que ninguém entre vocês será obrigado a disparar sobre os descendentes de nossos emigrantes galácticos. Mais uma coisa, Tif: eu não levo a mal sua conferência secreta. Seu planejamento de defesa para o caso dos casos é excelente.

Tifflor olhou para o Administrador-Geral um pouco confuso. Reginald Bell sorriu discretamente para Tifflor, piscou-lhe o olho e depois seguiu Rhodan.

A conferência final teve início. Rhodan deu as últimas explicações.— O Estado de Emergência solar, de conformidade com o parágrafo cento e nove

da Constituição, entra em vigor no dia 29 de outubro, às doze horas, tempo terrano. Em minha qualidade de Administrador-Geral e baseado nos plenos poderes constituintes como chefe do governo, eu assumo toda a responsabilidade. Os membros do Conselho de Controle estão presentes. Os senhores estão de acordo com a decretação do Estado de Emergência? Os senhores discutiram sobre minhas intenções, que lhes foram comunicadas previamente?

Homer G. Adams, Primeiro Senador-de-Finanças do Império Solar, pediu a palavra.

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— A votação foi efetuada. Nós votamos totalmente pelo anúncio do Estado de Emergência. Também chegamos totalmente à conclusão de que não temos mais outra escolha. Esperamos, entretanto, que a defesa contra a ofensiva por vir não precise ser feita pela força das armas.

— Agradeço-lhe, Mr. Adams. O Primeiro Senso-Mecânico do Império, Marechal-Solar Galbraith Deighton, precisa explicar-lhes algumas coisas.

O chefe da Contra-Espionagem terrana levantou-se. Uma grande tela de vídeo foi ligada. As cenas eram desconhecidas à grande maioria dos homens presentes. Tratava-se de tomadas de um filme, que haviam sido rodadas nas perfurações submarinas na Vala de Tonga.

Deighton explicou a história prévia. Depois veio ao que queria dizer.— A ausência do chefe do governo obrigou-me a agir por conta própria. Eu ainda

acredito que, com isso, contribuiu decisivamente para a Operação Laurin. Se o adversário, no decorrer do seu ataque, topar com o nada, certamente vai perguntar-se pelas causas disso. O que eu pretendo é oferecer-lhe uma explicação mais ou menos plausível. E isto eu consegui.

A sequência de imagens mudou. Dois homens em trajes de proteção apareceram. Um deles filmava com uma microcâmera.

— Os senhores estão vendo dois agentes do Império Dabrifa. Eu os deixei agir. Eles estão observando o salvamento dos aparelhos exóticos e o salvamento do neandertalense. A contra-espionagem em seguida cuidou de difundir informações secretas fingidas. As mesmas foram passadas adiante pelos agentes. Com isso podemos oferecer que os cientistas terranos suspeitam que invasores de origem não-humana e ainda desconhecidos até então, fossem responsáveis pelos acontecimentos. Mais tarde deixei passar pseudo-notícias. Pelas quais se podia suspeitar que nós temíamos uma ofensiva vinda do passado. A mesma deveria acontecer na forma de uma erupção hiperenergética de grande violência.

Lorde Zwiebus, o neandertalense, apareceu na tela. Ele estava repousando num leito especial. Projetores-sensores estavam dirigidos para a sua cabeça. Cientistas estavam parados em volta de aparelhos de medição.

— Os senhores estão vendo o interrogatório, indolor, do conteúdo consciente e inconsciente da memória, em base paramecânica. Todas as vivências são reproduzidas num psicofilme. Uma nova paisagem apareceu. As vagas de um grande mar batiam contra altos escolhos. Zwiebus e outros membros de sua tribo estavam envolvidos numa terrível luta defensiva contra criaturas que pareciam homens pré-históricos. Os mesmos estavam armados, possuindo já lanças, bem como arcos e flechas. Machados de pedra estavam dependurados em cinturões de couro. Zwiebus fugiu com outros de sua tribo. A imagem mudou. Modernas edificações apareceram. Aparelhos voadores de construção estranha pousavam em pistas extensas. Criaturas parecidas com seres humanos em trajes de proteção tinham capturado Zwiebus. Os seus rostos estavam ocultos atrás de capacetes. De vez em quando havia muita neblina. Zwiebus jamais vira os estranhos muito bem. Eles não estavam tão completamente ancorados na sua memória quanto os homens primitivos, que tinham ajudado os estranhos.

Zwiebus foi levado através de um poço para as profundezas da Terra. Apareceram laboratórios. Também aqui as formas esmaecidas apareceram outra vez, com maior eminência. O homem primitivo não pudera entender os aparelhos e as máquinas. Ele entrou num recinto. Um outro neandertalense estava deitado sobre uma mesa, afivelado.

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O rosto contraído pela dor foi representado no filme-espectro nitidamente. Isto Zwiebus guardara como uma impressão especial.

As últimas cenas mostravam uma tentativa de fuga. Zwiebus abateu dois homens primitivos. E correu através de corredores e pavilhões. Finalmente chegou diante de uma grande sala de aço. Estranhos em trajes de proteção estavam parados diante dele. Zwiebus atacou-os, procurando refúgio na câmara aberta, onde finalmente acabou incapaz de se movimentar, atingido por tiros de choque.

O filme-memória terminou com uma discussão entre os estranhos. Zwiebus estava deitado numa mesa estreita. Por cima dele girava uma esfera brilhante. Robôs estavam aplicando injeções.

Os estranhos deixaram a câmara. A tela escureceu. O filme terminara.Deighton tomou a palavra novamente.— Uma cópia desse filme-espectral foi propositadamente passado aos agentes de

Dabrifa. Ele prova que criaturas inteligentes, semelhantes ao homem, há duzentos milhões de anos atrás visitaram a Terra, ou melhor, o continente da Lemúria. Nossos cientistas especializados, entretanto estão inquietos. Querem que se descubra o mais rapidamente possível o que os estranhos visavam com os seus experimentos e se existe perigo para a Terra. Um dos aparelhos capturados irradia constantemente em hiperfrequências muito curtas. Um aparelho de recepção ou um usuário, não pode ser encontrado. Ao enigma acrescenta-se ainda o reator de alta capacidade, que pouco antes das perfurações entrou em funcionamento roboticamente. Estes disparates nós passamos ao serviço secreto de Dabrifa. Por lá já devem estar suspeitando das coisas mais esquisitas. Portanto, se a Operação Laurin correr de conformidade com os planos, em Nosmo poderão achar com boas razões que... digamos, um empreendimento de longo tempo se cumpriu. Deste modo será possível ocultar os verdadeiros acontecimentos, até acharmos conveniente revelá-los. Quando será isso, eu não preciso decidir. Muito obrigado, meus senhores.

A conferência durou até as primeiras horas da manhã. As últimas providências foram tomadas.

