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PAISAGEM, AMBIÊNCIA E ENTORNO DOS BENS TOMBADOS PELO IPHAN NO CENTRO DE FLORIANÓPOLIS/SC BALTHAZAR, RAISSA (1); GUEDES, MARIA TARCILA FERREIRA (ORIENTADORA) (2); WEISSHEIMER, MARIA REGINA (CO-ORIENTADORA) (3) 1. Bolsista do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, lotada na Superintendência do IPHAN em Santa Catarina Praça Getúlio Vargas, n° 268, Florianópolis/SC [email protected] 2. Professora do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Coordenação-Geral de Pesquisa e Documentação Rua da Imprensa, nº 16, Palácio Gustavo Capanema, 8º andar, Rio de Janeiro/RJ [email protected] 3. Técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Divisão Técnica da Superintendência do IPHAN em Santa Catarina Praça Getúlio Vargas, n° 268, Florianópolis/SC [email protected] RESUMO A preocupação com a preservação do entorno dos monumentos históricos é assunto que vem sendo discutido internacionalmente ao longo dos séculos XX e XXI, fato que pode ser verificado através do registro em cartas, declarações e recomendações patrimoniais. Considerando que a qualidade do entorno de um bem tombado tem papel fundamental na valorização do monumento e, com base no artigo 18 do Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, foi desenvolvido um estudo para a identificação de quais são os elementos da paisagem que configuram a ambiência dos bens tombados isoladamente pelo IPHAN no centro de Florianópolis/SC: o Forte Sant’Ana (1763), o Forte Santa Bárbara (1774), a Casa Natal de Victor Meirelles (início do séc. XIX), a Antiga Alfândega (1876) e a Ponte Hercílio Luz (1926). Buscou-se compreender a relação existente entre os monumentos históricos, a paisagem circundante e a ambiência que os caracteriza e qualifica, visando responder uma demanda técnica: o estabelecimento da poligonal de entorno destes bens. Palavras-chave: Patrimônio cultural; entorno; ambiência; paisagem.

PAISAGEM, AMBIÊNCIA E ENTORNO DOS BENS ...identificação de quais são os elementos da paisagem que configuram a ambiência dos bens tombados isoladamente pelo IPHAN no centro de

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PAISAGEM, AMBIÊNCIA E ENTORNO DOS BENS TOMBADOS PELO

IPHAN NO CENTRO DE FLORIANÓPOLIS/SC

BALTHAZAR, RAISSA (1); GUEDES, MARIA TARCILA FERREIRA (ORIENTADORA) (2); WEISSHEIMER, MARIA REGINA (CO-ORIENTADORA) (3)

1. Bolsista do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, lotada na Superintendência do IPHAN em Santa Catarina

Praça Getúlio Vargas, n° 268, Florianópolis/SC

[email protected]

2. Professora do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Coordenação-Geral de Pesquisa e Documentação

Rua da Imprensa, nº 16, Palácio Gustavo Capanema, 8º andar, Rio de Janeiro/RJ

[email protected]

3. Técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Divisão Técnica da Superintendência do IPHAN em Santa Catarina

Praça Getúlio Vargas, n° 268, Florianópolis/SC [email protected]

RESUMO

A preocupação com a preservação do entorno dos monumentos históricos é assunto que vem sendo discutido internacionalmente ao longo dos séculos XX e XXI, fato que pode ser verificado através do registro em cartas, declarações e recomendações patrimoniais. Considerando que a qualidade do entorno de um bem tombado tem papel fundamental na valorização do monumento e, com base no artigo 18 do Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, foi desenvolvido um estudo para a identificação de quais são os elementos da paisagem que configuram a ambiência dos bens tombados isoladamente pelo IPHAN no centro de Florianópolis/SC: o Forte Sant’Ana (1763), o Forte Santa Bárbara (1774), a Casa Natal de Victor Meirelles (início do séc. XIX), a Antiga Alfândega (1876) e a Ponte Hercílio Luz (1926). Buscou-se compreender a relação existente entre os monumentos históricos, a paisagem circundante e a ambiência que os caracteriza e qualifica, visando responder uma demanda técnica: o estabelecimento da poligonal de entorno destes bens.

Palavras-chave: Patrimônio cultural; entorno; ambiência; paisagem.

