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Ano VI n o 12 | NOVEMBRO 2021 | ISSN 2525-8230 Pacto Educativo Global: romper fronteiras, criar comunhão

Pacto Educativo Global: romper fronteiras, criar comunhão

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Ano VI no 12 | NOVEMBRO 2021 | ISSN 2525-8230

Pacto Educativo Global: romper fronteiras, criar comunhão

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PACTO EDUCATIVO GLOBAL: ROMPER FRONTEIRAS,

CRIAR COMUNHÃO“Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu

coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando

pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar.”

(Dt 6, 7-8)

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Sumário

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Editorial

ArtigoPovos indígenas no Brasil: Sociodiversidade cultural invisibilizadaEunice Dias de Paula

ArtigoAgroecologia e a racionalidade ambiental: A experiência da agricultura ecológica no nordeste brasileiroZildenice Guedes

ArtigoOs desafios do Pacto Educativo Global para o Ensino SuperiorJosé Antônio Boareto

ArtigoA negra perspectiva da educação: Para além do horizonte da lei 10.639/03Ivan Luiz Monteiro e Marcia Lisete dos Reis

artigoO Pacto Educativo Global e a ecologia integralHumberto Herrera Contreras e Luiz Felipe Lacerda

artigoA subjetividade libertadora construída no chão da realidade: A experiência das casas de Francisco e ClaraEduardo Brasileiro, Gabriela Consolaro Nabozny, Peterson Prates, Pe. Vilson Groh e Cayo L.Z. Pedroso

artigoEducação popular: Reconhecer o povo educador? Educador da educação?Miguel Arroyo

artigoComunidades interculturais de aprendizagem: Uma resposta à crise migratóriaSandra M. S. Cavalcante e Camilla Ayala Felisberto Silva

artigoO Pacto Educativo Global, a ética e a estética em Tolkien: As trilhas da educação que permeiam a jornada do heróiSuzana Schuquel e Rosemari Lorenz Martins

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Relato de ExperiênciaVidas femininas importam - Pacto pela vida: o trabalho com mulheres na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição.Marilde Arenhardt, Rosana Fix e Karina Amancio Rodrigues

Relato de ExperiênciaEmoções em tempo de pandemia na catequese de um colégio da Rede MaristaEduarda da Costa Coelho Galdino

EntrevistaO trabalho em rede fortalece nosso Pacto Educativoentrevista com Maria Ester Galvão de Carvalho

EntrevistaO cuidado com o outro é um dom!entrevista com Rosemere Impéres Lira

EstanteManual “Pacto Educativo Global” na prática!

EstanteDicionário do Pacto Educativo Global

EstantePacto Educativo Global com crianças: atividades para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental

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CONSELHO SUPERIOR Ir. Irani Rupolo - Presidente Prof. Germano Rigacci Júnior - Vice Presidente Ir. Cláudia Chesini - Secretária Dom Joaquim Mol Guimarães Ir. Paulo Fossatti Ir. Iranilson Correira de Lima Pe. José Marinoni Ir. Ivanise Soares da Siva Frei Gilberto Gonçalves Garcia

DIRETORIA NACIONAL Pe. João Batista Gomes Lima - Diretor Presidente Ir. Adair Aparecida Sberga - Diretora 1º Vice-presidente Ir. Natalino Guilherme de Souza - Diretor 2º Vice-presidente Ir. Selma Maria dos Santos - Diretora 1ª Secretária Fr. Mário José Knapik - Diretor 2º Secretário Ir. Marli Araújo da Silva - Diretora 1ª Tesoureira

SECRETARIA EXECUTIVA Guinartt Diniz

SETOR DE ANIMAÇÃO PASTORAL Gregory Rial

EQUIPE EDITORIAL Pe. João Batista Gomes Lima - Editor-chefe Fr. Mário José Knapik - Editor científico Gregory Rial - Editor técnico Ir. Cláudia Chesini - Editora Adjunta Edilaine Vieira Lopes - Editora Assistente

CONSELHO EDITORIAL Ir. Jorge Luiz de Paula Humberto Silvano Herrera Contreras Ir. Cláudia Chesini Antonio Boeing Pe. Denis Dutra Marques Edilaine Vieira Lopes Fabrizio Catenazzi Gregory Rial Jean Michel Alves Damaceno Pe. Marcus Aurélio Alves Mareano Matheus Cedric Godinho Rodinei Balbinot Sérgio Rogério Azevedo Junqueira Thiago Alves Torres Ir. Valéria Andrade Leal

PRODUÇÃO GRÁFICA E EDITORIAL Comunicação ANEC / Verlindo Comunicação

REVISÃO TEXTUAL ANEC

Expediente

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Quando, em setembro de 2019, o Papa Francisco chamou a humanidade para um Pacto Educativo Global, um misto de alegria, arrepio e motivação tomou cada pes-soa de boa vontade e, especialmente, aquelas que estão envolvidas de alguma forma no processo de ensino e aprendizagem. Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco, como educador nato, vem dando destaque para a EDUCAÇÃO. Ele tem interpelado todos os setores eclesiais à conversão pastoral, mas também in-terpela toda a humanidade para juntos - escola, famílias e sociedade - celebrarmos um Pacto Educativo Global.

A partir deste convite especial, ANEC, CRB, CNBB, MEB, ABPEG, dentre outras instituições, vêm protagonizando várias iniciativas de articulação e parcerias. Mes-mo com a pandemia, há uma tentativa de resposta para as perguntas: o que e como fazer para que o Pacto Educativo Global chegue junto aos professores, aos alunos, aos gestores, às lideranças? O que e como fazer para que “as fraturas” de forma vertical, em relação ao transcendente, de maneira horizontal, em relação às pessoas, a vivência da fraternidade e a fratura em relação à Casa Comum, sejam minimizadas ou desapareçam a partir da proposta do Pacto?

Dentre os vários encaminhamentos já realizados, especialmente junto às institui-ções associadas da ANEC, apresentamos aqui o percurso que esta proposta vem realizando, pois, ultrapassando as fronteiras de nossas instituições, propõe-se a dialogar com outros saberes, outros lugares sociais e culturais. Como afirmava Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido (1987), “as pessoas só mudam a socie-dade na medida em que elas discutem as coisas de forma horizontal, em diálogo permanente, com respeito ao conhecimento do outro, a sua história, ao seu pro-cesso de aprendizagem”.

Editorial

Pacto pela educação e pela vida!

Edilaine Vieira Lopes e Cláudia Chesini Editoras Adjuntas

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Nesta perspectiva, apresentamos os textos produzidos por diversos saberes, que aqui compartilhados, enriquecem nosso SER e FAZER Educação.

Povos indígenas no Brasil: Sociodiversidade cultural invisibilizada, de Eunice Dias de Paula, demostra que, apesar das sérias ameaças que atualmente sofrem os povos indígenas, eles nos ensinam como viver sem depredar a Mãe Terra. Com a diversidade cultural dos povos originários, ampliamos e aprofundamos o cuidado da Casa Comum.

Agroecologia e a racionalidade ambiental: a experiência da agricultura ecológica no Nordeste brasileiro, de Zildenice Guedes, apresenta como as “práticas agroeco-lógicas contribuem para uma reconexão com a natureza, e podem ser compreen-didas sob o conceito de saber ambiental proposto por Leff (2006). O artigo apre-senta a experiência da Associação de Produtores e Produtoras Agroecológicas de Mossoró-RN, que há mais de dez anos fizeram a transição para a agroecologia.

Os desafios do Pacto Educativo Global no Ensino Superior, escrito por José Boa-reto, aborda os desafios do Ensino, da Pesquisa e da Extensão, a partir de alguns elementos propostos pelo Pacto Educativo Global. Destaca a inclusão das minorias como os negros, os indígenas, os quilombolas, os pobres, dentre outros, e afirma: “A abertura à alteridade implica um comprometimento das universidades junto ao processo histórico de superação do racismo”, explicitando que as universidades, além de socializar os conhecimentos científicos, devem também incorporar os sa-beres produzidos fora do seu Currículo.

Em A negra perspectiva da Educação: Para além do horizonte da Lei 10.639/03, Ivan Luiz Monteiro e Marcia Lisete dos Reis contribuem na reflexão dos processos educacionais baseados na lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira em todas as séries do ensino básico, e que “carece de uma dinâmica de compreensão do processo histórico do acesso das pessoas negras à educação”.

O Pacto Educativo Global e a Ecologia Integral, escrito por Humberto Silvano Herre-ra Contreras e Luiz Felipe Lacerda ilustram o processo educativo proposto por Papa Francisco, desde o início de seu pontificado e atualizado por meio da Laudato Si’, do Pacto Educativo Global, da Fratelli Tutti. Neste caminhar, com muitos saberes, passo a passo, o caminho é construído. O texto “enfatiza a dívida ecológica que acentua a marca da crise relacional que obriga a reconstruir uma aliança entre a humanidade e o ambiente. Pautado nas premissas da educação e espiritualidades ecológicas, si-naliza possibilidades para uma cultura ecológica integral nas instituições educativas”.

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A subjetividade libertadora construída no chão da realidade: experiência das casas de Francisco e Clara, escrito por Eduardo Brasileiro, Gabriela Consolaro Nabozny, Peterson Prates, Pe. Vilson Groh e Cayo L.Z. Pedroso, apresenta a “centralidade das Casas de Francisco e Clara como projeto territorial da Economia de Francisco e Clara é refletida neste artigo que pretende desenvolver as dimensões fundamen-tais do processo aberto pelo Papa Francisco e que deve ser absorvido pelas expe-riências cotidianas de transformação socioeconômica.”

Educação Popular: Reconhecer o Povo Educador? Educador e Educação? Escrito por Miguel Arroyo, apresenta o processo de construção do conhecimento de forma compartilhada entre os saberes acadêmicos e os saberes populares, com partici-pação de todos, onde a consciência de ser pessoa/cidadão requer mudança no pensar e no fazer, tendo em vista a coletividade. “Pensar na Educação Popular e reconhecer o povo educador, suspeitar de pedagogias, remete-nos a Paulo Freire, à centralidade da Educação como prática da liberdade”.

Comunidades interculturais de aprendizagem: uma resposta à crise migratória, de Sandra M. S. Cavalcante e Camilla Ayala Felisberto Silva, apresenta uma proposta de enfrentamento à problemática da crise migratória e humanitária que estamos vivendo. “O Projeto LER visa à interação e à emancipação social de refugiados e migrantes, na sociedade brasileira, por meio de ações de Educação, Arte e Cultura, à luz de princípios pedagógicos propostos por Paulo Freire e Freinet.” Desenvolve aprendizagem a partir dos valores de uma comunidade intercultural que ensina e aprende diferentes saberes.

O Pacto Educativo Global, a Ética e as Estética em Tolkién: As trilhas da Educação que permeiam a jornada do herói, escrito por Suzana Schuquel e Rosemari Lorenz Martins, “apresenta-se quase que em forma de ensaio experimental, contando com uma breve revisão bibliográfica e sistemática, com base nas trilhas metodológicas de Deleuze (1995)”. Especialmente, em tempos de pandemia, é imprescindível experien-ciar a dialogicidade e alteridade nos grupos sociais, mesmo que seja virtualmente.

Vidas femininas importam: Pacto pela vida. O trabalho com mulheres na Congre-gação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, de Marilde Arenhardt, Rosana Fix e Karina Amâncio Rodrigues. A fecundidade feminina está aqui relatada por meio da vivência da defesa da vida, em vários âmbitos e ambientes. É a força do Carisma de Madre Paulina que atravessa o tempo e nos mostra a grandeza de quem se coloca à serviço.

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Emoções em tempo de pandemia na catequese de um colégio da Rede Marista, de Eduarda da Costa Coelho Galdino, “utilizando uma dinâmica que relaciona as cores às emoções”, almeja-se “identificar possíveis problemas emocionais, acreditando que, muitas vezes, o que sentem não é partilhado com seus pais e familiares”. O artigo “apresenta importante contribuição acerca dos estudos sobre a catequese de Primeira Eucaristia, de como ela pode ser um diferencial nas escolas católicas, principalmente em tempos de pandemia, com recursos on-line, onde as emoções estão afloradas e gritantes, como que um pedido de socorro”.

Na entrevista, temos a contribuição de duas mulheres educadoras que, em pers-pectiva feminina, referindo-se “a grande ecologia que sempre inclui um aspecto educativo, que provoca o desenvolvimento de novos hábitos nas pessoas e nos grupos humanos” (Querida Amazônia, n°58), abordam os desafios do Pacto Educa-tivo Global nas atividades de seu cotidiano. Maria Ester Galvão de Carvalho, como coordenadora do Fórum Nacional de Educação, e Rosemere Impéres Lira, como gestora na Escola Santo Afonso Rodriguéz, Rede Jesuíta em Teresina (PI).

Na estante, o Dicionário do Pacto Educativo Global, bilíngue, com mais de 100 pes-soas envolvidas de toda América Latina para, em forma de palavras e conceitos, expressar a grandeza imensurável deste Pacto. Traduz a possibilidade concreta de realizar ALIANÇAS no processo de ensino e aprendizagem. Todos somos responsá-veis pela Educação das novas gerações! Também o Manual do Pacto para Crianças, com vários encontros elaborados por educadores de nosso país participantes de redes municipais, das escolas católicas e de outras organizações.

Por fim, recordamos as palavras do Papa Francisco: “Tudo isso nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os po-bres da Amazônia, mostrar o rosto do Senhor e cuidar da sua obra criadora?” (Querida Amazônia, n°110).

Boa leitura!

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Dossiê “Pacto Educativo Global: romper fronteiras, criar comunhão”

RESUMO

Eunice Dias de Paula

POVOS INDÍGENAS NO BRASIL: SOCIODIVERSIDADE CULTURAL INVISIBILIZADA

Eunice Dias de Paula

Pedagoga, linguista, membro do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, Regional MT. Atua em Educação Escolar Indígena, convivendo com o povo Apyãwa – Tapirapé há 48 anos.

contato: [email protected]

Este artigo aborda a presença dos povos indígenas no Brasil, compondo uma rica e complexa sociodiversidade cultural e linguística. As cosmovisões destes povos, conhecidas como perspectivismo, propõem um modo de ser e estar no mundo que considera os humanos irmanados a todos os seres vivos, o que se contrapõe à visão antropocêntrica das sociedades ocidentais, que autoriza uma exploração insana da natureza, pondo em risco a vida no planeta. Os povos indígenas, que sofrem sérias ameaças na atualidade, poderiam nos ensinar como viver sem depredar a Mãe Terra.

Palavras-Chave: Povos Indígenas. Sociodiversidade. Cosmovisões Indígenas.

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O Brasil é um país com uma considerá-vel diversidade sociocultural e linguís-tica. Segundo o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), a população indígena é de aproximadamente 897 mil pessoas, compondo 305 etnias, sendo faladas cerca de 274 línguas indígenas. A despeito dos inúmeros massacres ocorridos desde o início da colonização europeia, que reduziram drasticamente a população indígena, o Censo aponta um aumento demográfico considerável deste segmento populacional. Assim, quando se fala em cultura indígena, é preciso pensar de modo plural, uma vez que estes povos são etnicamente diferenciados, embora apresentem as-pectos comuns quando comparados à maioria populacional do Brasil, consti-tuída pelos descendentes de europeus, asiáticos e pelos descendentes de po-vos africanos, escravizados e trazidos à força para este país:

Não há duas sociedades indígenas iguais. Mesmo quando ocupam zonas ecológicas semelhantes, elas mantêm sua individualidade, tanto no plano das relações sociais, como no campo simbó-lico. Portanto, não é possível explicar a lógica sociocultural destas sociedades simplesmente por fatores ecológicos ou por determinações econômicas. Entretanto, quando comparados às po-pulações nacionais em que estão encra-vados, os povos indígenas apresentam alguns denominadores comuns que os diferenciam delas. Sendo produtos de

processos históricos distintos dos que marcam as sociedades ocidentais, eles desenvolveram uma série de caracterís-ticas que lhes dão uma feição própria e que contrastam fortemente com estas sociedades, desde a organização da produção até a relação dos homens com o sobrenatural, passando por formas de residência e matrimônio e sistemas polí-ticos (RAMOS, 1994, p. 11).

A autora enfatiza as singularidades de cada povo indígena, marcadas por cos-movisões próprias, que regem suas rela-ções sociais, de tal forma que não é pos-sível analisar as regras organizacionais de um grupo étnico sem compreender a sua íntima articulação com um universo cosmológico de saberes ancestrais, atu-alizados na contemporaneidade. Como índices que diferenciam estas socieda-des em relação às sociedades ociden-tais, destaca-se o modo de produção, a relação com o sobrenatural, os siste-mas sociopolíticos, a forma de residir e as regras que organizam a vida social. Desse modo, não podemos nos referir aos povos indígenas como “índios”, per-petuando uma visão colonizadora, como se eles fossem todos iguais. Rodrigues (1986) elaborou uma classificação se-gundo critérios linguísticos, tipificando dois grandes grupos, o Tronco Tupi e o Tronco Macro-Jê. O Tronco Tupi abran-ge várias famílias de línguas indígenas, entre elas, a família tupi-guarani, consi-derada a mais extensa, pois muitas lín-guas indígenas possuem características que permitem abrigá-las nesta família. Por sua vez, o Tronco Macro-Jê tam-

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bém possui várias famílias linguísticas. As línguas que não estão classificadas nestes dois troncos formam famílias lin-guísticas como a família Aruak, a família Karib, entre outras. Há línguas que não se enquadram nesta classificação, por isso, são consideradas línguas isoladas. A classificação linguística permite visua-lizar a diversidade sociocultural dos po-vos originários de nosso país.

O PERSPECTIVISMO AMERÍNDIO

Eduardo Viveiros de Castro (1996), ao es-tudar vários povos ameríndios, elaborou a teoria do perspectivismo, segundo a qual o relacionamento entre os humanos e os outros seres presentes no universo cosmológico é entendido sob uma ótica diferente da existente nas sociedades ocidentais, como explicita este autor:

...numerosas referências, na etnografia amazônica, a uma teoria indígena segundo a qual o modo como os humanos veem os animais e outras subjetividades que povoam o universo – deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, fenôme-nos meteorológicos, vegetais, às vezes mesmo objetos e artefatos -, é profundamente diferente do modo como esses seres os veem e se veem (VIVEIROS DE CAS-TRO, 1996, p. 2).

Assim, nas cosmovisões indígenas, cons-tatamos que humanos, aves, peixes, ve-getais, espíritos e até mesmo os mortos se relacionam de maneiras diferentes

das categorias engendradas no racio-nalismo ocidental, que contrapõem, de uma maneira dicotômica, a natureza e a cultura. Os Apyãwa, mais conhecidos como Tapirapé, povo com quem convivo desde 1973, realizam um complexo e rico ciclo ritual durante o ano, marcado pelo período de chuvas e pelo período seco. Nestes rituais, os Axyga, ‘Espíritos’, se-res do mundo sobrenatural, estão pre-sentes, concretizando uma verdadeira epifania. Os Apyãwa também acreditam firmemente que as almas das pessoas falecidas também estão presentes nas diferentes cerimônias.

Este modo de ser e estar no mundo, que considera dotados de humanidade to-dos os seres vivos, embora em diferen-tes corporeidades, coaduna-se com o pensamento expresso pelo Papa Fran-cisco na Encíclica Laudato Si’ (69):

Ao mesmo tempo que podemos fazer um uso responsável das coi-sas, somos chamados a reconhe-cer que os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus e, «pelo simples fato de existirem, eles O bendizem e Lhe dão gló-ria», porque «o Senhor Se alegra em suas obras» (Sl 104/103, 31). (...) As diferentes criaturas, queri-das pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma cen-telha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas».

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Assim, a visão antropocêntrica, que co-loca o ser humano como superior em relação aos outros seres vivos, hoje é questionada, pois, esta concepção per-mite a exploração indevida dos bens da natureza, o que está colocando a vida do planeta em risco. Estamos chegan-do a um ponto quase irreversível, como apontam os especialistas. Enchentes catastróficas em países europeus, a temperatura do deserto no Canadá e a marca de 38 graus no Círculo Polar Árti-co são sinais de que as mudanças climá-ticas estão ameaçando a continuidade da própria existência humana.

A DIVERSIDADE SOCIAL NEGADA

A diversidade sociocultural do Brasil era composta por povos que somavam, na época da chegada dos colonizadores, cer-ca de oito milhões de pessoas indígenas.

Alguns dos missionários e viajantes re-gistraram o modo de viver e os conhe-cimentos indígenas, como Jean de Léry ([1578]1961). Léry foi questionado por um chefe tupinambá a respeito do modo como os europeus viviam:

Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugue-ses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respon-di que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supu-nha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles

com os seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente: e porventura pre-cisais de muito? Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem nego-ciantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imagi-nar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. — Ah! retru-cou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? — Sim, disse eu, morre como os ou-tros. Mas os selvagens são gran-des discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? — Para seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. — Na verdade, conti-nuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los tam-bém? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos cer-tos de que depois da nossa morte

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a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.

Esta passagem ilustra com muita acui-dade as diferentes visões de mundo, a do europeu, que não mede esforços para acumular bens para deixá-los em herança, e a do ancião indígena, que considera este modo de vida uma lou-cura, pois tem certeza de que os filhos serão nutridos pela Mãe Terra que os alimentou. O modo de vida dos povos indígenas, sem a depredação da natu-reza, assegura a eles uma vida autos-sustentável, enquanto o modo de vida das sociedades ocidentais, com des-taque para o consumismo e a ambição desmedida por bens materiais, está levando à exaustão do Planeta e pro-vocando perda da biodiversidade, além das mudanças climáticas, o que coloca em risco a própria continuidade da es-pécie humana.

Destacamos que, entre os sete com-promissos do Pacto Educativo Global, proposto pelo Papa Francisco em outu-bro de 2020, estão: “Encontrar outras formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso e guardar e cultivar a nossa casa comum, protegendo-a da exploração dos seus recursos”. Se tivéssemos a humildade de aprender com os povos indígenas o cuidado com a nossa casa comum, po-deríamos adotar novas formas de pra-ticar uma economia voltada para o bem comum e, assim, eliminar as gritantes

desigualdades sociais que permanecem em nosso meio, com milhões de seres humanos vivendo em situação de mi-séria, enquanto apenas 1% das pessoas detêm 27 % da renda produzida.

O olhar etnocêntrico que vem desde o tempo colonial descreve os povos ori-ginários como “selvagens”, “bichos do mato”, sem cultura. Com isso, se jus-tificava o genocídio praticado contra esses povos, uma vez que eram vistos como seres não dotados de humanida-de. Infelizmente, passados vários sécu-los, continua esta visão preconceituosa e discriminatória, mantendo a invisibi-lização dos povos indígenas como so-ciedades humanas com organização social, línguas, tradições e costumes próprios e que necessitam de um ter-ritório que lhes garanta a existência como povos etnicamente diferencia-dos. Mesmo com direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, vemos o desrespeito com que o atual gover-no trata a questão indígena, não de-marcando as terras para os povos que ainda não têm territórios assegurados. Constatamos, estarrecidos, a difusão de preconceitos, a tolerância com inva-sores que saqueiam as terras indígenas extraindo minérios e madeiras ilegal-mente e poluindo os rios com mercúrio, os assassinatos de lideranças e até de crianças indígenas, incentivados por quem deveria respeitar as leis a respei-to dos povos originários.

A resistência dos povos indígenas dian-te destes ataques é notável. Conscien-

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REFERÊNCIAS

ATHAIDE, Guilherme. Quantos habitantes havia no Brasil na época do Descobri-mento? - Revista Super Interessante, 04 jul. 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quantos-habitantes-havia-no-brasil-na-epoca-do--descobrimento/. Acesso em: 30 jul. 2021.

LÉRY, Jean. Viagem à Terra do Brasil. Biblioteca do Exército Editora, 1961.

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’. São Paulo, Editora Paulinas, 2015.

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Fratelli Tutti. Disponível em: https://www.vati-can.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em: 01 ago. 2021.

RAMOS, Alcida Rita. Sociedades Indígenas. São Paulo, Editora Ática, 1994.

RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Línguas Brasileiras – para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1986.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. In: Mana - Estudos de Antropologia Social, Revista do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 1996.

tes de que só podem continuar existindo como povos dentro de seus territórios, eles não desistem de lutar pela Mãe Ter-ra. Que saibamos caminhar como nos propõe o Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti, nº 8: “Sonhemos como uma

única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos”.

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ARTIGO

RESUMO

Zildenice Guedes

AGROECOLOGIA E A RACIONALIDADE AMBIENTAL: A EXPERIÊNCIA DA AGRICULTURA ECOLÓGICA NO NORDESTE BRASILEIRO

Zildenice Guedes Gerente Executiva de Educação Ambiental da prefeitura Municipal de Mossoró; Doutora em Ciências Sociais; Mestre em Ciências Ambien-tais; Líder RAPS; Consultora Cidades Inteligentes.

contato: [email protected]

A agroecologia tem se constituído como uma ciência que engloba diversos saberes, científicos e populares, e tem possibilitado processos de transição sustentável para a agricultura familiar. No Brasil, ela tem se fortalecido nas últimas décadas, sendo re-sultado direto de diversos atores. As práticas agroecológicas contribuem para uma reconexão com a natureza e podem ser compreendidas sob o conceito de saber am-biental proposto por Leff (2006). O artigo apresenta a experiência da Associação de Produtores e Produtoras Agroecológicas de Mossoró-RN, que há mais de dez anos fez a transição para a agroecologia.

Palavras-Chave: Agroecologia. Saber Ambiental. Semiárido nordestino.

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No Brasil, o modelo de produção ali-mentar em alta escala que tem predo-minado é consequência da Revolução Verde e data da década de 1960, sendo financiado por políticas públicas que fa-voreceram a grande lavoura, o sistema de monocultura, o conhecido agronegó-cio. Grandes somas de recursos públicos foram destinadas para esse modelo he-gemônico. O Estado militar subsidiou o capital (SAUER; BALESTRO, 2013).

Esse modelo hegemônico foi respon-sável pelo aumento da oferta de ali-mentos; não se pode esquecer que sua característica predominante é a expor-tação. São relegadas, portanto, para os agricultores familiares as terras mais inférteis, os solos mais pobres, além da quase obrigatoriedade de adesão aos pacotes tecnológicos.

Na contramão desse modelo, a Agroeco-logia ganhou espaço como uma alterna-tiva na direção de um desenvolvimento rural menos predatório, buscando um uso mais sustentável das terras e do meio ambiente (SAUER; BALESTRO, 2013).

No Brasil, a agricultura familiar tem sido fortalecida com mais intensidade a par-tir da década de 1990, sendo resultado de um esforço direto de uma diversida-de de atores: academia, pesquisadores, agricultores e agricultoras, instituições da sociedade civil organizada, ativistas ambientais e outros. Conforma-se, as-sim, a necessidade de um diálogo entre a ciência e o saber popular, que permeie uma construção interativa e participati-

va na gestão da paisagem e dos recur-sos naturais.

Nesse sentido, o artigo apresenta um recorte da pesquisa de doutorado reali-zada com a Associação de Produtores e Produtoras Agroecológicos em Mosso-ró-RN, que há mais de uma década vem produzindo de forma agroecológica e reconfigurando territórios, constituindo boas práticas de sustentabilidade no semiárido nordestino.

A RACIONALIDADE AMBIENTAL E A AGROECOLOGIA: UM ELO COM A ECOLOGIA DOS SABERES

Pensar a realidade, de modo a compre-ender suas tessituras, propõe uma re-flexão sobre a racionalidade econômica que reduz a natureza à condição de coi-sa, pelos excessos do pensamento obje-tivo e utilitarista, que nos faz pensar na crise identificada por Leff (2006, p. 16) como “a crise do efeito do conhecimento sobre o mundo”.

Trata-se, assim, do distanciamento hu-mano da natureza, colocada como obje-to a ser conquistado, dominado, em que não há diálogo, nem tão pouco relação simbiótica, aplicando também relações de poder na teoria e no saber, para criar as estruturas de dominação do sistema moderno. A natureza se confi-gura sob o jugo da modernização, como o outro, denotando a distância humana e a supremacia a ser dominada. Convém reconhecer que, para que os ideais da modernidade conseguissem fincar suas

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bases, era necessário desnaturalizar a natureza, e a consequência disso é a desestruturação dos ecossistemas e a degradação do ambiente. Nesse senti-do, Leff (2006, p.17) afirma:

Mas o que há de inédito na crise ambiental do nosso tempo é a forma e o grau em que a racio-nalidade da modernidade vem intervindo no mundo, socavando as bases de sustentabilidade da vida e invadindo os mundos de vida das diversas culturas que conformam a raça humana, em uma escala planetária.

A crise ambiental está para além da passagem da modernidade à pós mo-dernidade. Assim, apresenta-se a realidade como questionadora dos pressupostos que sustentaram a racio-nalidade econômica. Este é o desafio, pois não nos referimos apenas a uma mudança cultural que pode ser absor-vida pela realidade ou escapar da ra-zão. Trata-se de reconhecer que está posta a necessidade de pensar em uma nova relação entre o real e o simbólico (LEFF, 2006).

Para reconstruir o mundo sob o prisma da racionalidade ambiental, é preciso uma ressignificação da natureza pela cultura, o que significa que, embora o cenário atual seja de incerteza, é possí-vel acreditar no futuro a partir da criati-vidade da diversidade, no encontro com a outridade, considerando um campo fecundo a diferença (LEFF, 2006).

Leff (2006, p. 19) considera que a crise ambiental abre possibilidades para a racionalidade ambiental, sobretudo a partir das práticas sociais e dos novos atores políticos. É o processo de eman-cipação, que é voltado para “a descolo-nização do saber submetido ao domínio do conhecimento globalizante e único, para fertilizar saberes locais”.

A racionalidade ambiental consiste em retomar o conhecimento humano sobre práticas sustentáveis que sempre esti-veram presentes, ocultas, mas presen-tes, relegadas à marginalização, mas agora encontram campo fértil para mostrar o conhecimento da realidade, dando origem a uma variedade de mun-dos. Assim, considera Leff (2006, p. 19):

A racionalidade ambiental recu-pera o sentido crítico do ser para desenterrar os sentidos sepulta-dos e cristalizados, para resta-belecer o vínculo com a vida, com o desejo de vida, para fertilizá-la com o húmus da existência, para que a tensão entre Eros e Tana-tos se resolva a favor da vida, para que a morte entrópica do planeta seja revertida pela criati-vidade neguentrópica da cultura.

A crise ecológica é também uma crise de civilização, uma crise da modernidade que se fundou a partir da negação da natureza enquanto crise de civilização, crise da modernidade que se fundou na negação da natureza como fonte de ri-queza, como suporte que dá sentido às

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significações sociais (LEFF, 2006).

Assim, o desenvolvimento sustentável é um dos grandes desafios históricos e po-líticos da atualidade. Dada essa realida-de, é essa a possibilidade para se pen-sar nas relações ecológicas sob o prisma da economia, da tecnologia e mesmo da moral, e com isso a economia neoclássica vai reconhecer que é necessário interna-lizar as externalidades ambientais, para integrar processos ecológicos, popula-cionais e distributivos aos processos de produção e consumo. Sob este prisma, Leff (2006, p. 224) considera:

A natureza deixou de ser um objeto de trabalho e uma matéria--prima para converter-se em uma condição, um potencial e um meio de produção. A conservação dos mecanismos reguladores e proces-sos produtivos da natureza apa-recem assim como condição, um potencial e um meio de produção. A conservação dos mecanismos re-guladores e processos produtivos da natureza aparecem assim como condição de sobrevivência e fonte de riqueza, induzindo processos de apropriação dos meios ecológicos de produção e a definição de novos estilos de vida.

Assim, é outra racionalidade que é ne-cessário ser desenvolvida na socieda-de, pois, nem mesmo a preocupação do mercado com a adesão às normas eco-lógicas, ou uma moral conservacionista, ou ainda as soluções tecnológicas, por

si, podem reverter a degradação entró-pica, a concentração de poder e a desi-gualdade social geradas pela racionali-dade econômica.

Desse modo, pensar no mundo e na sua diversidade cultural é confrontar-se com a incompletude das culturas, obje-tivando atingir e reconhecer que o real não se resume a realidade, e ainda que a diversidade cultural, social e episte-mológica do mundo, traz no seu bojo as muitas incompletudes que compõe a re-alidade (SANTOS, 2006).

