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PACTA SUNT SERVANDA e REBUS SIC STANTIBUS Todo o Direito é relativo e dinâmico, e por isto sempre questionável, polêmico. Mas o Direito das Obrigações, e particularmente o Direito dos Contratos, tem estas características ainda mais acentuadas. Porque trata das causas e dos efeitos das relações jurídicas entre as pessoas, que estão em toda parte, e as pessoas, claro, são imprevisíveis. Porque abrange toda a manifestação de vontades, simplesmente a força vital da humanidade, e esta é insaciável. Porque lida com a constituição, a extinção e a modificação de direitos, sem os quais ninguém dá um passo sequer, e não é possível criar, mudar ou findar direito sem esbarrar no emaranhado de interesses e garantias de um sistema que o próprio homem estabeleceu. Conhecer os contratos, é, assim, fundamental. Aqui estão dois temas correlatos: pacta sunt servanda e rebus sic stantibus. Correlatos porque, embora por trilhas antagônicas, levam ao mesmo destino, que é a garantia de um fim juridicamente protegido ou, pelo menos, almejado. O primeiro para preservar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a segurança jurídica de que os instrumentos previstos no nosso ordenamento são confiáveis. O segundo para proteger o bem comum, o equilíbrio contratual, a igualdade entre as partes e a certeza de que o interesse particular não predominará sobre o social.

Pacta SUnt Servanda

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PACTA SUNT SERVANDA eREBUS SIC STANTIBUSTodo o Direito relativo e dinmico, e por isto sempre questionvel, polmico.Mas o Direito das Obrigaes, e particularmente o Direito dos ontratos, temestas caracter!sticas ainda mais acentuadas."orque trata das causas e dos e#eitos das relaes $ur!dicas entre as pessoas,queest%oemtodaparte, eas pessoas, claro, s%oimprevis!veis. "orqueabrangetodaamani#esta%odevontades, simplesmentea#oravital da&umanidade, e esta insacivel. "orque lida com a constitui%o, a e'tin%o e amodi#ica%o de direitos, sem os quais ningum d um passo sequer, e n%o poss!vel criar, mudar ou #indar direito semesbarrar no emaran&ado deinteresses e garantias de um sistema que o pr(prio &omem estabeleceu.on&ecer os contratos, , assim, #undamental.)quiest%o dois temas correlatos*pacta sunt servandae rebus sic stantibus.orrelatos porque, embora por tril&as antag+nicas, levam ao mesmo destino,que a garantia de um #im $uridicamente protegido ou, pelo menos, alme$ado.O primeiro para preservar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e asegurana$ur!dicadequeosinstrumentosprevistosnonossoordenamentos%o con#iveis.O segundo para proteger o bem comum, oequil!briocontratual, a igualdadeentre as partes e a certe,a de que o interesse particular n%o predominar sobreo social.Oprinc!pio da #ora obrigat(ria -pacta sunt servanda. umaregra, cu$ae'ce%o tem merecido cada ve, mais a aten%o do $urista ptrio. /ersa sobre avincula%o das partes ao contrato, como se norma legal #osse, tangenciando aimutabilidade.0 a teoria da imprevis%o -rebus sic statibus. constitui uma e'ce%o, da qual aregra est a merecer mais observa%o do legislador. ontempla a possibilidadede que um pacto se$a alterado, a despeito da obrigatoriedade, sempre que ascircunstnciasqueenvolveramasua#orma%on%o#oremasmesmasnomomento da e'ecu%o, imprevis!vel e inimputavelmente, de modo a pre$udicaruma parte em bene#!cio da outra."ercebe1se que ambos os princ!pios giramemtorno do cumprimento docontrato2 da necessidade de cumpri1lo incondicionalmente ou de,condicionalmente, alter1lo.PACTA SUNT SERVANDAO345TOOs contratos e'istem para serem cumpridos. 4ste brocardo tradu%o livre dolatim pacta sunt servanda. 6 muito mais que um dito $ur!dico, porm. 4ncerraum princ!pio de Direito, no ramo das Obrigaes ontratuais. 