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Introdução1

A Ilha de Santa Catarina foi palco de significativos acontecimentos para a história do País

que deixaram como legado monumentos representativos da trajetória nacional. Neste artigo

serão abordados os bens tombados isoladamente pelo IPHAN localizados no centro de

Florianópolis: o Forte Sant’Ana (1763), o Forte Santa Bárbara (1774), a Casa Natal de Victor

Meirelles (anterior a 1832), a Antiga Alfândega (1876) e a Ponte Hercílio Luz (1926). O sítio

onde estes bens estão inseridos passou por diversas transformações urbanas ao longo dos

anos, em um processo de crescimento e desenvolvimento da antiga Póvoa do Desterro para

a então Capital Catarinense. As imediações destes bens abarcam, portanto, o primeiro

núcleo urbano de Florianópolis, ou seja, o centro histórico da cidade - protegido pela esfera

municipal - que, mesmo não sendo tombado pelo IPHAN, possui valores patrimoniais

diretamente relacionados com os bens assinalados pelo tombamento federal. Porém, a

partir da década de 1960, transformações urbanas começam a comprometer a qualidade da

ambiência dos bens culturais, especialmente após a construção dos aterros. Atualmente,

percebe-se na malha urbana uma disputa de espaço entre os prédios em altura e os

remanescentes urbanos da cidade do século XIX onde, em muitos casos, os conjuntos

históricos não são mais que poucos remanescentes.

O estudo se propôs, então, a compreender a relação existente entre os monumentos

históricos e a paisagem circundante - buscando identificar os elementos que caracterizam e

qualificam a sua ambiência - com o intuito de responder uma demanda técnica institucional:

o estabelecimento da poligonal de entorno destes bens. Utilizando como método a

identificação de visadas preferenciais, e considerando os contextos históricos e urbanos dos

bens, assim como as motivações que levaram aos seus tombamentos, a paisagem

circundante foi analisada pelos elementos que se relacionam com os bens tombados, seja

esta uma relação positiva ou de conflito. A solução encontrada foi a delimitação de uma

poligonal de entorno conjunta, considerando que o entorno que envolve estes cinco bens

culturais e que sempre os uniu pode, e deve, restabelecer a conexão entre eles.

1 Este trabalho foi produzido no âmbito do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do

IPHAN (PEP/MP), com recursos financeiros do IPHAN na forma de bolsa e auxílio pesquisa, no período entre

2013 e 2015, sob a orientação de Maria Tarcila Ferreira Guedes e supervisão e co-orientação de Maria Regina

Weissheimer, na Superintendência do IPHAN em Santa Catarina.

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Poligonais de entorno e a preservação da ambiência dos bens

culturais

Como patrimônio cultural entende-se os bens materiais e imateriais representativos para a

cultura de um povo. Estes bens carregam significados nos quais determinados grupos de

identificam, são obras que “perduram no presente como o testemunho vivo de suas

tradições seculares” (Carta de Veneza, 1964). No Brasil, foram instaurados no ano de 1937

os primeiros instrumentos legais para a proteção do patrimônio cultural do País e, desde

então, compete ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN a promoção

e coordenação do processo de preservação do mesmo (IPHAN, 2014).

O Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, define como patrimônio nacional o

“conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação é de interesse

público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu

excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” e institui o

tombamento como mecanismo de proteção destes bens. O ato administrativo do

tombamento assinala o reconhecimento e a salvaguarda do patrimônio material, sendo

apenas o início dos trabalhos com o patrimônio cultural.

Após o tombamento cabe ao IPHAN zelar não apenas pela preservação física dos

bens, mas também pela qualificação das áreas onde estão inseridos, de forma a

permitir sua fruição e atuar na sua promoção e apropriação social, para que se

transformem efetivamente em fatores de compreensão. (IPHAN, 2011, p.12)

São diversas as ações que se voltam à gestão do patrimônio: restauração dos bens,

incentivos para a sua valorização, fiscalização de imóveis, aprovação de projetos, ações de

educação patrimonial, parcerias com as esferas municipais e estaduais, projetos de

requalificação, etc. Para tal, algumas ferramentas são desenvolvidas com o objetivo de

auxiliar o gerenciamento. Neste contexto insere-se a delimitação das poligonais2, assunto

abordado neste artigo.

As poligonais são áreas delimitadas visando à proteção das coisas tombadas e suas áreas

de entorno. Nos trabalhos técnicos desenvolvidos pelo IPHAN são adotados dois tipos de

poligonais: a primeira é referente ao próprio tombamento, área que compreende os valores

atribuídos e que motivaram sua salvaguarda, e a segunda, denominada “entorno”, é “a área

de projeção localizada na vizinhança dos imóveis tombados, que é delimitada com objetivo

2 No caso dos bens materiais imóveis.

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de preservar a sua ambiência e impedir que novos elementos obstruam ou reduzam sua

visibilidade” (IPHAN, 2014). Notoriamente, a forma de atuação difere legalmente em cada

área3 e a existência da segunda - o entorno - é determinada pela primeira, ou, quando esta

é inexistente, pelos bens tombados isoladamente4.

Os estudos de entorno estão baseados no entendimento de que a vizinhança de um bem

tombado tem papel fundamental na valorização do monumento, sendo o entorno visto como

um atributo de autenticidade (Declaração de Xi’an, 2005). Neste sentido, a análise do

mesmo parte da compreensão de que é importante garantir não só a preservação do bem,

mas de sua ambiência. A ênfase dada à preservação do entorno está, portanto, “calcada na

ideia de que o monumento também é a impressão proporcionada pela sua vizinhança”

(Marchesan, 2013, p.16). Segundo a Carta de Veneza (1964),

[...] a conservação de um monumento implica a preservação de uma ambiência em

sua escala. Enquanto sua ambiência subsistir, será conservada, e toda a construção

nova, toda destruição e toda modificação que possam alterar as relações de volumes

e de cores serão proibidas.

