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SALVADOR QUARTA-FEIRA 20/11/2013 11FIM DE JOGO PARA O RACISMO ESPECIAL CONSCIÊNCIA NEGRA
CLEIDIANA RAMOS E
MEIRE OLIVEIRA
O jogo está no fim. O time A,considerado tecnicamente in-ferior ao time B pelos espe-cialistas em futebol, marca elevao título.No campo,oautordo gol toca a grama com apontadosdedos,depoisos levaàcabeçae fazosinaldacruz.Naarquibancada o torcedor, dejoelhos, reza. Cenas desse tiposão corriqueiras no futebol.
“É um esporte regido peloimponderável. O time mais fra-co pode vencer o mais forte na
lógica da sorte e azar que abreespaço para a crença no poderda mágica eficaz”, explica odoutor em antropologia, Clau-dio Pereira.
Oex-jogadore técnicoMárioJorge Lobo Zagallo, por exem-plo, dono de cinco títulos daCopadoMundo, transformouonúmero 13 em seu amuleto.
Católico, o técnico Jorge LuísAndrade diz que tem ritos paraatrairsorte“Gostodeentraremcampo com o pé direito e usaruma mesma camisa”.
Andrade conta que convivecom atletas e técnicos de di-
versas crenças.“Tem católicos, evangélicos
e umbandistas. Se bem que es-ses últimos não gostam de fa-lar, pois a aceitação ainda édifícil”, acrescenta.
O silêncio de quem professaas religiões de matrizes afri-canas é por conta do precon-ceito. “Quando a referência épara as religiões afro-brasilei-ras sempre há uma linha tênueentre o lúdico e o derespeitosono futebol”, diz Jaime Sodré,historiador, professor e religio-so do candomblé.
Embora exista uma forte as-
sociação com práticas que lem-bramreligiãoháumadiferençaentre o que se vê em campo eas crenças institucionalizadas.“No futebol assistimos a prá-ticas rituais individuais, pois re-ligião significa obedecer a umsistemadedoutrina,porexem-plo”, explica Claudio Pereira.
Aliás, a Fifa desestimula aexibição de ritos religiosos co-letivos. Em 2009, a entidadeadvertiu a Confederação Bra-sileira de Futebol (CBF). O mo-tivo foi uma oração conjuntados jogadores da Seleção Bra-sileira após o título.
Na época, era conhecida aconfissão evangélica de joga-dores como Kaká e o capitãoLúcio, além de Jorginho, au-xiliar do técnico Dunga. Para aFifa houve risco de incentivo aoenfrentamento religioso casoatletas de outro credo passas-sem a fazer o mesmo.
Mas quando a prática é in-dividual as referências ao sa-grado são inúmeras. O goleiroque realiza defesa difícil faz mi-lagre e vira santo, como Mar-cos, do Palmeiras, que era cha-mado de “São Marcos”.
“Ogoleiroéafigurasolitária.
No jogo onde o pé é funda-mental, ele tira a bola com amão. Dizem até que é meiomaldito e não nasce grama nolugar onde fica” destaca o an-tropólogo Claudio Pereira.
Talvez, por isso, Felipe, go-leiro do Flamengo, coloque umterço ao lado da trave. Tem ain-da os jogadores com fama deamuleto para mudar resultadoruim, como Obina, hoje joga-dor do Bahia
Já o roqueiro Mick Jaggerganhou fama de pé-frio duran-te a Copa do Mundo, realizadana África do Sul, em 2010. Asseleções para os quais ele tor-ceu, incluindo Brasil, EUA e In-glaterra foram eliminadas.
“O interessante do pé-frio éque são os outros que lhe dãoopodermágiconegativo”, des-taca Claudio Pereira.
LimiteOpastorDjalmaTorres,da Igre-jaEvangélicaAntióquia,dizquenão simpatiza com o apelo aosagrado para vencer. “É a ba-nalização da fé. Deus nos ca-pacita para trilhar nosso cami-nho, mas não escolhe que timeirá ajudar ”, afirma o religiosoque torce para quatro clubes:Vitória, Fluminense, São Pauloe Santa Cruz.
A ialorixá do Ilê Axé OpôAfonjá, Mãe Stella de AzevedoSantos, torcedora do Vitoria,afirmaquenãoconcorda comouso da fé como barganha, masentende o apelo da crença parao torcedor.
“A torcida entrega o jogo àforça maior da sua crença. EupossopedirparaquejogadoresdoVitória tenhambomdesem-penho. Fortalece, embora ven-ça o mais preparado”.
Para o padre Manoel de Oli-veira Filho, coordenador daPastoraldeComunicaçãodaAr-quidiocese de Salvador (Pas-com), o apelo ao sagrado tra-duz reconhecimento da fragi-lidade humana diante do im-ponderável. “Em um esporteque constrói heróis, as práticasreligiosassãoaconsciênciaquea limitação humana precisa dodivino”, aponta o padre, tor-cedor do Bahia.
RELIGIOSIDADE Capaz de desafiar a lógica, esporte acabou por favorecer rituais que têmobjetivo de mostrar eficácia. Fifa só desaconselha situações que promovam conflitos
Imprevisível, futeboldá asas à fémágica
Crença cristã éabsoluta entre ostitulares declubes baianos
Os jogadores titulares dosmaiores clubes do Estado –Ba-hia e Vitória– professam reli-giões de base cristã: catolicis-mo e denominações evangé-licas variadas.
Em levantamento realizadopelas assessorias de comunica-ção dos clubes – protegendo aidentidade dos jogadores– ne-nhum deles apontou a práticadas religiõesafro-brasileiras, queocupam um lugar importante naconstrução do imaginário sim-bólico da Bahia, inclusive na dis-puta mágica entre as torcidas.
