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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
PAISAGEM E MEMÓRIA NA CONSTRUÇÃO DO CIRCUITO DA HERANÇA AFRICANA1
CRUZ, ALAN G.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia
Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza - CCMN Instituto de Geociências – IGEO
RESUMO
O presente artigo compreende o estudo sobre uma das políticas urbanas desenvolvidas na cidade do Rio de Janeiro. Recentemente, a área do porto da cidade sofreu alterações justificadas pelos megaeventos da Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016. Dentro do arcabouço de intervenções responsáveis por transformar a paisagem da cidade surge aquela de construir uma memória africana para região do porto, materializada pelo Circuito da Herança Africana. Constituindo assim lugares de memória apropriados por grupos que compartilham dessa identidade. Dentro deste contexto é que surge o Cais do Valongo, com uma paisagem ressignificada. Entender o processo de como as narrativas produzidas por atores do cenário da cidade transformam materialmente a paisagem, mas também seu significado, numa construção dialética, torna-se o objetivo deste trabalho.
Palavras-chave: Paisagem; Cais do Valongo; Circuito da Herança Africana; Memória; Cidadania.
1 Este artigo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do grau de Licenciatura em Geografia
pela UFRJ.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
INTRODUÇÃO
Nosso estudo se insere a partir de três observações notadas em várias cidades do mundo.
A primeira abordada por Abreu (1998) destacando a valorização do passado das cidades
pelas sociedades modernas. Existe uma busca incessante atrás de vínculos identitários
colocando as memórias dos lugares, das paisagens e das instituições de memória como
algo impreterível à preservação. Nora (1993) preocupa-se com esse fenômeno alertando
para “síndrome arquivística”, quando preservarmos através de instâncias protetoras
qualquer vestígio do passado. Ainda assim, a memória é seletiva passando sempre por um
processo de escolha – o que quer e o que não quer se lembrar –, por isso é extremamente
volátil e, portanto, política. Por isso, apesar de crescer as ações para preservar o passado
não estamos retratando que não haja conflito. Pelo contrário, diferentes memórias coletivas,
não raramente, se justapõem ao longo dos anos sobre o mesmo espaço, gerando embates
de cunho identitários difíceis de solucionar.
A segunda observação é palco frequentemente da primeira. Existem atualmente
preocupações nas cidades de recuperar áreas centrais noticiadas como “vazias”,
“degradadas”, “marginalizadas”, e que precisariam da “revitalização”. Estes espaços
costumam configurar pontos nodais da cidade, sendo alvo de diversos interesses: grupos,
empreiteiras, imobiliárias, instituições e residentes. Neste sentido, a Zona Portuária da
cidade do Rio de Janeiro torna-se alvo de grandes transformações e de conflitos.
Impulsionada pelos megaeventos da Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016, a
região passou por intensas mudanças gerando consequências: enobrecimento da área,
remoção de moradores, criação de lugares de memória, cultura e lazer. Entretanto, essa
parte da cidade contém um substrato social da época da escravidão no Brasil com forte
apelo. Mobilizando grupos dentro da região a participarem da criação do Circuito Histórico e
Arqueológico da Celebração da Herança Africana – espaços voltados para a valorização da
memória afrodescendente da cidade, dentre eles o Cais do Valongo.
Nossa terceira observação encontra-se na valorização do conceito de paisagem dentro e
fora da Geografia. Revivida pela renovada Geografia Cultural, ela ganha novos ares e novas
aplicações. Duncan (2004) trata a paisagem como um texto, ou seja, passível de ser “lida”
de acordo com o “olhar” do observador, portanto, apta a possuir múltiplos sentidos. No
campo do patrimônio, tratando-se da paisagem cultural, as possibilidades de sentidos
desperta o eventual problema: qual sentido privilegiar? Essa questão gerou e continua
causando bastante alarme. Não obstante, percebemos a paisagem como uma ferramenta
de gestão do território (RIBEIRO, 2011; 2012). Atribuir novos sentidos a espaços com pouca
visibilidade está se tornando uma estratégia chave na gestão das cidades. Sendo
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apropriadas por políticas urbanas como ferramenta de controle pelos governantes e alvo de
interesses por grupos em busca de visibilidade, de cidadania, ou como a bibliografia sugere
pelo “direito à cidade”.