As experiências que conferem configu-rações dos territórios e espaços engen-drados por pessoas com autonomia são aqui pensadas sob a referência em San-tos (2006), que afirma ser necessário ver essas experiências locais com pers-pectiva global, em que se demonstra o protagonismo de homens e mulheres na luta cotidiana contra as formas de dominação, e, portanto, hegemônicas, vendo-se capazes de seguir caminhos de autonomia e emancipação social.

Trata-se ainda, de perceber que, no contexto atual de globalização, tem despontado o confronto entre projetos hegemônicos e projetos contra-hege-mônicos. Implica assim em reconhecer que no Sul despontam experiências so-ciais em uma perspectiva pós-colonial, pós-imperial. Assim, Santos (2006, p. 33), considera:

Podemos dizer que o pós-moder-no de oposição se posiciona nas

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margens ou periferias mais ex-tremas da modernidade ociden-tal para daí lançar um novo olhar crítico sobre esta. É evidente, contudo, que se coloca do lado de dentro da margem e não do lado de fora. A transição pós--moderna é concebida como um trabalho arqueológico de esca-vação nas ruínas da modernida-de ocidental em busca de ele-mentos ou tradições suprimidas ou marginalizadas pelo cânone hegemônico da modernidade que nos possam guiar na construção de novos paradigmas de emanci-pação social.

Com base nessa análise do quadro atu-al, Santos (2002, p.14) nos coloca frente a uma ideia necessária para lidar com a realidade atual, a saber, a “reinvenção da emancipação social”. Assim, o autor citado nos instiga a pensar que as ex-periências consideradas como utópicas, no entanto, no século XXI, da pós-mo-dernidade, se constituem como realida-des postas para além do que existe, de modo que a utopia toma corpo e forma, e não há como negar que é preciso ver a realidade com essas lentes.

Esse é o referencial teórico sobre a questão ambiental como prática huma-na e cultural que assumimos, em que no-vos conceitos são gestados com base, sobretudo, nas experiências de homens e mulheres que não têm continuado, na contemporaneidade e no anonimato. Essas práticas de sustentabilidade so-

cioambiental, inseridas em territórios diversos, com características peculia-res, atestam que processos de constru-ção da realidade em outra perspectiva têm despontado.

A EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES E PRODUTORAS AGROECOLÓGICOS DE MOSSORÓ-RN

A APROFAM conta com um grupo de 26 agricultores familiares, a maioria dessas famílias;todos os membros se envolvem com a produção e comercialização. O quantitativo total é de aproximadamente 30 pessoas, pois além da família, quando é necessário, contribuem outros mem-bros, tais como, sobrinhos e irmãos. A APROFAM é composta por agricultores e agricultoras de assentamentos e comuni-dades rurais pertencentes à região oeste do Estado do Rio Grande do Norte.

O processo de transição agroecológi-ca das unidades produtivas que inte-gram a APROFAM iniciou-se há 10 (dez) anos, por intermédio de SEBRAE-RN, EMATER-RN e Prefeitura Municipal de Mossoró. Nesse tempo, houve troca de experiências entre os atores integran-tes, bem como, a participação e apoio de diversas entidades (UFERSA; UFRN; EMATER-RN; SEBRAE-RN; Prefeitura Municipal). Os integrantes da APRO-FAM são agricultores familiares que já praticavam a agricultura, ou viram seus pais desenvolverem essa prática, tanto que muitos deles ressaltam que sempre produziram sem veneno e produzir com a agroecologia representa para eles

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uma continuidade e não um processo de ruptura.

A maioria deles já conheciam técnicas produtivas, que foram aperfeiçoadas e mudadas pelos princípios da agroe-cologia. Hoje, entendem com mais pro-priedade as condições dos sistemas naturais com os quais trabalham, assim como o calendário dos cultivos; essa sensibilização é feita juntos aos consu-midores, de modo que esses entendem que nem sempre encontrarão a laranja ou o maracujá na feira, mas encontra-rão a seriguela, o caju, desenvolvendo, assim, hábitos alimentares que se as-sentam sob os princípios de sustentabi-lidade social, ambiental e econômica.

No âmbito da APROFAM, geralmente, é a família que é envolvida com a produ-ção, havendo uma experiência de pro-dução bastante heterogênea. Como se trata de uma produção agroecológica, que na maioria dos casos é realizada nos quintais, a família se dedica diaria-mente à produção, em uma média de 08 a 10 horas de trabalho por dia. No ge-ral, homem e mulher começam cedo na produção (ordenhar animais, analisar as pragas, isso por volta das 04 (quatro) ou 5 (cinco) da manhã); esse trabalho se estende até próximo ao almoço, quan-do há uma pausa; à tarde, voltam para continuar; nesse momento, geralmente, voltam para irrigar a produção.

Após 10 (dez) anos de existência, te-mos hoje um coletivo de produtores, provenientes de comunidades e assen-

tamentos distintos, que têm produzido sob os princípios da agroecologia. Os aspectos ambientais da referida expe-riência consistem em produção agro-ecológica com tecnologia do PAIS[1], além de outras tecnologias, como a solar e a utilização de cisternas para captar água da chuva; em algumas unidades, a produção é realizada em uma área de aproximadamente 1,2 a 2ha, outros contam com áreas maio-res, como 18ha; alguns contam com insumos próprios, tais como o adubo ou sementes; outras famílias adquirem o adubo, principalmente dos vizinhos. No que diz respeito à água, na maio-ria dos assentamentos e comunidades esse recurso é escasso ou limitado, ocorrendo que alguns produtores pro-duzem com água salgada ou salobra; o solo em que produzem tem dimensões e condições heterogêneas; a produção animal é realizada em consórcio com a produção de hortaliças.

Os aspectos econômicos da experiên-cia dependem da comercialização, que é realizada pelos próprios agricultores e agricultoras diretamente para os con-sumidores; da renda adquirida com a comercialização, é destinado um percen-tual de 5% (cinco por cento) para a As-sociação, o restante fica com o produtor e a produtora, que a utiliza para com-plementar a renda da família, bem como para arcar com os custos que eles e elas têm para a comercialização ou para o transporte, visto que a maioria não con-ta com transporte próprio, arcando as-sim com os custos do deslocamento.

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Quanto aos aspectos sociais, a expe-riência é decorrente do protagonismo da família agricultora. Assim, estão en-volvidos na produção e comercializa-ção o marido, a esposa, os filhos e as filhas. É relevante ressaltar que esses produtores cultivam suas próprias ter-

ras, com recursos próprios e acessando a financiamentos quando necessário e possível; variam ainda a produção e co-mercialização, alguns deles acessando outros mercados, como Mercados Ins-titucionais ou outros coletivos, com ou-tras associações.

REFERÊNCIAS

LEFF, E. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

SANTOS, B. S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 1. ed. Cor-tez, 2006.

SAUER, S.; BALESTRO, M. V. (orgs.). Agroecologia e os desafios para a transição agroecológica. Editora: Expressão Popular, 2013.

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ARTIGO

RESUMO

José Antônio Boareto

OS DESAFIOS DO PACTO EDUCATIVO GLOBAL PARA O ENSINO SUPERIOR

José Antônio Boareto

Doutor em Ciências da Religião; professor da PUC Campinas.contato: [email protected]

Os desafios para Pacto Educativo Global no Ensino Superior precisam ser refletidos a partir da consideração dos princípios que norteiam esta proposta educativa do Papa Francisco. O primeiro princípio do Pacto é o respeito à diversidade que favo-rece uma abertura ao outro, enquanto expressão da fraternidade original. E este outro é o homem real e concreto, aquele que sofre a experiência de ser considera-do fruto de uma cultura do descarte, o qual, na América Latina é o pobre, o negro, o indígena e a mulher, e também os diversos grupos considerados minorias que sofrem a exclusão. A abertura à alteridade implica um comprometimento das uni-versidades junto ao processo histórico de superação do racismo. O pacto educati-vo a ser realizado em nosso país, em particular, é com a população negra, que em sua maioria, vivem em situações subumanas procurando sobreviver nas periferias das metrópoles brasileiras. O pacto, na perspectiva da abertura ao outro, exige um compromisso de justiça social que reverbere em promover inclusão social dos negros em nossas instituições, por meio de políticas afirmativas, como cotas e ou-tros meios, favorecer uma maior igualdade racial. Os desafios do Pacto Educativo Global no Ensino Superior exigem uma atitude ética e cristã em favor dos negros, numa perspectiva evangélica de opção preferencial pelos pobres.

Palavras-Chave: Ensino Superior. Diversidade. Alteridade. Racismo. Igualdade Racial.

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Em 12 de setembro de 2019, o Papa Fran-cisco emite uma mensagem por ocasião do lançamento do Pacto Educativo Glo-bal. Entretanto, devido à pandemia, foi necessário adiar o evento. Em 15 de ou-tubro de 2020, de modo remoto, ocor-reu o lançamento do Pacto. Conforme lemos no próprio Instrumentum Laboris, compreendemos que “tal iniciativa não é uma ideia nova e repentina, mas a con-cretização de uma visão e de um pen-samento que o Papa manifestou várias vezes em seus discursos” (PEG, 2020, p. 2). A fundamentação do Pacto são as encíclicas Evangelii Gaudium e Lauda-to Si’, as quais estão em sintonia com o Concílio Vaticano II e o pós-Concílio. Na perspectiva apontada pelo Papa Francisco em sermos uma “Igreja em saída”, somos convidados à uma nova posição pastoral que é feita de “primei-rar”, isto é, fazer acontecer. Uma Igre-ja em saída é uma comunidade que se envolve. Após considerar os problemas do mundo e da cultura atual, propõe o desafio da “mística de viver juntos”, isto é, tornar essa maré um pouco caótica em uma experiência de fraternidade, numa caravana solidária (Cf. PEG, 2020, p. 2). Neste convite, está, também, o cuidado com as fragilidades do povo e do mundo, e ele não é dirigido somen-te aos cristãos, mas a todos os homens e todas as mulheres da terra que reco-nhecem que “a educação e a formação se tornam prioritárias, pois ajudam a se tornar protagonistas diretos e constru-tores do bem comum e da paz” (PEG, 2020, p. 2).

Considerando ainda que “a educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difun-dir um novo modelo relativo ao ser huma-no, à vida, à sociedade e à relação com a natureza” (LS, n. 215). Afirma o Pacto:

Nunca como agora - num con-texto dilacerado por contrastes sociais e uma visão comum - é urgente uma mudança de rumo que - através de uma educação integral e inclusiva, capaz de uma escuta paciente e de um diálogo construtivo - faça prevalecer a unidade no conflito. Para este fim, é altamente desejável, afirma o Papa, que sejam iniciados proces-sos de partilha e transformação, com todas as iniciativas neces-sárias para permitir às gerações futuras a construção de um futu-ro de esperança e de paz (PEG, 2020, p. 2-3).

Importante ainda ressaltar que o Papa fala de uma “Vila da educação” que gere uma rede de relações humanas e abertas. Tal “vila” deve colocar no cen-tro a pessoa, favorecer a criatividade e a responsabilidade por um projeto, a longo prazo, e formar pessoas disponí-veis para se colocar a serviço da comu-nidade (Cf. PEG, 2020, p. 3). É preciso ampliar o conceito de Educação, consi-derando que ele não se esgota nas au-las das escolas ou Universidades, mas é garantido, principalmente, respeitando e reforçando o direito primário da famí-lia a educar, e o direito das Igrejas e das

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agregações sociais a amparar as famí-lias e colaborar com essas na educação dos filhos (Cf. PEG, 2020, p. 3).

A noção de “Pacto” é muito significativa, pois implica o sentido de que precisa de pelo menos duas pessoas para firmarem um pacto e também o sentido de uma aliança educativa. O termo “aliança”, se-gundo a tradição hebraico-cristã, evo-ca o vínculo de amor estabelecido entre Deus e o seu povo. Amor que em Jesus derrubou o muro entre os povos, resta-belecendo a paz (Cf. Ef 2, 14-15; PEG, 2020, p. 3).

O primeiro pressuposto do Pacto é o respeito à diversidade. Lemos no Pacto:

(...) Um pacto global pela educa-ção só poderá haver, primaria-mente, a forma de um reconhe-cimento da indispensabilidade de cada contribuição para enfrentar a emergência educativa que es-tamos vivendo ha algumas déca-das, como o próprio Papa Bento XVI já havia reconhecido em sua Carta à Diocese e à cidade de Roma sobre a tarefa urgente da educação, de 21 de janeiro de 2008. E as suas considerações são ainda atuais: “Todos temos no coração o bem das pessoas que amamos, em particular das nossas crianças, adolescentes e jovens. De fato, sabemos que de-pende deles o futuro desta nossa cidade. Portanto, não podemos não ser solícitos pela formação

das novas gerações, pela sua ca-pacidade de se orientar na vida e discernir o bem do mal, pela sua saúde não só física, mas também moral. Educar, porém, nunca foi fácil, e hoje parece tornar-se sempre mais difícil. Fala-se por isso de uma grande “emergência educativa”, confirmada pelos insu-cessos com os quais com muita frequência se confrontam os nos-sos esforços para formar pessoas sólidas, capazes de colaborar com os outros e dar um sentido à própria vida (PEG, 2020, p. 3-4).

Este respeito à diversidade, o empenho a ser feito, em uma Educação que tem como fundamento a abertura ao outro, é compreendida como fraternidade ori-ginal. Lemos no Pacto:

A fraternidade é a categoria cultural que funda e guia para-digmaticamente o pontificado de Francisco. Inseri-la nos processos educativos, como ele sugere em sua “Mensagem”, significa reco-nhecê-la como dado antropológi-co fundamental, a partir do qual enxertar todas as principais e positivas “gramáticas” da relação: o encontro, a solidariedade, a misericórdia, a generosidade, mas também o diálogo, o confronto, e, de modo mais geral, as variadas formas da reciprocidade (PEG, 2020, p. 4).

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Neste sentido, podemos afirmar que o objetivo do Pacto é educar para a frater-nidade, pois é o verdadeiro ponto de che-gada de cada processo educativo realiza-do. Na perspectiva da construção de uma “vila global da educação”, este princípio recebe um impulso renovado que é preci-samente a disponibilidade de colocar-se à serviço da fraternidade a sancionar a plena realização da humanidade que é comum a todos, pois “(...) De fato, fomos criados não apenas para viver “com os outros”, mas também para viver “a serviço dos outros”, numa reciprocidade salvífica e enriquecedora” (PEG, 2020, p. 5)

Considerando o objetivo do Pacto em pro-mover uma Educação para a fraternidade, que seja uma Educação do viver com os ou-tros, do serviço aos outros, pretendemos, de modo dialógico, ir demonstrando os de-safios que o Ensino Superior, em particular, as universidades católicas em nosso país, tem diante de si. Para tal, utilizaremos a metodologia proposta pelo próprio Pac-to, mas também o método ver-julgar-agir que é amplamente utilizado na pastoral da Igreja no Brasil, ou ainda, chamado de mé-todo indutivo, próprio da Doutrina Social da Igreja, o qual considera além da herme-nêutica conceitual filosófica-teológica (no caso do Pacto: Fraternidade e Aliança), o uso das Ciências Sociais como instrumento necessário para uma compreensão melhor da realidade social.

O CONTEXTO

A ferida mais grave do atual contexto sociocultural, segundo o Papa Francis-co, é a “idolatria do eu”. Educar exige

entrar em um diálogo leal com os jovens. Eles chamam-nos à urgência de uma solidariedade intergeracional. Há uma tendência a fechar-se em si mesmo, a proteger os direitos e os privilégios ad-quiridos, a conceber o mundo dentro de um horizonte limitado que trata com indiferença os idosos e, sobretudo, não oferece mais espaço à vida nascente (Cf. PEG, 2020, p. 6). A “egolatria” gera todas aquelas fraturas as quais tornam pesadas a ação educativa desenvolvida em todos os níveis. No texto, elencam-se as fraturas: fratura entre as gerações, entre povos e culturas diferentes, par-tes da população rica e partes da popu-lação pobre, as primeiras sempre mais ricas e as segundas sempre mais po-bres, entre masculino e feminino, entre Economia e Ética, e entre humanidade e planeta terra (cf. PEG, 2020, p. 6).

Também é preciso considerar a emer-gência das redes sociais, em particular, a internet com a web, como consequên-cia direta do processo de globalização. Educar para as mídias sociais exige dis-cernimento. A Educação precisa habili-tar todos aqueles aos quais se dirige, a habitar esta complexidade e a “huma-nizá-la”, conscientes de que qualquer instrumento depende sempre da inten-cionalidade de quem o utiliza (Cf. PEG, 2020, p. 7).

A “desintegração psicológica”, devida à difusão das novas tecnologias, é apon-tada pelo Papa Francisco como um dos problemas educativos mais urgentes. A preocupação diz respeito a uma “po-

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breza de interioridade”, uma crescente dificuldade a parar, a refletir, a escutar e a escutar-se. É preciso também con-centrar-se em educar as demandas dos jovens, prioritárias em relação ao forne-cer respostas. Conforme ensina o Pacto: “trata-se de dedicar tempo e espaço no desenvolvimento das grandes questões e dos grandes desejos que habitam no coração das novas gerações, que de uma serena relação consigo mesmas, possam levar à busca do transcendente” (PEG, 2020, p. 8).

Na reflexão sobre a cultura do descar-tável, o Papa Francisco demonstra que o desafio da construção de uma identi-dade menos fragmentada está no reco-nhecimento da importância de construir a própria identidade pessoal, a partir dos outros, em particular os idosos. O homem contemporâneo enfrenta inse-gurança e instabilidade porque é em-pobrecido de alma e privado de espe-rança, pois seu presente é pobre sem passado e futuro, é vazio, sem memória e sem perspectiva (Cf. PEG, 2020, p. 9).

Um compromisso educativo da interio-ridade e da identidade, cada vez mais atingido pelo mundo globalizado e di-gital, questiona-se que não se rompa o vínculo com o mais amplo horizonte social, cultural e ambiental no qual essa está inserida. A falta de cuidado com a interioridade reflete-se em uma falta de cuidado da exterioridade, e vice-versa, pois “se deixarmos de falar a língua da fraternidade e da beleza da nossa re-lação com o mundo” (LS, n. 11). O desa-

fio de uma Educação ecológica integral leva a um radical desafio relacional, pois está em jogo o futuro das gerações e do próprio planeta (Cf. PEG, 2020, p. 10).

Considerando este contexto, e aplican-do o método ver-julgar-agir, em parti-cular, o VER, poderíamos afirmar que a situação da universidade brasileira se assemelha ao que o Papa Francisco afirma na encíclica Laudato Si’:

Gostaria de assinalar que muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que afetam par-ticularmente os excluídos. Estes são a maioria do planeta, milha-res de milhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates públicos e econômicos internacio-nais, mas com frequência parece que os seus problemas se colo-quem como um apêndice, como uma questão que se acrescenta quase por obrigação ou periferi-camente, quando não são consi-derados meros danos colaterais. Com efeito, na hora da imple-mentação concreta, permanecem frequentemente no último lugar. Isto deve-se em parte, ao fato de que muitos profissionais, forma-dores de opinião, meios de comu-nicação e centros do poder estão localizados longe deles, em áreas urbanas isoladas, sem ter conta-to direto com os seus problemas. Vivem e refletem a partir de uma comodidade dum desenvolvimen-to e duma qualidade de vida que

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não está ao alcance da maioria da população mundial. Essa falta de contato físico e de encontro, às vezes favorecida pela frag-mentação das nossas cidades, ajuda a cauterizar a consciência e a ignorar parte da realidade em análises tendenciosas. Isto, às vezes, coexiste com um discurso “verde”. Mas, hoje não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio am-biente, para ouvir tanto o cla-mor da terra como o clamor dos pobres (LS, n.49).

Como afirma o texto do Papa Francisco, uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social,

que deve integrar a justiça nos deba-tes sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres. Na perspectiva do Pacto Educativo Global, uma Educação para a fraternidade que objetiva a mística de “viver com os outros” e “servir aos ou-tros”, precisa considerar que estes ou-tros, em nosso país, são os pobres e os excluídos. Muitas vezes, nossas universi-dades católicas são apenas o reduto da elite brasileira1. A inclusão social ainda é muito incipiente em nossas universi-dades. Faltam reflexões profundas que possam levar as universidades a assu-mir com coragem às novas perspectivas educativas, incluindo, como propõe o Pacto a superar a fratura entre Econo-mia e Ética.

Um modo de tornar o pacto realidade de nossas universidades dar-se-á quando

1 Para o sociólogo Jessé Souza, a intelectualidade nacional favorece o racismo ao tratar o bra-sileiro como vira-lata. A reflexão de Gilberto Freyre sobre uma possível democracia racial encontra no pensamento do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda a expressão da vira-latice do brasileiro como lixo da história de bom grado e degrada e distorce a percepção de todo um povo como intrinse-camente inferior. A noção de patrimonialismo é a institucionalização do homem cordial e tão vira-lata quanto ele. Abriga elites que roubam o povo e privatizam o bem público. Esta interpretação do Estado patrimonialista seria a principal herança do homem cordial e principal problema nacional. Ao reconhecer o Estado como a “elite maldita” a combater, torna literalmente invisível a elite de rapina que se encon-tra no mercado. Desta forma, o Estado é demonizado e o mercado poupado da mesma demonização. Considerando apenas o Estado como mote da corrupção, abre-se a possibilidade de uma concepção de mundo que permite à elite mais mesquinha fazer todo um povo de tolo. É preciso considerar que nós não vemos a sociedade em que vivemos com olhos imaculados como se tivéssemos nascido hoje. Nós a (não) percebemos sempre por meio do acúmulo de noções e ideias que nos foram transmitidas por pessoas dignas de nossa confiança. É por meio desses “óculos”, compostos por ideias que se tornam tão óbvias que não mais refletimos sobre elas, que nós (não) percebemos o mundo que nos rodeia. Assim, é suma importância refletir sobre esse conjunto de ideias fundamentais que comandam nosso comportamento e nossas avaliações do mundo. Isso é decisivo para qualquer ação consciente no mundo e para que não sejamos enganados por todos os interesses encobertos e que visam nossa desinteligência (Cf. Jessé SOUZA, A elite do atraso. Da escravidão à Lava Jato, p. 11-35).

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houver um maior compromisso de justi-ça, na perspectiva apontada pela Dou-trina Social, em seu princípio de subsi-diariedade. Repensar o modo de atuar junto a cultura liberal, que se impõe ao globo como “pensamento único” (Bento XVI), favorece uma Educação ecológica integral, e, ainda mais, quando estes ou-tros são os sujeitos dos grupos conside-rados minoritários, ou seja, o negro, o indígena e a mulher.

Ser uma “universidade em saída”, indo às periferias existenciais, irá favorecer um maior encontro com os problemas reais da sociedade. Escapar do efeito “bolha social” é uma possibilidade de

promover uma cultura do diálogo, onde a proximidade efetive-se como rede, nas palavras do Pacto, uma “vila da educa-ção”. É urgente ouvir o clamor da terra e dos pobres. Em nosso país, sabemos o quanto a desigualdade social é antes racial. É preciso repensar a formação da elite brasileira que está em nossas uni-versidades. Segundo o sociólogo Jessé Souza (2015), nós precisamos ajudar a elite intelectual que se torna submissa à elite do dinheiro e que constrói uma imagem distorcida do Brasil, de modo a disfarçar todo tipo de privilégio injusto (Cf. SOUZA, 2015, p. 13). Há uma missão aí exigente, promover uma cultura do humanismo solidário junto à elite2.

2 Em nosso intuito de formar para um humanismo solidário e considerando o processo de glo-balização e sua relação com os sistemas de mercado, recomendamos o estudo do texto “A vocação do líder empresarial”, do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, reconhece-se a possibilidade de promover uma economia social de mercado, onde recupere-se a verdadeira finali-dade da vida social que é o bem comum. A partir de uma reflexão considerando o método indutivo da Doutrina Social da Igreja (ver-julgar-agir) apresenta o pensamento da Igreja em relação à globalização considerada a partir dos sistemas de mercado. Assim, no VER, reconhece que a globalização trouxe eficiência e oportunidades extraordinárias e novos aos negócios, mas as desvantagens incluem maior desigualdade, deslocalizações econômicas, homogeneidade cultural, e inabilidade dos governos para regular adequadamente os fluxos financeiros. As tecnologias de comunicação possibilitaram a conecti-vidade, novas soluções e novos produtos, e processos de decisão precipitados. A “financeirização” dos negócios à escala mundial tem intensificado tendências para mercantilizar as finalidades do trabalho e para sublimar a maximização da riqueza e ganhos de curto prazo, à custa do trabalho pelo Bem Comum. No JULGAR, demonstra que há necessidade de produzir bens e serviços que satisfaçam necessidades humanas genuínas e sirvam o Bem Comum, responsabilizando-se, ao mesmo tempo pelos custos sociais e ambientais de produção, das cadeias de oferta e de distribuição, e estando atento às oportunidades para servir aos pobres. Organizar trabalho produtivo e com sentido, reconhecendo a dignidade dos colaboradores e o seu direito e dever de se desenvolverem no seu trabalho e estruturar os locais de trabalho com subsidiariedade, que concebe, equipa e confia nos empregados para fazerem o seu melhor trabalho. Utilizar sabiamente os recursos para criar quer o lucro quer o bem-estar, de modo a gerar riqueza sustentável e a distribuí-la justamente (salários justos para os empregados, preços justos para os clientes e fornecedores, impostos justos para a comunidade, e rendimentos justos para os proprietá-rios). E por fim no AGIR devem os líderes empresariais que podem pôr em prática suas aspirações quan-do a vocação é motivada mais que o sucesso financeiro. Quando integram os dons da vida espiritual, as virtudes e os princípios éticos-sociais na sua vida e no seu trabalho, podem ultrapassar a vida dividida, e receber a graça de promover o desenvolvimento integral de todos os interessados no negócio. Suas

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Considerando ainda o texto do Papa Francisco, o mesmo ainda alerta para reconhecer que os pobres são tratados como apêndices em nossas discussões. Estão presentes em nossos debates e discursos, mas não em nossas uni-versidades. A política de cotas precisa ser promovida com mais afinco, pois é uma política afirmativa, sobretudo, da população negra a quem foi negado o direito de compreender-se ser huma-no, por mais de duzentos e cinquenta anos. O desafio de contratar em seus quadros funcionais pessoas negras e mesmo promover em espaços de gerên-cia, como também superar uma relação de desigualdade de gênero que, muitas vezes, mostra-se em rendimentos. E também o desafio da interculturalida-de. Muitas vezes, as culturas de outros povos são tratadas como mero folclore, apesar de haver esforço por reconhecê--las. A fratura entre ricos e pobres está em evidência em nossas universidades.

Há outras questões que emergem e po-deriam ser consideradas a partir desta única colocação que faz o Papa Fran-cisco, contudo, reconhecemos que cada universidade deve procurar fazer esta autoavaliação. O “VER” é mais do que um olhar sobre a realidade; é um “olhar com os olhos misericordiosos de Jesus”. A consciência dolorosa que pretende despertar o Papa Francisco em cada um

de nós implica a busca por uma “interio-ridade” que nos ajude a falar a língua da fraternidade e a beleza da relação com o mundo. Entretanto, como contemplar o belo sem olhar o horror que vivem mi-lhões e milhões de irmãos e irmãs? Como ser indiferente à dor que desfigura tan-tos rostos por fome, miséria, violência, guerras e falta de teto, terra, trabalho, saúde e educação? Como não sentir in-dignação diante das queimadas e ex-ploração selvagem de nossas florestas? Diante do extermínio dos povos indíge-nas e ou mesmo a violência contra pes-soas em situação de rua? Como ficar indiferente à cultura do estupro? Como não reconhecer a cultura que descar-ta jovens e idosos considerados apenas em seu aspecto pragmático utilitarista? Mais que respostas, temos perguntas, e com certeza outras surgirão. Que a ciên-cia busque o amor e escape do perigo do fechamento e isolamento de si mesma no cientificismo e torne-se sabedoria e co-loque-se a serviço da vida da humanida-de, do bem comum desta Casa Comum, sobretudo dos pobres e excluídos.

VISÃO

Uma nova visão é proposta que parte do primeiro princípio indispensável para um novo humanismo, e portanto, da Educa-ção para um novo pensamento, capaz de unir diversidade e unidade, igualda-

ações devem estar alinhadas aos princípios da fé cristã, e assim alinhar os interesses com o problema do bem comum presente em sua empresa e sociedade, tomando decisões que não trarão consequên-cias devastadoras (Dicastério para o serviço do Desenvolvimento Humano Integral. A vocação do líder empresarial. Uma reflexão, 32p.).

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de e liberdade, identidade e alteridade. Lemos no Pacto: “Em outras palavras, trata-se de entender que as diversida-des não apenas não são um obstáculo à unidade, nem a desestabiliza, mas - pelo contrário - são indispensáveis, são o seu horizonte de possibilidades: unidade e diferença não se excluem, na verdade, estão entrelaçadas” (PEG, 2020, p. 11). Diz ainda o Pacto:

Na prática educacional, o novo pensamento inaugura, con-sequentemente, um exercício de diálogo amplo, que envolve livremente quem quer que queira trabalhar para uma autêntica cultura do encontro, do enriqueci-mento recíproco e da escuta fra-terna: “Mesmo nas disputas, que constituem um aspecto inevitável da vida, é preciso recordar-se sempre que somos irmãos; por isso é preciso educar e educar-se para não considerar o próximo como um inimigo nem um adver-sário a eliminar.” Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1º de janei-ro de 2014), porque se “o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada e nem ninguém fica excluído desta fraternidade” (Laudato Si, n. 92) (PEG, 2020, p. 11-12).

Esse exercício de diálogo amplo é o que ocorre no diálogo inter-religioso. Reco-nhece o Papa Francisco que o diálogo entre as religiões é uma condição neces-sária para a paz no mundo e, por con-

seguinte, é um dever para os cristãos e para as outras comunidades religiosas. (Cf. EG, n. 250). Falando da importân-cia do pensamento do diálogo e da paz afirma que “(...) deve iluminar e orientar cada vez mais aqueles que os cidadãos elegeram para a administração político--econômica da sociedade civil” (Cf. PEG, 2020, p. 12).

O Pacto reconhece a importância da relação educacional, ou seja, coloca a pessoa no centro da relação. Comentan-do a respeito da experiência escolástica afirma: “(...) uma educação frutífera não depende primariamente da preparação do professor nem das habilidades dos alunos, mas da qualidade do relaciona-mento que é estabelecido entre eles” (Cf. PEG, 2020, p. 12).

Entretanto, o Pacto reconhece o risco que é o discurso de colocar a pessoa no centro. Quem deve estar no centro é uma pessoa real e concreta e, neste sentido, é preciso considerar a realida-de social e perceber quem está à mar-gem. Diz o Pacto:

Isso também implica assumir o controle concreto das situações iniciais em que se encontram hoje muitas crianças do mundo inteiro. De fato, não podemos esconder que o discurso sobre a centra-lidade da pessoa em qualquer processo educacional corre o risco de se tornar muito abstrato se não estiver disposto a abrir os olhos para a situação real

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da pobreza, do sofrimento, da exploração, da negação de pos-sibilidades, em que se encontra boa parte da infância mundial. E sobretudo, se não se é disponível a fazer alguma coisa. Como o Papa Francisco ama se expressar, é preciso agir sempre ligando a cabeça, o coração e justamente as mãos (PEG, 2020, p. 13).

Outro princípio fundamental a recolocar--se no centro do planejamento educacio-nal é o que “o mundo pode mudar”. Bento XVI, na sua encíclica social “Caritas in Ve-ritate”, identifica a questão de entender os atos da globalização como fatalistas e sem esforço humano. Entretanto, os eventos culturais, históricos e econômi-cos que acontecem em nossa volta não podem ser interpretados como fatos in-contestáveis, determinados por leis ab-solutas (Cf. PEG, 2020, p. 13).

Neste sentido, o Papa Francisco pede que escutemos o clamor dos jovens que pedem mudança. Lemos no Pacto: “(...) E é justamente na força desse clamor dos jovens - que encontra cada vez mais espaço nas inúmeras manifestações criadas por eles - que todos, especial-mente, aqueles que estão envolvidos no setor da educação, devem encontrar a força necessária para alimentar essa revolução da ternura que salvará o nos-so mundo que está muito ferido” (PEG, 2020, p. 14).

