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Páginas azuis: Coração de mulher

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Matéria da Revista ABCFARMA - Páginas azuis: Coração de mulher

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Page 1: Páginas azuis: Coração de mulher

6 | Revista ABCFARMA | OUtUBRO/2011

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Páginas Azuis

Dizia-se que a mulher estava protegida das doenças cardiovasculares antes da menopausa. Hoje, porém, essas moléstias já são as principais causas de morte também entre as mulheres. O que mudou?

A proteção do estrógeno ao cora-ção permanece até a menopausa – até os 50 anos, a incidência dessas moléstias ainda é bem maior nos homens do que entre mulheres, que passam a ter mais risco de infartos e derrames após os 60. São 10 anos de diferença a seu favor. Mas, estatisticamente, a mortalidade feminina por doenças cardiovasculares em todas as faixas etárias está maior porque os fatores de risco hoje agri-dem a mulher antes do tempo. A pro-teção hormonal está sendo mascarada pela potencialização desses fatores de

O sinal de alerta está ligado: aumentou muito, nos últimos anos, a incidência de moléstias cardiovasculares em mulheres

– sobretudo as que mais matam, o infarto do miocárdio e o Acidente Vascular Cerebral, o AVC. Um dos dogmas da cardiologia sustentava que o coração da mulher estava protegido dessas doenças pelo menos até a menopausa. De fato, essa proteção hormonal ainda é verdadeira. Mas os médicos têm atendido com cada vez mais frequência mulheres infartadas ou com derrames antes dos 50 anos – às vezes, antes dos 40. E pior: nas mulheres, esses eventos costumam ser mais graves, mais mortais. O que está ocorrendo? Onde as mulheres estão errando para se igualarem aos homens também nisso? O Dr. Roque Savioli, médico supervisor da Divisão Clínica do Instituto do Coração em São Paulo, onde trabalha há 34 anos, e coordenador do Centro de Atenção ao Coração da Mulher do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, é um estudioso dessa questão – tanto que acaba de lançar o livro Um Coração de Mulher, onde analisa o fenômeno

C ração de mulher

Dr. Roque Savioli

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risco. O índice de obesidade entre as mulheres, por exemplo, hoje chega a 40%. A obesidade leva à hipertensão e ao diabetes. E as condições estressan-tes, como a competitividade no mundo do trabalho, estão muito mais presen-tes na vida da mulher de hoje. Até há algum tempo, a influência do stress nas doenças vasculares era apenas uma su-posição. Há estudos consistentes com-provando que na mulher essas doenças têm muito a ver com fatores psicosso-ciais – ansiedade, depressão, stress no trabalho e na vida conjugal. Um desses estudos mostra que a mulher mal casa-da tem mais risco que as solteiras. Hos-tilidade e raiva também são pontos ne-gativos. Há um ditado que diz: mulher irada, mulher infartada. E quem tem a capacidade de perdoar, ao contrário, tem maior expectativa de vida.

Mas ainda persiste o mito de que mulher não tem problema de coração – pelo menos problemas físicos...

Esse mito precisa desaparecer, começando pela própria classe médica. Muitos médicos ainda não estão pre-parados para diagnosticar uma situa-ção de doença cardíaca na mulher. Nos serviços de emergência, por exemplo, homens tendem a ser atendidos mais rapidamente que as mulheres. Primei-ro porque os sintomas femininos são menos específicos; segundo, porque mulher tolera mais a dor que o homem. Terceiro, só 20% dos médicos sabem que mulheres que estão sofrendo um infarto de miocárdio têm mais chance de morrer que os homens.

O sintoma típico do infarto, a dor que parece uma mão esmagando o peito, não está presente no infarto feminino?

Mais raramente. Esse é um sin-toma tipicamente masculino. Atendi recentemente uma moça de 40 anos que ficou o dia inteiro percorrendo pronto-socorros até ser atendida por um cardiologista, que enfim diagnosti-cou um infarto. Nessa maratona, ela foi

medicada para distúrbios digestivos e outras doenças.

O senhor trabalha no Incor há 34 anos. Daquele tempo para cá, mudou muito o perfil da mulher infartada?

Muito. Hoje em dia são muito mais comuns os casos de jovens infartadas. Tivemos até moças de 25 anos. O maior objetivo de meu trabalho, seja atra-vés de meus livros ou do serviço que mantenho no Hospital Alemão Oswal-

betes e da hipertensão. E observo que a própria mulher ainda sustenta essa cultura da imunidade pré-menopausa. Ela acredita que, por mais que abuse do fumo, por exemplo, não vai ter nada no coração. É isso que temos de mudar. As mulheres hoje fumam mais do que os homens – e não se preocupam em pa-rar. E para a mulher é mais difícil parar, por causa da ansiedade. Além disso, mulheres fazem menos atividade física do que os homens.

Por que um infarto do miocárdio costuma ser mais grave na mulher, inclusive em termos de mortalidade?

Entre outras razões, porque a pla-ca de colesterol é diferente na mulher. No homem, a placa em geral se rompe, gerando os sintomas tão característi-cos da angina do peito, avisando para um infarto iminente. Na mulher ocorre uma erosão na placa e ali dentro se for-ma um trombo, com a consequente em-bolia da artéria. Nesse caso, o primeiro sintoma já é o infarto – e em 40 a 50% dos casos, o infarto produz morte súbi-ta. Além disso, as coronárias femininas são menores e mais finas. E a circula-ção colateral, que pode compensar a má circulação das coronárias principais, é menos desenvolvida na mulher.