Enquanto a sociedade experimenta esses fenômenos, o Cais do Valongo é “redescoberto”
em 2011. Um dos maiores portos de escravos do mundo, em apenas vinte anos, recebeu
cerca de quinhentos mil africanos. Honorato (2008) auxilia entender as diversas
transformações que ocorreram no Cais. A história começa com o Vice-Rei Marquês de
Lavradio transferindo o mercado de escravos para a região do Valongo em 1779. Fazendo
os escravos desembarcarem na Alfândega (atual Praça XV) para depois serem
transportados em canoas até o novo mercado de escravos. Somente em 1811, já com a
corte portuguesa no Brasil, a Intendência-Geral de Polícia da Corte da Cidade do Rio de
Janeiro ergueu o Cais do Valongo facilitando o tráfego. Destinado para a chegada dos
escravos torna-se um lugar de penúria e desprezo como bem relata viajantes da época. O
significado perdurou até 1843, quando o cenário político do Brasil ganhou novos ares com a
chegada da Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon Duas-Sicílias. Nesse ano, o Cais do
Valongo é rebatizado de Cais da Imperatriz, sendo todo reformado e embelezado para
construir um novo significado. O clima abolicionista e pressões externas já criticavam a
escravidão, o Cais da Imperatriz ressignificou o Cais do Valongo, antes um local de
escravos tornava-se um símbolo da realeza. No início do século XX, a região portuária
sofreu uma série de aterros devido à lógica de ordenamento da cidade. O Cais é aterrado
remanescendo somente o Obelisco da Imperatriz – que referência o local do antigo Cais –
ressignificando e colocando em ostracismo a memória vinculada ao antigo Valongo. Como
problematiza Pollak (1989) o esquecimento e o silêncio das memórias são processos
presente nas ressignificações.
No contexto favorável a valorização da memória afrodescendente, dentro da zona turbulenta
de mudanças e conflitos, a paisagem do Cais do Valongo ressurge sendo alvos de possíveis
narrativas. É a paisagem do Cais do Valongo fruto de novas narrativas, e seus novos
significados construídos a partir da redescoberta em 2011 até 2015 que o trabalho foca seus
esforços. Nosso objetivo é entender a ressignificação da paisagem do Cais do Valongo a
partir da criação do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana no
Rio de Janeiro. Essa valorização sob o substrato material da cidade escravocrata não
estava previsto no projeto original do Porto Maravilha, o local estava destinado às obras de
infraestrutura. A mobilização de intelectuais e grupos que se identificam com os vestígios da
memória africana proporcionou sua criação. O que não sugere a ausência de conflitos,
outros esquecimentos e alguns silêncios (POLLAK, 1989). Após duzentos anos, ressurgem
em 2011 as antigas formas do Cais do Valongo e da Imperatriz, evidenciando dois
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momentos distintos, ou seja, resquícios de duas paisagens de diferentes épocas sobre o
mesmo espaço.
AS MÚLTIPLAS NARRATIVAS DA PAISAGEM E A GESTÃO DO
TERRITÓRIO
Paisagem: Do conceito a um instrumento de gestão
Melo (2001) aponta a falta de unidade na nova Geografia Cultural como um ganho. Não
existe uma “estrutura taxonômica” responsável por guiar os trabalhos e a forma como o
conceito é aplicado. Por outro lado, existe um objetivo comum perceptível nas obras desses
geógrafos: uma “elucidação do processo cultural por meio dos estudos das paisagens”
(DUNCAN, 1990, p4, apud MELO 2001). A abordagem que eu proponho é o trato da
paisagem que valoriza as transformações materiais e simbólicas, uma vez que são
indissociáveis. Também fujo de análises reducionistas, se por um lado criticam o
economicismo das transformações das paisagens da cidade, por outro tropeçam no
culturalismo. A paisagem dentro da metodologia de uma Geografia Política, no qual
elaboramos este trabalho, é trabalhada como um dispositivo (AGAMBEN, 2005) valioso
instrumento da gestão do território da cidade (RIBEIRO, 2011,2012).
Cosgrove (2012) destaca o papel da paisagem como meio pelos quais sentimentos, ideias e
valores são expressos. As interpretações geográficas das paisagens elucidam “textos” os
quais transmitem significados repletos de simbolismo. Não podemos esquecer que
Cosgrove baseia a análise através do horizonte do materialismo dialético. Logo, categorias
de analises generalizantes e dicotômicas surgem - paisagens da cultura dominante e
paisagens alternativas. Entretanto, o simbolismo e todo poder simbólico (no sentido
Buordieano) pressuposto na paisagem é fruto da grande gama de instituições e grupos que
disputam seus significados em arenas políticas. Portanto, existem múltiplas possíveis
paisagens, que não necessariamente é fruto somente do grupo dominante ou aquelas que
não representam seus “valores” e “sentidos”. A paisagem que o presente trabalho propõe a
estudar é fruto de um processo complexo de decisões envolvendo vários atores, e se
inserindo dentro de um contexto espacial específico. Ao ignorarmos a multiplicidade
deixamos de entender os processos fundamentais que compõem os significados espalhados
por uma cidade. Neste trabalho, apesar de apropriarmos do conceito oriundo da Geografia
Cultural, queremos elucidar os processos políticos responsáveis pelo reordenamento dos
elementos – materiais e simbólicos – da paisagem do Cais do Valongo. Portanto, estamos
trabalhando a paisagem não como conceito, pois assim ele é polissêmico e pouco funcional,
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mas sim como categoria - que surge no campo do patrimônio até chegar na preocupação do
desenvolvimento e gestão das cidades.