Aqui, propõe-se que não tenhamos medo de correr o risco saudável e de

despertar a inquietação pela realidade. Correr o risco que implica: “(...) Como se lê na Evangelii Gaudium - do encontro com o rosto do outro, com a sua pre-sença física que interpela, com os seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado” (PEG, 2020, p. 14).

Podemos considerar que aqui trata-mos do JULGAR. A partir da reflexão conceitual sobre uma nova visão de Educação, podemos avaliar nossos processos educativos. A visão de bus-car a unidade na diversidade implica o exercício de um amplo diálogo e o colocar a pessoa no centro da relação educacional. A centralidade da pessoa leva à uma nova atitude educacional que é o imperativo que o mundo pode mudar e a revolução da ternura é feita a partir da escuta do clamor dos jo-vens. Em nossas universidades deve se multiplicar os espaços de diálogo que envolvam diretamente os jovens em suas necessidades, sobretudo, grupos de vivência e cooperação solidária que atuam como “escuta à jovens em situa-ção de vulnerabilidade”, mas também, apoiar a iniciativa de outros projetos de protagonismo juvenil, considerando sua participação mais direta junto às instâncias de decisão universitária por meio da inserção no movimento estu-dantil e/ou mesmo pastoral. O estágio e a extensão, por meio de cursos e dis-ciplinas, podem favorecer uma maior integração junto à sociedade, sobre-tudo, às comunidades, ONGs e movi-mentos sociais e eclesiais.

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O diálogo com as juventudes pede uma maior atenção às especificidades, e isso também implica considerar as classes sociais. A cultura dos jovens das peri-ferias3, por exemplo, o rap, o hip hop, o funk e o grafite, muitas vezes, são des-consideradas como arte em nossas uni-versidades. Para um exercício de com-preensão maior da importância destes diálogos com as culturas juvenis, faz-se necessário uma releitura da própria his-

tória brasileira sob à ótica dos pobres, dos negros, dos excluídos. A própria Igreja no Brasil reconhece que ainda é necessário abraçar a causa dos negros. Embora, majoritariamente, os negros declaram-se católicos, conforme o cen-so de 2010, poucos são os que partici-pam das comunidades de modo efetivo. Segundo Marco Davi de Oliveira, a re-ligião mais negra do Brasil é o pente-costalismo, com 8 milhões de negros4

3 Quando falamos de periferia é preciso considerar os inúmeros estudos que a partir da década de 90 foram feitos e que trazem novas referências a respeito do ser periférico. Periferia indica processos ou espaços geográficos e sociais similares, tais como bairros populares, moradores de bairros populares, bairros pobres e mesmo classes populares. Como diz D'Andrea: “Posto, em um primeiro momento, como indicador das peculiaridades dos processos de urbanização das nossas cidades, com o correr dos anos o termo se consolidou no campo da denominada “questão urbana”. (D’ANDREA, 2013, p. 10). Houve um deslocamento no jogo de referências e remissões e o termo “periferia””(...) Não mais entendida apenas como o local de pobreza, privação e sofrimento passível de comiseração, a periferia passa a ser um termo utilizado como marcador da presença ativa de populações vistas não sob o signo da fragilidade, mas da potencialidade" (D’ANDREA, 2013, p.10). A “potencialidade da periferia” entende-se em dois sentidos: por-tador de possibilidades e portador de potência e força. Essa “potencialidade” é marcada pela ambivalên-cia porque também foi capturada pelo mercado. Para D’Andrea o termo periferia vira uma arma política e uma forma de organização na década de 1990, principalmente por força do hip hop. Para a pesquisadora Ivana Bentes o termo “periferia” se opõe classicamente a ideia de centro: centros geográficos, econômi-cos, centros culturais, centros de poder,mas ganha hoje um significado simbólico e político ainda mais radi-cal, pois uma “periferia” pode ser um “nó” de um novo arranjo numa cultura de redes (Cf. REVISTA FORUM, 2017). As redes de periferias, as bordas articuladas, não precisam de centro. Essa é a novidade da cultura de redes. Hoje podemos falar de uma periferia global, que se articula por fora e por dentro, atravessa os centros. O hip hop, por exemplo, é uma cultura periférica global. (Cf. REVISTA FORUM, 2017). E nesta perspectiva, o pentecostalismo, também é uma expressão desta cultura da periferia e se apresenta como uma forma de “potencialidade gospel”, também de modo ambivalente, pois também precisa resistir para não ser mais um produto oferecido aos pobres na exploração desumana realizada pelo mercado religioso (Cf. José Antonio BOARETO, Os Orixás e o Senhor Jesus na Casa da Mãe-de-Santo. Análise da construção cultural da religião no Quilombo Brotas em Itatiba-SP, p. 217-219). 4 Segundo Kennet P. Serbin em 2003 foi feito um levantamento do clero pela Igreja e não foi perguntado sobre a etnia o que revela que a Igreja ainda não assumiu a causa dos negros do modo como se empenhou para ajudar os índios com seu bem sucedido Conselho Indigenista Missionário. (Cf. Kennet P. SERBIN. Padres, celibato e conflito social. Uma história da Igreja Católica no Brasil, p. 299). Entretanto, precisamos reconhecer que após 10 anos, a CNBB demonstra sua preocupação em vista da defesa dos territórios quilombolas e produz um estudo onde praticamente afirma que “A missão da Igreja no Brasil é iluminada pela Palavra de Deus, que criou a humanidade com a marca da diversidade, significada nas dife-rentes culturas. A resistência histórica das comunidades quilombolas permitiu que não sucumbisssem, no passado, ao projeto escravagista, e, hoje, ao poder avassalador do capitalismo. Tal resistência lembra a luta dos diferentes povos da bíblia. Os povos foram encontrando, inspirados por Deus, caminhos para su-

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frequentando as igrejas5. Uma atenção maior a esta cultura da periferia preci-sa ser dada pelas nossas universidades para que possamos compreender me-lhor a realidade social, sobretudo, das nossas metrópoles brasileiras.

Ao considerarmos o outro - a centrali-dade da pessoa - que propõe o Pacto,

não de modo abstrato mas real, a pes-soa do negro pobre periférico, compre-endemos que poderemos então falar de fraternidade na perspectiva que pede o Pacto, pois no Brasil, ser fraterno é re-conhecer na pessoa do pobre e excluí-do, e aqui o negro, o indígena e a mulher negra pobre, o outro, que segundo Enri-que Dussel está exterior6 ao sistema na

perar os desvios do projeto que não só imprimiam um rompimento com o plano salvador, mas também im-plicavam dor e sofrimento para muitas pessoas devido aos processos de exclusão. Neste sentido, também a Palavra de Deus é fundamento para o processo de resistência dos quilombolas e fonte de inspiração para o compromisso da Igreja Católica no Brasil para com essas comunidades. Esse compromisso eclesial também se fundamenta nos Documentos do Magistério Universal e Latino-americano. Nestes está des-crita a opção inequívoca da Igreja de apoiar os processos das comunidades quilombolas que assegurem o direito ao território e à sua forma de vida. Isso se evidenciou no passado pela condenação ao projeto es-cravagista, manifestada nos Documentos Pontifícios, passando pela proposição da necessidade de uma evangelização in-cultural expressa sobretudo nos Documentos da Igreja na América Latina, com destaque para os Documentos de Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). A Campanha da Fraternidade de 1988 foi um marco na ação evangelizadora do Brasil, pois evidenciou, apesar de resistências, o compromisso com a causa dos afro-brasileiros e abriu caminho para ações pastorais voltadas especificamente às co-munidades quilombolas. Defender os territórios quilombolas significa defender o fundamento da vida qui-lombola devido às tantas tentativas de negar essa garantia constitucional. Daí surgem outras iniciativas voltadas ao reconhecimento do diálogo e do apoio às comunidades quilombolas, enquanto protagonistas dos seus processos sociais, religiosos e políticos. A necessidade de políticas públicas responde ao direito de ter, de parte do Estado, seus direitos mínimos, enquanto cidadãos, assegurados. As pistas pastorais sugeridas têm o objetivo de contribuir com as dioceses para que, pela ação eclesial, dentro de uma pas-toral de conjunto respondam aos desafios da ação evangelizadora junto às quilombolas (Cf. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A igreja e as comunidades quilombolas, p. 84-85).5 Os negros no país em sua maioria são católicos - 61 milhões - Entretanto, a maioria dos negros que professam o catolicismo não frequenta ativamente a igreja, ao contrário do que acontece com os negros pertencentes a igrejas evangélicas, que participam de forma efetiva de suas comunidades lo-cais. Se, por um lado, não podemos deixar de afirmar que os negros, em sua maioira, são católicos, por outro não podemos ignorar que o pentecostalismo pode ser considerado a igreja mais negra do Brasil, se levarmos em consideração questões como liturgia, canto, aproximação do povo, linguagem, postura eclesiástica etc - características não observadas na maioria das igrejas católicas, bem como nas igrejas do protestantismo histórico. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os pentecostais passaram de 11.951.347 (Censo 2000) para 22.785.426 (Censo 2010). 14.545.768 são negros pentecostais, enquanto a população negra de umbandistas e candomblecistas têm um total de 297.988 pessoas (Cf. Marco Davi de OLIVEIRA. A religião mais negra do Brasil. Por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo? p. 18).6 Enrique Dussel ao elaborar sua filosofia da libertação trabalha com conceitos chaves de Tota-lidade e Exterioridade. Ele vê no pensamento de Levinás a possibilidade de pensar a filosofia da América Latina. Para Levinás a ontologia de Heidegger é um pensamento violento, totalitário, pois não abre espa-ço para pensar o diferente, “não é, portanto, uma relação com o outro como tal, mas a redução do outro

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ao mesmo” (LEVINAS, 2008, p. 33). Levinás propõe a ética como filosofia primeira a partir da alteridade do outro. Dussel reconhece a originalidade de Levinás: a descoberta da alteridade, isto é, o outro que está no mundo é exterior ao meu mundo. Entretanto ainda esta visão continua limitada, pois para ele este outro é o judeu massacrado por Hitler, o outro é ainda um outro europeu. diz Dussel: “Levinas fala sempre de outro como o “absolutamente outro”. Tende, então, para o equívoco. Por outro lado, nunca pensou que o outro pudesse ser um índio, um africano, um asático. O outro para nós é a América Latina em relação à totalidade européia; é o povo pobre oprimido da América Latina em relação às oligarquias dominadoras e, contudo, dependentes”. (DUSSEL, 1986, p. 196). Para Dussel o outro é o excluído, aquele que irrompe com o sistema, com o habitual, com o cotidiano, ele não é o habitual, o diferente e o extraordinário. Ele é exterioridade, exterior a todo sistema e se revela como “pobre oprimido; aquele que à beira do caminho, fora do sistema, mostra seu rosto sofredor” (DUSSEL, 1986, p. 48). A filosofia da libertação se propõe a buscar a razão do outro diante da Razão que sempre se impõe eurocêntrica, machista, pedagogicamente dominadora, culturalmente dominadora, religiosamente fetichista. No mundo, no sistema em que se vive, há sempre o diferente: o rosto de outros homens. No rotineiro da vida se apresentam como uma coisa, um objeto que faz parte do sistema, e não como outro homem. É difícil reconhecer o outro homem, é difícil isolá-lo do sistema. Seu rosto é visto, simplesmente, como uma coisa sem mistério, o rosto é visto como uma máscara que não é o rosto, é uma coisa que completa um ambiente, assim “passa-se junto ao outro e simplesmente se diz: “um operário!”, ou “um índio”, ou “um negro!” (DUSSEL, 1986, p. 59). Há momentos que o sistema é quebrado e outro se mostra como outro homem, não meramente com um objeto ou um instru-mento do sistema, mas o outro se revela em sua total exterioridade. Isso ocorre quando alguém nos diz: “uma ajuda por favor! ou estou com fome; dê-me de comer!” (DUSSEL, 1986, p. 46). O outro se mostra não como objeto mas alguém conseguindo fugir da totalização instrumental. Ao se revelar como alguém, ele se mostra livre, bem como se mostra um mistério, uma vez que resiste a toda totalização instrumental. Ao fugir da totalização instrumental, o outro se revela como exterioridade, como aquele que é livre, ele não é parte do meu mundo - incondicionado ao meu sistema e, por isso, “jamais posso a-barcar, com-preender, po-ssuir, tornar totalmente meu o “outro”, e tantas outras mais” (ZIMMERMANN, 1987, p. 183). A alteridade só é possível a partir da liberdade, isto é, o outro só é outro quando fugir do sistema, ao contrário, ele não é livre funcional, não é o outro, mas é profissional, parte de um sistema, de uma estrutura. “O outro, como outro livre e que exige justiça, instaura uma história imprevisível. O outro como mistério é o para onde, o mais além de meu mundo, que o movimento dialético não pretenderá compreender como totalidade tota-lizada, uma vez quel, por sua estrutura finita, sabe que jamais conseguirá. A totalidade, como o visto feito sistema, opõe-se a infinitização (infínicion) de um movimento dialético que se abre para ouvir a palavra do outro, que se revela a partir de uma exterioridade insondável e imprevisível (DUSSEL, 1986, p. 187).

América Latina e por isso mesmo provo-ca e convoca-nos à justiça com seu ros-to, pois como afirma o Pacto, citando o Papa Francisco na Evangelii Gaudim - o risco é ir ao encontro do rosto do outro - rosto real e não abstrato - marcado pela dor e pelo tempo, pela fome e misé-ria, e pela exclusão. Diríamos que esta-mos diante de uma alteridade real à que a universidade é chamada a promover junto às juventudes.

O Papa Francisco chegou afirmar em uma de suas falas se quisermos com-preender a realidade precisamos par-tir da periferia, portanto, fica a provo-cação para que a universidade “pegue a visão” que está sendo proposta pelo Pacto e pergunte-se sobre o quanto, em seu planejamento educacional, tem promovido uma cultura de solidariedade junto às periferias, sobretudo, inserida na cultura da juventude negra periférica

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e pentecostal. Outro desafio é o diálo-go com os movimentos sociais. O Papa Francisco tem enfatizado a importância de dar voz aos grupos sociais que, mui-tas vezes, são silenciados pois não são considerados em seus coletivos. Favore-cer o espaço de participação dos movi-mentos sociais que são marginalizados junto às universidades é fortalecer a democracia pelo princípio da participa-ção. De alguma forma, como diz o Papa Francisco, o mundo vai mudando mes-mo que não vejamos. Há um provérbio africano que diz: “Pessoas simples, em lugares simples, fazem coisas simples e geram mudanças extraordinárias!”.

A MISSÃO

Em relação ao esforço em criar uma “vila da educação”, o Papa Francisco enfati-za que sem esforço de todos não será possível e é necessária uma tríplice co-ragem: em primeiro lugar a coragem de colocar a pessoa no centro; em segundo lugar, a coragem de investir as melho-res energias com criatividade e respon-sabilidade; em terceiro e último lugar, a coragem de formar pessoas disponíveis para o serviço da comunidade. Compre-ende-se, então, que há uma intrínseca relação entre a encíclica social Laudato Si’ e o Pacto Educativo Global.

A Educação é “chamada a criar uma ci-dadania ecológica” (Laudato Si’, n. 211) que pode tornar-se uma ferramenta efi-caz para construir, a longo prazo, uma sociedade mais acolhedora e atenta ao cuidado do outro e da criação. Lemos no

Pacto: “Em outras palavras, o compro-misso educacional não é voltado ape-nas para beneficiários diretos, crianças e jovens, mas é um serviço prestado à sociedade como um todo, que na educa-ção se renova” (PEG, 2020, p. 15). A segunda passagem corajosa rumo a um novo pacto formativo, consiste em ter a força, como comunidade (eclesial, social, associativa, política), para ofe-recer à Educação as melhores energias que se têm à disposição. E oferecer tais energias exige o desafio de colocar os melhores jovens graduados e as men-tes mais brilhantes a serviço do bem comum em detrimento das grandes em-presas com fins lucrativos. E reconhecer o desperdício de energia que ocorre de-vido a incapacidade de sobriedade que leva-nos a responder docilmente aos estímulos da propaganda e a viver no consumismo individualista. A coragem é necessária para superar tais fragili-dades numa verdadeira e radical inver-são de rota, onde só a Educação pode, a longo prazo, alcançar uma mudança positiva (Cf. PEG, 2020, p. 16).

O terceiro ato de coragem, solicitado pelo Papa, é aquele de formar pessoas disponíveis para se colocarem a serviço da comunidade. Lemos no Pacto: “ne-nhum educador alcança plena ação edu-cativa se não se comprometer a formar e a plasmar, naqueles que são confiados a seus cuidados, uma plena e real dis-ponibilidade ao serviço dos outros, de todos os outros, de toda a comunida-de humana, a partir daqueles que mais

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apresentam uma situação de fadiga e de desafio” (PEG, 2020, p. 16-17).

O Pacto praticamente encerra assu-mindo a máxima: “O verdadeiro serviço da educação é a educação ao serviço”. Uma Educação que promova a frater-nidade para “viver com os outros”, mas também “servir aos outros”. Como diz o Pacto, citando Hanna Arendt:

(...) A educação é o momento que decide se nós amamos suficien-temente o mundo para assumir a responsabilidade e assim salvá-lo da ruína, que é inevitável sem a renovação, sem a chegada de novos seres, os jovens. Na edu-cação decide-se também se nós amamos tanto os nossos filhos a ponto de não desalojá-los do nosso mundo deixando-os à mer-cê de si mesmos, a ponto de não arrebatar de suas mãos a chance de realizar algo novo, algo de imprevisível para nós; e prepará--los ao invés, em vez disso, para a tarefa de renovar um mundo que será comum a todos. (Entre o Passado e o Futuro, Garzanti, Turin 1999 [orig. 1961], 255) (PEG, 2020, p. 17).

Podemos afirmar que o AGIR está sinte-tizado aqui como A missão que é criar uma “vila da educação”, por meio de redes de relações humanas e abertas. Para isto, importante é assumir a trípli-ce coragem. Ao considerar os desafios do Pacto Educativo Global no Ensino

Superior, procuramos demonstrar que, em contexto brasileiro, a coragem de colocar a pessoa no centro, a abertu-ra para o outro como fundamento do Pacto está na pessoa do negro pobre e periférico. Com isso, não estamos des-considerando os outros grupos sociais, mas a ênfase sobre este grupo dá-se por uma tomada de consciência negra necessária que compreende a dívida so-cial histórica que temos para com esta população. A coragem em assumir a questão racial pela universidade brasi-leira é colocar a pessoa no centro. A co-ragem de investir as melhores energias em criatividade e responsabilidade, em particular, apoiando iniciativas de pro-jetos sociais e pastorais de comunida-des vulneráveis. E a coragem de formar pessoas disponíveis para o serviço da comunidade, por meio do estudo e das atividades práticas de inserção junto à periferia e, desta forma, vivenciar uma Educação ao serviço dos outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso texto sobre os desafios do Pacto Educativo Global, não deixamos de considerar a realidade brasileira em seu contexto maior. A realidade de desi-gualdade social, que antes é racial, faz sentir na situação real das comunidades indígenas e quilombolas, pois viveram um processo escravagista desde o pe-ríodo colonial.

Consideramos importante, no proces-so de construir essa “vila da educação”, que sejam considerados a sabedoria an-

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cestral indígena que nos ajuda a apren-der o “bem viver” com um estilo de vida mais sóbrio e em maior harmonia com toda a criação. Igualmente, considera-mos que se faz necessário aproximar-se das comunidades quilombolas, para que assim nossas universidades possam es-tar comprometidas com a História con-siderada à luz da exigência de justiça do Evangelho, enquanto opção preferen-cial pelos pobres.

Nossas universidades ainda reprodu-zem modelos de formação semelhante a “Casa Grande” e tratam a periferia, as favelas, como “senzalas”. A abolição não libertou o negro, dando-lhe condi-ções de homem livre. O preconceito pre-valeceu e não houve política afirmativa de inclusão, e, portanto, foi relegado à margem. A Igreja reconheceu que a es-cravidão, da qual ela mesma foi incen-tivadora, é um pecado do passado. E agora os Bispos do Brasil afirmam que tal “pecado do passado não nos deve impedir, porém, de combatermos hoje, e com veemência, toda forma de ex-clusão, de discriminação e de racismo” (CNBB, 2013, p. 61). Os desafios do Pacto Educativo Global, para o Ensino Superior no Brasil, exigem de todos nós um profundo discernimen-to sobre o empenho em promover a fra-ternidade a que somos chamados, seja na busca por viver com os outros e ser-vir aos outros. Considerando que toda questão social é antes antropológica,

reconhecemos que precisamos assumir a causa dos negros como causa do Brasil e da pastoral da Igreja no Brasil, e neces-sariamente, na universidade brasileira.

Deixamos agora uma palavra dos Bis-pos do Brasil, para que possam ajudar--nos na reflexão sobre o sentido do pac-to educativo a ser assumido enquanto Ensino Superior brasileiro.

É o que queremos fazer, tam-bém agora, incentivando nossas comunidades a renovar nosso compromisso evangélico com a vida e com a justiça, procurando tirar de nossa cabeça, de nosso coração e de nossas práticas tudo que é resquício de uma “senzala” que ainda pode existir dentro de nós. Quando achamos normal explorar nossos emprega-dos, quando achamos normal nos submeter sem reagir à opressão e à violência, quando achamos normal pedir favores aos políticos no lugar de exigir nossos direitos, quando achamos normal que uns poucos privilegiados concentrem e gozem de riquezas e privilégios, quando muitos irmãos e irmãs, comunidades, e até populações inteiras, são obrigados a viver na exclusão e na humilhação. Que o Espírito Santo nos ilumine para que possamos fazer escolhas coerentes com o Evangelho que anunciamos (CNBB, 2013, p. 61).

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REFERÊNCIAS

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ARTIGO

RESUMO

Ivan Luiz Monteiro e Marcia Lisete dos Reis

A NEGRA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO: PARA ALÉM DO HORIZONTE DA LEI 10.639/03

A presente análise busca evidenciar que a Lei 10.639/03, cuja natureza trata da obri-gatoriedade de ensino da História e Cultura Afro-Brasileira em todas as séries do ensino básico, carece de uma dinâmica de compreensão do processo histórico do acesso das pessoas negras à Educação formal. Mais precisamente da luta para ga-rantir acesso à história e cultura por meio da Educação. Optou-se evidenciar a fun-damentação e os possíveis alcances da referida lei. Historicamente, a desinformação e o desinteresse sobre a cultura e história do povo negro, bem como a dificuldade e proibição do acesso à Educação, auxiliam na composição do legado imputado ao negro no espaço escolar, bem como no reflexo da sociedade brasileira em geral.

Palavras-Chave: Educação. Lei n. 10.639/03. Negritude. História.

Ivan Luiz Monteiro

Doutorando em Filosofia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Espe-cialista em Filosofia da Educação (UFPR); Professor do Centro Universitário Bagozzi; Técnico Pedagógico da Equipe de Educação Escolar para Ética das Relações Étnico-racias; Técnico Pedagógico da Equipe de Educação Escolar Quilombola, na Secretaria Estadual de Educação e Esporte do Paraná.contato: [email protected]

Marcia Lisete dos Reis

Licenciada em Pedagogia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR); Gestora da Escola Municipal Marcelino Luiz de Andrade, Araucária, PR. Membro do Instituto Afro-brasileiro do Paraná (2016); Membro do Fórum de Combate ao Racismo de Araucária (2016) e do Coletivo Feminino de Araucária (2020); Membro da Comis-são de Análise de compatibilidade com a Política Pública de Cotas, Araucária, PR.contato: [email protected]

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Na atualidade, ao se propor a discussão como se deu a promulgação e aplica-bilidade da Lei 10639/2003, qual torna obrigatório o ensino de História e Cultu-ra Africana e Afro-Brasileira em todas as séries da Educação Básica, requer--se (mesmo estando prestes a com-pletar duas décadas) trazer à tona os elementos que compõe a acessibilidade das pessoas negras ao legado educa-cional formal. Pois, apresentar a forma pela qual os negros e as negras tiveram e têm acesso à Educação formal ainda é uma questão que o Brasil não tem res-posta precisa.

Esta situação, em si mesma, propicia uma não desprezível chave de leitura para o problema. Pois, desconhecer, ao longo da história da nação, como a maior parte de sua população se educa, termina por revelar qual a im-portância da população negra para as autoridades responsáveis por pensar, programar e disponibilizar as políticas educacionais no país.

Ainda que tarde, a análise sobre o per-curso institucionalizado da formação cultural dos amefricanos1, como Lélia Gonzales (2020, p.134) denomina sabia-mente a identidade latente dos negros neste território, pode trazer fortes lu-zes sobre o problema do acesso de pes-soas negras à escolarização no Brasil. Sem este tipo de investigação, a Lei 10639/2003 não apenas corre o risco de não ser compreendida (como muita se evidencia por parte de seus críticos), mas, de modo pior, com o desconheci-mento e desprestígio sobre a história do negro – assim como acontece com a Lei 3.353/1888 (BRASIL, 1888) –, po-de-se incorrer no erro de se pensar que houve um consentimento razoável por parte dos legisladores e executores da lei, em permitir aos brasileiros o con-tato com as raízes identitárias desta nação. Ou seja, descaracterizar que a exigência do ensino da História e Cultu-ra africana e afro-brasileira sempre foi e é fruto da resistência e re-existência2 do povo preto.

1 Em seu ensaio, a categoria de amefricanidade, a socióloga e ativista Lélia Gonzales (1935-1994) procede à dedução do conceito que ela formula como sendo a construção do sistema colonialista, tanto na América Anglo-saxã quanto na América Latina. Enfatizando que embora tenham sido sistemas de coloni-zação distintos, a relação ideológica com a metrópole e a hierarquia classista na colônia possui mecanismo semelhante de controle aos sujeitos. No caso dos negros e índios, ambas as colonizações buscaram dizimar os indivíduos e suas culturas. Para mais: GONZALES, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: en-saios, intervenções e diálogos. (Org.) Flavia Rios, Marcia Lima. Rio de janeiro: Zahar, 2020. p.134-138.1 ARRUDA e FONSECA (2018) argumentam em seu artigo, Existência enquanto re-existência em tempos de medo, como o conceito de re-existência como sendo aquilo que corresponde a uma “existência processual que possui seu modo de ser intrínseco e incomparável através de sua inserção em um ecossis-tema, sobrevivendo e fazendo sobreviver”. Sob este sentido, se exprimem os aspectos de um tipo de arte do existir, em que as manifestações existenciais subsumidas ao referido modo, performam um desdobra-mento possível de criar outros multiversos cambiáveis e passíveis de serem habitados. Para mais: ARRU-DA, M; FONSECA, T. Existência enquanto re-existência em tempos de medo. Mnemosine, Rio de Janeiro, v.14, n.2, 2018. P. 206-218.

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O número significativo de docentes que ao longo de sua formação acadêmica não possuem contato com a temática da História e Cultura Afro-Brasileira, também termina por desvelar a ampli-tude do problema. Pois, se academia é, em grande medida, o reflexo da socie-dade a que pertence, então é vigente que a cultura africana e afro-brasileira tem muito ainda que abrir espaço nos meios acadêmicos.

Para Araújo e Silva (2020, p.326-327), ao analisarem mais de 100 pesquisas, desde 2003 até 2014, constatam que

as disputas e ambiguidades existentes na construção da educação antirracista nos cursos de pedagogia, onde o currículo expressa as tensões, contradições e interesses de grupos que estão dentro e fora da universidade [...] nos revelam os entraves na produção do saber na academia brasileira no que tange à discussão sobre práticas curriculares antirracis-tas no ensino superior.

Isto permite observar que a reflexão, no ensino superior (particularmente nas li-cenciaturas), acerca da proposta curri-cular quanto a introduzir a História e Cul-tura Afro-Brasileira ainda não conseguiu se consolidar como objeto epistêmico de uma determinada linha de pesquisa.

Desta feita, não é de se estranhar a noção de que o percurso educacional

formal das pessoas negras seja deter-minado, quase que de modo exclusi-vo, segundo seu próprio ânimo. Porém, desta maneira se deixa de considerar as vicissitudes da historicidade e das condições estruturais que obstaculizam a acessibilidade, a manutenção e a con-clusão da escolarização dessas pessoas.

Analisar as nuances trazidas pela im-plementação da Lei 10639/2003, de-monstra ser também um exercício dialético de relevante alcance para sanar o discurso monológico que tem prevalecido no campo educacio-nal. Este discurso único tem sido uma constante, não apenas na área edu-cacional, mais em todos os âmbitos que tangem a vida do brasileiro (seja econômico, social ou culturalmente). O discurso que se pretende unívoco visa a estrutura cultural em razão de determina-la por meio da prática es-colar, qualificando o saber da esco-la como única forma e conteúdo da “verdadeira” civilização. No entanto, a supracitada lei se coloca a promover uma ruptura na discursividade unila-teral fundante do aparelhamento ide-ológico, que se percebe cercado de princípios e parâmetros eurocêntricos a mensurar e determinar metodologi-camente um modo de existir.

Desta feita, propor e garantir a forma-ção em História e Cultura Afro-brasileira vem ao encontro de um discurso próprio enquanto amefricano, pois afrocentra-do como afirma Santos JR (2010), mas também permeado do que é próprio na

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vivência da brasilidade3 daqueles que performam neste território chamado Brasil. A Lei 10639/2003 visa, portanto, aniquilar a acepção da hierarquia ra-cial no âmbito teórico ou especulativo, mas sobremaneira no âmbito prático, ou seja, no ethos educacional. Sobremo-do, trata-se da ressignificação institu-cional em propor e vivenciar, por meio do saber escolar, uma conceituação afirmativa sobre as pessoas negras, no que tange sua constituição existencial, axiologia e relacional. De modo que isso incorra em manifestar transmutação do modo escolar a ganhar o âmbito social como um todo.

Na história da Educação como concate-nação fenomenológica, a historicidade dos negros na Educação se revela um conjunto de elementos marcados, de modo geral, pela conscientização, por parte das pessoas negras, da impor-tância do acesso à Educação. Porém, a marca da proibição ou imposição de obstáculos para que os negros não fre-quentassem a escola também é presen-te em vários momentos históricos. Isto fica evidente ao se tomar o argumento de Jeruse Romão (2005), no qual se lê:

A história da educação do negro é a história de um conjunto de fe-nômenos. Parte da concepção do veto ao negro; percorre os cami-nhos da articulação de consciên-cia dos seus direitos; ressignifica a função social da escola; recu-pera os movimentos, no sentido de organizar suas experiências educativas e escrever uma histó-ria social da educação do negro; e revela imagens que não conhe-cemos, embora os indicadores sociais e educacionais nos dêem muitas pistas acerca da moldura do quadro (ROMÃO, 2005, p.12).

Assim, ao mobilizar os órgãos educa-cionais competentes, almejando ul-trapassar os espaços escolares, a Lei 10639/2003, que obriga a inclusão do conteúdo de História e Cultura Afro--Brasileira no currículo, almeja instaura o exercício constante da reflexão e da prática em oportunizar saberes sobre a vida e o contexto dos/das estudantes. O exercício do reconhecimento, da va-lorização afirmativa exige uma disposi-ção prática. Pois, como alerta Alberto Guerreiro Ramos (1995), na Patologia

3 O conceito de “brasilidade” é proposto por Luiz Antônio Simas et al. (2020) enquanto modo de vivência (sobremaneira, da cultura popular) de enfrentamento do Brasil, este último mais no sentido de estrutura que tem na gênese a sistematização colonizadora qual busca manter e/ou aperfeiçoar e, menos no sentido de Estado Nação. Para mais sobre brasilidades ou brasis versus Brasil: SIMAS, L. Et al. Arruaças: uma filosofia popular brasileira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.

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social do “branco” brasileiro4: “Há o tema do negro e há a vida do negro” (Ramos, 1995, p.215). Trata-se, como se mostra evidente, de consolidar em modo de vida cidadão, porque pluriversal, os saberes sorvidos de modo empírico no convívio entre sujeitos e culturas que vivem na

atualidade ou tem no passado a gestão matrilinear5 ancestral, ou seja, admiran-do e congregando todas as formas de vida em um seio criador divino que não segrega, mas sim acolhe e promove no ordenamento do cosmo toda potência de vida.

4 Primeiro capítulo, da terceira parte da obra, RAMOS, Alberto G. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. 5 Sobre o princípio matrilinear ancestral, e a representação de Maat como símbolo do direito e da justiça: RIBEIRO, Katiúscia; MOREIRA JR., Valter Duarte. Análises e reflexões afrocêntricas acerca da educa-ção filosófica. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. n. 31, p.87-100, 2019.