Falando em prevenção, o que as jovens de hoje devem começar a fazer para não chegar à faixa de risco precocemente?

Dependendo da história familiar, os cuidados devem começar cedo. Mu-lheres com parentes de primeiro grau

do Cruz, específico para a atenção ao coração da mulher, é justamente cons-cientizar para os fatores de risco e pre-veni-los adequadamente. As mulheres devem conhecer seu risco. Cinquenta e um por cento da população brasileira é constituída de mulheres – e a faixa etá-ria mais numerosa está entre 35 a 45 anos, justamente a que está sendo mais atingida pelas doenças do coração.

Nas mulheres, os fatores de risco são diferentes dos homens?

Há diferenças. Os dois primeiros – colesterol e tabagismo – têm mais ou menos o mesmo peso nos dois sexos. Na mulher, porém, os fatores psicossociais vêm em terceiro lugar – antes do dia-

Infarto do miocárdio: na mulher, menos dor e mais avidade

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que tiveram doença cardiovascular prematuramente devem se preocupar mais. Recentemente, testes genéticos vêm sendo desenvolvidos para o re-conhecimento de sinais que indicam maior possibilidade de doença cardio-vascular. Ao reconhecer as pessoas mais suscetíveis, poderíamos tentar convencê-las a adotar um estilo de vida mais saudável, a fim de prevenir a ocorrência da doença. É uma expec-tativa. Mas qualquer pessoa, homem ou mulher, deveria adotar desde cedo esse estilo de vida saudável. Prevenir a obesidade desde a infância é um gran-de fator de proteção das artérias. Como se faz isso? Tentando habituar os filhos a uma “dieta de antigamente”, com pre-domínio de alimentos de verdade, não de salgadinhos e fast food. Não é fácil – ou a obesidade não seria epidêmica nos dias de hoje. Mas é preciso tentar. O ín-dice de obesidade infantil aumentou 20 vezes no Brasil nos últimos 20 anos.

As pílulas anticoncepcionais também são um fator de risco para a mulher?

Dependendo do tipo de pílula e sobretudo se ela for combinada com o cigarro – isso aumenta os riscos em quatro ou cinco vezes.

E o controle da hipertensão?Fundamental. A hipertensão ar-

terial atinge 70 a 80% das mulheres acima dos 70 anos. E nas mulheres pré-menopausa, a pressão alta sem controle aumenta em 10 vezes o índice de mor-talidade. O que mais mata hoje no Bra-sil, entre as doenças cardiovasculares, são os Acidentes Vasculares Cerebrais. Porque a hipertensão arterial é muito mal controlada entre nós. A maioria não sabe que tem; entre os que sabem, a maioria não se trata; e entre os que se tratam, a maioria não trata como se deve. A hipertensão não dá sintomas e as pessoas têm a tendência de não to-mar remédios contra doenças que não dão sintomas.

Diabetes?O aumento do risco da doença

cardiovascular em pacientes com dia-betes é maior para as mulheres que para os homens. Mulheres diabéticas têm de três a cinco vezes mais chance de desenvolver infarto do miocárdio ou AVC do que homens. A mortalidade em mulheres com diabetes é quase nove vezes maior do que nas não-diabéticas. E mulheres diabéticas têm 3,5 vezes mais possibilidades de terem um infar-to fatal – contra 2,1 vezes dos homens diabéticos. Por esses números se cons-tata a importância vital de se controlar os índices de glicemia.

Se a menopausa é um divisor de águas na vida da mulher, em termos do risco para doenças vasculares, ela deve fazer reposição hormonal para contornar esse evento?

Imaginando-se que o estrógeno protege a circulação em qualquer mu-lher, fazia-se prevenção sistemática através da administração desse hormô-nio após a menopausa. Estudos recen-tes mostraram que, na verdade, essa terapia hormonal indiscriminada pro-duzia efeitos contrários – mais infartos, mais AVCs. Mas isso já foi reavaliado. O que existe, na verdade, é uma janela de oportunidades para a reposição hor-monal: deve-se repor nas menopausas

precoces, em mulheres com não mais de 10 anos de menopausa, só abaixo de 60 anos e apenas durante cinco anos. Nessas condições, a reposição hormo-nal reduz a mortalidade por doenças cardiovasculares em cerca de 40%.

O AVC é primo-irmão do infarto do miocárdio – os fatores de risco são praticamente os mesmos. Recentemente, o técnico do Vasco, Ricardo Gomes, teve um grave AVC com 46 anos. O senhor tem visto muitos casos assim tão precoces?

Sim, e por causa de hipertensão não controlada. Dizem que o Ricardo era meio refratário a tomar remédios. Medicamentos para a hipertensão, quando bem indicados, devem ser to-mados todos os dias, pelo resto da vida. Essa é a disciplina que protege.

Para prevenir os fatores psicossociais, que têm tanto impacto para o coração da mulher, não basta pedir a ela que tenha calma e não se estresse. Qual é a sua receita?

De fato, eu não posso pedir a alguém que trabalhe na Bolsa de Valo-res para não ficar estressado. A pes-soa – homem ou mulher – tem de ado-tar mecanismos que atenuem o stress. Por experiência própria, atitudes be-nemerentes, de solidariedade ao pró-ximo, ajudam muito. A espiritualidade também é um bom antídoto – seja atra-vés de religião ou grupos de oração. Exercícios de relaxamento ou medita-ção também ajudam. n

Atividade física regular, uma das “vacinas” para o coração