No âmbito da cidade a paisagem torna-se objeto de interesse dos modeladores urbanos, no
qual o poder simbólico é essencial para influenciar os citadinos. Ora, se a paisagem permite
criar significados que banham nosso cotidiano, não é difícil conceber o interesse de atores
políticos em reformular seu significado ou construí-lo. Duncan (2004) problematiza as
potencialidades da paisagem como retórica. Para o autor as ideologias impregnam-se na
paisagem, utilizando-a como normalizadora da sociedade. Na visão de Duncan (2004) a
paisagem é como um texto, o significado adquirido mudará de acordo com o observador.
Sua interpretação, portanto, varia o sentido segundo olhar do “escritor” ou do próprio “leitor”.
Sendo assim, a paisagem não é um dado pronto da realidade, é algo construído, por isso
podemos remeter à ideia do cenário cujo recorte dá sentido para obra. O espaço sempre
esteve lá, são as narrativas associadas às formas que irão criar novos arranjos sociais e/ou
novas visibilidades. Para alguns, essas narrativas tendem a ser influenciadas pelos regimes
de visibilidade, que domestica nosso olhar sobre os espaços (GOMES, 2013). Para outros,
não há necessariamente um regime, as possibilidades são amplas e não restrita a um
horizonte somente. Para Berque (1998) a paisagem, se por um lado, reflete uma
determinada condição socioespacial marcando o espaço da cidade, por outro é matriz,
possibilitando a construção de novas concepções. Neste sentido, a possibilidade de
construir olhares multiplica. A paisagem não é somente a forma, é viva, devido as suas
possíveis ressignificações (RIBEIRO, 2011).
Recentemente no Brasil, a paisagem está sendo apropriada pelas políticas de patrimônio, e
não raro, por políticas urbanas – as duas não são excludentes. Conscientemente ou não, a
categoria de paisagem é apropriada pelos governantes inserindo-a no cerne de políticas
urbanas em grandes cidades brasileiras. Destacamos a cidade do Rio de Janeiro, a qual
impulsionada pela visibilidade dos megaeventos sofre múltiplas transformações em ritmo
intenso. Estopim para implantação da discussão sobre as paisagens são as candidaturas de
cidades brasileiras a Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO, progredindo com o Rio de
Janeiro entrando em 2012 dentro da tipologia paisagem abrangendo uma grande área
urbana - um feito inédito até então. Apesar das vantagens do ponto de vista turístico, a
inscrição também implica numa gestão e preservação da paisagem urbana, principalmente
da esfera municipal. Desde então, a paisagem começa a ser pensada como instrumento de
gestão do território incorporada nas políticas das cidades (RIBEIRO, 2012).
Portanto, a paisagem ressurge no século XXI junto com a discussão renovada de patrimônio
cultural no contexto da UNESCO, seguida pela apropriação por políticas urbanas. Essas
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apresentam uma preocupação com a estética da cidade, como o recente caso da demolição
das principais vias do centro da cidade do Rio de Janeiro – Elevado da Perimetral. A
preocupação com a estética tem agitado diversos exemplos de políticas que transformam as
paisagens das cidades, alguns denominam esse processo de “estetização do mundo
contemporâneo” (LIPOVETSKY e SERROY, 2013). Se a motivação é estética na elaboração
de novas paisagens, outros elementos presentes no substrato espacial também sofrerão
transformações – no caso do Cais do Valongo a memória é este elemento. Por essas
perspectivas a categoria de paisagem torna-se um instrumento de análise valioso para as
transformações que ocorrem na cidade. Sempre pelo viés das novas narrativas obstinadas a
transformar, materialmente e imaterialmente, as paisagens.