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____. Proposta de Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei 10.639/2003. Brasília: MEC, 2008.

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SIMAS, L. Et al. Arruaças: uma filosofia popular brasileira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.

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ARTIGO

RESUMO

Humberto Herrera Contreras e Luiz Felipe Lacerda

O PACTO EDUCATIVO GLOBAL E A ECOLOGIA INTEGRAL

HUMBERTO HERRERA CONTRERAS

Filósofo, pedagogo e teólogo. Mestre e doutor em Educação. Professor/coordenador no Centro Universitário Bagozzi, Curitiba-PR. Assessor na área de ensino religioso e pastoral da SM Educação. Membro da Rede Internacional de Filosofia Ecológica Integral.contato: [email protected]

LUIZ FELIPE LACERDA

Psicólogo, pós-graduado em Psicologia Transpessoal, mestre e doutor em Ciências Sociais, Coordenador da Cátedra Laudato Si da Univer-sidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Secretário Executivo do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), Coordenador do Grupo de Homólogos em Ecologia Integral da Rede de Centros Sociais da Conferência dos Provinciais da América Latina e Caribe (CPAL).contato: [email protected]

O texto retoma a intenção educativa da Laudato Si’ (sobre o cuidado da Casa Co-mum), alinhada à proposta do Pacto Educativo Global. Enfatiza a dívida ecológica, que acentua a marca da crise relacional, que obriga a reconstruir uma aliança entre a humanidade e o ambiente. Pautado nas premissas da Educação e espiritualidade ecológicas, sinaliza possibilidades para uma cultura ecológica integral nas institui-ções educativas.

Palavras-Chave: Ecologia integral. Pacto Educativo Global. Casa Comum. Escola.

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O PACTO EDUCATIVO E A LAUDATO SI’

“Este é o sinal da aliança que faço con-vosco e com tudo o que vive convosco,

para todas as gerações” (Gn 9, 12)

A encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da Casa Comum, no Capítulo I: O que está a acontecer à nossa casa, no item 5 sobre a desigualdade planetária, afir-ma que existe uma “dívida ecológica” que obriga a pensar numa “ética das re-lações internacionais”. Chama a atenção sobre a atividade poluente de empresas multinacionais e sobre os danos huma-nos e ambientais que estas deixam, en-tre eles as “aldeias sem vida” (n.51). No Capítulo VI: Educação e espirituali-dade ecológicas, a mensagem é radical:

[...] a humanidade que precisa de mudar. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilha-do por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvol-vimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cul-tural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração (n. 202).

Na citação, o termo “desafio” já expres-sa a força do que será o Pacto Educati-vo Global. O item 2, do IV Capítulo, Edu-car para a aliança entre a humanidade e

o ambiente, alerta que “A consciência da gravidade da crise cultural e ecológica precisa de traduzir-se em novos hábitos [...]. Por isso, estamos perante um desa-fio educativo” (n. 209). E recomenda que os educadores sejam “capazes de reor-denar os itinerários pedagógicos duma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na solidarieda-de, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão” (n. 210). A encí-clica Laudato Si’ atribui aos diferentes âmbitos da Educação, em especial à Educação escolar (n. 213), a criação de uma “cidadania ecológica” a partir de ações cotidianas, que, baseadas no cui-dado, se constituam em um novo estilo de vida (n. 211).

A “dívida ecológica”, ao ser reconhecida e assumida nesse novo estilo de vida, interpela por uma “conversão ecológi-ca” profunda:

[...] que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da expe-riência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa (n. 217).

Segundo Francisco, essa conversão ecológica precisa estar pautada em “re-des comunitárias”, capazes de unir for-ças e contribuições que dinamizem uma “mudança duradoura”, uma “conversão comunitária” (n. 219).

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Casa, de forma objetiva é o lugar onde se vive. Comum, traz o toque da subjetividade, pois acena para o sujeito que habita a casa, nesse caso, sujeitos. Sendo a casa habi-tada por sujeitos-pessoas, convém lembrar que cada pessoa também tem sua casa individual, seu corpo, seus ecossistemas pessoais, onde se conectam seus valores trans-cendentes. Quanto mais a pessoa souber cuidar de sua casa pessoal, melhor ela vai interagir com os/as outros/as habitantes e com os ecossistemas da Casa Comum. Esta possui ambientes plurais, que vão desde as realidades próximas como a residência, o bairro, a cida-de, o país, para chegar à realidade maior do Planeta e do Cosmos. O termo Casa Comum, portanto, evoca a consciência e a responsa-bilidade de cada pessoa que habita o Planeta Terra. Consciência de suas possibilidades existenciais e responsabilidade pelo seu cuidado pessoal e coletivo, pois a casa é de todos e todas. E todos/as dela dependem para viver, sejam as atuais ou as fu-turas gerações. A ciência e todo o processo formativo geram o conhecimento dessas realidades, fomentando a consciência e o

Na mensagem de lançamento do Pacto Educativo (FRANCISCO, 2019), o Papa Francisco, apoiado nos desafios sina-lizados na encíclica Laudato Si’, afirma que a “mudança precisa duma caminha-da educativa que envolva a todos”: “[...] É necessário construir uma ‘aldeia da educação’, onde, na diversidade, se par-tilhe o compromisso de gerar uma rede de relações humanas e abertas”. Segun-do ele, a aldeia é condição para educar e é urgente “unir esforços numa ampla aliança educativa”. Em 2020, no dis-curso aos participantes na plenária da Congregação para a Educação católica (FRANCISCO, 2020), o Papa explicitou que “a educação é uma realidade dinâ-mica”, um movimento ecológico, inclusi-vo, pacificador e de equipe, que inspire cuidado e fraternidade.

CAMINHAR JUNTOS RUMO À EDUCAÇÃO ECOLÓGICA INTEGRAL1

“Façamos uma resenha... das questões que hoje nos causam in-

quietação e que já não podem esconder debaixo do tapete”

(n. 19)

Casa comum? Para entender o sentido desta expressão, compartilhamos a re-flexão do Ir. João Gutemberg:

1 Este item integra ideias sintetizadas no GT ecologia integral, formado para o encontro Una – Entre todos (2021), proposto pela SM Global em vistas a fortalecer as orientações do Pacto a nível congregacional e intercongregacional, e do GT Educação, da Revolução Laudato Si' Brasil (2020 - 2021), do qual participam várias instituições educativas católicas do país, motivadas pela pauta ecológica integral no movimento do Pacto.

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compromisso no cuidado do am-biente vital. Missão essa que é de suma importância em todo proces-so educativo. Podemos considerar a escola, também, como casa comum, com sistemas integrados que colaboram eficazmente com o bem-estar social e com o cuidado de todos os aspectos da casa, que é de todos (CONTRERAS; DE PAU-LA; CHESINI, 2021).

“O que está acontecendo em nossa casa?” é o título do 1º capítulo da Lauda-to Si’. Essa indagação se atualiza a cada nova leitura e nos provoca a respondê--la. Vivemos num contexto com marcas profundas de um ritmo de vida, trabalho e estudo que poderíamos definir como “inorgânico”. Há uma dificuldade de com-preensão e de construção de qualidade de vida e bem comum, uma dinâmica marcada pela cultura do descarte e pela desigualdade planetária; assistimos à perda da biodiversidade, ao esgotamen-to dos bens culturais, à poluição e às mu-danças climáticas. Precisamos concluir que nesse movimento não há espaço para a globalização da indiferença (n. 52), e sim possibilidades de globalização da esperança: “Tomar dolorosa consci-ência, ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece com o mun-do e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar” (n. 19).

A seguir, sinalizamos alguns possíveis passos para caminhar juntos rumo à Educação ecológica integral:

a) No currículo: propor critérios

1. Revisar as propostas educativas e ve-rificar as que coincidem com as pro-posições da ecologia integral;

2. Implementar grupos de trabalho re-presentativos das áreas de conheci-mento que possam avaliar o currículo e propor critérios esperados;

3. Sugerir práticas que ajudem a concre-tizar o desenvolvimento de propostas educativas ecológicas.

É preciso evitar propor grandes mu-danças no currículo, que não possam levar-se à prática. Sugere-se planejar câmbios graduais, que respondam às possibilidades institucionais, e fomentar a colaboração intra e interinstitucional, para alcançar as implementações curri-culares que se esperam.

b) Estilo de vida: interioridade, criatividade e compaixão1. Elaborar programas curriculares e ex-

tracurriculares orientados ao desen-volvimento da interioridade;

2. Gerar ambientes institucionais para o desenvolvimento da interioridade e o cuidado das pessoas;

3. Favorecer/implementar ambientes que incentivem práticas de interiori-dade, com ênfase na espiritualidade ecológica.

É importante não mecanizar as práti-cas de incentivo à interioridade e nem limitar as experiências de interioridade a práticas de oração e/ou espiritualida-de religiosa. Também, é essencial evitar

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restringir as experiências de interiorida-de à sua dimensão interna, desconside-rando sua relação social externa.

c) Desenvolver uma compreensão profunda sobre as aprendizagens: conexão e comunicação com a vida1. Gerar uma visão integradora dos ele-

mentos curriculares, projetos educa-tivos e desafios da evangelização no século XXI;

2. Aproximar-se e formar redes com os espaços educativos do bairro, a fim de ampliar a colaboração e incidência das propostas;

3. Avaliar as dinâmicas que potencializam e obstaculizam o encontro fraterno e a atenção aos mais vulneráveis;

4. Acompanhar e integrar os saberes produzidos nos diversos âmbitos edu-cativos (acadêmicos, populares, comu-nitários...) sobre a ecologia integral, os direitos da Natureza e o Bem Viver.

Este item nos alerta para não isolar as orientações da Laudato Si’ em áreas es-pecíficas da instituição, propondo unica-mente atividades não formais, desvincu-ladas do processo educativo integral no qual as propostas se inscrevem. Nessa mesma perspectiva, invita a não entender as propostas pastorais desconectadas de sua relação pedagógica, desarticulan-do as práticas dos discursos incentivados pelas encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti. A intenção dirige-se à geração de políti-cas e linhas de ação no desenvolvimento institucional, à concepção de propostas educativas com espiritualidade e análise profunda da realidade, que gerem pro-

jetos de incidência social, e à efetivação de um plano de comunicação que com-partilhe e gere sensibilidade com a ex-periência comum realizada.

d) Ampliar em nossas instituições am-bientes naturais: interação e direito do educando1. Propiciar espaços específicos para o

cuidado (hortas, jardins, rodas para conversar...);

2. Adotar ecologicamente áreas inter-nas e externas à instituição para fa-vorecer o encontro e a melhoria da comunidade;

3. Incentivar aulas ao ar livre e em espa-ços naturais;

4. Avaliar o impacto ambiental que tem nossa instituição.

Propõe-se que as ações não se limitem ao âmbito generalizado da Educação ambiental, sendo desconectadas de sua relação ecológica integral. Também, su-gere-se evitar polarizar a eco-sensibi-lidade somente na dimensão material, descuidando os pobres e vulneráveis, ou reduzir a sustentabilidade à atenção para com as 3 ou 5Rs (Repensar, Recu-sar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar) e não como cultura do cuidado.

Anela-se o aumento das alianças com o entorno, a melhoria dos espaços so-ciais e familiares desde a cultura do encontro e do cuidado, a geração de ambientes que incentivem a integra-ção e o contato com a natureza e o aumento de espaços “verdes” nas ins-tituições escolares.

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REFERÊNCIAS

CONTRERAS, H.; DE PAULA, J.; CHESINI, C. (Orgs.). Dicionário do pacto educativo global. Brasília: ANEC, 2021.

PAPA FRANCISCO. Carta encíclica Laudato Si'. Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas, 2015.

______. Mensagem do Papa Francisco para o lançamento do Pacto Educati-vo. Vaticano, 12 de setembro de 2019. Disponível em: http://www.vatican.va/con-tent/francesco/pt/messages/pont-messages/2019/documents/papa-frances-co_20190912_messaggio-patto-educativo.html. Acesso em: 01 ago. 2021.

______. Discurso do Papa Francisco aos participantes na plenária da Congre-gação para a Educação católica (dos Institutos de estudos). Sala Clementina, Vaticano, 20 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2020/february/documents/papa-francesco_20200220_congregaz-educaz-cattolica.html. Acesso em: 01 ago. 2021.

PALAVRAS FINAIS

Cuidar da Casa Comum é algo relativamente fácil; talvez, o mais difícil está na dimensão do querer, na atitude de mudar de mentalidade e agir em con-formidade com esta.

Para as instituições, o desafio centra--se em gerar critérios de avaliação de uma cultura ecológica integral. Para nós, pensar, sentir e agir ecológico--integralmente.

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ARTIGO

RESUMO

Eduardo Brasileiro, Gabriela Consolaro Nabozny, Peterson Prates, Pe. Vilson Groh e Cayo L.Z. Pedroso

A SUBJETIVIDADE LIBERTADORA CONSTRUÍDA NO CHÃO DA REALIDADE: A EXPERIÊNCIA DAS CASAS DE FRANCISCO E CLARA

A centralidade das Casas de Francisco e Clara, como projeto territorial da Economia de Francisco e Clara, é refletida neste artigo que pretende desenvolver as dimensões fundamentais do processo aberto pelo Papa Francisco e que deve ser absorvido pelas experiências cotidianas de transformação socioeconômica. A realidade do chão das comunidades, dos movimentos populares e das reflexões de outras economias possí-veis são pontos de partida. A ecologia integral e as economias de libertação são peda-gogicamente explicitadas para compreender a totalidade buscada pelas Casas, onde as experiências obtidas até o presente têm contribuído para a formação da Rede Na-cional das Casas de Francisco e Clara organizadas pela Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.

Palavras-Chave: Economia de Francisco e Clara. Solidariedade. Território. Econo-mia. Ecologia.

EDUARDO BRASILEIRO

Graduado em Sociologia e Política (FESPSP) é Mestrando em Socio-logia pela PUC Minas (PPGCS). Educador na periferia de São Paulo participa das CEBs da Paróquia Nossa Senhora do Carmo de Itaque-ra. Integrante da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco (ABEFC) e membro da Coordenação Executiva da 6ª Semana Social Brasileira da CNBB.contato: [email protected]

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PETERSON PRATES

Jornalista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, integra a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco (ABEFC). Agente de pastoral na periferia de São Paulo, é membro da Colegiada das Comunidades Eclesiais de Base do Regional Sul 1 da CNBB e anima a 6º Semana Social Brasileira.contato: [email protected]

GABRIELA CONSOLARO NABOZNY

Formadora Nacional da Juventude Franciscana (JUFRA) do Brasil e integrante da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco (ABEFC). Mestranda em Direito Ecológico e Direitos Humanos na Uni-versidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitu-cional (ABDCONST), bacharela em Direito pela UFSC. Pesquisadora do Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para uma Sociedade Sustentável – CNPq/UFSC.contato: [email protected]

PE. VILSON GROH

Pároco há 40 anos em Florianópolis-SC, é vigário da Igreja Nossa Senhora de Monte Serrat. Sênior da Economia de Francisco integra a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC).contato: [email protected]

CAYO L.Z. PEDROSO

Educador, do Instituto Vilson Groh (IVG) é membro da Casa de Fran-cisco e Clara de Florianópolis - SC. Graduado em Psicologia e espe-cialista em Psicologia Social, tem experiência em Psicoterapia Clínica e Justiça Restaurativa. Atuou como mediador de conflitos do projeto piloto de Justiça Restaurativa da Vara da Infância e da Juventude, fundou uma ONG com ações voltadas ao atendimento de crianças e adolescentes e atualmente trabalha na coordenação de projetos do Centro de Educação Popular - CEDEP.contato: [email protected]

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Desde o chamado feito pelo Papa Fran-cisco, em 1º de maio de 2019, para real-mar a economia a partir de uma econo-mia que faz viver e não mata, que inclui e não exclui (FRANCISCO, 2019), dois as-pectos são fundamentais: a primeira é a ascensão de uma pluralidade de juventu-des com estudos, práticas e novas formas de associação. Outra são as camadas de adesão ao chamado do Papa Francisco. Entende-se por adesão as diferentes for-mas com que o encontro da proposta de Francisco resvala em diversas experiên-cias e formas. Interessa saber que todas compõem um todo diverso que sustenta uma reflexão anti-neoliberal.

Ao se propor anti-neoliberal se opõem a toda a formulação da economia-política contemporânea concretizada em mea-dos dos anos 1960 e 1970 e implantada nos estados-nações, por meio do con-senso de Washington e de grandes lide-ranças globais, como Margaret Thatcher, ao sentenciar: “A sociedade não exis-te. Existem homens, existem mulheres e existem famílias”. Têm-se neste ponto um elemento central de nossa formulação: o neoliberalismo é, portanto, mais do que um sistema econômico de trocas e pro-dução, o é, sobretudo, uma subjetividade (LAVA; DARDOT, 2016), uma espirituali-dade (BOFF, 1996), uma pedagogia (AR-RUDA, 2015) e implica um modo de vida imperial (BRAND; WISSEN, 2021).

Neste exato momento da história, é pre-ciso reconhecer que o neoliberalismo se estruturou não em ruínas, como insisti-mos em pensar, mas em escombros que

não compõem a capacidade de recom-posição por meio de sua lógica (ARAN-TES, 2014). O desaparecimento das ex-pectativas revolucionárias, por exemplo, é apenas parte do problema da nossa época. O novo tempo do mundo, segun-do Arantes (2014) reside justamente nesse não-paraíso: desigualdade eco-nômica crescente com o esvaziamento da proteção social, crises migratórias e humanitárias das populações periféricas excluídas dos fluxos de riqueza e, por fim, a crise socioambiental e climática decor-rente da disputa por recursos naturais transformados em mercadorias. Aran-tes (2014) nos provoca a cavar sobre os escombros da história, e, este processo arqueológico tem sido para as pessoas inseridas na Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara a capa-cidade de nos escombros do neolibera-lismo erigirmos novas experiências, prá-ticas que impõem um fim a esse sistema. Pois, se há neste planeta uma pessoa quer seja construindo realidades alter-nativas a esse sistema, há neste pressá-gio um anúncio de que o sistema econô-mico-político vigente tem dia e hora para acabar. O que determinará o seu término cedo ou tarde é a capacidade organiza-tiva e dispersiva dessas forças.

O princípio está na sentença de um lu-gar-limite dentro deste sistema, onde, ou salvamos a todos, ou morreremos todos (BOFF, 2014), o que Dom Pe-dro Casaldáliga sentenciou na seguin-te frase: “a humanidade tem o DNA de Deus e não é suicida”. É uma sentença de esperança e compromisso as lutas e

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resistências históricas e que diante dos escombros da história, o Papa Francis-co nos convoca a olhar para a história do jovem pobre de Assis, São Francis-co, o qual recebe o seguinte chamado de Deus: “Francisco, vai e repara a mi-nha casa que, com vês, está em ruínas” (FRANCISCO, 2Cel 10,4). Essa provoca-ção do Papa Francisco para buscar in-terromper o fim da Casa Comum, terra, se veem possíveis ao observar-se, entre as brechas dos escombros, os movimen-tos populares, as organizações, que por meio da educação popular produzem práticas anti-sistêmicas que desenham novas arquiteturas econômicas e uma nova cultura.

As oscilações de possibilidades no plano econômico, social e psíquico, sobretu-do, está na necessária superação de um sistema tecno-totalitário de extração violenta do valor, por meio de um cor-po cada vez mais impotente (BERARDI, 2020); é a constatação de que pós-pan-demia esta conjuntura econômica é de agravamento e de uma explosão de bol-sões de misérias num cenário distópico. A saída, deste modo, não poderá ser protagonizada pelo Estado, por mais que o reconheçamos como construtor do bem comum, e sim a saída deverá ser forjada por milhares de dissocia-ções seletivas e temporais do sistema que ocorrem em comunidade (ACOSTA, 2015). Pensar, sentir e agir (FRANCIS-CO, 2018) diante do colapso civilizató-rio é recompor as sociedades ao fazer coletivo, a retomar práticas comuns que beberam os antepassados e na atuali-

dade somos cada vez mais distanciados. É beber nesta tríade de Francisco das dimensões colaborativas do humano, a partir da terra, a partir dos direitos so-ciais, a partir do trabalho e realmar.

Realmar é mais do que uma constatação de uma novidade, é uma concretização que o humano tem que dar vida às suas relações, ao seu corpo etéreo e retomar seu caminho a um encontro integral com ser vivo que foi colocado: a mãe-terra. Consequentemente, a Economia e Ecolo-gia se enlaçam para serem duas matrizes do pensamento a serem absorvidas pelo território, a fim de aproximar horizontes utópicos a partir das práticas da Econo-mia de Francisco e Clara.

As Casas de Francisco e Clara surgem desta constatação de que, sobre os escombros, é possível sedimentar uma nova casa. A Casa, portanto, aponta para os limites da Casa Comum, com-preendendo o limite climático, socioam-biental, político, econômico e cultural. É uma revolução em si, porque não pre-tende ser uma ONG (Organização Não Governamental), e sim, uma inspiração, aspiração, provocação, sentido onde as hermenêuticas da Economia de Francis-co e Clara se assentam.

A CONSTRUÇÃO DA CASA DE FRANCISCO E CLARA NO CHÃO DA REALIDADE

O desenvolvimento de trabalho social e de base em articulação em redes se mostra, há muitos anos, fundamental

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para ampliação da qualidade nos aten-dimentos, mas também no exercício de um controle e participação social efeti-vo que se dá a partir de uma organiza-ção em conselhos, diretorias e grupos de voluntariado. Essa demanda urgente foi a motivação para a criação do Insti-tuto Pe. Vilson Groh - IVG que, em 2021, completa 10 anos de existência e insti-tucionaliza a articulação em rede das organizações em que ele já atuava há outros 30 anos.

O que se desenvolve atualmente dentro da Rede IVG é aquilo que serve de base para construção de relações de recipro-cidade, parceria e solidariedade. É um organismo de trabalho que encontra nas brechas do sistema capitalista cruel e perverso, as possibilidades de busca por justiça social. A atuação em rede é uma política de existência e resistência tão fundamental para atuação no IVG que já se sabe, terá também na prática, papel basilar para um bom desenvolvi-mento das Casas de Francisco e Clara.

Considerando isso, parece insustentável não mencionar que será a partir de uma Rede de Casas de Francisco e Clara que muitos dos objetivos sonhados para es-ses espaços poderão ser vividos e co-locados no mundo como novas práticas. A atuação em rede é uma estratégia de sobrevivência, desenvolvimento e mo-bilização de recursos. É a partir dessa articulação que a potência da atuação de cada Casa de Francisco e Clara se mostra para o mundo e, ao mesmo tem-po, a sua força nesse coletivo que reúne

partes de um todo, formando um orga-nismo ainda maior.

Não há articulação em redes sem in-clusão, aceitação do novo e respeito à diversidade. O texto Florescer Comuni-tário, de Groh (2020), registra que “um coletivo forte não se faz na comunhão de ideias''. Um coletivo forte se faz com ideias e opiniões diferentes em torno de uma mesma consciência. E é necessário que a clareza sobre o encontro certei-ro que está por vir com os conflitos seja também, a certeza sobre a importân-cia que esse encontro com o diferente tem para o alargamento de um campo de consciências, senso de coletividade e vida em sociedade.

Articulação em rede significa abertura para compreender o diferente em suas regionalidades, sexualidades, religio-sidades e tantas outras pautas identi-tárias que, quando pensadas em rede, colocam desafios potentes, transforma-dores e de crescimento para aspectos que vão da comunicação à alimentação. As Casas de Francisco e Clara são uma convocação para o desenvolvimento de uma nova, e menos fria, forma econô-mica de relacionar-se, mas é também – necessariamente – um convite a lidar com aquilo que pode ser completamente diferente, paradigmático e conflituoso: o outro.

As Casas de Francisco e Clara e sua tão importante articulação em rede são, como registrou Groh (2020), um convite a “irmos ao encontro do outro, de uma

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outra história e sentir-se parte dela''. “É nos encharcar com a realidade das coi-sas a partir de um olhar e de uma escuta sem preconceitos”. E o padre ainda re-gistra que somente quando “encharca-dos de outras vidas” é que a consciência de solidariedade social será um compro-misso de todos.

Então, pensar a implementação da Eco-nomia de Francisco e Clara por meio das Casas de Francisco e Clara significa, ne-cessariamente, abrir-se ao outro e, com ele, formar alianças, redes e pontes que permitam aliançar, potencializar e co-nectar diferenças, diversidades e alteri-dades com os objetivos de justiça social, equidade e cuidado com a mãe terra.

A CASA DE FLORIANÓPOLIS

A iniciativa da construção de um espaço representativo da Economia de Fran-cisco e Clara, em Florianópolis, surge em torno das vivências de um grupo de jovens com ou sem relação com a Igre-ja Católica, voluntários e de diferentes áreas de atuação profissional, mas es-sencialmente crentes de formas alter-nativas de desenvolvimento político, so-cial e econômico.

Mobilizados em torno das estruturas da Rede Instituto Vilson Groh e da Articu-lação Brasileira pela Economia de Fran-cisco e Clara (ABEFC, 2020), o coletivo de jovens realiza encontros de mobili-zação em torno da construção da Casa de Francisco, desde fevereiro de 2021. Esse processo visa criar laços entre as

juventudes que, críticos do sistema po-lítico que preza pela manutenção da desigualdade, estão ávidos por novas formas de reparação social a partir da construção de uma casa que seja, tam-bém, um símbolo de resistência e inova-ção econômica.

O acordo sobre a importância de que esse espaço se estabelecesse dentro dos territórios empobrecidos da cidade e, mais do que isso, dialogasse com a população dessas comunidades trouxe, logo no início das discussões, a necessi-dade de construir as idealizações dessa casa já na relação com os jovens mora-dores da região. Dessa forma, se esta-beleceu como plano de ação, que a cir-culação do grupo proponente da Casa de Francisco e Clara, em grupos focais, com jovens de 14 a 29 anos, seria funda-mental para o desenvolvimento de uma referência daquilo que se entende como demanda pelas juventudes moradoras desses territórios.

Sendo assim, vale salientar que, pen-sando em construção de forma demo-crática e aberta à população, foram re-alizados três encontros com diferentes grupos de jovens moradores de regiões empobrecidas de Florianópolis, a par-tir de articulação com as instituições da Rede IVG. O primeiro ocorreu com o grupo de bolsistas do Curso Pré-Ves-tibular; o segundo com os universitá-rios também bolsistas da Rede e, por fim, um encontro com adolescentes do Ensino Médio, do Colégio Social Maris-ta Lucia Mayvorn, localizado na mes-

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ma comunidade, onde está prevista a construção da casa. Essas reuniões tinham como pauta explicitar o que é Economia de Francisco e Clara e co-lher como os jovens moradores dessas regiões enxergam as possibilidades de implementação da proposta realizada pelo Papa Francisco em uma casa loca-lizada na comunidade.

O que são novas alternativas econômi-cas para os jovens da periferia de Floria-nópolis? Como articular a construção de um novo espaço dentro da comunidade que represente sentido político para a população moradora da comunidade? O que é possível fazer para contribuir com as demandas dos jovens do território, gerar engajamento em formas de eco-nomia solidária e mobilizar a juventude para ocupar esse espaço? Esses e ou-tros questionamentos semelhantes fo-ram a motivação da busca por um ponto de partida daquilo que se entende por Economia de Francisco e Clara para os jovens da periferia.

Afinal, ainda que segundo Souza (2020), o debate entorno da demanda levan-tada pelo Papa possa ser discutido a partir de pilares como a renda mínima, Economia Solidária, orçamento partici-pativo e a espiritualidade, esse coletivo de jovens, na relação com os 40 anos de atuação nos morros e periferias da Grande Florianópolis, percebeu como etapa basilar para concepção da Casa de Francisco e Clara, o desenvolvimen-to de um debate democrático, linear e aberto com a população jovem e mo-

radora da comunidade. Entender que novas possibilidades de exercício eco-nômico que visam negar um capitalismo perverso significam, em suma, a possi-bilidade de construir pontes que conec-tem os jovens de periferia com possibili-dade de inovação, representatividade e transformação social, necessariamente.

É inegável, ainda, a forte relação entre as informações levantadas por esses jo-vens, daquilo que é pauta, desde 2015, na encíclica Laudato Si’, escrita pelo Papa Francisco. Os jovens promulgam sobre espaço democrático, de diálogo com o território e, principalmente, cui-dado com o planeta – a casa comum. Nos encontros com os jovens da perife-ria, surgem demandas sobre a produção de hortas comunitárias, composteiras e uso de fontes renováveis de ener-gia como argumentos que respaldam a ideia de construir um espaço que seja, por essência, resistência ao modelo de economia atualmente implementado.

A compreensão dos jovens da comuni-dade sobre cuidado com a Casa Comum e uma lógica de sustentabilidade para esse espaço que representa a Economia de Francisco e Clara demonstra, com clareza, a relação desenvolvida por Silva e Benedicto (2020), entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e Economia de Francisco. Segundo os autores, a Igreja Católica estabeleceu, por diversas vezes na história, um papel fundamental no desenvolvimento e cui-dado com pautas sociais emergentes, e essa afirmação reforça a relação de su-

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porte entre as metas estabelecidas na Agenda 2030 dos ODS e as discussões levantadas pelo Pontífice sobre novas possibilidades de pensar a Economia.

Atualmente, o grupo segue realizando encontros para o desenvolvimento do projeto arquitetônico da Casa de Fran-cisco e Clara, que será construída em uma comunidade de Florianópolis. Um espaço de terra no alto de um dos morros, onde a Rede IVG desenvolve seu trabalho, foi cedido por uma das instituições da Rede para a construção da casa e uma comis-são de trabalho, mobilização de recursos e escrita do projeto implementada. Além disso, segue o trabalho de levantamento de jovens interessados em atuar em par-ceria com a casa, bem como apresenta-ção da proposta aos jovens moradores da comunidade.

3.2. A PRÁXIS CRISTÃ E UM ESPAÇO DE CONTEMPLAÇÃO NA RELAÇÃO COM A ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA

As Casas de Francisco e Clara, em Floria-nópolis, formam-se, principalmente, como espaço de trabalho, moradia, alimenta-ção e atendimento para jovens e pesso-as em situação de vulnerabilidade, mas também espaços de contemplação, apro-fundamento e vivência da Práxis Cristã. Esses espaços são a materialização da verdadeira vivência Cristã de conexão e respeito com o outro e sua humanidade.

A construção de uma nova perspectiva econômica, mais solidária e humana, vem

carregada da dimensão do trabalho, mas também da necessidade de humanizar--se a partir da contemplação, reflexão e aprofundamento na Teologia da Liber-tação. A proposta consiste em construir espaço físico que possa iluminar as pos-sibilidades de vivenciar um humanismo solidário de entrega e compromisso com o empobrecido e a justiça social.

Um lugar que, subsidiado na compreen-são da importância que senso de per-tencimento tem na etapa da vida en-tendida por juventude, possa criar solo fértil para o desenvolvimento de pesso-as comprometidas com uma a solidarie-dade Cristã, compartilhada pelo Papa Francisco. E que, principalmente, com-prometidos com o outro, estejam com-prometidos com os cuidados com uma casa comum, sem perderem o compro-misso consigo mesmos.

Pensar espaços de suporte para Eco-nomia de Francisco significa dar con-sistência a Práxis Cristã em seu sen-tido mais profundo e essencial que é, em suma, vivenciar momentos de par-tilha, conexão com o outro e compre-ensão daqueles que ocupam papéis renegados na sociedade. Jesus tem uma vida repleta de histórias possí-veis, mas sua trajetória inteira cabe dentro de verbos como amar, espe-rançar, perdoar, acreditar e ter com-paixão e humildade.

Desenvolver ideias sobre Práxis Cristã é refletir sobre a vida de Jesus Cristo; assim como pensar sobre Economia de

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Francisco e Clara significa colocar a luz sobre as histórias e trajetória de Fran-cisco de Assis. A vida e obra de Francis-co e Clara mostram tamanha conexão com a Práxis Cristã e compromisso com os fragilizados que se torna simples e sutil a compreensão de que, na prática, um é também o outro.

É natural compreender que a Econo-mia de Francisco e Clara tem objetivos e estabelece metas que estão conec-tadas com demandas urgentes dessa casa comum atual e desse momento e contexto ao qual se vive. Mas inegável também, entender que a intimidade de Francisco com os animais e a natureza, bem como sua profunda conexão com a proposta vivenciada por Cristo, mos-tra o compromisso de uma força divi-na com a casa comum em sua íntegra, considerando a importância do meio ambiente, pensamento sustentável e a lógica de consumo.