Rhodan terminou com as seguintes palavras: — Os senhores poderão encontrar-me, a partir das doze horas de hoje, a qualquer

momento, na Central Principal de Comando de Mercúrio. A execução das últimas comutações do sistema nos planetas, luas e estações exteriores especializadas é efetuada por pessoal técnico, juramentado, do grupo do Professor Waringer. O próprio Waringer dirige a ação primária em Mercúrio. A Humanidade Solar ficará sabendo, o mais tardar ao surgimento das primeiras flotilhas da coligação anti-terrana, o que construímos, com um trabalho penoso de mais de quinhentos anos, em Mercúrio e outros oito planetas, no mais absoluto segredo. Os custos foram imensos. Um enigma de quinhentos anos agora encontrará a sua solução. E agora, por favor, voltem para suas posições. Os dez cavalheiros do Conselho de Controle do Estado de Emergência, por favor me acompanhem para a central de comutação em Mercúrio. Isso é tudo.

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9

Waringer olhou o relógio. Eram três horas da madrugada, do dia 30 de outubro do ano 3.430.

Para os comandantes da frota da Coalizão Antiterrana tinha chegado o dia-X, para o Professor Waringer o dia-Laurin.

Waringer estava parado, com o seu traje de proteção blindado, a algumas centenas de metros além do limite da sombra, à luz ardente do Sol. Aqui, tão próximo da zona de libração, no polo norte do planeta Mercúrio, reinava um calor forte de vinte e oito graus centígrados.

Mercúrio girava unilateralmente. Durante uma órbita em volta do Sol ele girava apenas uma vez em torno do seu eixo polar. Deste modo ele voltava ao astro-mãe do Sistema Solar sempre a mesma face.

Waringer ficou escutando o zunido da mochila energética. Ele teve que pensar involuntariamente nos pequenos engenheiros de Siga, capazes de construírem micro- -reatores de tão grande eficiência.

Depois ele olhou novamente, através da viseira escurecida do seu capacete, para o Sol, no alto. Visto de Mercúrio, ele era um forno atômico em chamas, que impetuosamente lançava massas gasosas e uma energia radioativa para o espaço, que preservariam a vida e esquentariam os nove planetas durante muitos milhões de anos ainda.

— Assim espero! — disse Waringer, para si mesmo. No rádio do seu capacete houve um ruído.— O senhor chamou, Professor?Waringer assustou-se, no seu sonho acordado.— Não, obrigado. Homens idosos às vezes falam sozinhos. O senhor pode ver o

Sol?— Somente a corona, acima do círculo polar.— Ele é bonito. Fantasticamente bonito, de roubar a respiração. Entretanto ele é só

um astro pequeno, que entre os gigantes azuis e vermelhos da galáxia representa apenas tanto quanto um maçarico atômico na Terra. Com isso quero dizer sua emanação energética.

— Eu compreendo, Professor.— Espero que o compreenda na sua inteira consequência. O que pretendemos fazer

certamente vai abalar um pouco o nosso velho pai-Sol. Ele não adoecerá por isso, mas certamente ficará espantado. Porém vamos acabar com isso. Já chegaram novos comunicados?

— Sim. As formações da Liga Carsuálica de repente desapareceram de suas posições de concentração. Carsual comunica publicamente, através das pontes de rádio, que as manobras perto do Eastside estariam terminadas. Também as unidades de Dabrifa não estão mais por lá.

— Quer dizer que eles o ousarão mesmo! Será que essa gente ficou louca? O que é que os incomoda na Terra e na Humanidade Solar? Será que nós os perturbamos de alguma maneira? Nós os tutelamos? Nós os ameaçamos com repressão?

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No alto-falante do capacete de Waringer soou uma outra voz. Rhodan entrara na conversa.

— Estas perguntas eu já me faço há algumas centenas de anos, Abel. Você conhece o velhíssimo provérbio terrano: “Quanto mais se tem, mais se quer”?

— Não. Mas o mesmo parece ser sintomático.— Você é um homem esperto, Abel. Aliás, eu nem sei por que, naqueles tempos eu

não queria você para genro.Waringer riu baixinho. O riso soou melancólico.— Eu era desajeitado, dependente, constantemente encabulado e era seco como um

poste de luz. Quando aparece um tipo desses com ideias que radicalmente derrubam os conhecimentos científicos existentes, temos que ver o mesmo como maluco, ou pelo menos como sonhador. Foi isso que você fez.

— Sinto muito. O Sol tem as melhores intenções, jovem. Atlan quer falar com você.— Como, ele veio, assim mesmo?— Não, ele está parado, um pouco além da órbita de Plutão. O rastreamento da

Imperator já está recebendo alguma coisa. As primeiras formações de nossos amigos estão surgindo.

Waringer caminhou devagar e pesadamente para as edificações gigantescas, que se estendiam por uma grande parte do polo de Mercúrio.

Ele alcançou a zona do crepúsculo com suas sombras duras. Mercúrio não tinha nenhuma atmosfera. Na realidade ele era o planeta mais inconfortável da família de satélites do Sol. Terranos que gostavam de experimentos preferiam ter que tratar com os planetas de gelo do tipo de Plutão.

Waringer parou. Os edifícios eram bem baixos, encravados no deserto de pedras soltas. As instalações principais ficavam bem no fundo, muito abaixo da superfície.

A Humanidade solar há mais de quinhentos anos tentava adivinhar para que fins estas instalações tinham sido construídas. Mais interessados eram os grupos de poder extra-solares. Eles tinham tentado de tudo para descobrir por que Rhodan gastara bilhões de solares, para criar edificações, justamente em Mercúrio, um planeta inóspito, mas que apesar disso possuíam a extensão dos maiores complexos industriais terranos. Era possível andar-se durante horas sem atingir o seu fim.

Especialmente as altas torres tinham causado perplexidade. As mesmas ficavam muito para fora da zona construída. Para que fins teriam sido erguidas?

O chefe da Contra-Espionagem Allan D. Mercant, que caíra na Segunda Crise-Gênesis, tinha sabido acalmar as mentes curiosas, de modo magistral. O seu sucessor, Galbraith Deighton, ainda colocara boatos mais fantásticos em movimento.

Finalmente, entretanto, trinta anos depois do começo das construções em Mercúrio, tinham aparecido construções semelhantes em todos os outros planetas e luas.

Também ali construções enigmáticas tinham subido aos céus, ou então tinham sido embutidas sob a superfície. Não era mais segredo que Geoffry Abel Waringer, o genial hiperfísico e o seu time de duzentos mil homens e mulheres, estavam encarregados dos trabalhos.

Somente poucas criaturas humanas jamais tinham ficado sabendo o que eles realmente projetavam, construíam e finalmente transformavam em realidade. Certa vez, durante uma conferência com a imprensa intergaláctica, Waringer deixara escapar uma afirmação, que ainda foi ridicularizada durante décadas.