Paisagens Disputadas
Deste trabalho não podemos excluir as memórias, visto que as paisagens compõem-se
delas. Schama (1995) problematiza esta relação entre memória e paisagem. O Rio Tâmisa,
na Inglaterra, é visto por Schama como local onde os navios se movimentam, além de uma
área de antigos mitos. Entretanto, alguns outros, se lembram do Tâmisa com o “ar
condensado de melancolia”. Dois olhares, duas memórias diferentes, duas paisagens
distintas, embora o mesmo espaço concreto. A possibilidade da multiplicidade de
significados deve-se as diversas bagagens culturais dos indivíduos. Para Schama (1995) o
“lugar-comum” está infestado de mistérios que a história não conta, logo, “cavar” a procura
deles emergirá as memórias, objeto de incomensurável valor para as sociedades
contemporâneas. Portanto, os espaços possuem distintas camadas de memória, a
paisagem é uma forma de enquadrá-las. O enquadramento da memória é a seleção de
alguns elementos e a exclusão de outros. “Todo trabalho de enquadramento de uma
memória de grupo tem limites, pois ela não pode ser construída arbitrariamente” (POLLACK,
1989, p.7). Considerar os substratos espaciais, entendido neste trabalho pela dimensão
concreta do espaço geográfico é compreender os limites e as possibilidades da criação de
significados. Neste sentido, paisagem e memória se relacionam. Como o próprio Schama
(1995, p.17) coloca: “antes de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da
mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rochas”.
As memórias estão em todas as partes. Algumas são subjetivas, individuas e simples,
retratam experiências desoladas e não necessitam de conexões. Outras são coletivas,
compartilhadas através das redes de relacionamento dos grupos. Halbwachs (1990) ajuda a
entender as memórias coletivas, todas precisam de um espaço concreto e um grupo para
existir. Os grupos vão ler o espaço de maneira exclusiva. Indivíduos, não possuindo vínculos
identitários com aquele grupo, ao entrarem naquele espaço terão outros olhares, outros
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sentidos. Halbwachs (1990) ressalta que caso algum dos dois – espaço ou grupo – se
altere, modificam também a memória coletiva. Interessante transportar esta noção para os
mais de duzentos anos da existência do Cais do Valongo. Os escravos vincularam uma
memória coletiva ao Cais. Portanto, para aquele grupo existia determinados significados –
sofrimento, penúria, dor –, porém, não era o único. Os traficantes e os compradores de
escravos também eram um grupo, compartilhavam naquele local outras memórias, outros
sentidos – dinheiro, lucro, poder. As memórias coletivas se justapõem – e por vezes se
sobrepõem – gerando diversos significados no mesmo espaço, porém os dois grupos
significam o espaço de formas diferentes. Em outras palavras, são paisagens distintas
apesar do mesmo espaço concreto, pois as atribuições de significados partiram de olhares
díspares. Não raro poderá existir uma disputa pela paisagem mais autêntica e pela
legitimação oficial sobre determinados sentidos.
A memória do Valongo é coletiva, ou seja, necessita de um espaço e um grupo que se
aproprie dela para existir (HALBWACHS, 2003). As memórias coletivas – fruto das
experiências compartilhadas pelos grupos nos espaços – torna palatável a criação de
determinados significados. Neste sentido, não é difícil entender o seu potencial político.
Como diz Schama (1995, p.26): “As paisagens podem ser conscientemente concebidas para
expressar as virtudes de uma determinada comunidade política e social”. Entretanto, qual
sentido escolher diante das possibilidades? No campo do patrimônio essa questão sempre é
urgente. A decisão sobre patrimonializar significa legitimar frente à sociedade determinado
sentido, enfatizar certas memórias em detrimento de outras. A busca pela comprovação pela
“verdadeira” memória coloca os grupos e as instituições em conflitos. Guimarães (2014), em
A Utopia da Pequena África, mostra a disputa dos grupos que lutam dentro do Morro da
Conceição na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Defendem o patrimônio “negro”,
“franciscano”, “hispânico” e “português”, todos com a bandeira da autenticidade e do
tradicional. Na complexa “Geografia da autenticidade” sobressai a mais valorizada pelo
Estado, que mobiliza recursos a seu favor – devido aos instrumentos de poder que dispõe –
em pró de algum interesse alcançado ao legitimar tal memória.
No campo da legitimação as disputas não se prendem somente as memórias coletivas, mas
também, aos espaços e suas visibilidades. Determinadas narrativas irão proporcionar a
valorização de elementos constituintes de certas paisagens. No Cais do Valongo queremos
entender a criação dos novos sentidos, que proporciona e exalta uma nova paisagem em
detrimento de outras. Para Duncan (2004), na perspectiva da Geografia Cultural não seria
uma nova paisagem, mas novas retóricas para uma paisagem já conhecida. As duas
concepções não são excludentes, pelo contrário, nas duas há uma reorganização simbólica
e material dos elementos da paisagem, fruto de um ordenamento criterioso. Por isso a
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importância de entender as transformações materiais e imateriais do Cais. Os grupos
urbanos se apegam ao arranjo espacial onde vivem, não conseguindo perceber qualquer
mudança sem que ocorra alteração no espaço (HALBWACHS, 1990).