6 o princ!pio da#ora obrigat(ria, segundo o qual o contrato #a, lei entre as partes.Di, Orlando 7omes a respeito da #ora obrigat(ria do contrato que, 8celebradoque se$a, com observncia de todos os pressupostos e requisitos necessrios 9sua validade, deve ser e'ecutado pelas partes como se suas clusulas #ossempreceitos legais imperativos.8:egundo Maria ;elena Dini,, tal princ!pio se $usti#ica porque 8o contrato, umave,conclu!dolivremente, incorpora1seaoordenamento$ur!dico, constituindoum a verdadeira norma de direito8.onsoanteestateoria, asclusulascontratuaisdevemsercumpridascomoregrasincondicionais, su$eitandoaspartesdomesmomodoqueasnormaslegais.)obrigatoriedade, todavia, n%o absoluta. ; que se respeitar a lei e,sobretudo, outros princ!pios com os quais o da #ora obrigat(ria coe'iste, comoo da uanto maisse concreti,a estatendncia, maisos resultados v%o surgindo,com o recuo de muitos e a remiss%o de outros, e com uma nova pol!tica derelacionamento que os pe de volta ao patamar da $uste,a."or meio das decises, o "oder 0udicirio vemprestando considervelcontribui%o, contando comcompetentes decises que visamcontrolar aprticaabusivanocontratodeades%o, meiosupressor paraainde#ini%onormativa.) necessidadedarevis%odeclusulascontratuaisdecorredodesequil!brioentre os direitos das partes.4mra,%o da preponderncia de interesses do poder econ+mico sobreinteresses do particular, a parte 8abastada8 rompe a barreira moral da $uste,ano pacto, e com isso vem #erir tambm a disposi%o da =ei sobre os princ!piosde igualdade, agora mais especi#icados em normas de prote%o aoseconomicamente des#avorecidos.Da!, atravs da lei, e sob provoca%o da moral, & a pronta inter#erncia do0udicirio, que vem restabelecer o equil!brio $ur!dico. O (digo de De#esa doonsumidor re#orou a teoria da les%o, impedindo que os abusos continuassemasecamu#larpelapresumidaintangibilidadedavontadecontratual, opactasunt servanda.:empre que & mani#esta despropor%o entre a presta%o e a contrapresta%o,o que se tem uma onerosidade e'cessiva que a lei n%o permite se$asuportada por uma parte em bene#!cio do enriquecimento #cil da outra."or isto & no Direito brasileiro o recurso da revis%o contratual.) lei, a comear pelo (digo de De#esa do onsumidor, est cada ve, maisdirecionada 9 prote%o do equil!brio entre as partes e principalmente 9sgarantias constitucionais -entre as quais o princ!pio da igualdade e a repress%oao abuso econ+mico..Oprinc!pioda#oraobrigat(rianoscontratostem, assim, suarelatividadeconsolidada.Mel&or seria di,er, ent%o, que opacta sunt servandasigni#ique aobrigatoriedade do cumprimento dos contratos desde que observado o Direito-e n%o s( a lei., ou* os contratos e'istem para serem cumpridos, desde que n%ose lese direito de quem quer que se$a.REBUS SIC STANTIBUSO345TO#ebus Sic Stantibuspode ser lido como 8estando as coisas assim8 ou8enquantoascoisasest%oassim8. Derivada#(rmulacontractusui $abenttractum sucessivum et dependentium de #uturo rebus sic stantibus intelli%untur.4sta e'press%o tem origem no Direito an+nico e empregada para designaroprinc!piodaimprevis%o, segundooqual aocorrnciade#atoimprevisto eimprevis!vel posterior 9celebra%odocontratodi#eridooudecumprimentosucessivo implica altera%o nas condies da sua e'ecu%o.)clusula de mesmo nome seria aquela que garantiria a ado%o desteprinc!pio pelos contratantes, o que leva a crer que, &avendo esta op%o comoclusula, seu emprego constitui e'ce%o2 a imutabilidade a regra geral."ode1se di,er que o termo 8teoria da imprevis%o8 relativo 9 condi%o de que,&avendo mudana, a e'ecu%o da obriga%o contratual n%o se$a e'ig!vel nasmesmas condies pactuadas antes da mudana, o que leva a uma ideia dee'igibilidade diversa. ) e'ecu%o da obriga%o continua e'ig!vel, mas n%o nasmesmas condies2 & necessidade de um a$uste no contrato.0 a clusula da imprevis%o -rebus sic stantibus. a instrumentali,a%o destea$uste. 6aestipula%ocontratual