Pensar Economia de Francisco e Clara e a Práxis Cristã é reconhecer a impor-tância do desenvolvimento de seres que se percebam parte de um todo e, por isso também, assumam o compro-misso de cuidado com esse planeta. É lançar a necessidade e contribuir para a demanda do desenvolvimento de jo-vens que compreendam a importância do contemplar e refletir, tanto quan-to a relevância do autoconhecimento e do autocuidado como estratégia de respeito às diferenças e cuidado com o outro.

BASES FUNDANTES E METODOLÓGICAS DAS CASAS DE FRANCISCO E CLARA

Diante do exposto, depreende-se que a única maneira de se colocar em prática o ideal das Casas de Francisco e Clara se dá a partir da construção coletiva. Isso porque o que diferencia a proposta de outros espaços comunitários é, jus-tamente, o objetivo de resposta às de-mandas locais, que se observam a partir da escuta da comunidade e da partilha do grupo que coordena o projeto com as juventudes locais. A Casa de Francisco e Clara representa um projeto coletivo que se desenvolve em torno de um es-paço físico de referência na comunida-de, que busque construir e/ou fortale-cer demandas percebidas no território, atravessado por espiritualidades liber-tadoras, a fim de realizar em práticas a Economia de Francisco e Clara, a partir das concepções da Ecologia Integral e da cultura do encontro.

ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL PARA TRANSFORMAÇÕES ESTRUTURAIS

O território, lugar que abriga as pers-pectivas de enraizamento da Econo-mia de Francisco e Clara, é protago-nista nesta análise porque uma das especificidades da leitura latino-ame-ricana sobre o espaço físico é que esta “parte da esfera do vivido, das práti-cas ou, como enfatizava Milton Santos, do “uso” do território – mas um uso que se estende bem além do simples valor

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de uso, compreendendo também um ex-pressivo valor simbólico” (HAESBERT, 2020, p. 76). Ou seja, a articulação em redes, que é necessária também no es-tabelecimento de cada Casa, pressupõe a interligação dos atores e instituições existentes em um lugar no qual se orga-nizam vontades, necessidades e ativida-des, essencialmente relacionais.

Por isso, não se entende território ape-nas como amontoado de pessoas ou sistemas criados pelo ser humano, mas, como afirma Milton Santos (2001, p. 96), é “o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da resi-dência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi”. É a partir deste conceito que se estabelece a construção do eixo prático e real da Economia de Francisco e Clara, que pre-tende se imiscuir na vivência comunitária para, paulatinamente, ser responsável pelo desenvolvimento de uma outra sub-jetividade, que responde à Economia que “exclui, degrada e mata” (FRANCISCO, 2019) de maneira igualmente complexa, todavia com a apresentação de uma ra-cionalidade eco-humanista, interligada com o meio ambiente e representada a partir de relações de cuidado integral.

Assim, a conceituação de território, principalmente com o objetivo de suge-rir alternativas para as desigualdades sociais, vai além da associação clássica a um espaço de terra ou às delimitações estatais, mas se expande ao transitar

por diversos âmbitos das existências (HAESBERT, 2020, p. 76). Com ligação visceral à “defesa da própria vida, da existência ou de uma ontologia terrena/territorial, vinculada à herança de um modelo capitalista extrativista moder-no-colonial de devastação e genocídio” (HAESBERT, 2020, p. 76).

Nesse sentido, território é resistência. Organização territorial, fortalecimento do comunitário, impulso às ferramentas que garantam a soberania dos povos, significa resistir e construir modelos que superam as limitações impostas pelo sistema dominante. Por isso “na Améri-ca Latina o território é lido frequente-mente no diálogo com os movimentos sociais, suas identidades e seu uso como instrumento de luta e de transformação social.” (HAESBERT, 2020, p. 76). Além de que o fomento de tais ideais se alinha à necessidade de que “os novos moto-res da economia devem girar em torno da solidariedade, da reciprocidade, da complementariedade, das harmonias e da relacionalidade” (ACOSTA; BRAND, 2018, p. 136).

Engana-se, entretanto, quem entende que essa assertiva é limitada e analisa pequenas porções do espaço sem se preocupar com mudanças estruturais. Isso porque os lugares “são pois, o mun-do, que eles reproduzem de modos es-pecíficos, individuais, diversos. Eles são singulares, mas são também globais, manifestações da totalidade-mundo, da qual são formas particulares” (SANTOS, 2001, p. 112). Por isso que a proposta

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das Casas de Francisco e Clara apre-senta o eixo de atuação na realidade da Economia de Francisco e Clara, que se opõe ao sistema capitalista neoliberal e, para isso, necessita do início do estabe-lecimento de novas formas de pensar e desenvolver relações, que brotarão do seio dos territórios.

A COLETIVIDADE E O COMUNITÁRIO COMO PROCESSO METODOLÓGICO

O modo pelo qual é trabalhado o es-paço do território, por meio das Casas de Francisco e Clara, é a construção coletiva. Essa metodologia de trabalho se difere da forma pela qual o neolibe-ralismo indica o estabelecimento de re-lações individuais e competitivas, nas quais o sujeito se torna uma entidade em competição, na busca constante da maximização dos resultados, exposição a riscos e responsabilidade integral pe-los fracassos (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 328). Por outro lado, o magistério do Papa Francisco inaugura na contem-poraneidade da Igreja e da sociedade formas de estabelecer relações que se pautam no coletivo, a partir da compre-ensão mística e transcendente do ser, pautada na fraternidade universal.

Como cita o pontífice na Encíclica Fra-telli Tutti (105), “o individualismo não nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos. A mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humani-dade”. Sendo assim, são as práticas comunitárias que podem auxiliar ao

evidenciar outro mundo possível. Nas Casas de Francisco e Clara, isso signi-fica que nem todos os processos se de-senvolverão em linearidade, na lógica empresarial, mas que serão suscetíveis às pessoas e relações que envolvem o território, sem, no entanto, que isso te-nha como consequência o apagamento do desenrolar das ações. É necessária a mirada no objetivo do Bem Comum e a compreensão da urgência deste cha-mado - o de construir subjetividades de cuidado – porque, há tempos, os seres humanos vêm sendo “testemunhas mu-das” (LS 36) do colapso civilizatório de-sencadeado pelo antropocentrismo.

Diante disso, sofrem as sociedades e as relações (entre todos os seres) com o desencadear individualista de afasta-mento de uma perspectiva de horizonte de paz. Como lembra Papa Francisco, não podemos deixar que nos roubem a comunidade (EG 92), como forma de ser e agir, de construir possibilidades e pers-pectivas, mesmo que não se enquadrem no que parece, hoje, ser o mais rentável ou lucrativo. Nas Casas de Francisco a Clara, não deve preponderar a competi-ção ou o individualismo. Por isso, todos os processos devem se aproximar ao máximo do coletivo e do comunitário. Coletivo ao estar sempre em sintonia com todos os anseios que envolvem as pessoas relacionadas ao projeto, e co-munitário ao nascer no seio da comuni-dade e das respectivas demandas, ao acompanhar as iniciativas que já havia no território e se propor a ser lugar-fa-rol de esperança para as juventudes.

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INTERCONEXÃO DE ESPIRITUALI-DADES NO ESTABELECIMENTO DA CONTEMPLAÇÃO MÍSTICA

Como iniciativa que brota do território e tendo como metodologia o coletivo e o comunitário, ainda não ficam evidentes os diferenciais da proposta de enrai-zamento das práticas da Economia de Francisco e Clara. Além das atividades a serem desenvolvidas, expostas em ca-pítulo subsequente, tem-se que a inter-conexão de espiritualidades é também elo que sustenta o projeto das Casas de Francisco e Clara. A consciência de uma origem comum, duma recíproca perten-ça e de um futuro partilhado (LS 202), é imprescindível para que se estabeleçam pilares com alternativas de mundos a serem palco da Ecologia Integral.

Na compreensão que cada pessoa, e cada ser, resguarda sua singularidade, sua fé e seu modo particular de contem-plação, as Casas buscam o acolhimen-to de todas essas possibilidades, com a proposta de construir relações pau-tadas também na mística que envolve as existências. Uma vez que se entende que a crise socioambiental em que se encontra o mundo não será resolvida ou amenizada a partir da mudança de ei-xos isolados, mas a partir da conversão – no sentido de transformação – inte-gral. “Falamos aqui duma atitude do co-ração, que vive tudo com serena aten-ção, que sabe manter-se plenamente presente diante de uma pessoa sem estar pensando no que virá depois, que se entrega a cada momento como um

dom divino que se deve viver em plenitu-de” (LS 226). Ou seja, como resposta à cultura do descarte, almeja-se a vivên-cia da cultura do encontro, que acolhe os seres em sua integralidade e propõe um espaço de trocas e descobertas ao receber as experiências vividas pessoal-mente e socialmente como possibilida-des de aprofundamento da contempla-ção mística da vida.

Portanto, se o território é o lugar das Casas de Francisco e Clara e a coleti-vidade é o modo de construí-las, a con-templação mística é a base que sustenta a experiência de enraizamento da Eco-nomia de Francisco e Clara. Compreen-dendo, assim, o transcendente que resi-de além do diálogo inter-religioso ou da aceitação de modos de viver a fé indi-vidualmente, para construir um espaço de vivência da fraternidade universal que acolhe todas as manifestações da Divina Ruah a fim de direcionar a mis-ticidade que brota das relações para o estabelecimento do cuidado, entre os seres e a Casa Comum.

PRÁXIS LIBERTADORA DAS CASAS DE FRANCISCO E CLARA: PEDAGO-GIA ECOLÓGICA E ECONÔMICA

A vida acontece no território. Esta afir-mação é ponto de partida e, ao mesmo tempo, anseio a ser alcançada, para que, de fato, a vida seja vivida em sua ple-nitude nos territórios. É comum consu-mirmos pesquisas, dados, informações sobre a vulnerabilidade, os desafios, as carências e lacunas no cumprimento de

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políticas públicas e garantia de direitos com recortes territoriais. Com facilidade podemos apontar os bairros e regiões de nossas cidades onde as consequên-cias de uma exploração desmedida são mais visíveis, com taxas de pobreza e com elevadas taxas de marginalização.

Sendo assim, um dos valores a ser pre-servado pela organização comunitária que caminha para concretizar ‘Casas de Francisco e Clara’ é, justamente, reco-nhecer as potencialidades que cercam e marcam a vida da comunidade. Para além das lacunas sociais, os territórios são selados por uma série de recursos e saberes que moldam a identidade co-mum do corpo social.

A construção e solidificação dos víncu-los comunitários passam também por esse reconhecimento das virtudes da coletividade. São eles que indicarão, ne-cessariamente, os primeiros passos no processo de criar espaços que constru-am novos olhares econômicos. Isso por-que as experiências da comunidade se tornam parte integrante da construção. Quantos são, por exemplo, os territó-rios que já experimentam articulações de consumo solidário, ou então, as re-giões que experimentam a realidade do trabalho cooperado?

Tais iniciativas, unidas à capacidade de organização, mobilização e criação pró-prias de cada território, mostram que as ‘Casas de Francisco e Clara’ não nascem do zero, do abstrato, mas do acúmulo militante das comunidades, que desde

muito constroem de diversas formas re-sistências a este sistema marcado pela perversidade acumulatório e excludente.

As características físicas, geográficas e étnicas são também determinantes, vis-to que possibilitam frentes caracterís-ticas de atuação a partir dos recursos disponíveis. Essas particularidades que compõem a territorialidade auxiliam na busca da identidade local. As potencia-lidades e os recursos são distintos, em-bora complementares, entre realidades urbanas e rurais; vila de pescadores ar-tesanais e produtores cooperados da periferia, por exemplo.

É como resultado da observação aten-ta desses elementos que a ação práti-ca se desenvolve. Só com a consciência da realidade experimentada pelo grupo é que as ações serão acertadas. Não há receituário próprio, mas tampouco terá sucesso iniciativas que não brotem da reflexão da realidade local, da com-preensão da força real e das habilida-des acumuladas pela comunidade e da clareza de quais agentes, organismos e forças sociais que serão parte do pro-cesso de transformação territorial.

É oportuno recordar todo o papel, tra-balho, metodologia e ação comunitá-ria das Comunidades Eclesiais de Base - CEB’s em todo o Brasil. Foram elas que, em muitos locais, aglutinaram as forças progressistas e articularam de-mandas e reivindicações territoriais. O engajamento das CEB’s de outrora revela a viabilidade de trabalhos cole-

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tivos e dá dimensão da força potencial a ser alcançada.

O PENSAMENTO E A AÇÃO LIBERTADORA

O que a Educação tem a ver com a for-mação para a cidadania? Onde estaria a intersecção entre educar e repensar a economia necessária, a Economia de Francisco e Clara?

Cada vez mais, é intensa a rejeição da maioria das pessoas ao modelo de glo-balização que se impõe no continente, por sua incapacidade de resolver os problemas mais graves dos povos. Paulo Freire (1996) nos ensina que a história é possibilidade e não determinismo:

“(...) que decorre necessariamente a importância do papel da subje-tividade na história, a importân-cia da capacidade de comparar, de analisar, de avaliar, de decidir, de romper, e por isso, tudo a im-portância da ética e da política”. (FREIRE, 1996, p. 142)

As Casas devem ser lugar que alimen-tado da história constrói processos de práxis libertadoras. O conhecimento e a prática andam de forma simultânea que não existe um sem o outro. Este momento inicial é muito importante porque é quando se revelam as con-cepções de mundo que os participan-tes das Casas têm construído. A partir daí, podemos estabelecer um diálogo, questionando suas respostas e refle-

xões. Esses passos contemplam duas etapas da proposta metodológica de Paulo Freire: 1°) Estudo da Realidade; 2°) Organização dos Dados.

Nesse processo, surgem os Temas Ge-radores, extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Esses conteúdos de ensino são resultados do que se denomina na pedagogia freiria-na de metodologia dialógica (FREIRE, 2019). Cada pessoa, cada grupo envol-vido na ação pedagógica dispõe em si próprio, de seus valores, concepções. O importante não é transmitir conteúdos específicos, apresentando um parado-xo entre certo e errado; o importante é despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida. O ato educati-vo deve ser sempre um ato de recriação, de ressignificação de significados.

Iniciar os encontros das casas relatando uma experiência concreta tem, por um lado, a intenção de mostrar como as ati-vidades se fazem pedagógicas em toda a sua estruturação, e que são dinâmi-cas, pois à medida o saber do educando é tão importante quanto o do educador, apresenta-se uma lógica de horizonta-lidade, que se opõe a relação de auto-ridade/autoritarismo entre professor/aluno (FREIRE, 2019).

O caminho da práxis libertadora é co-locar sentido e razão para caminhar juntos na formulação das pessoas. Se realizássemos uma “oficina”, pode-se perceber concepções, valores e pre-ocupações correntes no imaginário

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social: a importância da família e da religião; discriminação e diferenças so-ciais; o problema da pobreza, da impu-nidade e aplicação das leis. Observa-se também uma problematização da rea-lidade: necessidade de controle social, participação, e elaboração de políticas públicas. Conjuntamente a essas per-cepções está também uma defesa da posição social, da condição em estão inseridos, ou melhor, excluídos, da so-ciedade. O objetivo passa a ser justa-mente o de conseguir, por meio de um exercício prático, ressignificar os con-ceitos de cidadania e participação.

Portanto, numa oficina o objetivo é a construir um trabalho prático, co-letivo, por exemplo: produção de um texto coletivo a respeito de um tema, produzir um planejamento de trabalho, organizar e montar um curso ou mes-mo produzir algo que exija habilidades manuais (produção de um vídeo ou um cartaz, por exemplo).

REALMAR A CASA COMUM: PRÁTICAS DE ECONOMIAS E ECOLOGIAS LIBERTADORAS

A organização popular se faz, assim, no encontro, na multiplicidade de pautas e na construção da uma coesão. Des-te modo, a Casa Comum começa a ter um tom pluralista, popular e com hori-zontes comuns humanistas. Trata-se de um todo singular e combativo diante da lógica normalizadora. Portanto, as ferramentas educativas irão produzir espaços de encontro entre os questio-

namentos dos participantes e práxis econômicas e ecológicas que apontem a libertação.

É importante a consciência que a defesa da vida nas suas mais diversas formas de manifestações, pressupõe-se um a adesão a um novo estilo de vida, que cuida da criação, que faz viver e que in-clui. As Casas devem se comportar com casa comum, com uma lógica acolhedo-ra e biocêntrica.

COMO ARTICULAR A ECONOMIA SOLIDÁRIA?

Em diversas regiões do país, a Economia Solidária é uma força social importan-te e com um grande catálogo de ações desenvolvidas que colaboram na conso-lidação criativa de práticas no território, possibilitando um olhar sobre lógicas an-ti-neoliberais como a cooperação, a par-tilha e o compartilhamento de saberes e práticas. A Economia Solidária parte da constatação de que as comunidades e as pessoas são corpos econômicos, que a mente humana e a mente corpórea des-conhecem processos de produção eco-nômica desde a solidariedade.

O uso de moedas solidárias e o fomen-to a bancos de desenvolvimento comu-nitário possibilitam uma arquitetura nova de relações econômicas, porque centraliza relações monetárias nas co-munidades, abrindo capacidades re-flexivas cada vez mais frequentes no povo em não naturalizar uma economia que não é próxima. Essas finanças soli-

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dárias são frutos de uma economia de proximidade possibilitada por contra--condutas solidárias.

COMO ARTICULAR A AGROECOLOGIA?

Agroecologia não é só uma prática, mas uma ciência e movimento social. Ela se coloca num campo de busca de superação do paradigma tecnocrático (LS, 109). Contrária a revolução verde que só incorpora elementos susten-táveis na base do capitalismo preda-tório. A agroecologia surge da fusão entre agronomia e ecologia, buscan-do romper com uma visão estreita da agronomia que era só voltada ao de-senvolvimento de práticas agrícolas (LESBAUPIN; SILVA, 2017).

Hoje, sobretudo com a Ecologia In-tegral do Papa Francisco (LS, 10). A agroecologia integra, cada vez mais, a relação entre luta pela garantia do direito a terra e a ao território, a di-versificação da produção, a defesa dos direitos dos agricultores ao livre uso da biodiversidade, a ênfase nos circuitos de uma economia da proxi-midade e, sobretudo, a alimentação adequada e saudável. A proposta de agroecologia em cada região do país deve ser diversificada como sua di-mensão pluralista. Por isso, a agroe-cologia no meio urbano é um apren-dizado para retomar os processos produtivos econômicos nas regiões e no meio rural é fortalecer experi-ências que buscam desenvolver uma tecnologia solidária e coletiva.

EIXOS MÍSTICOS BASILARES PARA AS CASAS DE FRANCISCO E CLARA

Antes de tudo, a Casa de Francisco e Clara é um espaço de construção de es-perança, ou seja, um lugar de traços fe-cundos. O ‘lugar’ é todo espaço ocupado por um grupo e que se torna instrumen-to. Pois então, cada Casa, ainda que não inicie com um espaço físico, é chamada a ser instrumento de transformação so-cioeconômica para o território, ambiente oportuno para vivências anticapitalistas.

E, aqui, entende-se por vivências anti-capitalistas - também - a negativa aos valores neoliberais e privatizantes da contemporaneidade: o individualismo, o intimismo, o egoísmo, o acúmulo, a con-corrência, a disputa desleal, a centrali-zação e o exibicionismo.

Cada eixo se complementa e possibilita o exercício da tarefa histórica das Ca-sas: primeirar iniciativas revolucionárias no seu intento inovador de articular os territórios em comunidades em saída. Assim sendo, que as Casas de Francisco e Clara possam ser:

a). Lugar de encontro com os empo-brecidos: o pobre, para além de dados e estatísticas, tem corpo, nome e ende-reço. Para além de se encontrar com os pobres, a Casa se torna local do encon-tro dos pobres. O grande desafio é fa-zer com que a comunidade se aproprie do espaço, das bandeiras e dos frutos. Neste primeiro se trata também de um evidente recorte de classe, optando com quem e para quem iremos atuar.

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b). Lugar de trabalho e contempla-ção: a luta, o trabalho de base e as ta-refas cotidianas de condução da Casa de Francisco e Clara convergem com a dimensão do bem-viver. Para além do transcendente, a mística inspira proces-sos práticos de transformação e efeti-vação concreta de valores. A vivência do bem-viver é também usufruir cons-cientemente dos recursos disponíveis e não abandonar a construção de outras formas de viver o território.

c) Lugar de cultivo e preservação da biodiversidade: vivenciar a preserva-ção da biodiversidade não pode ser ex-clusividade das Casas em zonas rurais e/ou em comunidades tradicionais. É so-bretudo nos centros urbanos que a di-mensão da convivência harmônica com a flora e fauna devem ser trabalhadas. Hortas urbanas tem se tornado cada vez mais alternativas reais de cultivo e preservação de solo nas cidades.

d) Lugar de inovação, com energia lim-pa e renovável: o incentivo à pesquisa e inovação é chave na descoberta de novos formatos de produção e consumo energé-tico. Quanto maior o número de possibili-dades para substituir a energia não reno-vável, mais rápido acontecerá a migração. Já há experiências comunitárias da ade-são a placas fotovoltaicas comunitárias que geram energia limpa para todo o ter-ritório, com todo o processo de geração e distribuição conduzido pela comunidade.

e) Lugar de potencializar o desenvolvi-mento regional territorial: o desenvolvi-

mento territorial não é um limitador para aderir a práticas regionais mais amplas. A academia e o movimento social or-ganizado são essenciais na descoberta de novos formatos de atuação, sabe-res científicos e trocas de iniciativas que possam gerar engajamento local.

f) Lugar de vivenciar e aprofundar o hu-manismo solidário do Papa Francisco: o apelo pela vivência da fraternidade e da amizade social está no centro do humanismo solidário do Papa Francisco, convocando as pessoas de boa vontade a experimentar desde as suas comuni-dades a dinâmica do diálogo, da cons-trução da paz, a inclusão dos pobres, o cuidado com a casa comum e a prática da justiça.

g) Lugar de conhecer Teologias para Libertação: a convivência respeitosa, colaborativa e plural de expressões de fé e religiosidades é importante não só para acolher o mais diverso perfil pre-sente na comunidade, mas para, em di-álogo inter-religioso, ter a oportunidade de beber de saberes ancestrais, cultu-rais e religiosos preservados em mani-festações religiosas e credos.

h) Lugar-farol de esperança para as juventudes: as Casas de Francisco e Clara devem se esforçar para serem an-títese da realidade hoje enfrentada pe-las juventudes periféricas. A cultura do encontro deve anular o atual cenário re-cheado pela globalização da indiferen-ça e cultura do descarte, que seleciona aqueles que têm direito de sonhar. As ju-

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ventudes querem viver e se lançam para construir a Civilização do Amor.

i) Lugar de partilhar experiências glo-bais por outro mundo possível: a dinâ-mica de valorizar os territórios não pode ser entendida como formação de gue-tos, mas oportunidade de se fortalecer a partir de identidades comuns. É impor-tante a interação não só entre práticas locais, mas também de experiências uni-versalizadas e de grande alcance, como políticas de distribuição de renda.

j) Lugar de escutar os gritos da hu-manidade e de encontrar-se com a Palavra: a reivindicação local guarda sintonia com o grito da terra e da hu-manidade. Reconhecer que “tudo está interligado” é proclamar que os proble-mas socioeconômicos e ambientais têm a mesma raiz e que a transformação e superação destes desafios brotam do chão das comunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Casas de Francisco e Clara sem-pre serão um vir a ser de cada terra e território. Pode ser a luta ligada às mulheres que não conseguem traba-lhar, que não tem momento de lazer por serem mães, ou que não tem cre-ches para seus filhos. Pode ser espaço de geração de renda para sustentar trabalhadoras e trabalhadores. Pode ser um coletivo cultural que retoma os saberes ancestrais do território. Pode ser experiência ecumênica de partilha da fé em sua diversidade. As Casas emanam o sonho das periferias exis-tenciais e geográficas no centro. Uma oposição dura ao capitalismo neolibe-ral, numa proposição óbvia: enquanto houver uma pessoa que seja construin-do saídas coletivas, haverá um motivo a mais para sermos anticapitalistas e expandirmos nossas redes de solida-riedade e esperança.

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ARTIGO

RESUMO

Miguel Arroyo

EDUCAÇÃO POPULAR: RECONHECER O POVO EDUCADOR? EDUCADOR DA EDUCAÇÃO?

Pensar a Educação Popular e reconhecer o povo educador, sujeito de pedagogias, nos remete a Paulo Freire, à centralidade dada à Educação como prática da liber-dade, à Pedagogia do Oprimido. Educação Popular reconhecida com Paulo Freire no seu centenário exige reconhecer que o Povo é sujeito e não destinatário de Pedagogias Populares de Educação. O povo educador da Educação e dos educa-dores. O povo educador dos humanismos pedagógicos. Que Pedagogia Popular dos oprimidos persiste, ao afirmar sujeitos de pedagogias de oprimidos?

Palavras-Chave: Educação Popular. Pedagogia do Oprimido. Pedagogia da Liber-tação. Paulo Freire.

MIGUEL ARROYO

Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1970), mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974) e doutorado (PhD em Educação) - Stanford University (1976). É Professor Titular Emérito da Faculda-de de Educação da UFMG. Foi Secretário Adjunto de Educação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, coordenando e elaborando a implantação da proposta político-pedagógica Escola Plural. Acom-panha propostas educativas em várias redes estaduais e municipais do país. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Polí-tica Educacional e Administração de Sistemas Educacionais, atuan-do principalmente nos seguintes temas: educação, cultura escolar, gestão escolar, educação básica e currículo.contato: [email protected]

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EDUCAÇÃO POPULAR NO MOVIMENTO SOCIAL- –CULTURAL-POLÍTICO

O movimento chamado de Educação Po-pular tem feito parte de um movimento social, cultural, político mais amplo. Seus significados políticos são inseparáveis dos movimentos sociais, do movimento agrário, juvenil, dos movimentos ecle-siais das Comunidades de Base, da Te-ologia da Libertação, da cultura popular afirmativa de resistências.

Assim como temos uma herança de fon-tes diversas sobre a libertação popular, temos uma herança plural, cultural e pe-dagógica, sobre transformação e liber-tação. A Educação Popular acompanha essa história política, cultural e pedagógi-ca. Se alimenta dessa história e a reforça.

Paulo Freire é uma presença central nessa história. Sua pedagogia não é dele. É Pedagogia do Oprimido, da li-bertação popular. Só é possível estudar Paulo Freire e o movimento de Educa-ção Popular dentro desse movimento histórico, político, cultural, pedagógico. A Educação popular adquire sua radi-calidade nesse movimento dos coleti-vos populares, dos oprimidos afirman-do suas pedagogias de resistências à opressão, por libertação-emancipação.

Paulo Freire, como os movimentos co-letivos sociais dos anos 50-60, assume a postura pedagógica de aprender com a dinâmica social, política e cultural de seu tempo. Observa, ouve e busca en-

tender a dinâmica, as interrogações de seu tempo. Reconhece os oprimidos resistentes como atores sociais, cultu-rais, políticos, sujeitos de pedagogias. Reconhece o povo educador sujeito de Educação popular. Sujeitos coletivos em movimentos sociais resistentes, educa-dores das próprias teorias da Educação.

RECONHECER O POVO SUJEITO DE PEDAGOGIAS RESISTENTES

A Educação Popular nos ensina a ten-tar entender o próprio povo não como destinatário, mas como sujeito de histó-ria. Entender e reconhecer no povo as dimensões pedagógicas, os valores que ele afirma em cada momento, tempo his-tórico, social, político, cultural. A história em cada tempo histórico é pedagógica. O povo na diversidade de suas ações de resistência é pedagogo em cada tempo histórico. A Educação Popular é inse-parável das resistências do povo, dos oprimidos às opressões postas em cada momento histórico pelos opressores.

Paulo Freire e o movimento de Educação Popular se deixam interrogar pelo mo-mento político como uma postura per-manente da pedagogia, da Educação. Olham para as dimensões pedagógicas do movimento social, político, cultural e religioso. Olham para os sujeitos dessa história: os coletivos populares, oprimi-dos resistindo às opressões. Entendem, reconhecem suas pedagogias.

Todo movimento de Educação Popular tem sido na história um movimento de

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resistências por libertação, emanci-pação das opressões, das estruturas e dos padrões de poder econômico, político, cultural, religioso. A radicali-dade política da Educação Popular por libertação vem da radicalidade das desumanizações a que resistem. Paulo Freire aprende que toda pedagogia de Educação Popular é uma Pedagogia dos Oprimidos, que são conscientes das opressões desumanizantes que os vitimam. A compreensão da diver-sidade de movimentos de Educação Popular põe em destaque as desuma-nidades que vitimam as pessoas e às quais elas resistem por se libertar. A radicalidade política e pedagógica da diversidade de movimentos de Educa-ção Popular vem da consciência popu-lar da crueldade das opressões-desu-manizações a que os padrões de poder submetem os coletivos populares.

CULTURA-EDUCAÇÃO POPULAR NA DIALÉTICA DESUMANIZAÇÃO--HUMANIZAÇÃO

Paulo Freire destaca a dialética desu-manização-humanização. O movimento de Educação Popular adquire a radi-calidade político pedagógica dos opri-midos, que reduzem a si mesmos como problemas. O tema da humanização é central nos movimentos de rebelião, so-bretudo de pessoas que se consideram seres no mundo e com o mundo, e que se interrogam sobre as condições e moda-lidades com que estão sendo vítimas de históricas desumanizações.Constatar esta preocupação implica

reconhecer a desumanização como re-alidade histórica. Também, e talvez so-bretudo, a partir dessa dolorosa consta-tação precisamos nos perguntar sobre a outra viabilidade – a da humanização. Humanização, desumanização dentro da história (p. 29-30).

A dimensão da Educação Popular das lutas por libertação das opressões se alimenta dessa dialética: vivencias da desumanização como realidade histórica e luta pela outra viabilidade – a da huma-nização. A Educação Popular como luta por humanização. Todos os humanismos pedagógicos pretendem acompanhar, estimular os processos de humanização.

A radicalidade da Educação Popular como resistência a desumanizações tem sido reconhecer a desumanização como realidade histórica que oprime, rouba humanidades. A partir dessas vivencias de opressões-desumanizações, os opri-midos lutam pela outra viabilidade: a de sua humanização.

A Educação Popular como pedagogia de libertação-humanização radicaliza a Educação–libertação como dialética de coletivos que vivenciam, lutam, se rebe-lam contra as desumanizações como re-alidade histórica que sofrem.

A Educação Popular dos oprimidos por humanização só “é possível porque a de-sumanização é um fato concreto da his-tória, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” imposta que gera violência dos opressores” (p. 30).

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EDUCAR O POVO, OS COLETIVOS COM DEFICIÊNCIAS ORIGINÁRIAS DE HUMANIDADE?

Essa dialética da Educação Popular como movimento dos coletivos opri-midos resistentes às desumanizações vivenciadas como realidade histórica, provocando suas lutas por humaniza-ção, é uma dialética que se contrapõe aos diversos humanismos pedagógicos, que decretam os outros como diferen-tes, com deficiências originárias de hu-manidade, para prometer-lhes pelas po-líticas benevolentes de Educação serem incorporados, incluídos no padrão único e hegemônico de humanidade.

Em todos os humanismos pedagógi-cos, as elites intelectuais, religiosas, políticas humanistas se auto-decretam a síntese do protótipo hegemônico de humano racional, moral, cultural. De-cretam aos outros, diferentes, a con-dição de deficientes em racionalidade, moralidade, humanidade, para prome-ter-lhes, pela Educação político-inte-lectual, moral e religiosa, superar essas deficiências de humanidade. Educação do Nós para o povo, para que, supera-das as deficiências de humanidade, me-reçam serem incluídos no padrão único, hegemônico de humanidade.

Que dialética binária, abissal-sacrificial, predomina na história dos humanismos pedagógicos, das elites culturais inte-lectuais religiosas políticas! Trata-se de uma Educação para o povo decretado deficiente em valores, saberes, raciona-

lidade, moralidade, cultura, humanida-de, uma Educação benevolente das eli-tes para o povo.