“É preciso antes de tudo considerar que os habitantes são levados a prestar uma atenção muito desigual àquilo que chamamos o aspécto material da cidade, ainda que a maioria, sem dúvida, seria bem mais sensível ao desaparecimento de tal rua, de tal edifício, de tal casa do que aos acontecimentos nacionais, religiosos, políticos mais graves. É por isso que o efeito da agitação, que abala a sociedade sem alterar a fisionomia da cidade, atenua-se quando passamos àquelas categorias do povo que se apegam mais às pedras do que aos homens” (HALBWACHS, 1990, p.93)
Quem se apropria do Cais do Valongo hoje não ocupava e nem realizava seus ritos no local,
mesmo sabendo a localização, graças ao Obelisco da Imperatriz que sinalizava a possível
localização do porto. A decisão de expor o Cais do Valongo como museu a céu aberto
invoca grande visibilidade e a materialidade é importante para formar os signos. Permitem,
também, práticas espaciais como trabalho de campo, pesquisa e rituais religiosos. Portanto,
a disputa gira em torno da paisagem, a (re)elaboração dela que será responsável por novos
significados, cujo grupos e instituições buscam, e nas quais as memórias coletivas são
matrizes.
Pollak (1989) ressalta que o cerne das disputas são as memórias. O autor coloca a memória
coletiva nacional e as memórias de grupos marginalizados em constante embate. Não
defendemos que a memória não tenha carater político e conflituoso, entretanto, o objetivo da
luta é a visibilidade proporcionada a cada memória. Visibilidade que exige um componente
espacial. Halbwachs (1990) enfatiza o papel do espaço para as memórias coletivas:
“[...] não há memória coletiva que não se desenvolva num quadro espacial. Ora, o espaço é uma realidade que dura: nossas impressões se sucedem, uma à outra, nada permanece em nosso espírito, e não seria possível compreender que pudéssemos recuperar o passado, se ele não se conservasse, com efeito, no meio material que nos cerca. É sobre o espaço, sobre o nosso espaço -aquele que ocupamos, por onde sempre passamos, ao qual sempre temos acesso, e que em todo o caso, nossa imaginação ou nosso pensamento é a cada momento capaz de reconstruir - que devemos voltar nossa atenção; é sobre ele que nosso pensamento deve se fixar, para que reapareça esta ou aquela categoria de lembranças” (HALBWACHS, 1990, p.99-100)
De certa forma as memórias coletivas dos grupos urbanos se justapõem e sobrepõem uma
as outras na cidade. O que irá gerar o conflito é a busca pela visibilidade dentro do discurso
oficial das políticas públicas que coordenam a cidade em sua ordem material e simbólica. As
recentes obras na Zona Portuária do Rio de Janeiro é palco da disputa por visibilidade, que
em tese, permite grupos atingirem uma novo papel dentro da urbe. Em outras palavras,
poderia indagar se grupos com pouca visiblidade adquirem um tipo de cidadania ao se
tornarem visíveis. Na medida em que começam a pertencer e a serem vistos pela cidade. O
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processo que cria novos significados gerando novas territorialidades, constituíndo novos
lugares de memória, segregando espaços e, por ventura, podendo gerar cidadanias, são
fruto de novas perspectivas e demandas que se impõe a cidade. Neste sentido, a paisagem
entendida com um recorte de significados no espaço pode servir como um dispositivo
político-espacial, pois permite a gestão dos sentidos da cidade, e por isso, transforma a
ordem simbólica dos territórios. O referente trabalho busca explicar como a transformação
material e simbólica do Cais do Valongo ocorreu, fruto de um recorte possível sobre aquele
espaço, que devido ao seu substrato espacial poderia constituir diversas paisagens – como
valorizar a memória da imperatriz. Neste sentido, a paisagem também é um instrumento de
gestão das memórias.