As cartas, declarações e recomendações patrimoniais são documentos reconhecidos

internacionalmente que são amplamente difundidas e utilizadas como referência teórica nos

trabalhos e estudos no campo da preservação do patrimônio cultural. Por refletirem a

evolução dos debates sobre o tema são consideradas importantes fontes para esta

discussão, assim como as disposições previstas em Lei sobre o assunto.

Na legislação nacional a questão da vizinhança dos bens tombados já foi considerada pelo

18º artigo do Decreto Lei nº 25/37, que continua vigente como a principal proteção jurídica

sobre o entorno:

Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não

se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou

reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser

mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de

cinquenta por cento do valor do mesmo objeto.

3 Os artigos 17 e 18 do Decreto-Lei nº 25/37 versam sobre as proibições referentes às coisas tombadas e às

áreas de entorno, respectivamente. 4 Os bens tombados pelo Iphan podem estar inscritos sob a forma de conjunto histórico ou bem isolado. “A opção

por cada alternativa deve ser feita em decorrência da caracterização do objeto. Se esses bens estabelecerem uma relação de continuidade que se reflita no espaço urbano, influindo diretamente na conformação de uma paisagem diferenciada, em geral se opta pela definição de uma poligonal de tombamento. Mas se for considerado que os bens não mantêm entre si uma relação de ambiência ou interligação espacial, podem ser listados individualmente” (IPHAN, 2010, p.16)

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Ao longo dos anos de atuação do IPHAN, esta noção de visibilidade foi ampliada5 e hoje é

concebida além da objetiva garantia da visualização do bem tombado, uma vez que

considera também como o monumento é apreendido juntamente com a leitura do seu

entorno.

Quanto à necessidade de uma delimitação das áreas de entorno, esta foi ocasionada,

segundo a Coordenação-Geral de Pesquisa e Documentação do IPHAN (Motta e

Thompson, 2010, p. 66-67), por problemas administrativos enfrentados pelo IPHAN, em

especial no campo jurídico pelo significativo número de ações judiciais referentes às

infrações na vizinhança dos bens e as dificuldades de seus encaminhamentos. As restrições

impostas pelo IPHAN precisavam ser explicitadas, seja pela “urgência da ação de proteção

devido à ameaça da especulação intensa e ao tempo exigido para a elaboração de estudos

técnicos mais completos”, seja pela “necessidade de esclarecimentos mais amplos sobre as

normas que regulam a vizinhança do bem tombado”6 (Motta e Thompson, 2010, p. 67).

Em 1986 foi publicada a Portaria de nº 11, de 11 de setembro, que regulamenta os

processos de tombamento. No seu artigo 4º ficou determinado que, quando for

encaminhada ao departamento central, a proposta de tombamento de bens imóveis deve

conter estudo com a descrição do entorno dos respectivos bens.

Mesmo com a intenção de clarificar legalmente o objeto de “entorno” através da sua

delimitação e normatização, são verificadas contradições e complexidades intrínsecas à

esta tarefa. Como já mencionado, o estabelecimento de uma poligonal de entorno

representa a incorporação de uma ferramenta de auxílio aos trabalhos técnicos que visam a

valorização dos bens culturais. Neste sentido, é importante frisá-la como um instrumento,

pois, por mais que contemple a demarcação de um espaço, uma análise que a leve em

stricto sensu pode ser questionada caso vá de encontro ao seu objetivo maior: preservar a

ambiência do patrimônio cultural. Entende-se a importância da delimitação da poligonal de

entorno pelo seu uso enquanto regra geral, onde exceções que não foram previstas podem -

e devem - ser analisadas a partir de suas particularidades, uma vez que seria impossível

antecipar situações excepcionais face à atual dinâmica urbana. Neste caso, a poligonal

registra um consenso institucional das áreas que precisam de atenção pela sua relação com

bem tombado, de modo a serem preservados os aspectos que caracterizam a ambiência do

mesmo, ou, quando necessário, a qualificação destes espaços. São demarcações gerais

que servem para guiar o trabalho técnico do IPHAN determinadas a partir das demandas

5 Motta e Thompson (2010, p.38) apontam para o intervalo entre meados da década de 1960 e a década de 1980

como um “período de fortalecimento e diversificação do uso do entorno como forma de preservação, após os conceitos de vizinhança e de visibilidade terem sido ampliados, em função de jurisprudência firmada na fase inicial dos trabalhos do IPHAN”. 6 Considerando que não se poderia esperar que “o leigo tenha conhecimento da ambiência”.

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atuais e que, portanto, devem passar por revisões quando necessário, justamente por

considerar a experiência acumulada pelo IPHAN ao longo dos anos de atuação no local.