Ele afirmara que o carrinho de mão de um jardineiro afinal de contas não sabia por que tinha que transportar terra suja em vez de diamantes.

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Depois, entretanto, logo após o começo das construções na Terra, em Marte, Júpiter e Saturno, o Professor Arno Kalup sofreu um acidente mortal, durante um experimento com o conversor paratrônico.

O novo chefe da Contra-Espionagem tinha tomado este acontecimento como saída para lentamente deixar filtrar o que queria. Que Waringer tencionava usar o modelo dos já históricos Policiais do Tempo, e envolver todo o sistema solar num escudo paratrônico impenetrável.

Este fora uma informação que foi aceita como autêntica.E agora os trabalhos já tinham chegado ao fim, há muito tempo. As comutações

poderiam ser ativadas, a qualquer tempo, por um especialista.Waringer continuou o seu caminho. Com um elevador mecânico ele desceu às

profundezas do labirinto, e pouco depois entrou na estação de rádio.A mesma era bem maior e com maior capacidade de transmissão que a de um

ultracouraçado. Rhodan estava sentado diante de uma das muitas telas de imagens.Waringer deixou que o ajudassem a tirar o traje de proteção blindado e fez um

aceno para Atlan, que podia ser visto na tela.— Olá, Abel. Como vai? — veio a voz do arcônida. — Não fique franzindo a testa,

tão preocupado. O meu feixe direcional está enfeixado mais que um laser. O rastreamento, aliás, está indicando que não se aproxima nenhum corpo estranho. Eu trago comigo as últimas notícias. Elas vêm de Nosmo.

— Nesse caso estou curioso — retrucou Waringer, nervoso. — Espero que essa gente tenha ficado sensata. Nossas manobras com a Frota devem tê-los feito pensar. Ou o homem de hoje já chegou a um ponto em que não mais entende avisos?

Atlan deu uma risada seca.— Entender, entende. Mas, atendê-los é muito diferente. Por isso Dabrifa decidiu-se

pelo ataque, porque há algum tempo possui o aparelho FpF desenvolvido pelo senhor, com o qual há cerca de mil anos conseguiu atravessar os escudos paratrônicos dos condicionados em segundo grau, a tiros. O que é que me diz disso?

Waringer perdeu a respiração. Estava com os olhos muito abertos.— O quê?...— Sim, o seu belo aparelho FpF. Dabrifa está convencido de que com o mesmo

conseguirá atravessar os escudos de proteção paratrônicos das astronaves terranas.— Que loucura! Nós melhoramos, em mais de cem vezes, o emissor de raios de

contracampo paratrônicos dos ulebs. Uma carga transformadora de frequência modulada é desviada ao hiperespaço, como se nada tivesse acontecido.

— Isso o senhor sabe, mas não Dabrifa. Além disso, ele supõe que as suas estranhas construções nos planetas solares também podem ser eliminadas com o seu aparelho FpF. Os seus cientistas melhoraram o modulador consideravelmente.

— Nenhuma melhora vai adiantar contra uma comutação de contracampo.— Seja como for, Professor, eles estão certos de ter encontrado a hora exata. Eu vou

ficar fora do Sistema Solar. Boa sorte. Em poucas horas as naves especiais do chamado “Comando de Caça” sairá do hiperespaço, materializando exatamente por cima dos planetas. Eles pretendem trabalhar com emissores emocionais, que paralisam a força de vontade, para logo em seguida pousar, assegurar seus segredos técnicos e em seguida iniciar o ataque em grande escala. Caso os comandos toparem com uma vontade mais forte do que imaginada, a ofensiva terá início imediatamente. O plano é bom, até mesmo excepcional. Ele teria todas as perspectivas de sucesso, se não estivéssemos preparados. Dabrifa mandou construir espaçonaves com propulsores de transição, já de há muito

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obsoletos. Com estas, em determinadas circunstâncias, ele poderá aparecer bem no meio do centro do Sistema Solar, evitando mesmo o voo linear, surgindo como que por magia. Prestem atenção. É só isso que eu tenho para comunicar, Perry...

Rhodan ficara escutando, imóvel, mas tinha empalidecido um pouco. Ele interrompeu o discurso do Lorde-Almirante.

— Isso quer dizer que, através de nossas atividades de construção e as informações fingidas a respeito de um escudo paratrônico em volta de todo o sistema, cometemos um erro terrível? Isso quer dizer que Dabrifa e os outros detentores do poder se rearmaram com uma pressa febril, somente para poderem atacar e anexar o Sistema Solar ainda antes do suposto escudo paratrônico poder ser erguido? Será que de repente parecemos tão infinitamente poderosos que, na opinião deles, eles não tinham outra solução que a de nos paralisarem, antes de ser tarde demais? Atlan, é assim? Os seus especialistas conseguiram informações, investigando sobre isso?

Rhodan se erguera. Ele estava parado, muito curvado para a frente, diante da tela de imagens. No rosto do arcônida não se mexeu um músculo sequer.

— Sim. Do ponto de vista psicológico, um raciocínio semelhante foi o estopim. Mas eu posso tranquilizar você. Antes de cair em autocensuras, eu devo comunicar-lhe que a ofensiva contra a Terra viria de qualquer jeito. Você simplesmente a acelerou em cerca de dez anos. Se a história com o escudo energético gigante não tivesse sido difundida, Dabrifa teria esperado até que suas novas construções de armas estivessem prontas para entrar em ação. Visto obliquamente, você o obrigou a uma investida precipitada. E isso eu acho que é estrategicamente vantajoso. Dez anos não representam um papel muito especial na história da Humanidade. Chegou o momento da decisão. Tomem cuidado! Pelo menos três mil naves com propulsores de transição deverão entrar em ação. São elas que iniciam a ofensiva. Depois seguirão oitenta mil unidades.

— Oitenta mil?...— Talvez mais até. Os três grandes reinos vão usar tudo que puderem reunir.

Existem até cargueiros com bombas. Banheiras velhas com pilotos automáticos. Os seus alvos são as estações transmissoras. Está chegando a hora, Perry! Laurin terá que vir, ou você acabará tendo mesmo que disparar contra outros homens.

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O Marechal-Solar Julian Tifflor olhou para o cronômetro de bordo. Eram treze horas e trinta e dois minutos do dia 30 de outubro de 3.430. Ele encontrava-se a bordo da nave-capitânia da Frota de Base, o ultracouraçado Lemúria.

As unidades bem adiantadas, pequenos cruzadores da USO, preenchiam a tarefa de rastreamento que lhes fora destinada, totalmente e com muita eficiência. Seus sensores de estrutura não deixavam de captar o menor abalo no Universo normal.