Essa Educação benevolente das elites para o povo tem sido uma constante em nossa história, desde a empreitada catequético-educadora no humanismo político, religioso, colonial, imperial e até republicano-democrático. Os Estu-dos Decoloniais vêm denunciando essa dialética de Educação-humanização que se legitima num decretar os povos originários e os negros escravizados com deficiências originárias de humani-dade: seria um estado de natureza, não de cultura, não de humanidade.

Aníbal Quijano classifica esse decretar os outros em estado de natureza como um mito ôntico, metafísico: decretar os outros não completamente reconhecí-veis como humanos, logo incapazes de participar na produção intelectual, mo-ral, cultural da humanidade. Boaventura de Souza Santos destaca que os povos originários e os negros foram decreta-dos pelos padrões de poder político--religioso com deficiências originárias de humanidade, atolados nas crendices culturais e religiosas, portanto, necessi-tados de moralização pela Educação.

Declarar os seres humanos com deficiên-cia originaria de humanidade é a forma persistente mais radical de desumaniza-ção. Não sendo humanos, logo são inu-manizáveis, ineducáveis (Arroyo, 2019). Esse anti-humanisno, anti-pedagógico persistente em nossa história política,

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intelectual, religiosa, pedagógica tem bloqueado tantas premissas de Educa-ção do povo. São práticas políticas anti--éticas, anti-pedagógias, que decretam o povo deficiente dos saberes, valores, culturas, para prometer educá-lo para suprir essas deficiências. São históricos culturicídios que acompanham a Educa-ção das elites para o povo. A esses cul-turicídios os movimentos de Educação Popular resistem, afirmando sua cultura popular resistente.

EDUCAÇÃO POPULAR MOVIMENTO POLÍTICO DE COLETIVOS RE-EXIS-TENTES ÀS DESUMANIZAÇÕES. AFIRMANDO-SE HUMANOS

Essas práticas anti-pedagógicas, anti--éticas das elites políticas e religiosas, que decretam os coletivos populares com deficiências de valores de saberes e culturas e prometem educá-los, catequi-zá-los, moralizá-los pela Educação, têm sido persistentes na história da Educa-ção. Para as elites econômicas e políticas e para as suas crianças, adolescentes, jovens, se reserva uma Educação inte-lectual, com domínio das crenças e dos conhecimentos, para serem dirigentes da Nação do progresso econômico, cien-tífico, moral, político.

É oferecida a elas a Educação nas es-colas privadas e nas universidades, para formar dirigentes. Para as filhas e filhos do povo, há a escola pública, com atenção para letramentos e, sobretudo, para Edu-cação em valores de que carecem. É uma Educação em valores de ordem, disciplina,

trabalho, convívio social. Uma Educação do povo para a ordem e das elites para o progresso da Nação. Uma Educação sele-tiva, segregadora, antiética, que persiste na nossa história desde a Educação cate-quética-colonial até a República: educar o povo em valores de ordem de que carece, Educação popular moralizadora.

O movimento político, religioso, pedagó-gico da Educação Popular se contrapõe a essa longa história de Educação mora-lizadora do povo. É um movimento de co-letivos re-existentes às desumanizações históricas que tem oprimido as pessoas na história, decretando-as subhumanos, subcidadãos. É um movimento de Educa-ção Popular de coletivos re-existentes, afirmando-se humanos, re-existindo a uma longa história, que decreta as pes-soas com deficiências de humanidade, de racionalidade, de moralidade e oferecem a elas uma Educação moralizante, para suprir suas carências inatas de valores, de saberes, de culturas...

O movimento de Educação Popular tem sido um movimento dos coletivos re-sistentes a essa visão elitista, que os condena sem cultura, sem saberes, sem valores e lhes promete educá-los, mo-ralizá-los, para suportar as opressões desumanizantes que os condenaram à pobreza extrema, ao desemprego, à condição de sem-terra, sem-teto, sem alimentação, sem vida justa humana. O movimento de Educação Popular tem sido um movimento político re-existen-te, pelo qual os sujeitos se afirmam hu-manos, com direitos a uma vida humana.

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EDUCAÇÃO POPULAR MOVIMENTO POLÍTICO DE COLETIVOS AFIRMANDO-SE SUJEITOS DE VALORES, SABERES, CULTURAS

Lembrávamos que a diversidade de pro-postas, de promessas políticas, religio-sas, pedagógicas, que pretendem levar a Educação para o povo decretado sem Educação, é justificada no decretar os coletivos populares desde a empreitada político-religiosa colonizadora, com de-ficiências originárias de moralidade, de racionalidade, de humanidade. Os cole-tivos populares são culpados por seus desempregos, sua pobreza extrema, sua condição de sem-teto, sem saúde, sem vida justa, humana, porque esta-riam sem saberes, sem letramentos, sem valores, sem empreendimentos, sem cul-tura. Essas visões tão inferiorizantes, segregadoras dos coletivos populares, têm legitimado ações benevolentes de levar a Educação para o povo, para su-prir suas carências de valores, de sabe-res, de culturas, de crenças.

A Educação Popular como movimento político representa um movimento de resistências desses coletivos, afirman-do-se sujeitos de valores, de saberes, de culturas, de crenças. Paulo Freire reconhece os coletivos populares como sujeitos de pedagogias. É Pedagogia do Oprimido, não para os oprimidos; há su-jeitos de ações pedagógicas educativas, não destinatários das benevolências pedagógicas que lhes prometem educar nos saberes, valores e culturas de que carecem. Já em 1967, Paulo Freire dedi-

ca a Pedagogia do Oprimido a esses co-letivos populares, oprimidos mas resis-tentes, afirmando-se sujeitos de outras pedagogias, de outros saberes, outros valores, outras culturas, outra humani-zação. Paulo Freire afirma um paradig-ma outro de Pedagogia (Arroyo, 2019).

Na dedicatória do seu livro de 1967, Pau-lo Freire já reconhece que coletivos opri-midos são sujeitos de outros saberes, de outras resistências. Dedica seu livro “aos esfarrapados do mundo, e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas sobretudo com eles lutam” (p. 23).

Esses esfarrapados do mundo e os que neles se descobrem e com eles sofrem, mas sobretudo com eles lutam, têm sido os sujeitos de outras pedagogias, de outro movimento de Educação Popular, que fortalece o povo como educador da própria Educação. O povo afirmante de outro paradigma de Educação, de for-mação humana.

Para Paulo Freire, a função da Educa-ção Popular será reconhecer os cole-tivos populares desde a infância como seres criadores, humanizadores de si mesmos. A função dos movimentos so-ciais populares, dos educadores popula-res, não é decretar o povo sem valores, sem Educação, sem humanidade, para inventar como educá-los.

A função de todo movimento político--religioso-ético de Educação Popular será reconhecer as desumanizações

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que sofrem e roubam a sua humanida-de. Reconhecer o povo resistindo, afir-mando-se humano, e fortalecer suas resistências conscientes, suas lutas por libertação. A função da pedagogia da Educação Popular será encontrar, en-tender, fortalecer esses processos, es-sas pedagogias dos oprimidos, que co-meçam desde a infância. Reconhecer o povo educador de si mesmo. Educador da Educação.

RECONHECER, REAFIRMAR A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO POPULAR

Essa história não tem sido reconhecida, tem sido ocultada, reprimida na histó-ria hegemônica. Precisa fazer justiça e reconhecer essa história da Educação Popular, do poder popular, político, reli-gioso e educador. Uma história que teve e tem sujeitos: os coletivos populares, os diferentes, os movimentos populares

sociais, étnicos, raciais, de gênero, clas-se, as Comunidades Eclesiais de Base, os movimentos sem-teto, sem-terra, sem emprego, sem renda, sem saúde, sem vida justa e humana.

É uma história que exige ser contada, história dos movimentos sociais coleti-vos populares, que resistem às injustiças e a todas formas de opressões injustas, reafirmando os valores, os saberes, as verdades, as crenças, as culturas popu-lares identitárias. Paulo Freire vê a his-tória ética, cultural e religiosa pela ótica dos oprimidos. Uma ótica e um olhar po-sitivo, que os reconhecem, afirmando-os como sujeitos de pedagogias, culturas, de Educação Popular. Os oprimidos são sujeitos que repolitizam a política, a cul-tura, a Educação Popular. Não se sub-metem a pedagogias dos padrões de poder para os oprimidos, mas relançam a Pedagogia do Oprimido.

REFERÊNCIAS

ARROYO, M. Paulo Freire: outro paradigma pedagógico. Educação em Revista, FAE UFMG, 2019.

______. Outros sujeitos, outras pedagogias. Vozes, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, Paz e Terra, 1987.

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ARTIGO

RESUMO

Sandra M. S. Cavalcante e Camilla Ayala Felisberto Silva

COMUNIDADES INTERCULTURAIS DE APRENDIZAGEM: UMA RESPOSTA À CRISE MIGRATÓRIA

Neste artigo, apresentamos um breve relato sobre a experiência de um projeto de extensão universitária, de natureza humanitária, transdisciplinar, desenvolvido no Pro-grama de Pós-graduação em Letras da PUC Minas. O Projeto LER visa à interação e à emancipação social de refugiados e migrantes, na sociedade brasileira, por meio de ações de Educação, Arte e Cultura. À luz de princípios pedagógicos propostos por Paulo Freire e Célestin Freinet, o projeto assume os valores e a dinâmica de uma comu-nidade intercultural de aprendizagem de forma a contribuir para o enfrentamento da grave crise humanitária global de migração. Dessa forma, em suas diferentes frentes de atuação, o projeto estabelece um estreito diálogo com desafios assumidos pelo Pacto Global pela Educação..

Palavras-Chave: Migração. Refúgio. Comunidade Intercultural de Aprendizagem. PLAc.

SANDRA M. S. CAVALCANTE

Doutora em Linguística. Professora do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas. Coordenadora do Projeto LER.contato: [email protected]

CAMILLA AYALA FELISBERTO SILVA

Advogada. Mestre em Direito Privado. Graduanda em Letras pela PUC Minas. Educadora e integrante da equipe de Assistência Jurídi-ca do Projeto LER.contato: [email protected]

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JUNTOS, OLHAMOS ALÉM

Quando nos deparamos com a possibi-lidade e a necessidade de conhecer al-guém que vem de outro país, que traz consigo outra língua e experiências cul-turais diferentes das nossas, muitas são as possibilidades que se abrem para sig-nificar esse encontro. Essa significação pode ocorrer com base em valores como a empatia, o cultivo de novas (inter)sub-jetividades1, a hospitalidade, a solidarie-dade, o acolhimento e a convivialidade. A depender do outro que se nos apresen-ta chegando de longe, no entanto, esse encontro, infelizmente, pode acontecer em diferentes e concretas formas de violência. Nesse sentido, palavras como xenofobia, racismo, intimidação em di-ferentes níveis e escala socialrevelam-se crimes, nada incomuns, contra pessoas e comunidades em situação de desloca-mento forçado, de migração humanitá-ria, no Brasil2. Sem o amparo de leis inter-nacionais que normatizam o acolhimento de refugiados, a situação da migração, por motivos que incluem as mudanças climáticas, é uma realidade que assu-me status de tragédia. Nas palavras de Francisco (2015): “Infelizmente, verifica--se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo”, que, certamente, inclui o Brasil.

Diante dessa realidade, é o próprio Francisco (2020) quem profetiza um cenário que, sem sombra de dúvidas, está enraizado na própria história da humanidade: “As migrações constituirão uma pedra angular do futuro do mun-do”. Assim sendo, frente aos profundos desafios enfrentados no contexto da migração e refúgio no mundo contem-porâneo, somos todos convocados a agir em respostas que nos permitam ir além das exigências emergenciais. Nesse contexto, cabe à universidade brasileira (ao sistema de escolas cató-licas, em particular) cooperar com os poderes políticos (executivo, legislativo e judiciário) e com atores sociais, nacio-nais e internacionais, que promovam o desenvolvimento de políticas públicas e de ações sociais comprometidas com o processo de interação e de emancipa-ção social de cidadãos que, de diferen-tes povos, línguas e culturas, chegam ao Brasil para viver.

O Projeto LER (Leitura e escrita COM re-fugiados e migrantes) é uma atividade de extensão universitária, de natureza transdisciplinar, que se afilia a esta impor-tante agenda humanitária. Desenvolvido pelo Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas, em parceria com o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugia-dos (SJMR - Belo Horizonte), com o apoio

1 Conferir CAVALCANTE (2020).2 Sobre o assunto, conferir recentes pesquisas desenvolvidas pelo MUSEU DA IMIGRAÇÃO (SP) e pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE. Disponíveis em: http://museudai-migracao.org.br/blog/migracoes-em-debate/imigrantes-entre-a-vulnerabilidade-e-a-violencia e https://www.sbmfc.org.br/noticias/violencia-contra-migrantes-e-refugiadas/. Acesso em: 25 ago. 2021.

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da Cátedra Camões (Instituto Camões/Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros PUC Minas) e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (ACNUR/PUC Minas), o Projeto LER visa à interação e à emancipação social de refugiados e migrantes, na sociedade brasileira, por meio de ações de Educa-ção, Arte e Cultura. Desde a sua origem, momento em que foram definidos os nos-sos objetivos, em estreito diálogo com o SJMR3 e do primeiro grupo de migrantes e refugiados com o qual trabalhamos, pas-sando pela articulação com representan-tes das cátedras e de outros atores (polí-ticos e da sociedade civil), como veremos na seção “O dia-a-dia do nosso trabalho”, o nosso compromisso se firma nos valores e na dinâmica cotidiana de uma comuni-dade intercultural de aprendizagem.

O CHÃO EM QUE PISAMOS

Desde a sua origem, em 2018, o Projeto LER é uma ação que visa somar esforços, acadêmico-científicos, para o cumpri-mento dos Objetivos Globais para o De-senvolvimento Sustentável (ODS), agen-da proposta pelas Nações Unidas para 20304. Nesse contexto, o projeto nasce

do reconhecimento de concretas e pro-fundas demandas que envolvem os pro-cessos migratórios no Brasil e no mundo.

Estudos publicados pelo Alto Comis-sariado das Nações Unidas para Re-fugiados (ACNUR), no relatório anual “Tendências Globais 20205”, apontam que 82,4 milhões de pessoas foram for-çadas a se deslocar em todo o mundo, demonstrando um crescimento de 4% comparado ao ano anterior. Desses, 26,4 milhões são considerados refugia-dos, resultando em uma realidade em que, pelo menos, 1% da população global encontra-se deslocada atualmente.

O “Relatório Anual 2020 - Fraternidade no enfrentamento da COVID-19”, produ-zido pelo SJMR, por sua vez, aponta que os trabalhos realizados pela instituição alcançaram mais de 8.500 migrantes e refugiados, no ano de 2020, no Brasil, por meio de projetos e iniciativas que atenderam demandas de variadas áreas, conforme as necessidades das pessoas. No que tange ao Estado de Minas Ge-rais, um estudo de georreferenciamen-to6 feito pela ACNUR, em parceria com

3 Com sede em 50 países, o SJMR é uma organização jesuítica especializada em migração, des-locamento forçado e refúgio que beneficia milhares de pessoas, com a prestação de serviços gratuitos, intervenções emergenciais, proteção, projetos de educação, integração, apoio psicossocial e pastoral. Para saber mais: https://sjmrbrasil.org/.4 Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. 5 THE UN REFUGEE AGENCY (UNHCR). Global Trends in Forced Displacement. 18 jun. 2021. Dis-ponível em: https://www.unhcr.org/60b638e37/unhcr-global-trends-2020. Acesso em: 27 ago. 2021.6 “O georreferenciamento constante neste mapeamento representa retrato amostral estático das pessoas atendidas pelo SJMR-BH entre janeiro e dezembro de 2019 e residentes no estado de Minas Gerais.” Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2020/06/UrbanRefuge-eMap_SJMR_19062020_baixa.pdf. Acesso em: 27 ago. 2021.

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o SJMR, apontou que foram feitos, em 2019, 6.800 atendimentos a 3.690 pes-soas em situação de refúgio e migração. Nesse grupo, 78,8% estão instaladas nos municípios de Belo Horizonte e Conta-gem, são majoritariamente do sexo mas-culino e em idade economicamente ativa e enfrentam profundas dificuldades ao tentarem se inserir socialmente.

Outra maneira de compreendermos os impactos causados pelo processo mi-gratório no país são os dados sistemati-zados em relatórios oficiais sobre refú-gio e migração realizados pelos Estados da federação e pelo Governo Federal. Entre esses, a publicação anual “Refúgio em Números”, produzida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública junta-mente com o OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais)7. A sexta edição do relatório, publicada em 2018 (origem do Projeto), apresenta dados que mereceram profunda atenção. Na-quele momento, apenas 48 municípios brasileiros ofereciam algum curso de português para solicitantes de reco-nhecimento da condição de refugiado e para imigrantes em situação de migra-ção humanitária. Esse dado, confronta-do aos demais anteriormente apresen-tados e a outros tantos, tornam-se um número a traduzir a vida de milhões de migrantes e refugiados no mundo, exi-

gem a nossa atenção e a proposição de ações concretas. Entre essas, o aco-lhimento por meio do ensino da língua, aspecto de extrema importância para a promoção da integração e da emanci-pação social dessas pessoas.

Em busca de contribuir para o enfrenta-mento desse e de outros desafios, pró-prios da vida humana, o Projeto Ler assu-me um trabalho conjunto com o SMJR-BH e outros atores sociais. No chão em que pisamos, hoje, somos uma comunidade intercultural de aprendizagem constituí-da por 120 adultos e 35 crianças, de sete países (Venezuela, Síria, Colômbia, Haiti, Honduras, Índia, Paquistão), e 23 exten-sionistas de oito áreas do conhecimento (Letras, Pedagogia, Direito, Psicologia, Serviço Social, Relações Internacionais, Jornalismo e Cinema e Arquitetura e Ur-banismo), colocando em prática ações dedicadas ao acolhimento, à interação sociocomunicativa, à arte, ao desenvol-vimento humano.

O DIA-A-DIA DO NOSSO TRABALHO

O Projeto Ler é uma experiência de ex-tensão universitária que tem as suas ações pedagógicas, artísticas e cultu-rais fundamentadas em princípios pe-dagógicos propostos por Paulo Freire (1921-1997) e por Célestin Freinet (1896

7 SILVA, G. J; CAVALCANTI, L; OLIVEIRA, T; COSTA, L. F. L; MACEDO, M. Refúgio em Números, 6ª Edição. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Comitê Nacional para os Refugiados. Brasília, DF: OBMigra, 2021.

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- 1966). No pensamento de ambos, reco-nhecemos, cada um ao seu modo, prin-cípios que compreendem a experiência do conhecer, do aprender, como um exercício de liberdade encorajado pelo afeto. Em Paulo Freire, conceitos como amorosidade, dialogicidade e esperan-ça entram em cena para fundamentar o direito à “palavra”, tornada práxis, em sua indissociável dupla dimensão: ação e reflexão.

Na perspectiva freireana, o direito à palavra, garantia do diálogo, é condi-ção e “exigência existencial” humana. Na palavra dita, o direito de “pronunciar o mundo”, de “transformar o mundo”, de problematizá-lo, de modificá-lo, o direi-to de agir em direção a um inédito viá-vel. Da pedagogia de Freinet, o afeto, a empatia como condição da vida huma-na, manifestados no exercício do “bom senso”, aquele que nos permite, como educadores, exercitar a sensibilidade (e a responsabilidade) de, colocando-nos no lugar do aprendiz, buscar, com ele, conhecer o mundo. Assumir a educação como um direito legítimo ao conhecer, de forma situada, contextualizada, pro-blematizadora e emancipatória está na base dos valores e da dinâmica da nos-sa experiência, como comunidade inter-cultural de aprendizagem8.

Traduzir esses princípios pedagógicos em ações implica reconhecer os sujeitos

que integram a comunidade de aprendi-zagem em seu direito à palavra (ação--reflexão) e em seus diferentes modos e desejos de conhecer o mundo: linguístico, artístico, político-social. Assim sendo, as-sumimos o compromisso coletivo e coo-perativo de organizar o nosso trabalho em diferentes frentes de atuação. Para os objetivos deste artigo, optamos por socializar ações da frente pedagógica.

Nessa frente, trabalhamos com o ensi-no do Português como Língua de Aco-lhimento (PLAc). Neste momento, nos organizamos em seis grupos de apren-dizagem constituído por adultos (com 15 participantes em média) e cinco grupos de crianças e adolescentes, entre 5 e 13 anos (com 7 participantes em média). Nossos grupos de PLAc, em uma estreita e dinâmica relação de intersubjetividade, amorosidade e diálogo, no período da pandemia, pelo uso de tecnologias digi-tais, realizam um encontro semanal que, marcado pelo espírito da “roda”, permite aos educadores investigar os temas ge-radores, a temática significativa, de cada grupo. No espírito da roda, o reconheci-mento da temática “se vai expressan-do como um quefazer educativo. Como ação cultural” (Freire, 2019, p. 145). Para que esse espírito se institua, criamos, no projeto, uma dinâmica pedagógica sis-temática e cotidiana. Implementada no trabalho desenvolvido tanto com adul-tos quanto com as crianças, essa dinâ-

8 Conf. VALLE e FLISTER (2020).

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mica pressupõe três momentos intrinse-camente articulados: o acolhimento, o engajamento e a avaliação conjunta do feito e do “que fazer” juntos.

Esses momentos pedagógicos visam qualificar a experiência da atenção conjunta na qual, como grupo, nos en-contramos para o aprender. A partir de um processo de observação, de re-gistro e de avaliação semanal da ex-periência, decorrem a proposição de ações pedagógicas e a criação de ma-teriais e estratégias didáticas inéditas que cooperem, concretamente, para a experiência da convivialidade, da cria-tividade, da interculturalidade e da emancipação social do aprendiz. É im-portante destacar que, para o desen-volvimento das habilidades de leitura e escrita, no período de pandemia, o projeto passou a contar com os recur-sos do ambiente virtual de aprendiza-gem da PUC Minas (CANVAS).

Os valores e a dinâmica de uma comu-nidade intercultural de aprendizagem, constituída por migrantes e refugiados, crianças e adolescentes, jovens e adul-tos, não se restringem à aprendizagem da língua do país que os acolhe. A co-munidade é, por natureza, o espaço em que nos sentimos seguros, em que compartilhamos nossas necessidades, nossos desejos e, como condição de existência, a nossa história de vida; o nosso saber; nossos valores pessoais; nossas experiências culturais, sociais, estéticas, políticas, espirituais; nossos sonhos e desejos. Todas essas dimen-

sões da vida, por sua vez, se apresen-tam, em força e sensibilidade, na “pala-vra” compartilhada por crianças, jovens e adultos em situação de migração e refúgio, no contexto de aprendizagem da língua do país de acolhimento.

OS DESAFIOS CONTINUAM ALÉM

Assumir o compromisso com a recons-trução do Pacto Educativo Global é, acima de tudo, promover um humanis-mo solidário alicerçado na fraternidade e no acolhimento, que garanta a exe-cução de ações que se desdobram em diferentes dimensões da vida. No caso da comunidade intercultural de apren-dizagem que somos, no Projeto LER, o direito à palavra (ação-reflexão), legí-timo e comum a todos, nos garante a alegria e a responsabilidade da cons-trução de um mundo em que o reco-nhecimento das diferenças significa um concreto compromisso com o combate à pobreza e com a defesa de direitos universais aos seres humanos em todos os lugares do planeta.

Por meio desta experiência, espera-mos, além de contribuir com o fortale-cimento de uma agenda que reconheça as necessidades e demandas que cons-tituem o processo imigratório no Brasil, sensibilizar para o quanto, ainda, po-demos e devemos realizar em termos de ações e experiências (educativas, artísticas, culturais) que amenizem os impactos da migração humanitária, do deslocamento forçado, do exílio, no mundo contemporâneo.

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REFERÊNCIAS

AGÊNCIA DA ONU PARA REFUGIADOS (ACNUR). ACNUR lança relatório “Tendên-cias Globais” sobre deslocamento forçado no mundo. 16 jun. 2021. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2020/06/16/acnur-lanca-relatorio-tendencias--globais-sobre-deslocamento-forcado-no-mundo/. Acesso em: 27 ago. 2021.

AGÊNCIA DA ONU PARA REFUGIADOS (ACNUR); SJMR (Serviço Jesuíta a Mi-grantes e Refugiados). Georreferenciamento de pessoas atendidas em 2019 pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados em Minas Gerais. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2020/06/UrbanRefugeeMap_SJMR_19062020_baixa.pdf. Acesso em: 27 ago. 2021.

CAVALCANTE, SANDRA M. S.. Novas intersubjetividades, pontos de vista e emo-ções em práticas discursivas de migrantes. In: CAVALCANTE, Sandra S., GABRIEL, Rosângela; MOURA, Heronides.. (Org.). Linguagem, cognição e cultura: estudos em interface. 1a ed. Campinas: Mercado de Letras, 2020, v. 1, p. 261-290.

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’. São Paulo: Editora Paulinas, 2015.

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Fratelli Tutti. Vaticano: Livraria Editora Vati-cana, 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra. 2019. 256 pp.

SILVA, G. J; CAVALCANTI, L; OLIVEIRA, T; COSTA, L. F. L; MACEDO, M. Refúgio em Números, 6ª Edição. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Comitê Nacional para os Refugiados. Brasília, DF: OBMigra, 2021.

SJMR (Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados). Relatório anual 2020 - Fra-ternidade no enfrentamento da COVID-19. Disponível em: https://sjmrbrasil.org/relatorio2020/ Acesso em: 28 ago. 2021.

THE UN REFUGEE AGENCY (UNHCR). Global Trends in Forced Displacement. 18 jun. 2021. Disponível em: https://www.unhcr.org/60b638e37/unhcr-global--trends-2020. Acesso em: 27 ago. 2021.

FLISTER, C. V. O processo de (re)construção identitária de migrantes e refu-giados em contexto de aprendizagem de português. Dissertação (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2020.

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ARTIGO

RESUMO

Suzana Schuquel e Rosemari Lorenz Martins

O PACTO EDUCATIVO GLOBAL, A ÉTICA E A ESTÉTICA EM TOLKIEN: AS TRILHAS DA EDUCAÇÃO QUE PERMEIAM A JORNADA DO HERÓI

O presente artigo apresenta-se quase que em forma de ensaio experimental, contan-do com uma breve revisão bibliográfica e sistemática, com base nas trilhas metodoló-gicas de Deleuze (1995). Na perspectiva fenomenológica da cartografia proposta pelo autor, em parceria com Guatarri (1995), aborda-se o livro “O Hobbit”, escrito por J. R. R. Tolkien. Considera-se a personagem Bilbo, que evolui gradativamente na narrativa, na medida em que passa pelas paisagens literárias impostas pelos outros. Logo, versa-se sobre a jornada empenhada pela trupe de anões, Gandalf e pelo simpático hobbit que deixa seu lar para trás e parte rumo ao desconhecido. Por ser a personagem central, observa-se em Baggins a possibilidade de estabelecer metáforas com a vida real, uma vez que a história permite compreender, ainda que a partir da literatura, a relação entre o eu e o outro, tendo em vista que o diferente nos complementa. Embasados pela arquitetônica polifônica bakhtiniana (2007), em tempos de pandemia, é possível perceber a importância da alteridade e do dialogismo, ao interagir e viver em grupo, trabalhando para um objetivo em comum. Isso não faz parte apenas das narrativas ficcionais, mas da vida social, tendo em mente a evolução ética, estética, dialógica e psicológica de cada um ao longo da vida. Toda essa abordagem, embora parta de um olhar focado na literatura, está calcada no embasamento do Pacto Educativo Global, conforme as diretrizes cedidas pelo Papa Francisco.

Palavras-Chave: A jornada do herói. Interação social. Ética e estética. PEG.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este trabalho discorre sobre a aventu-ra do pequeno Bilbo Baggins e seus no-vos companheiros de jornada, os anões. Juntos, o Sr. Bolseiro e a trupe de anões cruzaram por montanhas, vales e terras distantes e, por vezes, sombrias, cheias de mistério e armadilhas.

Observa-se na obra de Tolkien, em es-pecial, nas ações de Bilbo, antes e du-rante a jornada rumo à Caverna de Smaug, os valores éticos que norteiam a vida em sociedade, tanto em Fundo do Saco, quanto no convívio com os anões, no decorrer da narrativa.

Ressalta-se que, além dos valores éticos observados nas personagens, há outro fator que cativa quem com a obra se de-leita, a construção em trilhas, ou como Deleuze e Guatarri (1995) denominam “Trilhas cartográficas”, os caminhos evo-lutivos, ou seja, Bilbo e os demais atores envolvidos na trama vão evoluindo con-forme passam pelos caminhos apresen-

tados na obra. A evolução é gradual, tri-lhada a cada passo, a cada queda. Ele aceitou a sua jornada forçada, para provar, a si e ao outro, que era capaz de assumir as trilhas metodológicas e car-tográficas que são inerentes à jornada do herói e à invenção de si mesmo e do mundo (KASTRUP, 1999).

Conforme a arquitetônica bakhtiniana, que menciona necessariamente a alte-ridade, a forma como Bilbo interpretava os acontecimentos e o ambiente ao seu redor incluía a visão do outro (BAKHTIN, 2012). E esta visão do outro em nós tam-bém é destacada pelo Papa Francisco, no Pacto Educativo Global - 2021/2022.

Assim, essa revisão bibliográfica, en-quanto proposta de ensaio literário ex-perimental, abre-se ao novo Bilbo, ao novo mundo diante dele, suas impres-sões e reações a cada passo, a cada de-safio. Veremos que, assim como na vida real, o agir perante novos obstáculos

SUZANA SCHUQUEL

Professora, Licenciada em Letras, Universidade FEEVALE.contato: [email protected]

ROSEMARI LORENZ MARTINS

Doutora em Letras. Professora e Pesquisadora Universidade FEEVALE.contato: [email protected]

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não é tão fácil quanto parece e, assim como Bilbo: “somos só uma pessoazinha nesse mundo enorme”, ou como o Papa Francisco bem nos lembra “ na aldeia” chamada mundo.

A ÉTICA E ESTÉTICA EM TOLKIEN: AS TRILHAS E A JORNADA DO HERÓI EM "O HOBBIT"

E agora? Junto com seus novos e estranhos parceiros, Bilbo cami-nha floresta adentro, sem saber para onde vai, sem seu lenço, apenas com a roupa do corpo. Não teve nem ao menos tempo suficiente para pegar um pouco de comida. Sua casa ficando mais e mais distante. O que poderia fazer? Somente imaginar o que deixara para trás, a sua vida no Fundo do Saco, como somos lem-brados pelo narrador, “não pela última vez”: “– Oh! – Disse Bilbo, e naquele mesmo momento sentiu o maior cansaço que lembrava já ter sentido. Estava mais uma vez pensando em sua confortável cadeira diante do fogo, na sala favorita de sua toca, e na chalei-ra cantando. Não pela última vez! (TOLKIEN, 2012, 46).

A evolução da personagem principal foi sendo moldada, forjada pelas vozes e pelos discursos que foi assimilando e, principalmente, pelas circunstâncias. Nessa linha, Kastrup (1999) aborda a in-venção de si e do mundo. Segundo a au-

tora, só há mudança do indivíduo quan-do ele é forçado a sair de sua zona de conforto e envolver-se com algo com-pletamente diferente daquilo que esta-va acostumado a presenciar. Ao passo que se distancia do conhecido, novos problemas vão surgindo e sendo inven-tados, demandando uma nova atitu-de. Em outras palavras, a perturbação foi primordial para o desenvolvimento de Bilbo, para o novo hobbit que esta-va sendo moldado. Toda essa reflexão acerca das vozes que constituíram Bil-bo Baggins ocorreu devido às perturba-ções que resultaram desse novo mundo apresentado a ele.

Cansados de tanto caminhar, Gandalf decidiu fazer uma parada na casa de um conhecido, no vale de Valfenda, a últi-ma casa amiga, onde morava Elrond, um simpático elfo conhecedor das runas. Lá, comeram, beberam, contaram his-tórias e, principalmente, recuperaram as energias para os dias que estavam por vir. Bilbo, se pudesse, teria ficado de bom grado ali naquela simpática casa, mas tinha um compromisso firmado com a trupe. Só para lembrar: “eles ficaram bastante naquela casa agradável, qua-torze dias pelo menos, e acharam di-fícil partir. Bilbo, de bom grado, teria permanecido lá para todo o sempre – mesmo que um desejo pudesse levá-lo para sua toca de hobbit sem problemas” (TOLKIEN, 2012, 50).