Também, apesar dos avanços e da incorporação de uma concepção mais ampla sobre o

entorno nas práticas institucionais, boa parte dos bens tombados pelo IPHAN -

especialmente os que tiveram seus tombamentos realizados anteriormente à década de

1980 - ainda carecem de delimitações de entorno e do estabelecimento de diretrizes para

intervenções nestas áreas. Santa Catarina não é exceção no cenário nacional e vem

buscando preencher esta lacuna dentro das possibilidades de organização do seu corpo

técnico. Neste sentido, em maio do corrente ano foi finalizado o estudo que propôs a

delimitação de uma poligonal conjunta para os bens tombados pelo IPHAN no centro de

Florianópolis.

Breve Resumo dos Processos de Valoração dos Bens Tombados

pelo IPHAN no Centro de Florianópolis

As ações do IPHAN voltadas para os bens tombados estão intimamente ligadas aos valores

atribuídos aos bens durante o processo de tombamento. Por conseguinte, a delimitação das

poligonais também precisa levá-las em consideração:

O que legitima a atuação do IPHAN em determinada área e as restrições impostas

pelo tombamento é sua motivação, ou seja, o conjunto de razões que justificam o

destaque dado a determinado lugar, pelo interesse maior, coletivo, na preservação de

suas características culturais. Portanto, [...] devemos partir do pressuposto de que o

IPHAN deve garantir a preservação dos aspectos necessários para a leitura dos

valores atribuídos ao sítio e que motivaram seu tombamento. (IPHAN, 2011,

p.13-14)

Os bens, neste caso estudados, possuem a particularidade terem sido todos tombados

isoladamente. As inscrições nos livros do tombo variam de 1938 a 1998 e, considerando a

trajetória histórica do IPHAN, passaram, portanto, por diferentes fases quanto aos

procedimentos internos do instituto, fato que se reflete em seus processos de tombamento.

Com o objetivo de expor as motivações que levaram ao tombamento dos bens, será aqui

apresentado um breve resumo dos seus processos de valoração. Ressalta-se, no entanto,

que para um aprofundamento e reflexão crítica dos mesmos é necessária uma maior

contextualização das discussões levantadas com as práticas institucionais de cada período.

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O tombamento do Forte Sant’Ana7 foi um dos primeiros a ser realizado pelo IPHAN, em

1938, no momento de implantação e estruturação do instituto, onde uma das principais

estratégias de ação estava voltada para a salvaguarda das antigas construções militares

representativas para a consolidação do território brasileiro. Fato este constatado pelo próprio

encaminhamento do processo, uma vez que o Forte em questão fez parte de um conjunto

nacional de bens a serem protegidos que, em sua maioria, eram fortificações

significativasdo período de defesa do território8. A sua construção foi realizada no que Mori

et al (2003) definem como uma quarta etapa de organização dos sistemas eruditos de

fortificação do período colonial, correspondente ao momento de disputa entre portugueses e

espanhóis pelos pontos estratégicos ao sul:

As providências demarcatórias das divisas entre Espanha e Portugal na América do

Sul, decorrentes do já citado Tratado de Madrid, na parte da marinha sul, não

chegaram a bom termo, não impedindo as escaramuças entre gente de Buenos Aires

e os moradores da Colônia do Sacramento, o ponto mais avançado ao sul, nas

margens do Prata, em que os portugueses se haviam fixado. Em 1735 a colônia foi

atacada, iniciando-se a guerra entre os dois países, que durou alguns anos.

Acordaram nessa hora os portugueses, vendo o seu vasto litoral sul totalmente

desguarnecido, e trataram de fortifica-lo rapidamente. (Mori et al, 2003, p.74, grifo

nosso)

Dentro deste contexto foi concebido um expressivo número de fortificações na Ilha de Santa

Catarina, entre eles o Forte Sant’Ana e o Forte Santa Bárbara – também objetos de estudo

deste artigo – responsáveis pela proteção do centro da Ilha. Porém, o tombamento do Forte

Santa Bárbara9 foi realizado somente anos mais tarde, em 1984, a partir de solicitação feita

pelos historiadores da cidade com o apoio da população local. A sua inscrição no Livro do

Tombo precedeu uma intensa discussão, uma vez que o mesmo encontra-se bastante

descaracterizado de sua feição original. Como resultado, foi levado em consideração - a

favor do tombamento - o seu significado histórico, inserindo-o na política de preservação da

arquitetura de defesa do território brasileiro acima mencionada.