OS NOVOS SENTIDOS DA PAISAGEM DO CAIS DO VALONGO
A Zona Portuária e o Circuito da Herança Africana
O mundo observa uma competição global entre as cidades. Dentro das estratégias de atrair
novos capitais, criar novas representações confeccionando imagens autênticas torna-se um
método eficiente (ROSSI e VANOLO, 2011.). Os megaeventos desempenham papel
importante para impulsionar transformações urbanas. A cidade do Rio de Janeiro se insere
neste quadro. A Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016 permitirão
ressignificações em diversos bairros das cidades. Antigos espaços ganharão novos
sentidos, possibilitando usos e ocupações antes não proporcionados. O centro da cidade
sofrerá um dos processos mais intensos. A Zona Portuária do Rio de Janeiro merece
destaque, não só ganha equipamentos urbanos pautados nas melhorias dos transportes,
das áreas residenciais, mas, adota novas narrativas sobre a paisagem carioca. A região
portuária há décadas se encontrava desgastada e ignorada pelo poder público, apesar da
localização próxima ao centro da cidade. Incorporá-la de forma a criar novas imagens e
significados enquadra-se nas estratégias das cidades contemporâneas – tampouco é uma
característica peculiar dos cariocas.
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Figura 1: Circuito da Herança Africana
Fonte: www.portomaravilha.com.br
A Operação Urbana Porto Maravilha vem ocasionando mudanças em vários segmentos
através de programas que subdividem as tarefas. Apesar do Museu do Amanhã e o Museu
de Arte do Rio (MAR), localizados na região, serem dois ícones das atuais intervenções
culturais, não representam, a priori, as memórias dos grupos locais. Esta tarefa recai sobre
Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana que possui atualmente
seis pontos. Um: O Cais do Valongo, principal porto de desembargue de escravos do
mundo. Dois: Pedra do Sal, lugar de memória dos escravos que trabalhavam duras horas
nos trapiches da cidade e procuravam no samba o refúgio e o lazer. Três: Jardins
Suspensos do Valongo, construído no período Pereira Passos, na época as valiosas
estátuas do Cais da Imperatriz foram transportadas para lá – este alvo de polêmicas por não
possuir vínculo direto com a memória africana. Quatro: Largo do Depósito, os armazéns
essenciais para o comércio dos escravos. Cinco: Cemitério dos Pretos Novos, cova dos
escravos recém-chegados que sucumbiram as adversidades do período. O último: Centro
Cultural José Bonifácio, inaugurado por Dom Pedro II foi o primeiro colégio público da
América do Sul. Portanto, os pontos são vinculados, de alguma forma, a Diáspora Africana.
Nesse contexto, há uma vontade de enfatizar memórias afrodescendentes da cidade
observada nas novas intervenções urbanas. Prova dessa vontade é a criação do Grupo de
Trabalho Curatorial do Projeto Urbanístico e Arquitetônico do Circuito Histórico e
Arqueológico de Celebração da Herança Africana (GT), pelo Decreto Municipal 34.803 de 29
de novembro de 2011 - que já instituía preliminarmente o circuito. O objetivo era criar um
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fórum responsável por formular diretrizes para implementação de políticas de valorização da
memória e proteção deste patrimônio cultural (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2012).
Vassalo & Cicalo (2015) ao citar a entrevista concedida em junho de 2013 da arqueóloga
Tânia Andrade Lima, uma das responsáveis pela nova narrativa, indica a impossibilidade da
realização das obras de escavação sem a verba do poder público. O Porto Maravilha não
previa o Circuito da Herança Africana, obras de infraestrutura de saneamento básico (redes
de esgoto e cabos de eletricidade) ocupariam o local que hoje é o Cais do Valongo. Devido
à luta dos pesquisadores finalmente escavam a Praça do Commércio e “descobrem” em
2011 os vestígios materiais e simbólicos significantes da diáspora africana. O Cais do
Valongo é mais valorizado em detrimento do Cais da Imperatriz – que representa a nobreza,
a dominação racial e o domínio europeu (VASSALO & CICALO, 2015). A arqueóloga Tânia
desempenhou papel importante na comunicação com grupos vinculados à memória negra
sobre a riqueza histórica do lugar, auxiliando-os como atores importantes na construção da
nova narrativa sobre o cais.
Preocupado com o processo de institucionalização da memória da diáspora africana no
Porto do Rio de Janeiro, Vassallo & Cicalo (2015) indagam o porquê de somente em 2011, o
processo de patrimonialização ter conseguido se efetivar – visto que no passado outros
momentos existiram como a prórpia descoberta do Cemitério dos Pretos Novos. Milton
Guram, em entrevista concedida aos autores, descreveria o processo como uma
‘conspiração do bem’. Vassallo & Cicalo (2015) descordam e evocam o contexto favorável
que vinha se desdobrando dos anos 1990 até o século XXI: o multiculturalismo; o
reconhecimento das compensações aos africanos pela escravidão por diversos países; a
própria Rota de Escravos da UNESCO levantando o debate; medidas locais e globais do
resgate da memória africana; e sobretudo, reformas urbanas preocupadas em revitalizar
antigas áreas em cartões postais das cidades.