No Vitória, cinco atletas dis-seram ser católicos e seis evan-gélicos. No Bahia, sete joga-dores professam o catolicismoe quatro denominaram-seevangélicos.
A liderança católica, emboraapertada, surpreende, pois a prá-tica evangélica virou padrão entreos jogadores desde o movimentoAtletas de Cristo criado em 1984.
“Alguns jogadores queremfazer parte de um padrão ou seaproveitar da moda para nãocorrer o risco de retaliação. Nocaso das religiões afro-brasilei-ras há discrição por medo dopreconceito”, diz o historiadorJaime Sodré.
SantosOsclubes,deformaoficial,ade-rem aos signos do catolicismo.O Corinthians tem como pa-droeiro São Jorge, um santomuito popular no Brasil. O Fla-mengo buscou proteção emSão Judas Tadeu, patrono dascausas impossíveis.
No caso dos baianos, o Vi-tória tem como padroeira Nos-sa Senhora da Vitória. Já o Ba-hia recorre ao Senhor do Bon-fim. Mas se há crise, a ColinaSagrada, como é chamado olocal onde fica a Igreja do Bon-fim, vira ponto de romaria paratorcedores de Bahia e Vitória.
LEIA MAIS NA PÁGINA 12
Futebol e religião: algumas observações
Carlos Caroso eFátima TavaresAntropólogos e professores daUfba
Comováriospesquisadoresdasciências sociais têm apontan-do, desde o censo de 1991 ocenário das religiões no Brasilpassoupormudanças.Entrees-tas transformações desta-cam-se o declínio do catolicis-mo, o incremento dos que sedeclaram evangélicos e dos“sem religião”.
Podemosobservaressasma-cro tendências: temos um de-créscimo dos católicos de73,57% (2000) para 64,63%(2010), no Brasil; e, na Bahia,de 74% (2000) para 65,34%(2010).
Por outro lado, os evangé-licos vêm crescendo a cada cen-so: passaram de 15,41%(2000) para 22,16% (2010) noBrasil. Na Bahia apresentam
percentuais um pouco meno-res: eram 11,18% da popula-ção em 2000, passando, em2010, para 17,41%.
Com relação ao grupo dos“sem religião”, a dinâmica decrescimento é diferente dosevangélicos.
Comparando-se os dadosdos censos de 2000 e 2010,verificamos que houve um dis-creto crescimento dos “sem re-ligião”, no conjunto do país(7,35%e8,04%)enoEstadodaBahia(11,39%e12,05%),bemmenor do que entre os censosde 1991 e 2000, quando essesegmento efetivamente ga-nhou relevância numérica.
Essas transformações po-dem ser observadas tambémno mundo do futebol, esporte,como sabemos, dominado porídolos predominantementeprovenientes da população po-bre e negra desse país.
Essa origem social tradicio-nalmente evocava um imagi-
nário popular recheado de his-tóriassobredisputas“mágicas”do vasto repertório das religio-sidades afro-brasileiras – comoos “trabalhos” ou “ebós” feitospara o sucesso dos times nasgrandes decisões –, mas quevem perdendo espaço para asmanifestações evangélicas –por exemplo, o “Ministério deAtletas de Cristo”.
O que se observa no mundodo futebol também vale para oconjunto do país. De fato, ape-sar da visibilidade social dasreligiões afro-brasileiras, seusnúmeros do censo não são ex-pressivos no Brasil (0,31% noCenso de 2010).
Indagações sobre esse des-compasso têm intrigado pes-quisadores: seria fruto da an-tiga atitude sincrética do uni-versoafro-católico,que,nocen-so, acabam identificando-se co-mo católicos?
Outra questão é saber emque medida essas religiões ain-
da podem ser consideradas oúnico e exclusivo “patrimôniocultural” das populações afro-descendentes.
De certa forma isso continuaverdadeiro, pois quando com-paramos os resultados do cen-so com as declarações de cor,sabemos que a grande maioriados adeptos das religiõesafro-brasileiras se declarampretos e pardos.
Por outro lado, se invertermosa comparação, o mesmo não severifica: a maior parte dos pretose pardos do país não se declaraadeptos daquelas religiões.
Positivamente essa é umatendência que pode ser obser-vada já há alguns anos, comoindica o sociólogo Flávio Pie-rucci ao comentar, com basenos dados do Censo 2000, queestes sinalizam um claro des-locamento das tradições reli-giosas “afro” para o universo“black-evangelicals” entre pre-tos e pardos.
O JOGADOR QUE MUDAA SORTE DO JOGO
Uma figura recorrente nacrença mágica é o jogador-amuleto que mudaresultados. Obina (Bahia)tem essa fama
TORCEDOR QUE DEVEFICAR EM CASA
O oposto do amuleto é opé-frio que dá azar ao timepara o qual torce, segundoseus pares. Mick Jaggerficou com essa marca
APELO PARANOSSA SENHORA
Nossa Senhora da Vitóriaé a padroeira dorubro-negro baiano. Aescolha foi feita porfundadores do time
CONFIANÇA NOSENHOR DO BONFIM
O patronato é informal,mas o Bahia recorre aoSenhor do Bonfim queganhou capela na sededo clube
Gildo Lima/ Ag. A TARDE/14.05.2012
Edilson Lima/ Ag. A TARDE
Martin Bureau/AFP Photo
Marco Aurélio Martins/ Ag. A TARDE/03.11.2011
Gildo Lima/Ag. A TARDE/15.03.2009
Torcedor crêem força daoração naIgreja doBonfim