7 Inscrito nos Livros do Tombo Histórico e das Belas Artes.

8 São elas: Fortaleza de Paranaguá, PR; Forte de Santo Antônio da Barra, Forte de Santa Maria, Forte de São

Paulo da Gamboa, Forte de São Marcelo, Forte do Morro de São Paulo, Forte de São Lourenço, Forte de Paraguassu, BA; Fortaleza de Orange, Fortaleza de Itamaracá, Forte das Cinco Pontas, Forte do Buraco, Forte do Pau Amarelo, Forte do Brum, PE; Fortaleza da Conceição, Portão da Fortaleza de São João, RJ; Fortaleza de Ponta Grossa, Fortaleza de Santo Antônio, Fortaleza de São José da Ponta Grossa, Fortaleza de Santa Cruz, SC; Forte de Gragoatá, Fortaleza de Santa Cruz, RJ; Fortaleza de Santa Catarina, PB. Informação constante na capa do processo de tombamento nº 155-T-38, 1º volume. 9 Inscrito no Livro do Tombo Histórico.

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Já o tombamento da Casa Natal de Victor Meirelles10, realizado em 1950, esteve

intimamente ligado à memória do importante artista plástico catarinense por ser o local onde

o mesmo nasceu, em 1832. Ainda que não conste de forma objetiva tal afirmação neste

processo, é possível inferi-la pela interpretação da denominação utilizada, representativa

daquilo que se deseja proteger. Victor Meirelles - autor de obras históricas - foi pintor,

desenhista e professor, e deixou um grandioso e valioso acervo para a cultura brasileira11.

Vale ressaltar, como particularidade do processo de tombamento de sua casa natal, a

preocupação com a integridade do imóvel – uma das poucas edificações oitocentistas

preservadas no centro histórico de Florianópolis -, uma vez que havia interesse da

Companhia Telefônica na desapropriação e demolição do prédio a fim de ampliar suas

instalações. Constatado o interesse no bem como patrimônio cultural e, para que seu uso

estivesse atrelado a sua relevância histórica, em julho de 1946 o imóvel foi transferido à

União Federal a fim de que nele fosse instalado o Museu Victor Meirelles.

Quanto ao tombamento da Antiga Alfândega12 - importante estabelecimento para a memória

de uma cidade litorânea -, realizado em 1975, existe o claro entendimento da sua relevância

no parecer da arquiteta Lygia Martins Costa, então Chefe da Seção de Arte do IPHAN, no

qual enaltece a qualidade arquitetônica e o bom estado de conservação da edificação

neoclássica. Neste mesmo parecer ficou registrada a preocupação com a ambiência do bem

ao mencionar a necessidade de preservação do seu entorno imediato, considerando-a

competência da esfera municipal.

O tombamento da Ponte Hercílio Luz13, finalizado em 1998, gerou grande discussão pelas

inúmeras particularidades em seu processo, entre elas, o estado de conservação do bem e

o fato de uma ponte metálica até então não ter sido objeto de estudo de tombamento pelo

IPHAN. Entre os argumentos apresentados pode-se destacar a representatividade do

monumento considerado um ícone da capital catarinense, por ser um símbolo tecnológico -

dado as suas inovações técnicas -, por suas características enquanto obra de arte14, pela

integridade da obra15, pela contribuição histórica do bem para o desenvolvimento do

município.

Entre os tombamentos citados, este foi o único em que ficou estabelecida uma poligonal de

entorno. Em meio às discussões levantadas sobre o tombamento da Ponte, a consultora

10

Inscrita no Livro do Tombo Histórico. 11

Disponível em <www.museuvictormeirelles.gov.br>, acesso em 02 de abril de 2014. 12

Inscrita nos Livros do Tombo Histórico e das Belas Artes. 13

Inscrita no Livro do Tombo Histórico. 14

Existe essa menção no processo de tombamento, ainda que a Ponte Hercílio Luz não tenha sido inscrita no

Livro do Tombo das Belas Artes. 15

Aqui entende-se a integridade enquanto caracterização da obra, uma vez que, como já mencionado, sua

estrutura estava comprometida.

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técnica do IPHAN16 Eng. Silvia Puccioni mencionou a relevância da preservação do entorno

do bem, pelas escolhas de projeto atreladas ao mesmo:

O entorno das cabeceiras da Ponte está razoavelmente preservado e trata-se de um

item de fundamental importância a preservação da topografia, do perfil das encostas

e a linha d’água no local, pois foram estes os parâmetros considerados para o projeto

e dimensionamento das cabeceiras e encontros. Portanto a delimitação do entorno

deverá englobar também a seção de água sob ela. (Puccioni, 1988)17

Neste sentido, a Ponte Hercílio Luz teve a sua poligonal elaborada em 1988 e a proposta

incluiu “toda a região situada entre as vertentes voltadas para o mar das duas elevações

que oferecem acesso à ponte”. Visava também à preservação do canal marítimo “com a

finalidade de impedir aterros ou construções que alterem o canal” (Vieira, 1988)18.

O tombamento foi finalizado somente treze anos após a abertura do processo, uma vez que,

mesmo com a unanimidade entre os técnicos sobre o seu valor como patrimônio cultural, o

fato de este bem correr risco de ruir foi alvo de preocupação. Neste caso, o tombamento

ficou condicionado à restauração do bem, compromisso assumido pelo Governo do Estado.