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Figura 2: Obelisco da Imperatriz na Praça Jornal do Commércio
Fonte: https://ssl.panoramio.com
Figura 3: Cais do Valongo e da Imperatriz.
Fonte: http://www.embarquenaviagem.com
Na Figura 2, podemos observar a Praça Jornal do Commércio sobre o Cais do Valongo
antes das obras do Porto Maravilha. A área era uma antiga região comercial da cidade. Na
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Figura 3, já constatamos o atual Cais do Valongo e da Imperatriz, no chão há duas texturas
de piso diferentes. O primeiro nível encontra-se as marcas do Cais do Valongo de formato
em “L” e o calçamento paralelo com desenhos geométricos. No nível acima o Cais da
imperatriz em formato em “T”, com grandes blocos de granito utilizados para soterrar o piso
no qual os escravos desembarcavam. Ambas as estruturas extremamente conservadas.
Atualmente, o Cais do Valongo recebe múltiplos eventos, trabalhos de campo escolares e
ritos de grupos, configurando um novo lugar de lazer e cultura para a cidade do Rio de
Janeiro. As “Rodas Dos Saberes & Fazeres” cria eventos desde após a reinauguração,
sendo computadas até início de 2015 mais de trinta Rodas dos Saberes.
Na entrevista com Júlio Crystor Mendes – ex-diretor cultural do grupo Afoxé Filhos de
Gandhi Rio – quando indagado sobre a realização de eventos, ou qualquer tipo de
apropriação antes da “descoberta”, a resposta foi negativa (MENDES, 2014). Somente com
a criação do museu a céu aberto os cariocas começam a se apropriar do espaço. Isso é
fundamental. Mesmo sabendo a localização do Cais, devido ao Obelisco da Imperatriz
sinalizá-lo, os grupos não realizavam rodas de capoeira, encontros, ou festas na Praça
Jornal do Commércio. . Não obstante, ao responder se o governo procurou o diálogo com os
movimentos negros quando acharam os vestígios, não demonstrou relutância em dizer que
entraram em contato com a mãe de santo Celina Rodrigues, presidente do Centro Cultural
Pequena África. Entretanto, a prefeitura realizou um pré-projeto sem nenhuma consulta aos
grupos, o que gerou um desconforto. A reportagem de Daflon (2011) mostra as
características do projeto que inclusive teria um espelho d’água, duas arquibancadas, duas
salas com informações sobre os dois cais, mobiliário urbano expondo linhas do tempo,
segundo como afirma o próprio Washington Fajardo – subsecretário do patrimônio cultural
na época - em entrevista.
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Figura 4 – Afoxé Filhos de Gandhi Rio, lavagem do Cais.
Fonte: Redes sociais do grupo Afoxé Filhos de Gandhi
O Centro Cultual Pequena África (CCPA) e o Afoxé Filhos da Paz foram responsáveis pela
lavagem do Cais do Valongo. Sempre nos dias 6 de julho. Segundo a mãe de santa Celina
Rodrigues, presidente do CCPA e participante do GT, a pedido dos orixás a lavagem ocorre
nessa data – e é recomendado na própria carta entregue ao prefeito (Recomendações do
Valongo). Reivindicações já foram enviadas à prefeitura, desejando transformar o dia em
feriado oficial da cidade (CANDIDA, 2013). Algo notável do evento é como os grupos podem
entrar e esfregar o chão de um sítio arqueológico que, em tese, foca na preservação. A
materialidade tem um apelo grande no Cais. Nas intervenções da Operação Urbana Porto
Maravilha, a criação do circuito não estava prevista. Mesmo sabendo da grande
possibilidade de encontrar vestígios. Quando fizeram as obras de drenagem, acharam
praticamente intactos os vestígios do Cais do Valongo e da Imperatriz. Os vestígios nesse
caso tem tal apelo que conseguiu, junto com demandas da sociedade, alterar o projeto
original. Portanto, consideramos a escavação do Cais do Valongo como o estopim para
criação do Circuito da Herança Africana.
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Figura 5: Instituições dos membros do GT
.
Fonte: Relatório final do GT (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2012).
Na Figura 5 temos a computação de todas as instituições que participaram das reuniões do
grupo de trabalho. O GT reuniu-se entre dezembro de 2011 até 13 de junho de 2012.
Participaram mais de 50 pessoas de diversas procedências ao final dos encontros. Não
obstante, foram realizadas quatro Câmaras de Consulta Públicas e visitas de campo,
algumas delas registradas em vídeo. Fruto dos encontros, o texto “Recomendações do
Valongo” direciona a forma como será tratado o raríssimo patrimônio. Por fim, realizaram
uma audiência pública com mais de 150 participantes, incluindo membros da sociedade civil,
no dia 26 de junho de 2012 (FONSECA e OAKIM, 2012). Segue abaixo as recomendações
sugeridas do GT sobre o projeto urbanístico do Cais do Valongo:
“[...] que este não deverá ser um Circuito voltado exclusivamente ao
turismo, apesar de, inevitavelmente, englobar este aspecto em sua atuação.