Mesmo assim Tifflor não confiou apenas nas naves de reconhecimento fora do Sistema Solar. Através de uma comutação coletiva ele falou aos comandantes das dez mil naves espaciais que cruzavam entre os planetas.

— Os senhores conhecem as últimas notícias do serviço secreto. A Frota de Coalizão está voando para o sistema. A ofensiva de surpresa, através de comandos de caça com propulsores ultrapassados, será interceptada por nós imediatamente. Isto é válido para o caso de Laurin falhar. O agrupamento B, antes de mais nada, continuará. Caso sejam rastreados hiperchoques, isso significará a descida das três mil naves estranhas. Elas chegarão praticamente com a mesma velocidade com que chegam as mensagens de rádio de nossas naves de reconhecimento. Por isso abram fogo imediatamente em unidades estranhas materializando. Mais uma vez: isso é válido para o caso de uma falha de Laurin. Desligo...

* * *

A Humanidade solar estava metida, há duas horas já, nos bunkers atômicos dos planetas e das luas. Depois da proclamação do Estado de Exceção e do Alerta em Primeiro Grau, não houve mais qualquer hesitação. Rhodan explicara, através da Televisão Solar, as origens para estas medidas. Com isso ele não conseguira nenhum efeito de grande surpresa. Há meses sabia-se que a situação estava tensa.

A Contra-Espionagem entrara em ação no mesmo instante. Algumas centenas de agentes da Coalizão Antiterrana tinham sido presos. Nos anos passados, e mesmo nos últimos meses, estes homens e mulheres puderam trabalhar sem ser incomodados. Naturalmente eles recebiam constantemente informações falsas, fingidas. Galbraith Deighton era de opinião que um perigo conhecido seria mais fácil de ser dominado do que um desconhecido.

Ele tinha certeza de que nenhum dos agentes da Coalizão conseguira escamotear informações para fora do Sistema Solar. Algumas mensagens de rádio haviam imediatamente recebido interferências de supermodulações de estações bem mais fortes, tornando-as ininteligíveis.

O relógio da História mais uma vez parecia estar andando especialmente devagar. Dos cruzadores de reconhecimento chegavam, em curtos intervalos, transmissões direcionadas. Elas eram captadas ou pelas astronaves da Frota de Base ou diretamente pelas grandes estações planetárias, e imediatamente re-transmitidas para a Central de Comutação principal em Mercúrio.

Diante das misteriosas construções nos planetas e nas luas, haviam sido postados robôs de combate e unidades especializadas dos Exércitos de Desembarque Espaciais

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Solares. Cada programa, em seu menor detalhe, programado há centenas de anos, corria de conformidade com este plano.

* * *

O salão era muito grande. Ele ficava a oitocentos metros abaixo da superfície do planeta Mercúrio.

Tratava-se da secreta Central de Comutação principal, através da qual Laurin deveria entrar em ação.

Outros salões, apenas separados da Central de Comutação principal por paredes transparentes de plástico blindado, ligavam-se ao grande recinto. Por toda parte havia cientistas e técnicos sentados diante dos seus aparelhos de controle e unidades de comutação.

O Professor Geoffry Abel Waringer tomara lugar ao lado de Rhodan. Diante deles curvava-se uma tela gigantesca, na qual podia ver-se uma exata projeção do Sistema Solar e todos os seus planetas.

Tratava-se de uma recepção coletiva de algumas milhares de câmeras-robôs estacionadas no espaço, e que irradiavam suas imagens setoriais para o coletor em Mercúrio. A qualquer momento era possível efetuar-se ligações setoriais.

Rhodan ofuscou a imagem total um pouco e trouxe o setor do planeta Júpiter para a tela. Pontinhos verdes mostravam a localização das unidades da Frota estacionadas ali.

— Tifflor está falando sério — declarou Rhodan. — Olhe só para isso! Ele apenas reuniu as unidades mais pesadas e mais modernas da Frota no sistema. As formações que ficaram lá fora, na proteção contra rastreamentos, consistem em grande parte de cruzadores leves e pesados. Caso nosso projeto não der certo, Abel, vamos ter um inferno por aqui. Tifflor e os outros comandantes vão invocar o seu direito de insubordinação e atacarão.

— Direito de insubordinação! — repetiu Waringer, furioso. No seu rosto viam-se manchas vermelhas. — Que direito é esse? Ou eu sou soldado e tenho que fazer o que me foi ordenado, ou...

— Justamente não — interrompeu-o Rhodan. Ele parecia a própria calma. — Eu concedi aos meus colaboradores militares, começando pelo Marechal-Solar até o Técnico-Auxiliar, a liberdade de recusar-se a seguir uma ordem, em casos de coação moral comprovada, estados de medo condicionados psiquicamente e patologicamente, bem como em casos de incapacidade por motivos físicos. E isso aconteceu muito raramente. O motivo mais importante, agora, é empregado por Tifflor e os outros comandantes da Frota. Se eu, como chefe do Governo e Comandante-em-chefe da Frota Espacial, dou ordens que agridem claramente a Humanidade Solar, os comandantes poderão inclusive decidir por demitir-me do meu posto.

— Loucura!— Errado, isso está certo. Afinal de contas, eu poderia ficar maluco, e ordenar que

se atacasse a Terra, por exemplo. Eu de repente poderia meter na minha cabeça tornar-me um ditador, que reinasse sozinho sobre a Terra. As leis da Frota foram muito bem examinadas. Portanto se Laurin falhar, e se eu me recusar, como até agora, a disparar sobre os nossos atacantes, eu serei preterido. Os comandantes da Frota neste caso estarão agindo apenas em benefício da Humanidade Solar. Eles atacarão, seguindo o excelente Plano Tifflor, cercarão o adversário, enviarão caças para o interior das falanges inimigas, e todas as coisas previstas. A Frota reunida dos três reinos estelares com certeza será

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destruída em até noventa e cinco por cento. E agora você poderia perguntar-me por que eu também não levei em consideração um planejamento semelhante.

Waringer olhou para Rhodan, meio de lado.— Aparentemente você é inteligente demais para isso.— Inteligente, como? — Rhodan girou a sua poltrona. — Os psicólogos encontrariam uma resposta melhor. Eu quero dizer que um oficial

espacial dos seus conhecimentos, obrigatoriamente se verá diante da questão, se ele deverá usar um caso claro de defesa para a destruição do seu adversário ou não. Ninguém poderia fazer-lhe uma censura por causa disso, poderia?

— Poderia, eu mesmo.— Esse é outro fator. Você poria a sua Frota em combate, se o Plano Laurin não

existisse?Rhodan silenciou por um momento.— Eu provavelmente não teria outra alternativa.— Ótimo. Então eu acho que deveríamos começar com as ligações e comutações.

Está na hora.— É cedo demais — achou Rhodan. — Eu...Sirenes começaram a uivar. Por cima da mesa de comutações lâmpadas violetas

começaram a piscar. A sua luz anunciava calamidade e grande perigo. Uma voz de robô fez-se ouvir.