Esclarecer os motivos que levaram ao tombamento dos bens é o ponto de partida para a

análise dos seus respectivos entornos, uma vez que são estas motivações que devem ser

preservadas e valorizadas. A partir delas, outras informações são levantadas e cruzadas -

como a atual situação do sítio, problemáticas existentes, potencialidades, etc. - objetivando

o estabelecimento de uma poligonal de entorno.

Delimitação da poligonal de entorno

A metodologia de análise seguiu os pressupostos dos documentos internacionais para a

salvaguarda da ambiência de monumentos e sítios. Entre eles, o primeiro em que se tem o

registro da preocupação com a preservação da vizinhança para a valorização dos

monumentos - dentro da perspectiva do planejamento urbano - é a Carta de Atenas, de

outubro de 1931, onde: “A conferência recomenda respeitar, na construção dos edifícios, o

caráter e a fisionomia das cidades, sobretudo na vizinhança dos monumentos antigos, cuja

proximidade deve ser objeto de cuidados especiais”. Neste encontro também foi apontada a

16

À época Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Nacional Pró-Memória. 17

Informação nº 008/88, de 26 de maio de 1988, presente no processo de tombamento da Ponte Hercílio Luz n°

1137-T-85, volume I, folha 61. 18

Parecer sobre a delimitação da área de proteção da Ponte Hercílio Luz, elaborado por Dalmo Vieira Filho em

05 de outubro de 1988. Processo de tombamento da Ponte Hercílio Luz n° 1137-T-85, volume II, folhas 133 a 138.

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necessidade de preservar algumas “perspectivas pitorescas” consideradas relevantes pelas

suas particularidades.

Em 1962, as discussões realizadas na Conferência Geral da Organização das Nações

Unidas para a Educação, Ciência e Cultura realizada na França resultaram na

Recomendação de Paris sobre Paisagens e Sítios. Nela, foi alertado que “uma proteção

especial deveria ser assegurada às proximidades dos monumentos” e que “deveriam ser

igualmente protegidos por lei os terrenos de onde se aprecie uma vista excepcional e os

terrenos e imóveis que envolvam um monumento notável”. Partindo desta perspectiva, a

Recomendação de Nairóbi, em novembro de 1976, explorou ainda mais a questão da

ambiência:

Cada conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveria ser considerado em

sua globalidade, como um todo coerente cujo equilíbrio e caráter específico

dependem da síntese dos elementos que o compõem e que compreendem tanto as

atividades humanas como as construções, a estrutura espacial e as zonas

circundantes. (...) uma grande atenção deveria ser dispensada à harmonia e à

emoção estética que resultam da conexão ou do contraste dos diferentes elementos

que compõem os conjuntos e que dão a cada um deles seu caráter peculiar. (1976,

p.3-4)

Ela também ponderou o atual adensamento das áreas construídas nestes locais,

representando um “perigo real de que os novos conjuntos destruam indiretamente a

ambiência e o caráter dos conjuntos históricos adjacentes”. Para evitar tal acontecimento,

novamente foram mencionadas as visuais como uma estratégia de preservação: “Os

arquitetos e urbanistas deveriam empenhar-se para que a visão dos monumentos e

conjuntos históricos, ou a visão que a partir deles se obtém, não se deteriore e para que

esses conjuntos se integrem harmoniosamente na vida contemporânea” (Recomendação de

Nairóbi, 1976, p.4).

Além das questões levantadas pelos documentos internacionais, foi identificada durante o

estudo a necessidade de ir além do conceito de preservação da ambiência, tendo em vista

que em muitos casos esta precisa ser novamente qualificada, por já ter passado por

significativas transformações. Segundo Benevolo (2006, p.65), arquiteto e historiador

italiano:

[...] as cidades – onde uma textura desordenada serve de suporte a uma paisagem

arquitetônica igualmente desordenada – continuarão a ser ilegíveis e inóspitas até os

edifícios recentes estarem novamente em condições de modificação. Nelas ressaltam

os centros históricos como dramáticos testemunhos de uma beleza urbana perdida.

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Trazendo a questão para o cenário da cidade latino-americana, constata-se que a desordem

permeia, e mesmo subjuga, o próprio núcleo antigo, especialmente nos grandes centros

urbanos. Segundo Lúcio Costa (2010):

[...] também aqui, a força viva e avassaladora da cidade industrial, nos seus

primórdios, é que determinava o curso novo a seguir, tornando obsoleta a experiência

tradicional acumulada nas lentas e penosas etapas da Colônia e do Império, a ponto

de lhe apagar até mesmo a lembrança.

Considerando tais fatores, como método para a leitura urbana do entorno dos bens

tombados pelo IPHAN no Centro de Florianópolis foram elegidas visadas preferenciais

(Figura 01) a partir das quais se prioriza a ambiência e a compreensão dos bens na

paisagem. Estas se deram em pontos estratégicos fora dos bens - visadas para os bens

tombados - e dentro dos monumentos - visadas a partir do bens -, onde foram analisados os

elementos presentes nos respectivos campos visuais.