A partir desse momento, o tranquilo e inabalável mundo do Bolseiro sofreu uma mudança, uma instabilidade trazida

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de terras distantes, ou seja, proveniente do mundo dos anões e de Gandalf. E, do encontro desses dois universos tão dis-tintos, uma nova jornada se iniciou, fa-zendo com que um olhasse para o outro e percebesse, assim, a singularidade de cada um, deixando o discurso individual de lado, indo em direção ao coletivo, ao mundo além do eu e da minha crença. Conforme Bakhtin (2000),

o evento único do Ser não é mais algo que é pensado, mas algo que é, alguma coisa que está sendo real e inescapavel-mente completado através de mim e de outros (completado, inter alia, também na minha ação de conhecer); ele é real-mente experimentado, afirmado de uma maneira emocional-vo-litiva, e a cognição constitui apenas um momento desse experimentar - afirmar. A unici-dade única ou singularidade não pode ser pensada. Ela só pode ser participativamente experi-mentada ou vivida (BAKHTIN, 2000, p. 13).

O Vale de Valfenda era a última para-da na qual ainda se tinha um pouco de tranquilidade e onde se podia respirar “aliviado”, pelo menos em comparação à jornada que se seguiu depois que dei-xaram a casa de Elrond. É bem verdade que Bilbo, até então, não tinha preci-sado agir muito, lutar ou salvar algum companheiro. Ele apenas os seguia e observava, enquanto caminhavam. Nos

momentos em que agia para tentar dar provas de seu valor, tropeçava, falha-va, mas ainda estava processando tudo aquilo, tentando compreender o entor-no. Não é fácil acertar na primeira ten-tativa. Bilbo que o diga, já que antes de chegar ao Vale dos Elfos viu-se em uma situação um pouco complicada.

Então Bilbo reuniu toda a sua coragem e enfiou a mãozinha no enorme bolso de William. Havia uma bolsa nele, grande como um saco para Bilbo. ‘Ha!’, pensou ele, pegando gosto pelo seu novo tra-balho, enquanto retirava a bolsa com cautela, ‘isto é um grande começo!’. (...) E foi! Bolsas de trolls são endiabradas, e esta não era exceção. – Ei, quem é você? –guin-chou ela ao sair do bolso; William virou-se imediatamente e agarrou Bilbo pelo pescoço, antes que este pudesse se esconder atrás da árvore (TOLKIEN, 2012, 35).

Essas vozes presentes na narrativa de Tolkien constituem a polifonia, que faz parte da arquitetônica bakhtiniana e versa sobre as várias vozes que consti-tuem o sujeito, de acordo com Bakhtin (2012). Na história, Bilbo foi apresen-tado de uma forma com a qual não se identificava, mas, com o passar do tem-po, foi assumindo o papel que Gandalf lhe designou. Por outro lado, os anões não viam Bilbo da mesma forma como o mago, contudo, como o caminho reser-vou várias surpresas a todos, os anões

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começaram a ver no novo integrante o oposto, concordando com a sábia afir-mação de Gandalf.

Seus atos impensados e motivados, principalmente, pela necessidade de Bil-bo mostrar suas qualidades, apesar de colocá-los em maus lençóis, tiveram um lado bom e evolutivo na narrativa, pois o hobbit, mesmo sem querer, na hora certa, deixava seu instinto de proteção falar mais alto, alertando Gandalf para o perigo que todos corriam.

Menos Gandalf. O grito de Bilbo fizera isso de bom. Acordara-o completamente numa fração de segundo, e, quando os Orcs vie-ram agarrá-lo, um terrível clarão, feito relâmpago, tomou a caver-na, depois um cheiro de pólvora, e vários deles caíram mortos (TOLKIEN, 2012, 60).

Que aventura! A ética vai além do “eu” e invade o coletivo. No final da história, quando Bilbo regressa ao lar, após pas-sar por um ano de muitos desafios e des-cobertas, percebe que enfrentou tudo com muita sabedoria e coragem, como Thorin bem destacou ao despedir-se do companheiro de jornada. Assim, vê que a jornada empenhada foi apresentada por várias vozes. Assumir que há uma polifo-nia é dar vez e voz ao “não eu em mim”, que só ocorre por meio do dialogismo e da alteridade, do outro, eticamente.

A ESTÉTICA E AS TRILHAS DURANTE A JORNADA DO HERÓI

Para muito além da ética, a literatura passa pela estética ao envolver o leitor, por meio da recepção. Com a história não é diferente, pois o enredo tem, de um lado, Gandalf, apresentando o Sr. Bolseiro como ladrão e, do outro, a des-crença dos anões quanto a essa afirma-tiva do mago.

Não menos importante é a voz do Bol-seiro, ora como assustado, medroso, aflito e ora como aventureiro, destemi-do, bravo guerreiro, reconhecendo-se como um ladrão de fato. Outro ponto relevante da história é, sem dúvida, a evolução da personagem principal, que foi sendo moldada, forjada pelas vozes e pelos discursos que foi assimilando e, principalmente, pelas circunstâncias.

Nessa linha, Kastrup (1999) aborda a in-venção de si e do mundo. Segundo a au-tora, só há mudança do indivíduo quan-do ele é forçado a sair de sua zona de conforto e envolver-se com algo com-pletamente diferente daquilo que estava acostumado a presenciar. Ao passo que se distancia do conhecido, novos proble-mas vão surgindo e sendo inventados, de-mandando uma nova atitude. Em outras palavras, a perturbação foi primordial para o desenvolvimento de Bilbo, para o novo hobbit que estava sendo moldado. Toda essa reflexão acerca das vozes que constituíram Bilbo Baggins ocorreu devi-do às perturbações que resultaram des-se novo mundo apresentado a ele.

Depois de passarem um sufoco nas mãos dos Trolls e escaparem por pouco

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de serem mortos. Por 14 dias, a compa-nhia teve o merecido descanso e conse-guiu recarregar as energias na casa de Elrond. Como todos bem sabiam, ao saí-rem do Vale dos Elfos, muitos perigos os esperavam. A tranquilidade ficava cada vez mais distante e eis que adentram em terras povoadas pelos terríveis Orcs, criaturas maléficas e engenhosas.

Os Orcs são cruéis, malvados e perversos. Não fazem coisas bonitas, mas fazem muitas coisas engenhosas. Podem cavar túneis e minas tão bem quanto qualquer um, exceto os anões mais habili-dosos, quando se dão ao traba-lho, embora geralmente sejam desorganizados e sujos. Martelos, machados, espadas, punhais, picaretas, tenazes, além de ins-trumentos de tortura, eles fazem muito bem, ou mandam outras pessoas fazerem conforme o seu padrão, prisioneiros e escravos que têm de trabalhar até morrer por falta de ar e luz (TOLKIEN, 2012, p. 62).

Não é difícil imaginar o que esperava pela trupe, por mais que Thorin usasse sua bela retórica para tentar explicar que ele e seus companheiros estavam apenas de passagem por ali, de nada adiantou, pois, essas criaturas malignas adoram prender os aventureiros e de-savisados que cruzam por seu domínio, para fazerem deles escravos, maltra-tando-os até morrerem. Não foi diferen-te com Bilbo e os anões. Foram presos.

Mas quem tem um mago ao lado nunca está sozinho.

De repente, uma espada cintilou com sua própria luz. Bilbo viu-a atravessar o Grão-Orc, aturdido no meio de sua fúria. Caiu morto, e os soldados-orcs fugiram da espada, guinchando escuridão adentro. [...] A espada voltou para sua bainha. - Sigam-me depressa! (TOLKIEN, 2012, p. 65).

Com a ajuda de Gandalf, todos conse-guiram escapar das garras e da fúria dos Orcs. Mais uma batalha foi venci-da. Que alívio! Quanto a Bilbo, em meio a tudo o que aconteceu, ele ficou com medo e aturdido com o que presenciou. Quando precisou de ajuda, na hora da fuga, contou com um companheiro: “– Um minutinho! – disse Dori, que estava no fim da fila perto de Bilbo, e era um sujeito decente. Fez com que o hobbit subisse em seus ombros, tão bem quan-to era possível com as mãos atadas, e então voltaram todos a correr [...]” (TOLKIEN, 2012, p. 65).

Os anões, apesar de reclamarem e de não entenderem o porquê de Gandalf ter dito que aquele hobbit os ajudaria e seria um excelente ladrão quando a ocasião se apresentasse, cumpriam o trato. Todos ajudavam-se e, quando al-gum deles ou Bilbo precisasse de ajuda, eles estariam lá. Assim foi. Quando as pernas de Bilbo já não conseguiam mais correr, Dori, preocupado com o novo in-tegrante, ajudou-o.

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Desde o dia em que colocou os pés para fora de casa, aquele Bilbo que antes vi-via sozinho e não dependia de ninguém se viu precisando de ajuda e tendo que viver em comunidade, com todos jun-tos, passando pelos mesmos problemas e cooperando uns com os outros, para que todos atingissem o mesmo objetivo.

Pode não parecer, mas o Sr. Bolseiro, desde o momento em que saiu de seu confortável lar, começou a amadurecer, a mudar de atitude em relação aos ou-tros e, principalmente, a conviver com o outro, a aprender com a cultura e a tradição daqueles que estavam com ele nessa jornada. Tudo bem que ele não te-nha feito algo nessa luta contra os Orcs, que tenha ficado paralisado, espanta-do, pois, em uma situação imprevisível, um contato com um mundo exterior tão diferente do seu, com criaturas malig-nas jamais vistas, para um descendente de Bolseiro como ele, acostumado com tranquilidade e conforto, era compre-ensível ficar sem reação. Ele estava fora de sua zona de conforto e, para reagir, é preciso primeiro acostumar-se com o novo ambiente, com o novo caminho que está sendo traçado.

O momento em que Bilbo sai de casa marca o início de seu amadurecimento e o despertar para a vida com seus desa-fios. Há nessa nova fase do hobbit uma semelhança com o momento em que um

filho deixa a casa dos pais e passa a viver à sua maneira, a enfrentar seus medos e a amadurecer. No entanto, nos últi-mos anos, percebeu-se uma mudança no comportamento dos jovens adultos dos 25 aos 34 anos. Os filhos, que antes saí-am mais cedo de casa, estão demorando mais para deixar o lar, é o que revela a reportagem veiculada pelo site El País1, em 2017. O número de jovens de 25 a 34 anos que reside com os pais aumentou na última década de 1 para cada 5; em 2005, para 1 a cada 4; em 2015. Alguns fatores envolvidos nesse adiamento da saída do lar de origem são: mais anos dedicados aos estudos, o casamento tardio ou a decisão de não se casar e o alto custo de vida nas grandes cidades brasileiras, ou seja, as razões para essa mudança no comportamento são tanto emocionais quanto financeiras.

Os conceitos de dialogismo, polifonia e sobre a invenção do herói ajudam a en-tender e a revelar os processos pelos quais ele passou para se tornar o guer-reiro exemplar. Somente ao nos depa-rarmos com o novo é que podemos nos permitir ir além do imaginável. É possível romper com crenças e hábitos e, assim, permitir-se estar em constante apren-dizagem. Como bem vimos na saga, o Sr. Bolseiro, beirando a meia idade, vi-rou seu mundo de cabeça para baixo e foi aprendendo com cada tropeço, a cada passo que dava. Os obstáculos ou

1 Informações extraídas de https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/05/politica/1496687911_980154.html. Acesso em: 23 set.2020.

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as “perturbações” forjaram, assim, um novo Bilbo.

Esse novo Hobbit, moldado ao longo da jornada, evoluiu com a chegada e o aprendizado dentro da aldeia, do cole-tivo, ao qual estava inserido, como bem nos lembra o Papa Francisco: “o que re-almente educa são as relações e que, justamente por isso, a tarefa de educar não é apenas da escola/ universidade, mas de toda a sociedade (aldeia)” (Pac-to Educativo Global, 2020, p. 04).

E vamos além, seguindo os dizeres do Papa, o contato com a diversidade foi primordial para a mudança de postura de Bilbo, somente em contato com o diver-so, ele evoluiu, entregou-se aos desafios do novo caminho que estava trilhando: “a diversidade que nossa época comporta não é motivo de desunião, mas de cele-bração, já que na diversidade encontra-mos múltiplos caminhos a se percorrer” (Pacto Educativo Global, 2020, p04).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma evolução desenhada na e a partir da ficção, que traz consigo reflexões e comportamentos presentes na socie-dade, perpassando a época em que “O hobbit” foi escrito e publicado para os dias atuais. O Sr. Bolseiro representa tanto o jovem que, ao sair de casa, de-para-se tanto com a realidade e com os desafios da vida adulta quanto com pes-soas mais maduras que decidem, após anos dedicados ao trabalho e à família, aventurarem-se e ir a busca do novo.

Conforme mencionado, há um Bilbo ador-mecido dentro de cada um de nós e que, por estar lá descansando, pensamos que não há, mas há. Por meio da análise, foi possível compreender como as circuns-tâncias e os acontecimentos influenciam o indivíduo na tomada de decisões.

Foi preciso abordar a relação com o di-ferente e como esse pode agregar va-lor à vida dos indivíduos, modificando o olhar do outro sobre o “eu” e do “eu” sobre o outro. Desde o dia em que colo-caram os pés para fora de casa, aquele Bilbo que antes vivia sozinho e não de-pendia de ninguém se viu precisando de ajuda e tendo que viver em comunida-de, passando pelos mesmos problemas e cooperando uns com os outros, para que todos atingissem o mesmo objetivo.

O que motiva esses dois estratos sociais a se desprender do ninho e do conforto? Bem, as razões são inúmeras. Para os mais jovens, independência financeira, mais liberdade e responsabilidade; para os mais velhos: novas aventuras, sair da rotina, realizar um sonho. Tanto para um quanto para outro, sair do conhecido e partir para o desconhecido, demanda muita coragem, desapego e vontade de entregar-se a novos desafios e experi-ências, as quais não seriam vivenciadas sem o primeiro passo.

Há de se falar da relação entre os aventureiros, pois, conforme o tem-po passava, o Sr. Bolseiro tornava-se mais próximo dos anões. Ele passou a compreendê-los melhor, deixou de ser

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apenas um espectador, para trans-formar-se em um guerreiro, mas essa transformação foi acompanhada do medo, da insegurança, pois, como bem sabemos, esses sentimentos fazem par-te da jornada e, sem eles, não há contra o que lutar. É o que mantém o indivíduo alerta e o motiva a superar a si mesmo, para, assim, ultrapassar os obstáculos em seu caminho. Vale ressaltar que cada adversidade en-frentada por Bilbo atuou como agente de mudança, pois ele transformou sua for-ma de ver o mundo e de agir perante os acontecimentos quando resolveu enfren-tá-los, ou seja, ele foi se desenvolvendo e, por conseguinte, amadurecendo, à medida que os obstáculos apareciam, demandando determinada atitude/ação.

Outro aspecto a ser destacado na evo-lução da personagem é o que concerne à relação interpessoal. Nesse quesito, todos evoluíram, anões aprenderam a ver Bilbo com outros olhos, passaram a admirá-lo. Ao final, o pequeno hobbit era um deles. Por outro lado, Bilbo, que antes era acostumado a viver com seus semelhantes, aprendeu sobre coopera-ção e comprometimento com o grupo e, todas as diferenças entre eles, vistas ao longo do percurso, só enriqueceram sua relação, tornando-os mais compreensi-vos e abertos ao novo, ao diferente.

No texto, temos a figura do típico cida-dão inglês, descrita à semelhança de Ri-chard Hannay, de John Buchan, e de Bil-bo Baggins, de Tolkien. Isso vem à mente

quando pensamos sobre a cultura e o povo britânico da época, cujas tradi-ções e forma pacata de levar a vida nos mostram aspectos incorporados/enrai-zados dentro da cultura, tais como a pontualidade, o respeito, a polidez e a manutenção de tradições, como a hora do chá, por exemplo.

Quanto ao cidadão brasileiro, será que essas características vêm à mente, quando as outras culturas pensam sobre o Brasil e sobre os brasileiros? Segundo reportagem veiculada na “Revista Super Interessante”, em 2016, somos lembrados pela simpatia, afetividade e pelo bom--humor. Do outro lado da moeda, porém, não é tão agradável assim, pois somos vistos como malandros, por causa do fa-moso jeitinho brasileiro de conseguir o que se quer, sem muito esforço.

Acabamos nos esquecendo do passado, tanto político quanto social e um tanto corrupto. É claro que carregamos essa herança amarga, desde o “descobri-mento” do país. Mas vale lembrar que esses aspectos negativos não se apli-cam a todos nós, mas infelizmente vêm à tona quando somos lembrados pelos outros povos.

Em resumo, aprendemos com a saga de Bilbo. Apesar dos medos que nos per-seguem, como o da incerteza, das con-sequências das nossas escolhas e de nossos atos e do fracasso, que é pos-sível mudar o curso de nossa história, enfrentar os obstáculos, superá-los e, principalmente, aprender com os erros

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e acertos ao longo do caminho.

Eticamente, esteticamente, polifonica-mente, por meio do dialogismo, da alte-ridade, da invenção de si e do mundo, que só é possível por meio das trilhas metodológicas e fenomenológicas que cada um faz durante a sua jornada. He-rói ou não, somos sempre outros por meio do outro que está em nós. Esse é talvez o maior dilema que Tolkien pro-blematiza, o ontológico, para além do

ser e da essência. Será que, como o pe-queno hobbit, somos só pessoazinhas nesse mundo enorme?

E assim, conforme o Papa Francisco, “convivendo nessa nova aldeia, aprenden-do a celebrar a diversidade”, O Sr. Bolsei-ro e anões passaram a ver o mundo com uma nova roupagem, com um novo olhar. O que antes gerava desunião, passou a uni-los, em busca de um objetivo comum, e do reconhecimento do eu no outro.

REFERÊNCIAS

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______. Mensagem em vídeo do Papa Francisco por ocasião do encontro promo-vido pela Congregação Para A Educação Católica: "Global Compact On Education. Together To Look Beyond". Vaticano, 2020. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2020/documents/papa-frances-co_20201015_videomessaggio-global-compact.html. Acesso em: 05 mai. 2021.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

Marilde Arenhardt, Rosana Fix e Karina Amancio Rodrigues

VIDAS FEMININAS IMPORTAM - PACTO PELA VIDA: O TRABALHO COM MULHERES NA CONGREGAÇÃO DAS IRMÃZINHAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO

Marilde Arenhardt

Pertence a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição - CIIC. Graduada em Ciências Sociais – Sociologia. Contato: marilde. contato: [email protected]

Rosana Fix

Graduada em Serviço Social (UNICID), Pós-graduada em Serviço Social e Gestão de Projetos Sociais (FMU) e Serviço Social Hospitalar (UNIFESP). Atualmente exerce a coordenação de projetos sociais na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição.contato: [email protected]

Karina Amancio Rodrigues

Graduada em Serviço Social Sul (PUCRS), Especialista em Gestão e Su-pervisão Escolar (UNISINOS). Atualmente atua como coordenadora de projetos sociais da Associação Cultural e Beneficente Nova Lourdes.contato: [email protected]

UM TERRENO FÉRTIL

Em 2019, o Papa Francisco lançou o Pacto Educativo Global. Com o objetivo de “fazer amadurecer uma nova solida-

riedade universal e uma sociedade mais acolhedora”, convida a todos e a todas para “dialogar sobre o modo como es-tamos a construir o futuro do planeta e sobre a necessidade de investir os ta-

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lentos de todos1”. Compartilhamos aqui uma experiência de caminhada missio-nária com mulheres da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, que se filia na intencionalidade propos-ta pelo Papa, cientes de que, “há muito caminho ainda a percorrer” (Cf 1Rs 19,7).

A Congregação das Irmãzinhas da Ima-culada Conceição (CIIC) é uma congre-gação religiosa, fundada por Santa Pau-lina2, a primeira santa do Brasil, em 12 de julho de 1890, em Nova Trento/SC. A CIIC está presente em doze países e em qua-torze Estados brasileiros3. Atualmente, possui aproximadamente 357 Irmãzinhas e cerca de mil colaboradores/as.

Tem como missão: “estar a serviço da vida, sendo presença profética e soli-dária, junto aos pobres e aos mais ex-cluídos”. Como Visão: “Ser referência na promoção da vida, especialmente das mulheres e juventudes”; e como Valores: “Carisma, Espiritualidade e Espírito”.

SEMENTES DE ESPERANÇA

O trabalho com mulheres na CIIC sur-giu quando Santa Paulina iniciou sua missão com este público, por meio de

acolhimento, atenção especial e cuida-dos, com enfermas, deficientes, idosas e órfãs. Em conjunto com a sua compa-nheira, Virginia Nicolodi, Amábile fez a diferença na vida de muitas.

Em especial, a missão da CIIC iniciou a pedido de uma mulher, Maria, Mãe de Deus; pela força das mulheres e a servi-ço de uma mulher, Lúcia ngela Viviane, que em câncer terminal, foi levada por Amábile e Virginia ao pequeno casebre, em Vígolo, Nova Trento/SC, e, no local, ofereceram-lhe todo cuidado para seu bem-estar físico e espiritual até o fim de sua vida. Depois da morte de Lúcia, acolheram uma idosa que permaneceu durante quatro anos com elas. Mais tar-de, outra mulher em estado de câncer avançado e ainda gestante, que, pos-teriormente, deu à luz a uma menina, recebeu atenção de Amábile e Virgi-nia. Outra que ganhou os cuidados das duas companheiras foi uma menina com transtorno mental, que mordia quem se aproximava dela e a si mesma. Ao se recuperar, voltou ao convívio familiar e recebeu a Primeira Eucaristia.

É importante ressaltar que nos sonhos de Amábile, em que Nossa Senhora lhe

1 Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2019/documents/papa-francesco_20190912_messaggio-patto-educativo.html. Acesso em 4 de maio de 2021.2 Nome de batismo: Amábile Lúcia Visintainer.3 Países: Argentina, Bolívia, Brasil, Camarões, Chade, Chile, El Salvador, Guatemala, Itália, Moçambique, Nicarágua, Peru. Estados brasileiros: Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Pau-lo e Tocantins.

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aparece em três noites consecutivas, en-tre 1888 e 1890, aparecem duas mulheres: Nossa Senhora de Lourdes e uma jovem, que não tem nome e está ali para enco-rajar Amábile. Essa jovem é representa-tiva da dimensão feminina da criação e da fraternidade original presente nela, como evoca o Pacto Educativo Global.

Formação religiosa a grupo de meninas, ensinamento de leitura e escrita, auxílio nos cuidados de filhos(as) de mães que trabalhavam, também fizeram parte da missão de Amábile, Virginia e Teresa, que posteriormente formaram o trio fundacional da CIIC. Em Nova Trento, logo começam a receber órfãs, idosas e mulheres com deficiência, abrindo uma pequena escola para catecismo, alfabe-tização e costura, que gradativamente vai recebendo mais mulheres interessa-das na proposta.

Com o crescimento deste grupo e a ne-cessidade de que o trabalho fosse au-tossustentável, em função das dificul-dades financeiras da época, Amábile e uma Irmãzinha passaram alguns dias em Brusque/SC, visitando fábricas, a fim de adquirir conhecimentos. Quando retor-naram a Nova Trento, criaram uma pe-quena fábrica de tecelagem que tinha a finalidade de proporcionar uma nova ex-periência para a juventude feminina da

cidade. Irmãs, Noviças e Postulantes já engajadas na fábrica passaram a pro-duzir fios de seda, que por muito tempo foram vendidos e serviu como fonte de renda para da Congregação das Irmãzi-nhas da Imaculada Conceição.

Vai se tecendo, pela vida a serviço das mulheres, o carisma da CIIC, a saber, “Sensibilidade para perceber os clamo-res da realidade e disponibilidade para servir aos mais necessitados e aos que estão em situação de maior injustiça4”. Lembremos que a jovem, nos sonhos encoraja Amábile. O Papa Francisco, na Mensagem de Lançamento do Pacto, convida a humanidade a três coragens: coragem de colocar a vida, a pessoa no centro; coragem de dar as melhores energias com criatividade e responsabi-lidade; coragem de formar pessoas dis-poníveis para se colocarem a serviço da comunidade5. Essas três coragens estão intimamente relacionadas ao carisma da CIIC e sua missão a serviço da vida das mulheres.

Santa Paulina, desde o início, realizou a missão com outras mulheres, um sinal da dimensão de comunhão e fraternidade: Maria, a jovem, Virginia, Teresa, e tantas outras jovens que aderiram à proposta. Juntas, dedicaram-se ao acolhimento a muitas mulheres.

4 Constituições Da Congregação Das Irmãzinhas Da Imaculada Conceição, p. 14.5 Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2019/documents/papa-francesco_20190912_messaggio-patto-educativo.html. Acesso em: 4 mai. 2021.

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CULTIVO: FLORES QUE DESABRO-CHAM EM MEIO A ESPINHOS

O legado da fundadora da CIIC, no traba-lho com mulheres, continua vivo nos dias de hoje nos diversos espaços de missão das Irmãzinhas e, de modo especial, na área de assistência social da Rede Santa Paulina, que pertence à Congregação.

Na Assistência Social, a CIIC mantém dois serviços, desenvolvidos especial-mente com mulheres em situação de vul-nerabilidade social. Um dos serviços é de Acolhimento Institucional6 para Mulheres em Situação de Rua (com ou sem filhos), que é desenvolvido pela Casa de Acolhi-mento Santa Paulina, localizada em Itajaí (SC). Atualmente, a casa possui 20 vagas para atendimento e oferta hospedagem completa na modalidade albergue femi-nino. No ano de 2020, atendeu-se o total de 100 pessoas. Tem como objetivo ga-rantir proteção integral a estas mulheres e seus dependentes.

As ações da Casa de Acolhimento Santa Paulina visam proporcionar acolhimen-to, proteção, escuta e atendimento es-pecializado a essas mulheres, para que as acolhidas e seus (suas) dependentes sintam-se amparados(as) e protegi-do(as), bem como tenham seus direitos sociais assegurados.

6 Acolhimento Institucional é “destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rom-pidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral. A organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida, arranjos familia-res, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual” (CNAS, Resolução n° 109 de 2009).

Praticamente quando eu entrei na casa, a minha vida foi salva, porque se eu tivesse ficado na rua, acho que estaria no fundo de uma cama em um hospital, como que eu iria dormir no chão, nos bancos, com problema de hérnia de disco e mais bico de papagaio, proble-ma de depressão, aqui é um lugar bom também para mim, para você deixar certos preconceitos para trás, aprender a conviver com outras pessoas, aprender a ver que não é só você que existe no mundo, só você que tem proble-ma, você aprende bastante coisa, a questão do perdão, a questão de não se cobrar tanto, a questão da tolerância, a vida decidiu que eu tinha que passar por aqui, para mim sabe… Aprender, eu tenho tomado minha estada aqui como uma lição de vida (depoimento de uma ex-acolhida).

O Centro de Assistência Social Tecendo a Vida, localizado em Belo Horizonte (MG), é um Serviço de Convivência e Fortaleci-mento de Vínculos, tipificado na política nacional da assistência social, que aten-dem crianças e adolescentes de 06 à 14 anos, a unidade atenta as necessidades das famílias atendidas, começou a rea-

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lizar reuniões periódicas, assim nasceu o grupo “Mulheres Renovadas”. O traba-lho desenvolvido ocorre semanal com 20 mulheres cadastradas, vinculadas ou não às crianças e adolescentes, para discutir diversos temas nas rodas de conversas, através da reflexão da história de vida individual e na construção de novas for-mas de pensar e agir com a promoção da defesa e da garantia de direitos. Atu-almente, devido a Pandemia do Covid-19 são acompanhadas 20 mulheres em dis-tanciamento social, na modalidade virtu-al e de forma indireta suas famílias.

As ações direcionadas para as mulhe-res, visam a promoção e fortalecimen-to de vínculos em grupo e nas redes de apoio, comunidade e seus familiares, incentivam a autonomia, autocuidado, fortalecimento da autoestima, proteção e promoção social, tecendo vidas.

Nestes dois anos que participei do grupo, foi muito bom para mim. Aprendi muita coisa, conhe-ci pessoas legais, como vocês irmãs, psicólogas, assistentes sociais e as colegas do grupo. Só paramos por causa da pandemia, os passeios tudo muito bom, mas com fé em breve estaremos todas juntas de novo. Foi muito bom participar do artesanato, pintu-ra, crochê é muito importante na minha vida (depoimento de uma participante do grupo).

Nas famílias, nas comunidades, na so-ciedade, nas diversas pastorais, as

mulheres gestam vida por meio de sua liderança, inúmeros serviços, doação, criatividade e cuidado. Elas estão à frente e fazem a diferença. Sabemos que em muitos espaços esquecidos e abandonados pelo Estado, a Igreja che-ga através de pastorais e outros grupos com a presença de mulheres. Presença esta, marcada com um poder gerador de vida, que traz luzes, esperanças e ternura. Com criatividade, buscam ca-minhos, visibilizam o ser humano, res-gatando sua dignidade num processo de participação, integração e busca de seus direitos unindo fé e vida.

A Vida Religiosa Consagrada (VRC), no Brasil, tem sido testemunha do cla-mor do povo onde a vida mais sofre. Ela se faz presente em vários espaços, de modo especial VRC feminina. Na busca da fidelidade, compromisso com o Ca-risma, inúmeras mulheres consagradas estão junto a realidades dos mais sofri-dos/as, os pobres excluídos e excluídas. Uma VRC buscando ser fiel ao Evange-lho, comprometida com o povo sofrido em cada tempo. E hoje, são tantos os gritos que nos têm provocado a ser um sinal profético e de esperança.

A VRC Feminina marca a Igreja com sua liderança no meio do povo, na formação de inúmeras lideranças leigas, dentro e fora do espaço eclesial, com uma diver-sidade de culturas, no cuidado e na de-fesa da vida, onde ela está mais amea-çada. Mulheres guiadas pelo evangelho, inspiradas pelas mulheres bíblicas, es-trelas guias na entrega e doação. A VRC

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é como um fermento, não fica em si ou para si, mas gera Vida onde está.

Nesta caminhada, percebemos muitos desafios, mas vamos “passo a passo sempre em frente”, como nos dizia San-ta Paulina.

A presença das irmãzinhas junto a reali-dades das mulheres se dá, além dos pro-jetos sociais, de várias formas como a inserção em diversas realidades, grupos de mulheres, conselhos de direitos da mulher, pastorais que priorizam as mu-lheres, seja no âmbito social e ou ecle-sial, por meio de atividades com gru-pos de mulheres, realizando formação especifica, enxergando as implicações do ser mulher e levando a participação na sociedade, concretizando parcerias, na atuação junto a órgãos públicos e institucionais. Realização de arte tera-pia por meio de artesanatos, costuras e diversas oficinas de aprendizagem, possibilitando comercialização, auto sustentabilidade e o crescimento da auto estima e maior autonomia. Rodas de conversa onde partilham, expressam pensamentos e sentimentos fortalecen-do se mutuamente.

Na América Central, a atuação das Ir-mãzinhas é com a Pastoral da Mulher, firmando o trabalho formativo, cele-brativo, de resgate e visibilidade das/nas mulheres, desafiando uma mudança de mentalidade e cultura patriarcal. No continente africano, onde atuamos em Moçambique, Chade e Camarões, tam-bém as irmãzinhas marcam presença

neste resgate da dignidade por meio de projetos, grupos realizando várias ações em favor da vida.

FRUTOS E NOVAS SEMENTES

O Carisma que Santa Paulina nos deixou – Sensibilidade para perceber e disponi-bilidade para servir –provoca-nos estar permanentemente atentas aos sinais dos tempos e um destes, hoje, a realida-de das mulheres na sua amplitude.

Neste processo, tivemos inspirações e provocações: Com mulheres consagra-das, enriquecemo-nos e apreendemos na presença junto a várias culturas, ra-ças e realidades de mulheres com seus clamores, suas lutas, sabedorias, resis-tências e trocas de experiências.

Houve um despertar do Ser mulher que nos fez aprofundar com leituras, cursos encontros nesta questão de identidade de gênero, feminismo, políticas públicas, identificando as várias formas de vio-lência bem como as forças e a resistên-cia das mulheres.

Maior consciência feminista, atenção à linguagem inclusiva. Sensibilidade a rea-lidade vivida pelas mulheres em relação as diversas formas de violência que en-frenta nos mais diversos espaços.