— Setor de avaliações da Central de Mercúrio falando. O Caso Laurin está se tornando agudo. O adversário está atacando com a Frota de Ofensiva. As formações acabaram de entrar no espaço linear. Laurin é necessário. Desligo.

As sirenes continuavam uivando. Algumas delas emudeciam com um som desgastante, como os gemidos de criaturas torturadas.

Rhodan se erguera de um salto. Os seus dedos deslizaram por cima das teclas de comutação. Numa das telas apareceu o Marechal-Solar Julian Tifflor.

— Tiff, o que está acontecendo? — gritou Rhodan no microfone do hipertransmissor. — Eu pensei que as formações de caça seriam as primeiras a surgir.

— Nós fomos enganados — declarou Tifflor, agitado. — Provavelmente as naves de reconhecimento de Atlan chegaram com demasiada frequência perto das naves de transição, e foram rastreadas. Disso concluíram que a utilização da vanguarda levaria à sua destruição. Dabrifa está atacando. Sir, eu quero lembrar-lhe minha advertência. Eu vou retirar as unidades para o planeta.

— De modo algum — proibiu Rhodan. A sua voz agora soava tão controlada como esperavam dele numa situação como esta. — O ataque com o grosso pode ser planejado. Querem levar-nos a levantar a guarda planetária. Neste caso, as naves de transição ainda poderiam aparecer. Aliás, este seria o caminho mais esperto. Eu me teria decidido por isso, logo de saída. Chama-se as formações de defesa para duros combates, comprometendo-as, e depois vêm os comandos especiais. O senhor não retira nenhuma nave. Isso está claro, Tifflor?

O Marechal-Solar riu alto.— Ué, de repente o senhor está ficando sensato novamente. Desculpe. Entendido,

Sir. As unidades permanecem onde estão. Devo passar as ordens de alerta para as formações externas?

— O senhor conhece minhas ordens. Somente depois, se Laurin não tiver o êxito desejado.

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— Neste caso, tenho sua concordância? Meu Deus, Sir, não queremos nos revoltar de qualquer maneira. O senhor precisa chefiar a Frota. Afinal não pode ficar vendo nosso Sistema ser destruído.

— O senhor vai receber minhas ordens, certamente ainda em tempo útil. Desligo, Tiff...

Nestes segundos chegou um hiperradiograma. Vinha de um cruzador da USO. O seu texto foi a gota d'água.

“Cruzador-USO Mataro para Gadmi-Mercúrio. Persegui atacantes com sensor de semiespaço. É certa a rota para o sistema. Chegada na velocidade escalada dentro de dez minutos. Interrompi o voo linear para emissão da mensagem, entro novamente na zona intermediária. Assinado Mirulet, Comandante Mataro.”

Rhodan não hesitou mais nem um segundo. Os detentores do poder da Coalizão tinham derrubado o seu primeiro plano de ataque. Talvez até estivessem decididos a desistir da conquista dos segredos terranos, e a dar início ao ataque, antes que isso se tornasse impossível devido a acontecimentos de natureza desconhecida.

Rhodan teve uma visão integral da situação. Ele era um homem que conseguia colocar-se na situação de outro homem, com brilhante clareza de espírito.

Era possível até que o grande planejamento com os chamados comandos de caça tivesse sido apenas uma manobra inteligente para ludibriar os terranos. Esse pensamento não era insensato. Talvez até os especialistas de Atlan tivessem sido guiados conscientemente para fazerem esse tipo de transmissão de informações.

Rhodan de repente viu claro. A reunião maciça da Frota por cima do planeta pretensamente em perigo, enfraquecia a força de defesa das outras unidades. Mesmo assim não se podia tomar o risco de fazer recuar as formações planetárias de Tifflor, fazendo com que elas se atirassem, apressadamente, contra a grande ofensiva. Elas deviam ficar no lugar em que se encontravam. A probabilidade de que três mil naves velozes surgissem repentinamente era bem menor, mas ainda existia.

Rhodan deu as ordens decisivas. O plano de quinhentos anos entrou em execução. Laurin acordou.

Alguém entregou um capacete de rádio para Rhodan. Ele o colocou, ajustou os fones nos ouvidos e ligou a recepção. A Central Principal de Comutação de Mercúrio não podia mais ser reconhecida, de um segundo para o outro.

Em toda parte as máquinas começaram a rumorejar. Um trovão surdo, que tornava impossível qualquer outro entendimento normal, abalou até mesmo os bunkers mais profundos.

Algumas centenas de telas panorâmicas começaram a brilhar. A mais importante delas era a que tinha Rhodan, Waringer e seus mais estreitos colaboradores à sua frente.

Aquela imagem direta, compilada de uma recepção coletiva, mostrava o Sistema Solar, que empalideceu repentinamente.

Um brilho imenso, mais claro que o Sol, espalhou-se. Por entre as torres gigantes do polo norte de Mercúrio deslizou um raio energético de vários quilômetros de diâmetro. Ele era hiperveloz e não era vinculado ao espaço-tempo einsteiniano.

Ele se uniu, em velocidade de pensamento, com o sol do sistema. Este era o momento crítico. Rhodan ouviu robôs falando. Os seus comunicados eram claramente compreensíveis, insensíveis e totalmente pragmáticos.

Bem diferentes soavam as vozes dos homens e mulheres, que transmitiam os resultados de suas medições para Waringer.

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— Sucção hipertrônica em andamento. Oscilações pendulares de reforço de tensão de campo na sua zona externa chegando em valores normativos. Matéria e energia liberada é desviada. Os transformadores hipertrônicos recebem valor verde do automático. Fluxo energético começa. Atenção: o sugador hipertrônico está indicando “normal”! O fluxo energético se inicia!

Waringer virou a cabeça. Rhodan olhou aquele rosto tenso no qual apenas os olhos pareciam estar vivos.

Outras telas mostravam os planetas, luas e estações exteriores. Estas ficavam nas profundezas do espaço.

Os mestre-comutadores dos objetos celestes solares podiam ser vistos nas telas de imagens. Mais uma vez eles passavam os resultados das medições de suas estações, apesar de já terem sido transmitidos há muito tempo pelos diversos computadores positrônicos, já tendo sido captados pelo computador-robô em Mercúrio.

— Central de Comutação Júpiter. Nossos blocos de recepção agora estão funcionando sem problemas. O conversor unidirecional antitemporal reage. Ondas de choque energéticas estão chegando. O que está acontecendo com o seu metamorfoseador temporal principal? Atenção, informo que contatos de choque estão diminuindo, o fluxo energético está ficando uniforme. Muito bem assim, Mercúrio, estamos recebendo de vocês total tensão normal em hiperplano. Desligo...