A seleção dos pontos que visam os bens teve como critério a escolha de locais a partir de

onde é possível ter uma visualização privilegiada do monumento, pelo seu significado

histórico, por particularidades estratégicas de valorização ou ainda por ser uma perspectiva

em potencial a ser recuperada. Nestes eixos visuais é fundamental a garantia da

predominância do bem em relação ao seu entorno, assim como da qualidade na apreensão

da paisagem. Também foram consideradas as visadas prioritárias a partir dos bens, uma

vez que tão importante quanto a qualidade da leitura dele inserido na paisagem, é a

percepção do usuário quando posicionado dentro do próprio monumento, avistando o seu

entorno.

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Figura 01: Definição das visadas preferenciais para e a partir dos bens tombados pelo IPHAN no

centro de Florianópolis/SC. Fonte: IPHAN, 2014.

Estabelecida a seleção, cada visada foi analisada a partir de suas particularidades,

buscando definir sua área de abrangência. A proposição destes limites variaram caso a

caso. Pode-se citar, como exemplos de bordas determinadas pelo plano de fundo, a silhueta

de morros e as massas edificadas em altura. Os morros foram considerados importantes

elementos de configuração da paisagem, em especial aqueles onde estão apoiadas as

cabeceiras da Ponte Hercílio Luz. Um recorte foi realizado especialmente nas áreas onde se

mantém a percepção dos seus perfis naturais19.

A Ponte foi um ícone da ligação entre as porções insular e continental da cidade, inexistente

até a sua construção, cujo acesso era unicamente realizado através do mar - este que é um

outro elemento fundamental a ser considerado, portador de significado simbólico para as

cidades litorâneas. Segundo Teixeira (2009, p.24), as ilhas “são lugares formadores de

sistemas culturais restritos, tendo o mar como relação de afastamento e proximidade com as

19

Ainda assim, nem sempre a poligonal se estendeu ao topo do Morro, por considerar que a principal

característica a ser preservada - no âmbito da preservação do patrimônio cultural – já estaria garantida por legislação ainda mais restritiva.

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culturas continentais” e a orla representa esta fronteira, “lugar do encontro e do

afastamento”.

Em uma grande porção da área analisada, no Centro Histórico de Florianópolis, um aterro

executado na década de 1970 (Figura 02) modificou consideravelmente a paisagem e a

relação que existia da cidade com o mar (Figuras 03 e 04). Pontuando a situação do Forte

Santa Bárbara como exemplo, o seu entorno imediato foi intensamente descaracterizado,

uma vez que o Forte se situava em uma ilhota que hoje já não é mais percebida em meio às

avenidas.

Também, a ligação estabelecida pelo mar entre os próprios bens (Figura 03) –

especialmente a Antiga Alfândega e o Forte Santa Bárbara - foi rompida. Cabe aqui

ressaltar que ao espaço criado pelo aterro foi atribuído um uso essencialmente rodoviarista,

com alguns lugares de permanência fragmentados entre bolsões de estacionamentos,

terminais urbanos e equipamentos urbanos dispersos. Situações como esta, em que existe

um relevante contexto histórico em questão, poderiam ser melhor aproveitadas a fim de

valorizar a paisagem urbana e qualificar a ambiência dos bens tombados. Neste sentido,

algumas áreas foram incluídas na poligonal de entorno levando em consideração a

possibilidade incentivar ações que reestabeleçam a relação do Centro Histórico de

Florianópolis com o mar, assim como o resgate da conexão entre os bens tombados em

nível federal.

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Figura 02: Centro de Florianópolis em 1977, após aterro da Baía Sul. Fonte: Geoprocessamento

Corporativo da Prefeitura Municipal de Florianópolis, com alterações feitas pela autora.

Figura 03: Vista do Centro de Florianópolis anterior ao aterro da Baía Sul. Acervo Casa da Memória,

Prefeitura Municipal de Florianópolis, com alterações feita pela autora.

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Figura 04: Atual vista do aterro da Baía Sul. Fonte:

http://www.mtm.ufsc.br/~krukoski/imagens/mapas/, acesso em 28 de abril de 2014, com alterações

feitas pela autora.

Igualmente relevantes como elementos conformadores da ambiência dos bens tombados

pelo IPHAN - e imprescindíveis para a sua qualidade - são as edificações históricas

presentes em sua vizinhança. Como já mencionado, os bens estão inseridos no Centro

Histórico de Florianópolis, tombado pela esfera municipal, estando estes intimamente

ligados ao conjunto urbano nas suas imediações. O Forte Santa Bárbara, por exemplo, teve

sua construção associada à fundação da póvoa, com o objetivo de defender a parte central

da Ilha do ataque de embarcações estrangeiras.