De modo que é recomendação consensual do Grupo de Trabalho Curatorial
que o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana
se torne instrumento e subsídio para projetos educativos e culturais,
atraindo a atenção de estudiosos, pesquisadores, estudantes e público em
geral” (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2012, p.9).
E continua:
“É recomendação [...] que o projeto urbanístico do Cais do Valongo intervenha o mínimo possível no sítio arqueológico, de maneira que seu significado social seja construído progressivamente, de acordo com a dinâmica das relações sociais que ali se estabelecerão a partir da reinauguração da Praça Jornal do Commércio. [...] atenta, ainda, para a
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possibilidade de que o local seja, no futuro, apropriado como espaço de manifestações religiosas e culturais; de modo que sugere o acesso ao sítio apenas em festividades importantes” (retirado do texto “Recomendações do Valongo” em: PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2012).
Nitidamente o Grupo de Trabalho sugere que os significados ali criados tenham como
protagonistas os próprios frequentadores. Porém, não seria possível a participação sem um
arranjo espacial palatável para os grupos e indivíduos. Os novos significados criados pela
ressignificação da paisagem do Cais do Valongo, através das mudanças materiais e
simbólicas sob a luz da nova narrativa da zona portuária, são os condicionantes para as
novas práticas realizadas lá.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As memórias por si só não são portadoras de visibilidade sem que ocorra uma reordenação
material e simbólica dos elementos do espaço. A paisagem é o recorte desses elementos do
espaço, dependendo dos elementos selecionados algumas memórias adquirão visibilidade,
outras serão silenciadas. Nesta perspectiva, as memórias coletivas são elas próprias
elementos de cunho espacial. A memória do Cais da Impertatriz não seria descartada pela
prefeitura, que segue a tendencia das políticas de patrimonialização em dissolver as
diversidades na unidade, porém os grupos, intelectuais e instituições que compartilham a
atual memória coletiva contestaram em prol da valorização do Valongo. Portanto, não existia
a vontade de memória (NORA, 1993) nas novas intervenções urbanas da Operação Urbana
Porto Maravilha, uma vez que o projeto não abarcava a criação de um circuito. A vontade de
memória partiu de alguns intelectuais, instituições e grupos que compartilham de um desejo
em comum. Desta forma, a paisagem foi ressignificada de acordo com o interesse da
narrativa construída e do reordenamento de elementos materiais – como o mobiliário urbano
e o projeto urbanístico –, e simbólicos – reforçado pelos textos e histórias contadas nos
totens, pelos grupos e agentes que ressignificaram o Cais do Valongo.
O processo de construção do Cais do Valongo foi marcado por divergências e conflitos,
dado a grande riqueza histórico-cultural entorno da memória africana da cidade do Rio de
Janeiro. Nem todos os grupos participaram. O que participaram não tiveram alguns desejos
contemplados. O recorte dentro da perspectiva da categoria de paisagem exaltam versões e
silenciam outras. Esse processo quando situado em um substrato sócioespacial permeado
de diferentes memórias conflitantes, privilegiará uma delas. O contexto histórico no qual a
ressignificação ocorre não pode ser desconsiderado, uma vez que o Cais do Valongo só
ressurgiu devido a concepções e tendências atuais: seja o multiculturalismo ou a estratégia
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de construção de novos brandings para o desenvolvimento das cidades. A demanda das
cidades pela construção de novas representações é um dos importantes fatores que
justificam as atuais intervenções.
Concluímos destacando que a atual ressignificação é fruto do atual momento, ou seja, nada
impede que futuras ressignificações ocorram atreladas a outros contextos como sugere
Vassallo e Cicalo (2015). A memória coletiva atual precisa da constante presença dos
grupos que ali a cultivam. Sejam os que realizam eventos culturais ou aqueles que o utilizam
como espaço da prática religiosa. No futuro novas paisagens podem surgir destacando
diferentes memórias. Se o processo de criação de sentidos já é permeado de conflitos, a
permanência de significados dentro dos atuais contextos urbanos precisará ser negociada
no futuro, seus novos signos refém da capacidade de articulação das instituições e grupos à
época. Portanto, dentro das transformações das paisagens nas cidades alguns elementos
podem ser descartados, enquanto outros adquirem grande visibilidade.
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