Centenas dessas comunicações chegavam a Mercúrio. Waringer mal ouvia as mesmas. Ele estava com os olhos fixos numa tela especial redonda, na qual os acontecimentos podiam ser vistos em desenhos energéticos de relevo.

Plutão ainda não recebia total tensão temporal. As luas Ganimedes-Júpiter e Oberon-Urano entraram em curto. Não estavam sendo alimentadas.

Waringer fez uma comutação com a velocidade do raio. O fluxo energético para Júpiter e Urano foi avariado.

O próprio Mercúrio mais parecia um planeta em explosão. O hemisfério eternamente no escuro foi envolto numa claridade brilhante.

Vinte e quatro segundos depois da estabilização dos suga-dores hipertrônicos a ligação paramista com os planetas e luas fora erguida.

O metamorfoseador temporal principal de Mercúrio recolheu a energia que foi sugada diretamente do Sol. O campo de marés antitemporal foi criado. Laurin estava em marcha.

Lentamente o trovejar diminuiu um pouco. Também os abalos do chão diminuíram. Na tela especial de Waringer destacou-se, em contornos ainda imprecisos, uma figura que parecia consistir de bilhões de linhas energéticas. A mesma estabilizou-se com uma velocidade de tirar o fôlego, transformando-se numa esfera côncava, dentro da qual pairavam os planetas do Sistema Solar. Também o Sol foi envolto por este campo.

As últimas mensagens foram recebidas. Waringer olhou novamente para Rhodan. O Administrador-Geral segurava firme uma alavanca de ligação, do comprimento de um braço. A mesma terminava num aparelho pintado de vermelho envernizado.

— O futuro está esperando, Perry! — disse Waringer, surpreendentemente calmo.Rhodan puxou a alavanca de comutação para baixo. Um golpe violento jogou-o no

chão. Mercúrio parecia querer arrebentar pela segunda vez.As telas de imagens empalideceram. Somente se ouvia ainda um trovejar

monstruoso. Quando este diminuiu e o tom normal de trabalho pôde ser ouvido novamente, Rhodan levantou-se.

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Nas telas podia ver-se uma luminosidade avermelhada. As bilhões de estrelas da Via-Láctea tinham desaparecido. O campo da maré antitemporal, um progresso no desenvolvimento do campo de tempo, que há mil anos tinha protegido as feras da M-87, tinha sido criado.

O mesmo tinha deslocado o Sol, com todos os seus satélites, em cinco minutos para o futuro. A Frota de Base de Tifflor, que se encontrara dentro do campo-MAT, tinha sido levada também.

O Sistema Solar e vinte e cinco bilhões de pessoas tinham sido desviados de uma frota gigantesca, que somente poucos instantes depois surgiu de dentro do espaço linear.

Os artilheiros da frota, entretanto, não encontraram mais o seu alvo pretendido. Ali, onde ainda há instantes se encontravam o Sol, o planeta Terra e oito grandes mundos, não havia mais nada.

Parecia que o Sistema Solar jamais tinha existido.

* * *

Somente poucos instantes mais tarde — eram exatamente 5,03 segundos — aconteceu uma desgraça. Que não fora planejada deste modo, nem por Rhodan nem por Galbraith Deighton.

O Sistema Solar tinha sido equipado, já há cerca de mil anos, contra ataques repentinos vindos do espaço, com sessenta mil fortes robôs. Estas plataformas voadoras armadas tinham sido chamadas de “Estações Transmiform”.

No Dia-X elas já estavam antiquadas há séculos. Seus canhões transformadores tinham calibres pequenos demais, e alcance de tiro muito pequeno. O telecomando a partir dos planetas tinha se demonstrado muito moroso, e ainda havia muitas outras coisas para censurar. Além disso, elas tinham se demonstrado um perigo para a astronáutica. Já tinha havido pelo menos duas colisões.

As Estações Transmiform já estavam inscritas na lista do que devia ser transformado em sucata. Então, entretanto, foram incluídas no Plano Laurin.

Projetos de campo de proteção contra a influência do campo de maré antitemporal tinham sido instalados. As velhas estações não deviam acompanhar o salto para o futuro, mas permanecer no espaço normal, explodindo, e simular uma catástrofe natural. Rhodan não queria facilitar demais ao adversário a decifração do enigma do que acontecera. Os sessenta mil fortes armados, além do mais, tinham sido equipados com grandes quantidades de armamentos da Frota Solar. Eram depósitos de armas já prontas para a sucata, mas ainda podiam funcionar.

Cada estação tinha sido equipada com mil bombas de fusão, em média, de um desenvolvimento de energia entre dois mil e quatro mil gigatoneladas de TNT.

No total tratava-se de sessenta milhões de bombas, cuja explosão fora telecomandada no instante em que o Sistema Solar desaparecia em cinco minutos no futuro, com a criação do campo de maré antitemporal.

Para trás ficaram sessenta mil velhas plataformas.Elas explodiram no instante em que as três mil naves de transição do comando de

caça materializaram ali, onde ainda há pouco orbitavam os planetas. As unidades especiais, afinal de contas, ainda tinham sido usadas.

Sessenta milhões de bombas, mesmo se liberassem em média duas e meias gigatoneladas, não podiam absolutamente simular a explosão do Sol. Acreditar nisso seria uma tolice.

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O desenvolvimento energético, entretanto, fora tão forte que as três mil naves espaciais foram atingidas por uma torrente de energia atômica.

As bolas de fogo isoladas reuniram-se nas suas áreas externas e formaram um círculo chamejante com inúmeras saliências globulares. Visto de grande distância, a gigantesca explosão parecia a da repentina aparição de uma galáxia menor em forma de disco.

Somente poucas naves de transição escaparam da desgraça. As unidades transmiform tinham sido estacionadas especialmente nas proximidades de planetas em perigo.

Entretanto, aconteceu ainda mais uma coisa! Perto do Sol tinha estado uma astronave grande, já descartada. Antigamente fora usada para experiências com novos conversores paratrônicos.

A utilização desse cargueiro correspondia ao planejamento de Deighton. A explosão das estações transmiform já fora planejada desde centenas de anos atrás. A detonação dos velhos conversores paratrônicos tinham sido planejados pelo chefe da Contra- -Espionagem.

O fim deste empreendimento era o de simular uma catástrofe hiperfísica, que podia ser avaliada.

A nave experimental reagiu junto com as estações transmiform. Os escudos defensivos paratrônicos, que tinham sido erguidos antes, entraram em sobrecarga. Os conversores detonaram. Como consequência disso, ocorreu ali, onde o Sol ainda há pouco estivera visível, uma típica ruptura estrutural.

Uma coluna de chamas hiperenergéticas cindiu o Universo normal. As bordas dentadas de um setor imaginário do espaço revelavam que se tratara de uma formidável frente de choque.