ouaaplica%odeumprinc!piodeque,presente a situa%o imprevista, o contrato deve ser a$ustado 9 nova realidade.Disto se tem a revis%o do contrato.O$urista)rnoldoMedeirosdaNonsecaapontaquatroprincipaisrequisitosnecessrios 9 aplica%o da teoria da imprevis%o*a. o di#erimento ou a sucessividade na e'ecu%o do contrato2b. altera%o nas condies circunstanciais ob$etivas em rela%o ao momentoda celebra%o do contrato2c. e'cessivas onerosidade para uma parte contratante e vantagem para outra2d. imprevisibilidade daquela altera%o circunstancial.)crescentamos a estes um quinto, um se'to e um stimo pressupostos*e. oOne'o causalPentre a onerosidade e vantagem e'cessivas e a altera%ocircunstancial ob$etiva2#. a OinimputabilidadeP 9s partes pela mudana circunstancial2g. a Oimprevis%oP da altera%o circunstancial.One'odecausalidadeporqueas(despropor%odemasiadaentre+nuseb+nus das partes, ainda que ten&a &avido mudana circunstancial, n%o$usti#icaria a revis%o contratual se tal contraste n%o #or decorrente da mudana.) inimputabilidade da mudana porque se esta #or imputvela qualquer doscontratantes este responder pelas perdas e danos, en%o ter direito 9revis%o. )mudanacircunstancial deveser e'terna, con$untural, comoasprovocadas pela pr(pria nature,a ou pelas autoridades, ou ainda pelocomportamento macroecon+mico.6 pressuposto do direito 9 revis%o contratuala imprevisibilidade ra,ovel, ouse$a, a impossibilidade de que o #ato se$a ra,oavelmente previsto.Dito isto temos que rebus sic stantibus pode ser de#inida como a clusula quepermite a revis%o das condies do contrato de e'ecu%o di#erida ou sucessivase ocorrer emrela%o ao momento da celebra%o mudana imprevista,ra,oavelmente imprevis!vel e inimputvel 9s partes nas circunstncias em tornoda e'ecu%o do contrato que causem despropor%o e'cessiva na rela%o daspartes, de modo que uma au#ira vantageme'agerada emdetrimento dadesvantagem da outra.Ocorre que este princ!pio n%o pode ser encarado isoladamente, sem que seleve em conta a necessria segurana $ur!dica e, acima de tudo, o princ!pio da#ora obrigat(ria que vimos anteriormente.)lis, pode1sedi,er queestesprinc!pios-pactasunt servandaerebussicstantibus., mais que contrapostos, se completam, porque o alcance de um s(vai at o do outro.)teoria da imprevis%o, por isto, aceitvel como limitadora da #oraobrigat(ria. "ermite a altera%o do contrato sem #erir a autonomia da vontade,porque s( se muda o que n%o est adstrito 9 mani#esta%o volitiva-imprevisibilidade..A CLUSULA COMO PRESSUPOSTO DA REVISO:endoinstrumentodea$ustedoequil!briocontratual, aclusularebussicstantibusse constituipressupostoda revis%o$udicial,como que autori,ando,para o caso, a readapta%o das condies contratadas 9 nova realidade.)revis%o$udicial previstanocasodecumprimentoparcial daobriga%o,quando 8poder o $ui, redu,ir proporcionalmente a pena estipulada para o casode mora, ou de inadimplemento.8O 0udicirio tem por atribui%o a inter#erncia no contrato, independentementedelei correspondente, #aceanecessidadede&armoni,ar ae'ecu%odosneg(cios segundo o #im tencionado com o bem da sociedade.A TEORIA DA IMPREVISO NA JURISPRUDNCIA)$urisprudnciabrasileiratemseposicionadopelaaplica%odateoriadaimprevis%o, desde que respeitados os pressupostos m!nimos.>uando, entretanto, n%osubsistemosrequisitosnecessrios, naturalmenten%o ser a 0ustia arbitrria a ponto de substituir a vontade das partes sem queten&a &avido altera%o circunstancial nos termos da teoria da imprevis%o.)ssimqueo:upremoTribunal Nederal &muitosepronunciousobreaaplica%o darebus sic stantibusno caso da #amigerada in#la%o, com a qualconvivemos at pouco tempo atrs.3%osepoderestringiradiscuss%odateoriadaimprevis%oaos#en+menosin#lacionriosou, maisgenericamente, aosecon+micos, ve,queestess%oapenas parte das possibilidades.ontudo oportuno o debate &o$e, quando atravessamos momentos deinstabilidade econ+mica mundial, da qual o