Atentas ao trabalho em parceria, volun-tariado, a valorização e importância da formação de trabalho em rede. Desafia-das a fazer o registro, sistematização e divulgação de nossas práticas. Mapea-mento das realizações. O acompanha-

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mento destas diversas presenças, desa-fia-nos permanentemente.

Como nos vemos diante de milhares de vítimas de feminicídio, é alarmante o crescimento no Brasil e no mundo. Todas as assassinadas e caladas pelo femini-cídio estão presentes no grito e na luta das mulheres.

Uma saudação a todas que lutam pe-los direitos e o Empoderamento. A VRC presente e atuante e profética. As mu-danças vêm das mulheres. Juntas, so-mos gigantes. A força dos sonhos é construída no cotidiano puxado pelas mulheres. A luta das mulheres é um solo fértil de mudanças.

Neste caminhar, tem-se o medo, mas, muito mais coragem. Sigamos construin-do movimentos de resistência. A ordem do dia é resistir. As mulheres sempre

precisam lutar para defender suas vi-das. Simone Beauvouir já dizia: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os di-reitos das mulheres sejam questionados. Estes direitos não são permanentes. Você terá que manter se vigilante du-rante toda sua vida.Mulher: Levante–se”. E, como diz o Papa Francisco, na Vide-omensagem de relançamento do Pacto Educativo Global: “as grandes transfor-mações não se constroem à escrivani-nha,... mas é sempre olhando juntos/as, para frente, para a construção duma ci-vilização da harmonia, da unidade, onde não haja lugar para esta pandemia ruim da cultura do descarte7”.

Mulheres são como água, crescem quan-do se juntam.

Como parteiras de vida nova, saiamos depressa, pois a vida clama!

7 Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2020/documents/papa-francesco_20201015_videomessaggio-global-compact.html. Acesso em: 05 mai. 2021.

REFERÊNCIAS

BESEN, Pe. José Artulino. Madre Paulina uma surpresa de Deus. Editora Mundo e Missão. Florianópolis, 2009.

CONGREGAÇÃO DAS IRMÃZINHAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO. Constituições e diretório. São Paulo: s/a. (Arquivo interno).

DOU, Diário Oficial da União. Tipificação Nacional de Serviços Socioassisten-ciais. CNAS, 2009.

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NEGRI, Irmã Terezinha Santa. Do Casebre para o mundo. História das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. São Paulo, 2014.

PAPA FRANCISCO. Mensagem do Santo Padre para o lançamento do Pacto Educativo Global. Vaticano, 2019. Disponível em: http://www.vatican.va/con-tent/francesco/pt/messages/pont-messages/2019/documents/papa-frances-co_20190912_messaggio-patto-educativo.html. Acesso em: 4 mai. 2021.

______. Mensagem em vídeo do Papa Francisco por ocasião do encontro promovido pela Congregação Para A Educação Católica: "Global Compact On Education. Together To Look Beyond". Vaticano, 2020. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2020/documents/papa-francesco_20201015_videomessaggio-global-compact.html. Acesso em: 05 mai. 2021.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

Eduarda da Costa Coelho Galdino

EMOÇÕES EM TEMPO DE PANDEMIA NA CATEQUESE DE UM COLÉGIO DA REDE MARISTA

Eduarda da Costa Coelho Galdino

Agente de Missão do Colégio Marista Pio X, João Pessoa – PB, Pós--graduada em Educação Infantil pelo Centro Integrado de Tecnologia e Pesquisa – CINTEP PB e Licenciada em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba;contato: [email protected]

Desde que a pandemia iniciou, e oficial-mente o Estado e o Município decreta-ram o fechamento das escolas, em março de 2020, tivemos que passar por adap-tações no modo de evangelizar. Com as orientações da até então Coordenação de Evangelização, da igreja local e do diretor da nossa comunidade educati-va Marista Pio X, em João Pessoa (PB), demos continuidade aos encontros de catequese de modo remoto, com seis turmas, sendo três que estavam às vés-peras da celebração do sacramento da Eucaristia; três que estavam iniciando o segundo ano de catequese; e ainda com mais duas novas que iniciavam o itinerá-rio catequético de dois anos. A nossa atenção e preocupação com cada uma dessas turmas foi redobrada

e nossa metodologia repensada para atendermos ao momento desafiador e aos desafios próprios que cada ca-tequizando traria consigo e que refle-tiria também em seu comportamento e em sua espiritualidade. Entendendo que toda essa situação que a pande-mia trouxe e nos colocou, principalmen-te para as crianças e os adolescentes, torna-se difícil e “sem sabor” não poder realizar suas atividades corriqueiras do modo como deveriam acontecer. Ficar distante de familiares e amigos, que an-tes os viam frequentemente, tornou-se comum e doloroso. A escola e tudo o que ela oferece, por exemplo, nunca fez tan-ta falta e foi valorizada como agora.

Diante disso, planejamos alguns en-contros de catequese, mais voltados

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a trabalharmos suas emoções e seus sentimentos, e que consequentemente nos ajudassem a identificarmos alguns problemas como ansiedade, depressão, algo que soasse como alerta, principal-mente com as três turmas que espe-ravam para receber o sacramento da Eucaristia quando a pandemia come-çou. Neste trabalho, abordaremos como desenvolvemos um desses encontros, a metodologia utilizada e os resultados, que nos trouxeram alguns apelos por parte dos educandos e que puderam ser apresentados aos pais em uma reunião realizada para apresentarmos como nossa caminhada catequética estava acontecendo na pandemia.

Até chegarmos de fato ao ponto que abordaremos a dinâmica relacionando as cores com as emoções, vamos apresentar o modo de educar das escolas confessio-nais católicas de tradição Marista. Pos-teriormente, mostraremos de maneira breve como a pastoral trabalha e realiza suas ações nestes espaços educativos. Isso posto, apresentaremos a catequese escolar como caminho de amadurecimen-to na fé e na vivência comunitária.

Contudo, a partir do desenvolvimento deste encontro em que pudemos sentir, e de certa forma “medir”, o que os ca-tequizandos traziam em seus corações e suas mentes, surgiram inúmeras refle-xões deste tempo pandêmico, de como tem influenciado no emocional do ser humano e o mais preocupante, atingindo todas as idades, inclusive os mais jovens, como apresentaremos posteriormente.

EDUCAÇÃO E ESCOLA CONFESSIONAL CATÓLICA DE TRADIÇÃO MARISTA

As escolas Maristas são espaços que pro-porcionam aprendizado para a vida e para a caminhada de fé, como o próprio lema institucional enfatiza, “formar bons cris-tãos e virtuosos cidadãos”. Primeiramente, por ser escola confessional católica, é uma comunidade em que fé, esperança e amor, são vividos e transmitidos entre educan-dos, suas famílias e colaboradores.

Por ser de tradição Marista, a exem-plo e ensinamentos de São Marcelino Champagnat, o fundador, adota em sua educação e evangelização das crianças, adolescentes e jovens, o jeito de Maria.

Pela parceria entre escola e família, constituem uma única comunidade edu-cativa, sempre respeitando cada reali-dade, seja provincial, regional, colégio ou escola social, apoiando-se mutua-mente nos seus papéis complementares; desenvolvem um padrão de relaciona-mento que reflete o Evangelho de Jesus hibridamente com os ideais Maristas, a fim de testemunhar os valores que de-sejam transmitir aos educandos, e nes-sa transmissão de valores, encontram o apoio da Pastoral.

PASTORAL NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS MARISTAS

A mensagem principal que o Carisma1

Marista traz é “tornar Jesus Cristo co-nhecido e amado”, pois Ele é o centro

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das ações evangelizadoras em seus es-paços educativos. Diante disso, as Dire-trizes da Ação Evangelizadora para o Brasil Marista afirmam que Pastoral:

É o modo de concretizar a evan-gelização à luz da Palavra de Deus, em diálogo com as Ciên-cias e em comunhão com a Igreja – de modo orgânico, sistêmico, progressivo, colegiado, dura-douro e avaliado, em diferentes agendas para que o Evangelho incida eficazmente nos sujeitos e sociedades, âmbitos e culturas (2013, pp. 37 - 38).

Tomando como referencial a antropolo-gia cristã, a Pastoral se constitui como uma instância vital para assegurar a evangelização nos espaços educativos. A partir disso, as ações desenvolvidas são pautadas no anúncio do Evangelho, na educação da fé, na vivência dos va-lores universais, na promoção da igual-dade e dignidade humana, na justiça, solidariedade, diálogo inter-religioso, colocando sempre a pessoa de Jesus de Nazaré como o centro.

Para bem tornar real toda essa propos-ta de evangelização, de acordo com o “chão” de cada comunidade educativa, existem os projetos pastorais, que são os espaços-tempo voltados aos educandos, mas também, aos colaboradores, com o objetivo de amadurecerem na fé e na

prática de ações que os auxiliem a serem agentes de mudança no mundo atual.

Portanto, a Pastoral garante a luz da fé, processos de aprendizagem de modo formativo, gerando de maneira cíclica um profundo e autêntico conhecimento que possibilitam e facilitam as relações.

CATEQUESE COMO CAMINHO DE AMADURECIMENTO NA FÉ E VIVÊNCIA COMUNITÁRIA

Sabendo que os educandos têm seu pri-meiro contato com a fé no seio familiar, ao chegar no ambiente escolar, trans-mitem o que aprenderam com a famí-lia. Começam então os desafios, pois o cuidado para não confundir a ideia que trazem do Transcendente deve existir. A curiosidade, os inúmeros questionamen-tos são normais e devem ser levados em consideração, e as nossas respostas nem sempre são “convincentes” para ex-plicar “Deus”, mas é daí, que se inicia o caminho de amadurecimento na fé.

Para as unidades Maristas, os educan-dos são a causa das ações e preocupa-ções, ajudando-os a adquirirem não só o conhecimento acadêmico, mas também a descoberta do mundo, dos outros, de si mesmos e de Deus.

Fiéis à Missão de evangelizar por meio da Educação, buscam ajudar os educan-dos a harmonizar fé, cultura e vida:

1 Índole própria de cada Instituto ou Congregação religiosa.

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O nosso objetivo é familiarizar os nossos educandos com a história de Jesus e com o que isso signi-fica para ser cristão no mundo de hoje. Oferecemos sempre que oportuno, iniciação sacra-mental em colaboração com as paróquias (MISSÃO EDUCATIVA MARISTA, 2000, p. 59).

Para isso, oferecem a opção de inicia-ção à vida sacramental, por meio da Ca-tequese em preparação ao sacramento da Eucaristia, para que a fé iniciada em casa, ainda bem pequenos, apresen-tada por seus familiares a partir das orações básicas, mesmo em meio aos questionamentos, amadureça e se torne uma vivência comunitária de muito en-gajamento e compromisso, sendo bons cristãos e virtuosos cidadãos no mundo de hoje, principalmente, a partir dessa realidade denominada de “novo normal”, na qual precisamos de jovens conscien-tes de sua contribuição na comunidade que estão inseridos.

Relacionando cores às emoções

Falando em Catequese, no ano de 2020, com três turmas da nossa unidade, os encontros semanais que aconteciam nas quintas-feiras, à tarde, e nas sex-tas-feiras, pela manhã e tarde, conti-nuaram de modo remoto, com o auxílio da Plataforma Teams, que se tornou novidade e ao mesmo tempo algo bem típico deste tal “novo normal”, costumo até brincar que dentre os anos como

catequista, principalmente se tratando de um ambiente escolar, é a primeira vez que realizei “catequese em EAD”.

Mesmo diante desses “novos ares”, acompanhamento, diálogo e vínculo seguiram seu fluxo mesmo tendo es-sas turmas concluído o itinerário cate-quético de dois anos proposto para a Catequese de Eucaristia, seguindo os documentos institucionais. Estas se pre-paravam para a celebração do sacra-mento no mês de maio de 2020, quando teve início a pandemia.

Diante de todo o cenário pandêmico, viu-se a necessidade de buscar compre-ender o que se passa no coração e ima-ginário dos educandos de 12 e 13 anos de idade, inseridos na Catequese da nossa unidade, incentivando-os a uma partilha de suas emoções que talvez, em casa, com a família, teriam certa di-ficuldade para conseguirem expressar, não por falta de apoio, espaço, atenção, mas pelos próprios conflitos que a ado-lescência já traz, somados ao desgaste que a pandemia trouxe. A menina Anne Frank, foi um exemplo de alguém que vi-veu fortes emoções em sua época, du-rante a Segunda Guerra Mundial e que, ao invés de partilhar o que sentia com sua família e as pessoas que conviviam com ela no esconderijo, preferia escre-ver em seu diário:

Ter um diário é uma experiência realmente estranha para uma pessoa como eu. Não somente

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porque eu nunca escrevi nada antes, mas também porque acho que mais tarde ninguém se in-teressará, nem mesmo eu, pelos pensamentos de uma garota de 13 anos. Bom, não faz mal. Tenho vontade de escrever e uma ne-cessidade ainda maior de desa-bafar tudo o que está preso em meu peito (FRANK, 1929 - 1945, p. 16).

Levando em consideração à boa relação com os catequizandos, a confiança que transmitem ter em nós, planejamos os encontros para a primeira semana do mês de outubro de 2020, com o objetivo de trabalhar as emoções sentidas por eles ao longo da pandemia e do isola-mento social, a partir das cores, fazen-do uma relação entre elas.

“Sua vida colorida” foi o tema do encon-tro, iniciamos com um refrão Taizé2 para introduzir a reflexão que em seguida fa-ríamos. Para ajudá-los a refletirem, to-mamos como exemplo o filme Divertida Mente, que traz algumas emoções pre-sentes no cérebro da personagem Riley, uma menina de 11 anos que, após mudar de cidade, viu suas emoções aflorarem e ficarem extremamente agitadas.

Após provocá-los a refletirem sobre os sentimentos e as emoções que inquieta-ram seus corações e imaginários, no dia

a dia de casa, solicitamos que registras-sem no papel e fizessem a relação com uma cor. Para consolidar a atividade, fizemos a partilha que rendeu desaba-fos e apelos, trazendo à tona um misto de emoções ruins e prejudiciais às suas vidas e relações com o outro. No fim do mesmo mês dos encontros, nos quais trabalhamos a dimensão das emoções, tivemos uma reunião com os pais destes catequizandos, para darmos retorno de como estávamos dando assistência aos seus filhos e quais as prospectivas para o ano que viria e com isso vimos ser uma boa oportunidade de apresentarmos o resultado da atividade acima citada.

A apresentação dos registros feitos pe-los catequizandos surpreenderam seus pais, pois apesar de estarem com eles em casa, diariamente, durante a pande-mia, não tinham consciência do que seus filhos sentiam, pelos motivos que disse-mos anteriormente e, a partir da nossa atividade, puderam ter conhecimento do que acontecia bem próximo deles, mas que não era partilhado.

Considerações finais

Vimos que enquanto instituição confes-sional católica de tradição Marista, que está atenta aos educandos, era necessá-rio trabalharmos as emoções para per-cebermos e compreendermos o que os nossos catequizandos sentiram ao lon-go da pandemia e do isolamento social,

2 Comunidade ecumênica cristã em Taizé, Borgonha, França.

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REFERÊNCIAS

UNIÃO MARISTA DO BRASIL. Evangelização com as Infâncias: no Brasil Marista. Brasília, DF: UMBRASIL, 2016.

FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Edição integral. Tradução de Alves Cala-do. Rio de Janeiro: Record, 2016.

PROVÍNCIAS MARISTAS DE RIO DE LA PLATA E CÓRDOBA. Ideário Educativo Marista. Tradução: Professor Joaquim Silveira. Belo Horizonte: Centro de Estu-dos Maristas – CEM.

COMISSÃO INTERPROVINCIAL DE EDUCAÇÃO MARISTA. Missão Educativa Marista: um projeto para nosso tempo -Comissão Interprovincial de Educação Marista (1995-1998). Tradução: Manoel Alves, Ricardo Tescarolo. 2. Ed. São Pau-lo: SIMAR, 2000.

ajudando-os a percebê-los e, de alguma maneira, a substituírem os sentimentos que em sua maioria não foram bons, por outros que os levassem a enfrentar a si-tuação atual de pandemia que, de fato, paralisa, amedronta, sendo uma maneira de dizer que não estão sozinhos nessa.

Portanto, o recorte realizado neste tra-balho é apenas uma pequena contribui-ção neste imenso campo que tem como principal objeto de estudo apresentar como a Catequese de Primeira Eucaris-tia nas escolas católicas é importante, faz a diferença na vida dos educandos se realizada também em consonância com os apelos atuais, como neste caso, as

emoções e seus reflexos, principalmente no momento que estamos vivendo.

Com isso, acreditamos que nosso traba-lho venha a ser de grande relevância e irá colaborar com os inúmeros catequis-tas, não apenas das comunidades edu-cativas Maristas, mas para tantas ou-tras escolas confessionais católicas que oferecem a iniciação a vida sacramen-tal, partindo da suposição de que pos-sa auxiliar no diálogo com os catequi-zandos sobre seus sentimentos e suas emoções, ajudando-os a partilharem o que, muitas vezes, fica reprimido dentro deles e, assim, possamos modificar situ-ações antes identificáveis.

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REVISTA DE PASTORAL: Desde quando e como você percebeu que a Educação faz parte da sua vida?Maria Ester: Meus primeiros contatos com a Educação e sua importância trans-formadora tiveram início na minha infância. Meu pai era professor da Universidade Federal de Goiás e minha mãe era professora particular de Matemática e de Língua Portuguesa. Tínhamos em casa um grande escritório com mesas e cadeiras que abrigava muitos alunos de diversas idades e séries. Ali, eu tive minhas primeiras experiências como “professora”, ensinando Língua Inglesa, História e Estudos So-ciais aos que apresentavam dificuldade nesses componentes curriculares, compar-tilhando os conhecimentos que eu detinha e aprendendo com os demais.

Cursei o ensino fundamental no Instituto Maria Auxiliadora, em Goiânia, onde tive contato com educadoras de primeira grandeza e qualidade. Professoras que me in-centivavam a compartilhar meus conhecimentos e a imergir no mundo da docência, para a qual afirmavam que eu tinha grande talento. Cultivei esse apreço pela Educa-ção, que é a mola propulsora do desenvolvimento humano. Obtive minha graduação em História, Economia e Direito, cursos estes que sempre se fizeram acompanhar ricas experiências como professora, tanto de Ensino Médio como de Ensino Superior.

Entrevista

O TRABALHO EM REDE FORTALECE NOSSO PACTO EDUCATIVONesta edição especial, a Revista de Pastoral entrevista MARIA ESTER GALVÃO DE CARVALHO, que é graduada em História, pela Universidade Federal de Goiás, e em Direito, pela UniAnhanguera. É mestre em Educação pela Universidade de Maryland, EUA; e tem especializações nas áreas de Direito Processual Civil, Direito Interna-cional e Comércio Exterior, pela UNB, e Gestão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, pela Funda-ção Getúlio Vargas. É servidora pública federal do Mi-nistério das Relações Exteriores, desde 1994. No biênio 2016-2017, atuou como Presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação e, atualmente, é a Coordenadora do Fórum Nacional de Educação.

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A partir de um Mestrado em Educação, e de perceber o quanto nosso país precisa avançar nessa área, vi o quanto é importante a participação em espaços que per-mitam a colaboração para o acompanhamento e a melhoria das políticas públicas. Integrei o Conselho Estadual de Educação de Goiás por doze anos e coordeno o Fórum Nacional de Educação. Afirmo, sem qualquer relutância e com infinita grati-dão, que a Educação é um grande e sólido alicerce na minha vida, e sonho para que seja o alicerce na vida de todos os estudantes brasileiros.

RP: O Pacto Educativo Global tem como uma de suas propostas a de colocar a pessoa no centro, tendo em vista o bem comum. É possível?Maria Ester: A proposta do Pacto Educativo Global é desafiadora, mas factível. A existência da escola, no sentido amplo, é promover o desenvolvimento de cada indivíduo, respeitadas suas características de personalidade, de unicidade, seus talentos e habilidades, seu capital cultural, suas origens, suas limitações, seus rit-mos de aprendizagem, sua capacidade pessoal de interagir com os outros e com a comunidade e o universo que o cerca.

A busca da formação humana tendo o indivíduo como epicentro do processo edu-cativo é que dá sentido à existência da escola. É no contexto familiar e no ambiente escolar que florescem as melhores sementes para o bem comum.

A escola é uma das instituições mais dedicadas ao combate às desigualdades e à violência, pois os ambientes escolares são repletos de exemplos de pessoas que cultivam bons valores, que respeitam e praticam a convivência democrática, que combatem as diferenças sociais, éticas, culturais, raciais, religiosas, sexuais e po-líticas. É nesse ambiente acolhedor e fecundo que o bem comum se instala no es-tudante com ânimo definitivo, proporcionando um efeito multiplicador extramuros, capaz de modificar a sociedade em que vivemos.

RP: O que fazer para articular a sociedade de maneira que todos se compro-metam com a Educação das novas gerações?Maria Ester: Estamos vivenciando uma grande revolução no nosso modo de viver, interagir e atuar em sociedade. A partir das dificuldades, do conhecimento das de-sigualdades sociais surgiu a necessidade de uma nova postura, individual e coletiva.

Considero que a maneira mais apropriada de garantirmos a participação de todos para que assumam responsabilidade com a Educação das novas gerações é o trabalho em rede. A pauta prioritária da Educação deve ser objeto de nossas

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manifestações em família, nas escolas, nas igrejas, nas associações, nas empre-sas, em todos os locais. Há que se mobilizar os governantes e envolver os setores públicos e privados para a garantia de Educação de qualidade social.

Precisamos, igualmente, criar espaços para que os sistemas público e privado dialoguem; e devemos incentivar e cobrar que realizem ações conjuntas em prol da Educação; ações que visem à melhoria da formação docente, ao melhor equi-pamento das unidades escolares, à conectividade e garantia de acesso, à melhor qualificação do espaço e do tempo de aprendizagem.

É imperativo que se dê voz às infâncias e juventudes, que se fomentem vivências de voluntariado, que seja dada oportunidade aos estudantes para que atuem na sociedade, quer como ouvintes, quer como protagonistas.

RP: Sua mensagem...Maria Ester: Sou otimista em relação ao futuro da Educação. Depende das nos-sas ações, das simples às mais complexas, viabilizar às crianças e aos jovens um cenário propício ao desenvolvimento e à formação cidadã. A comunhão em torno desse propósito nos unirá e fortalecerá. Convido a todos para que saiamos da nossa zona de conforto, para darmos pas-sos firmes e certeiros na propagação do Pacto pela Educação. A Educação Integral para a prática da cidadania só ocorre com o estreitamento de vínculos entre família, escola e sociedade. Sejamos solidários e comprometidos com a mudança, pois ela é emergencial.

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REVISTA DE PASTORAL: Desde quando e como você percebeu que a Educação faz parte da sua vida?Rosemere Lira: Ingressei na escola com 7 anos de idade. Cursei todo o meu primá-rio em escola pública. De fato, a vida nunca foi fácil para nossa família. Meu pai e minha mãe (in memoriam) trabalhavam muito para nos sustentar. Somos 4 (quatro) felizes irmãos.

Muito cedo, com 15 anos de idade, comecei a trabalhar para ajudar no sustento de meus irmãos. Mas, em meio à luta pela sobrevivência, minha mãe sempre me estimulou a frequentar a escola, apesar de, muitas vezes, ter que me ausentar das aulas, porque tinha que trabalhar até mais tarde. Entretanto, entre idas e vindas, e principalmente pelo apoio, pelo estímulo e incentivo de professores e professoras que marcaram minha vida, mantive-me firme na esperança de alcançar o diploma e chegar à conclusão do curso de segundo grau.

Inquestionavelmente seria, e foi, uma vitória. Aos 18 anos, estava em direção à vida adulta e autônoma, mas ainda tinha um sonho maior: ingressar em uma Universi-dade para prosseguir meus estudos. Com duas tentativas frustradas de aprovação no vestibular da Universidade Federal do Piauí, o sonho foi interrompido. Em agos-to de 1987, nasceu o meu primeiro filho (João Ricardo). Dedicação total ao ofício de mãe. O curso superior iria esperar mais um pouco.

Mas, caminhar é preciso.... Em 1990, resolvi prestar vestibular novamente. A apro-vação chegou. Ao longo da trajetória do meu curso de Pedagogia, participei de

O CUIDADO COM O OUTRO É UM DOM!Vamos conhecer a trajetória de ROSEMERE IMPÉRES LIRA. Pedagoga, mestra em Gestão Educacional, pela Universidade Vale do Rio dos Sinos, diretora geral da Escola Santo Afonso Rodriguez – Rede jesuíta de Edu-cação, Teresina/Piauí. Ela que é mãe de João Ricardo e João Paulo (filhos de sangue) e de João Leonardo (filho do coração), avó de Ester e Heitor e esposa de Ivan Sales, companheiro de todas as horas, é também uma apaixonada pela Educação e tem sua história marcada por este pacto de cuidar da vida e fazer o bem.

Entrevista

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várias atividades acadêmicas: monitorias, projetos de alfabetização de adultos e formação de professores, que muito contribuíram para o meu aprendizado.

Em 1991, um ano depois do meu ingresso à Universidade, nasceu o meu segundo filho (João Paulo). O sonho da conclusão do curso superior parecia ficar mais longe. Novamente, dedicação total ao ofício de ser mãe.

Mas, por fim, com muito esforço, consegui concluir o curso de Pedagogia na Univer-sidade Federal do Piauí. A formatura, para mim, foi um momento mágico, um sonho concretizado que, por muitas vezes, parecia inatingível, uma grande vitória, um dia muito esperado por mim e por todos aqueles (as) que acreditaram na minha capaci-dade, na minha vontade. e que, muito mais que quaisquer outros, contribuíram para que eu superasse as grandes angústias e os imensos medos. Ter concluído o curso superior, ter progredido, é um privilégio. Mas, o grande incentivo foi mesmo da minha mãe (D. Gonçala). Seu apoio e orientação fortaleceram dentro de mim uma vontade de prosseguir uma trajetória que ainda procurava seus pontos de referência.

Embalada por esse momento de êxito e confiante em romper o conformismo de tantos momentos da vida, saí em busca de encontrar um espaço no mercado de trabalho, o que não foi fácil. No segundo semestre do ano de 2000, surge a primei-ra oportunidade de trabalho: assumir a função de coordenadora pedagógica em uma escola, de porte pequeno, localizada próximo à minha casa.

Aceitei o desafio. Esta experiência me ajudou a refletir sobre o quanto é necessário estar sempre estudando, pois os conhecimentos adquiridos na Universidade pare-ciam estar quilômetros de distância da realidade vivenciada na escola.

Continuei sonhando. Meu desejo era continuar trabalhando e estudando. Além da coordenação pedagógica na Educação Básica, tive a experiência da docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

No ano de 2003, concluí o curso de especialização em Docência do Ensino Superior, na Universidade Estadual do Piauí, para onde voltaria posteriormente como do-cente. Além da experiência docente em instituição pública de Ensino Superior, venci também o desafio de ingressar na área privada.

No ano de 2007, uma grande mudança aconteceu em minha vida: ingressei, como coordenadora pedagógica dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em um colégio pertencente à Rede Jesuíta de Educação, em Teresina/Piauí.

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Nesse período, mergulhei profundamente nas demandas do colégio. Tive que es-tudar muito para poder atender às expectativas de professores, dos estudantes e das famílias. Mas, deu tudo certo.

Em seguida, vencida a angústia da adaptação, tive a oportunidade de ingressar no Programa de Pós-Graduação em Gestão Educacional, da Universidade Vale do Rio dos Sinos UNISINOS, período letivo de 2016/2 – Turma Convênio com a Rede Jesuíta de Educação.

Cursar o Mestrado foi um desafio repleto de tensão porque esse curso é uma con-quista de poucas pessoas no Brasil. E, em se tratando da minha cidade, essa é uma realidade ainda mais forte. Concluir o curso de Mestrado foi a oportunidade de continuar estudando e aperfeiçoando a minha prática.

Atualmente, estou na função de gestora na Escola Santo Afonso Rodriguez, tam-bém da Rede Jesuíta de Educação. Colaborar para a melhoria dos processos de-senvolvidos na instituição é o que me move e estimula.

Enfim, é neste ponto que me encontro: feliz porque sei que a Educação é o que oportuniza as pessoas a realizarem seus sonhos. Assim acontece comigo.

RP: O Pacto Educativo Global tem como uma de suas propostas a de colocar a pessoa no centro tendo em vista o bem comum. É possível?Rosemere Lira: Sim. O Pacto Educativo Global “é um apelo ao compromisso de agir no presente, com esperança de um futuro em que a humanidade colha os resulta-dos de uma educação inclusiva e promotora da fraternidade: somos todos irmãos” (Dicionário do Pacto Educativo Global, 2021, p. 05).

Então, quando, os homens, as mulheres, as crianças, os jovens, os idosos, todos, sem distinção, forem o centro do grande projeto da vida: estaremos contribuindo para o bem comum. Quando compreendermos que o cuidado com o outro não é uma obrigação, mas um dom, entenderemos que viver é encantar-se com a sua vida e com a vida do seu próximo.

RP: O que fazer para articular a sociedade de maneira que todos se compro-metam com a educação das novas gerações?Rosemere Lira: Penso que o desafio está posto: somos todos responsáveis com a Educação das atuais e futuras gerações. A mobilização deve ser voltada para a parceria entre poder público, escola e família. É por meio da Educação de qualida-de e acessível a todos e todas que podemos vislumbrar dias melhores.

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RP: Uma mensagem...Rosemere Lira: Sejamos “um fogo que acende outros fogos” (Santo Alberto Hurta-do). Exergo “uma mudança, não fruto do acaso, mas de uma opção e empenho de muitos por uma sociedade nova...” (Adams, 2018, p. 435).

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O material foi construído de forma colaborativa e tem atividades pen-sadas para estudantes do Ensino Médio, para catequese e encon-tros de espiritualidade, para organizar fóruns com estudantes e com os educadores e também pistas para pensar o pacto de forma con-

tinuada nas instituições de ensino.

Disponível gratuitamente para download em:https://anec.org.br/wp-content/uploads/2021/01/Manual-pacto-Educativo-Glo-bal-na-pratica-2021-final.pdf

Três livros que ajudam a fazer um pacto educativo global

Desde 2019, a ANEC tem mobilizado as melhores forças da Educação Católica para que o Pacto Educativo Global saísse do plano das ideias e fosse tomando corpo nos contextos sociais, pedagógicos e pastorais em que está presente. Uma das iniciati-vas foi a organização vários documentos e materiais, compilando as contribuições de instituições parceiras e também produzindo seus próprios e-books. Apresenta-mos, nesta edição especial, três livros idealizados, organizados e publicados pela ANEC, em 2021, que nos ajudam a fazer o Pacto Educativo Global ter impacto!

EstanteManual “Pacto Educativo Global” na prática!

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O Dicionário do Pacto Educativo Global foi organizado por Humberto Silvano Herrera Contreras, Ir. Jorge Luiz de Paula SJ e Ir. Cláudia Chesini ASCS. Conta com 72 verbetes escolhidos a partir do pró-prio magistério do Papa Francisco. Participaram da redação do livro

mais de 100 pessoas de diferentes instituições ligadas ao trabalho educativo. Des-tacamos o empenho institucional da ANEC com a CNBB, CRB, CIEC e SM Educação.

O Dicionário pode ser baixado gratuitamente no site da ANEC.https://anec.org.br/biblioteca/dicionario-do-pacto-educativo-global/

EstanteDicionário do Pacto Educativo Global

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O Pacto Educativo Global não é um amontoado de ideias utópicas, mas um caminho concreto que aposta na Educação como saída para as crises econômica, ambiental e humana que vivemos. Pensando no protagonismo das crianças da Educação Infantil e do Ensino Fun-

damental, a ANEC disponibiliza gratuitamente o livro Pacto Educativo Global com crianças: atividades para a Educação Infantil e Ensino Fundamental. Com essa pu-blicação, resultado do trabalho colaborativo de educadores das redes pública e privada de todo o Brasil, desejamos contribuir para que o Pacto Educativo seja assumido cada vez mais em nossas instituições.

Baixe gratuitamente:https://anec.org.br/biblioteca/pacto-educativo-global-com-criancas-atividades--para-a-educacao-infantil-e-o-ensino-fundamental-1/

EstantePacto Educativo Global com crianças: atividades para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental

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