Todas estas coisas ocorreram no mesmo segundo. O espaço estava em chamas. O Sistema Solar tinha desaparecido.

* * *

O Imperador Dabrifa, a quem não se podia negar coragem pessoal, encontrava-se a bordo da nave-capitânia de sua frota.

Ele não voava nas linhas dianteiras, mas de qualquer modo estava participando. Os três ertrusianos do Triunvirato Carsuálico tinham se negado a participar no empreendimento. Os calafates da União Central da Galáctica também se recusaram.

Dabrifa assumira o comando supremo. E agora, repentinamente, ele via nas suas telas de imagens um caos atômico, do qual só pudera escapar a muito custo.

A frota gigante, que viera voando com metade da velocidade da luz, mudou de rumo. Algumas das naves não conseguiram mais desviar-se das estações transmiform perto da órbita de Plutão. E voaram para dentro de sua perdição.

O Imperador, cujo rosto ficara muito pálido, voltou-se para os seus conselheiros, porém os mesmos estavam perplexos.

Somente o comandante ertrusiano da nave-capitânia manteve o seu controle.— O ataque dispensa explicações, Majestade. Posso lembrar-lhe a mensagem de

agentes referente a perfuração em busca de uma cidade submarina? Cientistas terranos tinham suas dúvidas. Falou-se de uma arma de longo prazo, de criaturas inteligentes desconhecidas. Eu não sou nenhum hiperfísico, mas gostaria de recomendar a Vossa Majestade que mande examinar este assunto. Este fenômeno, parecido com uma

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mangueira... — O comandante apontou para as telas panorâmicas. — Esse fenômeno sem dúvida alguma é idêntico a um colapso total de um campo hiperenergético.

Dabrifa olhou-o, completamente transtornado. Ele caminhou até junto da galeria panorâmica, e segurou-se num quadro de comutações.

— O Sistema Solar, onde é que ficou o Sistema Solar? Onde está a Terra?— O Sistema não existe mais, Majestade — explicou um cientista.— Eu não acredito nisso — disse o ditador. Ele respirava com dificuldade. — O

senhor não conhece Perry Rhodan! Eu provei durante algumas centenas de anos de sua tática diabólica, de sua enorme audácia, do seu gênio político e da maneira incalculável com que chefiava a sua frota. Ele conquistou a galáxia. Ele a abriu para a Humanidade. Claro, nós não concordávamos mais com ele. Eu não permito nenhum poderoso junto de mim. Eu me pergunto por que, nestes últimos séculos, ele se tornou tão tolerante. Meus senhores, se este homem algum dia surgir novamente, aconselho-os a se retirarem para as mais escuras profundezas da galáxia. Então, naturalmente, ele não estará mais tão tolerante. Verifiquem o que aconteceu com o Sistema Solar. Eu exijo que me dêem informações, no máximo dentro de quatro horas. A frota vai parar as suas naves, e ficará em posição de espera.

— Sua Majestade, é possível que haja sobreviventes entre os comandos de caça — interveio o comandante da nave-capitânia, um pouco ousadamente.

Mas só conseguiu um olhar pouco cordial.— O senhor está entendendo mal a situação, senhor comandante! Eu não quero

perder mais outras naves. Se alguém conseguiu escapar das unidades que explodiram, o que eu duvido, certamente desapareceu nesse inferno. Vamos iniciar a busca logo que os sóis artificiais se apagarem e a radiação secundária se afastar.

O Imperador Dabrifa saiu da central de comando de sua nave-capitânia. Que se parecia com os ultragigantes da classe galáxia terrana, mas apenas exteriormente.

Os oficiais superiores olharam em silêncio atrás do homem mais poderoso da Coalizão. Houve pigarros, e depois passou-se à ordem-do-dia. Críticas eram muito perigosas.

* * *

Os homens e mulheres que tinham participado de uma mutação temporal nos hemisférios diurnos dos seus mundos, a princípio não notaram nada do brilho e da efervescência vermelho-escura.

Somente aqueles, que depois de abandonarem os seus bunkers protetores, viram por cima deles um céu noturno muito escuro, e se deram conta da falta total de estrelas. Eles viram este brilho vermelho e sabiam que estavam vendo um fenômeno do hiperespaço.

Todas as outras realidades eram normais. O Sol brilhava como sempre, e o vento do outono soprava como sempre. Mensagens de rádio de todos os tipos, saltos por transmissores de planeta para planeta e a astronáutica intersolar não eram afetados de nenhum modo.

A transposição para a chamada Zona Instável tinha transcorrido de modo quase imperceptível. Somente os homens e mulheres era Mercúrio tinham sentido aquilo de modo mais violento.

Na posição cosmonavegatorial do Sistema Solar nada se modificara. Ele estava posicionado, como antes, no mesmo lugar; somente por habitantes do plano de tempo normal ele não mais podia ser visto. Também seria impossível a alguém jamais voltar a

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ver o Sistema Solar a não ser que o mesmo caísse de volta ao tempo normal, ou então se um cientista genial tivesse a ideia de executar o experimento de Waringer ao contrário.

A Zona Instável, no fundo já era um elemento integrante do hiperespaço preposto. O campo de maré anti-temporal, entretanto impedia uma desmaterialização e criava a necessária estabilidade. O Sol servia como fonte de força.

Perry Rhodan estava diante do problema de explicar os processos técnicos do plano de quinhentos anos a vinte e cinco milhões de homens. Além disso ele tinha que prestar contas sobre o fato de não ter enfrentado o ataque, que ficara público através de mensagens dos agentes, e não ter utilizado a Frota Solar, para um contragolpe duro e sem quartel.

A transmissão da Televisão Solar estava em andamento. Rhodan podia ser visto em bilhões de telas de vídeo.

* * *

— ...depois da crise Second-Genesis e a deserção das antigas colônias, tivemos a certeza de que os descendentes dos antigos emigrantes queriam seguir seus próprios caminhos. Eu lhes concedi a completa soberania, apesar de já haver indícios de ditaduras que se formariam, lá pelo ano de 2.931. Conforme já sabem através da História da Humanidade, nós conseguimos, no ano 2.437, capturar os segredos técnicos dos condicionados em segundo grau, portando da chamada Primeira Potência de Vibrações. Entre estes também havia documentos sobre um gerador de tempo baseado em conversores paratrônicos.

Aos meus colaboradores e a mim mesmo ficou claro que algum dia estaríamos defrontando adversários que também eram de descendência humana. Nada nesta galáxia é mais perigoso, mais duro e mais progressista do que o indivíduo homem. Formaram-se os três reinos estelares. Nós poderíamos ter reprimido este acontecimento pela força das armas. Entretanto não teríamos ganho amigos com isso. Os combates teriam sido terríveis e teriam se estendido por séculos. Por isso eu desisti de uma manutenção da ordem acostumada pela força, tomando para mim um exemplo da primeira fase da História da Humanidade. Povos que buscam a liberdade somente podem ser dominados por algum tempo. Através de discussões anteriores, os senhores conhecem minhas razões. As mesmas foram honradas pelo grande número de votos que recebi.