Uma outra particularidade a ser mencionada, quanto ao entorno imediato da Casa Natal de

Victor Meirelles é a sua proximidade com a Praça XV de Novembro. Esta Praça representa

o ponto central a partir de onde a cidade se expandiu. Próximo à ela foram centralizados os

poderes religiosos, políticos e militares da antiga póvoa. Neste caso específico foi

considerado que tão importante quanto garantir o eixo visual do bem tombado a partir deste

ponto, seria a preservação da ambiência do mesmo caracterizada pelo casario que ainda se

mantém no entorno e proximidades da praça e que fazem parte da leitura da residência

natal de Victor Meirelles, preservando sua escala urbana.

Estes foram alguns dos critérios utilizados para a delimitação da poligonal de entorno dos

bens tombados pelo IPHAN no centro de Florianópolis, tomados a partir das recomendações

dos documentos internacionais, práticas institucionais, demandas existentes no local e

demais particularidades. Na sequência, os exemplos foram pontuados para que pudesse ser

vislumbrado, de forma prática, como a análise foi desenvolvida. Cabe aqui ressaltar a

importância em clarificar como o perímetro foi determinado a fim de que esta poligonal seja

compreendida de forma ampla: mais do que seguir limites, é necessário que sejam refletidos

os motivos pelos quais a área foi considerada relevante enquanto ambiência dos bens

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culturais e, assim, tomar partido desta em futuras ações, bem como questioná-la quando

necessário.

Considerações Finais

A interpretação da paisagem varia de acordo com a abordagem com que é feita. Neste

caso, a leitura partiu dos monumentos históricos, onde foi proposta uma discussão sobre a

relevância da mesma enquanto ambiência dos bens tombados pelo IPHAN no centro de

Florianópolis/SC.

Os critérios para a avaliação – após elencadas as visadas preferenciais - foram definidos a

partir das particularidades de cada local, como: elementos conformadores da paisagem,

aspectos históricos e simbólicos, espaços com potencial de valorização, reestabelecimento

da ligação entre os bens, contexto histórico edificado (conjunto tombado na esfera

municipal), malha e escala urbana. As interpretações das áreas de abrangência de cada

bem tombado foram feitas, portanto, por meio de diferentes perspectivas, dependendo da

situação em que estava inserida - onde, por vezes, ocorreu uma sobreposição de áreas. A

paisagem circundante foi, então, um importante elo de conexão entre os cinco bens

culturais, fator preponderante para a definição de uma única poligonal de entorno.

Apesar dos bens tombados apresentarem características bastantes distintas entre si - pela

tipologia, implantação, escala, uso, tendo sido construídos inclusive em períodos diversos -

sua análise conjunta foi inevitável por estarem implantados em um mesmo território, o centro

da Ilha de Santa Catarina, e serem ícones que se relacionam com os principais momentos

de transformações urbanas no centro da cidade.

Também, algumas destas transformações - especialmente a partir da década de 1960 -

trouxeram grande prejuízo à leitura destes, que tiveram seu contexto significativamente

alterado, em especial pelo afastamento com o mar (até então elemento que tinha forte

relação com os bens) causado pelo aterro. Atualmente esta área com relevante importância

histórica e com potencial para a apropriação pública está tomada por estacionamentos,

rodovias e equipamentos urbanos sem conexão entre si. Foi verificado, portanto, que, em

determinados casos, as futuras ações na área deverão garantir não apenas a preservação

da ambiência dos bens, uma vez que já está comprometida, mas a sua qualificação. A

poligonal de entorno é um dos instrumentos que podem ser utilizados para atingir estes

objetivos.

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Referências

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patrimônio histórico e artístico nacional.

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CURY, Isabelle. (Org). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.

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diretrizes e Normas de Preservação para áreas urbanas tombadas. Sistema Integrado

de Conhecimento e Gestão – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –

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IPHAN. Portaria de nº 11, de 11 de setembro de 1986.

IPHAN. Processo de Tombamento nº 155-T-38. (Tombamento da Fortaleza de São José

da Ponta Grossa e Forte Sant’Ana)

IPHAN. Processo de Tombamento nº 0342-T-44. (Tombamento da Casa Natal de Victor

Meirelles)

IPHAN. Processo de Tombamento nº 0914-T-74. (Tombamento da Antiga Alfândega de

Florianópolis)

IPHAN. Processo de Tombamento nº 1053-T-81. (Tombamento do Forte Santa Bárbara)

IPHAN. Processo de Tombamento nº 1137-T-85. (Tombamento da Ponte Hercílio Luz)

MORI, Vitor Hugo. Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de

Santos / Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos, Adler Homero F. de Castro. – São

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RABELLO, Sonia. O Estado na preservação dos bens culturais: o tombamento. Rio de

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TEIXEIRA, Luiz Eduardo Fontoura. Arquitetura e Cidade : a modernidade (possível) em

Florianópolis, Santa Catarina – 1930-1960 / Luiz Eduardo Fontoura Teixeira ; orientador

Carlos Alberto Ferreira Martins. – São Carlos, 2009