Rhodan interrompeu o seu discurso, para dar lugar a inserções no filme. Mostrou-se a criação da Central Principal em Mercúrio. Um locutor descrevia o que se passava.

— O campo de maré anti-temporal, desenvolvido pelo time de Waringer, baseia a sua alimentação energética num raio direcional hiperveloz, chamado de Sorvedor Hipertrônico. A energia retirada do Sol é recebida pelo Transformador Principal de Marés em Mercúrio, transformado em unidades de vibrações hiperenergéticas e passando-as adiante, através de uma ligação paracombinada, com velocidade ultra-luz, para as estações planetárias.

Estas estações de força podem ser comparadas com projetores de grande escala. São chamadas de Conversores Unidirecionais Anti-temporais.

Eles criam o campo MAT, que em consequência de sua estrutura consegue suprimir o nível do plano de tempo normal e criar um plano de existência neutro, que entretanto existe temporalmente cinco minutos para dentro do futuro. O local de permanência cosmonavegatorial não se modifica. O Sistema Solar continua parado no mesmo lugar que antes, somente não pode mais ser avistado, rastreado ou atacado por habitantes do

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tempo real. Corpos que se encontram na zona de instabilidade do Campo-MAT não existem mais para o tempo real.

Rhodan ficou escutando as palavras do locutor. O filme durou duas horas. Ele continha os acontecimentos dos últimos quinhentos anos.

Rhodan esperou até a sua última sequência. Depois tomou novamente a palavra.— O projeto recebeu a designação Laurin como camuflagem. Há algumas semanas

fui informado, por círculos bem orientados, acerca de uma pretensão dos três grandes reinos estelares. Criaram a Coalizão Antiterrana, com o fim de liquidar a Terra, conquistar os planetas e quebrar a influência solar para sempre. Eu fiquei diante do dilema se devia mandar a Frota Solar entrar em ação, ou se devia proceder com o projeto Laurin. Eu escolhi o caminho para o futuro. Um conflito militar com homens que descendem de terranos significaria um banho de sangue sem precedentes. Os comandantes da Frota Solar naturalmente tinham certeza de que poderiam destruir com sucesso oitenta mil naves adversárias, porém as próprias perdas foram calculadas muito por baixo. A Terra teria perdido no mínimo de doze a quinze mil astronaves. Milhões de pessoas teriam que sacrificar suas vidas. Por isso eu transplantei o Sistema Solar para o futuro, na certeza de que os três grandes reinos, depois do desaparecimento do adversário comum, rapidamente se voltarão contra eles mesmos. A minha experiência de quase mil e quinhentos anos ensina que grupos que por natureza são rivais, somente fazem uma aliança quando se trata de bater alguém com forças superiores às suas. Esse fator não existe mais, devido ao nosso desaparecimento. Eles certamente logo terão suas desavenças. A Frota de Coalizão se dispersará. Os sistemas livres conservarão sua soberania, sempre que os seus governos saibam habilmente jogar os detentores do poder dos três grandes reinos, uns contra os outros. Eu não duvido disso.

A Terra entretanto agora se tornará o símbolo inatacável por trás dos acontecimentos. Logo que a situação se estabilize, nossas espaçonaves de comércio novamente reiniciarão seus serviços de transporte.

Provavelmente cabeças inteligentes mais cedo ou mais tarde encontrarão a solução acertada. Reconstituirão os acontecimentos, e chegarão à conclusão de que encontramos um caminho, para podermos agir, na anonimidade do futuro. Isso não nos preocupará. Temos a possibilidade de abandonar, a qualquer tempo, a zona instável, temporalmente adiantada, para procurar o presente através da chamada eclusa temporal. Informações mais precisas sobre isto, os senhores encontrarão nos comentários que se seguem.

Rhodan trocou de lugar com um cientista do time de Waringer. Waringer acenou para o Administrador-Geral e apontou para uma tela de vídeo.

Rhodan aproximou-se. Mais à frente o locutor explicava detalhes técnicos.— Conseguimos — disse Waringer, quase murmurando. — Meu Deus, também

isso conseguimos. A eclusa temporal foi erguida. Não sei como podemos medir a sua largura total nem o seu comprimento. Mas ela se assemelha a um tubo. Os fenômenos hiperfísicos não permitem uma escala de dimensões normais. Porém é certo que podemos voar para dentro do campo temporal. Uma orientação para sabermos a que distância o tempo relativo é deixado para trás, oferecem as diferenciações de cores dentro da eclusa. Vermelho-escuro é nosso tempo estável. Depois seguem-se as cores vermelho-claro, amarelo, verde-claro e em seguida o branco. Com isso o tempo real foi alcançado novamente. O plano de situação foi trocado, através do voo de passagem.

— Salve a teoria — troçou Rhodan, apesar de não ter a intenção. — Uma viagem por etapas a cores, bonito. E se o último, talvez o mais difícil detalhe não der certo, Abel? O que faremos então?

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Waringer apontou para uma outra tela. Na mesma de repente podia ver-se inúmeros clarões de nuvens atômicas que se interligavam.

— A primeira sonda de observação voltou ao tempo real. Estas são imagens do espaço normal. As estações transmiform explodiram suas cargas.

Waringer saiu dali em silêncio. Ele precisava ficar só consigo mesmo e com o seu triunfo científico.

Rhodan ficou parado longamente diante da grande tela de vídeo, que mostrava o mundo exterior. O espaço normal se transformara nisto.

— A nova época começou. Como vai terminar? — raciocinou Rhodan, sem falar a ninguém diretamente. — A mim parece que atravessamos o primeiro círculo do destino. E agora começamos de novo, do começo. Desta vez provavelmente vai ser mais difícil de unir a Humanidade. Mas vamos tentá-lo, vamos tentá-lo sempre. Vale a pena nos esforçarmos pela Humanidade.

Rhodan também afastou-se. Por cima de Mercúrio entretanto erguia-se o raio de sucção hipertrônico. Ele trazia a energia que era necessária para a manutenção do campo de maré antitemporal.

* * ** **

O Projeto Laurin foi coroado de êxito. Os adversários toparam com o vazio, pois o Sistema Solar, que deveria ser atacado, parecia ter sido aniquilado pouco antes numa catástrofe gigantesca.

Porém a aparência enganara. O Império Solar continuava existindo como antes. Os habitantes de uma lua ficam sabendo disso em primeiro lugar, quando eles se preparam para a Partida Para o Espaço...

Partida Para o Espaço — é este o título do próximo número da série Perry Rhodan.

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